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OPINIÃO

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FMI Voltou… e Quer Mudar Tudo!

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Já não é nos moldes habituais que passarão a entrar os fundos de ajuda do FMI em Moçambique, graças à lição deixada pela experiência das ˈdívidas ocultasˈ. Ao fim de seis anos de interrupção, o apoio financeiro ligado a um programa mais estrutural daquela organização está de regresso, mas vai apertar na disciplina, exigindo padrões sérios de boa governação e transparência, conforme o programa de políticas do Governo. A notícia enche de esperança muitos analistas nacionais, incluindo os mais críticos. Alexis Cirkel-Meyer, representante do FMI em Moçambique, acredita que, desta vez, há condições para o alcance de resultados importantes no que diz respeito ao crescimento sustentável e inclusivo do País

Recentemente, o tribunal administrativo

anunciou que houve má gestão e desvios do dinheiro que o Governo moçambicano recebeu de diferentes parceiros, incluindo o Fundo Monetário Internacional (FMI), durante a pandemia do Covid-19. Estão em causa 700 milhões de dólares pedidos pelo Governo em Março de 2020 e que serviriam para cobrir o buraco fiscal provocado pela pandemia no Orçamento do Estado (OE) daquele ano, bem como para financiar o combate à doença e dar apoios às famílias mais pobres.

Na altura em que o pedido de Moçambique foi deferido, o antigo Ministro da Economia e Finanças (hoje Primeiro-ministro), Adriano Maleiane, garantiu, em sede do Parlamento, que o Governo iria fazer uma gestão transparente daqueles recursos, através da abertura de uma conta especial para o depósito das verbas.

Mas, pelo sinal que é agora emitido pelo Tribunal Administrativo, faltou alguma coisa na promessa feita pelo Executivo."O Ministério da Economia e Finanças deve elaborar e publicar o relatório de balanço do uso dos fundos do Covid-19, apresentando informação detalhada sobre os montantes desembolsados e a sua execução (especificando os sectores e os locais de aplicação)", exige a instituição, apoiada pelas organizações da sociedade civil que já fazem pressão nesse sentido.

Situações similares não são de hoje, sendo este apenas o mais recente dos inúmeros exemplos de má gestão da coisa pública que obriga o FMI a mudar a sua postura para os próximos compromissos de apoio ao País.

Mudanças desde já

O FMI acabou de anunciar a retoma do apoio financeiro a Moçambique e deve disponibilizar até 470 milhões de dólares para os próximos três anos, à luz de um acordo técnico alcançado com o Governo. Trata-se de um financiamento que se enquadra no âmbito do Acordo de Extensão da Facilidade de Crédito, no valor de cerca de 341 milhões de dólares em Direitos Especiais de Saque ou 470 milhões de dólares, e que põe fim a cerca de seis anos de suspensão.

Mas, de hoje em diante, não serão mais os mesmos métodos de intervenção do Fundo no País, que passa a estar sujeito a condições relacionadas com a transparência na gestão dos recursos públicos e ao fortalecimento das instituições do Estado.

Entre as medidas a serem tomadas como condição para aceder ao apoio contam-se as seguintes: as reformas na administração fiscal e na política do IVA; do lado da despesa, a reforma da massa salarial, recentemente aprovada e que deve, ao longo do tempo, reduzir a pressão sobre as finanças públicas de remunerar os funcionários e conduzir a uma convergência da massa salarial em relação ao PIB para níveis médios observados na região mais alargada; a aprovação de uma Lei do Fundo Soberano, garantindo um quadro institucional forte para gerir a riqueza dos recursos naturais, centrado, inicialmente, no Gás Natural Liquefeito; e a transparência na gestão da dívida e no sector de recursos naturais.

Estas condições caíram bem aos representantes das organizações da sociedade civil, há muito preocupados com a questão da transparência, lembrando que a Transparência Internacional — organização que mede indicadores relacionados com esta questão no mundo — classifica Moçambique entre os países mais corruptos do mundo, justamente pelas falhas na construção de instituições fortes e independentes.

De um modo geral, os economistas também manifestaram optimismo em relação à possibilidade de a ajuda financeira do Fundo recolocar o País na rota de um crescimento mais sólido, e elogiaram o facto de o novo acordo ser para a ob-

“A cada seis meses iremos avaliar se nos mantivemos dentro dos parâmetros acordados. Quando houver uma divergência, avaliamos os motivos e descrevemos o avanço no relatório que é apresentado para aprovação do Directório Executivo do FMI”

tenção de um crédito concessional, com taxas de juro mais baixas e pagamentos a longo prazo e, por isso, com condições de pagamento de menor pressão em comparação com os créditos comerciais.

Na entrevista que se segue, Alexis Meyer-Cirkel esclarece os contornos da decisão de voltar a apoiar financeiramente o País e vinca que os esforços estão voltados para a consolidação da gestão macroeconómica e das contas públicas, podendo abrir caminhos para um novo contexto: o de maior captação de investimentos.

O responsável esclarece, entre outros aspectos, que a decisão não tem qualquer relação com o facto de este ser o ano do início da exploração de gás em Moçambique, conforme avançam alguns analistas.

