Brusque Ilustrada 4

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nessa edição

as fantásticas toalhas de karin kohler o dragão da guabiruba relembrando A história de Odemar Darossi

e mais

O Reencontro Cogumelístico


2 І Brusque ILUSTRADA 4 І ÍNDICE

4

8

OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO TADEU CRISTOVAM MIKOWSKI

“UMA HISTÓRIA DE DEDICAÇÃO E MUITO AMOR”

SILVINO DE SOUZA

AS FANTÁSTICAS TOALHAS DE KARIN KOHLER

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PONTES QUE CAEM DEIVID HODECKER

UM FEITO IMPOSSÍVEL

EGON FORMONTE

PELOTÃO RENAUX

JOÃO ROGERGE

A ORIGEM DO CORPO DE BOMBEIROS SAULO ADAMI

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12 O DRAGÃO DA GUABIRUBA

O REENCONTRO COGUMELÍSTICO

LIEZA NEVES

17

MARIA ZUCCO

RELEMBRANDO

REINALDO S. CORDEIRO

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20

MAUSOLÉU DA VILLA RENAUX: UM MONUMENTO A UM GRANDE AMOR ROSEMARI GLATZ

POVO DE FORA E DE DENTRO RICARDO WESCHENFELDER

RUA AZAMBUJA:

O PRIMEIRO CENTRO DE COMPRAS DE BRUSQUE CONTEÚDO PATROCINADO

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FEZ-SE ARTE PARTE 2 VÂNIA GEVAERD

LIVRO RESGATA 160 ANOS DA LITERATURA REGIONAL SAULO ADAMI

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28 30


conteúdo patrocinado

histórias cruzadas

UMA PRODUÇÃO

COMERCIAL

MATERIAL GRÁFICO DE APOIO

Gabriel Noel

Eduarda Bruns

EDIÇÃO

REVISÃO

Maria Zucco

Edina Maria Calegaro

PROJETO GRÁFICO E ILUSTRAÇÕES

IMPRESSÃO

Luiz Zucco

Gráfica NF

A passagem deste 4 agosto remonta não só à fundação da Colônia Itajahy, em 1860, como evoca memórias que entrelaçam a história de Brusque com a trajetória da sua Câmara Municipal. O marco inicial dessa relação data de 8 de julho de 1883, quando se concretizava a instalação da nossa primeira Câmara e, com ela, a emancipação políticoadministrativa do município, à época “Freguesia de São Luiz Gonzaga”. O nome seria modificado em 1890, em homenagem à Francisco Carlos de Araújo Brusque, que fora presidente da Província de Santa Catarina (1859-1861). Com a proclamação da República, em 1889, a Câmara foi dissolvida e substituída por um Conselho de Intendência, cujo primeiro presidente foi Karl Renaux. O Conselho teve sua composição renovada algumas vezes até ser desativado com a Revolução de 1930 e assim permanecer durante a Era Vargas (1930-1945). Em 1947, é eleito o prefeito Paulo Lourenço Bianchini e a 1ª Legislatura (1947-1951) desde o fim do Estado Novo, com 11 vereadores. Outras nove se sucederiam até 1988, quando a contagem seria reiniciada. Nesse intervalo, o Legislativo mudou de casa duas vezes, elegeu indiretamente o prefeito Aníbal Diegoli (1954-1955), aprovou a emancipação de Vidal Ramos (1956), Guabiruba e Botuverá (1962), e conviveu com o bipartidarismo da Arena x MDB por quatro legislaturas. Em 1977, o número de cadeiras no parlamento sobe para 13 e, em agosto de 1984, a Câmara registra a maior perda documental de que se tem notícia ao ter sua sede, na Praça da Fideb, inundada pela enchente. A reabertura política e a Constituição Cidadã anunciam uma nova era. A 1ª Legislatura (1989-1992) desse período é caracterizada pela pluralidade partidária e o número de vereadores aumenta para 15. Em 1992, Maria de Lourdes Fantini Benvenutti é eleita vereadora, a primeira da nossa história. Em 1996, Brusque protagoniza a primeira eleição na urna eletrônica, junto a outras 56 cidades. Em 2005, o número de vereadores diminui para dez, situação que vigora por duas legislaturas. Em 2008, é inaugurada a atual sede da Câmara, entre a Prefeitura e o Fórum. Mais tarde, em 2016, coube à 7ª Legislatura (2013-2016) consagrar Boca Cunha e Rolf Kaestner prefeito e vice, em mais uma eleição indireta. Com 15 vereadores, a 9ª Legislatura cumpre até 2024 a atribuição de apresentar, debater e votar propostas que norteiam a administração municipal. Além de criar leis, eles têm as missões de fiscalizar a gestão dos recursos públicos e julgar as contas do prefeito. As decisões que emanam do plenário conferem contornos ao desenvolvimento e à prosperidade social, e refletem a maturidade de um sistema em que a participação de todos, e de cada um, é importante. Continuamente, elas escrevem as histórias cruzadas da Câmara de Vereadores com o município e os seus cidadãos.


Brusque ILUSTRADA ILUSTRADA 43 ІІ 44 ІІ Brusque

com o apoio de


deivid hodecker


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OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO TADEU CRISTOVAM MIKOWSKI “UMA HISTÓRIA DE DEDICAÇÃO E MUITO AMOR” Silvino de Souza

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Chefe do Observatório Astronômico de Brusque

m 3 de novembro de 1979 foi inaugurado em Brusque o Observatório do Convento Sagrado Coração de Jesus, por iniciativa dos padres Pedro Canísio Rauber e Tadeu Cristovam Mikowski. Como amigo pessoal de ambos, participo das atividades do Observatório Astronômico de Brusque desde o seu início. Alguns anos depois, em 1983, me tornei o Diretor Geral do local. Para o início das atividades, um dos primeiros equipamentos que chegou ao Observatório foi um telescópio refletor newtoniano de 200mm. Ele foi adquirido com a ajuda do Padre Raymundo Weihermann, da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus. Logo depois o local adotou o nome de Observatório Kappa Scorpii, uma das estrelas da constelação do Escorpião. A abertura do espaço para o público em geral aconteceu em dezembro de 1985. Dessa data em diante o Observatório permaneceu aberto aos finais de semana, recebendo visitantes de todas as regiões de Santa Catarina. Atualmente a visitação acontece nos dois últimos sábados de cada mês, se o céu estiver estrelado. Em 1986, com a passagem do cometa Halley, centenas de pessoas prestigiaram as atividades do Observatório. Nessa época houve uma grande expectativa pela passagem do cometa. Com isso, o interesse e a procura pelo nosso trabalho cresceram. Foi nessa época que passaram a integrar a equipe de astrônomos amadores: Ronaldo Uller, Paulo César Sgrott, Emerson Alexandre Sgrott, João de Oliveira e Jefferson Silveira. Com um número maior de pessoas envolvidas no estudo da astronomia em Brusque, foi criado em 1987 o Grupo de Estudos Astronômicos Antares, ligado ao Observatório Astronômico. Com o crescente interesse da comunidade e dos estudantes de Brusque e região em torno das atividades do Observatório, foi criado em 19 de março de 1988 o Clube de Astronomia de Brusque - CAB. A fundação da entidade teve o apoio do Padre Tadeu

Cristovam Mikowski e foi o resultado da união entre o Observatório Kappa Scorpii e o Grupo de Estudos Astronômicos Antares. Nesse mesmo ano também foi criado o Projeto Astronomia Volta à Escola PAVE. Uma parceria do Observatório Astronômico com a Prefeitura de Brusque e a Secretaria Municipal de Educação. Com todas essas atividades, a estrutura do Observatório teve que passar por mudanças. Assim, as instalações foram reformadas e ampliadas em 1995 para atender melhor o público. A partir desse mo-


