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Uso de grau brix na produção de cafés especiais
CAFÉ
Shutterstock PONTO DE COLHEITA IDEAL VAI ALÉM DA COR
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Enrique Alves
Doutor em Engenharia Agrícola e pesquisador da Embrapa Rondônia enrique.alves@embrapa.br
Se você é cafeicultor e trabalha com qualidade, possivelmente já se per guntou: será que está na hora de colher? Quanto tempo ainda posso es perar? Tecnicamente, a colheita não deveria ser iniciada antes que os cafeeiros atingissem pelo menos 80% dos frutos maduros. Sabemos que tanto o rendi mento quanto a qualidade do café estão diretamente relacionados ao ponto de colheita e ao índice de maturação dos frutos.
A principal evidência da maturação é a mudança da cor da casca. No café ela transita do verde para vermelho ou ama relo, de acordo com a variedade. Isso é o resultado da intensificação das ativida des respiratórias, produção do etileno e, na sequência, a degradação da clorofila e síntese de pigmentos como carotenoides e antocianinas.
Apesar de a natureza ser extrema mente didática, o cafeicultor já percebeu, na prática, que as aparências enganam. A identificação visual da cor pode não ser um padrão eficiente para determinar sozinha a maturação dos frutos e o mo mento ideal de colheita. E isso parece ser particularmente difícil para algumas variedades amarelas.
Nos grãos originados de frutos ver des, se observa maior concentração de fenóis como taninos, ligninas e ácidos clorogênicos, que são responsáveis pela adstringência dos frutos e, consequen temente, da bebida. Os frutos maduros, por outro lado, além de maior peso dos grãos, também possuem maior teor de acidez titulável total, de açúcares re dutores e não redutores, açúcares totais e sólidos solúveis totais.
Maturação
O processo fisiológico da maturação envolve o metabolismo de diversos cons tituintes dos grãos, e não é um fenômeno simples. Destacam-se os voláteis, fenó licos, ácidos graxos, proteínas e algumas enzimas, que variam em presença e teor e sofrem influência de parâmetros ge néticos, climáticos e culturais. Esta combinação, muitas vezes, cria um cenário de maturação desuniforme na lavoura, o que se torna um grande desafio para o produtor de cafés especiais.
Na ânsia de resolver a questão, al guns cafeicultores apelam para um regulador de crescimento do grupo químico do etileno. Com a aplicação do etileno as lavouras ganham um aspec to de maturação perfeito e extremamente homogêneo.
Mas, de forma geral, o processo de maturação forçada não vai muito além do exocarpo (casca). Isso torna frutos verdes e verdoengos despolpáveis, o que parece vantajoso, por aumentar a quantidade de produção de cereja descascado pelo processamento via úmida.
Na prática, o cafeicultor está apenas contaminando o seu lote perfeito com grãos que darão adstringência à bebi da. Por mais visualmente atrativos que os frutos possam parecer, se trata de uma maturação forçada e com prejuízos à qua lidade. No trabalho de campo e na literatura científica, não se encontra nada que justifique o uso do etileno para pro dução de cafés especiais.
Medição do brix
O brixômetro ou refratômetro é um instrumento ótico que mede o índice de refração da mistura de uma solução. A luz, ao atravessar o líquido, sofre refração (mudança de ângulo), que pode ser me dida pelo aparelho em graus brix, que é uma determinação, de forma indireta, do teor de sólidos solúveis.
Cerca de 85% da constituição dos sólidos solúveis são açúcares. Os brixô metros indicados para o café podem ser analógicos, mais simples e baratos, ou digitais. O custo de aquisição do equi pamento pode ser inferior a R$ 1 mil ou superior a R$ 5 mil, dependendo do ní vel de tecnologia utilizada.
Em busca da doçura natural
O uso do refratrômetro ou brixômetro para estimar o ponto ideal de colheita tem se tornado a cada dia mais popular para a cafeicultura. Isso é feito por meio
da leitura dos valores de sólidos solúveis (brix) do suco obtido pela compressão manual dos frutos em maturação.
