IGUAL #08- Agosto 2010

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DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AGOSTO 2010

#08


CAPA E CONTRA-CAPA POR

Christian “MEGAZORD” Oldham Sacramento, E.U.A.



Catarina Rom達o


SUMMER ISSUE

Director Vitalício & Editor: Miguel Carvalho Top-Ajudante: Ana Maria Henriques Colaboradores: Ana Maria Henriques, Catarina Romão, David P. Silva, Francisco Dias, Luís Leal Miranda, Pedro Rios, Tiago Teixeira, Christian “Megazord” Oldham Capa e Contra-Capa: Christian Oldham Conteúdo todos os textos, fotografias e ilustrações são da autoria de Miguel Carvalho excepto se creditados

Paginação & Design: Miguel Carvalho & Sofia de Eça Contacto: migueldeazevedocarvalho@gmail.com Propriedade/Edição: Eufaçooquequero PRESS Tiragem: só para os amigos/online Periodicidade: errática (distribuição gratuita)

Site: http://issuu.com/miguelc Disclaimer:

Esta revista é um trabalho académico. As imagens e fotografias que não são da autoria do Director Vitalício, além de estarem devidamente creditadas, estão aqui presentes sem qualquer fim lucrativo e são contempladas pelo uso justo, ou seja, de total boa fé no contexto académico/não-lucrativo inerente à IGUAL.


EDITORIAL

Olá, amigo leitor. É Verão outra vez. Por mais que eu ouça nos cafés que já não há estações e que este tempo anda louco, continua a haver Agosto e seguirá havendo férias, pelo menos enquanto a Nação não nos chamar, a nós, fruto pródigo do seu ventre, para trabalhar os doze meses do ano (directiva europeia). O oitavo é o mês mais lindo do ano. Regressam os emigrantes, fundadores da noção de pátria, cansados de chorar a distância para o país-mãe. Abracemo-los! E regressa a placidez dos dias em que não há nada para fazer, a menos que se queira mesmo fazê-lo. De calções ou, melhor ainda, sem eles.

Outra coisa boa de se fazer é ler esta edição. Há imensa coisa de valor. Começava por destacar o Centrão, diferente de qualquer outro que já tenhamos publicado. E com uma novidade: traz entrevista ao autor, o puto californiano que assina como Megazord e que podem ver ainda na capa e contra-capa. Este mês entrevistamos ainda o realizador Tiago Pereira, que conhecemos há uns meses no Porto, mas que estava muito cansado para responder ali mesmo, e Nuno Monteiro, ele próprio um emigrante, mas que chega às nossas páginas por ser o ilustre autor de dezenas de vídeos para o nosso guru musical preferido, R. Stevie Moore, de quem, se bem se lembram, já falámos na edição #00. Em dose dupla regressa o Culto e desta vez os temas são a linha de figuras do Star Wars da Kenner e uma retrospectiva nostálgica sobre o fenómeno recente do motion control nas consolas de vídeojogos caseiras. E temos dois guias de Verão: um com os Desenhos da Catarina (Romão) que zela pela vossa saúde, o segundo com dicas da Ana para aprender a fazer boas malas de viagem. Aprendam com as mulheres. Tanto por tão pouco.

Boas férias, bom descanso.

Miguel Carvalho

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ÍNDICE 48 52

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CRONICA 12//PR RECOMENDA 14 AMCP 16//GUIAS DE VERAO 18 CENTRAO 26 ENTREVISTAS 48//CULTO 60 ATE A PROXIMA 64

60


Jason Adam Baker

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C O L A B O R David P. Silva Catarina Romão Mora em Alfama mas só diz palavrões baixinho. Viu mais de 100 vezes o “Pet Sematary II”, sabe-o de cor. Gosta de gore e de pézinhos de coentrada. Estudou psicologia, é publicitária. Descobriu as canetas de feltro. Em 2012 vai ser acunpunctora. Todos acham que não.

Criado nos subúrbios do Porto, trocou a bola e a bicicleta pelo computador e consola no início da adolescência. Falaria francês tão bem como inglês se o Cartoon Network fosse francófono. Nasceu em Caracas, mas viajaria mais depressa para o Japão.

Luís Leal Miranda Vive em Lisboa com a Ágata e três gatas ao lado do hospital psiquiátrico Miguel Bombarda. É jornalista e vai beber café à Portuguesa da Alameda, onde a bica custa o mesmo que a imperial (€0,50). Ao balcão estão sempre dois reformados conhecidos por “Sr. Director” e “Sr. Doutor”.

Francisco Dias Nascido no Porto, passou a infância entre o Casão Militar e a montra da Brinca Brincalhão no C.C. Brasília. Nubca se refez do fecho da Roma Megastore na Baixa. Recorda com carinho o entusiasmo com que participou pela primeira vez numa rede social. O seu lema de vida é “tem pai que é cego”


R A D O R E S Ana Maria Henriques Nasceu numa vila piscatória onde não se passa nada e habita agora no Porto. O pai foi olheiro do Benfica. Não come carne e bebe leite de soja todos os dias. Gosta de vestidos e tem uma predilecção por sapatilhas vermelhas. Não gosta de pessoas que se exercitam. Já foi operada a laser.

Pedro Rios Vive na Vergada, onde se pavoneia ao volante do seu citadino azul. Quando veste de cabedal as pessoas tendem a dar-lhe razão. No Twitter, já são mais as pessoas que o seguem do que as seguidas. Já foi chefe de quase toda a redacção desta revista e até tocou em bandas. Gosta de listas.

Christian Oldham Este imenso talento californiano só tem 18 anos e já fez vídeos para Stellar OM Source, Zack Hill e Oneohtrix Point Never, apesar da sua formação artística se resumir a uma cadeira de fotografia. Cresceu a ver os Power Rangers, mas em Setembro já vai para a faculdade. Tem medo do Facebook.

Tiago Teixeira Tem mais alcunhas do que apelidos e um cabelo lendário acima do Mondego. Sabe tudo e conhece toda a gente (mesmo). Morre de saudades dos seus anos de liceu. Vive obcecado com Pais Natal, gangsters e uma frase de Descartes. Não teme o ridículo: em casa, na rua, no trabalho. É filho único.