O FMI, enfim, acaba de anunciar a retoma do apoio financeiro a Moçambique. Que transformações, em termos estruturais, se pretendem com esta intervenção?

Espera-se, com o programa do Extended Credit Facility (ECF), entre outros, apoiar Moçambique no reforço da estabilidade macroeconómica sustentável e consistente com um crescimento inclusivo e robusto conducente à redução da pobreza e desigualdades através do apoio a reformas macro-críticas e medidas estruturais e sociais, entre as quais a gestão das finanças públicas, governação e redes de protecção social.

Esta intervenção é também recebida numa altura em que o País se debate com eventos climáticos cíclicos que exigem recursos adicionais para assistência em infra-estruturas públicas que se perdem. Esta questão terá também sido colocada na equação durante as mais recentes negociações? Como será tratada no novo paradigma de cooperação?

Realmente, nos últimos anos, Moçambique registou um aumento da frequência e gravidade das catástrofes naturais tornando-o num dos países mais afectados pelos choques climáticos no Mundo nos últimos 20 anos, com perdas estimadas em torno de 1,33% do PIB por ano.

A intenção do programa é reduzir pressões fiscais e por parte da dívida, criando espaço orçamental para enfrentar importantes prioridades como mudanças climáticas. O FMI continuará a apoiar estes esforços do País através dos seus instrumentos e políticas, visando minimizar o impacto das mudanças climáticas, incluindo a Facilidade Rápida de Crédito, que já foi activada pelo País aquando da ocorrência dos Ciclones Idai e Kenneth em 2019, ou através do mais novo Resilience and Sustainability Trust.

Várias vozes revelam que o apoio do FMI acabou sendo mais célere por se tratar de um ano em que o País espera ter os primeiros ganhos vindos da exploração do gás. É uma leitura realista?

O objetivo do programa não está relacionado com o gás. Há um foco muito maior em auxiliar o Governo a atingir objectivos macroeconómicos e estruturais mais amplos, que vai muito além da provisão dos recursos financeiros. O programa é oportuno na medida em que é o resultado de consultas técnicas contínuas, de uma visão conjunta do caminho macro-fiscal a ser seguido e das prioridades de reformas estruturais. Enquanto o programa é do Governo, o trabalho em conjunto ajuda o País a nortear e acelerar as reformas económicas, inclusive na criação de instituições, e no quadro de políticas necessárias para a gestão eficiente e transparente da considerável riqueza de recursos naturais e respectivos fluxos de receitas esperados.

No final das contas, vale ressaltar que o crescimento não directamente ligado às exportações do gás é o que mais importa para o emprego e para o crescimento inclusivo no longo prazo. O programa apoia o bom uso dos recursos públicos para garantir o crescimento inclusivo além do sector extractivo.

“Enquanto o programa é do Governo, o trabalho em conjunto ajuda o País a nortear as reformas, inclusive na criação de instituições e no quadro de políticas para a gestão eficiente da riqueza”

Uma importante condição da retoma do apoio, inicialmente posta em cima da mesa pelo FMI, era o esclarecimento das circunstâncias em que foram contraídas as dívidas não declaradas. Qual é, agora, o entendimento do FMI em relação a esta questão?

O programa faz uso do Relatório sobre a Transparência, Governação e Corrupção de 2019, elaborado pelo Governo com o auxílio do FMI, como ponto de partida para uma agenda ampla de reformas na governação. Para além dos itens abordados no programa, o Governo tem vindo a implementar uma série de reformas que melhoram a gestão da coisa pública. Entre elas, estão regulamentos relacionados com a execução do orçamento, a criação da Direcção de Riscos Fiscais e a nova Lei do Sector Empresarial do Estado. No contexto do programa, focalizamo-nos em alguns itens identificados no Relatório de 2019, entre eles a actualização da Reforma de Lei de Probidade Pública, na Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo e, talvez de maior relevância ainda, a Lei de Gestão do Fundo Soberano, entre outras. Esse conjunto de reformas fortalece o arcabouço institucional e dá-nos mais confiança na eficiência e transparência do gasto público.

Desta vez, a retoma da ajuda deve obedecer a uma série de condições relacionadas com a transparência na gestão das contas públicas. Será por aqui que se explica a retoma antes de um esclarecimento cabal do caso das dívidas?

Esta questão foi abordada na pergunta anterior. Talvez possamos adicionar aqui que o programa com o Fundo pode ajudar a nortear o sequenciamento das reformas e coordenar o apoio dos parceiros de desenvolvimento nas áreas da governança e da transparência.

Olhando para os pontos-chave exigidos pelo FMI nesta nova fase de cooperação, há algumas questões que levantam preocupações pontuais. Por exemplo, ao falar das “Reformas na Administração Fiscal e no IVA”, o que o FMI sugere estará relacionado com o agravamento dos impostos? O que deve acontecer?

O programa contempla diversas reformas destinadas a tornar a administração tributária mais eficiente (o que beneficiará os contribuintes). As reformas do IVA visam fortalecer a base tributária, eliminar distorções e aproximar o sistema dos pares regionais. As reformas contribuirão para o ajuste moderado necessário para atingir os objectivos de redução da dívida e das pressões financeiras.

