E&M_Edição 48_Abril 2022• FMI - A Nova Era da Cooperação

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OPINIÃO

FMI: Só USD 470 Milhões?

V

João Gomes • Partner @ JASON Moçambique

“Apesar de considerarmos curto o montante disponibilizado, tendo presente a dimensão dos objectivos que se pretendem alcançar, acreditamos que o efeito catalisador deste PFA poderá mobilizar muitos mais fundos adicionais...”

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em este artigo a propósito do recente acordo técnico1, entre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Governo de Moçambique, para a aplicação do Programa de Financiamento Ampliado2 (PFA), o qual vigorará entre 2022 - 2025, desembolsando ajuda financeira no valor de USD 470 milhões, ou na “moeda” do FMI, SDR3 341 milhões, facto que acontece pela primeira vez desde a ocorrência da crise das dívidas ocultas. Convido o meu leitor@ a responder à seguinte interrogação: Moçambique “só” receberá 470 Milhões de USD, ou será muito mais do que isso? Vejamos sucessivamente: 1. “Só” USD 470 Milhões de assistência financeira? 2. Outros instrumentos de intervenção. 1. “Só” USD 470 Milhões de assistência financeira? Se atentarmos no peso relativo do PFA proposto, relativamente ao Produto Interno Bruto de Moçambique (PIB) previsto para o período de assistência financeira 2022-2025 teremos: - Em 2022, para um PIB previsto no valor de USD 14,89 biliões4, o PFA terá um peso relativo de 3,16%. - Se, porventura, medirmos o peso do PFA em momento diferente, v.g. 2023, este terá um peso de 2,82%. Se em 2024, 2,46%. Se em 2025, 2,15%. Agregando o valor do PIB previsto para o período 2022-2025, no valor de USD 72,52 biliões, o PFA terá um peso relativo muito reduzido de 0,65%. Adicionalmente, e conforme comprovado em vários estudos5, se em virtude das muito provavelmente difíceis condições associadas ao PFA (austeridade!), considerarmos a possibilidade de Moçambique não conseguir assegurar uma execução integral do pacote de assistência aprovado ficará por levantar parte significativa das tranches do financiamento (i.e. efeito de quebra). O próprio FMI (2001) informa6 que os países cumpriram os critérios estruturais em apenas 57% de todos os programas entre 1987 e 1999. Admito que houve já tempo bastante para esta métrica ter melhorado entretanto, mas não deixa de ser um proxy da provável ta-

xa de quebra. Nesta linha, as piores taxas de implementação foram encontradas para as condições relativas às privatizações (45%), ao sistema de segurança social (56%) e às reformas das empresas públicas (57%). Então, neste contexto, USD 470 milhões sabem a pouco! Na perspectiva dos objectivos a médio e a longo prazo associados ao PFA, e resumindo a declaração do responsável da missão do FMI7, sabemos que os USD 470 milhões destinam-se, na sua maioria, a implementar a clássica agenda neoliberal dos já apelidados “Rapazes de Chicago”8 : - Apoiar a reforma e redução da despesa e do sector públicos: por exemplo, através da redução do efectivo e dos salários na administração pública9. - Apoiar a reforma da administração fiscal e dos impostos: por exemplo, através da subida do IVA10. - Apoiar a agenda de reformas sociais do Governo: por exemplo, através da redução da pobreza e do aumento da protecção social11. - Fora da agenda neoliberal, mas por causa da crise das dívidas ocultas, surge reforçado o objectivo da transparência na gestão de fundos públicos, do combate à corrupção e da boa governança: por exemplo, através da capacitação de quadros e da implementação de boas práticas de monitorização e avaliação dos fundos12. Estranhamos a ausência de referências explícitas, na citada declaração — porquanto fazem parte do núcleo duro da doutrina do FMI — às reformas: - Da legislação e do mercado laboral. - Do sector empresarial do Estado e a necessidade de levar a cabo privatizações. Não obstante estas exclusões da declaração do chefe de missão, o âmbito ambicioso dos objectivos do PFA reforça a nossa ideia de que USD 470 milhões sabem a pouco…e para fazer muito! Contudo, é justo referir que Moçambique, membro do FMI desde 24 de Setembro de 1984, a sua quota é de SDR 227,2 milhões, i.e. USD 311,37 milhões. E que a 31/12/2021, face ao FMI, Moçambique apresentava na rubrica “Compras e Empréstimos Pendentes”, resultantes de nove intervenções prévias, www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022


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