CRÓNICA Economias de Palha por Tiago Teixeira

E se Portugal tivesse ganho o Mundial? FACTO: Em 2006, depois de vencer o Mundial de Futebol, a Itália viu a sua economia crescer mais 0,5 pontos percentuais do que o esperado, atingindo um recorde de seis anos. HIPÓTESE: Vencer o Mundial é benéfico para a economia do país? Pouco depois do Mundial de 2006 foi lançado um livro chamado “Soccernomics” que explorava brevemente os efeitos económicos que um evento deste género trazia aos países que nele participavam e talvez a conclusão mais importante que dele extraímos é mesmo a mais imediata e simples: “happy people spend more” e é com esta premissa que podemos tentar traçar o cenário de como seria Portugal caso tivéssemos ganho em 2010. Começando pelo que foi verificado, a Telepizza, durante os jogos de Portugal da fase de grupos, aumentou em média 30% as vendas e, no jogo contra a Espanha, o aumento foi de 70%. Assumindo que o aumento se manteria, em média, neste nível nos restantes três jogos (o que é um pouco irreal uma vez que um deles seria a final e que nem todos são à mesma hora) só a Telepizza e a Pizza Hut teriam um aumento total de 1,2 milhões de euros em vendas. Considerando que em dia de jogo, e com toda a moda dos big-screens nas praças das nossas cidades para “bom petisco, boa cerveja”, esperar-se-ia um aumento total de oito milhões de euros nas vendas de Super Bock e Sagres. Poderíamos ainda considerar que até Agosto a FPF aumentaria as suas vendas de merchandise da selecção em 300 mil euros, mas isso seria irrisório comparado com o universo de vendas da candonga. Mas nem tudo é consumo pessoal puro: a RTP e a SIC registaram 16 milhões de euros com a publicidade na fase dos grupos. Considerando que Portugal chegava à final, este valor subiria para, no mínimo, 32 milhões com os restantes jogos (não considerando um normal crescimento exponencial que é incalculável). Isto, claro, não falando dos direitos de transmissão internacionais recebidos caso Portugal chegasse à final – que seriam à volta de 30 milhões de euros, considerando o que foi ganho pela Espanha/Holanda nas suas caminhadas. Portugal, embalado pela febre do Mundial, iria esquecer o encerramento de escolas, as portagens das SCUT ou os cortes de custos na saúde e, se Portugal ganhasse, Sócrates iria ter uma bela photo-op com a equipa (que também ganharia um bónus interessante). Mas nem todos os ganhos são conseguidos durante o Mundial. Como disse Antonio Martín, director do Mestrado em Gestão de Desporto na IE Business School, “vencer o Mundial é uma grande campanha de marketing de graça” o que tem um enorme impacto a nível de exposição nacional no estrangeiro. Como Portugal nunca ganhou um Mundial, é provável que atenção trouxesse um afluxo de turistas para as nossas praias (principalmente porque não teríamos eliminado os ingleses, italianos ou franceses, três dos nossos principais clientes no que se refere a turismo). Tendo em conta que o sector movimenta mais de 11% do PIB, ou seja, cerca de 18 mil milhões de euros, seria de esperar um aumento de pelo menos 500 milhões – do qual uma grande percentagem seria assegurada pela TAP, que iria gerar uma ainda mais significativa aceleração do consumo interno. Isto, acoplado com o facto de que provavelmente os jogadores nacionais teriam uma visibilidade extra, conseguindo assim contractos mais chorudos (possivelmente internacionais), deixando dinheiro nos clubes, nos seus agentes (Jorge Mendes, esta é para ti) e redistribuindo pela sua família. E nem podemos, claro está, começar a falar do efeito desta exposição nas exportações portuguesas, já propícias a uma recuperação devido à baixa do Euro. Mas estas são apenas algumas das vertentes em que podemos exemplificar um impacto – mas sempre reduzido. De facto, o maior impacto conseguir-se-ia após a vitória do Mundial, dentro da máxima “happy people spend more”. É geralmente aceite que a felicidade de uma nação tem uma correlação positiva com o índice de confiança do consumidor que é reflexo do consumo interno. O “Soccernomics” refere que o país vencedor do Mundial terá um aumento de entre 0,25 a 0,7 pontos percentuais. Utilizando o caso da Itália como referência, se o PIB de Portugal crescesse 0,5 pontos percentuais via aceleração do consumo, isto significaria que cada português iria ter mais 95€ no final do ano, mais a grande felicidade de ter visto a nossa selecção como campeã do mundo.

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momentodegracejo.tumblr.com

Pare e desfrute de pequenos momentos de humor criteriosamente seleccionados


O PEDRO RIOS RECOMENDA

Wavves “King of The Beach” (Fat Possum, 2010) E não é que o puto Wavves se safou? Não sei se serã Cosentino, dos Best Coast, mas, depois de dois disco Nathan Williams sai-se com um álbum coerente e en the Beach” lembra uns Nirvana de havaianas e milhe Ramones, mas mostra um interesse fetichista pelas puro território pop - que o distingue. Tudo isto havia que a realidade – o fuzz e a gravação manhosa escon é um punk: “Mickey Mouse” pilha desavergonhadam fez isto? Porque lhe apeteceu.

Sleigh Bells “Treats” (N.E.E.T., 2010) Disco do ano? Andará lá perto, pelo menos. Nada devia funcionar neste duo: guitarras escola hardcore (Derek Miller andou nos Poison The Well, instituição do género), batidas 4/4 gamadas ao hip-hop, uma voz doce a voar sobre isto tudo, qual menina da Foz a passear no Aleixo. No papel é ridículo, mas “Treats” mostra que os corajosos (Miller e Alexis Krauss) são recompensados. Com aqueles elementos, fizeram um fabuloso conjunto de canções pop, com violência hardcore ao serviço da festa.

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A

PAUS “É Uma Água” (Enchufada 2010) Há poucos discos assim. Discos que aterram sem rótulos (e sabemos como hoje qualquer som é logo rotulado, copiado e explorado em ciclos cada vez mais curtos, alimentados por blogues e buzz nas mil redes sociais) ou ideias pré-feitas. Os PAUS, gente com créditos em Linda Martini, CAVEIRA e If Lucy Fell, fizeram um desses, capaz de ir de um hipotético tribalismo para putos citadinos (“Pelo pulso”), groove aos saltos agarrado a duas baterias (unidas por um bombo), crescendos movidos a sintetizadores (“Mete as mãos pela boca”), rock enérgico sem ponta de guitarra (o baixo cumpre a dupla função), desvarios vocais (os deliciosos “na na na na na” de “Lupiter Deacon”) e um baixo stoner que é mais massagem do que ataque (“Mudo e Surdo”). Sim, tudo isto em quatro canções. Imaginem o que estará aí por vir.