E quanto às “reformas na massa salarial dos funcionários públicos”, o que sugere o FMI? É que a noção que

AS TRÊS PRINCIPAIS FUNÇÕES DO FMI

Nas quase quatro décadas de cooperação com Moçambique (e com todos os membros), o FMI presta assistência em quase todos os domínios conducentes à sustentabilidade e desenvolvimento. Uma intervenção bem vista por uns, mas que, para os críticos, nem sempre trouxe bons resultados

FONTE FMI

EMPRÉSTIMOS

1Disponibiliza financiamento aos países membros para ajudá-los a resolver problemas da balança de pagamentos, como a escassez de divisas que ocorre quando os pagamentos externos superam as receitas em moeda estrangeira.

SUPERVISÃO ECONÓMICA

2Presta assessoria aos países membros sobre a adopção de políticas para alcançar a estabilidade macroeconómica, acelerar o crescimento económico e aliviar a pobreza.

3

DESENVOLVIMENTO DE CAPACIDADES

Apoia o desenvolvimento de capacidades por meio da assistência técnica e formação, quando solicitado, para ajudar os países membros a fortalecer as suas instituições económicas a fim de formular e implementar políticas sólidas.

se tem é a de que os funcionários de base têm sido os menos privilegiados no que diz respeito ao valor salarial, com ajustes pouco impactantes perante uma economia que enfrenta vários obstáculos nos últimos anos…

A lei que define as regras e os critérios para a fixação da remuneração dos servidores públicos foi bastante debatida em público no momento da sua aprovação, no final de 2021. Nós concordamos com os princípios da legislação que visam simplificar as tabelas salariais e controlar uma dinâmica de dispêndio que não era sustentável e consumia uma fatia cada vez maior dos recursos públicos.

No contexto do programa, discutimos medidas que visam atingir um nível de gasto com a folha de pagamento menos dinâmica que o crescimento económico, permitindo assim que, ao longo dos anos, a proporção dos gastos com salários retorne gradualmente a níveis compatíveis com a média da África Subsaariana.

Quais são os pontos fracos na Lei de Probidade Pública e que despertam no FMI a necessidade de orientar o País para a sua alteração? E o que tem a dizer quanto à necessidade da alteração da Lei de Branqueamento de Capitais?

A Procuradora Geral da República já está a reformar a Lei da Probidade Pública, visando esclarecer o universo a que se aplica, reforçando a definição de conflito de interesses, esclarecendo processos de submissão, entre outros. Porém, para o alcance do propósito da sua criação, será importante a capacidade do Governo em reforçar o seu cumprimento.

Relativamente à Lei de Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo, consideramos ser oportuna a sua actualização por forma a responder às deficiências identificadas no relatório de avaliação mútua do Grupo de Combate ao Branqueamento de Capitais da África Oriental e Austral, dentre as quais a necessidade do reforço do quadro de implementação das sanções financeiras visadas e o reforço do quadro para recolha e detenção de informações sobre os beneficiários efectivos.

O que vai implicar, em termos estruturais e de coordenação entre as partes, a fiscalização das novas imposições do Fundo.

Que modalidades sancionatórias estão previstas em caso do incumprimento de um programa com o FMI no novo modelo de cooperação?

Chegar ao Staff Level Agreement significa que as autoridades e a equipa técnica do FMI compartilham uma visão de caminho macro-fiscal a ser seguido, incluindo também as nomeadas reformas estruturais. A discussão sobre as diferentes medidas também contém um acordo sobre algumas metas quantitativas, geralmente metas de défice fiscal, inflação e uma linha temporal para implementar reformas.

A cada seis meses iremos avaliar se nos mantivemos dentro dos parâmetros acordados. Quando houver uma divergência, avaliamos os motivos e descrevemos o avanço no relatório que é apresentado para aprovação do Directório Executivo do FMI, onde Moçambique também está representado. Se as divergências das metas acordadas são muito grandes, pode haver pedidos de correcção e ajuste.

Que sinal emite esta retoma para os demais parceiros de cooperação que, à semelhança do FMI, tinham

suspendido a sua intervenção no País?

Espera-se que o programa tenha o efeito catalisador não só do apoio financeiro dos parceiros de desenvolvimento de Moçambique, como também de atrair investimentos privados nacionais e estrangeiros, num ambiente de melhoria da notação do risco de crédito do País no mercado internacional. Isso é o que verificamos noutros países em situações comparáveis.

Focalizando na gestão dos fundos públicos, quais são as áreas de intervenção e que impacto se pode esperar a médio e longo prazo?

O FMI tem estado a prover a assistência técnica na área de finanças públicas ao redor do mundo. Em geral, Moçambique é um dos países que mais beneficia da assistência técnica com um nível acima da média na região em muitas áreas, além das finanças públicas. No âmbito da gestão das finanças públicas, as principais áreas de actuação de assistência técnica incluem a administração tributária, riscos fiscais, governação e

“No final das contas, vale ressaltar que o crescimento não directamente ligado às exportações do gás é o que importa para o crescimento inclusivo no longo prazo

transparência.

