ENTREVISTA KILUVA TAVEIRA REVELA QUE A TL-TRANSPORTE E LOGÍSTICA “ESTÁ PRONTA PARA ATACAR O GÁS” INOVAÇÕES DAQUI EM QUE MEDIDA A ERA DIGITAL OCASIONOU TRANSFORMAÇÕES AO NÍVEL DA DIPLOMACIA? EMPREENDEDORISMO MARCA MOÇAMBICANA DE VESTUÁRIO COLOCA O PAÍS NOS HOLOFOTES MUNDIAIS DA MODA
FMI
A NOVA ERA DA COOPERAÇÃO Alexis Meyer-Cirkel explica, em exclusivo, o processo que conduziu ao regresso do apoio do FMI à Economia nacional
EDIÇÃO ABRIL - MAIO 15/04 a 15/05 • Ano 05 • Nº 48 2022 • Preço 250MZN
MOÇAMBIQUE
RENOVÁVEIS COMO O 5G AJUDA NA EXPANSÃO E EFICIÊNCIA DAS ENERGIAS LIMPAS
65ÓCIO 6
OBSERVAÇÃO
Covid-19 Cresce o Número de Países a Fazerem o Levantamento das Restrições, Ocasionando Novas Vagas da Doença
10 OPINIÃO MDR “A Responsabilização Criminal das Pessoas
Colectivas”, Ana Mazuze e Vanessa Pires, MDR Advogados
66 Escape À Descoberta de Chidenguele, a Pequena Pérola Paradisíaca de Gaza 68 Gourmet Ao Sabor dos Produtos Frescos da Morangos do Niassa Adega Existirá Algum Segredo que Justifique Melhor Qualidade dos Chamados “Vinhos Simples”? 70 Empreendedorismo Xipixi, a Marca Moçambicana de Vestuário que Conquistou o Mundo 73 Arte No Mês da Mulher, a Devida Homenagem no Sarau de Poesia Realizado pela Declamadora Loide Nhaduco e o Poeta Léo Cote 74 Ao Volante SUV Italiana Fiat Pulse Abarth Terá Uma Versão Desportiva
13 ESPECIAL ENERGIAS RENOVÁVEIS 14 Internet da Energia Cientistas explicam como a Internet 5G ajuda a expandir e criar eficiência no uso das renováveis 18 Explicador A Mudança do Panorama do Emprego Provocada Pelas Energia Limpas até 2030 20 Logos Indústria Uma Empresa que Toma Como Prioridades Simultaneamente a Expansão e a Eficiência Energética
24 OPINIÃO BIG “O Impacto da Guerra na Ucrânia no Mercado de Commodities”, Wilson Tomaz, Analista de Research do Banco Big Moçambique
28 NAÇÃO APOIO DO FMI 30 Transparência Alexis Meyer-Cirkel, Representante do FMI em Moçambique, Acredita Que o Novo Modelo de Cooperação Vai Acelerar o Crescimento Inclusivo 36 Opinião “FMI: Só USD 470 milhões?”, João Gomes, Partner @ JASON Moçambique 38 FMI no País Entre Elogios e Críticas, Economistas Destacam os Marcos dos 38 Anos de Cooperação 42 FMI em África O Que Seria dos Países sem o FMI? Uma Análise aos Méritos das Intervenções da Organização no Continente em 78 Anos
46 OPINIÃO Absa “Regresso do Financiamento do FMI – Possível Início de Uma Nova Era”, Caprazine Hunguana, Serviços de Execução da Tesouraria do Absa Bank
49 ESPECIAL INOVAÇÕES DAQUI 50 Diplomacia Digital Em que Medida a Pandemia Acelerou a Transformação das Relações Entre Estados e Outras Organizações? 54 Aqua 3i O Empreendimento que Criou o Filtro Purificador de Água Turva em Apenas Dez Minutos — o “Aquatos”
58 OPINIÃO “BVM Posiciona-se Como Instrumento Alternativo de Financiamento às Empresas”, Salim Valá, PCA da BVM
60 MERCADO E FINANÇAS Kiluva Taveira, Directora-Geral da TL-Transporte e Logística, Reclama Protecção do Governo Contra a Concorrência dos Informais no Sector
EDITORIAL
Celso Chambisso Editor da Economia & Mercado
Mudança de Paradigma!
O
regresso do apoio financeiro do Fundo Monetário Internacional (FMI), quase seis anos após a suspensão na sequência da descoberta das dívidas não declaradas, enche de esperança muitos analistas moçambicanos quanto à retoma de um crescimento sólido, mas levanta velhas preocupações em torno da que é vista como uma “interferência negativa” da instituição na política económica interna. É que para muitos estudiosos, nacionais e estrangeiros, terá sido o FMI a influenciar, na década de 1980, o fim prematuro das primeiras tentativas de industrialização de Moçambique, quando impôs uma série de medidas de liberalização da economia que não foram bem-sucedidas. Até hoje, a organização é vista com desconfiança, não apenas em Moçambique, mas em quase todas as partes do mundo, por haver fé em que a organização responde aos interesses dos países que mais contribuem para as suas contas. Desta vez, o Fundo regressa antes mesmo que se observasse a condição previamente estabelecida para o efeito: o esclarecimento cabal dos contornos em que as dívidas ocultas foram contratadas e a responsabilização dos responsáveis. Embora a questão suscite mais dúvidas aos críticos, sobre as motivações de um retorno “precipitado”, o representante do FMI em Moçambique, Alexis Meyer-Cirkel, apresenta um argumento. É que “o Governo tem vindo a implementar uma série de reformas que melhoram a gestão da coisa pública…
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Esse conjunto de reformas fortalece o arcabouço institucional e dá-nos mais confiança na eficiência e transparência do gasto público”. Ou seja, há a percepção, por parte do Fundo, de que existe um esforço institucional meritório em nome da transparência e que se impôs à condição inicial. Apesar da prevalência de posições contrárias em relação à relevância do FMI enquanto parceiro de apoio a Moçambique ao longo dos 38 anos de cooperação bilateral, desta vez há muito mais consensos quanto à nova forma de actuação que é proposta pela instituição em forma de condicionalismos. Ou seja, as exigências de maior transparência na governação e na gestão dos recursos públicos (que o leitor terá a oportunidade de explorar nas próximas páginas desta edição) reacenderam a esperança de um maior engajamento nas medidas contra a corrupção. Há uma perspectiva de mudança de paradigma nunca antes vista, em que os mais críticos começam a acreditar em dias melhores. O leitor terá também, nesta edição, a oportunidade de voltar atrás no tempo para conhecer ou reviver a história que marca a caminhada entre o FMI e o País nas suas diversas etapas da vida económica, social e política. Tendo ouvido atentamente as críticas que pesam sobre o FMI, nesta viagem a E&M também analisa o outro lado: qual seria a condição dos países mais pobres sem a assistência que o FMI lhes foi prestando ao longo dos seus 78 anos de existência?
15 ABRIL | 15 MAIO 2022 • Nº 48
DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos pedro.cativelos@media4development.com EDITOR EXECUTIVO Celso Chambisso JORNALISTAS Ana Mangana, Hermenegildo Langa, Ricardo David Lopes, Rogério Macambize, Rui Trindade, Yana de Almeida, Filomena Bande PAGINAÇÃO José Mundundo FOTOGRAFIA Mariano Silva REVISÃO Manuela Rodrigues dos Santos ÁREA COMERCIAL Nádia Pene nadia.pene@media4development.com CONSELHO CONSULTIVO Alda Salomão, Andreia Narigão, António Souto; Bernardo Aparício, Denise Branco, Fabrícia de Almeida Henriques, Frederico Silva, Hermano Juvane, Iacumba Ali Aiuba, João Gomes, Narciso Matos, Rogério Samo Gudo, Salim Cripton Valá, Sérgio Nicolini ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO E PUBLICIDADE Media4Development Rua Ângelo Azarias Chichava nº 311 A — Sommerschield, Maputo – Moçambique; marketing@media4development.com IMPRESSÃO E ACABAMENTO Minerva Print - Maputo - Moçambique TIRAGEM 4 500 exemplares EXPLORAÇÃO EDITORIAL E COMERCIAL EM MOÇAMBIQUE Media4Development NÚMERO DE REGISTO 01/GABINFO-DEPC/2018
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OBSERVAÇÃO
Mundo, 2022
Covid-19: Levantamento das Restrições é, ou Não, Precipitado? Perante a redução significativa do número de infecções pelo novo coronavírus entre finais de Janeiro e o início de Março, vários países em todo o mundo começaram a anunciar o levantamento das restrições, como o uso obrigatório da máscara, a obrigatoriedade do isolamento e de realizar testes de despiste. No início, foram a Alemanha, Áustria, Reino Unido, China, Coreia do Sul e África do Sul, mas a lista de países a seguirem essa tendência não parou de crescer e há focos de uma nova preocupação, com o recrudescer do número de casos em alguns destes países. Na Alemanha, por exemplo, o Ministro da Saúde, Karl Lauterbach, admitiu ter cometido um erro ao sugerir o fim de algumas medidas para pacientes positivos, ao contabilizar, no dia 6 de Abril, 214 985 novas contaminações. O balanço é cerca de 20% menor do que na semana anterior, mas o patamar mantém-se elevado. No mesmo dia, a China registou mais de 20 mil novos casos de Covid-19, o maior balanço diário desde o início da pandemia. Ainda em Março, a BBC noticiava o aumento do número de casos na maior parte dos países que anunciaram o fim das restrições, o que sugere haver o risco de ocorrência de novas vagas em todo o mundo. Neste momento, cientistas estudam se as novas vagas estão relacionadas com o fim das restrições ou com o aparecimento de variantes mais contagiosas. De qualquer forma, há sinais de que o levantamento das restrições pode ser uma medida precipitada. FOTOGRAFIA D.R.
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RADAR
Banca
Auditoria expressa reservas quanto às contas do Banco de Moçambique de 2020
Outlook
Banco de Moçambique alerta sobre possibilidade de mais uma subida no preço do petróleo A confirmar-se esta projecção, a inflação deverá continuar a crescer e sufocar ainda mais as contas das empresas e das famílias, ao resultar em mais um ajuste na tarifa dos combustíveis. O relatório de Conjuntura Económica e Perspectivas de Inflação do Banco de Moçambique revelou que, entre Janeiro e Março do presente ano, o preço do brent subiu em 49% e o de trigo em 45%, tendência que se espera manter até ao fim do ano. Tendo em conta a revisão em alta dos preços dos combustíveis no País em Março, nomeadamente na gasolina (12,09%), gasóleo (15,01%), petróleo (4,61%) e gás (13,33%), o Banco Central espera um impacto directo no nível geral de preços de cerca de 0,87 pontos percentuais entre Março e Abril de 2022, elevando, deste modo, o custo de vida. E, para agravar, “considerando o peso dos combustíveis (7%) e dos alimentos (34%) — com destaque para o trigo com 4,16% — no índice geral de preços no consumidor, os significativos aumentos dos preços destas mercadorias, ao nível global, poderão resultar num aumento dos preços domésticos”, aponta o Banco de Moçambique. Entretanto, o impacto poderá ser maior devido aos efeitos indirectos que advêm do uso dos combustíveis como matéria-prima em todos os sectores de actividade, com destaque para os transportes, com um peso de 3,82% no cabaz do Índice de Preços do Consumidor, refere o regulador do sistema financeiro. Por fim, o Banco Central tranquiliza o mercado ao revelar que, a médio prazo, a inflação estará na banda de um dígito.
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O regulador do sistema financeiro nacional – Banco de Moçambique – publicou, em Janeiro, o relatório e contas de 2019 e tornou agora públicas as contas de 2020, com três reservas inscritas no relatório de auditoria. Em causa está o facto de em 2017 e 2018 o BM não ter considerado “relevante” consolidar as contas da subsidiária Kuhanha – Sociedade Gestora do Fundo de Pensões dos trabalhadores do banco central, que adquiriu uma posição maioritária no Moza Banco, um dos principais bancos comer-
ciais de Moçambique, previamente intervencionado. Num segundo ponto, o auditor refere que o Estado nunca entregou ao BM, desde 2005, títulos de dívida pública previstos pela lei no valor de 9,2 mil milhões de meticais – nem o Banco Central reconheceu os proveitos acumulados de 12,9 mil milhões de meticais associados a esta “dívida do Estado” ao regulador de mercado. Noutra nota, assinala que o Banco de Central não registou 10,7 mil milhões Mt em responsabilidades Confore as normas contabilísticas.
Contas públicas
EUA e Moçambique assinam acordo de cooperação para o desenvolver projectos avaliados em 1,5 mil milhões de dólares
O acordo, de cinco anos, rege a forma como a USAID e o governo irão cooperar para implementar o financiamento da assistência externa da USAID, no valor de 1,5 mil milhões de dólares, para “promover um Moçambique mais pacífico, próspero e saudável”. A Estratégia
de Cooperação para o Desenvolvimento do País 2020-2025 da USAID providencia um roteiro para as actividades realizadas no âmbito do acordo quinquenal. Desenvolvida com os principais interessados, incluindo o Governo de Moçambique bem como outros doadores internacionais e organizações de desenvolvimento, a estratégia centra-se em três objectivos principais: moçambicanos mais saudáveis e com melhor educação; crescimento económico diversificado e inclusivo; e maior resiliência das populações vulneráveis. A estratégia também se concentra na construção da igualdade de género e no aumento das oportunidades económicas para a juventude.
Contas públicas
Governo projecta diminuição da dívida pública dos actuais 113% para 60% do PIB em três anos O ministro da Economia e Finanças, Max Tonela, afirmou que o Governo está, actualmente, a implementar um programa para resolver a situação de excesso de endividamento do Estado, revelando que o objectivo imediato é tirar a dívida pública dos actuais 113% do Produto Interno Bruto (PIB) para 60% em três anos. Falando por ocasião da Conferência Anual do Sector Privado (CASP), concretamente no decorrer do debate sobre “Avaliação do Processo de Implementação de Reformas e Medidas de Reestruturação da Economia para Revitalização do
Sector Empresarial”, Tonela revelou que o Executivo já tem projecções que estão a ser concluídas com vista a colocar a trajectória da dívida no caminho certo. “A nossa perspectiva é trabalhar e encontrar soluções para que o Governo possa reduzir a pressão que a dívida exerce sobre as finanças públicas e trazer soluções também de equilíbrio das contas públicas para permitir que possamos ter níveis de receitas e despesas que possibilitam ao Estado criar saldos para injectar na economia por via de investimento público”, explicou o ministro. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
Desastres
Seca severa ameaça o sul do País
Um relatório do Programa Alimentar Mundial (PAM), com dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INAM), alertou sobre uma seca severa que cresce no sul do País e traz consequências negativas na produção agrícola. O relatório previa a prevalência da seca em Março, o que se verificou, sendo que o País entra, a partir de Abril, na que é, naturalmente, a época mais seca, sem chuvas relevantes até Outubro, pelo que não se vislumbram melhorias.
A seca faz esperar “graves impactos na produção de culturas para as províncias de Maputo, Gaza, Inhambane, Manica e Sofala”, alerta o documento. Qualquer retracção na actividade agrícola tem potencial para provocar insegurança alimentar, dado que a maior parte da população vive daquilo que planta. “A primeira parte da temporada 2021/22” da época das chuvas foi o período “mais seco ou o segundo mais seco desde 1981”, conforme as regiões. De acordo com os dados do PAM, 80% dos mais de 30 milhões de habitantes não consegue comprar comida para ter uma alimentação adequada. Um total de 42% das crianças estão subnutridas. A insegurança alimentar afecta 24% das famílias moçambicanas de forma crónica e 25% passa pela situação pelo menos uma vez por ano.
Financiamento
Banco dá 4 mil milhões de dólares contra impactos da guerra na Ucrânia em África
O Banco Africano de Exportações e Importações (Afreximbank) anunciou a aprovação de um programa de crédito no valor de 4 mil milhões de dólares para os países africanos lidarem com os impactos da guerra na Ucrânia. O programa de financiamento comercial para ajustamento de África à crise da Ucrânia (UKAFPA) tem como objectivos ajustar o custo do financiamento para ajudar os países a cumprirem as necessidades imediatas de importações face ao aumento dos preços enquanto a procura interna se ajusta. Além disso, o programa anunciado pelo Afreximbank visa o financiamento da recompra de petróleo e mewww.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
tais, a estabilização das receitas de exportações de matérias-primas e o financiamento da quebra do turismo. Foi também lançado um mecanismo de aceleração das receitas de exportação, através de um rápido acesso à moeda estrangeira, para garantir o cumprimento dos projectos em curso. Os países africanos, principalmente os do norte do continente, são alguns dos principais importadores de cereais quer da Rússia, quer da Ucrânia, o que origina um impacto enorme, com vários analistas a alertarem para a possibilidade de instabilidade social devido ao aumento dos preços e à dificuldade de garantir as importações.
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OPINIÃO
Ana Berta Mazuze e Vanessa Pires MDR Advogados
A
responsabilidade criminal das pessoas colectivas foi um dos princípios inovadores introduzidos pelo Código Penal aprovado através da Lei n.º 35/2014 de 31 de Dezembro. Embora a responsabilização das pessoas colectivas já estivesse consagrada em diversas normas, a introdução no Código Penal representou um passo significativo no desenvolvimento normativo desta matéria. Por outro lado, tal mostrava-se necessário face à realidade actual, em que as pessoas colectivas são veículos para a realização de actividades criminosas como o branqueamento de capitais, corrupção entre outras. Isto também se enquadra no que é uma tendência global, tendo em conta que outros países, como Portugal, também têm um regime de responsabilização criminal das pessoas colectivas. Embora a previsão da responsabilização criminal das pessoas colectivas tenha representado um grande avanço, a Lei n.º 35/2014 de 31 de Dezembro tinha ficado aquém na regulamentação do instituto em análise, apresentando muitas lacunas que poderiam dificultar a sua aplicabilidade. A título de exemplo, o legislador não enunciou quais as pessoas colectivas que podem ser sujeitas da infracção criminal, sendo que existem pessoas colectivas de naturezas diversas. O Código Penal aprovado através da Lei n.º 35/2014 de 31 de Dezembro “Código Penal Antigo” foi revogado pela Lei n.º 24/2019 de 24 de Dezembro “Novo Código Penal”. O Novo Código Penal também consagra o regime, no entanto, com algumas diferenças significativas. O artigo 30 n.º 1 do Código Penal Antigo prevê que as pessoas colectivas e meras associações de facto são responsáveis pelas infracções previstas no Código, quando praticadas pelos titulares dos seus órgãos ou representantes em seu nome e interesse, estando excluída a responsa-
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A Responsabilização Criminal das Pessoas Colectivas bilidade nos casos em que o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito. O Novo Código Penal, no seu artigo 30 n.º 1, prevê igualmente a responsabilização das pessoas colectivas mas, diferentemente do Código Penal Antigo, o artigo exclui do seu âmbito de aplicação o Estado, as pessoas colectivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público. Ao abrigo do n.º 2, estão abrangidas no conceito de pessoas colectivas no exercício de prerrogativas de poder público as entidades públicas empresariais, as entidades concessionárias de serviços públicos, independentemente da sua titularidade, os
À semelhança do Código Penal Antigo, o Novo Código Penal não determina quais os crimes que poderão ser imputados às pessoas colectivas institutos públicos e outras assim definidas por Lei. Ainda no âmbito da aplicação, o Novo Código Penal prevê que as pessoas colectivas são responsáveis criminalmente pelos actos praticados por quem actue sob autoridade das pessoas que ocupam uma posição de direcção. Outra alteração que se destaca é a responsabilização das pessoas colectivas em caso de fusão e cisão. O artigo 31 prevê que, em caso de cisão e fusão, passam a responder pelo crime: (i) a pessoa colectiva ou entidade equiparada em que a fusão se tiver efectivado; e (ii) as pessoas colectivas ou entidades equiparadas que resultaram da cisão. Por outro lado, o Código prevê a extensão da responsabilidade aos titulares de ór-
gão de direcção, que são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva for condenada, relativamente aos crimes: (i) praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa; (ii) praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento. Numa análise comparativa, podemos aferir que o Novo Código Penal vem preencher as lacunas do Código Penal Antigo, enumerando de forma clara as entidades que não podem ser objecto de responsabilização, e regulando aspectos importantes, tais como a responsabilização solidária em casos de condenação em multas e indemnizações, assim como a responsabilização em caso de vicissitudes nas pessoas colectivas em causa. No entanto, à semelhança do Código Penal Antigo, o Novo Código Penal não determina quais os crimes que poderão ser imputados às pessoas colectivas, sendo de excluir, à partida, os crimes cuja tipificação pressupõe a sua verificação exclusiva por pessoas singulares. Contudo, é possível enumerar diversos crimes em que seja possível responsabilizar criminalmente as pessoas colectivas tais como: falência culposa, insolvência, poluição, auxílio à imigração ilegal, corrupção e falsificação de documentos, entre outros. As alterações introduzidas no Novo Código Penal representam um desenvolvimento assinável. Contudo, há ainda desafios que se impõem a nível legislativo para maior eficácia do instituto em análise, com vista à previsão de aspectos importantes como as penas acessórias, que podem incluir a inibição de contratar com o Estado ou com empresas públicas, ou de receber benefícios ou incentivos, proibição do exercício de funções, suspensão do exercício de funções, confisco de bens e dissolução. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
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especial energias renováveis 14
AS RENOVÁVEIS MOVIDAS PELA INTERNET 5G
É difícil imaginar a relação entre a Internet de 5ª geração com as fontes de energias renováveis. Mas estudos mostram que o caminho para produzir mais e consumir melhor tenderá a aproximar estas duas componentes da inovação nos próximos tempos
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EXPLICADOR
A Mudança do Panorama do Emprego Provocada Pelas Energias Limpas
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LOGOS INDÚSTRIA
Um Empreendimento que Prioriza o Acesso e a Eficiência Energética
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PANORAMA
As Notícias Sobre Energias Renováveis no País e lá Fora
INTERNET DA ENERGIA
O Futuro Das Renováveis Está no 5G Há uma estreita ligação entre a Internet de quinta geração e o desenvolvimento da indústria das energias renováveis. Este movimento já começou em algumas partes do mundo, mas ainda está longe da realidade de mercados como o moçambicano, embora tudo indique que não haverá saída senão embarcar nesta tendência. Porquê? TEXTO Celso Chambisso • FOTOGRAFIA D.R.