ão as noites bem passadas com Bethany os em que se safavam poucas canções, ntusiasmante do início ao fim. “King of entas bandas de garage rock fixadas nos melodias perfeitas dos anos 50 – ou seja, a no passado, mas era mais uma promessa do ndiam as debilidades. Ah, prova que Nathan mente os Animal Collective. Por que é que ele


DR

OS GEL

CALIPPO DE LIMÃO Verão que é Verão tem Calipo de limão - rima e é mesmo verdade. Das recordações de infância mais vívidas, as tardes passadas na praia nas barracas às riscas azuis e brancas de Vila Praia de Âncora, a pedinchar por essa maravilha da Olá. Mas só tinha sorte uma vez por época balnear (não é exagero): a mãe dizia sempre - e sempre cumpria - que “Calipo só comes um por ano, Ana Maria”. Mesmo com idade para escolher o gelado, pouco mais vezes que essa provo a combinação de gelo e limão em canudo de papel.

ROL Em ano de reposições da Olá (quase parece um artigo encomendado, este), cuja lista inclui ainda o Calipo sabor CocaCola e o Fizz, é o Rol que me merece mais destaque. É, quase sem sombra de dúvidas, o gelado mais difícil de comer de todos os tempos. Quem nunca ficou desolado por ter desperdiçado metade por entre os dedos, ou por o ter deixado cair ao chão, ou ainda por ter pingado os pézinhos descobertos com gelado de nata? Se responderam “não” é porque não foram crianças no início dos anos 90.

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AS MINHAS COISAS PREFERIDAS

por Ana Maria Henriques

LADOS DA ANA

SORVETE DE FRAMBOESA DA FARGGI Quando o Norteshopping abriu, rapidamente Braga deixou de ser a cidade a visitar quando queríamos ver alguns filmes ou ir a algumas lojas. E visitar o centro comercial da Senhora da Hora era sinónimo de sorvete de framboesa da Farggi, sobretudo se lambido pelos corredores, a fazer inveja às crianças. A loja já não existe, mas a Farggi reabriu recentemente na Baixa, de frente para o Túnel de Ceuta, onde podemos revisitar este sorvete que vale sempre a pena.

MINI SOLEROS DO MINI-PREÇO É a maior descoberta dos últimos tempos no mundo dos gelados: a marca branca dos supermercados MiniPreço criou uma imitação que suplantou os originais Soleros da Olá, e em formato mini. Por pouco mais de dois euros compra-se uma caixa com oito gelados e é aproveitar o Verão alternando entre os sabores exótico e frutos vermelhos. O maior senão: nem sempre é fácil encontrar estas maravilhas em ponto pequeno. É ir espreitando de cada vez que vamos ao supermercado fazer outras compras.

COPO EUROPA E COPO BRASIL Dos almoços familiares no Café Central (hoje extinto e transformado em pastelaria desinteressante) guardo sobretudo os gelados da Olá apresentados em carta própria, com descrições de duas frases e autocolantes com o preço marcado à mão. O Copo Europa, de morango, e o Copo Brasil, de café, marcavam o final de cada refeição. Em copos de plástico com uma quantidade quase miserável, estes gelados comiam-se à colher e guardava-se o “copo”. Ainda é possível encontrá-los num restaurante patusco.


GUIAde VERÃO #01

por Ana Maria Henriques

A ANA ENSINA-NOS A FAZER A MALA

PASSO 1

Quatro dias antes da partida, escolher roupa e acessórios a levar para precaver eventuais peças no cesto da roupa suja. Engomar as peças de roupa para que ocupem menos espaço e resistam aos percalços do porão.

PASSO 2

Escolher a mala. Este é um passo muito importante: não queremos embaraços nos aeroportos nem bagageiras de carro ou comboio atafulhadas.

PASSO 3

Incluir primeiro o calçado e demais objectos e acessórios rijos, para não amarrotar as peças de vestuário. Acamar todas as peças com delicadeza e de modo a ocupar todos os espaços vazios.

PASSO 4

Nunca esquecer o espaço essencial para o necéssaire, que por norma é apenas incluído no próprio dia de partida.

PASSO 5

Fazer uma revisão mental de todos os pertences potencialmente importantes e necessários. Certamente que não vão precisar de quatro pares de sapatos nem 15 pares de meias.

PASSO 6

Para aqueles que gostam de regressar das viagens com mais do que memórias e fotografias, convém não levar a mala completamente cheia, sob pena de não poder transportar frascos de compota ou garrafas de licor.

PASSO 7

Pesar a mala para não se ter o amargo de boca de pagamentos extras no aeroporto. Para quem não tem uma balança, o google ensina um estratagema da física com a ajuda de pacotes de leite, uma vassoura e uma cadeira. E que não falha. Boa viagem!

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A véspera de uma viagem não tem de ser um dia para esquecer. Seja de carro, comboio ou avião - e mesmo neste campo, numa companhia low cost repleta de restrições logísticas - a solução passa por uma organização prévia que não precisa de demorar mais do que uma ou duas horas.


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GUIAde VERテグ #02 por Catarina Romテ」o

OS DESENHOS DA CATARINA ENSINAM O LEITOR A EVITAR OS MUITOS PERIGOS DO CALOR






Christian Oldham

flickr.com/people/megazord megazord.tumblr.com vimeo.com/attica myspace.com/megazordlovesyou