Dentre vários impactos desta assistência técnica, são de destacar a consolidação do Sistema Integrado de Administração Financeira (SISTAFE) para uma gestão mais eficiente e transparente, planificação fiscal mais sustentável e consolidação do sistema tributário para mobilizar mais receita doméstica. O impacto a médio e longo prazo é uma gestão mais eficiente e transparente dos recursos públicos e uma garantia maior de que os recursos serão protegidos de interesses pessoais.

Em termos monetários, quanto é que Moçambique passa a somar em dívida junto do FMI (considerando os 470 milhões de dólares mais recentes) e de é que vai depender a capacidade do País de reduzir a dependência quer em relação ao FMI, quer aos restantes parceiros?

Com a aprovação pela Directoria do FMI do ECF e respectivo desembolso do financiamento, o stock da dívida de Moçambique junto do FMI ascenderá a cerca de 990 milhões de dólares.

Acredito que é importante qualificar a “dependência externa” aqui. Vale lembrar que as economias ao redor do mundo estão cada vez mais integradas, o que inclui também a movimentação de capital entre os países. Mesmo as economias avançadas dependem regularmente de financiamento externo, o que não é uma questão de nível de desenvolvimento. Agora, Moçambique deve, no médio prazo, retornar a um nível de superavit primário que permita uma gradual redução do nível global de endividamento.

Caprazine Hunguana • Responsável pelos Serviços de Execução na Tesouraria do Absa Bank Moçambique

O facto mais relevante deste novo acordo com o FMI é que ele vem demonstrar à comunidade doadora de que há condições para negociar e aprovar novos programas de apoio bilateral e multilateral ao OGE

Regresso do Financiamento do FMI ao OGE – O Possível Início de Uma Nova Era

Orecém anunciado acordo técnico entre o FMI e o Governo moçambicano sobre um programa de três anos, a ser suportado pelo instrumento de financiamento alargado, no qual o Orçamento Geral do Estado (OGE) beneficiará de $470 milhões, dividiu as opiniões de alguns analistas quanto aos reais benefícios decorrentes desse apoio.

Estão ainda presentes, na memória de muitos, os impactos sociais nefastos das medidas impostas ao País para poder beneficiar-se dos financiamentos do FMI e do Banco Mundial nos finais da década 80 e na primeira metade dos anos 90. Todavia, os ganhos económicos a longo prazo traduziram-se em maior estabilidade macroeconómica com um metical menos volátil e um crescimento económico de dois dígitos durante vários anos.

As reformas económicas introduzidas permitiram ao País tornar-se atractivo ao capital internacional e captar importantes volumes de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) em quase todos os sectores da economia. O desvendar das dívidas ocultas em 2016, que levou ao cancelamento do programa de apoio financeiro directo ao OGE por parte do FMI e de outros financiadores bilaterais e multilaterais, assim como o incumprimento e a reestruturação nos Ematum Bonds que foram depois convertidos em títulos soberanos, levaram a sucessivas quedas na classificação de Moçambique pelas principais agências de notação (Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s) até atingir a categoria de junk. Importa referir que a classificação atribuída ao País, por essas agências de notação, já se encontrava em tendência decrescente entre 2013 e 2015, ou seja, mesmo antes da descoberta das “dívidas”. Em Março último, a Fitch manteve a classificação de Moçambique em “CCC” e a Moody’s manteve em “Caa2” tendo melhorado a perspectiva de estável para positiva. Isto significa que o País, de acordo com estas agências, mantém-se numa categoria “extremamente especulativa” e tal cenário agrava o custo de fazer negócio em Moçambique. Os investidores estrangeiros e alguns nacionais atribuem um prémio de risco soberano consentâneo com a classificação de Moçambique no mercado internacional, o que significa que o endividamento das entidades públicas e privadas nacionais é caro e em linha com a baixa classificação do País e tornar-se-á mais barato à medida que tal classificação for melhorada. A subida na classificação do nível de “extremamente especulativa” para a de “grau de investimento” requer reformas estruturantes de alcance muito abrangente.

Embora os detalhes específicos do novo acordo alcançado com o FMI não sejam de domínio público, os comunicados publicados pelo Fundo e pelo Ministério da Economia e Finanças (MEF) informam que o programa de financiamento vai apoiar reformas que incluem a aprovação da Lei sobre o Fundo Soberano, a publicação do relatório de auditoria sobre a gestão dos fundos do Covid-19, alteração da Lei de Probidade Pública e da legislação sobre Branqueamento de Capitais e Combate ao Financiamento ao Terrorismo.

O programa também aborda a transparência na gestão da dívida pública e no sector de recursos naturais, identificados como áreas-chave no Relatório de Diagnóstico de 2019 sobre Transparência, Governação e Corrupção, preparado pelo Governo com o apoio do FMI. O fac-

O novo acordo com o FMI prevê, entre outros aspectos, apoiar reformas que incluem a aprovação da Lei sobre o Fundo Soberano

to mais relevante deste novo acordo com o FMI é que ele vem demonstrar à comunidade doadora de que há condições para negociar e aprovar novos programas de apoio bilateral e multilateral ao OGE. O pacote de reformas tornado público estabelece que os principais objectivos do programa de médio prazo serão o crescimento económico, a sustentabilidade fiscal e reformas na gestão e governação das finanças públicas. As medidas incluem reformas na administração fiscal e na política do IVA.

