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OPINIÃO

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OPINIÃO

João Gomes • Partner @ JASON Moçambique

“Apesar de considerarmos curto o montante disponibilizado, tendo presente a dimensão dos objectivos que se pretendem alcançar, acreditamos que o efeito catalisador deste PFA poderá mobilizar muitos mais fundos adicionais...”

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FMI: Só USD 470 milhões?

VVem este artigo a propósito do recente acordo técnico1, entre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Governo de Moçambique, para a aplicação do Programa de Financiamento Ampliado2 (PFA), o qual vigorará entre 2022 - 2025, desembolsando ajuda financeira no valor de USD 470 milhões, ou na “moeda” do FMI, SDR3 341 milhões, facto que acontece pela primeira vez desde a ocorrência da crise das dívidas ocultas.

Convido o meu leitor@ a responder à seguinte interrogação: Moçambique

“só” receberá 470 Milhões de USD, ou será muito mais do que isso?

Vejamos sucessivamente: 1. “Só” USD 470 Milhões de assistência financeira? 2. Outros instrumentos de intervenção.

1. “Só” USD 470 Milhões de assistência financeira?

Se atentarmos no peso relativo do PFA proposto, relativamente ao Produto Interno Bruto de Moçambique (PIB) previsto para o período de assistência financeira 2022-2025 teremos: - Em 2022, para um PIB previsto no valor de USD 14,89 biliões4, o PFA terá um peso relativo de 3,16%. - Se, porventura, medirmos o peso do PFA em momento diferente, v.g. 2023, este terá um peso de 2,82%. Se em 2024, 2,46%. Se em 2025, 2,15%. Agregando o valor do PIB previsto para o período 2022-2025, no valor de USD 72,52 biliões, o PFA terá um peso rela-

tivo muito reduzido de 0,65%.

Adicionalmente, e conforme comprovado em vários estudos5, se em virtude das muito provavelmente difíceis condições associadas ao PFA (austeridade!), considerarmos a possibilidade de Moçambique não conseguir assegurar uma execução integral do pacote de assistência aprovado ficará por levantar parte significativa das tranches do financiamento (i.e. efeito de quebra). O próprio FMI (2001) informa6 que os países cumpriram os critérios estruturais em apenas 57% de todos os programas entre 1987 e 1999. Admito que houve já tempo bastante para esta métrica ter melhorado entretanto, mas não deixa de ser um proxy da provável taxa de quebra. Nesta linha, as piores taxas de implementação foram encontradas para as condições relativas às privatizações (45%), ao sistema de segurança social (56%) e às reformas das empresas públicas (57%).

Então, neste contexto, USD 470 mi-

lhões sabem a pouco!

Na perspectiva dos objectivos a médio e a longo prazo associados ao PFA, e resumindo a declaração do responsável da missão do FMI7, sabemos que os USD 470 milhões destinam-se, na sua maioria, a implementar a clássica agenda neoliberal dos já apelidados “Rapazes de Chicago”8 : - Apoiar a reforma e redução da despesa e do sector públicos: por exemplo, através da redução do efectivo e dos salários na administração pública9 . - Apoiar a reforma da administração fiscal e dos impostos: por exemplo, através da subida do IVA10 . - Apoiar a agenda de reformas sociais do Governo: por exemplo, através da redução da pobreza e do aumento da protecção social11 . - Fora da agenda neoliberal, mas por causa da crise das dívidas ocultas, surge reforçado o objectivo da transparência na gestão de fundos públicos, do combate à corrupção e da boa governança: por exemplo, através da capacitação de quadros e da implementação de boas práticas de monitorização e avaliação dos fundos12 . Estranhamos a ausência de referências explícitas, na citada declaração — porquanto fazem parte do núcleo duro da doutrina do FMI — às reformas: - Da legislação e do mercado laboral. - Do sector empresarial do Estado e a necessidade de levar a cabo privatizações. Não obstante estas exclusões da declaração do chefe de missão, o âmbito ambicioso dos objectivos do PFA reforça a nossa ideia de que USD 470 milhões sa-

bem a pouco…e para fazer muito!

Contudo, é justo referir que Moçambique, membro do FMI desde 24 de Setembro de 1984, a sua quota é de SDR 227,2 milhões, i.e. USD 311,37 milhões.

E que a 31/12/2021, face ao FMI, Moçambique apresentava na rubrica “Compras e Empréstimos Pendentes”, resul-

A recém-chegada plataforma de liquefação do gás junta-se ao julgamento das dívidas ocultas como factores decisivos para o retorno da confiança do FMI

tantes de nove intervenções prévias,

um saldo negativo de SDR (350,27 Milhões)13 i.e. USD (439,15 Milhões).