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MEGAZORD

Entrevista de Bobby Jewell (Sweet And Sound) originalmente publicada em thelepantoleague.blospot.com O que é ‘Megazord’. Porquê esse nome? Engraçado, um amigo perguntou-me o mesmo há uma hora. Megazord é, por definição, um veículo qualquer do universo dos Power Rangers que toma a forma de um humanóide e que é criada por uma série de veículos mais pequenos. Tudo muito infantil, mas os Power Rangers eram uma das minhas séries favoritas em criança. Quanto à minha escolha do nome, já não me lembro muito bem, mas penso que teria uns dois ou três anos quando decidi usar esse alter-ego. Andei por uns tempos a pensar em outros nomes, mas penso que ficou Megazord porque eu tinha uma relação forte com ele, era curto e tinha uma aura esquisita. E também porque nem toda a gente sabia o que era, soava fixe. Suponho que também esteja relacionado com o teu modo de funcionar, usando vários meios mas o mesmo alter-ego É isso, sim. É bom ter todos os meios juntos. E pensei que conseguiria isso melhor se usasse um alter-ego e não o meu próprio nome. Sentes que tens que manter-te preso a determinada estética enquanto MZ? Não, definitivamente. Pode ser tudo e qualquer coisa e é isso mesmo que eu adoro. Não ter limites é um sentimento de liberdade e para mim é muito difícil fazer seja o que for com um conjunto de restrições. Normalmente sinto que o que resulta daí não é o meu melhor trabalho, sinto-o forçado. Na tua música há muito um sentimento de esterilidade, não no sentido negativo, que está mais concentrado na beleza do que é mais calmo. No teu trabalho manual esse sentimento também é aparente nas formas e padrões verdadeiramente simples, mas usados de modo a criar efeito. Sim, no que se refere à música é outro

departamento. Fazer a minha música é bastante fácil porque na maior parte dos casos gravo à primeira, mas normalmente planeio tudo previamente, deixando espaço para improvisar aqui e ali. Cada uma das canções desenvolve-se a partir de uma ideia e mantém-se aí. Prefiro as composições longas e repetitivas porque é na repetição que eu cresço do ponto de vista sonoro. Também pretendo que cada “lançamento” seja uma “zona”, por assim dizer, semelhante, de modo a que haja uma estrutura ou som recorrente de canção para canção. De onde te vêm as ideias? Sei que tiveste algumas encomendas, mas o que te inspira a criar? É muito difícil responder a isso porque, de facto, não sei. A única disciplina artística que tirei foi Iniciação à Fotografia, porque precisava dela para acabar o liceu. De qualquer modo, nunca aprendi nada sobre História de Arte ou sobre Forma ou qualquer coisa parecida. Penso que, crescendo com a internet, fui sempre influenciado pela tecnologia, mas isso não explica tudo. Ter um Tumblr decididamente ajudou-me a ter ideias porque publico o que procuro e isso é como que definir o que tenho para trabalhar e então uso as imagens que publiquei quando sinto que é preciso incluí-las no que estou a fazer. Quanto ao que me inspira a criar, sempre gostei de artes, musicais ou visuais , e sempre senti que precisava de contribuir para essas plataformas. Penso que é isso que me despert, criativamente falando. A esperança de vir a agradar os sentidos dos outros como já alguém me agradou os meus (por mais lamechas que isso soe). Sim, eu percebo. É engraçado a tua referência a seres um miúdo da internet, porque parece-me que isso influencia muito a tua vida. É estranho que eu possa seguir a tua evolução como artista via Flickr.

Sim, eu gosto muito dessa ideia. É como um daqueles diários de bebé que mostra todos os grandes momentos da tua vida. É estranho porque andas pelo Flickr e encontrar facilmente tanto, mas tanto material que tudo se mistura e não há nada que se destaque.

Para ser muito franco, não gosto assim tanto do Flickr! Não há um sentido de comunidade forte e sinto que nunca tenho muitos comentários ao que faço. Gosto sempre de saber o que as pessoas pensam do meu trabalho porque, na verdade, sou muito instropectivo e, apesar de poder não querer mudar nada, penso que é sempre bom reconhecer os nossos erros. Mas parece-me que tenho que agradecer ao Flickr porque é o primeiro lugar onde as pessoas podem ver o que faço sem passar por todos aqueles textos e coisas aleatórias que ponho no meu Tumblr.

Com os teus vídeos dás forma a uma quantidade de filmes que encontras. O material de base influencia-te ou a música faz-te querer encontrar alguma coisa que se lhe adapte?

Bom, penso que sou muito inspirado pela música. Para o vídeo da Stellar OM Source foi bastante fácil porque já conhecia bastante bem a música da Christelle e sabia que tinha um lado feminino. Quis que o vídeo fosse uma parte complementar da música, fazendo uma parelha temática. Foi o mesmo com os vídeos para Oneohtrix Point Never porque já conhecia a música do Daniel desde 2008 e, por isso, acompanhei a sua evolução. Quando ouvi “Returnal” fiquei bastante espantado como ele conseguiu ir tão longe na sua transformação e aquilo que ouvi foi realmente inspirador. Por vezes, procuro material à frente do seu tempo, mas deixo-o numa pasta até achar que está na hora certa para usálo, normalmente é qualquer coisa que me agrada visualmente e que consegue reflectir alguma maneira de estar.




















ENTREVISTAS


TIAGO PEREIRA DR

V E L H I N H A S NO CAMPO, C Â M A R A NA MÃO Tiago Pereira não se considera realizador, mas faz filmes que passam em festivais. Não se diz Giacometti, mas faz recolha etnográfica. Em “Tradição Oral Contemporânea” filma o músico B Fachada, em “Significado” apanha toda a música portuguesa se ela gostasse de si. O tipo dos óculos coloridos que conhecemos, em Maio, no Passos Manuel assegura à Ana Maria Henriques e ao Miguel Carvalho que a tradição é o que fazemos dela. 48


S , A O

IGUAL - Em que fase da tua vida decidiste que querias ser realizador/documentarista? Tiago Pereira - Desde sempre me interessei por ouvir coisas e, de facto, o som foi sempre uma prioridade, vinha talvez do meu pai ser músico. Antes de ter uma câmara já tinha gravadores e microfones, a paisagem sonora sempre me interessou sem nunca ter teorizado a coisa ou pensado muito nisso. As conversas, o ritmo do vento, a forma como ouvia as palavras e o que diziam interessava-me e a partir daí comecei a estar mais atento. Não posso dizer que sou documentarista ou realizador só, o meu trabalho vai mais além do que isso - sou um artista visual que lida com a memória e com documentos audiovisuais, que remistura e processa de várias formas. Qual foi o primeiro filme que fizeste? Comecei com experiências sobre músicos. O som é, de facto, muito importante no meu trabalho, ainda hoje o processo de trabalho é muito sonoro, monto sempre o som primeiro, em estúdio, e só depois sincronizo. A minha primeira montagem é a da banda sonora e depois vem o resto. Em que altura da tua vida surge o interesse pelo documentário e pela recolha etnográfica? Em 1998 gravei o som de um homem a imitar concertinas em Odeceixe, de regresso a Lisboa junto esse som com imagens captadas no ano anterior de um homem que vivia sozinho sem água e sem luz no Carvalhal e nasce o “Quem Canta Seus Males Espanta”, vencedor do prémio melhor realizador português nos Encontros de Cinema da Malaposta. A partir daí sabia que fazia parte do meu trabalho trazer a música para a rua. E dar a imagem dessa música.