A reforma da massa salarial do Estado ora em curso é referida como uma acção que deverá reduzir a pressão sobre as finanças públicas e conduzir a uma convergência da massa salarial, em relação ao PIB, para níveis médios observados na região.

Uma meta importante avançada pelo Ministro da Economia e Finanças à imprensa é a de reduzir o rácio “Dívida Pública / PIB” dos actuais cerca de 113% para 60%, uma meta ambiciosa mesmo quando comparada com os níveis anteriores a 2016 (37% em 2012, 50% em 2013, 64% em 2014 e 87% em 2015).

Existem vários factores que constituem um elevado risco para o alcance dos objectivos do programa, com destaque para os impactos das intempéries e a situação actual do tecido empresarial do Estado.

O financiamento aos investimentos de reposição de infra-estruturas públicas destruídas por eventos climáticos assim como os mecanismos de apoio às populações afectadas devem ser alvo de instrumentos financeiros de mitigação que protejam o OGE. O risco orçamental que advém da situação financeira de algumas empresas públicas é muito significativo e espera-se que sejam tomadas medidas para alterar o actual cenário. Os moçambicanos é que devem assumir a propriedade destas e de outras reformas fulcrais para o desenvolvimento do País.

A gestão da política monetária e das reservas internacionais devem continuar a ser prudentes e responsáveis com o objectivo de controlar a evolução do nível de preços e da Balança de Pagamentos num contexto de acrescidas incertezas resultantes do conflito Rússia-Ucrânia. Uma inflação baixa e estável e um saldo de Reservas Internacionais confortável (cobrindo mais de quatro meses de importações, excluindo os grandes projectos) irão permitir a adopção de uma política monetária expansiva a médio prazo, onde o preço do dinheiro será mais baixo e o banco central poderá ser mais activo no mercado cambial para proteger a moeda nacional de choques perversos. A boa gestão das políticas fiscal, monetária e cambial irá, certamente, concorrer para a subida da classificação de Moçambique no mercado financeiro internacional, conduzindo a maiores volumes de IDE, de investimento doméstico e de apoio externo, e promover um maior crescimento da economia.

Por fim, o sector privado também tem um papel fundamental a desempenharogar nesta nova etapa que está a iniciar. A constante capacitação do sector e a adopção das melhores prácticas de governação empresarial e dos padrões internacionais de relato financeiro (IFRS) são apenas alguns dos aspectos que podem ajudar as nossas empresas a estarem mais bem posicionadas para participar no desenvolvimento e exploração dos mega projectos de gás natural.

FMI: o Bom, o Mau e o Vilão?

É uma válvula de escape das economias em aperto. Também tem sido visto como 'persona non grata’ pela alegada ingerência nas economias a que presta assistência. Em Moçambique prevalecem as duas faces ao longo dos 38 anos de cooperação. Qual é a que deve pesar mais?

Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R

Olivro do pesquisador Joseph Hanlon, com o título “Paz sem Benefício: Como o FMI Bloqueia a Reconstrução em Moçambique”, de 212 páginas, publicado em 1997, é um dos sintomas do quanto a presença da instituição nem sempre foi bem vista. Mesmo sem precisar de explorar detalhes do seu conteúdo, basta lembrar que muitas opiniões apontam para as imposições das instituições de Bretton Woods como estando na origem da falência da então promissora indústria do caju. Mas as opiniões divergem. Sempre divergiram. Daí a pergunta no título deste artigo. Mas onde estaria a economia nacional se não tivesse tido o apoio do FMI em múltiplos momentos cruciais da vida do País?

“Precisamos de recursos para a ajuda, porque esta responde a necessidades importantes em todos os sectores. Mas há que não perder de vista o facto de que tal ajuda só será produtiva se formos organizados internamente e que, por causa dela, temos, infelizmente, negligenciado a necessidade da mobilização de receitas internas”. Esta constatação é do economista e docente universitário Constantino Marrengula, e não fugirá da ideia da maior parte dos especialistas em Economia. Por este ângulo de vista, o FMI desempenha um papel indispensável na sua histórica intervenção, quer ao nível do apoio ao Orçamento do Estado, quer no aconselhamento para equilibrar a Balança de Pagamentos (relações económicas de Moçambique com o resto do mundo) e de outros indicadores macroeconómicos. Visto desta forma, “a bola está do lado de cá”, no sentido de ajustar o apoio recebido às reais necessidades do País, através de políticas que conduzam a um crescimento e desenvolvimento socioeconómico consistente. Mas será isso o que realmente acontece desde o início da intervenção do FMI em Moçambique até hoje?

Críticas ao Fundo

Em Moçambique e lá fora não são poucas as vozes 'anti-FMI'. O prin-

O Fundo acreditava que era suficiente liberalizar a economia e os preços para que o ajustamento da balança de pagamentos e a estabilização dos indicadores macroeconómicos fosse efectivo. Mas isso não aconteceu

cipal argumento apresentado é o de que, apesar da aparente intenção de fornecer ajuda aos países, especialmente aos mais pobres, o Fundo tem sido usado com um instrumento para alcançar os anseios dos países ricos, uma vez que são estes que dirigem e decidem os rumos da instituição.