O teor de sólidos solúveis represen ta o conteúdo de açúcares, principalmente glicose, frutose e sacarose, ácidos orgânicos e outros constituintes menores. A estimativa desses teores, por meio do brixômetro, pode ser interessante para a predição da qualidade de bebida do café.
Uma vez que os açúcares reagem du rante a torra sendo responsáveis pela cor marrom e características desejáveis de sa bor e aroma.
Ainda que se saiba o efeito dos açú cares sobre a qualidade do café e da possibilidade dos sólidos solúveis da polpa migrarem e influenciarem as caracterís ticas do grão, não se sabe realmente em qual proporção.
Outra hipótese é existir um gatilho comum que influencia, ao mesmo tem po, a constituição da polpa e da semente do café. A leitura do brix seria uma maneira indireta de estimar o que se passa no interior do fruto.
Ajustes
O uso do brix na cafeicultura ainda tem muitas incógnitas e ajustes de pro tocolo. A bebida do café tem origem nos grãos, e isso torna a relação entre a quali dade e os valores de brix restritos, principalmente quando comparado, por exemplo, às culturas agronômicas como a uva, cana-de-açúcar e citros, cujos produtos finais têm origem no suco da polpa ou colmo.
Em um estudo científico realizado na região das Matas de Minas Gerais, foi possível observar que os valores médios de brix durante uma colheita são cres centes ao longo de todo período.
O gráfico mostra que os frutos ce reja coletados no início da safra obtiveram valores médios de brix de 20,7, enquanto os frutos do final foram de 22,8. Nesses dois pontos foram ainda anali sadas a qualidade sensorial da bebida e, respectivamente, as notas foram 78,8 e 84,3 pela Metodologia de Avaliação Sensorial da Specialty Coffee Associa tion - SCA.
Acompanhe de perto
Emanuelle Araujo
Brixômetro, equipamento que avalia o grau brix
os frutos cereja demonstraram apresen tar um ciclo de maturação (amadurecimento, pico e senescência) de aproximadamente cinco dias. Isto quer dizer que, se o cafeicultor quer realmente uti lizar o refratrômetro de forma eficaz, deve realizar um acompanhamento diário para saber o momento ideal de colheita.
De forma geral, os valores de brix para o café variam de 15 a 30 graus. En tretanto, os valores de referência para a qualidade ainda não estão devidamente definidos - são inúmeros os fatores de influência nas características químicas, físicas e sensoriais do café. Mas, tem - -se observado para cafés especiais valores acima de 22ºbrix.
Grau brix
O grau brix tem sido continuamente utilizado para determinar a maturação e a palatabilidade de di versos produtos agrícolas. Esta pode ser uma ótima ferramenta de gestão de colheita e pós-colheita.
Mas, nunca é demais mencionar: o grau brix trata de uma estimativa dos sólidos solúveis na polpa do fruto. E estudos levam a concluir que valo res altos de sólidos solúveis são uma das condições para cafés especiais, nunca uma garantia.
QUALIDADE DO CAFÉ
Rafael Rocha
IMPACTOS DO PROCESSAMENTO PÓS-COLHEITA
Giovani Belutti Voltolini
Doutorando em Agronomia/Fitotecnia - Universidade Federal de Lavras (UFLA) giovanibelutti77@hotmail.com
Isaias dos Santos Silva
Mestrando em Agronomia/Fitotecnia - UFLA
Joana Caroline D’arc de Oliveira
Graduanda em Agronomia - UFLA
Além de fatores genéticos, ambientais e de outros relacionados ao manejo da lavoura cafeeira, as diferenças encontradas no sabor e aroma da bebida do café estão direta mente associadas com as etapas de processamento dos frutos colhidos.
O lote de café recém-colhido pode constituir-se de frutos em diferentes es tádios de maturação, além de impurezas e materiais estranhos, fatores que difi cultam as operações posteriores e comprometem a qualidade final do produto. Sendo assim, o nível de desuniformida de do lote dependerá inicialmente do tipo de colheita.
A colheita seletiva é a primeira ope ração realizada para conferir uniformidade ao lote, pois são colhidos somente frutos maduros.
Além disso, com esse tipo de colhei ta é possível explorar o máximo potencial de expressão de qualidade da bebida que o café pode apresentar.