O
Mundo caminha para uma inevitável combinação do uso da velocidade de rede 5G e a produção e consumo das energias renováveis, conclui uma pesquisa recente, com o título “Redes sem fios 5G no Futuro Sistemas de Energias Renováveis”, desenvolvida por cinco cientistas, nomeadamente os checos Wadim Strielkowski (Professor na Escola de Negócios de Praga e na Universidade da Califórnia), Marek Dvorák (Professor Assistente na Universidade de Ciências da Vida de Praga e especializado em economia agrícola e financeira) e Patrik Rovný (Assistente de Investigação na Universidade Eslovaca de Agricultura), as russas Elena Tarkhanova (especialista em Economia do Desenvolvimento, Economia Empresarial e Economia Monetária) e Natalia Baburina (do Departamento de Economia e Finanças na Universida-
las em módulos fotovoltaicos. Numa velocidade comum de rede, os detalhes transmitidos para saber se houve mau funcionamento no módulo são limitados. Essas informações são geradas de dez em dez minutos, por exemplo. Com a quinta geração de internet, este tempo pode ser reduzido a um segundo. Defeitos como estes seriam identificados rapidamente. Além disso, com a energia eólica não haveria muitas diferenças. Seria possível monitorar muito facilmemente com 5G os trajectos dos ventos e monitorar defeitos das hélices. E não somente o 5G ajudará com o desenvolvimento das energias renováveis. Junto a ele, a inteligência artificial trará um boost no mercado energético no geral. A Inteligência Artificial, que também será mais aplicável com a rede mais rápida, vai fazer parte deste processo de informatização e automação dos sistemas
Numa velocidade comum de rede, para saber se houve mau funcionamento no módulo pode levar dez minutos. Com a Internet 5G, este tempo pode ser reduzido a um segundo de de Tyumen). O uso de Internet 5G nas renováveis é, até agora, privilégio de poucos países, todos obviamente desenvolvidos, entre os quais os EUA, Reino Unido, China e Coreia do Sul. Nenhum dos quais africano. Mas já é tendência entre os países emergentes.
Em que consiste?
Por outras palavras: qual é a aplicabilidade das energias renováveis com a ajuda do 5G? Ou melhor: como pode a tecnologia 5G melhorar o mercado das energias renováveis? Primeiro, os cientistas chegaram à conclusão de que, com esta combinação, a quantidade de dados que poderão ser monitorados em tempo real é muito maior. Um exemplo de uso para este monitoramento são as perdas de célu-
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de energias renováveis. Um sistema de energia fotovoltaica pode ter tanta inteligência artificial quanto um carro eléctrico autónomo. Enquanto o 4G e o LTE suportam velocidades de pico de até 100 gigabits por segundo, mas não são imunes à interferência do sinal, o 5G promete velocidades mais elevadas e menor latência para poder satisfazer as necessidades de largura de banda e equipamento industrial ligado à rede, tais como telemóveis, tablets, computadores e outros dispositivos. “Actualmente, 5G é ainda bastante difícil de definir e há um longo caminho a percorrer antes de ser totalmente implementado, mas uma coisa é certa: terá um impacto no mercado energético do futuro”, concluem os especialistas. Por isso adverwww.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
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tem: “Haverá muita pressão sobre os países para adoptarem a nova tecnologia de conectividade. Nos próximos anos, o 5G terá um impacto muito maior e perturbará o actual ecossistema móvel”.
Para onde vamos?
O estudo conclui que as redes sem fios 5G poderão tornar-se, no futuro, sistemas energéticos sustentáveis, abrindo caminho a tecnologias ainda mais avançadas e às novas gerações de redes. Observa ainda que a implementação eficaz de redes sem fios mais rápidas e fiáveis permitiria transferências e processamento de dados igualmente mais rápidos, incluindo o mercado de comércio de energia peer-to-peer (P2P) — uma arquitectura de redes de computadores onde cada um dos pontos ou nós da rede funcionam tanto como cliente como enquanto servidor, permitindo a partilha de serviços e dados sem a necessidade de um servidor central. As redes sem fios de quinta geração também podem tornar-se numa solução para questões como a intermitência da geração de energia renovável e o controlo efectivo da eficiência e poupança energética. A respectiva pesquisa parte do pressuposto de que qualquer sistema de gestão inteligente de energia destina-se a manter a rede eléctrica estável, equilibrando a energia gerada a partir de todas as fontes com a energia consumida, o que se afigura difícil no mundo globalizado de hoje, com uma enorme procura de energia, tanto ao nível industrial como doméstico. Assim, as redes inteligentes que existem hoje e as que vão aparecer no futuro têm de trabalhar com muitos pontos de dados em períodos de tempo muito curtos e reagir rápida e prontamente a quaisquer mudanças. É aqui que entra em cena a Internet da Energia, um conceito novo que se tornou popular recentemente, que tem origem e está relacionado com a Internet das Coisas. A Internet da Energia torna possível enviar sinais de informação através da rede com uma velocidade e precisão sem precedentes. Além disso, está equipada com sistemas inteligentes que utilizam previsões meteorológicas, fluxos de tráfego esperados e outras informações para prever necessidades energéticas futuras. Alguns exemplos destas aplicações avançadas incluem a gestão de dados de medição, análise de rede, gestão de subestações, sistemas de gestão de recursos energéticos distribuídos e o sistema de gestão de falhas de baixa tensão. Esta tecnologia também tem efeito ao ní-
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Segundo a pesquisa, a combinação da rede de energia digitalizada, 5G e Internet das Coisas, ajudará os clientes a monitorar o seu próprio consumo de energia e a poupá-la vel da eficiência. É que, segundo a pesquisa, a combinação da rede de energia digitalizada, 5G e Internet das Coisas, ajudará os clientes a monitorar o seu próprio consumo de energia e a poupá-la. Os serviços públicos e os consumidores terão acesso, em tempo real, a informação crítica sobre energia a partir de dispositivos móveis. “Por este motivo, o 5G trará mudanças significativas à sociedade, uma vez que depende de uma rede sem fios interligada”, sublinham os cientistas.
Resposta rápida à pressão na procura
Está provado, em todas as partes do mundo, que os picos no consumo de electricidade ocorrem de manhã e à noite e que há uma queda no mesmo durante o dia. Esta circunstância configura um problema porque esta é a altura em que a maior parte da energia solar é produzida através das baterias solares fotovoltaicas. É aqui que a resposta do lado da procura é necessária por forma a sawww.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
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tisfazer os requisitos da geração, transmissão e consumo de energia renovável. Em geral, existe uma variedade de modelos teóricos que respondem à procura através de fontes renováveis, nomeadamente a solar, eólica e hidráulica. Normalmente, a estratégia de resposta para a procura com a modelização da carga é aplicada para melhorar a flexibilidade operacional, através da utilização de funções que devem incluir factores como o preço, a procura e as quantidades de energia gerada. Outro factor importante a ser considerado é a resposta à procura baseada no armazenamento de energia, que pode ser manipulado com os seus dispositivos a fornecerem quantidade necessária durante os picos, e que estes sejam de acordo com o fornecimento de electricidade constante dos consumidores, sem www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
que tenham de cortar a sua procura ou comprometer o seu conforto. A vantagem de tudo isto é que a factura total de energia é reduzida enquanto a penetração de fontes de energia renováveis aumenta. Neste contexto, os operadores de rede têm a capacidade de escolher a sua localização e gestão da produção de energia renovável nas suas regiões, de modo a poderem decidir quando ocorrerá um corte ou armazenamento para minimizar as lacunas da oferta e da procura.
Ameaças das redes 5G e a indústria das renováveis.
Quando se trata de questões infra-estruturais, a implantação de redes 5G continua a ser lenta, ainda que quase três anos após a sua introdução e mui-
tas componentes i tendem a envelhecer rapidamente, necessitando de ser substituídas rapidamente. No que diz respeito às questões de segurança, e tendo em conta a velocidade das redes 5G, estas são particularmente vulneráveis para a superfície de ataque das redes principais. A alfabetização dos consumidores, a regulamentação rigorosa e a privacidade devem, portanto, ser reforçadas. Além disso, cortes de energia, avarias no sistema e ciberataques podem tornar-se grandes ameaças para a fiabilidade das redes 5G nas redes de energia renovável de resposta à procura. Finalmente, os desafios económicos são representados pelo atraso no investimento na infra-estrutura 5G, que foi agravado pela pandemia do Covid-19 e pela recessão financeira global.
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EXPLICADOR
A Mudança do Panorama do Emprego Provocada Pelas Energias Limpas até 2030 Com muitos países e empresas empenhados em reduzir as emissões de carbono, a transição de energia limpa parece ser uma inevitabilidade que terá, sem dúvida, também, impacto no emprego. As novas fontes de energia não requerem apenas equipamentos novos e actualizados, mas também recursos humanos que as operem. E como a procura de fontes de energia mais limpas desvia a atenção dos combustíveis fósseis, é provável que nem todos os sectores vejam um ganho líquido ao nível da criação de empregos. O gráfico mostra o crescimento global previsto do número de postos de trabalho no sector e subsectores da energia limpa, sob compromissos climáticos anunciados a partir de 2021, tal como é acompanhado pelo World Energy Outlook da AIE.
Empregos ganhos Empregos perdidos
Carvão
Oil&Gas
Minerais críticos
Tecnologias Renováveis Bio-energia inovadoras de uso final
Redes
Automóveis Geração Eficiência de energia
A estimativa dos empregos perdidos concentra-se, naturalmente, na área dos combustíveis fósseis.
Uma transição para emissões net-zero resultaria num ‘salto’ de empregabilidade com um total de 22,7 milhões de empregos gerados.
A maior parte dos empregos criados será na modernização das infraestruturas e nas tecnologias que as suportam.
FONTE IEA World Energy Outlook 2021, Visual Capitalist
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LOGOS INDÚSTRIAS
Quando se Junta o Acesso e o Poupar na Mesma Matriz É verdade que grande parte da população moçambicana não tem acesso à energia, mas não é menos verdadeiro que a que a tem começa a procurar fontes menos caras. Fica, aqui, mais uma vez, vincada a indispensabilidade das renováveis TEXTO Filomena Bande • FOTOGRAFIA Mariano Silva
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Logos Indústrias é uma das inúmeras empresas que investem nas renováveis em Moçambique. Nasceu de investimentos sul-africanos e começou a operar em Moçambique em 2003, fornecendo apenas material eléctrico e aparelhos electrónicos. Passou a apostar nas renováveis há seis anos, quando se apercebeu da tendência global em substituir as fontes fósseis pelas limpas. Aposta apenas na energia solar, actuando como fornecedor de equipamentos solares a outras empresas instaladoras desse sistema. Também faz a intervenção directa através da elaboração e instalação de sistemas à escala nacional, dentro e fora da rede pública de energia da empresa Electricidade de Moçambique (EDM). Mas por que motivo é necessário que quem tem acesso à energia da rede nacional seja abrangido pelas iniciativas das renováveis? Marco Lopes, gestor nacional da Logos Indústria, explica que “um sistema híbrido reduz significativamente a factura de consumo da rede nacional”, o que sugere que poderá tornar-se numa tendência global no futuro. Embora detenha apenas seis filiais distribuídas pelo País, nomeadamente nas cidades de Maputo, no bairro do Zimpeto (Maputo), Maxixe (província de Inhambane), Beira (Sofala), Nampula e Pemba (Cabo Delgado), a empresa consegue chegar a todo o País. “Por exemplo, com a delegação de Sofala, conseguimos abranger a província de Manica e Tete e, com a de Nampula, abrangemos também Niassa. Contudo, a nossa estratégia para os próximos anos é abrir novas delegações”, explicou. A empresa trabalha com sistemas domésticos ou residenciais, mas com os de média e grande dimensão, sendo que nas regiões sem cobertura da rede nacio-
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nal (que geralmente são as mais pobres), tem uma rede indiscriminada de clientes que inclui instituições públicas, privadas e habitações. Em nome da competitividade, a primeira grande aposta da Logos é a qualidade dos seus produtos. Oferece marcas conhecidas que conferem maior durabilidade, como, por exemplo, a Victron, que é conhecida mundialmente como uma das melhores no fornecimento de equipamentos para sistemas de energias, sem falar na assistência que presta na montagem e reparação de sistemas através de uma vasta equipa de técnicos distribuídos por todo o País para atender os seus clientes. “A nossa grande vantagem é o facto de termos uma equipa técnica com elevado nível de conhecimento sobre os equipamentos e sistemas renováveis”, frisou Marco Lopes. A Logos Indústrias dispõe de pacotes de serviços e de preços que são ajustados às reais necessidades dos clientes e à sua capacidade de investimento. Ou seja, as soluções que oferece são a conjugação das reais necessidades de consumo do cliente com a sua capacidade de aquisição dos equipamentos. De entre os vários trabalhos realizados pela empresa, alguns exemplos são a electrificação de oito escolas públicas em Sofala, através de sistemas totalmente renováveis, e a electrificação por energia solar de 11 escolas para um programa de educaçáo digital com a Fundação Vodafone e a ACNUR em Nampula. E como lidam com a concorrência num mercado em que o número de empresas que apostam nesta área não pára de crescer? Marco Lopes entende que há ainda muito espaço por explorar até conseguir abranger os cerca de 40% da população que não tem acesso a qualquer fonte de energia. “Muitas regiões não estão electrificadas. Este mercado admite ainda vários operadores”, defende.
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EMPRESA Logos Indústrias COMEÇO DE ACTIVIDADE 2016 GESTOR NACIONAL Marco Lopes COBERTURA Todas as regiões do País
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PANORAMA POWERED BY
Renováveis
Organizações de Moçambique, Itália e África firmam acordo de cooperação na área das energias renováveis A Fundação Italiana de Energias Renováveis, a Fundação Soluções de Energias Renováveis para África (RES4Africa) e a Associação Moçambicana de Energias Renováveis (AMER) assinaram um memorando de entendimento para promover e reforçar o desenvolvimento das energias renováveis em Moçambique. De acordo com os termos do respectivo memorando, ambas as partes comprometeram-se a criar redes, transfe-
Gás Natural
Global Finance: FNB Moçambique Distinguido na Categoria de “Melhor Banco de Investimento” O FNB Moçambique recebeu a distinção de melhor banco de investimento em Moçambique em 2022, em colaboração com o parceiro corporativo e de investimento Rand Merchant Bank (RMB), um prémio atribuído pela revista Global Finance, que “vem reconhecer o papel do banco na conclusão de negócios significativos realizados em estreita colaboração com o RMB”, assinala o banco, em comunicado. O FNB Moçambique, juntamente com o RMB, participa enquanto parceiro de investimento no projecto da unidade flutuante de liquefacção de gás natural FLNG Coral Sul, um factor a que se juntam outros que a publicação tem em conta para a atribuição do prémio, como a quota de mercado, o número e dimensão de negócios, os serviços e aconselhamento, a estrutura, a rede de distribuição, a abordagem às condições de mercado, a inovação, os preços, o comportamento pós-venda e a reputação num determinado mercado. Em comunicado, Peter Blenkinsop, Administrador Delegado do FNB Moçambique, avança que “é uma honra para o banco, juntamente com o RMB ser considerado como o Melhor Banco de Investimento em Moçambique.” Blenkinsop acrescenta ainda que, “embora o RMB tenha estado na linha da frente do projecto Coral Sul, este prémio prova que, através de uma forte colaboração e do parceiro certo, é possível alcançar uma solução optimizada para os clientes.”
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rência de conhecimentos, actividades de comunicação e advocacia, melhorando a cooperação, de modo a acelerar o desenvolvimento das energias renováveis em Moçambique, prevendo ainda a coorganização de workshops e cursos de formação. A iniciativa está centrada na plataforma RenewAfrica, do sector privado, para promover investimentos nas renováveis no continente, onde um dos grandes desafios é o capital humano.
Solar
Central de Metoro já produz 41 Megawatts
Foi inaugurada a 1 de Abril, no Distrito de Ancuabe, na Província de Cabo Delgado. De acordo com o Presidente da República, Filipe Nyusi, referindo-se aos ganhos resultantes do projecto, esta infra-estrutura permitirá a contínua expansão da electrificação a vários postos administrativos e localidades, no âmbito do Programa Energia para Todos, trazendo benefícios através da construção de escolas, postos de saúde, hospitais e dinamização da economia local.
A central solar começou a ser construída em 2020 e é composta por 125 000 painéis fabricados na China, possui uma capacidade de 41 megawatts (MW) e pode injectar 69 gigawatts/hora, por ano, na rede da empresa pública Eletricidade de Moçambique (EDM). A construção desta Central Solar, a segunda em Moçambique, está inserida no plano de aumento da capacidade de produção e diversificação das fontes energéticas no País, em geral, e no Norte, em particular, com o objectivo de assegurar o fornecimento de energia de qualidade na província de Cabo Delgado. Desenvolvida pela EDM e pela empresa francesa NEON, está alinhada com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, que promovem o acesso à energia limpa, com recurso a energias renováveis e fixam 2030 como milite de acesso universal.