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mento foi possível receber a visita de estudantes de toda a região, pois passamos a contar com um auditório e uma pequena biblioteca. Com a nova estrutura, em agosto de 1996, foi realizada a 1ª Semana de Astronomia de Brusque. O evento contou com a presença de astrônomos e físicos de várias partes do Brasil e foi um sucesso. Mais de 3.500 pessoas, entre estudantes e público em geral, participaram do evento. Também em 1996, foi projetado e instalado um relógio de Sol tipo equatorial, com mostradores voltados para norte e sul no

Parque Ecológico e Zoobotânico de Brusque. Desde a fundação até os dias de hoje, o Observatório Astronômico de Brusque tem colaborado com a pesquisa e divulgação da Astronomia e Ciências Afins. Testemunhamos eventos como eclipses do sol e da lua, além da observação de planetas, cometas e chuvas de meteoro. Em setembro de 1988 coordenamos o programa de observação do planeta Marte em Santa Catarina. E assim começamos a ganhar destaque na imprensa nacional, como por exemplo na Revista Manchete e em uma matéria no Jornal do Brasil publicada em agosto de 1996. Mais recentemente, o Observatório foi citado no livro História da Astronomia no Brasil, lançado em 2013. Já em 2014 e 2019 sediamos o III e VIII Simpósio Catarinense de Astronomia. Todo esse trabalho realizado ao longo dos anos só é possível graças a ajuda de algumas pessoas que estão sempre ao meu lado. Meus “assistentes” que voluntariamente estão à disposição nos fins de semana, ajudando com o atendimento ao público. Também faço um agradecimento especial à Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, por ceder o espaço onde está localizado o Observatório. Sei que é um trabalho de formiguinha, praticamente sem apoio e sem recursos, mas o amor, dedicação e a persistência faz com que nosso amado Observatório Astronômico continue com o objetivo de levar um pouco das maravilhas do Universo a todas as pessoas que por aqui passam. Desde sua fundação, em 1979, mais de 150 mil pessoas já passaram pelo Observatório Astronômico de Brusque. Esperamos que você também possa ter essa experiência. Venha nos visitar e se maravilhar com as belezas do Cosmos. O Observatório Astronômico de Brusque fica na Avenida das Comunidades, nº 233, junto à Faculdade São Luiz. Você também pode acompanhar nosso trabalho no Instagram: @observatorioastrobrusque. Qualquer dúvida entre em contato pelo número (47) 99937-1084.■


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as fantásticas toalhas de karin kohler egon formonte designer gráfico e ilustrador

P

rofessora, artista, viajante, mãe, mas essencialmente uma desenhista. Essa é a Karin Regina Kohler, que desde sua infância desenha, pinta e transforma as mais variadas matérias em sonhos feito realidade. Sua facilidade em trazer vida a pedaços de papel é inspiradora e ela cria cores como ninguém. É a preferida dos alunos e por eles mantém um carinho e afeto muito bonitos. Suas aulas são grandes oficinas criativas, onde eles podem se expressar da forma que quiserem. São lindos os resultados que podemos ver em projetos acadêmicos, como os kimonos orientais, as padronagens em tecido e os desfiles de moda (confira em seu instagram @ kohler_k). Ela tem 54 anos, é formada em Administração pela FEBE (antiga UNIFEBE), Design Industrial pela UNIVALI e pós-graduada em moda pela UNIVALI.

Passei no teste e comecei a trabalhar no setor de colorimetria, que era focado em criar paletas de cores para os produtos, mas era um lugar com pouca coisa pra fazer e logo comecei a desenhar algumas coisas pequenas, como croquis e panos de copa. Logo os superiores notaram meu talento e fui convidada para trabalhar como desenhista.

Quando você passou a se interessar por ilustração e por que a escolheu como prática de trabalho?

O que você ama no ato de fazer ilustrações?

Desde pequena eu gosto de desenhar e de pintar por influência de minha mãe e minhas tias que sempre me ensinaram trabalhos manuais como crochê, tricô e bordado. No terceiro ano da escola participei de um concurso de desenho local, fiquei em segundo lugar e este resultado me impactou bastante, pois até então nunca tinha estudado desenho e fiz apenas porque gostava. Sempre tive essa facilidade para o desenho e acredito que tenha a ver com o estímulo que recebi da minha família desde pequeninha. No ensino médio eu sempre era sondada para fazer os desenhos dos trabalhos escolares. Tempos depois, fiz um teste na antiga Buettner e fiquei em terceiro lugar entre vinte e um candidatos. Neste teste eu tive que ampliar e pintar um desenho de uma menina e deu muito certo.

Quem são seus artistas, ilustradores(as) e designers preferidos(as)? Gosto muito de artistas que fazem obras bastante coloridas, tipo: Matisse, Picasso, Gustav Klimt, Paul Signac, Modigliani, Botero, Beatriz Milhazes, Kobra, Os Gêmeos, Pammela Castro, Thiago Valdi, Silvia Teske, Jorge Grimm, Sabrina Gevaerd, Thulio Becker e Katarina Gushiken.

Eu gosto da procura pela linguagem própria e por trazer significado ao que faço, sempre na busca do auto aperfeiçoamento. Como o fato de você ser professora influencia no seu trabalho? O que gosto na hora da aula é a improvisação, ir mostrando de forma espontânea e livre, várias maneiras de ilustrar. Como professora, tenho que mostrar ao aluno que ele pode desenhar muito bem se ele estiver disposto a fazer isso. Por isso, no começo, eu gosto que os alunos vão seguindo um passo a passo comigo até terem confiança para desenharem sozinhos. As pessoas, quando estimuladas, podem criar coisas muito bacanas!


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Existe uma mensagem essencial por detrás de suas ilustrações? Qual seria? Meus desenhos são uma experiência sensorial e cognitiva e admiro quando conseguimos, através da arte, inspirar, influenciar e movimentar pessoas! Como era a rotina criativa dentro da Buettner? Desenhávamos das 7h às 17h, peças como panos de copa levavam dois dias para ficarem prontas. Uma toalha de praia levava uma semana e isso acontecia porque ela precisava de muitas máscaras para ser pintada. A aprovação dos desenhos era sempre feita em grupo. Uma colcha de 2,5m x 3,5m era pintada por até sete dias a fio e a entrega era sempre muito comemorada. O clima e o astral eram muito divertidos. Éramos vistos diferentes dos outros funcionários da empresa e tínhamos fama de “doidões”, porque vivíamos aprontando alguma, tipo ir trabalhar todos com fantasias de monstros ou roupas iguais e isso era muito legal. De onde veio a ideia de fazer toalhas eróticas e como a Buettner recebeu essa proposta? Havia anos que a Buettner não fazia toalhas com mulheres estampadas, até que um dia pedi pro patrão se não poderia fazer uma toalha com uma mulher estilizada. Ele achou engraçado e disse pra eu fazer. Ele (Herbert Buettner) era um cara muito aberto a coisas novas. Comecei com um croqui chamado “Sex Appeal” e ele adorou o resultado, me autorizando a fazer um protótipo.