Ou seja, na sua estrutura interna, especialmente a que se relaciona com a proporcionalidade nos espaços de decisão, cada voto tem o valor equivalente ao capital que cada um dos Estados-membros possui. Assim, as nações mais ricas praticamente controlam a organização.

A partir da centralização do poder nas mãos de dirigentes dos países industrializados, as nações pobres e subdesenvolvidas, para conseguir empréstimos e financiamentos, são induzidas a cumprir procedimentos e medidas que favorecem directamente os interesses dos países credores. Ou seja, para tomar os empréstimos do FMI os países precisam, necessariamente, de fazer políticas de austeridade, tendo os governos de adoptar mecanismos para gastarem o menos possível para criarem bases suficientes no sentido do pagamento da dívida.

O problema, segundo os críticos, é que o FMI não discrimina os investimentos dos governos em áreas sociais e acaba por considera-los também como gastos. Esta postura dificulta o caminho para o desenvolvimento. Prova disso, segundo alguns especialistas, é que, na maioria dos casos, e apesar da contenção das despesas, nota-se a prevalência de crescentes e persistentes défices na balança de pagamentos.

Os pontos fortes do Fundo…

Ao longo dos 38 anos de intervenção em Moçambique, o FMI destacou-se positivamente por ter permitido a abertura da economia a capitais externos sob forma de ajuda e de investimentos, e ter permitido a transição de uma economia centralmente planificada para uma economia mais ou menos aberta, propositivas para a economia e para toda a sociedade.

… E os erros

Publicações do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), como que a concordar com a visão de Constantino Marrengula, referem-se ao modelo de orientação económica que o FMI assumiu na década de 1980 durante os chamados ajustamentos estruturais como não tendo resultado em determinadas regiões do mundo, incluindo Moçambique.

A ideia que fica é a de que o Fundo acreditava que era suficiente liberalizar a economia e os preços para que o ajustamento da balança de pagamentos e a estabilização dos indicadores macroeconómicos fosse efectivo. Mas isso não aconteceu.

Pelo contrário, assistiu-se à falência de todo o tecido industrial (não apenas do caju), que incluía a indústria química e semi-pesada. Lembre-se que Moçambique produzia vidro, pneus, acessórios de aparelhos electrónicos, têxteis em toda a sua cadeia, etc., e até à data da independência (1975) era uma das economias industriais de topo em África. Mas tudo passou para a História.

A alternativa àquele modelo de liberalização seria promover a industrialização através do proteccionismo

curando tornar-se numa economia do mercado. De acordo com Constantino Marrengula, é também importante o facto de aquela organização conferir alguma pressão sobre o papel do Governo perante o que chama de “falta de ressão interna”, visto que “as Organizações da Sociedade Civil são inoperantes, as estruturas de oposição ao Governo são fracas e temos uma sociedade menos preocupada com questões relativas à boa governação e ao bem comum, e que, por isso, não questiona o que o Estado deve ou não fazer”.

Marrengula entende que o FMI e outros doadores têm tentado colocar o Governo na rota da prestação de contas e tomada de decisões que serão interno como fizeram alguns países evitando a desindustrialização.

Administração pública não foi levada a sério

Além disso, o funcionalismo público foi ignorado. O economista Constantino Marrengula explica que o processo de liberalização assumia que a Administração Pública era improdutiva e promoveu reformas cujo resultado foi a sua total fragilização: as universidades perderam professores, na saúde perderam-se médicos a favor das ONG e, nestes termos, não havia competências nem possibilidade de colher os resultados esperados da liberalização da economia. Entende, por isso, que os problemas criados àquele nível se

OS CINCO PROGRAMAS MAIS IMPORTANTES DO FMI EM MOÇAMBIQUE

Os 38 anos de cooperação são feitos de vários capítulos de intervenção, mas, aqui, a E&M destaca aqueles que tiveram lugar em momentos cruciais do contexto socioeconómico e político do País.

1984

Moçambique adere ao FMI e ao Banco Mundial, de onde viria a ter apoios para lidar com a profunda crise que se seguiu à Independência (1975). Foi na fase da adopção do modelo de economia centralmente planificada.

Depois dos processos de paz (1992), houve uma participação muito forte do FMI para o País participar no Programa de Alívio aos Países Pobres Altamente Endividados. Como resultado, a dívida passou de cerca de 6 mil milhões USD, correspondentes a 153% do PIB em 1998 para 3,5 milhões em 2006 (49% do PIB).

1987

Moçambique lançou o Programa de Reabilitação Económica (PRE) com o apoio do FMI e do Banco Mundial, com o objectivo de eliminar a grave crise económica e social que o país atravessava, resultado do fracasso das estratégias de desenvolvimento socialistas adoptadas após a independência.

Veio o programa de apoio a políticas com o financiamento que foi suspenso com a descoberta das chamadas dívidas ocultas, em 2016.