Pós-colheita
Os processos pós-colheita represen tam as demais operações, cuja finalidade é eliminar impurezas e materiais estranhos do café colhido, e separá-lo em lotes com características semelhantes basea dos no teor de água, tamanho e maturação dos frutos.
As operações de processamento do café iniciam-se na recepção. O café re cém-colhido é recepcionado em moegas e direcionado para a retirada de folhas e gravetos por meio da abanação. Poste riormente, com base na diferença de tamanho, os frutos de café podem ser separados de pedras e torrões por meio de peneiras vibratórias, podendo, em segui da, ser formados lotes em função da densidade e tamanho dos frutos.
A separação hidráulica dos frutos é uma operação essencial para o produtor que busca produzir cafés com qualidade superior. Nessa operação, um dos lotes gerados é formado por frutos maduros (cerejas) e imaturos (verdes) e, portanto, com maior densidade quando compara da com a densidade da água.
Já o outro lote é composto por fru tos secos, mal granados, chochos ou danificados por insetos, e assim apresentando menor densidade.
Defeitos
Por vezes, frutos que secam na planta podem apresentar na bebida o defeito denominado de “riado”. Esse tipo de de preciação na qualidade ocorre com maior frequência em regiões em que durante a colheita a umidade relativa do ar é alta.
Essas condições favorecem o desen volvimento de microrganismos que intensificam os processos deteriorativos do café. Contudo, a separação hidráuli ca garante a ausência desse e de outros defeitos relacionados à deterioração do grão, no lote composto por frutos com maior potencial para a qualidade de be bida.
Além da separação hidráulica, exis te a separação por tamanho, que é feita por peneiras cilíndricas (peneirão) loca lizadas após as saídas do lavador. Essas peneiras realizam a separação do café de menor densidade em dois lotes: café passa e café seco.
A separação é realizada com base nas diferenças de tamanho que os fru tos apresentam em função do teor de água.
Já a separação por tamanho que ocor re no lote de café composto por frutos
de maior densidade (cerejas e verdes) é realizada com a finalidade de elimi nar a presença de frutos que se encontram nos estádios iniciais de maturação (chumbinho).
De modo geral, a limpeza e as se parações do café colhido, principalmente de forma não seletiva, aumentam a efici ência das demais operações ao longo do processamento, favorecendo a qualidade do produto, a exemplo da secagem, que será mais eficiente e oferecerá menores riscos à qualidade final da bebida quanto mais uniforme for o tamanho dos frutos e o teor de água dos grãos.
Métodos
Os principais métodos utilizados para o processamento do café são via seca e úmida.
Oprocessamento por via seca é o mé todo em que os frutos são secos na sua forma integral, ou seja, com a presença do exocarpo (casca), mesocarpo (mucilagem) e endocarpo (pergaminho), originando o café natural.
Já o processamento via úmida pode ser realizado de diferentes formas: remo vendo-se a casca e parte da mucilagem mecanicamente (descascador), dando ori gem ao café descascado; removendo-se a casca mecanicamente e a mucilagem por fermentação biológica (descascador e tanques de despolpamento), originando o café despolpado; ou removendo a casca e a mucilagem mecanicamente (descas cador e desmucilador), dando origem ao café desmucilado.
O processamento via seca é conside rado o método mais simples e o de menor impacto ao ambiente, pois se consome menos água e energia, além de gerar menos resíduos sólidos e líquidos.
A qualidade do café natural depen derá de diversos fatores, especialmente do clima e dos cuidados durante a se cagem. Isso porque a presença da casca e da mucilagem com elevados teores de água e de açúcares aumenta os riscos da ocorrência de fermentações indesejáveis durante a secagem dos frutos e grãos.
O processamento por via úmida apre senta como vantagem a redução do tempo de secagem devido à remoção da casca e da mucilagem. Com isso, a secagem do café torna-se um processo mais ba rato em função do menor consumo de energia elétrica e combustível.
Além disso, a redução do tempo de secagem aliada à remoção da mucila gem rica em açúcar reduz significativamente os riscos relacionados à ocorrência de fermentações indesejáveis e a consequente perda de qualidade da be bida.