Qual foi a reação do público ao se depararem com essas toalhas na época? Essa toalha foi um grande acontecimento, foi um sucesso de vendas e por muitas vezes a plotter era ligada apenas para estampar esse desenho. Era muito comum ver essa toalha em boleias de caminhões na rodovia. A partir disso, comecei a ser chamada de “A Rainha dos Caminhoneiros” e passei a fazer muitas toalhas neste estilo. Foi uma fase muito divertida! Saiba mais sobre Karin Kohler em seu Instagram @kohler_k e sobre Egon Formonte e seu projeto em @tartaruga.gigante

egon formonte


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UM FEITO IMPOSSÍVEL João Roberge jornalista

O

Brusque Futebol Clube desafia a própria história e a própria lógica, há 34 anos coleciona feitos improváveis, alguns praticamente impossíveis. Alguns, na verdade, eram extremamente despretensiosos, como simplesmente sobreviver. E quando vemos este pequeno clube liderar uma Série B do Campeonato Brasileiro repleta de grandes grifes, pode ser difícil perceber, logo de cara, que se trata de um feito impossível, mais um desde 1987. Nada me tira da cabeça que 18 de agosto de 2019 foi o dia que mudou a história do Brusque Futebol Clube para sempre. Óbvio, foi quando o quadricolor conquistou seu título nacional, na Série D, mas a data é a de um feito que tinha tudo para ser impossível e foi um marco para todas as outras façanhas que desafiaram possibilidades, análises, teorias e previsões. Só quem estava na Arena da Amazônia naquele dia sentiu todo o peso e toda a tensão daquele jogo. Manaus e Brusque, com acessos à Série C do Brasileiro já conquistados há algumas semanas, lutavam pela cereja do bolo (e que cereja) que era o título da Série D. Era o recorde de público do estádio: 44.896 presentes, superando Vasco x Flamengo e quatro jogos de Copa do Mundo. Depois que Mateus Oliveira virou o jogo aos 14 do segundo tempo, a massa de torcedores na Arena estava em êxtase absoluto. O Brusque havia aberto o placar logo no início da partida, com um gol de calcanhar de Júnior Pirambu, mas Sávio empatou aos oito minutos. O quadricolor fazia um jogo longe do espetacular, sem chegar frequentemente com perigo ao gol adversário. Até que, aos 37 do segundo tempo, Thiago Alagoano torna-se um dos personagens mais importantes da história do clube. Após uma jogada mais aguda, Gama bate de fora da área, o Reizinho desvia e empata. Não havia indicativos para nenhuma testemunha mais lúcida e neutra acreditar que aquele gol aconteceria, porque o Brusque não havia atacado com perigo parecido até então. A Arena da Amazônia estava calada. Silêncio tão ensurdecedor que não se ouvia a euforia dos poucos torcedores do quadricolor, mais distantes das mesas de imprensa. A partir daí, não havia como tirar o título do Brusque. O Manaus errou a sexta cobrança de pênalti com Márcio Passos, o quadricolor acertou todas, e eu terminei a matéria do jogo tremendo, com olhos marejados, por conta da força do que havia acabado de ver. Aquela final foi a prova definitiva de que o Brusque e o impossí-

vel estão lado a lado. No ano seguinte, depois de ótimas sequências, o Marreco ficou 10 partidas sem vencer na Série C, sofrendo um acachapante 8 a 1 em casa, sua maior derrota no Augusto Bauer. Eram as últimas rodadas da temporada. Em 2 de junho, o Brusque vence o Vila Nova, que acabaria campeão, por 3 a 0, em Goiânia e ainda conta com uma combinação de resultados que lhe permite subir à Série B com uma rodada de antecedência. Conquista nova vitória, desta vez sobre o Ituano e conquista o acesso à Série B. Impossível. E feito. Mas flertes entre o Brusque e os grandes feitos estão presentes desde o início da curta história do clube, fruto da fusão entre os tradicionalíssimos Carlos Renaux e Paysandú. A união é realizada em um movimento político impulsionado também por outras fusões pelo estado. Pouquíssimos anos depois da fundação, especialmente após o rebaixamento de 1993, as discussões sobre a anulação da fusão cresceram. Havia uma forte oposição ao quadricolor. Os clubes que deram origem ao Brusque, após longos processos e debates, voltaram a existir como instituições. Os patrimônios, que um dia se acreditava que eram do Brusque, estiveram em xeque durante um longo período, e depois, foi aplicado o mate. O Marreco não tinha mais nada, Carlos Renaux e Paysandú se reintegraram por completo. Eram dívidas, administrações ruins, rebaixamentos, anos sendo uma das presas mais fáceis do estado. Em 2003, o Brusque Futebol Clube simplesmente não manteve suas atividades profissionais. Mas, contra todas as possibilidades, sobreviveu. E cresceu. O Brusque, imortal, acabou se salvando. Até que, em 2021, este pequeno clube catarinense dá a largada na Série B do Campeonato Brasileiro como líder. Nem sequer tem estádio adequado para a competição. Tem a menor estrutura, um dos menores orçamentos e está na menor cidade do campeonato. Seu artilheiro, Edu, fez uma falta inestimável à equipe por quase 10 meses, por conta de uma gravíssima lesão no joelho direito. E já chegou marcando gols, como se jamais tivesse passado por quase um ano de recuperação. Não se trata de duvidar da capacidade de quem protagoniza os feitos. É reconhecer a imensidão do que é conquistado, considerando cada linha da história quadricolor. Não à toa, a imprensa e diretoria recebem quase sempre o mesmo questionamento de colegas países afora: “Qual o segredo? ” “O que acontece? ” Acontece que o Brusque é impossível.■


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Pelotão Renaux:

a origem do Corpo de Bombeiros saulo adami Escritor

A

ideia de organizar um grupamento de bombeiros surgiu da iniciativa do industrial Erich Bückmann, um dos diretores da Fábrica de Tecidos Carlos Renaux. O pelotão do Corpo de Bombeiros Renaux foi implantado em 21 de abril de 1952. Porém, a guarnição não atuou apenas na área da empresa, mas realizou várias intervenções no âmbito do município, combatendo desde incêndios de pequenas proporções em residências até ao mais conhecido de todos, o incêndio na Casa do Rádio, no centro urbano de Brusque. Foram seus integrantes os operários Arlindo A. da Silva, Bruno Hartke, Eberhardt Orthmann, Félix Seibert, Herbert Orthmann, Erico Ristow, Eugênio Hartke, Gerhard Nelson Appel, Heinz Besser, Hilário Limas, Ivo Wilke, José Rosin, José Soares, Manfredo Cernucki, Mario Valle, Neri Nicolau de Farias, Norberto Hartke, Otávio Carneiro, Otto Ristow, Paulo Limas, Pedro Roslindo, Pedro Wanka, Raul Moritz, Reinoldo Veigner (Wegner?), Ricardo Hartke, Rolando Haacke, Rudolfo Orthmann, Waldemar Mafra e Waldemiro Boni. Mais do que uma corporação, os bombeiros da Fábrica de Tecidos Carlos Renaux tinham sua própria casa para utensílios e abrigo para sua viatura, construída junto a Fábrica. O projeto foi elaborado pelo engenheiro e arquiteto Paul Helmuth Keller, da Keller & Cia. Ltda. – Sociedade Técnica, de Joinville, tendo como diretor responsável George Keller. A planta das instalações foi aprovada em 25 de junho de 1954. A sede abrigava os equipamentos de combate a

incêndio e os carros da guarnição. A construção tinha sete metros de frente e 8,5 metros de fundos. Seu fundamento tinha base de concreto, construída em alvenaria de tijolos, piso de concreto cimentado e paredes de alvenaria de tijolos, torre com telhado com armação de madeira coberto com telhas francesas. Em 5 de março de 1958, a atuação do Pelotão Renaux foi providencial no combate ao incêndio que espalhou pânico entre os moradores do centro urbano. As chamas se alastraram rapidamente pelo interior da loja Casa do Rádio, que comercializava eletrodomésticos e bicicletas, e atingiu o estabelecimento comercial vizinho, a Loja Strecker. O semanário O Município, em sua edição de 8 de março, narrou os esforços de suas guarnições de bombeiros voluntários no combate a este incêndio. Enquanto o pelotão da Companhia Industrial Schlösser combatia as chamas pelos fundos dos dois estabelecimentos atingidos, o Pelotão Renaux as combatia pela frente, na avenida Consul Carlos Renaux, o que evitou que as chamas atingissem as demais construções no seu entorno, desde moradias até estabelecimentos comerciais. A cidade parou para acompanhar a operação. Na época, estava em plena atividade o Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, originário da antiga Força Pública – implantada no final da década de 1910, em Florianópolis. Era distante demais para ser acionado pela comunidade brusquense. Até hoje, brigadas de combate a incêndio formadas nas empresas com funcionários treinados para