1999

2008

2022

Moçambique volta a ter um novo programa que tem a perspectiva de melhorar a transparência e a gestão fiscal para prepará-lo na gestão mais eficaz das receitas futuras do gás.

“O apoio do FMI chega em momento oportuno, já que, com o atraso dos projectos do gás, poderá permitir avanços na implementação de iniciativas de alívio à pobreza”

fazem sentir até hoje, a avaliar pela fraca exigência sobre o seu desempenho.

Uma nova página acaba de ser aberta

Com a história do passado já contada, o economista Fáusio Mussá manteve à E&M o foco na cooperação futura, dando a entender que há margens mínimas para falar dos erros que têm sido levantados.

Entende que um dos grandes impactos que se esperam no novo modelo de prestação de apoio é mais do que os 470 milhões de dólares anunciados. O mais importante é que o programa abre espaço para que haja mais apetite dos doadores para apoiarem o País, com a expectativa de que a gestão macroeconómica vai melhorar.

“Será uma intervenção importante porque estamos a registar atrasos nas receitas do gás e este apoio vai ajudar a suprir carências durante este período na Educação, Saúde, Infra-estruturas e em todas as iniciativas de alívio à pobreza”, defende Fáusio Mussá. E acrescenta: “Ao contrário das missões anteriores, neste programa vejo mais consensos em Moçambique de que será mais benéfico, porque as pessoas querem mais transparência fiscal e esperam que quando o dinheiro do gás chegar será bem gerido. O programa do FMI vai ajudar a alcançar isso também”, concluiu.

Sobre as regras de austeridade impostas pelo FMI, e que são amplamente criticadas em várias esferas de debate dentro e fora do País, Fáusio Mussá entende que, para suprir gastos insustentáveis, a austeridade será evocada sempre que houver indícios de tal acontecer, “mas eu penso que a própria gestão do Ministro Adriano Maleiane na pasta Economia e Finanças (agora Primeiro-ministro) foi de manter um défice fiscal pós donativos relativamente baixo, o que facilitará a ajuda ao desenvolvimento”.

FMI-África. Que Resultados nos Quase 80 anos de Cooperação?

Ao longo dos 78 anos de existência, o FMI foi adaptando a sua forma de actuação às necessidades específicas dos países membros, especialmente os mais pobres. Se os resultados das suas intervenções são por muitos postos em causa, é justo questionar, também, como seriam estas economias sem o FMI

Texto Celso Chambisso • Fotografia Adobe Stock

Recentemente, a Directora-Geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, alertou que a guerra na Ucrânia chega numa altura delicada para África: quando a economia global e o continente começavam a recuperar dos efeitos devastadores da pandemia do covid-19. Esta nova crise, de acordo com a responsável, ameaça desfazer algum desse progresso.

Perante as ameaças, “o FMI está disponível com aconselhamento sobre as políticas, desenvolvimento da capacitação e empréstimos”, assegura, garantindo que “as recentes reformas nas ferramentas de empréstimos do Fundo garantem mais flexibilidade para ajudar a resolver as necessidades dos países africanos”.

No fundo, esta postura da instituição perante as adversidades que afectam os mercados não é nova, e é disso testemunho o percurso do FMI, apresentado por peritos, recentemente, por ocasião do 60º aniversário do Departamento Africano do FMI (AFR). O documento recapitula a evolução da relação entre a instituição e os seus membros de baixa renda, com referência particular aos países africanos.

A respectiva síntese fundamenta que, quando o FMI começou, pouco se preocupou em conceder aos países de baixa renda qualquer consideração especial ou tratá-los de forma diferente dos outros membros. Mas nos 76 anos que se seguiram muita coisa mudou. Hoje, os países de baixa renda são apoiados por uma ampla gama de iniciativas do FMI adaptadas às suas necessidades e circunstâncias. Como foi esse percurso e que mudanças foi trazendo ao longo do tempo?

Não é possível manter uma postura

estática. Na conferência de Bretton Woods, que decidiu criar o FMI e o Banco Mundial, em 1944, estiveram representados três países da África Subsaariana (Etiópia, Libéria e África do Sul), que apesar da carência de apoio não conseguiram ter as suas necessidades de financiamento para o desenvolvimento explicitamente referenciadas nos Artigos do Acordo.

É que, desde o início, o FMI deixou claro que pretendia fornecer apenas apoio de curto prazo à balança de pagamentos, independentemente do estágio de desenvolvimento económico do membro. Por isso, quando a Etiópia, o primeiro país a pedir apoio financeiro do FMI, solicitou um saque de 900 mil dólares (15% da quota), foi recusado sob a alegação de que as suas necessidades de financiamento não eram imediatas nem temporárias.

Mas já nas décadas de 1950 e 1960, o FMI começou a reconhecer que vários segmentos dos seus membros tinham necessidades diversas e enfrentavam problemas diferentes. À medida que países africanos recém-independentes se juntaram à organização, o Fundo adicionou um Departamento Africano em 1961. No entanto, a mentalidade de que o apoio do FMI deveria ser para problemas temporários de balança de pagamentos persistiu, mesmo em relação aos países em desenvolvimento.