Renováveis
Energias limpas já preenchem 38% das necessidades globais De acordo com um relatório anual, elaborado pelo Ember, um grupo de reflexão que estuda o clima e a energia, a energia limpa respondeu a 38% da procura global de energia. As fontes de energia solar e eólica satisfizeram mais de 10% da necessidade de mais de 50 países. Apesar de nem sempre parecer uma prioridade, a verdade é que os governos incluem cada vez mais a temática das alterações climáticas nas suas agendas e existem países que estão realmente a tentar reduzir as suas emissões. Aliás, há nações a definir horizontes temporais para se tornarem neutras em carbono.
Por serem fontes de energia limpas, as energias renováveis terão um papel fundamental no cumprimento destas metas, que pretendem que as energias solar, eólica e hidráulica, por exemplo, representem um impulso no abandono dos combustíveis fósseis. Ainda segundo o relatório do Ember, em 2021, a produção de energia solar aumentou 23% em relação ao ano anterior, e a eólica aumentou 14%. A par de outras fontes de energia limpas, e enquanto a energia eólica e solar responderam a 38% da procura global, o carvão ficou-se pelos 36%. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
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OPINIÃO
O Impacto da Guerra na Ucrânia no Mercado de Commodities
O Wilson Tomás • Analista de Research do Banco Big Moçambique
ano de 2022 iniciou com os mercados globais agitados, na sequência do crescente número de casos de Covid-19 pela variante Ómicron, e uma mudança de paradigma, com uma inflação crescente que atingiu valores não vistos há várias décadas. Esta inflação vinha sendo sustentada por uma retoma da procura com a reabertura das economias, disrupções nas cadeias de abastecimento e uma trajectória de aumento nos preços das commodities, como resultado dos gaps criados entre a procura e a oferta. Com a desaceleração dos casos de Covid-19, desde o início do mês de Fevereiro, em quase todo o mundo, esperava-se uma redução da volatilidade nos mercados financeiros. Contudo, o início do conflito militar na Ucrânia reduziu as perspectivas de crescimento económico e veio agravar ainda mais o fenómeno de crescimento da inflação. A Rússia, que em 2021 foi o maior exportador mundial de gás natural, o segundo maior produtor de petróleo e terceiro maior produtor de trigo, tem sido alvo de duras sanções pela comunidade internacional, na sequência da invasão militar à Ucrânia. As sanções impostas à
Rússia e o conflito na Ucrânia têm afectado as exportações destes países, reduzindo assim as disponibilidades destas commodities nos mercados globais, resultando numa subida nos preços das mesmas. Assumindo esse princípio económico, logo após as primeiras notícias sobre a invasão e as sanções decorrentes, os mercados reagiram, num curto espaço de tempo, com a subida significativa dos preços de petróleo e outras commodities, antevendo uma queda nos níveis de oferta. O Petróleo Brent atingiu máximos de 2008 tendo chegado a cotar próximo de USD/Barril 130 (valorizou +29%), enquanto o preço do gás natural também manteve uma tendência de crescimento, cotando a USD/mmBTU 6,32 (+38%) no início de Abril. Como fonte de energia alternativa ao gás natural, a utilização do carvão aumentou, particularmente na Europa, o que levou o preço a disparar para USD/T 438,35 (+130%). Por outro lado, o preço do trigo também aumentou significativamente, chegando a cotar USD/Bushel 1425,25 (+63%). À excepção do preço do gás natural, que atingiu o pico em Abril, os picos nos preços das restantes commodities foram observados no início de Março. Apesar de um choque inicial no final
Moçambique não foi excepção e, apesar de ser um mercado com preços de vários bens definidos administrativamente, a subida dos preços do petróleo nos mercados internacionais tornou-se incomportável
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Rússia e Ucrânia estão entre os maiores produtores de milho e trigo, por isso, o conflito entre estes países é uma ameaça à segurança alimentar global
de Fevereiro e início de Março, os preços de várias commodities, com excepção do gás natural, têm estado a baixar nas últimas semanas, devido a um conjunto de factores. Em particular, a China, que é um dos principais consumidores mundiais de commodities, tem vindo a sofrer com a proliferação de novos casos de Covid-19, implementando lockdowns restritivos nas regiões que têm registado maiores aumentos de casos. Por outro lado, os stocks mundiais de trigo têm vindo a aumentar progressivamente como resultado de uma colheita acima do estimado por parte da Austrália, enquanto o preço do carvão tem vindo a reduzir na sequência de um aumento expressivo da produção, que ocorreu após a subida de preços. As tentativas de negociação para o fim da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, embora infrutíferas, têm contribuído para www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
acalmar os mercados. Com estes eventos, apesar da redução dos preços que se vem observando, estes permanecem ainda muito acima dos níveis anteriores à guerra. Relativamente ao gás natural, o panorama tem sido diferente e, apesar dos apelos da comunidade internacional para a aplicação de um embargo ao gás russo, esta situação tem-se revelado complexa devido ao elevado nível de dependência dos países Europeus ao gás russo. Os custos e a logística para uma transição total são significativos e, apesar de vários produtores mundiais terem demonstrado intenção em aumentar as exportações para a Europa nos próximos anos, a substituição das importações do gás representaria pouco mais de 30% do mercado mundial de GNL. Esta circusntância geopolítica, que resultou numa subida generalizada das
commodities, tem-se revelado numa situação ainda mais gravosa para os países importadores destes bens. Moçambique não foi excepção. Mesmo sendo um mercado com preços de vários bens definidos administrativamente, a subida dos preços do petróleo nos mercados internacionais tornou-se incomportável, levando a aumentos nos preços de todos os combustíveis cerca de três semanas após a invasão à Ucrânia, algo que irá naturalmente afectar localmente os preços de outros bens e serviços. Por outro lado, apesar do impacto imediato nos preços e uma potencial subida da inflação no curto-prazo, a subida dos preços das commodities poderá beneficiar o País a nível das exportações, tendo em conta o peso nas exportações de bens como o carvão, alumínio e gás, cujos preços se têm mantido elevados.
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NÚMEROS EM CONTA
Quem são as Pessoas Mais Ricas do Mundo, por Sector, em 2022? Actualmente, as dez pessoas mais ricas do mundo controlam 1,3 biliões de dólares em riqueza, aproximadamente 1,4% da economia mundial, o equivalente ao valor de mercado total da Amazónia, ou a gastar 1 milhão de dólares por dia... durante 3000 anos. De facto, é o dobro do montante visto há apenas dois anos (663 biliões de dólares). Sem surpresas, Elon Musk, com uma fortuna de 212 mil milhões de dólares, é a pessoa mais rica do planeta. A Tesla entregou quase um milhão de veículos, ao nível mundial, em 2021. No entanto, se não é surpresa o lugar de Musk ou Bezos na tabela, a grande novidade são vários novos cripto-bilionários que viram a sua riqueza subir para os milhares de milhões graças ao aumento estratosférico das moedas criptográficas.
Sam Bankman-Fried, fundador da bolsa de derivados criptográficos FTX, está no topo, com um património líquido de 24 mil milhões de dólares. Bankman-Fried lançou a bolsa em 2019, quando tinha 27 anos. Alguns argumentam que a guerra é um grande nivelador, uma força que tem reduzido a desigualdade de riqueza, como se viu no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Outros sugerem que aumenta a disparidade entre a riqueza e a pobreza, especialmente quando é financiada pela dívida pública. Se a guerra na Ucrânia terá ou não efeitos duradouros na distribuição da riqueza é uma questão em aberto. No entanto, se a pandemia servir de precedente, os efeitos estarão longe de ser previsíveis.
Depois de fazer uma ‘poll’ no Twitter, Musk vendeu 10% da sua quota na Tesla, por 5 mil milhões de dólares.
É o europeu mais rico e dirige o conglomerado da moda LVMH. As vendas aumentaram 44% em 2021.
A mulher mais rica do mundo é vice-chairman da L’Óreal.
Doou 128 mil milhões de dólares da sua riqueza nos últimos dois anos.
Fundador das águas engarrafadas Nongfu Springs nem sequer acabou o secundário. Foi repórter e trabalhou na construção antes de se tornar empreendedor. Fundou o antecessor do Tik Tok, o Bytedance, em 2012.
Com um investimento de 75 mil milhões de dólares em painéis solares e hidrogénio verde, o CEO da Reliance Industries anunciou, em 2022, o maior investimento indiano de sempre em renováveis. O segundo homem mais rico da Ásia começou a sua carreira como trader de pedras preciosas.
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Roterdão, cidade dos Países Baixos, predispôs-se a desmantelar uma ponte da cidade para que o super-iate de Bezos passasse... o que diz muito da dimensão da fortuna e da importância do fundador da Amazon. Bill Gates é o maior detentor privado de terras de cultivo nos EUA.
No final de 2021, Buffet comprou uma opção de mil milhões de dólares na Activision Blizzard, juntando-a à sua carteira de tecnológicas que inclui a Apple, Amazon e Snowflake. O Blackstone Group é o maior detentor de terrenos comerciais nos EUA.
Fundador da Contemporary Amperex Technology, é o principal fornecedor de baterias de lítio da Tesla. Lin encabeça a empresa que lidera a película de acetato para a indústria de painéis solares ao nível mundial.
Antes de George Lucas criar Star Wars, o filme mais rentável da História, chegou a ser cameraman dos Rolling Stones. Ye, ou Kanye West, ganhou a sua fortuna através da Yeezy, a sua marca de calçado.
Em 2019, aos 30 anos, fundou a empresa de trading de cripto-derivativos FTX. Graças a uma avaliação de 32 mil milhões de dólares, ultrapassou o Twitter e o Deutsche Bank em valor de mercado. Outro cripto-milionário, que fundou a Gemini, uma plataforma de compra e venda de criptomoeda.
Fonte Bloomberg, CNBC, Forbes, Yahoo Finance, Visual Capitalist, Wall Street Journal www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
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NAÇÃO | FMI
FMI Voltou… e Quer Mudar Tudo! Já não é nos moldes habituais que passarão a entrar os fundos de ajuda do FMI em Moçambique, graças à lição deixada pela experiência das ˈdívidas ocultasˈ. Ao fim de seis anos de interrupção, o apoio financeiro ligado a um programa mais estrutural daquela organização está de regresso, mas vai apertar na disciplina, exigindo padrões sérios de boa governação e transparência, conforme o programa de políticas do Governo. A notícia enche de esperança muitos analistas nacionais, incluindo os mais críticos. Alexis Cirkel-Meyer, representante do FMI em Moçambique, acredita que, desta vez, há condições para o alcance de resultados importantes no que diz respeito ao crescimento sustentável e inclusivo do País Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva , Adobe Stock
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NAÇÃO | FMI
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ecentemente, o tribunal administrativo anunciou que houve má gestão e desvios do dinheiro que o Governo moçambicano recebeu de diferentes parceiros, incluindo o Fundo Monetário Internacional (FMI), durante a pandemia do Covid-19. Estão em causa 700 milhões de dólares pedidos pelo Governo em Março de 2020 e que serviriam para cobrir o buraco fiscal provocado pela pandemia no Orçamento do Estado (OE) daquele ano, bem como para financiar o combate à doença e dar apoios às famílias mais pobres. Na altura em que o pedido de Moçambique foi deferido, o antigo Ministro da Economia e Finanças (hoje Primeiro-ministro), Adriano Maleiane, garantiu, em sede do Parlamento, que o Governo iria fazer uma gestão transparente daqueles recursos, através da abertura de uma conta especial para o depósito das verbas. Mas, pelo sinal que é agora emitido pelo Tribunal Administrativo, faltou alguma coisa na promessa feita pelo Executivo."O Ministério da Economia e Finanças deve elaborar e publicar o relatório de balanço do uso dos fundos do Covid-19, apresentando informação detalhada sobre os montantes desembolsados e a sua execução (especificando os sectores e os locais de aplicação)", exige a instituição, apoiada pelas organizações da sociedade civil que já fazem pressão nesse sentido. Situações similares não são de hoje, sendo este apenas o mais recente dos inúmeros exemplos de má gestão da coisa pública que obriga o FMI a mudar a sua postura para os próximos compromissos de apoio ao País. Mudanças desde já O FMI acabou de anunciar a retoma do apoio financeiro a Moçambique e deve disponibilizar até 470 milhões de dólares para os próximos três anos, à luz de um acordo técnico alcançado com o Governo. Trata-se de um financiamento que se enquadra no âmbito do Acordo de Extensão da Facilidade de Crédito, no valor de cerca de 341 milhões de dólares em Direitos Especiais de Saque ou 470 milhões de dólares, e que põe fim a cerca de seis anos de suspensão. Mas, de hoje em diante, não serão mais os mesmos métodos de intervenção do Fundo no País, que passa a estar sujeito a condições relacio-
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nadas com a transparência na gestão dos recursos públicos e ao fortalecimento das instituições do Estado. Entre as medidas a serem tomadas como condição para aceder ao apoio contam-se as seguintes: as reformas na administração fiscal e na política do IVA; do lado da despesa, a reforma da massa salarial, recentemente aprovada e que deve, ao longo do tempo, reduzir a pressão sobre as finanças públicas de remunerar os funcionários e conduzir a uma convergência da massa salarial em relação ao PIB para níveis médios observados na região mais alargada; a aprovação de uma Lei do Fundo Soberano, garantindo um quadro institucional forte para gerir a riqueza dos recursos naturais, centrado, inicialmente, no Gás Natural Liquefeito; e a transparência
na gestão da dívida e no sector de recursos naturais. Estas condições caíram bem aos representantes das organizações da sociedade civil, há muito preocupados com a questão da transparência, lembrando que a Transparência Internacional — organização que mede indicadores relacionados com esta questão no mundo — classifica Moçambique entre os países mais corruptos do mundo, justamente pelas falhas na construção de instituições fortes e independentes. De um modo geral, os economistas também manifestaram optimismo em relação à possibilidade de a ajuda financeira do Fundo recolocar o País na rota de um crescimento mais sólido, e elogiaram o facto de o novo acordo ser para a obwww.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
“A cada seis meses iremos avaliar se nos mantivemos dentro dos parâmetros acordados. Quando houver uma divergência, avaliamos os motivos e descrevemos o avanço no relatório que é apresentado para aprovação do Directório Executivo do FMI” tenção de um crédito concessional, com taxas de juro mais baixas e pagamentos a longo prazo e, por isso, com condições de pagamento de menor pressão em comparação com os créditos comerciais. Na entrevista que se segue, Alexis Meyer-Cirkel esclarece os contornos da decisão de voltar a apoiar financeiramente o País e vinca que os esforços estão voltados para a consolidação da gestão macroeconómica e das contas públicas, podendo abrir caminhos para um novo contexto: o de maior captação de investimentos. O responsável esclarece, entre outros aspectos, que a decisão não tem qualquer relação com o facto de este ser o ano do início da exploração de gás em Moçambique, conforme avançam alguns analistas. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
O FMI, enfim, acaba de anunciar a retoma do apoio financeiro a Moçambique. Que transformações, em termos estruturais, se pretendem com esta intervenção? Espera-se, com o programa do Extended Credit Facility (ECF), entre outros, apoiar Moçambique no reforço da estabilidade macroeconómica sustentável e consistente com um crescimento inclusivo e robusto conducente à redução da pobreza e desigualdades através do apoio a reformas macro-críticas e medidas estruturais e sociais, entre as quais a gestão das finanças públicas, governação e redes de protecção social. Esta intervenção é também recebida numa altura em que o País se debate com eventos climáticos cíclicos
que exigem recursos adicionais para assistência em infra-estruturas públicas que se perdem. Esta questão terá também sido colocada na equação durante as mais recentes negociações? Como será tratada no novo paradigma de cooperação? Realmente, nos últimos anos, Moçambique registou um aumento da frequência e gravidade das catástrofes naturais tornando-o num dos países mais afectados pelos choques climáticos no Mundo nos últimos 20 anos, com perdas estimadas em torno de 1,33% do PIB por ano. A intenção do programa é reduzir pressões fiscais e por parte da dívida, criando espaço orçamental para enfrentar importantes prioridades como mudanças climáticas. O FMI continuará a apoiar estes esforços do País através dos seus instrumentos e políticas, visando minimizar o impacto das mudanças climáticas, incluindo a Facilidade Rápida de Crédito, que já foi activada pelo País aquando da ocorrência dos Ciclones Idai e Kenneth em 2019, ou através do mais novo Resilience and Sustainability Trust. Várias vozes revelam que o apoio do FMI acabou sendo mais célere por se tratar de um ano em que o País espera ter os primeiros ganhos vindos da exploração do gás. É uma leitura realista? O objetivo do programa não está relacionado com o gás. Há um foco muito maior em auxiliar o Governo a atingir objectivos macroeconómicos e estruturais mais amplos, que vai muito além da provisão dos recursos financeiros. O programa é oportuno na medida em que é o resultado de consultas técnicas contínuas, de uma visão conjunta do caminho macro-fiscal a ser seguido e das prioridades de reformas estruturais. Enquanto o programa é do Governo, o trabalho em conjunto ajuda o País a nortear e acelerar as reformas económicas, inclusive na criação de instituições, e no quadro de políticas necessárias para a gestão eficiente e transparente da considerável riqueza de recursos naturais e respectivos fluxos de receitas esperados. No final das contas, vale ressaltar que o crescimento não directamente ligado às exportações do gás é o que mais importa para o emprego e para o crescimento inclusivo no longo prazo. O programa apoia o bom uso dos recursos públicos para garantir o crescimento inclusivo além do sector extractivo.
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NAÇÃO | OUTLOOK 2022
“Enquanto o programa é do Governo, o trabalho em conjunto ajuda o País a nortear as reformas, inclusive na criação de instituições e no quadro de políticas para a gestão eficiente da riqueza” Uma importante condição da retoma do apoio, inicialmente posta em cima da mesa pelo FMI, era o esclarecimento das circunstâncias em que foram contraídas as dívidas não declaradas. Qual é, agora, o entendimento do FMI em relação a esta questão? O programa faz uso do Relatório sobre a Transparência, Governação e Corrupção de 2019, elaborado pelo Governo com o auxílio do FMI, como ponto de partida para uma agenda ampla de reformas na governação. Para além dos itens abordados no programa, o Governo tem vindo a implementar uma série de reformas que melhoram a gestão da coisa pública. Entre elas, estão regulamentos relacionados com a execução do orçamento, a criação da Direcção de Riscos Fiscais e a nova Lei do Sector Empresarial do Estado. No contexto
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do programa, focalizamo-nos em alguns itens identificados no Relatório de 2019, entre eles a actualização da Reforma de Lei de Probidade Pública, na Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo e, talvez de maior relevância ainda, a Lei de Gestão do Fundo Soberano, entre outras. Esse conjunto de reformas fortalece o arcabouço institucional e dá-nos mais confiança na eficiência e transparência do gasto público. Desta vez, a retoma da ajuda deve obedecer a uma série de condições relacionadas com a transparência na gestão das contas públicas. Será por aqui que se explica a retoma antes de um esclarecimento cabal do caso das dívidas? Esta questão foi abordada na pergunta anterior. Talvez possamos adicionar
aqui que o programa com o Fundo pode ajudar a nortear o sequenciamento das reformas e coordenar o apoio dos parceiros de desenvolvimento nas áreas da governança e da transparência. Olhando para os pontos-chave exigidos pelo FMI nesta nova fase de cooperação, há algumas questões que levantam preocupações pontuais. Por exemplo, ao falar das “Reformas na Administração Fiscal e no IVA”, o que o FMI sugere estará relacionado com o agravamento dos impostos? O que deve acontecer? O programa contempla diversas reformas destinadas a tornar a administração tributária mais eficiente (o que beneficiará os contribuintes). As reformas do IVA visam fortalecer a base tributária, eliminar distorções e aproximar o sistema dos pares regionais. As reformas contribuirão para o ajuste moderado necessário para atingir os objectivos de redução da dívida e das pressões financeiras. E quanto às “reformas na massa salarial dos funcionários públicos”, o que sugere o FMI? É que a noção que www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
AS TRÊS PRINCIPAIS FUNÇÕES DO FMI Nas quase quatro décadas de cooperação com Moçambique (e com todos os membros), o FMI presta assistência em quase todos os domínios conducentes à sustentabilidade e desenvolvimento. Uma intervenção bem vista por uns, mas que, para os críticos, nem sempre trouxe bons resultados
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EMPRÉSTIMOS Disponibiliza financiamento aos países membros para ajudá-los a resolver problemas da balança de pagamentos, como a escassez de divisas que ocorre quando os pagamentos externos superam as receitas em moeda estrangeira.