Como é que conheceste o B Fachada e, posteriormente, como tiveste a ideia para o “Tradição Oral Contemporânea”? E para o “Significado”? Em 2008 conheço o trabalho do Fachada e vou assistir ao concerto no Maxim, mal oiço as suas músicas logo elas me parecem familiares, como se a vida toda eu as tivesse ouvido e enviei-lhe um mail dizendo “eu quero fazer um filme sobre ti, o que tu fazes é tradição oral contemporânea”. E logo ficou decidido que o ia levar a conhecer as velhinhas cantantes e que daí nasceria um filme! O “Significado” é a continuação da tese musical da tradição oral. Como entender a música de cariz tradicional em Portugal, como é que os artistas autores a viram ao longo dos anos. Que influências tiraram das recolhas do Giacometti, do Ernesto Veiga de Oliveira e dos outros? Que fizeram com elas, como aconteceu? Depois de perceber como um artista pop se cruzava enquanto autor com aqueles universos era preciso entender o que é que aqueles universos tinham que tanto desafiavam os artistas. E em que contexto e épocas. Recentemente estiveste no Indie Lisboa e no Panorama. Como é que têm sido estes meses de maior exposição mediática? O Património imaterial e a cultura digital ainda não são exactamente temas muito procurados pela comuniocação social, ainda está quase tudo por dizer e por fazer. O mundo da música de cariz tradicional é muito fechado nele próprio e por isso não atrai outros públicos ou comunicação social, o objectivo é abrir esse mundo a outros universos, a memória não tem que ser fechada em rótulos, o dar nome às coisas é algo que deve ser combatido, o objectivo devia ser cada vez mais aceitar que as coisas não têm nome. A

visibilidade mostra exactamente esse abrir, existem contactos com outros mundos e isso interessa aos festivais, aos jornais e ao público em geral! Já tinha visto vídeos do B Fachada e excertos do “TOC”, mas depois de ver o documentário é por demais evidente: o B Fachada tem uma lata incrível. Vêmo-lo a cantar junto ao rio, na rua, na paragem do autocarro. Para ele parece tão natural como estar em cima de um palco - talvez até mais. Qual é a reacção das pessoas quando o vêem e como é que consegues filmar músicas inteiras com ele sentado junto a um velhinho? Qual é a abordagem que usas para as pessoas se deixarem estar, indiferentes ao B Fachada, mas ao mesmo tempo sendo um elemento importante? Não há abordagem, a naturalidade do Fachada na rua chega, o mais importante é não se dar muita importância ao assunto! Uma coisa que salta à vista no “TOC”, logo nos primeiros minutos, é a simplicidade formal. Não há genéricos, introduções, um ecrã preto - nada. O filme começa, literalmente, aos primeiros segundos. Foi intencional ou aconteceu? No “Significado”, pelo contrário, pareces ter mais preocupações desse tipo. Concordas? Nos meus filmes nunca há genéricos no principio, só em algumas excepções em que, por serem encomendas, não consigo escapar a isso. O “Significado” é uma dessas excepções.


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Os antropólogos e os atistas devem andar sempre lado a lado, para que uns estudem e os outros criem a partir dessas riquezas. Na memória colectiva portuguesa está tudo por fazer e contra o tempo.

Sendo a tradição e o folclore elementos tão eminentemente musicais, quais são as bandas ou músicos que mais aprecias neste género “raízes” (chamemos-lhe assim)? Não gosto desse género por ai além, gosto de projectos que tem uma identidade própria muito forte, como por exemplo Dazkarieh ou Diabo na Cruz, Banda do Casaco que se descolam do tradicional para serem outra coisa. Para gostar dessa música gosto da fonte: Adélia Garcia, Clementina Rosa Afonso, etc. Costuma-se dizer que Portugal é um país sem memória colectiva. Concordas? O património imaterial é, de facto, escasso e as políticas para que não se esgote são poucas ou inexistentes. Não se pode olhar para essas manifestações de uma maneira unicamente cientifica. Os antropólogos e os atistas devem andar sempre lado a lado, para que uns estudem e os outros criem a partir dessas riquezas. Na memória colectiva portuguesa está tudo por fazer e contra o tempo.

Estás a trabalhar ou a pensar já em novos filmes? Pretendes continuar a fazer documentário ou gostavas de experimentar outros géneros? Ainda pretendes insistir na temática da tradição? O meu trabalho insiste na remistura e na ideia de memória. De uma tradição oral que tem uma riqueza sonora e visual rica o suficiente para ser infinitamente remisturada sem se esgotar! Está prevista a edição comercial em DVD do “TOC” e do “Significado”? O “Significado” sai em Setembro, em conjunto com o livro “Contexto”, de António Pires.

Não sei se concordas, mas diria que os teus filmes têm uma certa sofreguidão. São algo esquizofrénicos, as cenas e planos entram por dentro uns dos outros, há uma contaminação saudável, um desdobrar de ideias e pessoas. Diria que traduzem bem a tua maneira de te expressares que é muito viva e entusiasmada. Sou assim, gosto de trabalhar camadas de informação e de sensorialidade, dar a ideia de que os meus trabalhos têm de ser vistos muitas vezes, trabalhar como um compositor de sensações, dar alegria, raiva, tristeza, indignação e trabalhar o ritmo a dinâmica do todo.