Mas a crise do petróleo de 1973-74 expôs as limitações dessa abordagem. Em 1974, o FMI estabeleceu o Extended Fund Facility (EFF), que sinalizava a sua prontidão para ajudar países com problemas de balança de pagamentos mais prolongados. Os empréstimos concessionais do FMI começaram com o alívio do pagamento de juros para os países pobres mais afectados no âmbito do Mecanismo Geral de Petróleo, seguido, em 1976, pelo lançamento do Fundo Fiduciário, que forneceu empréstimos concessionais aos membros mais pobres.

Até os condicionalismos eram para… ajudar!

Hoje são muito criticados, mas houve um contexto que obrigou o FMI a instituí-los. Ou seja, as condições de obtenção da ajuda são, por si, uma evolução nos mecanismos de pres-

Em princípio, o foco do FMI não previa uma intervenção que incluísse o combate directo à pobreza das populações dos países membros, mas, a partir da década de 1980, criou instrumentos que actuam dentro deste âmbito

tação de apoio para buscar melhores resultados. É que, na segunda metade da década de 1970, os países em desenvolvimento tomaram empréstimos pesados para pagar importações de petróleo cada vez mais caras e para financiar projectos de investimento ambiciosos.

No início da década de 1980, a recessão global, o colapso dos preços das commodities e o aumento das taxas de juros significaram que muitos desses países tiveram dificuldade em pagar os seus empréstimos com credores comerciais e bancos multilaterais de desenvolvimento, incluindo o FMI. Essa crise da dívida coincidiu com o esgotamento dos recursos do Fundo Fiduciário levando o FMI a reavaliar sua estratégia de empréstimos aos países pobres.

Para responder, buscou maior ênfase na resposta da oferta de uma economia, em vez de apenas na gestão da demanda. Isso significou mais reformas estruturais e condicionalismos correspondentes para remover as ineficiências, distorções e rigidez que sufocam o potencial de crescimento de uma economia. Essas ideias foram expressas através do Mecanismo de Ajuste Estrutural (SAF), de 1986, e do Mecanismo de Ajuste Estrutural Aprimorado (ESAF), de 1987. Assim, ao desembolsar fundos por meio dessas ferramentas, o FMI tornou-se mais selectivo sobre os destinatários do apoio concessional e exigiu condições mais rigorosas e extensas.

A década de 1980 trouxe outra lição: era improvável que um programa fosse bem-sucedido sem o impacto das reformas económicas sobre os pobres, por isso introduziu programas apoiados pelo SAF e ESAF e que passaram a incluir medidas compensatórias direccionadas para as populações mais vulneráveis.

O perdão e alívio das dívidas

É outra forma de actuação que sempre esteve presente na fórmula do FMI. Em 2019, 36 dos 39 países elegíveis haviam recebido um alívio da dívida totalizando cerca de 125 mil milhões de dólares, permitindo-lhes aumentar os gastos sociais, especialmente na Saúde e Educação.

Embora a maioria não tenha alcançado plenamente os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio da ONU, muitos registaram progressos substanciais nessa direcção. Após a miséria da década de 1980, quando a renda per capita diminuiu em muitos países africanos, as reformas implementadas pelos países de baixa renda, juntamente com o alívio da dívida e o ambiente externo mais favorável, ajudaram a reactivar o crescimento na segunda metade da década de 1990, que acelerou durante a maior parte da década de 2000, diminuindo a diferença de renda com as economias avançadas.

O envolvimento do FMI com países de baixa renda continuou a evoluir no século XXI. E reconhecendo que alguns países não precisavam mais de financiamento, mas poderiam beneficiar do monitoramento externo e do “selo de aprovação” das políticas das autoridades do FMI, em 2005 a instituição introduziu o Instrumento de Apoio à Política, que permitiu o monitoramento do tipo “programa sem empréstimos de acompanhamento”.

Em 2010, o Poverty Reduction Growth Trust (PRGF) foi dividido em três linhas concessionais: a Extended Credit Facility, para países que enfrentam necessidades prolongadas da balança de pagamentos; a Standby Credit Facility, para necessidades de curto prazo e de precaução da balança de pagamentos; e a Linha de Crédito Rápido, que oferece financiamento de baixa condicionalidade em caso de desastres naturais ou outras emergências.

Nesse mesmo ano, o FMI também estabeleceu o Post-Catastrophe Debt Relief Trust, que lhe permite participar de esforços internacionais de alívio da dívida para países pobres atingidos por desastres naturais e epidemias. No início de 2015, três países afectados pelo Ébola (Guiné, Libéria e Serra Leoa) receberam assistência rápida desse fundo.

Sem desvalorizar as críticas feitas ao FMI ao longo do tempo, pela sua larga intervenção, emprestando dinheiro, perdoando dívidas e procurando equilibrar o desempenho macroeconómico dos 190 países membros, é justo questionar que mundo teríamos se o FMI não existisse.

Em 2010, o Poverty Reduction Growth Trust (PRGF) foi dividido em três linhas concessionais. Uma delas oferece financiamento de baixa condicionalidade em caso de desastres naturais ou outras emergências

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