prestar o primeiro atendimento a emergências, contribuem com o trabalho Corpo de Bombeiros Militar de Brusque. Empresas com área superior a 750 m² são “consideradas de alta complexidade” e “obrigadas por lei a terem brigada de incêndio constituída”, destacou a jornalista Bárbara Sales, na edição de 13 de maio de 2019, do diário O Município. “Esses grupos são formados por brigadistas voluntários e particulares, cujas finalidades são realizar atividades de combate a princípio de incêndio, primeiros socorros, implementação do plano de emergência das empresas, entre outros”. A tradição de manter brigadas de combate a incêndio, iniciada na extinta Fábrica de Tecidos Carlos Renaux, é mantida há mais de 60 anos por outra empresa do mesmo grupo, Indústrias Têxteis Renaux S/A, a antiga Iresa, que tem como atual denominação Têxtil RenauxView. Em 2019, cerca de 10% de seus colaboradores eram brigadistas voluntários, passavam por capacitação e constante aprimoramento. Já o Corpo de Bombeiros Militar de Brusque foi criado em 9 de novembro de 1982, através do Decreto 7.743, de 31 de maio de 1979, denominado 6ª Seção de Combate a Incêndios do 2º Grupamento de Incêndios e teve como primeiro comandante o subtenente Mário Marquardt. Era integrado por cinco sargentos, cinco cabos e 23 soldados. Hoje, o Corpo de Bombeiros local é denominado 3ª Companhia do 3º Batalhão de Bombeiros Militar e atende aos municípios de Brusque, Guabiruba e Botuverá.■

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O reencontro cogumelístico Maria zucco jornalista

A “

gora que tá confirmado a gente vai te contar, mas não é pra sair espalhando, o Dado Villa-Lobos vai tocar no evento”. Numa das reuniões lá na casa do Buss em Gaspar Alto, o Luís anunciava a atração que iria coroar os quarenta anos de Cogumelo Atômico. “E não vai tocar Legião!” Era para deixar o pessoal avisado que não podia encher o saco do cara. A mesa sorria empolgada. Depois de muito tempo ensaiando um reencontro com a turma das antigas, a data estava marcada. O Aloísio Buss, o Luís Teixeira e mais o Almir “Zinho” Feller se conheceram nas épocas de colégio desenhando, falando de música e fazendo poesia. Na casa do Luís, os amigos ouviam discos de rock e trocavam suas artes e angústias. Não haviam completado 18 anos ainda, eram cabeludos, tinham barbas ralas e as roupas assustavam as senhoras conservadoras não acostumadas com calças boca-de-sino sujas de tinta. Por mais que ao longo dos anos os causos dos rebeldes fiquem de lado, Brusque sempre foi mais do que benfeitores endinheirados e sobrenomes difíceis de soletrar. Sabiam que não faziam parte da paisagem ideal dos colonos, e, em parte por isso mesmo, era preciso se fazer ouvir. A máquina de escrever do jornalista Celso Teixeira, pai do Luís, dando sopa em casa, ajudou a dar forma ao projeto piloto. Juntaram desenhos, textos próprios, também do Fernando Pessoa, a Bíblia e Alice Cooper para lançar a primeira edição jornal Cogumelo Atômico no comecinho de 1974. Com a ajuda de um mimeógrafo, o jornal foi multiplicado e distribuído entre conhecidos. Sobraram metade das cópias. Já nas edições seguintes, trouxeram novos contribuidores para as páginas do Cogú. No Brasil, ideias hippies de liberdade, paz, amor e consciência social influenciavam jovens que conviviam com uma ditadura

militar no auge do autoritarismo. Os anos setenta fervilharam de publicações alternativas de todos os estilos, a maioria delas conectada por um volumoso sistema de Correio, cartas e caixas postais. E o que foi batizado de Movimento Cogumelo Atômico fez de Brusque uma personagem nacional de arte, cultura e música. Quarenta anos depois das últimas páginas do Cogumelo circularem, o Luís revisitou uma antiga função, desta vez para organizar a edição comemorativa do jornal. Antigos e recém-chegados convidados compuseram um grande caderno, dessa vez, colorido, que seria distribuído aos amigos. E esses eram muitos! Além dos correspondentes de correio, que vinham a Brusque agitar a praça Barão de Schneeburg com exposições e canções ao vivo, os cogumeleiros podiam contar com o apoio de conterrâneos de renome. João José Leal era promotor da cidade na época e grande incentivador da produção artística local. Viu nos rapazes algo diferente, uma indisciplina com potencial. Ao longo dos três anos que o jornal circulou, muitas vezes foi ele que bancou o papel. Na livraria e papelaria Graf o dia de comemorações teria início com uma exposição de materiais originais do Cogumelo Atômico, impressões especiais e fotografias. “Telo” Graf é um dos empresários que sempre deu apoio às empreitadas da turma do Cogú e abriu as portas para tantos outros artistas. Nomes como o do artista plástico Jorge Grimm, a atriz Inês Mafra e a ilustradora Márcia Cardeal passaram a circular no país através do jornal, que gerou uma rede de contatos decisiva para suas carreiras. Cruzei com a história do Cogumelo no final da faculdade, foi uma dica do professor Deschamps, “vai atrás desses caras, ninguém contou a história


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Luís Teixeira

Aloísio Buss

deles ainda”. E, através da jornalista Claudia Bia, consegui o contato do Luís. Convencer o trio a contar a sua história para o meu trabalho precisou de insistência porque o Luís era avesso a “ficar remoendo coisa antiga”. Porém, eles já começavam a conversar sobre comemorar os quarenta anos do jornal e os amigos vinham se reunindo na casa do Buss em Gaspar Alto, 30 minutos do centro da Guabiruba, para fazer os planejamentos. Quando os convenci em participar do meu projeto, logo foi incorporado às celebrações. Luís deu o braço a torcer depois de muito esforço e incentivo dos amigos que acompanhavam. Topou ser filmado, talvez pela única vez na vida, e contar a sua versão do Cogumelo. “Acho que guru é marca de sabão em pó”, refutava a descrição dos companheiros. Ao longo dos anos, foi ele quem esteve à frente de importantes movimentos da cena cultural da cidade. Já os outros dois estavam mais animados para falar sobre quando tudo começou. O Buss começou a carreira desenhando no Cogumelo e nunca mais deixou de fazer arte, já o Zinho gostava mesmo da música. Agitava a festa City Sounds, que reunia centenas de brusquenses no Clube Paysandu para curtir um bom rock n’ roll. Foi marcada para novembro de 2017 o encontro que todos aguardavam há anos. Além da exposição pela manhã na livraria, ao anoitecer foram programados shows com músicos amigos e com o Dado Villa-Lobos, arranjo do Nenung, outro artista que agitou a noite. A festa foi num espaço na

Almir “Zinho” Feller

casa do Zeca com ingressos limitados. Todos estavam em êxtase, não somente por encontrar o pessoal das antigas, companheiros de cartas, ilustrações, poesias e composições. Mas porque, quando o público começou a chegar, ficou claro que o Cogumelo mobiliza outras gerações, que o seu legado permanecerá. No final das contas, o ex-Legião não deixou a plateia passar vontade e, quando ninguém esperava, começou o dedilhado de Tempo Perdido. A emoção foi geral. Eu tinha caído um pouco de paraquedas ali, abusado da paciência deles, mas àquela altura já me sentia parte da turma. Conhecer a história do Cogumelo foi um abrir de olhos para uma Brusque que eu não conhecia. Naquele dia tinha gente de todas as idades, o pessoal do colégio, do skate, do rock e quem estava em família, um não necessariamente excluía o outro. Era a essência do Movimento Cogumelo Atômico. Poucos anos depois perdemos o Zinho. Ele era um dos mais animados em compartilhar a sua história com o mundo. Se foi dias depois de finalizarmos as gravações do Documentário Cogumelo Atômico, produzido pelo cineasta Ricardo Weschenfelder. Dedico este texto a ele, que certamente ficaria feliz que, mais uma vez, o Cogumelo deu as caras em Brusque. Para conhecer mais sobre a história do Cogumelo Atômico acesse: www.porumanovaconsciencia.com e assista ao “Documentário Cogumelo Atômico” disponível no YouTube.■