M O C

Nuno Monteiro tem 29 anos e vive em Amsterdão, onde estuda belas-artes. Na internet é conhecido por autosam, o utilizador do YouTube com uma videografia imensa de R. Stevie Moore, desconhecido pioneiro do DIY de quem é amigo por e-mail e que só conheceu por acaso. Nuno, entrevistado via e-mail pelo Luís Leal Miranda, constrói uma biblioteca digital para promover um homem que nunca viu e que só conhece de ouvido. 52


NUNO MONTEIRO MOSTRA-NOS O QUE NÃO CONHECEMOS IGUAL - Como conheceste a música do R. Stevie Moore? Nuno Monteiro - Por acaso. Estava a ler um artigo sobre músicos que gravam em casa e o nome dele aparecia em destaque. Fiquei curioso e saquei umas compilações gratuitas na internet. Depois fiquei viciado e comecei a encomendarlhe CDs. Lembras-te da primeira vez que ouviste uma música dele? Qual foi? Não me lembro qual foi exactamente a primeira, mas lembro-me de estar a ouvir uma dessas compilações online e ficar intrigado com uma música chamada “Technical Difficulty”, que parecia oscilar algures entre o new wave, psicadelismo e reggae, com Robert Wyatt e Kevin Ayers à mistura. O que te atraiu na história de Moore?

persistência perante a completa obscuridade. R. Stevie Moore é uma das personagens mais fascinantes e complexas do panorama musical dos últimos 40 anos, contudo o seu trabalho é praticamente desconhecido. Alguma vez o conheceste? Nunca nos conhecemos pessoalmente. Temos sido amigos de e-mail desde 2005. Como surgiu a oportunidade de colaborarem? Em relação a colaborações convém salientar que o Stevie está aberto a quase qualquer proposta que se faça. Tendo em conta o seu estatuto de “homem invisível”, qualquer ajuda externa é bemvinda. A iniciativa partiu de mim enquanto fã, com o intuito de contribuir de alguma maneira para ajudar a expôr a sua música.

Explica-me como surgem os vídeos A variedade, frescura e qualidade que vemos no Youtube colocados da música. O facto de ser ele a pelo autosam? fazer tudo - desde tocar todos os instrumentos a fazer as capas e Por volta de 2006 comecei a vender os CDs directamente. O colocar vídeos do R. Stevie no formato dos álbuns em registo YouTube. A princípio foram só de colagem contínua. O sentido algumas performances televisivas, de humor. A quantidade abismal mais tarde comecei a experimentar de produção artística, sempre em fazer montagens novas a partir dos fluxo constante. A importância seus vídeos caseiros. Ele gostou histórica do seu trabalho. A dos resultados e incentivou-me

a fazer mais. Nunca tinha tido nenhuma experiência prévia em edição de vídeo, mas foi algo que sempre me interessou e com isto surgiu uma oportunidade de desenvolver o gosto. Com milhares de músicas à disposição, mais dezenas de horas de vídeos caseiros do Stevie, mais a internet enquanto arquivo de vídeo, as possibilidades são ilimitadas. O objectivo principal é criar uma plataforma de exposição para o seu trabalho. Estão disponíveis à volta de 162 vídeos, com músicas que vão de 1968 a 2010, sempre com um link para comprar o respectivo CD directamente ao artista. Em relação ao nome, como os primeiros vídeos foram um pouco à experiência autosam foi um nome provisório para a conta, mas mais tarde, quando tentei mudar, percebi que não era possível alterar o nome e ficou. Ele envia-te as imagens e tu editas? Tenho pilhas de DVDs que ele me envia com imagens de diferentes décadas. Alguns dos vídeos que monto são adaptações de vídeoclips já existentes, outros são interpretações livres, outros são feitos com imagens emprestadas de outras fontes. Ocasionalmente ele filma coisas novas para eu usar, geralmente para promover músicas mais recentes.


Chegámos a um ponto em que ambas as ferramentas de produção e transmissão estão disponíveis a um largo número de pessoas. Não vejo qualquer sentido em continuar a haver um comerciante abstracto a mediar a nossa relação com a música.

Em alguns as imagens não têm grande qualidade. É VHS ou Betacam? São de VHS passados para DVD, importados para um programa de edição, exportados e enviados para a internet. Isto poderá explicar a qualidade de alguns deles, mas em geral é variável e ultimamente eles têm saído bastante melhores. À medida que vou trabalhando em vídeo vou-me apercebendo de alguns pormenores técnicos importantes, por isso a qualidade têm vindo a melhorar significativamente em comparação com as primeiras tentativas. Explica-me o que é o “The R. Stevie Moore Show”? Foi o título escolhido para a passagem de uma selecção de vídeoclips na ZDB no verão passado. Antes disso, outros R. Stevie Moore Video Shows passaram por meia dúzia de festivais de vídeo europeus (Kraak na Bélgica, Filmer La Musique em Paris, Handclaps em Berlim, Imago no Fundão, etc). Todas estas oportunidades vieram caídas do céu depois de alguém encontrar os vídeos na internet.

Que tipo de música costumas ouvir/tens agora no teu iPod? O que é que o Stevie acha do culto que se formou à volta dele? Agradece e espera que cresça o suficiente para poder finalmente viver da sua música. Não acho que ele precise necessariamente de uma grande explosão de

sucesso (embora tenha no seu repertório material tão acessível e brilhante quanto os Beatles ou os Beach Boys), mas sim de um reconhecimento mais alargado. Algo sólido, menos flutuante. Se eu quiser arranjar discos do Moore, o que tenho de fazer? É possível comprá-los nalguma loja em Portugal? Duvido que seja fácil encontrar alguma coisa dele numa loja em Portugal - talvez a compilação da Cherry Red Records com alguma sorte. Mas o melhor mesmo é ir ao RSTEVIEMOORE.com, carregar em “buy music” e explorar a lista. Para os iniciados, o melhor é começar com uma compilação como o “Phonography”, “Delicate Tension” ou “Everything” (disponíveis na secção “The Albums”). Os preços são acessíveis e recebem em poucos dias um objecto único directamente do artista.

Não tenho iPod, é um leitor de mp3 pequenito de outra marca qualquer, que de momento está avariado. Os meus gostos musicais são variados, mas com maior inclinação para o passado. O que achas de músicos lo-fi que estão a fazer sucesso hoje como Ariel Pink ou Wavves? Desses dois só conheço o Ariel Pink e espero que lhe corra tudo bem. Há sempre algo que me deixa um pouco reticente com estas explosões súbitas de atenção mediática. De alguma maneira, o facto do R. Stevie Moore nunca ter tido o mesmo tipo de exposição, deu-lhe espaço de manobra para fazer tudo e mais alguma coisa, sem qualquer concessão. O problema com o sucesso no contexto da indústria discográfica é que muitas vezes segue o caminho oposto à criatividade, para se tornar num produto. Em relação ao lo-fi em geral, parece-me que o verdadeiro sucesso seria a desintegração da indústria discográfica tal como a conhecemos. Chegámos a um ponto em que ambas as ferramentas de produção e transmissão estão disponíveis a um largo número de pessoas. Não vejo qualquer sentido em continuar a haver um comerciante abstracto a mediar a nossa relação com a música.