SUPERVISÃO ECONÓMICA Presta assessoria aos países membros sobre a adopção de políticas para alcançar a estabilidade macroeconómica, acelerar o crescimento económico e aliviar a pobreza.
DESENVOLVIMENTO DE CAPACIDADES Apoia o desenvolvimento de capacidades por meio da assistência técnica e formação, quando solicitado, para ajudar os países membros a fortalecer as suas instituições económicas a fim de formular e implementar políticas sólidas.
FONTE FMI
se tem é a de que os funcionários de base têm sido os menos privilegiados no que diz respeito ao valor salarial, com ajustes pouco impactantes perante uma economia que enfrenta vários obstáculos nos últimos anos… A lei que define as regras e os critérios para a fixação da remuneração dos servidores públicos foi bastante debatida em público no momento da sua aprovação, no final de 2021. Nós concordamos com os princípios da legislação que visam simplificar as tabelas salariais e controlar uma dinâmica de dispêndio que não era sustentável e consumia uma fatia cada vez maior dos recursos públicos. No contexto do programa, discutimos medidas que visam atingir um nível de gasto com a folha de pagamento menos dinâmica que o crescimento económico, permitindo assim que, ao longo dos anos, a proporção dos gastos com salários retorne gradualmente a níveis compatíveis com a média da África Subsaariana. Quais são os pontos fracos na Lei de Probidade Pública e que despertam no FMI a necessidade de orientar o País www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
para a sua alteração? E o que tem a dizer quanto à necessidade da alteração da Lei de Branqueamento de Capitais? A Procuradora Geral da República já está a reformar a Lei da Probidade Pública, visando esclarecer o universo a que se aplica, reforçando a definição de conflito de interesses, esclarecendo processos de submissão, entre outros. Porém, para o alcance do propósito da sua criação, será importante a capacidade do Governo em reforçar o seu cumprimento. Relativamente à Lei de Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo, consideramos ser oportuna a sua actualização por forma a responder às deficiências identificadas no relatório de avaliação mútua do Grupo de Combate ao Branqueamento de Capitais da África Oriental e Austral, dentre as quais a necessidade do reforço do quadro de implementação das sanções financeiras visadas e o reforço do quadro para recolha e detenção de informações sobre os beneficiários efectivos. O que vai implicar, em termos estruturais e de coordenação entre as partes, a fiscalização das novas imposições do Fundo.
Que modalidades sancionatórias estão previstas em caso do incumprimento de um programa com o FMI no novo modelo de cooperação? Chegar ao Staff Level Agreement significa que as autoridades e a equipa técnica do FMI compartilham uma visão de caminho macro-fiscal a ser seguido, incluindo também as nomeadas reformas estruturais. A discussão sobre as diferentes medidas também contém um acordo sobre algumas metas quantitativas, geralmente metas de défice fiscal, inflação e uma linha temporal para implementar reformas. A cada seis meses iremos avaliar se nos mantivemos dentro dos parâmetros acordados. Quando houver uma divergência, avaliamos os motivos e descrevemos o avanço no relatório que é apresentado para aprovação do Directório Executivo do FMI, onde Moçambique também está representado. Se as divergências das metas acordadas são muito grandes, pode haver pedidos de correcção e ajuste. Que sinal emite esta retoma para os demais parceiros de cooperação que, à semelhança do FMI, tinham
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suspendido a sua intervenção no País? Espera-se que o programa tenha o efeito catalisador não só do apoio financeiro dos parceiros de desenvolvimento de Moçambique, como também de atrair investimentos privados nacionais e estrangeiros, num ambiente de melhoria da notação do risco de crédito do País no mercado internacional. Isso é o que verificamos noutros países em situações comparáveis. Focalizando na gestão dos fundos públicos, quais são as áreas de intervenção e que impacto se pode esperar a médio e longo prazo? O FMI tem estado a prover a assistência técnica na área de finanças públicas ao redor do mundo. Em geral, Moçambique é um dos países que mais beneficia da assistência técnica com um nível acima da média na região em muitas áreas, além das finanças públicas. No âmbito da gestão das finanças públicas, as principais áreas de actuação de assistência técnica incluem a administração tributária, riscos fiscais, governação e transparência.
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“No final das contas, vale ressaltar que o crescimento não directamente ligado às exportações do gás é o que importa para o crescimento inclusivo no longo prazo Dentre vários impactos desta assistência técnica, são de destacar a consolidação do Sistema Integrado de Administração Financeira (SISTAFE) para uma gestão mais eficiente e transparente, planificação fiscal mais sustentável e consolidação do sistema tributário para mobilizar mais receita doméstica. O impacto a médio e longo prazo é uma gestão mais eficiente e transparente dos recursos públicos e uma garantia maior de que os recursos serão protegidos de interesses pessoais. Em termos monetários, quanto é que Moçambique passa a somar em dívida junto do FMI (considerando os 470 milhões de dólares mais recentes) e de é que vai depender a capacidade do País de reduzir a de-
pendência quer em relação ao FMI, quer aos restantes parceiros? Com a aprovação pela Directoria do FMI do ECF e respectivo desembolso do financiamento, o stock da dívida de Moçambique junto do FMI ascenderá a cerca de 990 milhões de dólares. Acredito que é importante qualificar a “dependência externa” aqui. Vale lembrar que as economias ao redor do mundo estão cada vez mais integradas, o que inclui também a movimentação de capital entre os países. Mesmo as economias avançadas dependem regularmente de financiamento externo, o que não é uma questão de nível de desenvolvimento. Agora, Moçambique deve, no médio prazo, retornar a um nível de superavit primário que permita uma gradual redução do nível global de endividamento. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
OPINIÃO
Regresso do Financiamento do FMI ao OGE – O Possível Início de Uma Nova Era
O Caprazine Hunguana • Responsável pelos Serviços de Execução na Tesouraria do Absa Bank Moçambique
O facto mais relevante deste novo acordo com o FMI é que ele vem demonstrar à comunidade doadora de que há condições para negociar e aprovar novos programas de apoio bilateral e multilateral ao OGE
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recém anunciado acordo técnico entre o FMI e o Governo moçambicano sobre um programa de três anos, a ser suportado pelo instrumento de financiamento alargado, no qual o Orçamento Geral do Estado (OGE) beneficiará de $470 milhões, dividiu as opiniões de alguns analistas quanto aos reais benefícios decorrentes desse apoio. Estão ainda presentes, na memória de muitos, os impactos sociais nefastos das medidas impostas ao País para poder beneficiar-se dos financiamentos do FMI e do Banco Mundial nos finais da década 80 e na primeira metade dos anos 90. Todavia, os ganhos económicos a longo prazo traduziram-se em maior estabilidade macroeconómica com um metical menos volátil e um crescimento económico de dois dígitos durante vários anos. As reformas económicas introduzidas permitiram ao País tornar-se atractivo ao capital internacional e captar importantes volumes de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) em quase todos os sectores da economia. O desvendar das dívidas ocultas em 2016, que levou ao cancelamento do programa de apoio financeiro directo ao OGE por parte do FMI e de outros financiadores bilaterais e multilaterais, assim como o incumprimento e a reestruturação nos Ematum Bonds que foram depois convertidos em títulos soberanos, levaram a sucessivas quedas na classificação de Moçambique pelas principais agências de notação (Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s) até atingir a categoria de junk. Importa referir que a classificação atribuída ao País, por essas agências de notação, já se encontrava em tendência decrescente en-
tre 2013 e 2015, ou seja, mesmo antes da descoberta das “dívidas”. Em Março último, a Fitch manteve a classificação de Moçambique em “CCC” e a Moody’s manteve em “Caa2” tendo melhorado a perspectiva de estável para positiva. Isto significa que o País, de acordo com estas agências, mantém-se numa categoria “extremamente especulativa” e tal cenário agrava o custo de fazer negócio em Moçambique. Os investidores estrangeiros e alguns nacionais atribuem um prémio de risco soberano consentâneo com a classificação de Moçambique no mercado internacional, o que significa que o endividamento das entidades públicas e privadas nacionais é caro e em linha com a baixa classificação do País e tornar-se-á mais barato à medida que tal classificação for melhorada. A subida na classificação do nível de “extremamente especulativa” para a de “grau de investimento” requer reformas estruturantes de alcance muito abrangente. Embora os detalhes específicos do novo acordo alcançado com o FMI não sejam de domínio público, os comunicados publicados pelo Fundo e pelo Ministério da Economia e Finanças (MEF) informam que o programa de financiamento vai apoiar reformas que incluem a aprovação da Lei sobre o Fundo Soberano, a publicação do relatório de auditoria sobre a gestão dos fundos do Covid-19, alteração da Lei de Probidade Pública e da legislação sobre Branqueamento de Capitais e Combate ao Financiamento ao Terrorismo. O programa também aborda a transparência na gestão da dívida pública e no sector de recursos naturais, identificados como áreas-chave no Relatório de Diagnóstico de 2019 sobre Transparência, Governação e Corrupção, preparado pelo Governo com o apoio do FMI. O facwww.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
O novo acordo com o FMI prevê, entre outros aspectos, apoiar reformas que incluem a aprovação da Lei sobre o Fundo Soberano to mais relevante deste novo acordo com o FMI é que ele vem demonstrar à comunidade doadora de que há condições para negociar e aprovar novos programas de apoio bilateral e multilateral ao OGE. O pacote de reformas tornado público estabelece que os principais objectivos do programa de médio prazo serão o crescimento económico, a sustentabilidade fiscal e reformas na gestão e governação das finanças públicas. As medidas incluem reformas na administração fiscal e na política do IVA. A reforma da massa salarial do Estado ora em curso é referida como uma acção que deverá reduzir a pressão sobre as finanças públicas e conduzir a uma convergência da massa salarial, em relação ao PIB, para níveis médios observados na região. Uma meta importante avançada pelo Ministro da Economia e Finanças à imprensa é a de reduzir o rácio “Dívida Pública / PIB” dos actuais cerca de 113% para 60%, uma meta ambiciosa mesmo quando comparada com os níveis anteriores a 2016 (37% em 2012, 50% em 2013, 64% em 2014 e 87% em 2015). Existem vários factores que constituem um elevado risco para o alcance www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
dos objectivos do programa, com destaque para os impactos das intempéries e a situação actual do tecido empresarial do Estado. O financiamento aos investimentos de reposição de infra-estruturas públicas destruídas por eventos climáticos assim como os mecanismos de apoio às populações afectadas devem ser alvo de instrumentos financeiros de mitigação que protejam o OGE. O risco orçamental que advém da situação financeira de algumas empresas públicas é muito significativo e espera-se que sejam tomadas medidas para alterar o actual cenário. Os moçambicanos é que devem assumir a propriedade destas e de outras reformas fulcrais para o desenvolvimento do País. A gestão da política monetária e das reservas internacionais devem continuar a ser prudentes e responsáveis com o objectivo de controlar a evolução do nível de preços e da Balança de Pagamentos num contexto de acrescidas incertezas resultantes do conflito Rússia-Ucrânia. Uma inflação baixa e estável e um saldo de Reservas Internacionais confortável (cobrindo mais de quatro meses de importações, excluindo os
grandes projectos) irão permitir a adopção de uma política monetária expansiva a médio prazo, onde o preço do dinheiro será mais baixo e o banco central poderá ser mais activo no mercado cambial para proteger a moeda nacional de choques perversos. A boa gestão das políticas fiscal, monetária e cambial irá, certamente, concorrer para a subida da classificação de Moçambique no mercado financeiro internacional, conduzindo a maiores volumes de IDE, de investimento doméstico e de apoio externo, e promover um maior crescimento da economia. Por fim, o sector privado também tem um papel fundamental a desempenharogar nesta nova etapa que está a iniciar. A constante capacitação do sector e a adopção das melhores prácticas de governação empresarial e dos padrões internacionais de relato financeiro (IFRS) são apenas alguns dos aspectos que podem ajudar as nossas empresas a estarem mais bem posicionadas para participar no desenvolvimento e exploração dos mega projectos de gás natural.
Fonte: Fundo Monetário Internacional (FMI)
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FMI: o Bom, o Mau e o Vilão? É uma válvula de escape das economias em aperto. Também tem sido visto como 'persona non grata’ pela alegada ingerência nas economias a que presta assistência. Em Moçambique prevalecem as duas faces ao longo dos 38 anos de cooperação. Qual é a que deve pesar mais? Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R
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livro do pesquisador Joseph Hanlon, com o título “Paz sem Benefício: Como o FMI Bloqueia a Reconstrução em Moçambique”, de 212 páginas, publicado em 1997, é um dos sintomas do quanto a presença da instituição nem sempre foi bem vista. Mesmo sem precisar de explorar detalhes do seu conteúdo, basta lembrar que muitas opiniões apontam para as imposições das instituições de Bretton Woods como estando na origem da falência da então promissora indústria do caju. Mas as opiniões divergem. Sempre divergiram. Daí a pergunta no título deste artigo. Mas onde estaria a economia nacional se não tivesse tido o apoio do
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FMI em múltiplos momentos cruciais da vida do País? “Precisamos de recursos para a ajuda, porque esta responde a necessidades importantes em todos os sectores. Mas há que não perder de vista o facto de que tal ajuda só será produtiva se formos organizados internamente e que, por causa dela, temos, infelizmente, negligenciado a necessidade da mobilização de receitas internas”. Esta constatação é do economista e docente universitário Constantino Marrengula, e não fugirá da ideia da maior parte dos especialistas em Economia. Por este ângulo de vista, o FMI desempenha um papel indispensável na sua histórica intervenção, quer ao nível do
apoio ao Orçamento do Estado, quer no aconselhamento para equilibrar a Balança de Pagamentos (relações económicas de Moçambique com o resto do mundo) e de outros indicadores macroeconómicos. Visto desta forma, “a bola está do lado de cá”, no sentido de ajustar o apoio recebido às reais necessidades do País, através de políticas que conduzam a um crescimento e desenvolvimento socioeconómico consistente. Mas será isso o que realmente acontece desde o início da intervenção do FMI em Moçambique até hoje? Críticas ao Fundo Em Moçambique e lá fora não são poucas as vozes 'anti-FMI'. O prinwww.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
pobres e subdesenvolvidas, para conseguir empréstimos e financiamentos, são induzidas a cumprir procedimentos e medidas que favorecem directamente os interesses dos países credores. Ou seja, para tomar os empréstimos do FMI os países precisam, necessariamente, de fazer políticas de austeridade, tendo os governos de adoptar mecanismos para gastarem o menos possível para criarem bases suficientes no sentido do pagamento da dívida. O problema, segundo os críticos, é que o FMI não discrimina os investimentos dos governos em áreas sociais e acaba por considera-los também como gastos. Esta postura dificulta o caminho para o desenvolvimento. Prova disso, segundo alguns especialistas, é que, na maioria dos casos, e apesar da contenção das despesas, nota-se a prevalência de crescentes e persistentes défices na balança de pagamentos. Os pontos fortes do Fundo… Ao longo dos 38 anos de intervenção em Moçambique, o FMI destacou-se positivamente por ter permitido a abertura da economia a capitais externos sob forma de ajuda e de investimentos, e ter permitido a transição de uma economia centralmente planificada para uma economia mais ou menos aberta, pro-
positivas para a economia e para toda a sociedade. … E os erros Publicações do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), como que a concordar com a visão de Constantino Marrengula, referem-se ao modelo de orientação económica que o FMI assumiu na década de 1980 durante os chamados ajustamentos estruturais como não tendo resultado em determinadas regiões do mundo, incluindo Moçambique. A ideia que fica é a de que o Fundo acreditava que era suficiente liberalizar a economia e os preços para que o ajustamento da balança de pagamentos e a estabilização dos indicadores macroeconómicos fosse efectivo. Mas isso não aconteceu. Pelo contrário, assistiu-se à falência de todo o tecido industrial (não apenas do caju), que incluía a indústria química e semi-pesada. Lembre-se que Moçambique produzia vidro, pneus, acessórios de aparelhos electrónicos, têxteis em toda a sua cadeia, etc., e até à data da independência (1975) era uma das economias industriais de topo em África. Mas tudo passou para a História. A alternativa àquele modelo de liberalização seria promover a industrialização através do proteccionismo
O Fundo acreditava que era suficiente liberalizar a economia e os preços para que o ajustamento da balança de pagamentos e a estabilização dos indicadores macroeconómicos fosse efectivo. Mas isso não aconteceu
cipal argumento apresentado é o de que, apesar da aparente intenção de fornecer ajuda aos países, especialmente aos mais pobres, o Fundo tem sido usado com um instrumento para alcançar os anseios dos países ricos, uma vez que são estes que dirigem e decidem os rumos da instituição. Ou seja, na sua estrutura interna, especialmente a que se relaciona com a proporcionalidade nos espaços de decisão, cada voto tem o valor equivalente ao capital que cada um dos Estados-membros possui. Assim, as nações mais ricas praticamente controlam a organização. A partir da centralização do poder nas mãos de dirigentes dos países industrializados, as nações www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
curando tornar-se numa economia do mercado. De acordo com Constantino Marrengula, é também importante o facto de aquela organização conferir alguma pressão sobre o papel do Governo perante o que chama de “falta de ressão interna”, visto que “as Organizações da Sociedade Civil são inoperantes, as estruturas de oposição ao Governo são fracas e temos uma sociedade menos preocupada com questões relativas à boa governação e ao bem comum, e que, por isso, não questiona o que o Estado deve ou não fazer”. Marrengula entende que o FMI e outros doadores têm tentado colocar o Governo na rota da prestação de contas e tomada de decisões que serão
interno como fizeram alguns países evitando a desindustrialização. Administração pública não foi levada a sério Além disso, o funcionalismo público foi ignorado. O economista Constantino Marrengula explica que o processo de liberalização assumia que a Administração Pública era improdutiva e promoveu reformas cujo resultado foi a sua total fragilização: as universidades perderam professores, na saúde perderam-se médicos a favor das ONG e, nestes termos, não havia competências nem possibilidade de colher os resultados esperados da liberalização da economia. Entende, por isso, que os problemas criados àquele nível se
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OS CINCO PROGRAMAS MAIS IMPORTANTES DO FMI EM MOÇAMBIQUE Os 38 anos de cooperação são feitos de vários capítulos de intervenção, mas, aqui, a E&M destaca aqueles que tiveram lugar em momentos cruciais do contexto socioeconómico e político do País.
1984
Moçambique adere ao FMI e ao Banco Mundial, de onde viria a ter apoios para lidar com a profunda crise que se seguiu à Independência (1975). Foi na fase da adopção do modelo de economia centralmente planificada.