18 І Brusque ILUSTRADA 4 І

- B r u s q u e I l u s t ra d a 4 -

- Me conta uma história? - Tá bem. - Mas que seja de verdade... Da imaginação do povo, entre o surreal e o verossímil, nasceram as lendas. São histórias que pretendem aguçar sentidos, por meio da crença no irreal. Por isso, crianças e adultos que cultivam sua mente fantasiosa, são os preservadores naturais dos causos populares. E, claro, há aqueles que juram “de pé junto” que viram, colocando os ouvintes em dúvida. Afinal, quem nunca viu, não pode provar que não existe. Muitas lendas espalharam-se pelo país inteiro, são consagradas entre os aspectos mais marcantes do folclore brasileiro. Mesmo em versões para cinema, TV, teatro ou registradas em livros, todas nas-

ceram da oralidade, do imaginário. E por meio da oralidade, com todas as suas nuances e imprecisões, sobreviveram por décadas. Ao pesquisar sobre lendas regionais da cidade de Brusque, com propósito de desenvolver algum trabalho de registro, iniciei a coleta com a lenda mais conhecida, que mesmo remetendo à vizinha Guabiruba, integra a cultura popular desta localidade, que já foi um único território. Junto a ela trouxe, como forma de criar um enredo mais expressivo, um conto popular com o mesmo horrendo personagem, narrado em diversos estados brasileiros, criando assim um roteiro múltiplo que registrei em vídeo-narrativa. Da narração deste vídeo, que ocorreu sem texto escrito, surgiu o conto que segue, como forma de guardar também na redação o conteúdo da lenda.

ssa lenda aconteceu em uma cidade muito pequena no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, chamada Guabiruba. Algumas décadas atrás, um agricultor chamado Pedro presenciou um caso muito curioso e que logo se espalhou, virando a lenda da cidade. Ele estava na roça, colhendo folhas para o trato dos animais quando percebeu que um bicho sobrevoava a sua cabeça. De início, ele pensou se tratar de um pássaro grande, mas logo depois ele pode ver o bicho de frente. Então, o agricultor percebeu que se tratava de uma espécie de monstro. O bicho era muito grande, marrom, com o corpo coberto por escamas e tinha uma labareda no lugar da língua. Parecia um dragão. Pedro ficou desesperado, se ajoelhou e começou a rezar. Rezou, rezou, rezou e quando abriu os olhos, o monstro havia desaparecido. Ele correu para casa e contou tudo para sua esposa. Pedro, muito apreen-

sivo, disse para ela ir com ele até a roça ver o monstro com seus próprios olhos. Ela estava com medo, mas acabou aceitando. Pegou um rosário, um ramo de palmas benzido para se proteger e foi com o marido até o local. Porém, quando os dois chegaram lá, o dragão havia sumido. A história logo se espalhou pela localidade e virou a lenda do Dragão da Guabiruba. Muitos jornais e rádios da época entrevistaram Pedro para saber o que teria acontecido em detalhes. Alguns moradores contam que muitos anos antes do acontecido, o dragão já havia aparecido naquela região chamada de Lageado Alto. Naquele local morava um jovem fazendeiro chamado Henrique. Ele vivia sozinho em uma pequena casa, apenas com a companhia de seu cachorro. Naquela época apareceu um gigante na região e começou a aterrorizar os moradores do local, destruindo as plantações e devorando os animais. A no18


tícia chegou até ao governador do Estado, que não sabia o que fazer para conter o tal gigante. Um dia, Henrique estava em sua casa e ouviu seu cachorro latir muito alto e muito forte. Assim, ele foi verificar o que estava acontecendo. Quando viu, o cachorro estava latindo de frente para o gigante. Com medo do que poderia acontecer com seu cão, ele pensou rápido no que poderia fazer para afugentar o gigante. Rapidamente tirou do bolso a única coisa que carregava consigo: uma funda. Pegou uma pedra do chão, colocou na borracha, esticou e pá! A pedra atingiu a perna do gigante e não lhe causou ferimento algum. A única coisa que a besta sentiu foi uma leve coceira, uma fisgada e, ao se abaixar para coçar a perna, acabou caindo por perder o equilíbrio. Ao lado do lugar onde o gigante estava, passava um rio bem caudaloso, ele acabou caindo nas águas e se afogou. Logo a notícia se espalhou pela região e todos já chamavam Henrique de herói. O governador do Estado concedeu a Henrique uma medalha de honra ao mérito pela sua coragem e por ter livrado o povo do terrível gigante que assombrava a todos. O governador também mandou buscar da Europa uma espada que já havia derrotado muitos outros monstros pelas mãos de muitos outros heróis famosos e a entregou para Henrique, pelos seus atos de bravura. O tempo foi passando e passando, até o dia que a população voltou a temer um novo perigo. Mas dessa vez não era um gigante, e sim um dragão muito mais perigoso que o velho gigante. O monstro pisoteava plantações, comia bois e vacas, deixando todos apavorados. Henrique foi chamado para tentar resolver o problema. Mas ele não era exatamente um herói. Afinal, tinha acabado com o gigante por acidente. Mesmo assim ele tinha que fazer jus ao seu título, então pegou sua espada e foi ao encontro do dragão. Quando ele chegou na frente do bicho, o dragão botou o olho diretamente na espada. Era algo familiar ao monstro. Era uma arma muito poderosa que já tinha matado muitas feras e dragões iguais a ele, assim percebeu que aquela espada poderia lhe causar problemas e até mesmo matá-lo. Foi aí que o Dragão fez uma proposta para Henrique. Ele disse que vivia numa caverna perto dali e nela tinha guardado um tesouro. Muito ouro e pedras preciosas que ele tinha juntado ao longo da vida. Então, propôs a Henrique um trato: se deixasse que ele vivesse em sua caverna e oferecesse três ou quatro bois por semana para se alimentar, ele ficaria quietinho e não assustaria mais ninguém, além de entregar todo seu tesouro. Henrique achou que seria uma boa troca e aceitou o acordo. Depois daquele dia, o dragão desapareceu. A população ficou muito contente e novamente homenageou Henrique que era de fato um herói. Com o passar dos anos ele foi ficando mais velho, prosperou com o seu tesouro expandindo suas terras, comprando mais animais e aumentou sua plantação. Porém, chegou o dia que chega para todos. Henrique acabou falecendo bem velhinho e, com isso, não tinha mais ninguém que pudesse alimentar o dragão. Dizem que por isso o monstro, depois de anos, resolveu sair da caverna e novamente começou a assustar as pessoas. E foi numa dessas saídas que ele encontrou Pedro na roça, buscando as folhas para alimentar seus bichos. ■ 19


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Relembrando Reinaldo S. Cordeiro professor e escritor Este espaço surge como o proposito editorial de não deixar que a poeira do tempo relegue ao esquecimento preciosos personagens da nossa história, como também resgatar passagens memoráveis da vida brusquense, inclusive refletir sobre atos, fatos e fenômenos sociais da Pequenopólis.