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CULTO


STAR WARS: O EARLY BIRD

OU COMO A KENNER MUDOU A NOSSA VIDA. Quando “Star Wars” estreou, em Maio de 1977, ninguém previa o sucesso desenfreado que o filme ia produzir. A fé que o estúdio tinha no filme de George Lucas era tão grande que, a certa altura, pensou num lançamento directo para a televisão, em formato de mini-série. Não é de admirar que empresa nenhuma se tivesse preocupado em produzir figuras de acção alusivas ao filme que ficaria na história como “Episódio IV”. por Francisco Dias

Com o sucesso, a Kenner chegoutodos eles mais pequenos do se à frente e adquiriu os direitos que o standard da altura para para fabricar brinquedos, mas, figuras de acção (GI Joes, Six vendo que era impossível ter as Million Dollar Man e etc, todos figuras nas prateleiras a tempo em 12 polegadas). Mas com esta do Natal de 1977, a empresa redução perdeu-se algo mais que decidiu avançar com uma ideia o tamanho. O detalhe das figuras, original: vender uma caixa, o com menos de quatro polegadas, “Early Bird Kit”, com meia dúzia ficava bem distante do conseguido de autocolantes e um cupão que, com os bonecos de 12. Se hoje quando enviado pelo correio, reconhecemos facilmente os rostos permitiria receber os primeiros de Harrison Ford e Mark Hamill quatro bonecos assim que estes nos bonecos produzidos pela estivessem disponíveis. E que se Hasbro, à época era necessária engane quem pensou que essas muita imaginação. Apesar de tudo, figuras chegariam a tempo de o novo tamanho teve tal aceitação passar o Dia de Reis com os seus que virou standard para as figuras novos donos: estava bem explicito de acção durante as décadas na embalagem que o envio dos seguintes. bonecos seria efectuado entre Fevereiro e Junho do ano seguinte. Após o conjunto de quatro Apesar do visual baratucho da figuras, veio um de 12, com as embalagem e da ideia inusitada, o personagens principais, mas a maketing provou-se vitorioso e a linha de produção expandiu-se Kenner vendeu milhões de kits no para todos os frames do filme Natal. Meses depois, em Fevereiro e, de repente, aquele alien (com muita sorte) ou Junho (com esquisito que aparece dois muito azar), lá estavam eles: segundos na tela tinha direito Luke Skywalker, a princessa Leia, ao seu espaço na prateleira. No o peludo Chewbacca e R2-D2, meio desta amálgama de figuras,

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a Kenner era dotada de alguma liberdade criativa. Nesta época inicial, o Universo Expandido, proveniente dos livros e comics, era simplesmente inexistente, de modo que era impensável todo o personagem abrangido pelo ecrã (sim, até aquele droid meio desfocado lá atrás) ter um nome e uma storyline tão ou mais profunda que a de Luke Skywalker - ao fim ao cabo ninguém entra numa cantina só para tomar um copo. Por exemplo, Ponda Baba, o alien a quem Obi-Wan corta um braço durante a cena da cantina (e cujo nome não é pronunciado) virou Walrus Man por causa das parecenças com as amigas morsas; Snaggletooth, o alien baixinho vestido de vermelho que vemos a pedir uma bebida na cantina, teve direito a uma encarnação adulterada, passando a vestir azul com o tamanho de um wookie. Depressa a Kenner se apercebeu do erro, tendo lançado uma versão correcta do brinquedo que acompanhou a linha até ao fim.


Hey, Lucas! Sempre vai haver uma terceira trilogia?

Como teaser para a sequela, “Empire Strikes Back”, a Kenner decidiu fazer uma nova promoção via correio, mas desta vez, a troco de alguns códigos de barras ,os fãs recebiam em casa uma personagem do novo filme, um tal de Boba Fett que tinha direito a uma mochila-a-jacto que disparava um míssil. Trivia: graças a um miúdo estúpido que disparou um míssil da linha da Mattel, “Shogun Warriors”, e ficou cego, a Kenner removeu a habilidade de disparar o míssil ao seu Boba Fett, para tristeza de milhões. Com o novo filme, o número de figuras aumentou para 48 e foram também lançados uma série de veículos. É por esta altura que é lançado o AT-AT, o maior brinquedo da linha SW, que possibilitava a recriação da batalha de Hoth em nossa casa. Quem não queria ter um desses carregadinho de stormtroopers pronto a arrasar com o que encontrava à frente? Eu sei que queria.

1983, tempo da conclusão da trilogia original com o filme “Return of the Jedi”, que veio acompanhado de mais uma série de figuras e veículos. Os ewoks, hoje universalmente odiadas (Bruno Akeixo não incluído), eram então adoradas por todos e a Kenner piscava o olho às irmãs dos meninos fãs da saga, lançando oito figuras da espécie além da aldeia das criaturas peludas e até um carro de combate que nunca aparece no filme. Terminados os filmes, e agora que já toda a gente sabia que Luke tinha estado apaixonado pela própria irmã, o interesse em Star Wars começou a decair. A Kenner tentou prolongar a vida da linha de brinquedos e lançou, sem sucesso, uma série derradeira de 17 bonecos, elevando para 115 o número total de figuras. Estamos em 1985 e a Kenner planeia um prolongamento da linha de brinquedos, inventando o seu próprio universo expandido

com o vilão Atha Prime. A ideia não saiu do papel, mas o desenho do rufia do espaço influenciou fortemente os Royal Guards que apareceriam mais tarde. A Kenner fiicou-se apenas pelo lançamento de uma dúzia de figuras coloridas baseadas nos cartoons fracassados dos Droids e Ewoks. Em 1995, já como subsidiária da Hasbro, a Kenner regressa com a produção de novas figuras, agora mais detalhadas, quando o interesse na saga ressurge graças a uma série de livros, comics e vídeojogos que aparecem em força no início da década e que funcionam como rampa de lançamento para que possa ser feita uma trilogia de prequela em que George Lucas finalmente nos contaria como Darth Vader ficou asmático. Os seis filmes são clássicos intemporais (até tu, “Ameaça Fantasma”), mas é importante não esquecer a relevância das linhas de brinquedos na elevação de Star Wars a épico galáctico.