1987
Moçambique lançou o Programa de Reabilitação Económica (PRE) com o apoio do FMI e do Banco Mundial, com o objectivo de eliminar a grave crise económica e social que o país atravessava, resultado do fracasso das estratégias de desenvolvimento socialistas adoptadas após a independência.
1999
Depois dos processos de paz (1992), houve uma participação muito forte do FMI para o País participar no Programa de Alívio aos Países Pobres Altamente Endividados. Como resultado, a dívida passou de cerca de 6 mil milhões USD, correspondentes a 153% do PIB em 1998 para 3,5 milhões em 2006 (49% do PIB).
2008
Veio o programa de apoio a políticas com o financiamento que foi suspenso com a descoberta das chamadas dívidas ocultas, em 2016.
2022
Moçambique volta a ter um novo programa que tem a perspectiva de melhorar a transparência e a gestão fiscal para prepará-lo na gestão mais eficaz das receitas futuras do gás.
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“O apoio do FMI chega em momento oportuno, já que, com o atraso dos projectos do gás, poderá permitir avanços na implementação de iniciativas de alívio à pobreza”
fazem sentir até hoje, a avaliar pela fraca exigência sobre o seu desempenho. Uma nova página acaba de ser aberta Com a história do passado já contada, o economista Fáusio Mussá manteve à E&M o foco na cooperação futura, dando a entender que há margens mínimas para falar dos erros que têm sido levantados. Entende que um dos grandes impactos que se esperam no novo modelo de prestação de apoio é mais do que os 470 milhões de dólares anunciados. O mais importante é que o programa abre espaço para que haja mais apetite dos doadores para apoiarem o País, com a expectativa de que a gestão macroeconómica vai melhorar. “Será uma intervenção importante porque estamos a registar atrasos nas receitas do gás e este apoio vai ajudar a suprir carências durante este período na Educação, Saúde, Infra-estrutu-
ras e em todas as iniciativas de alívio à pobreza”, defende Fáusio Mussá. E acrescenta: “Ao contrário das missões anteriores, neste programa vejo mais consensos em Moçambique de que será mais benéfico, porque as pessoas querem mais transparência fiscal e esperam que quando o dinheiro do gás chegar será bem gerido. O programa do FMI vai ajudar a alcançar isso também”, concluiu. Sobre as regras de austeridade impostas pelo FMI, e que são amplamente criticadas em várias esferas de debate dentro e fora do País, Fáusio Mussá entende que, para suprir gastos insustentáveis, a austeridade será evocada sempre que houver indícios de tal acontecer, “mas eu penso que a própria gestão do Ministro Adriano Maleiane na pasta Economia e Finanças (agora Primeiro-ministro) foi de manter um défice fiscal pós donativos relativamente baixo, o que facilitará a ajuda ao desenvolvimento”. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
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FMI-África: Que Resultados nos Quase 80 anos de Cooperação? Ao longo dos 78 anos de existência, o FMI foi adaptando a sua forma de actuação às necessidades específicas dos países membros, especialmente os mais pobres. Se os resultados das suas intervenções são por muitos postos em causa, é justo questionar, também, como seriam estas economias sem o FMI Texto Celso Chambisso • Fotografia Adobe Stock
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ecentemente, a Directora-Geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, alertou que a guerra na Ucrânia chega numa altura delicada para África: quando a economia global e o continente começavam a recuperar dos efeitos devastadores da pandemia do covid-19. Esta nova crise, de acordo com a responsável, ameaça desfazer algum desse progresso. Perante as ameaças, “o FMI está disponível com aconselhamento sobre as políticas, desenvolvimento da capacitação e empréstimos”, assegura, garantindo que “as recentes reformas nas ferramentas de empréstimos do Fundo garantem mais flexibilidade para ajudar a resolver as necessidades dos países africanos”. No fundo, esta postura da instituição perante as adversidades que afectam os mercados não é nova, e é disso testemunho o percurso do FMI, apresentado por peritos, recentemente, por ocasião do 60º aniversário do Departamento Africano do FMI (AFR). O documento recapitula a evolução da relação entre a instituição e os seus membros de baixa renda, com referência particular aos países africanos. A respectiva síntese fundamenta que, quando o FMI começou, pouco se preocupou em conceder aos países de baixa renda qualquer consideração especial ou tratá-los de forma diferente dos outros membros. Mas nos 76 anos que se seguiram muita coisa mudou. Hoje, os países de baixa renda são apoiados por uma ampla gama de iniciativas do FMI adaptadas às suas necessidades e circunstâncias.
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Como foi esse percurso e que mudanças foi trazendo ao longo do tempo? Não é possível manter uma postura estática. Na conferência de Bretton Woods, que decidiu criar o FMI e o Banco Mundial, em 1944, estiveram representados três países da África Subsaariana (Etiópia, Libéria e África do Sul), que apesar da carência de apoio não conseguiram ter as suas necessidades de financiamento para o desenvolvimento explicitamente referenciadas nos Artigos do Acordo. É que, desde o início, o FMI deixou claro que pretendia fornecer apenas apoio de curto prazo à balança de pagamentos, independentemente do estágio de desenvolvimento económico do membro. Por isso, quando a Etiópia, o primeiro país a pedir apoio financeiro do FMI, solicitou um saque de 900 mil dólares (15% da quota), foi recusado sob a alegação de que as suas necessidades de financiamento não eram imediatas nem temporárias. Mas já nas décadas de 1950 e 1960, o FMI começou a reconhecer que vários segmentos dos seus membros tinham necessidades diversas e enfrentavam problemas diferentes. À medida que países africanos recém-independentes se juntaram à organização, o Fundo adicionou um Departamento Africano em 1961. No entanto, a mentalidade de que o apoio do FMI deveria ser para problemas temporários de balança de pagamentos persistiu, mesmo em relação aos países em desenvolvimento. Mas a crise do petróleo de 1973-74 expôs as limitações dessa abordagem. Em 1974, o FMI estabeleceu o Extended Fund Facility (EFF), que sinalizava
a sua prontidão para ajudar países com problemas de balança de pagamentos mais prolongados. Os empréstimos concessionais do FMI começaram com o alívio do pagamento de juros para os países pobres mais afectados no âmbito do Mecanismo Geral de Petróleo, seguido, em 1976, pelo lançamento do Fundo Fiduciário, que forneceu empréstimos concessionais aos membros mais pobres. Até os condicionalismos eram para… ajudar! Hoje são muito criticados, mas houve um contexto que obrigou o FMI a instituí-los. Ou seja, as condições de obtenção da ajuda são, por si, uma evolução nos mecanismos de prestação de apoio para buscar melhores resultados. É que, na segunda metade da década de 1970, os países em desenvolvimenwww.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
Em princípio, o foco do FMI não previa uma intervenção que incluísse o combate directo à pobreza das populações dos países membros, mas, a partir da década de 1980, criou instrumentos que actuam dentro deste âmbito
to tomaram empréstimos pesados para pagar importações de petróleo cada vez mais caras e para financiar projectos de investimento ambiciosos. No início da década de 1980, a recessão global, o colapso dos preços das commodities e o aumento das taxas de juros significaram que muitos desses países tiveram dificuldade em pagar os seus empréstimos com credores comerciais e bancos multilaterais de desenvolvimento, incluindo o FMI. Essa crise da dívida coincidiu com o www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
esgotamento dos recursos do Fundo Fiduciário levando o FMI a reavaliar sua estratégia de empréstimos aos países pobres. Para responder, buscou maior ênfase na resposta da oferta de uma economia, em vez de apenas na gestão da demanda. Isso significou mais reformas estruturais e condicionalismos correspondentes para remover as ineficiências, distorções e rigidez que sufocam o potencial de crescimento de uma economia. Essas ideias foram
expressas através do Mecanismo de Ajuste Estrutural (SAF), de 1986, e do Mecanismo de Ajuste Estrutural Aprimorado (ESAF), de 1987. Assim, ao desembolsar fundos por meio dessas ferramentas, o FMI tornou-se mais selectivo sobre os destinatários do apoio concessional e exigiu condições mais rigorosas e extensas. A década de 1980 trouxe outra lição: era improvável que um programa fosse bem-sucedido sem o impacto das reformas económicas sobre os pobres, por isso introduziu programas apoiados pelo SAF e ESAF e que passaram a incluir medidas compensatórias direccionadas para as populações mais vulneráveis. O perdão e alívio das dívidas É outra forma de actuação que sempre esteve presente na fórmula do
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FMI. Em 2019, 36 dos 39 países elegíveis haviam recebido um alívio da dívida totalizando cerca de 125 mil milhões de dólares, permitindo-lhes aumentar os gastos sociais, especialmente na Saúde e Educação. Embora a maioria não tenha alcançado plenamente os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio da ONU, muitos registaram progressos substanciais nessa direcção. Após a miséria da década de 1980, quando a renda per capita diminuiu em muitos países africanos, as reformas implementadas pelos países de baixa renda, juntamente com o alívio da dívida e o ambiente externo mais favorável, ajudaram a reactivar o crescimento na segunda metade da década de 1990, que acelerou durante a maior parte da década de 2000, diminuindo a diferença de renda com as economias avançadas. O envolvimento do FMI com países de baixa renda continuou a evoluir no século XXI. E reconhecendo que alguns países não precisavam mais de
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Em 2010, o Poverty Reduction Growth Trust (PRGF) foi dividido em três linhas concessionais. Uma delas oferece financiamento de baixa condicionalidade em caso de desastres naturais ou outras emergências
financiamento, mas poderiam beneficiar do monitoramento externo e do “selo de aprovação” das políticas das autoridades do FMI, em 2005 a instituição introduziu o Instrumento de Apoio à Política, que permitiu o monitoramento do tipo “programa sem empréstimos de acompanhamento”. Em 2010, o Poverty Reduction Growth Trust (PRGF) foi dividido em três linhas concessionais: a Extended Credit Facility, para países que enfrentam necessidades prolongadas da balança de pagamentos; a Standby Credit Facility, para necessidades de curto prazo e de precaução da balança de pagamentos; e a Linha de Crédito Rápido, que oferece financiamento de baixa condicionalidade em caso
de desastres naturais ou outras emergências. Nesse mesmo ano, o FMI também estabeleceu o Post-Catastrophe Debt Relief Trust, que lhe permite participar de esforços internacionais de alívio da dívida para países pobres atingidos por desastres naturais e epidemias. No início de 2015, três países afectados pelo Ébola (Guiné, Libéria e Serra Leoa) receberam assistência rápida desse fundo. Sem desvalorizar as críticas feitas ao FMI ao longo do tempo, pela sua larga intervenção, emprestando dinheiro, perdoando dívidas e procurando equilibrar o desempenho macroeconómico dos 190 países membros, é justo questionar que mundo teríamos se o FMI não existisse. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
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OPINIÃO
FMI: Só USD 470 Milhões?
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João Gomes • Partner @ JASON Moçambique
“Apesar de considerarmos curto o montante disponibilizado, tendo presente a dimensão dos objectivos que se pretendem alcançar, acreditamos que o efeito catalisador deste PFA poderá mobilizar muitos mais fundos adicionais...”
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em este artigo a propósito do recente acordo técnico1, entre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Governo de Moçambique, para a aplicação do Programa de Financiamento Ampliado2 (PFA), o qual vigorará entre 2022 - 2025, desembolsando ajuda financeira no valor de USD 470 milhões, ou na “moeda” do FMI, SDR3 341 milhões, facto que acontece pela primeira vez desde a ocorrência da crise das dívidas ocultas. Convido o meu leitor@ a responder à seguinte interrogação: Moçambique “só” receberá 470 Milhões de USD, ou será muito mais do que isso? Vejamos sucessivamente: 1. “Só” USD 470 Milhões de assistência financeira? 2. Outros instrumentos de intervenção. 1. “Só” USD 470 Milhões de assistência financeira? Se atentarmos no peso relativo do PFA proposto, relativamente ao Produto Interno Bruto de Moçambique (PIB) previsto para o período de assistência financeira 2022-2025 teremos: - Em 2022, para um PIB previsto no valor de USD 14,89 biliões4, o PFA terá um peso relativo de 3,16%. - Se, porventura, medirmos o peso do PFA em momento diferente, v.g. 2023, este terá um peso de 2,82%. Se em 2024, 2,46%. Se em 2025, 2,15%. Agregando o valor do PIB previsto para o período 2022-2025, no valor de USD 72,52 biliões, o PFA terá um peso relativo muito reduzido de 0,65%. Adicionalmente, e conforme comprovado em vários estudos5, se em virtude das muito provavelmente difíceis condições associadas ao PFA (austeridade!), considerarmos a possibilidade de Moçambique não conseguir assegurar uma execução integral do pacote de assistência aprovado ficará por levantar parte significativa das tranches do financiamento (i.e. efeito de quebra). O próprio FMI (2001) informa6 que os países cumpriram os critérios estruturais em apenas 57% de todos os programas entre 1987 e 1999. Admito que houve já tempo bastante para esta métrica ter melhorado entretanto, mas não deixa de ser um proxy da provável ta-
xa de quebra. Nesta linha, as piores taxas de implementação foram encontradas para as condições relativas às privatizações (45%), ao sistema de segurança social (56%) e às reformas das empresas públicas (57%). Então, neste contexto, USD 470 milhões sabem a pouco! Na perspectiva dos objectivos a médio e a longo prazo associados ao PFA, e resumindo a declaração do responsável da missão do FMI7, sabemos que os USD 470 milhões destinam-se, na sua maioria, a implementar a clássica agenda neoliberal dos já apelidados “Rapazes de Chicago”8 : - Apoiar a reforma e redução da despesa e do sector públicos: por exemplo, através da redução do efectivo e dos salários na administração pública9. - Apoiar a reforma da administração fiscal e dos impostos: por exemplo, através da subida do IVA10. - Apoiar a agenda de reformas sociais do Governo: por exemplo, através da redução da pobreza e do aumento da protecção social11. - Fora da agenda neoliberal, mas por causa da crise das dívidas ocultas, surge reforçado o objectivo da transparência na gestão de fundos públicos, do combate à corrupção e da boa governança: por exemplo, através da capacitação de quadros e da implementação de boas práticas de monitorização e avaliação dos fundos12. Estranhamos a ausência de referências explícitas, na citada declaração — porquanto fazem parte do núcleo duro da doutrina do FMI — às reformas: - Da legislação e do mercado laboral. - Do sector empresarial do Estado e a necessidade de levar a cabo privatizações. Não obstante estas exclusões da declaração do chefe de missão, o âmbito ambicioso dos objectivos do PFA reforça a nossa ideia de que USD 470 milhões sabem a pouco…e para fazer muito! Contudo, é justo referir que Moçambique, membro do FMI desde 24 de Setembro de 1984, a sua quota é de SDR 227,2 milhões, i.e. USD 311,37 milhões. E que a 31/12/2021, face ao FMI, Moçambique apresentava na rubrica “Compras e Empréstimos Pendentes”, resultantes de nove intervenções prévias, www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
A recém-chegada plataforma de liquefação do gás junta-se ao julgamento das dívidas ocultas como factores decisivos para o retorno da confiança do FMI
um saldo negativo de SDR (350,27 Milhões)13 i.e. USD (439,15 Milhões). Nesta perspectiva, um PFA para Moçambique, avaliado em USD 470 milhões, sabendo a pouco e para cumprir muito, excede contudo já o valor da sua quota na instituição agora comandada pela segunda mulher no cargo de Managing Director, a búlgara Kristalina Georgieva. 2. Outros instrumentos de intervenção. Mas esperar que a recuperação da economia Moçambicana — ao mesmo tempo que aborda os desafios da inclusão social, da dívida e do financiamento, bem como dos desafios estruturais a longo prazo — resulte apenas da acção de instrumentos financeiros é “tomar a floresta pela árvore”. Efectivamente, estudos14 apontam que os programas do FMI têm efeitos multiplicadores indirectos importantes, que vão muito para além das ferramentas convencionais do Fundo em termos de dinheiro e condições. Neste contexto, o “selo de aprovação/confiança”: a aprovação, dentro de semanas, do PFA provocará um efeito de mobilização de financiamento adicional, entre outros, do Banco Mundial15. E a entrada em jogo dos doadores cujo financiamento foi interrompido pela crise das dívidas ocultas. Em conclusão No contexto específico marcado pela chegada da plataforma flutuante de prowww.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
dução de gás e, bem assim, do culminar do julgamento das dívidas ocultas, volta a abrir-se espaço para a criação de um clima de confiança dos investidores estrangeiros em Moçambique. Não fora a questão do terrorismo a norte! O FMI vai lançar, através do instrumento Programa de Financiamento Ampliado (PFA), a sua 10ª operação em Moçambique, no valor de USD 450 milhões, para o período 2022-2025. Apesar de considerarmos curto o montante disponibilizado, tendo presente a dimensão dos objectivos que se pretendem alcançar, acreditamos que o efeito catalisador deste PFA poderá mobilizar muitos mais fundos adicionais que permitirão tornar Moçambique mais resiliente a crises financeiras. Mas, muito para além dos USD 470 Milhões, esta é a oportunidade de testar, i) do lado da Estado, a vontade de reformar e de gerir de forma transparente os recursos escassos; ii) e, do lado dos cidadãos, a resistência para transpor mais um período de austeridade, que com toda a certeza se avizinha.
Staff-Level Agreement: Este pré-acordo está ainda sujeito à aprovação do Management do FMI e, bem assim, ao aval do Conselho Executivo, o que se espera que venha a acontecer nas próximas semanas. 2 ECF - Extended Credit Facility. 3 Special Drawing Righs: Direitos de Saque Especial. Os SDR funcionam como uma moeda interna do FMI que os países podem trocar entre si por reservas cambiais, como dólares ou euros. Para 1
uma análise de como é calculado o SDR conferir em https://www.imf.org/external/np/fin/data/ rms_sdrv.aspx. À data em que escrevemos este artigo 1 SDR = 1,371210 USD. 4 Fonte: https://www.statista.com/outlook/co/ economy/mozambique#gross-domestic-product (Leitura em 09 de Abril de 2022). 5 Joyce, J.P., 2003, Promises Made, Promises Broken: A Model of IMF Program Implementation, Wellesley College Department of Economics Working Paper 2003-03. 6 A International Monetary Fund, 2001, Structural Conditionality in Fund-Supported Programs, February 16, http://www.imf.org. 7 Pode ser consultada no site do FMI: https:// tinyurl.com/9tfhzfte. 8 “Chicago Boys”: Klein, N., (2007) ‘The Shock Doctrine’, London, Penguin Books. 9 PIRIS, Álvaro: “Reduce pressure on public finances from remunerating public servants and lead to convergence of the wage bill, as a ratio to GDP, towards average levels observed in the wider region”. 10 PIRIS, Álvaro: “The agreed measures include a series of reforms to tax administration and VAT policy”. 11 PIRIS, Álvaro: “Addressing poverty and providing social protection are an important part of the government’s reform agenda”. 12 PIRIS, Álvaro: “The program also addresses transparency in debt management and the natural resource sector”. 13 Conferir em https://www.imf.org/en/Countries/ MOZ. 14 DREHER, Axel et al (2008) “Does the IMF Help or Hurt? The Effect of IMF programs on the likelihood and outcome of currency crises”. 15 Nesta linha, a recente aprovação pela USAID do acordo quinquenal de parceria, no valor de USD 1,5 biliões.