Odemar Santo Darossi – *1937 - †2021

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m 1955, a exemplo de muitos jovens daquela geração, Odemar Santo Darossi cruzou a Serra do Moura em direção a Brusque. Ele não veio em busca de oportunidades na indústria de fiação e tecelagem. Seu propósito era aperfeiçoar o ofício de cabeleireiro e sonhar com o futuro. Conheceu uma Brusque silenciosa, ornamentada pelos imponentes casarões enxaimel que ilustravam o centro da bucólica Vila. O cenário urbano eram ruas de chão batido, alguns poucos automóveis, carroças, carros de molas, vendas, casas de secos e molhados e muitas oficinas artesanais, dentre as quais a barbearia do Alfredo Modeste, nas galerias do Cine Gracher, que seria o seu endereço profissional certo. Era um jovem de apenas 18 anos, mas não um neófito aprendiz, já trazia consigo alguma habilidade no manuseio do pente e da tesoura. O projeto era de uma passagem temporária de três meses, pois novos aprendizados seriam fundamentais na construção do nome, da credibilidade, do conceito e das possibilidades. Esse batistense de modestas origens, discipli-

nado, criado a base de rígidos conceitos da moral religiosa, logo conquistou a confiança de seu mestre, como também a simpatia dos inomináveis clientes que frequentavam a barbearia. Cortou o cabelo de três gerações. Ao longo dessa trajetória, mudou apenas de endereços e de alguns parceiros, mas a Barbearia do Seu Darossi tornou-se uma legenda, uma marca que foi se consagrando na propaganda do “boca-a-boca”, tanto pela excelência profissional como pela doce simpatia de seu artesão. O grande lance da sua vida, porém foi ditado pelo coração ao se encantar com a beleza da jovem Norma Bodenmuller, numa relação que se consagrou com o matrimônio, selou sua permanência definitiva em Brusque e se consolidou com o nascimento dos filhos Fabiano (in memoriam) e Fabricio – residente e domiciliado na Itália. Em sua cadeira sentaram crianças, meninos, adolescentes e jovens, como também operários, comerciantes, lideranças, autoridades públicas das cidade e empresários de sucesso. Ele sempre educado, paciente, atencioso e de uma gentileza indescritível. Chamava os clientes pelo nome e, de muitos, já conhecia o hábito, o gosto e o modelo do corte. Foi um homem que passou longe dos bancos universitários, mas era dono de uma rara fidalguia, pessoa bem informada, de percepção e descrição incomparável. Dependendo do cliente, ele sabia que assunto conversar para distraí-los enquanto operava a tesoura. O folclore popular atribui a ele um glossário de jo-


cosos casos e causos, fábulas interessantes que ele contava com graciosa simplicidade para distrair os clientes e tornar o corte mais agradável. Em 2019, pela feliz iniciativa do Vereador Leonardo Schmitz, ele foi agraciado, pela Câmara Municipal, com o título de Cidadão Honorário de Brusque. Participei desta celebração cívica. Na oportunidade de cumprimentá-lo e sentir de perto suas emoções, também me emocionei quando ele, com a voz embargada, me disse: “agora não sou mais um forasteiro, sou cidadão brusquense”! Era a forma de contentamento e gratidão. Na verdade, ele foi um construtor de amizades, apertando laços com as pessoas de todas as classes. Quando o nosso Editorial decidiu homenageá-lo me sentir duplamente gratificado. Primeiro porque também sentei em sua cadeira por incontáveis vezes, quando pude perceber o perfil do homem virtuoso, de uma pessoa feliz consigo mesma e com sua profissão. Em segundo, por ter a oportunidade de relatar, mesmo que laconicamente, a trajetória de um artesão, de uma pessoa das bases populares e que deu lições de humildade com exemplos. Enquanto a modernidade se refletia com a chegada dos novos salões de beleza e refinadas técnicas, a Barbearia do Seu Darossi resistia no tempo como um ambiente concorrido, um santuário da vida artesanal. Ele não amealhou e nem perseguiu riquezas, mas viveu num padrão social estável e de muita dignidade.■


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Mausoléu da Villa Renaux: um monumento a um grande amor Profª Rosemari Glatz Reitora – UNIFEBE

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rusque possui recantos desconhecidos, cheios de mistério e romantismo. Recantos únicos, de arquitetura ímpar. Refiro-me ao Mausoléu da Villa Renaux, um monumento a um grande amor, incrustado em meio à vegetação que abraça o casarão onde o Cônsul Carlos Renaux e sua terceira esposa, “Goucki”, viveram seus últimos anos de vida. Carlos Renaux se tornou famoso pelo império da indústria têxtil que construiu em Santa Catarina. Ele nasceu em 1862, em Loerrach, Baden, Alemanha e, em 1882, emigrou para o Brasil. Em 1884, Carlos Renaux se casou com Selma Wagner na Igreja Luterana de Blumenau. O casal foi abençoado com onze filhos, dois quais nove chegaram a vida adulta. Desde o casamento, até a morte de ambos, moraram em Brusque, onde Selma faleceu em 1912, com 47 anos, e Carlos em 1945. Empreendedor nato, após atuar alguns anos como comerciante em Brusque, Renaux conquistara reputação de trabalhador eficiente e honesto. Conseguiu reunir economias e, da associação com colonos agrícolas da região e alguns sócios, e com o dinheiro que sua esposa Selma recebeu como dote de casamento, montou a primeira empresa têxtil da família Renaux. Era 11 de março de 1892 e Carlos Renaux estava completando 30 anos de idade. Nesse dia, tecelões poloneses e outros colaboradores impulsionaram os primeiros teares da pioneira fábrica têxtil em Brusque, dando origem à Fábrica de Tecidos Renaux. No final do século XIX, a família Renaux passou a residir num palacete construído no centro, de três andares, pintado de rosa, terraços de ferro e um gramado circundado por esculturas representando as profissões. Foi a primeira casa em Brusque servida por encanamento, luz elétrica e dependências sanitárias com água corrente. O palacete era o símbolo do status alcançado pelos Renaux. Crianças, hóspedes, negócios, tudo se misturava naquela atmosfera. Ali eram recebidas pessoas importantes, desde empresários até políticos influentes. O palacete foi

demolido em 1950. Viúvo, em 1913, Carlos Renaux se casou, na antiga Capela de Azambuja, com a atriz vienense Johanna Maria von Schönenbeck. Ela era conhecida pelos brusquenses como “Hanna”. Em 1919, após o término da I Guerra Mundial, Carlos e Hanna foram morar em Arnhem, Holanda, para tratar da doença dela. Hanna faleceu poucos meses depois, com apenas 35 anos de idade, no dia 31 de dezembro de 1919. O casal não teve filhos. Viúvo pela segunda vez, Carlos Renaux contraiu núpcias com a holandesa Maria Luiza Auguste Lienhaerts – conhecida pelos brusquenses como “Goucki”. O casamento ocorreu em 1920, na terra natal da noiva, em Merkelbeek, Limburg, Holanda. No início de 1922 o casal se mudou para Baden-Baden, Alemanha, onde viveu até 1935. Durante sua permanência na Alemanha, Renaux exerceu a função de Cônsul Honorário (sem ser funcionário de carreira e sem remuneração) do Brasil para o Consulado em Baden-Baden, honra que o governo brasileiro lhe conferiu no dia 7 de junho de 1922, pelo presidente do Brasil, Epitácio Pessoa. A partir de então, Carlos Renaux passou a usar, oficialmente, o título de cônsul e, até hoje, é conhecido em Brusque como “Cônsul”. Carlos e Goucki decidiram voltar para Brusque. Para projetar sua última morada, Renaux contratou o arquiteto alemão Eugen Rombach, que chegou com a família em Brusque no dia 04 de agosto de 1932. Contratado apenas para projetar o casarão do Cônsul, Eugen Rombach e sua família acabaram por estabelecer residência definitiva no Brasil. Concluído em 1935, imponente e belo, o casarão foi construído no alto de uma colina, na Avenida Primeiro de Maio, próximo à Fábrica de Tecidos Renaux, onde, em 2021, permanece impecável e deslumbrante como patrimônio histórico. À margem direita do caminho que leva à residência, foi implantado um lago e no entorno do casarão, um majestoso jardim envolto por árvores. Em 1935, o casal passou a morar no seu pequeno paraíso em Brusque, que foi batizado