O MOTION CONTROL COMEÇOU NOS ANOS 80

Todos os anos, realiza-se em Los Angeles o maior evento na indústria dos videojogos. Estou a falar, claro está, da Electronic Entertainment Expo ou E3, onde as principais produtoras e editoras apresentam as últimas novidades; jogos novos e, de vez em quando estreias de hardware. Na primeira edição (1995) foram apresentadas a PlayStation original, a SegaSaturn e foi anunciada a Nintendo 64. Passados 15 anos muito mudou no panorama dos videojogos. A Sega, que durante grande parte dos anos 90 competiu cara a cara com a Nintendo, passou para segundo plano como produtora de software/videojogos para os “big dogs” da indústria: Sony, Microsoft e a veterana Nintendo. por David P. Silva Depois da última E3 não restam O motion control veio revolucionar dúvidas: com a apresentação do a indústria dos vídeojogos ao Kinect da Microsoft (até então tornar a experiência de jogo mais conhecido como “Projecto Natal”) intuitiva e porque conseguiu atrair e do Playstation Move da Sony, a novos públicos para esta forma de próxima batalha na indústria dos entretenimento. Mas a verdadeira vídeojogos vai-se travar com o razão para o sucesso desta motion control. A este campo de tecnologia é mais simples: como batalha junta-se, naturalmente, tudo o que é fixe, o motion control a Wii da Nintendo que já por cá nasceu nos 80s. O ano era 1989, anda desde 2006. Por esta altura os Jackson Five tinham acabado, o já todos ouvimos falar da Wi. hard rock preparava-se para perder Aos anúncios publicitários de para o grunge e caiu um muro lançamento seguiram-se notícias algures na Europa - era o fim de de que todos se recordam e que se uma era. Não menos importante resumem aos benefícios que este que estes acontecimentos foi o sistema podia ter para a) miúdos aparecimento da Power Glove e mais gordinhos e b) velhinhos do U-Force, os primeiros sistemas a jogarem ténis virtual em lares de motion control exclusivos de terceira idade. A consola da NES, a primeira consola da provou ser um sucesso de vendas Nintendo, lançada originalmente improvável, deixando para trás em 1983. A Power Glove era uma os principais competidores, Xbox luva equipada com sensores na 360 e Playstation 3, que agora mão e um comando analógico querem uma fatia do bolo com no ante-braço que funcionava a aposta em sistemas de motion com receptores de movimento control: o Kinect para a Xbox 360, colocados nas partes superior e um add-on periférico que permite lateral do televisor. A aparência, ao utilizador interagir com o jogo já para não falar do nome, chega através de gestos e voz, eliminando para perceber que este lixo retro a necessidade de um controlador não podia ter nascido noutra físico, e o Playstation Move para década. De aspecto pesado, com a PS3, um motion controller ligação a fios e muitos botões, indêntico ao Wii Remote. a Power Glove mais parece um

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gadget saído dum filme sci-fi série B, o que não anda muito longe da verdade. Chegou a aparecer no grande ecrã em “The Wizard” (1989) ou, como é mais conhecido, “o filme da Nintendo” por ser basicamente uma longa-metragem publicitária da marca nipónica. Ao olhar de um crítico de cinema, “The Wizard” não é mais do que isso, um infomercial de 100 minutos para jogos da Nintendo, mas, apesar de tudo, o filme tornou-se alvo de culto entre os entusiastas de vídeojogos. A narrativa segue o percurso de Corey, Jimmy e Haley que viajam até à Califórnia para o mais novo dos três, meio autista ou algo do género, ganhar um torneio de vídeojogos. Para a história das citações ficou a frase do antagonista Lucas Barton (interpretado por Jackey Vinson) que, num certo momento, depois de usar a Power Glove com grande mestria diz “I love the Power Glove... It’s so bad”. Em 1991 a luva da Nintendo apareceria no slasher “Freddy’s Dead: The Final Nightmare”, o sexto capítulo, onde Freddy mata uma das vítimas presa num vídeojogo com uma Power Glove (modificada) que


Os meus netos vão rir-se disto, certo? Certo.

assim consolidou o seu estatuto como um objecto da cultura pop. Produzidas pela Mattel e PAX (nos EUA e Japão, respectivamente) , a Power Glove era produtos licenciado pela Nintendo apesar da empresa não se ter envolvido no seu design ou lançamento. A leitura dos movimentos com a luva não era exacta o que dificultava controlar qualquer que fosse o jogo, inclusive os dois jogos lançados exclusivamente com o gadget em mente, Super Glove Ball, semelhante ao Arkanoid num cenário em profundidade, e o beat’em up Bad Street Brawler. No final, o produto foi um falhanço comercial, tanto que no Japão levou a PAX à falência, mas a tecnologia desenvolvida para a Power Glove abriu caminho para o que seria o sucesso da Wii (certo?). Menos conhecido que a luva da Nintendo é o U-Force também de 1989, um controlador produzido pela Brøderbund para a NES, como não podia deixar de ser (na altura,

a rainha inequívoca do universo dos vídeojogos). À primeira vista parece a metade de um jogo de batalha naval futurístico. O dispositivo era composto de um par de sensores de infravermelhos perpendiculares que detectavam os movimentos das mãos do jogador, eliminando a necessidade de segurar um comando analógico, carregar em botões, etc. Um protótipo do Kinect se quiserem. Um artigo na edição de Maio de 1989 da revista americana “Boys’ Life” explica como funcionava o U-Force: “To play Top Gun, for example you wave a hand over the board to start the game. Then you hold your hands as if you were gripping the controls of a jet. To turn right, turn your hands right. To dive, move your hands forward. To shoot shake your hands. The jet on the television screen reacts as it would if you were using the regular controller.” Fixe não? Só que tal como a Power Glove, o U-Force não teve o resultado esperado porque os movimentos

do jogador não eram traduzidos com exactidão, condenando o produto desde cedo. Mas a ideia era boa, tanto que a Microsoft decidiu apostar nela passados 20 anos. Resta saber agora como se vão sair os motion controllers do século XXI. A Wii tem sido um sucesso desde a sua estreia, talvez por isso a Sony tenha ido pelo caminho mais seguro com o Playstation Move, relativamente idêntico ao sistema da Nintendo. Se vai funcionar tão bem ou não é ainda uma incógnita, mas recorde-se que a Wii foi feita de propósito para funcionar com motion control, o que faz parecer a tentativa da Sony como um remendo de hardware. Quanto ao Kinect para a Xbox360 certamente não será um fracasso como o U-Force, mas já apareceram coisas parecidas que não ficaram por muito tempo, o Eye Toy da PS2 por exemplo. Agora é esperar para ver.


ATÉ

À

PRÓXIM


MA


Christian Oldham


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