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especial inovações daqui 50
DIPLOMACIA DIGITAL
A pandemia do novo coronavírus acelerou o uso dos meios digitais na interacção entre as pessoas. As alterações estendem-se para a forma como os países e organizações se relacionam entre si em vários domínios
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A Empresa que Criou Um Filtro Capaz de Purificar Água Turva em Apenas Dez Minutos
56 PANORAMA As Notícias da Inovação em Moçambique, África e no Mundo
ÁFRICA
África e o Futuro da Diplomacia Digital Com as novas tecnologias que proporcionam acesso massificado à informação instantânea e à comunicação interactiva, a utilização destas ferramentas também se generalizou na diplomacia. Mas levanta questões e desafios TEXTO Louise Fox e Landry Signé • FOTOGRAFIA Global Economy and Development, Africa Growth Initiative
A
pandemia revelou ainda mais a grande medida em que o mundo moderno depende da tecnologia e das ferramentas digitais. Como qualquer outro aspecto da vida, a diplomacia também teve de se tornar “digital”, com muitas actividades transferidas para o online devido a restrições relacionadas com a pandemia. Zoom, Google Meet e outras plataformas deste tipo tornaram-se importantes para reuniões globais de tomada de decisões, encontros diplomáticos e conferências, uma vez que as viagens se tornaram impossíveis ou impraticáveis.
pandemia acelerou este processo. Em muitos aspectos, o elemento perturbador da pandemia ajudou a desencadear novas formas de processos virtuais de tomada de decisão. Durante este período, os países africanos abraçaram a diplomacia digital através destes processos virtuais. Por exemplo, apesar da pandemia, os governos africanos, a União Africana (UA) e organizações não governamentais realizaram várias conferências virtuais sobre paz e segurança, reunindo milhares de intervenientes africanos. Em Maio de 2020, a UA organizou com sucesso uma conferência online “Silen-
A diplomacia digital refere-se à ampla utilização da tecnologia, particularmente a Internet e outras inovações baseadas nas tecnologias de informação e comunicação (TIC), na condução da diplomacia Os dois lados da diplomacia digital
A primeira dimensão da diplomacia digital — a diplomacia digital privada — tem que ver com as práticas confidenciais que ocorrem à ‘porta fechada’, tais como assuntos administrativos, ligações interministeriais, negociações comerciais ou políticas, espionagem e serviços consulares. No que diz respeito a negociações, por exemplo, vários prestadores de serviços estão a desenvolver instalações de tele e videoconferência para assegurar compromissos virtuais seguros. No que diz respeito aos serviços consulares, muitos países têm estado totalmente online, utilizando frequentemente contratantes como a VFS Global para a emissão de passaportes e vistos, e a
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ciando as Armas”, que se prolongou por três semanas. Os intervenientes participaram tanto física como virtualmente, contribuindo para o debate e fazendo novas ligações. Os líderes africanos — por exemplo, o Presidente da UA Cyril Ramaphosa, da África do Sul — tem realizado reuniões online com as partes interessadas desde o início da pandemia. Estas discussões online não só reduziram os custos de reunir os principais interessados, como também permitiram uma tomada de decisões mais rápida, uma vez que mais participantes, que poderiam não comparecer normalmente por várias razões, estão disponíveis para negociações. No entanto, estes sucessos não implicam necessariamente que as reuniões virtuais devam substituir a tradição das www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
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interacções presenciais. Em vez disso, devem ser complementares. As reuniões físicas são importantes porque as negociações decorrem frequentemente à margem dos encontros internacionais, através de discussões improvisadas entre líderes globais nos intervalos para chá ou almoço, ou de um encontro casual no corredor ou na sala de descanso, por exemplo. Além disso, as reuniões físicas proporcionam aos participantes uma oportunidade de observar e interpretar a linguagem corporal e as emoções das partes, o que pode ajudar na tomada de decisões. Assim, o formato híbrido de interacções físicas e reuniões virtuais parece ser a melhor abordagem para os compromissos diplomáticos. As reuniões devem ser realizadas fisicamente à medida que se tornam mais centradas na tomada de decisões e representação de alto nível, tais como questões que exigem um elevado nível de sigilo envol-
cação digitais, tais como emissoras e sites de notícias, é outra forma de diplomacia digital exterior. Assim, Twitter, Facebook, WhatsApp e Instagram têm provado ser poderosos instrumentos para influenciar o público, especialmente em termos de melhorar a imagem de um país, entre várias outras utilizações. Por exemplo, muitos líderes africanos, ministérios dos Negócios Estrangeiros e outras agências relacionadas operam contas de meios de comunicação social, a este nível, especialmente no Twitter e no Facebook. Um bom exemplo é o do Presidente Muhammadu Buhari, da Nigéria, que é o líder africano mais seguido, com mais de 5 milhões de followers no Facebook, Instagram e Twitter combinados. É seguido pelo Presidente do Gana, Nana Akufo-Addo, e pelo líder do Ruanda, Paul Kagame, com mais de 4 milhões de seguidores nas três redes sociais combinadas. Filipe Nyusi, o Presidente mo-
Muhammadu Buhari, da Nigéria, é o Chefe de Estado africano com maior número de seguidores nas plataformas de social media. Chega aos 5 milhões de seguidores no Facebook, Instagram e Twitter combinados. vem situações de conflito ou negociações complexas.
A diplomacia digital pública: o papel da Social Media
A diplomacia digital pública, por outro lado, está virada para o exterior, orientada tanto para os cidadãos nacionais como para os globais. Este tipo de diplomacia digital destina-se a promover a imagem dos países, projectando o poder e influenciando cidadãos estrangeiros. Esta última versão está ligada aos conceitos e práticas mais antigos da diplomacia pública e do soft power, de tal forma que começamos a falar da noção de “diplomacia pública na era digital” e de “soft power na era digital”. Este tipo de diplomacia baseia-se fortemente nas comunicações e é levada a cabo através de sites populares de redes sociais como o Twitter, o Facebook e o LinkedIn, para citar apenas alguns. A marca da nação e do lugar através de plataformas como o YouTube e a utilização de meios de comuni-
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çambicano, tem pouco mais de 400 mil seguidores na sua página de Facebook mas, mesmo assim, a plataforma é um canal que a presidência utiliza para informar o público da agenda do Presidente e dos momentos mais importantes da presidência com bastante sucesso. Olhando para trás, o Presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta, foi o líder africano mais seguido, com mais de 7 milhões de seguidores no Facebook, Instagram e Twitter combinados até que desactivou as suas contas em Março de 2019, o que, segundo o próprio, se ficou a dever aos constantes insultos e chamadas de atenção que inundaram a sua inbox. Além disso, no auge da pandemia, as plataformas de comunicação social ajudaram governos e agências governamentais a manter laços com os cidadãos, fornecendo assistência consular ou outras informações úteis relacionadas, por exemplo, com cuidados preventivos de saúde para fazer diminuir os contágios ou até indicações sobre
como prorrogar vistos de permanência nos diferentes países. A diplomacia digital enfrenta, contudo, uma série de desafios em África, incluindo infra-estruturas de TIC deficientes (por exemplo, Internet e energia fiáveis e acessíveis). Os principais líderes também demonstraram desconfiança em relação à Internet, com vários governos africanos (por exemplo, de países como Uganda, Tanzânia, Zimbabué, Togo, Burundi, Chade, Mali e Guiné) a encerrar ou a restringir de forma controversa o acesso à Internet e às plataformas dos meios de comunicação social. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
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O RANKING MUNDIAL DA DIPLOMACIA DIGITAL O Índice de Diplomacia Digital (DDI) avalia a influência global online de cada país do G20 numa escala de 0 a 10. Actualmente baseia-se em nove indicadores-chave baseados em dados do Twitter e actualizados todos os dias. EUA 8.97
Índia 8.95
Rússia 8.56
França 8.46
Reino Unido 8.32
México 7.98
Japão 7.88
Canadá 7.86
Brasil 7.83
Austrália 7.73
África do Sul 5.67 FONTE Digital Diplomacy Index
O Governo nigeriano também proibiu o Twitter a 4 de Junho do ano passado, dois dias depois de a empresa ter eliminado um tweet do Presidente Buhari que ameaçava punir os secessionistas regionais, o qual, segundo o Twitter, violava as suas regras. Estes obstáculos atrasam a diplomacia digital de África. Essencialmente, como suplemento à diplomacia tradicional, os países africanos precisam de abraçar todo o potencial da diplomacia digital a fim de avançar com os seus objectivos de política externa, alargar o alcance internacional e influenciar o público estrangeiro no espaço cibernético. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
É importante que os países africanos alavanquem a sua posição na arena diplomática global com a utilização dos meios de comunicação social. Ao serem activas nas plataformas de comunicação social, os ministérios dos Negócios Estrangeiros podem acelerar a disseminação de informação precisa e permitir que os serviços diplomáticos tradicionais sejam prestados de forma mais rápida e rentável. Além disso, podem amplificar as vozes e os interesses dos seus países na comunidade internacional, reforçando assim a imagem dos países e promovendo os seus objectivos.
Os três impactos da digitalização na diplomacia
Na realidade, a massificação do digital provoca três impactos fundamentais nas relações diplomáticas. Primeiro, multiplica e amplifica o número de vozes e interesses envolvidos na elaboração de políticas internacionais. Segundo, acelera e liberta a divulgação de informação — exacta ou não — sobre qualquer questão ou evento. Terceiro, e por fim, permite que os serviços diplomáticos tradicionais sejam prestados de forma mais rápida e rentável. O futuro será mesmo, e inevitavelmente, por aqui!
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FINTECH
AQUA 3i
Uma Solução para a Purificação de Água Contaminada Transforma água turva em potável em dez minutos e com 99,9% de eficácia. Se no cenário óptimo esta tecnologia for acessível a todos resolve um dos problemas de milhões de moçambicano e encurta o caminho de uma das mais importantes metas dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável TEXTO Hélio Nguane • FOTOGRAFIA Mariano Silva
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um país em que 27% da população não tem acesso a qualquer forma de saneamento, segundo estimativas apresentadas em 2019 pela ONU, a tecnologia começa a dar o seu contributo para melhorar este indicador, também previsto nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Trata-se do “Aquatos”, um filtro desenvolvido para transformar água turva em limpa, pronta para beber, o que pode solucionar o martírio de quem tem como fonte única as águas estagnadas das enxurradas, dos rios e lagos. Como que a confirmar a ideia de “ver nos desafios as oportunidades”, defendida pelos “visionários” na área de negócios, a inspiração para desenvolver este filtro nasce mesmo da constatação de que milhares de pessoas foram afectadas pelos ciclones e outros desastres naturais. Com quase tudo perdido, famílias “herdaram” águas estagnadas e sujas no seu meio, o que piorou a sua condição de saneamento. Foi então que Nério Cutana, jovem formado em engenharia e gestão industrial, e com pós-graduação em gestão de projectos, decidiu, em conjunto com os seus sócios, criar a empresa AQUA 3i, que detém o filtro a que já nos referimos. “Fiz parte de um grupo de voluntários que colhia donativos para ajudar as vítimas e, no meio disso, tínhamos de levar água mineral ou purificada às zonas assoladas pelo ciclone. Ao longo do processo apercebi-me que tentando resolver um problema criávamos outro, pois a água vinha em garrafas de plástico que poluem o ambiente. Além disso, em pouco tempo, a água esgotava-se e as pessoas entravam em
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desespero”, explicou. Depois de estudos de viabilidade e busca de parceiros, foram adquiridos os primeiros filtros, que transformam água das inundações ou turvas em águas seguras para beber. Nério Cutana garante que o Aquatos reduz a necessidade de mulheres e crianças levarem muito tempo dos seus dias em actividades relacionadas com a busca de água em fontenárias (muitas vezes distantes) e de lenha para fervê-la. “Porque o nível de filtração é 99,9% eficaz, o Aquatos reduz os casos de doenças transmitidas pela água não tratada como a diarreia, cólera, entre outras”, explicou. O processo de filtração é instantâneo e não recorre a químicos, energia eléctrica ou outros métodos dispendiosos. O pequeno “engenho”, que mais parece uma tigela quadrada com uma mangueira, reserva até seis litros de água e, dependendo da agilidade de quem o manuseia, pode purificar essa quantidade em até sete ou dez minutos. “O filtro é de gravidade, por isso deve estar em cima e o recipiente que vai receber a água purificada em baixo. A filtragem é natural, a água é purificada gota a gota, sem adição de produtos químicos, reduzindo impurezas e retendo partículas sólidas, o que garante uma água saudável, cristalina e livre de microorganismos”, esclareceu, acrescentando que um filtro pode servir a uma família por até três anos. “Porque a nossa acção não é sazonal, também fornecemos o Aquatos nas zonas periurbanas onde, apesar do desenvolvimento, o saneamento é pobre e a água precisa de ser tratada. Além disso, também encabeçamos um projecto, o Water Against HIV, que apoia pessoas vivendo com HIV”, oferecendo filtros.
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ÁREA DE ACTUAÇÃO Água e Saneamento EMPRESA AQUA 3i PRODUTO Aquatos TRABALHADORES 13 CO-FUNDADOR E GESTOR OPERACIONAL Nério Cutana
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PANORAMA
Emprego
Projecto “+Emprego” promove sala de negócios em parceria com o BCI O projecto “+EMPREGO” — Promover o emprego e as parcerias público-privadas no sector do gás natural em Cabo Delgado” promoveu, durante a última edição da Conferência Anual do Sector Privado (CASP), uma sala de negócios em que quatro jovens da província de Cabo Delgado apresentaram as suas ideias de negócio a uma equipa do BCI, que avaliou os projectos nas áreas da construção,
agro-negócio e tecnologia, e deu inputs face aos modelos de negócio apresentados. O “+Emprego” é um projecto cofinanciado pela União Europeia e pelo Camões, I.P., e consiste num programa de desenvolvimento orientado para a criação de oportunidades para os jovens de Cabo Delgado avaliado em 4 milhões de euros.
Telecomunicações
Moçambique torna-se no terceiro país africano com a tecnologia 5G Administração Pública
Governo lança programa de gestão documental A gestão de processos na Administração Pública do País passa, a partir de Abril deste ano, a ser feita através de um sistema electrónico que vai reduzir os custos de gestão do papel e flexibilizar o atendimento ao público. Carlos Manhique, Director Nacional da Transformação Digital no Instituto Nacional de Governo Electrónico (INAGE), explica que se trata de um instrumento que permite a sistematização de processos e vai colmatar a tramitação de expediente físico, acrescentando que existem instituições já eleitas para gerir o processo, nomeadamente o Centro Nacional de Documentação e Informação de Moçambique (CEDIMO), o Gabinete de Informação (GABINFO), o Instituto Nacional de Governo Electrónico (INAGE) e alguns Ministérios. Assegura, também, que será um sistema que garante segurança contra os ataques cibernéticos. A gestão da documentação na função pública tem sido um grande desafio na gestão dos conteúdos, o que automaticamente incorre na má prestação dos serviços. “Por exemplo, as perdas constantes dos documentos, por vezes sigilosos, a demora e dificuldade na localização de informações, sobretudo em casos de urgência, e a dificuldade de partilhar documentos que, pela natureza, podem ser partilhados com o público”, admitiu a ministra da Administração Estatal e Função Pública, Ana Comoana.
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A Moçambique Telecom, SA. (Tmcel) procedeu ao pré-lançamento da tecnologia 5G, a mais alta ao nível da indústria das telecomunicações. A introdução desta tecnologia enquadra-se no âmbito da modernização e expansão tecnológica, no contexto da estratégia de desenvolvimento da Rede Nacional de Telecomunicações. A implementação desta inovação é realizada em parceria com a empresa
chinesa Huawei e, segundo refere a Vice-ministra dos Transportes e Comunicações, Manuela Rebelo, a tecnologia 5G trará grandes mudanças para os serviços públicos e privados, impulsionando o desenvolvimento económico de Moçambique, à semelhança do que já está a acontecer no mundo. Segundo enfatizou Manuela Rebelo, as vantagens que o 5G traz para Moçambique são vastas, permitindo ao País superar muitos desafios estruturais, sistémicos e de desenvolvimento, usando as tecnologias e soluções de próxima geração, que estão neste momento disponíveis nas áreas da medicina, agricultura, educação, entre outros sectores. Com a introdução desta tecnologia, Moçambique fica entre os primeiros três países africanos a disporem da 5ª geração de tecnologia de comunicação sem fio, depois da África do Sul e do Quénia.
Sustentabilidade
Tunísia fabrica triciclos e bicicletas movidos a energia solar A startup tunisina Bako Motors está a fabricar a sua própria linha de bicicletas e triciclos movidos a energia solar que pretende implementar em todo o continente africano. O objectivo da jovem empresa sediada em Hamman Lif, na Tunísia, é contribuir para o desenvolvimento da mobilidade urbana sustentável, em linha com o desejo do Governo tunisino de reduzir em 46% suas emissões de gases de efeito estufa. Fundada pelo empresário Boubaker Siala, a start-up tunisina pretende fabricar localmente e exportar triciclos e bici-
cletas eléctricas a partir do segundo semestre de 2022. As máquinas, movidas a energia solar, serão inicialmente implantadas em várias províncias. Posteriormente, a startup planeia lançar uma subsidiária na Nigéria, em Dezembro de 2022. O motor do carro de três rodas (triciclo) pode percorrer cerca de 17 500 quilómetros por ano (50 por dia) aproveitando simplesmente a energia solar. Custa 1,5 dinar (31 meticais) em energia por 100 quilómetros, possui uma velocidade máxima de 45 km/h e tem uma capacidade de carga de 350 Kg. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
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OPINIÃO
BVM Posiciona-se Como Instrumento Alternativo de Financiamento às Empresass
O Salim Cripton Valá • PCA da BVM
A BVM já esta a ser um mecanismo efectivo de financiamento do sector empresarial em Moçambique, com casos paradigmáticos como a Oferta Pública de Venda (OPV) da HCB, em meados de 2019, que recebeu dois prémios internacionais...