“Villa Goucki”, em homenagem à esposa do Cônsul. Goucki era considerada uma mulher inteligente e culta. O casal não teve filhos, mas ela se relacionava bem com os descendentes do marido, que a chamavam amorosamente de “Gouckimama”. Ela morreu em 1939, em São Paulo, onde estava internada para tratamento de saúde, com 54 anos. O corpo de Goucki foi embalsamado, transportado até Itajaí a bordo do iate “Angela”, e depois para Brusque, onde foi sepultada. Viúvo, o Cônsul mandou edificar um elegante mausoléu funerário na parte dos fundos da “Villa

Goucki”, para servir como última morada do casal. Os restos mortais de Goucki, o último amor do ícone empresarial e benfeitor de Brusque, Cônsul, foram transladados do cemitério para o mausoléu, onde permanecem até hoje. Carlos Renaux faleceu em 1945, com 82 anos. Já era conhecido como Cônsul e empresta o seu nome para designar vias públicas, colégio, estádios de futebol e hospitais. Depois de uma vida longa e bem-sucedida em termos familiares, políticos e empresariais, o Cônsul Carlos Renaux adquiriu imortalidade na memória do povo brusquense.■


24 І Brusque ILUSTRADA 4 І

RUA AZAMBUJA: o primeiro centro de compras de Brusque conteúdo patrocinado


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om origem italiana, o Vale de Azambuja começou a ser povoado no final do século XVIII, quando Brusque ainda dava seus primeiros passos como município. A região sempre foi conhecida pelo seu hospital - o principal da cidade, e pela religiosidade. Porém, em meados dos anos oitenta a rua mudou e ficou conhecida por outro motivo: o comércio. Com a enchente de 1984, Brusque sofreu muitos danos. Visando colaborar na recuperação da cidade, foi liberado o Fundo de Garantia para que as pessoas pudessem se reerguer após o prejuízo causado pela inundação. Com isso, muitas pessoas vislumbraram a oportunidade de empreender no ramo do vestuário. Foi nesse momento que pequenas lojas começaram a surgir nas casas da Rua Azambuja. Era o início do comércio de roupas naquele local. Assim, a Rua Azambuja se transformou, passando de uma área residencial para um polo na venda de vestuário a pronta entrega. Fábio Barni foi uma das pessoas que viu no local a oportunidade de empreender. Ele abriu sua loja em 1990, quando o comércio em Azambuja estava no auge. “O que motivou abrir foi o grande movimento de compradores de atacado que vinham de fora, atraídos pela diversidade e pelo preço dos produtos que aqui encontravam“. Na loja de Fábio o foco era a venda no atacado, mas aos finais de semana ele também atendia o varejo. Na loja eram vendidas bermudas, camisetas, camisas, calças, vestidos, entre outros. “Era produção própria, eu comprava malha ou tecido e confeccionava por terceirização”. Aos poucos a procura pelos produtos na Rua Azambuja foi crescendo. Além de compradores de Santa Catarina, começaram a chegar clientes do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Fábio conta que os dias de maior movimento eram nas terças e quintas, mas isso também variava conforme a época. “Quando entrava coleção nova o mo-

vimento era maior.” Para fortalecer e organizar o comércio do local, os lojistas fundaram a Associação Industrial e Comercial Azambuja - AICA. A associação promoveu diversos eventos e ações, como jantares e sorteios. Anos depois, a entidade deu origem a Associação das Micro e Pequenas Empresas de Brusque e Região - AmpeBr. Porém, o sucesso da Rua Azambuja como um polo comercial não foi duradouro. Em meados dos anos noventa o comércio no local já não era mais o mesmo. Com o surgimento de novos centros comerciais em Brusque, as lojas começaram a mudar de local ou até mesmo encerrar as atividades. “O movimento da Azambuja começou a decair por causa da má organização que era a rua num todo”, conta Fábio. Ele manteve sua loja em Azambuja até 1995. A exemplo de outros lojistas, Fábio decidiu migrar para a Rodovia Antônio Heil, onde estavam os novos centros comerciais. As mudanças econômicas que o Brasil atravessou nos anos noventa também colaboraram para o fim do comércio no local. Com a abertura econômica e a valorização da moeda brasileira perante ao dólar - após a implantação do Plano Real em 1994 - os lojistas da Rua Azambuja foram impactados diretamente pelo novo momento econômico vivido no Brasil. Para Fábio a experiência de montar uma loja na Rua Azambuja foi positiva. “Valeu muito. Foi uma época de bons negócios e de muito aprendizado”. Mais tarde, já com o fim das atividades do comércio de roupas em Azambuja, surgiram os grandes Shopping Atacadistas em Brusque. Com os novos centros comerciais, as lojas passaram a contar com uma estrutura que oferece maior conforto e atende à demanda, tanto dos comerciantes, como dos compradores. Assim, uma tradição que começou na Rua Azambuja, segue forte mais de trinta anos depois, fazendo de Brusque referência no vestuário de pronta entrega.■


26 І Brusque ILUSTRADA 4 І

POvo de fora e de dentro Ricardo Weschenfelder professor

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ecentemente, descobri um mural de autoria do artista Martinho de Haro (1907-1985), no Sesi Escola (atual Escola S), no bairro do Maluche. O mural está no interior da escola e impressiona pela dimensão e beleza. Brusque ainda reserva algumas surpresas escondidas, para além da paisagem monótona e, muitas vezes, sem cor. O mural do Martinho de Haro foi produzido no ano de 1966. Fico imaginando o artista modernista, reconhecido pelas paisagens marinhas, insulares e casarios açorianos, produzindo um mural nessas bandas germânicas, tão distante da cultura e da paisagem que o artista estava acostumado em Florianópolis. Deve ter sido interessante os dias do Martinho de Haro em Brusque. Será que o artista absorveu a linguagem e o mistério do rio, o efeito de concentração de atenção, o ar parado entre os morros, a paleta de cor verde e marrom do entorno e o silêncio da cidade provinciana da década de 1960? É certo que faz bem aos artistas saírem da sua paisagem familiar e se aventurarem em novos cenários. O caso mais célebre é do pintor Paul Gauguin, que saiu da efervescência da Paris do final do século XIX para o bucólico Taiti. O “mural brusquense” do Martinho de Haro revela outros interesses e técnicas que não os habituais no imaginário do artista, como a ação, a narrativa, o movimento e o tema do esporte. No mural, temos personagens – homens e mulheres - realizando atividades físicas, ou seja, algo muito diferente dos quadros e painéis com temas litorâneos e contemplativos do artista, povoados por barcos, trapiches e mar.

O mural foi uma encomenda da Federação das Indústrias, na época que Brusque era uma potência industrial, e faz alusão aos Jogos Abertos de Santa Catarina, surgidos na cidade, em 1960. A descoberta (quase arqueológica) do mural revela outra camada, mais profunda, sobre como a cidade de Brusque lida com a sua arte pública ou arte urbana. Parece que as obras de arte presentes na cidade insistem em se voltarem para o ambiente privado ou institucionalizado (salvo o maravilhoso Parque das Esculturas) ou não são aceitas pela população. Como é o caso da recente série “Povo de Dentro” do artista brusquense Douglas Leoni. A série causou polêmica, foi censurada e, por fim, apagada das paredes de uma escola pública na cidade. Existe uma clara distinção simbólica entre o mural “oficial”, o encomendado por empresários ao consagrado Martinho de Haro, e os desenhos nas paredes, do Douglas Leoni, isso é inegável. E essa distinção só expõe, justamente, o peso e permissão das coisas e dos lugares. Um tipo de artista e de arte é, publicamente, aceita e outra cancelada. Não é tão inacreditável assim pensar que a população da cidade pode se relacionar e dialogar com a arte urbana, uma arte que ainda não tem lugar, que é ruptura, processo e também aprendizado. Que desafia os sentidos e a percepção já acostumada e familiar que temos da nossa cidade e questiona os limites espaciais e temporais do próprio conceito de arte. E o mais importante de tudo: torna a arte acessível e pública, esse bem fundamental e tão necessário às pessoas, seja no museu ou na rua.■