Nesta perspectiva, um PFA para Moçambique, avaliado em USD 470 mi-

lhões, sabendo a pouco e para cumprir muito, excede contudo já o valor da

sua quota na instituição agora comandada pela segunda mulher no cargo de Managing Director, a búlgara Kristalina Georgieva.

2. Outros instrumentos de intervenção.

Mas esperar que a recuperação da economia Moçambicana — ao mesmo tempo que aborda os desafios da inclusão social, da dívida e do financiamento, bem como dos desafios estruturais a longo prazo — resulte apenas da acção de instrumentos financeiros é “tomar a floresta pela árvore”.

Efectivamente, estudos14 apontam que os programas do FMI têm efeitos multiplicadores indirectos importantes, que vão muito para além das ferramentas convencionais do Fundo em termos de dinheiro e condições.

Neste contexto, o “selo de aprovação/confiança”: a aprovação, dentro de semanas, do PFA provocará um efeito de mobilização de financiamento adicional, entre outros, do Banco Mundial15 . E a entrada em jogo dos doadores cujo financiamento foi interrompido pela crise das dívidas ocultas.

Em conclusão

No contexto específico marcado pela chegada da plataforma flutuante de produção de gás e, bem assim, do culminar do julgamento das dívidas ocultas, volta a abrir-se espaço para a criação de um clima de confiança dos investidores estrangeiros em Moçambique. Não fora a questão do terrorismo a norte!

O FMI vai lançar, através do instrumento Programa de Financiamento Ampliado (PFA), a sua 10ª operação em Moçambique, no valor de USD 450 milhões, para o período 2022-2025.

Apesar de considerarmos curto o montante disponibilizado, tendo presente a dimensão dos objectivos que se pretendem alcançar, acreditamos que o efeito catalisador deste PFA poderá mobilizar muitos mais fundos adicionais que permitirão tornar Moçambique mais resiliente a crises financeiras.

Mas, muito para além dos USD 470 Milhões, esta é a oportunidade de testar, i) do lado da Estado, a vontade de reformar e de gerir de forma transparente os recursos escassos; ii) e, do lado dos cidadãos, a resistência para transpor mais um período de austeridade, que com toda a certeza se avizinha.

1AStaff-Level Agreement: Este pré-acordo está ainda sujeito à aprovação do Management do FMI e, bem assim, ao aval do Conselho Executivo, o que se espera que venha a acontecer nas próximas semanas. 2 ECF - Extended Credit Facility. 3 Special Drawing Righs: Direitos de Saque Especial. Os SDR funcionam como uma moeda interna do FMI que os países podem trocar entre si por reservas cambiais, como dólares ou euros. Para uma análise de como é calculado o SDR conferir em https://www.imf.org/external/np/fin/data/ rms_sdrv.aspx. À data em que escrevemos este artigo 1 SDR = 1,371210 USD. 4 Fonte: https://www.statista.com/outlook/co/ economy/mozambique#gross-domestic-product (Leitura em 09 de Abril de 2022). 5 Joyce, J.P., 2003, Promises Made, Promises Broken: A Model of IMF Program Implementation, Wellesley College Department of Economics Working Paper 2003-03. 6 A International Monetary Fund, 2001, Structural Conditionality in Fund-Supported Programs, February 16, http://www.imf.org. 7 Pode ser consultada no site do FMI: https:// tinyurl.com/9tfhzfte. 8 “Chicago Boys”: Klein, N., (2007) ‘The Shock Doctrine’, London, Penguin Books. 9 PIRIS, Álvaro: “Reduce pressure on public finances from remunerating public servants and lead to convergence of the wage bill, as a ratio to GDP, towards average levels observed in the wider region”. 10PIRIS, Álvaro: “The agreed measures include a series of reforms to tax administration and VAT policy”. 11PIRIS, Álvaro: “Addressing poverty and providing social protection are an important part of the government’s reform agenda”. 12PIRIS, Álvaro: “The program also addresses transparency in debt management and the natural resource sector”. 13Conferir em https://www.imf.org/en/Countries/ MOZ. 14DREHER, Axel et al (2008) “Does the IMF Help or Hurt? The Effect of IMF programs on the likelihood and outcome of currency crises”. 15Nesta linha, a recente aprovação pela USAID do acordo quinquenal de parceria, no valor de USD 1,5 biliões.

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