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1. Notas de Enquadramento mercado de capitais e a Bolsa de Valores são importantes fontes de financiamento, tendo sido essa uma das razões pelas quais o Governo criou a BVM em 1998, visando materializar uma nova janela de oportunidade para o financiamento das empresas e do próprio Estado. Desde a criação da BVM, há mais de 23 anos, a instituição já financiou a economia em mais de 226 772 milhões de meticais (cerca de 3518 milhões USD), sendo que 79,6% (181 444 milhões Mt) foi ao sector público, e os restantes 20,4% (45 329 milhões Mt) ao sector privado. Entre 2019 e o 1º trimestre de 2022, o financiamento à economia cresceu 69,9%, com maior incidência no financiamento público (+86,4%), tendo o financiamento privado sido de +25,4%. O financiamento via mercado de capitais/Bolsa de Valores ao sector empresarial, público e privado, é em muitas praças financeiras internacionais uma das principais fontes de financiamento, podendo ser feito por recurso ao capital social da empresa, denominado “Equity”, ou por recurso a empréstimo, Dívida. No “Equity”, a empresa vende as suas próprias acções (oferta de venda de acções) ou emite novas acções para subscrição pelos investidores. O rendimento dos investidores (accionistas) fica dependente dos resultados financeiros distribuídos pela empresa aos accionistas (dividendos) ou pela valorização das suas acções. Em Julho de 2019, a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) vendeu 4,0% das suas acções, mais precisamente 1099 010 704 acções próprias, arrecadando com essa operação o valor de 3300 milhões Mt (55 milhões USD). Ainda nesse mesmo ano, uma outra empresa, a Cervejas de Moçambique (CDM), angariou um total de 7793 milhões Mt (124,5 mi-
lhões USD), pela emissão de novas acções resultante do aumento de capital social de 30,19% da empresa, correspondente à emissão de 36 762 972 acções). No final de 2021, a CMH chegava ao valor de 3250 MT por acção, o que, comparado com o valor de venda em 2008 (OPV de 10% do seu capital social), representa uma valorização de 990%. Estes exemplos referidos anteriormente atestam o facto de a BVM já estar a ser um mecanismo efectivo de financiamento do sector empresarial em Moçambique, com casos paradigmáticos como a Oferta Pública de Venda (OPV) da HCB, em meados de 2019, que recebeu dois prémios internacionais (“Deal Makers Africa” e a Revista “The Banker”) pela sua abrangência, inclusividade e uso de meios remotos, e a Oferta Pública de Subscrição (OPS) da CDM, que foi a maior operação realizada pela BVM em termos de volume de recursos envolvidos. A 31 de Março de 2022, a BVM foi convidada para tomar parte na XVII CASP, com o lema “Reformando o Ambiente de Negócios para a Recuperação Económica”, participando no Painel sobre “Soluções Financeira para a Recuperação do Sector Empresarial e Criação de Resiliência”, tendo apresentado as ideias que neste artigo se apresentam em resumo. 2. Principais Tendências no Mercado Bolsista e Obrigacionista As 11 empresas cotadas na BVM actualmente são provenientes de diversos sectores de actividade, desde o sector de bebidas (9%; CDM – Cervejas de Moçambique), hidrocarbonetos (9%; CMH – Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos), energia (9%; HCB – Hidroeléctrica de Cahora Bassa), área financeira (18%; EMOSE – Empresa Moçambicana de Seguros e a ARKO Seguros), e serviços (55%; ZERO Investimentos, Touch Publicidade, Arco Investimentos, REVIMO – Rede Viária de Moçambique, 2Business www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
A BVM prevê que, até 2026, estarão listadas 30 empresas e a capitalização bolsista rondará os 35% do PIB
e a PAYTECH). Das 11 empresas cotadas, sete estão cotadas no Mercado de Cotações Oficiais, uma no Segundo Mercado e três no Terceiro Mercado. Já no caso de Dívida, a empresa emite títulos de empréstimo de médio/longo prazo (obrigações corporativas, com mais de um ano) ou Dívida de Curto Prazo (Papel Comercial, com menos de um ano), que são subscritos pelos investidores. Trata-se de financiamentos (empréstimos) dos investidores à empresa, mediante a devolução futura do capital aos obrigacionistas, assim como ao pagamento de uma taxa de juro periódica aos investidores (obrigacionistas). A empresa paga uma taxa mais baixa que outras alternativas de financiamento e o obrigacionista consegue uma taxa mais elevada que a oferecida pela banca num depósito a prazo. Nos últimos quatro anos, as emitentes cotadas em bolsa por via de Obrigações Corporativas foram quatro, a saber: BNI – Banco Nacional de Investimento (uma emissão; 300 milhões Mt); a BAYPORT (oito emissões; 2483 milhões Mt); Companhia de Moçambique (duas emissões; 149,8 milhões Mt) e; Visabeira (uma emissão; 212,5 milhões Mt), no total de 12 emissões pelo montante emitido de 3145,3 milhões Mt, sendo que 50% das emitentes cotadas é do sector financeiro, e os outros 50% do sector do comércio. Ao nível de Papel Comercial (dívida de curto prazo), foram emitidas cinco www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
emissões no valor de 317,5 milhões Mt, nomeadamente pela SMM – Sociedade Moçambicana de Medicamentos (três emissões; 60 milhões Mt), a Tyre Partner (uma emissão; 7,5 milhões Mt), e a MyBucks (uma emissão; 250 milhões Mt), distribuídas de igual modo pelos sectores de Saúde, Comércio e Financeiro. Ao nível da introdução de novos mercados, produtos, serviços e instrumentos financeiros criou-se, em Novembro de 2019, um novo mercado bolsista, o Terceiro Mercado, como uma solução calibrada para a realidade da maioria das empresas moçambicanas, onde a falta de contabilidade organizada e de auditoria às demonstrações financeiras e a reduzida dispersão accionista da sociedade são os principais factores que impedem a sua admissão à cotação. O Terceiro Mercado veio a constituir resposta às necessidades das empresas nesta situação, ao permitir que as mesmas se possam admitir à cotação, mas assumindo o compromisso público de que, num horizonte temporal de três anos, a empresa alcance os requisitos em falta, passando automaticamente para um dos dois mercados bolsistas oficiais — o Mercado de Cotações Oficiais ou o Segundo Mercado. O Terceiro Mercado é um mercado de incubação, de preparação e de transição, que, desde 2019, é o que tem constituído a porta de entrada das empresas para a BVM. Actualmente são três as em-
presas cotadas no Terceiro Mercado: (1) a REVIMO — Rede Viária de Moçambique, cotada em Março de 2020, por 100% do seu capital social, tem a concessão de portagens e da construção de estradas e pontes, com uma capitalização bolsista de 841,5 milhões Mt; (2) a 2Business, cotada em Junho de 2021, pela totalidade do seu capital social, desenvolve soluções de gestão empresariais e tecnológicas e apresenta uma capitalização bolsista de 0,3 milhões Mt; e, por último, (3) a PAYTECH, cotada em Outubro de 2021, também por 100% do seu capital social, sendo a primeira “FinTech” cotada na Bolsa de Valores, desenvolve soluções tecnológicas inovadoras, com uma capitalização bolsista de 1 milhão Mt. 3. Serviços disponibilizados ao Público e Parcerias Institucionais Forjadas A BVM lançou, em meados de 2019, os Índices de Bolsa, para melhor expressar os movimentos e flutuações do mercado bolsista (BVM Global), do mercado obrigacionista (BVM Obrigações) e do mercado accionista (BVM Acções), que permitem que os investidores e as emitentes acompanhem as tendências do mercado bolsista e possam tomar decisões mais bem informadas. Para visualizar o artigo completo: https ://www.diarioeconomico. co.mz/?p=98421
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MERCADO & FINANÇAS
“Estamos Prontos para Atacar o Sector do Gás!” Qual tem sido o desempenho do sector de Transportes e Logística num país que enfrenta desafios de mercado, de infra-estruturas e até do clima? Qual é a perspectiva sobre as oportunidades no Oil & Gas? Kiluva Taveira, Directora-Geral da TL - Transporte e Logística, traz respostas sobre o sector e sobre a sua empresa Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva
O
sector dos Transportes e Logística é a base das cadeias de distribuição e armazenamento globais. Ao integrar empresas de expedição e transporte aéreas, aquáticas, ferroviárias e rodoviárias, empresas de logística, entre outras prestadoras de serviços, este sector contribui fortemente para a mobilidade de pessoas e mercadorias, viabilizando e alavancando o processo de importação e exportação, bem como o crescimento económico. Mas, porque em Moçambique pouco se fala sobre as especificidades deste sector, e por estarmos no mês da mulher moçambicana, a E&M ouviu a directora-geral da empresa TL - Transporte e Logística, Kiluva Taveira, uma das poucas mulheres a liderarem um sector predominantemente masculino. Kiluva abordou os desafios a vários níveis, claro, sem deixar de lado a grande ambição da sua empresa: explorar no máximo as oportunidades da área do gás.
Falar de Transporte e Logística em Moçambique é abordar um sector que apresenta grandes oportunidades, sobretudo quando se trata de relações com o hinterland, mas também de desafios relativos à insuficiência e fraca qualidade das vias de acesso. Que enquadramento faz em relação ao desempenho deste sector em Moçambique e em que medida é competitivo ao nível regional? A Logística está sempre associada a camiões, estradas e distâncias. O maior desafio para nós está, de facto, nas vias de comunicação. A maior parte dos países fora de África consideram distâncias longas aquilo que para nós são distâncias curtíssimas. E as distâncias que estão configuradas no continente africano são de uma escala que é considerada como o maior desafio da área de Logística, sendo que, para agravar, as vias não são das melhores em termos de qualidade.
Olhando para os desafios a que se refere é fácil concluir que os cus-
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tos do investimento em Transporte e Logística em África são mais altos do que fora… Sim. Uma das questões importantes a avaliar é a rotatividade das viaturas que, por ser maior, acarreta mais custos. Este é também o caso de Moçambique, onde as viaturas têm um tempo de vida bastante mais curto. Estimativas oficiais da área da Logística aconselham a renovar a frota de viaturas a cada cinco anos nos países desenvolvidos e com boas estradas. Em Moçambique, pelo contrário, a frota deve ser renovada a cada dois anos, mas o mercado não proporciona condições para isso, daí que a solução seja apostar na manutenção e formação dos motoristas para uma condução defensiva. É este o esforço que temos feito para equilibrar os custos.
A operar desde 1998, a TL – Transportes e Logística ganhou a dimensão de líder do mercado. Como é que chega a este estágio? Será pelo elevado nível de demanda dos serviços de logística e transporte no mercado interno e regional, ou nem por isso? As empresas de Logística existem porque há mercado. Mas a forma como nele se posicionam depende das estratégias que adoptam. Por exemplo, como é que a TL – Transportes e Logística, a operar desde 1998, continua a ser uma empresa de referência em Moçambique? Isso tem que ver com um conjunto de factores, nomeadamente o facto de ter meios próprios e boas relações ao nível internacional, o que permite o alcance de outros mercado fora do País. Somos a única empresa moçambicana do ramo certificada em gestão de qualidade ISO 9001, e segurança e higiene no trabalho ISO 450001. Como tal, os clientes acabam por estabelecer confiança em nós, também pela rapidez e eficácia com que resolvemos os seus problemas nos vários níveis em que actuamos. Tudo isto tem permitido um crescimento anual do volume de negócios na ordem dos 20%, o que, mais uma
vez, confirma o facto de em Moçambique haver mercado.
A empresa apresenta segmentos de negócio diversificados, que incluem seis áreas distintas, nomeadamente serviços de mudança de residência, mudança de escritórios, embalagens de obras de arte, transportes e serviços express, etc. Mas dá a impressão que são estes últimos que são mais representativos quanto ao volume de actividade. Qual é o seu peso no vosso core business? Há uma razão de fundo para que os serviços de transportes express tenham maior peso no volume de negócios: seja qual for a actividade que exercemos das seis a que se referiu, tudo acaba por estar relacionado com o transporte. É sempre preciso um camião. O peso que estimamos é de 60% na área dos transportes propriamente dita, ou seja, a que consiste no carregamento de bens de um ponto para outro, fazendo a sua distribuição pelas províncias e lá fora. Já as restantes áreas relacionadas com a mudança de residência, de escritórios, serviços técnicos, embalagem, armazenamento de bens, etc., representam, em conjunto, 40% do volume de negócios. Mas é preciso realçar que o detalhe do serviço técnico de embalagem de bens delicados ou sensíveis, como as obras de arte, é uma mais-valia que dá notoriedade aos serviços do sector de logística pelo rigor que exige em termos de cuidados, apesar de representarem pouco no core business.
Estas áreas técnicas e exigentes de intervenção exigem pessoal qualificado? Ou seja, existe, também neste aspecto, a necessidade de treinar pessoal ao nível operacional? Existe, sim. A formação é importante em todas as equipas e não existe formação mais rigorosa ou menos rigorosa do que a outra porque a TL – Transporwww.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
“Como é que a TL, a operar desde 1998, continua a ser uma referência no mercado? Isso tem que ver com o facto de ter meios próprios e boas relações ao nível internacional...” tes e Logística lida directamente com os clientes. Por exemplo, quando fazemos o transporte express e temos de ir buscar a carga à casa do cliente, precisamos de observar alguns cuidados para salvaguardar o seu interesse. Isto é, a embalagem de uma obra de arte requer o mesmo tipo de formação de outras áreas do sector, mas exige mais tempo de experiência e acompanhamento de líderes de equipas que têm essa experiência. Por isso, a nossa formação é muito baseada no saber fazer, no tempo, nas operações repetitivas e na supervisão. Temos apostado permanentemente na formação do nosso pessoal para responder a esses desafios. É também este o caminho para a distinção no mercado.
Sem muito esforço, encontram-se nas páginas de internet dezenas de www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
empresas da área de Transporte e Logística, o que dá a entender que a concorrência é um grande desafio dos operadores... A concorrência é sempre um desafio porque é com ela que crescemos, nos desenvolvemos e criamos factores de diferenciação. A nossa visão é sermos uma empresa reconhecida pela idoneidade, eficácia e padrão de excelência, gerando valor acrescentado aos nossos negócios através de soluções ajustadas às necessidades específicas de cada um dos nossos clientes. Com este posicionamento estamos preparados para lidar com a concorrência. Conseguimos ter laços muito fortes com os nossos parceiros que, em alguns dos casos, até são nossos concorrentes com os quais nos juntamos para solucionar um problema que eles não conseguem resolver por si sós. O maior desafio em termos de con-
corrência não está nas empresas que trabalham como nós. Está, sim, no mercado informal. Os operadores informais são o maior desafio que cada uma das empresas do sector enfrenta. E há muitos informais espalhados pelos mercados. Por isso, penso que seria importante que houvesse um quadro legal que permitisse a defesa das empresas que cumprem com todos os requisitos estatutários e legais.
Quer dizer que não há regulação que discipline e fiscalize as actividades do sector por parte do Governo? Era suposto que o Ministério dos Transportes e Comunicações, por exemplo, tratasse dessas questões… Acredito que haja, mas não existe um quadro protector das empresas formais. O enquadramento para as empresas trabalharem dentro dos requisitos legais funciona porque, caso contrário, não teríamos alvará nem pagaríamos impostos ao Estado. Portanto, quando as empresas se constituem, fazem-no com base no enquadramento legal. O que não existe é uma ferramenta que favoreça as empresas que trabalham legalmente.
A exploração do gás é uma das circunstâncias que devem oferecer
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inúmeras oportunidades ao sector dos Transportes e Logística, e tudo aponta para uma economia moçambicana que deve estar orientada para o gás num futuro muito próximo. Como é que a TL – Transportes e Logística se está a posicionar para agarrar as oportunidades? Neste âmbito, temos a grande vantagem de pertencer ao Grupo IPG – um grupo internacional de origem portuguesa, centrado na área dos serviços empresariais – o que faz com que a TL – Transportes e Logística consiga apresentar soluções integradas, como são os serviços de engenharia, serviços na área imobiliária e consultoria financeira. Sendo uma empresa de referência que lidera o mercado da Logística, vamos acompanhando este sector e sentimo-nos preparados para responder às necessidades que vierem a surgir e que tenham que ver com os transportes das infra-estruturas, que se vão posicionar no Norte. Actualmente, fazemos a mudança dos técnicos que vão trabalhar naqueles projectos e de outros técnicos que se vão espalhar para as várias províncias onde
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“Actualmente fazemos a mudança dos técnicos que vão trabalhar nos projectos do Oil & Gas e já estamos a testar alguns serviços para essa área” os projectos se vão posicionar, além de já estarmos a testar alguns serviços para as empresas do Oil & Gas, tanto nas áreas dos transportes como das mudanças. É uma oportunidade para continuarmos a crescer e estamos a seguir atentamente os investimentos para estarmos sempre bem posicionados.
Para que empresas do ramo do Oil & Gas estão já a trabalhar? Por uma questão de posicionamento discreto preferimos não citar os nomes das empresas. Tememos criar qualquer tipo de situação menos favorável. Mas posso adiantar que trabalhamos com as empresas que neste momento estão posicionadas no Norte.
Nos últimos quatro a cinco anos, o País tem vivido uma instabilidade
militar no Centro e Norte. Em que medida esta situação afectou as vossas actividades? A TL – Transporte e Logística foi afectada na medida em que as estradas foram cortadas. Houve grandes dificuldades de passar por algumas regiões no Centro. Tivemos sempre de nos adaptar às circunstâncias que o Governo impôs em termos de segurança. As colunas militares que eram colocadas ao longo das vias mais crítivas para nos protegerem garantiram a nossa segurança e tivemos a sorte de não termos sofrido qualquer incidente. Apesar disso, os prejuízos foram inevitáveis. Por exemplo, para chegarmos à cidade da Beira levávamos, normalmente, dois dias, mas com o conflito passaram a ser três. Para ir a Tete, passamos de três para cinco dias. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
Agora acrescentam-se os eventos climáticos cíclicos à equação das dificuldades que o sector tem de enfrentar… Sem dúvida! Precisamos de ter muito mais cuidado, aplicar as regras de segurança e ficarmos ainda mais atentos aos alertas meteorológicos, planeando as viagens, que é o que temos feito. Surpresas podem acontecer, mas temos de nos prevenir e estamos preparados para dar resposta a essas situações.
Como avalia o contributo deste sector para o desenvolvimento de hoje e como projecta o futuro? Vemos que os projectos de gás estão em fase de expansão e são um potencial para as perspectivas de crescimento e desenvolvimento do País. A Logística terá um papel fundamental neste crescimento a avaliar pelos investimentos que foram, estão e continuarão a ser feitos, e, no futuro, o Oil & Gas será um dos principais vectores do crescimento deste sector e do desenvolvimento sustentável e inclusivo, porque funcionará como cascata para o restante tecido económico do País. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
OP
ócio
(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio
66 Um passeio por Chidenguele, a pequena pérola paradisíaca da província de Gaza
g
e 68 Ao sabor dos produtos frescos da empresa Morangos do Niassa
69 Que influência tem o sentido de “Naked Wines” ou da simplicidade do vinho na degustação?
Chidenguele
A Paisagem Como
LAKE VIEW
Conhecer uma das mais importantes estâncias turísticas de Chidenguele é uma experiência arrebatadora
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cerca de 280 quilómetros depois, pedras alvas colocadas meticulosamente sobre uma duna pejada de verde anunciam o destino. A vila é pacata, animada pelos sussurros de mulheres e de homens que chegam do pequeno mercado de venda de produtos frescos, na margem da estrada onde sopram ventos salgados como se mostrassem o caminho para o mar a que chegaríamos. Por estradas de terra, abertas em trilhos onde se impõem árvores selvagens e manadas de bois que ruminam a refeição anterior, uma lagoa espreita, como uma língua que sibila em direcção à areia fina e quente. No Lake View, a lagoa Nhambavale anuncia-se maior, quase um mar, mas, apesar da incitação dos ventos, tem a paciência de permanecer no mesmo lugar. Naquela paisagem de dunas coroadas por arbustos que o vento ergueu da areia esbranquiçada, o sol é cortante. Depois a perde-
mos no horizonte. Voltamos a encontrar neste espaço que fez da sua presença o nome: Lake View Resort. Nhambavale – é assim que a chamam e descobrimos aqui onde a lagoa se anuncia maior, quase um mar, que, apesar da incitação dos ventos, aprendeu a paciência de permanecer no mesmo lugar. Mas não se deixa ver toda. Há um elevado pedaço de terra, a insinuação de uma colina que se interpõe. Ao entardecer, o sol deixa o rasto sobre as águas, como se anunciasse os caminhos dos mundos em que o dia não cede à pressão da aproximação da noite. Ao entardecer, a imagem que temos é do sol com os raios em implosão a assentar por detrás da colina, longe dos nossos olhos, como um bebé que se aninha ao colo. Mas deixa o rasto sobre as águas, como se anunciasse os caminhos dos mundos em que o dia não cede à pressão da aproximação da noite. Por esta altura, a lagoa
Personagem veste o laranja do fogo-fátuo, o verde das árvores na margem embaladas pelos ventos que trazem sempre a lembrança do sagrado-sal. Outra vez o mar. Já a lua, que se começou a apresentar discreta quando o sol era ainda presença física, enche-se até se tornar uma íris prateada sobre o pano negro da noite — há piratas que nos espreitam do céu. O mar a que chegaríamos no dia seguinte é violento, a lembrar a violência do mar que fez de Barcolino — de que conhecemos a triste história — um morto-vivo, no romance de Lucílio Manjate em que o mar é paisagem e personagem. Este mar, o de Chidenguele, cresce com a espuma das ondas para matar a sede da margem-deserto. Naquela paisagem de dunas coroadas por arbustos, que o vento ergueu da areia esbranquiçada, em
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que o sol é cortante, caranguejos alaranjados deixam-se ver por momentos, fugazes, antes de se entocarem pela ameaça das nossas pegadas vincadas na terra humedecida. As tocas (presumo já ter ouvido), ao mesmo tempo que servem de um lugar para que os caranguejos se protejam, dizem muito do tamanho do macho que as escavou e que se encontra dentro, o que facilita a esolha das fêmeas sobre a toca de leito e o macho para o acasalamento. Inteiramo-nos então das estacas implantadas como suportes de um dossel para pequenos bancos e mesas feitos de troncos, carcomidos pelo tempo, mas que resistem em nome do que já foram um dia ou do que podem sempre voltar a ser: espaço de celebrações de amor com o mar a servir de trilha. Este é o lado da praia para quem sonha com a intimidade do mar, sonha em aprender o segredo das marés que fizeram nascer a terra e toda a vida que se seguiu. Os búzios que chegam anelados pelas ondas sussurram aos nossos ouvidos essas histórias. Mas como se houvesse uma invisível cortina de ferro, como se as águas fossem outras, existe um outro lado desta praia para quem quer o reencontro com a humanidade. Se pensávamos que os longos períodos de confinamento podiam fazer também a humanidade perder o hábito das manhãs, que os homens e mulheres voltariam como se caminhassem em Marte, ao primeiro sinal de liberdade, as imagens que nos chegam daqui desmentem. Há um grupo animado de adolescentes que joga à bola, um casal que se diverte com o esbatimento das ondas nas conchas, crianças que constroem os castelos que ruirão na primeira grande onda, amigos que fazem das mãos bases que servem de mola impulsionadora para piruetas que os devolvem ao mar. Percebemos, então, por que os pássaros, ainda que criados em cativeiro, não desaprendem a ambição de chegar às nuvens. www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
Ao entardecer, o sol deixa o rasto sobre as águas, como se anunciasse os caminhos dos mundos em que o dia não cede à pressão da aproximação da noite ROTEIRO COMO IR Da cidade de Maputo é uma viagem de carro de perto de 280 quilómetros. Para chegar à lagoa terá de fazer pouco mais de sete quilómetros e depois, para a praia, mais oito quilómetros. ONDE COMER O restaurante do Lake View Resort oferece uma carta mais clássica. Mas pode ir experimentando as cozinhas de vários restaurantes ao longo da lagoa ou da praia, com uma carta profundamente marcada pela terra e pelo mar. ONDE DORMIR Há várias estâncias hoteleiras. Mas o Lake View Resort permite esta imersão profunda na experiência da lagoa Nhambavale. CUIDADOS A TER Estar sempre a bordo de uma viatura 4x4, sobretudo no trilho para a Praia onde o terreno se torna ainda mais traiçoeiro, é indispensável. Conduzir atento aos trilhos. Afinal, caminham sempre aldeões e manadas de bois.