28 І Brusque ILUSTRADA 4 І

FEZ-SE ARTE

parte 2

Vânia GEvaerd Professora e Artista

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ó e Pedra. Pequenas tendas azuis e amarelas começaram a pipocar na pista de kart, situado às margens da rodovia Antônio Heil. O som das marteladas e a poeira branca denunciavam um novo porvir. Muito se especulava a respeito do que estaria acontecendo e não demorou muito para a mídia local e nacional divulgar o “acontecimento do ano” – O Primeiro Simpósio Internacional de Esculturas, um evento da gestão municipal. O ano era 2001 e a ideia de criar um polo turístico no município de Brusque, de nível internacional, aos poucos foi ganhando forma e corpo. Artistas de vários países foram selecionados por uma equipe de especialistas e assim que aqui chegavam iam ao encontro das imensas pedras, a maioria branca, um mármore colossal pesando 16 toneladas em média, vindas do estado do Espírito Santo para serem lapidadas e de dentro surgir a obra máxima do escultor. Pedras que contam histórias e falam, basta observar com atenção. Foi, sem dúvida, um dos maiores eventos de nível nacional que movimentou a cidade e principalmente alimentou os saberes, pois escolas iam em romaria apreciar, ver e ouvir o que os artistas, oriundos de todos os lugares do mundo, tinham a contar. Lembro que cheguei na sala de aula, e como professora de Arte, vibrei com a possibilidade de efetiva-

mente termos um local para visitar e conhecer obras escultóricas sem ser somente através dos livros, fotos ou vídeos, um mundo sempre muito distante para os alunos e agora surgia a oportunidade de assistir a criação e o nascimento das obras pelas mãos dos artistas. Foi deveras empolgante e emocionante. Sete foram os simpósios no seu total, de 2001 a 2007 e a data de 24 de abril de 2014 celebra a inauguração do Parque Internacional das Esculturas Ilse Teske, nome este dado ao espaço por ser o terreno uma doação da família Teske. Ao longo dos sete simpósios foram criadas 106 esculturas, destas, quarenta estão no parque incluindo os sete artistas homenageados, pois a cada simpósio um grande nome das artes era o destaque do referido evento. Nomes consagrados como Amilcar de Castro, Francisco Brennand, Tomie Ohtake, Oscar Niemeyer, Juarez Machado, Gio Pomodoro e Xico Stockinger formam a galeria dos notáveis desse grande museu a céu aberto. Outras sessenta e seis esculturas estão distribuídas pela cidade. Sim, temos essa “menina dos olhos” aqui no Berço da Fiação Catarinense, denominação essa dada por algumas localidades do estado de Santa Catarina que almejavam o simpósio em suas cidades e Brusque foi a feliz contemplada. Hoje observo a quantidade de turistas que chegam diariamente para conhecer


tão grandioso empreendimento e ver as maravilhas criadas pelas mãos do homem, pedras que falam, contam histórias e nos fazem pensar ! A cidade necessita de locais onde a arte e a cultura estejam ao alcance de todos. Falta espaço, sobra talento Brusque é uma cidade com um povo muito talentoso e de grande potencial artístico que abrange todas as áreas das artes - visuais, cênica, música, dança e demais formas de expressão. Por aqui sobra talento e falta espaço para mostrar a identidade cultural do município. Não temos um único espaço público para apresentações locais, dependemos, nós artistas, da boa vontade de um e outro para as apresentações/ exposições. E foi com essa vontade de compartilhar a produção artística local que em 2011 um grupo de 13 artistas se reuniu para criar uma nova maneira de fazer arte – nascia assim o G13 Arte Contemporânea. Uma grande produção foi pensada e criada para poder apresentar à cidade um pouco do muito que tem e que ainda é desconhecida. Mais uma vez o local era a incerteza ou a certeza das dificuldades que teriam pela frente. O maior desafio era (é) o uso das paredes que deveriam se manter limpas, alvas e intactas, quase sacralizadas. Tarefa difícil essa. Como fazer entender que a arte precisa ser pendurada, colada e que paredes fazem parte desse contexto e que são usadas como suporte ? Enfim, o local foi encontrado e a data de 29 de fevereiro de 2012 marcou o início de uma nova era na arte brusquense - Pinturas, instalação, fotografias, poesias, cerâmicas, etc., ocupavam o hall de entrada do anfiteatro do Seminário de Azambuja. Foram dias de muita movimentação e causando grande repercussão, muito foi comentado. Estudantes chegavam diariamente em ônibus lotados, animados e curiosos na ânsia de conhecer essa “nova” forma de fazer arte, onde interagir era possível, sair da zona de conforto e pensar diferente era a proposta diante de tudo aquilo que estava em exposição, aprender que arte não é somente uma pintura contornada com moldura, que a arte deve despertar os demais sentidos, ensinar a ver e pensar. O tempo passou e continuamos a procura de uma galeria/museu que abrigue a vasta produção aqui existente, que acolha e tenha seu acervo próprio, onde haja um espaço para lazer e entretenimento para todas as idades e que transforme um dia comum em algo a mais, em algo melhor, pois a arte acalma os olhos, a mente e o coração, desperta os demais sentidos, nos ensina a ver e pensar mesmo ouvindo a pergunta: Isso é Arte? A certeza que o grupo G13 Arte Contemporânea teve naquele momento é o quanto a cidade carece de espaços culturais, pois a plateia estará sempre a postos. O grupo não existe mais, cada qual seguiu o seu caminho e foi buscar mais. Muitos deixaram a cidade e até o país, os que aqui ficaram continuam “arteando” por aí e escrevendo esse texto.■


30 І Brusque ILUSTRADA 4 І

LIVRO RESGATA 160 ANOS DA LITERATURA REGIONAL SAULO ADAMI ESCRITOR

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redação de “O voo da ema - produção literária em Brusque e região (1860-2020)”, de Saulo Adami e Jeanine W. Adami, remete às pesquisas iniciadas em 1984. Antes de ser um livro da editora Estrada de Papel, de Curitiba, foi tema da coluna que Saulo Adami manteve durante anos no semanário “Tribuna de Brusque”, nos tempos em que os jornais locais eram compostos em uma máquina linotipo de 1947 e rodados em uma impressora de 1908. A coluna “Brusque Literária” também deu título a duas exposições de livros de autores brusquenses, na década de 1980, na Biblioteca Pública Ary Cabral e no auditório da antiga Prefeitura de Brusque, junto da praça Barão de Schneeburg. Aliás, o barão austríaco Maximilian von Schneeburg foi o fundador da colônia que deu origem ao atual município de Brusque, seu primeiro administrador e o primeiro cronista de nossa história. Cabia a ele, em extensas correspondências e detalhados relatórios, comunicar ao presidente da Província de Santa Catharina, o gaúcho Francisco Carlos de Araújo Brusque, o dia a dia da colônia. Eram crônicas que, em sua maioria, tinham alguma

poesia, além da contabilidade e dos pedidos, muitos pedidos de auxílio e de socorro. A partir de 2001, Adami ampliou a pesquisa que resultou no livro “O voo da ema”, citando obras de autores nascidos ou radicados em Brusque e em municípios originados de seu território (Vidal Ramos, Presidente Nereu, Botuverá, Gaspar e Guabiruba, no século XX) e no Vale do Rio Tijucas (Nova Trento, São João Batista, Major Gercino, Canelinha e Tijucas). São centenas de autores citados com suas obras nos mais diversos gêneros literários. Inclui ainda entrevistas exclusivas com autores locais e regionais, e com o maior pesquisador da literatura dos catarinenses, o professor Celestino Sachet, da Academia Catarinense de Letras. Não foi obra criada para biografar autores, “mas para registrar a sua produção”, como escreveu Jeanine W. Adami na apresentação do livro “O voo da ema - produção literária em Brusque e região (1860-2020)”. Para a autora, “trata-se de uma obra que cumpre com maestria o seu papel, considerando que reúne mais de quatrocentos autores e sua produção intelectual e artística”. O livro está à venda na Livraria Graf, de Brusque.■




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