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MORANGOS DO NIASSA
Niassa propicia boas condições de produção de alimentos frescos através de técnicas naturais
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de certeza que o leitor já ouviu falar das potencialidades agrícolas da província do Niassa, no norte de Moçambique. Mas não seria de admirar que nunca tivesse ouvido dizer que a riqueza dos solos, combinada com o clima, propiciam óptimas condições para a produção de alimentos frescos através de técnicas naturais. Ou que é possível produzir também morangos, juntando o País a uma limitada lista de produtores desta cultura — os maiores são os EUA, Coreia do Sul e Japão e a produção global do morango é estimada em 3,6 milhões de toneladas anuais. Com um clima relativamente mais fresco, Niassa oferece condições que não passaram despercebidas aos investidores e já estão a ser exploradas pela empresa Morangos do Niassa, que se dedica à comercialização de produtos orgânicos totalmente naturais. Ou seja, desde a concepção da produção até à mesa do consumidor não se aplica qualquer tipo de produto químico nas frutas e vegetais produzidos pela firma. E o melhor de tudo é a possibilidade de adquirir os alimentos
Do Niassa Para o Mundo num intervalo máximo de três dias após a colheita. Como tal, chegam ao consumidor contendo todas as propriedades nutricionais, segundo garantiu o co-fundador da empresa, Luís Palmeirim. O nome Morangos do Niassa sugere um empreendimento afecto exclusivamente à produção daquela fruta. Isso justifica-se pelo facto de ter começado por se dedicar mesmo a isso, no ano passado. Mas, em poucos meses, o âmbito mudou e hoje assume uma estrutura produtiva transversal, com uma gama de produtos que inclui, além de frutas, legumes e vegetais, ervilha fresca em vagem, abacate, arroz da machamba, amendoim, diferentes tipos de feijão (encarnado, branco, preto, branco), mel puro, gengibre, malambe e macadâmia. Estes são os produtos que a empresa tira da terra e leva ao prato do consumidor sem processar. Existe, contudo, uma componente industrial, mas com moldes artesanais, que
A Morangos do Niassa aplica uma componente de produção industrial, mas com moldes artesanais
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O Valor de um Manjar Saudável! garante a salvaguarda do útil (levam zero produtos químicos na sua confecção) e do agradável (vale muito a pena provar as delícias com um sabor “da terra”). Trata-se de iguarias que incluem as conservas caseiras de gengibre, polpas de frutas, palitos de macadâmia e chocolate, bolachas de macadâmia e malambe ou gengibre. Mais do que isso, a Morangos do Niassa privilegia os consumidores com a oferta de verdadeiras raridades: Nêsperas. Já ouviu falar? É provável que não! Uma fruta que se acredita não ser possível encontrar em qualquer outro ponto do País. Também tem os Massucos, outra fruta silvestre “bastante rara”. E se quiser ir ao encontro do que os consumidores mais procuram preservar — a saúde —, nada melhor que um bom exemplo dos benefícios que se podem obter através da produção natural de alimentos: a macadâmia protege contra doenças cardiovasculares, ajuda a baixar o colesterol, previne o diabetes, melhora o funcionamento do intestino, previne o cancro, retarda o envelheci-
mento e melhora a função do cérebro. Uma curiosidade interessante, talvez, é como surge a ideia de investir no manjar de produtos naturais. As voltas que Luís Palmeirim deu explicam parte da história, no mínimo, inusitada: Foi concebido em Moçambique, nasceu em Portugal, viveu os primeiros três anos em Angola, retornou a Portugal onde se formou em Gestão de Empresas. Mais tarde, voltou justamente para Moçambique e cá abraçou o agro-negócio, sendo responsável pela empresa de que acabámos de falar. Diz-se, em algumas crenças, que existe qualquer coisa como “destino” e que, por mais que se tente fugir, se algo for para nós, mesmo em Marte nos alcança. Se não for este o caso, não se pode negar que seja, pelo menos, sugestivo. TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA Mariano Silva www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
“Aos poucos ficamos mais atentos à aparente simplicidade. A expressão delicada do fruto de um vinho, a fluidez em prova, a frescura, a elegância e a profundidade não massacrante...”
Os “Naked Wines” e os Vinhos Simples josé joão santos, jornalista, crítico de vinhos e autor do podcast “Vinho, Palavra a Palavra” faz uma abordagem interessante sobre as terminologias utilizadas para classificar vinhos, questionando, inclusive, a legitimidade dessas classificações. Ou seja, qual é o alcance de se considerar que um vinho é “simples” e se isso interfere, de facto, na qualidade da adega. Começa por explicar que, no vinho, a expressão “naked wines” tem-se popularizado para descrever exemplares de intervenção mínima ou produtores que tentam interferir o menos possível na vinificação. “Naked” e “raw” são termos fáceis de usar e abusar, que facilmente acabam memorizados pela generalidade dos consumidores. Traduzindo à letra, vinhos despidos, vinhos crus, em contraposição a expressões como “naturais”. Um vinho obtido a partir de uma vinha velha, que possua uma genética impossível de replicar, tantas vezes até difícil de domar, não deixa de ser um “naked”. Expõe o cru que é essa vinha, a concentração e a baixíssima produção, um ADN singular. Então, qual será a razão de se priorizar a simplicidade dos vinhos? O que há nessa simplicidade que não existe na complexidade? E será que essa simplicidade é, de facto, real? José João Santos argumenta que a formação ensina que um vinho simples será sempre um produto menos complexo, de fácil entendimento, de acesso generalizado e, em 90% dos casos, de preço baixo. Mas, “à medida dos anos e da experiência adquirida, concluo que a visão sobre o que é um vinho simples não me convence. Longe disso”, observa e acrescenta: “Em muitíssimas circunstâncias, um vinho simples poderá até ser dos mais complexos exemplares que podemos provar. Dependerá sempre do momento de consumo, claro que sim, mas uma avaliação mais atenta conseguirá descortinar complexidade onde, aparentemente e de fugida, pare-
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ce apenas haver simplicidade”. O especialista entende que a bitola de gosto com que nos massacrámos durante toda a década de 90 e a primeira década de 2000, onde os vinhos de estrutura mais maciça e folclórica foram por todos (da crítica aos consumidores) privilegiados, praticamente anulou a atenção aos detalhes dos vinhos mais delicados. Infelizmente, uma larga franja deles ficou vetada à teorização dos vinhos simples. “Aos poucos ficámos mais atentos à aparente simplicidade. A expressão delicada do fruto de um vinho, a fluidez em prova, a frescura, a elegância e a profundidade não massacrante merecem reflexão e motivam regozijo”, argumenta o crítico, salientando que a sociedade está a viver um reencontro com o passado, a redescobrir estilos e formas de fazer que se julgaram impossíveis de reavivar. O jornalista acrescenta que conviverão sempre no mesmo tempo, frequentemente também no mesmo lugar, interpretações distintas de vinho, porque é tão legítimo gostar-se de uns como de outros, uma vez que haverá sempre mercado para diferentes perfis. Importa, isso é certo, haver cuidados na terminologia utilizada para evitar guetos, depreciações, más interpretações ou, pior ainda, para não afugentar quem chega de novo. “Será a simplificação um mal necessário na comunicação do vinho? Preferimos um consumidor no sofá a beber vinho enquanto vê a bola, apesar de segurar de forma menos correcta no copo, ou renegamo-lo e entregamo-lo ao prazer de uma mini de abertura fácil? A simplicidade não é um primado absoluto, mas não estará na hora de verdadeiramente a contextualizarmos?”, questiona, em jeito de conclusão.
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Xipixi
Uma Marca Nacional Que Está a Deixar Marca lá Fora
não é todos os dias que Moçambique está debaixo dos holofotes, especialmente no competitivo mundo da moda. Mas uma marca nacional está a conseguir ultrapassar essa barreira da internacionalização e a dar que falar no estrangeiro. António Macheve fundou a Xipixi que, em tsonga, uma das línguas faladas no sul de Moçambique, significa “gato”. Esta marca moçambicana de vestuário, que se dedica exclusivamente à produção de roupa masculina, já é usada nos mercados da África Austral, da Europa Ocidental, da Ásia e dos Estados Unidos da América. São, no total, 12 os mercados onde a linha de vestuário da Xipixi está representada através da sua loja online. A marca foi criada em Novembro de 2012, quando o designer decide fazer um par de calções usando uma capulana, e consegue vender as peças por 800 meticais cada. Com o valor, António Macheve conseguiu produzir mais pares de calções e gravatas borboletas, e investiu gradualmente no crescimento da marca. Apesar de a primeira venda ter sido em Moçambique, a evolução da marca Xipixi começa em Cape Town, quando António ganha uma bolsa de estudos para fazer um mestrado em Estudos de Desenvolvimento. Marca de estampas padrão colorido, que procura trazer a identidade cultural moçambicana, a Xipixi tem usado a capulana (faixa de tecido de algodão, fibra sintética ou seda, estampado e colorido que, geralmente, as mulheres moçambicanas amarram à volta da cintura, cobrindo a parte inferior do corpo) como um dos seus principais tecidos. “Os primeiros calções produzidos foram de capulana, e nós quisemos sempre mostrar que é possível criar uma marca com padrão internacional, feita em África, que pudesse servir em
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Moda
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Um dos momentos marcantes da história da Xipixi foi em 2015, quando a marca foi usada por celebridades em Hollywood, durante o Emmy Awards e, assim, conseguiu atrair a atenção do mundo da moda qualquer cidade do mundo, como uma identidade moçambicana”, referiu o fundador, que também acumula o cargo de director da Xipixi. Além dos calções, a marca é especializada na produção de artigos de vestuário como casacos, laços, gravatas, bonés e camisas, assim como peças raras de botões feitos de pedras preciosas oriundas de Namuno, distrito da província de Cabo Delgado. Contudo, e apesar de se direccionar para o público masculino, tal não tem sido impedimento para as mulheres amantes da marca fazerem uso da mesma. “Temos mulheres que usam a nossa roupa e isso alegra-nos enquanto criadores de moda. É, de resto, uma tendência as mulheres que, de forma criativa, usam as roupas masculinas. Se pensamos criar uma linha para elas? Ainda não estamos preparados para produzir roupa feminina e não faz parte dos nossos planos”, confessou. Um dos momentos marcantes da história da Xipixe aconteceu em 2015, quando a marca foi usada por celebridades em Hollywood, durante a cerimónia dos Emmy Awards. Foi assim que conseguiu atrair a atenção do mundo da moda. A marca foi ainda exibida nos eventos Oxford Town Hall, no Reino Unido, e na Mercedes Benz Fashion Week Cape Town e Johannesburg, organizados pela African Fashion International e a South African Fashion Week, respectivamente. Para a produção de artigos, a Xipixi conta com uma equipa técnica, baseada na Cidade do Cabo, composta por um mestre-alfaiate e ajudantes, responsáveis pela produção de artigos personalizados, e outra em Mali. A marca recorre à terceirização de serviços, com fábricas de grande capacidade produtiva para satisfazer a demanda das encomendas. TEXTO Ana Mangana FOTOGRAFIA Mariano Silva & D.R.
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POESIA
O evento organizado pela Fundação Fernando Leite Couto reuniu poemas de escritores de diversos cantos do planeta, incluindo Moçambique
Os Versos Que Cantaram o silêncio era quebrado
pelas palavras que se faziam poemas. A cada verso, uma representação do feminino que, em estrofes, exaltava a mulher nas suas metamorfoses diárias. No mês em que se celebra o Dia da Mulher Moçambicana, um encontro poético, organizado pela Fundação Fernando Leite Couto, colocou a mulher no centro das atenções, por meio de 34 poemas de escritores dos mais diversos cantos do mundo, incluindo Moçambique, que um dia ousaram escrever sobre a mulher. Denominado “Sarau Poesia Sobre as Mulheres”, o recital de poesia reuniu amantes da arte de escrever versos numa verdadeira celebração da poesia dedicada às mulheres. Num cenário dominado por livros, o escuro da sala era iluminado pelas mulheres descritas em poemas nas vozes da declamadora Loide Nhaduco e do poeta e ensaísta Léo Cote. “A ideia era termos uma visão das mulheres em todos os ângulos que pudéssemos trazer. Queríamos ter uma visão da mulher mãe, da mulher esposa, da mulher independente que luta pelos seus direitos, www.economiaemercado.co.mz | Abril 2022
Poesias Sobre as Mulheres
dos homens que amam as mulheres e escrevem sobre elas e juntar tudo isso num recital para mostrar as diferentes facetas da mulher”, esclareceu Loide Nhaduco. Poemas de Fernando Pessoa, Machado de Assis, Adélia Prado, Carlos Drummond de Andrade e das moçambicanas, Noémia de Sousa, Sónia Sultuane e Hirondina Joshua fizeram parte da amostra do que já se “poetizou” no mundo sobre as mulheres. “Pensámos em juntar escritores e escritoras dos vários continentes. Não nos queríamos restringir somente aos poetas ou poetisas moçambicanos. Queríamos dar uma visão mais global sobre a mulher”, acresceu Loide Nhaduco. “Moça das Docas” e “Essa Sou Eu”, de Noémia de Sousa, fizeram ressurgir as alegrias e dores das mulheres moçambicanas, lembrando as suas lutas e batalhas diárias num mês em que a mulher é um poema constante a ser declamado em todos os cantos. A selecção dos poemas para a exaltação colectiva da mu-
lher não foi tarefa simples. O desafio de descrever em palavras a complexidade de um ser munido de singularidades foi, desde sempre, um desafio para os poetas. “O processo selectivo foi interessante e, ao mesmo tempo, desafiador, pois queríamos trazer visões mais plurais e abrangentes sobre a mulher. Neste processo, descobrimos que apesar de haver muitas poetisas, pouco se escreve em forma de poesia sobre a mulher”, constatou a poetisa. Ainda assim, Loide Nhaduco considerou marcante a experiência de poder ser uma das várias mulheres e estar em diferentes lugares, não deixando de ser ela mesma. “Como mulher, foi interessante encarnar-me noutras mulheres descritas nos diversos poemas que declamei. Nesse processo acabei por me redescobrir e foi um prazer dar voz a essas experiências de vida apresentadas em poesia”, concluiu.
“Pensámos em juntar escritores e escritoras dos vários continentes. Não nos queríamos restringir somente às poetisas e poetas moçambicanos...”
TEXTO Yana De Almeida FOTOGRAFIA D.R.
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FIAT PULSE ABARTH O Pulse está disponível com um motor Firefly Flex de 1,3 litros de base, aspirado naturalmente, bom para 106 cv de potência
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Fiat Pulse Abarth: SUV Italiana uma novidade: o tão aguardado Pulse Abarth chegará no último trimestre de 2022 com uma configuração desportiva. Além das modificações do design, o modelo contará com mudanças mecânicas para tornar o SUV mais dinâmico e com performance reforçada. Uma boa aposta é o motor 1.3 turbo flex de 185 cavalos (cv) de potência e 270 Newton-metro (Nm) de torque. Será o primeiro carro da Abarth como uma marca independente, com direito a concessionários preparados, ao invés de ser uma mera versão. Na tampa do porta-malas está escrito ABARTH em vez do tradicional FIAT por extenso. O pequeno SUV apela ainda para a pintura vermelha que está presente no friso inferior do pára-choques dianteiro, capas dos retrovisores e no adesi-
A FIAT ACABA DE ANUNCIAR
Ganha Versão Desportiva vo Abarth na base das portas. O tecto ainda é pintado de preto, tonalidade repetida pelo spoiler traseiro. Na forma padrão, o Pulse está disponível com um motor Firefly Flex de 1,3 litros de base, aspirado naturalmente, bom para 106 cv de potência (79 kilowatts) e 99 libras (134 Newton-metros) de torque. O pacote desportivo consiste em vários componentes, incluindo uma nova grelha de radiador com uma estrutura alveolar, um grande logótipo Abarth, um novo avental frontal com aberturas laterais de ar modificadas e luzes de nevoeiro montadas em baixo. Na parte de trás, há um avental traseiro afinado com um novo difusor e dois tubos de escape integrados no lado esquerdo. Acentuações verme-
lhas nas portas laterais, na fáscia frontal e nas tampas dos espelhos laterais criam um contraste agradável com a cor da carroçaria principal. A oficina Abarth iniciou a sua actividade em 1949, em Turim, na Itália, sede da Fiat, pelo piloto e preparador austríaco Karl Albert Abarth. Começou mesmo por produzir escapamentos, kits desportivos e carros de corrida. Utilizando quase sempre modelos da marca italiana, a Abarth passou a ser uma referência na produção e preparação de carros de competição e de rua. O sucesso era tanto que, dez anos após a fundação da oficina, a empresa Abarth decidiu montar uma equipa de competição e contratou alguns dos melhores pilotos da época.
O pacote desportivo consiste em vários componentes, incluindo uma nova grelha de radiador com uma estrutura alveolar, um grande logótipo Abarth e um novo avental frontal
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