Por outro lado, o processamento por via úmida apresenta como desvantagem a grande quantidade de água consumida para o funcionamento ideal dos equipa mentos envolvidos nessa operação, bem como a produção de um grande volume de efluente com elevado potencial po luidor.
Qualidade final
Os cafés processados pela via seca apresentam mais corpo e doçura, en quanto que os cafés processados pela via úmida são considerados mais suaves e de acidez mais desejável.
Ainda assim, são encontrados rela tos que descrevem os cafés produzidos pela via seca com qualidade comparati vamente inferior aos cafés produzidos por via úmida.
No entanto, essa diferença não deve ser atribuída somente à forma de proces samento, mas também à ocorrência de fermentações indesejáveis, que frequen temente estão associadas ao processamento via seca, bem como à ausência de cuidados no momento da colheita e secagem do café natural, que levam à deterioração dos grãos.
Portanto, a escolha da via de processa mento do café dependerá de muitos fatores, sendo os principais: as condições cli
Cafés naturais selecionados
Diego Egídio Ribeiro máticas da região, a disponibilidade de capital para investimento em estruturas pós-colheita, da outorga para o uso de água e de tecnologias para o tratamen to de resíduos gerados no processamento, assim como o padrão de qualidade de bebida que o produtor busca alcançar em sua produção.
Pesquisas
Diversos trabalhos vêm sendo realizados buscando a otimização dos processos pós-colheita com o obje tivo de acentuar nuances diferenciadas no café, assim como elevar sua pontuação. Neste sentido, as técni cas de fermentação induzida estão amplamente difundidas, originan do diferentes cafés nas variadas regiões do País.
No início da secagem é ideal que se retire a umidade em excesso presen te nos frutos, de preferência sem revolvimentos, com a secagem grão-a-grão, e posteriormente, fazer o engrossa mento das camadas de secagem, para que a mesma ocorra mais lentamente, e com maior quantidade de revolvi mentos diários.
Ao final da secagem, recomenda - -se que estes lotes sejam armazenados por cerca de 30 dias, para maior uniformização, para posteriormen te serem beneficiados e comercializados.
MAGNÉSIO
ALGUMAS CULTIVARES DE CAFÉ SÃO MAIS EXIGENTES
Jean dos Santos Silva
Engenheiro agrônomo, mestrando em Fitotecnia - Universidade Federal de Lavras (UFLA) santos.jean96@yahoo.com.br
Omagnésio (Mg) é um macronutriente, e dentre suas funções é constituinte central da molécu la de clorofila, sendo de suma importância para a fotossíntese. Além disso, tem papel importante na absorção de fósforo (P) pela planta.
Ele é absorvido na forma Mg 2+ pelas raízes, principalmente por interceptação radicular e fluxo de massa. O sintoma de sua deficiência se apresenta na forma de clorose internerval em folhas mais velhas, sendo mais comum na épo ca de granação dos frutos.
A faixa crítica do teor foliar de Mg está entre 3,5 a 5,0 g/kg. Já em uma aná lise de solo é de 0,9 a 1,1 cmolc/dm 3 . Todavia, deve-se atentar aos níveis de cálcio (Ca) e potássio (K), que podem inibir a absorção de Mg pelas raízes do cafeeiro por competição.
No caso, a proporção de Ca:Mg:K no solo deve seguir 9:3:1. O desequilíbrio dessa proporção por parte de excessos na adubação com potássio é um dos prin cipais problemas que causam deficiência de magnésio nos cafeeiros, devido ao uso desmedido dos formulados NPK 20-00- 20 ou 20-05-20 por parte dos produtores, o que eleva o nível de potássio no solo ao longo dos anos, causando deficiência de magnésio por inibição competitiva.
Cultivares x magnésio
A eficiência de absorção e uso de magnésio por cultivares de cafeeiro irá depender do metabolismo específico de cada uma. Um exemplo são cultivares que apresentam maior potencial produtivo - estas são mais exigentes não somente em magnésio, mas também nos demais nu trientes.
Na literatura, é possível encontrar estudos relacionados à produção de mu das de cafeeiro, e algumas relações sobre a diferença por exigência em magnésio de cultivares em produção. Silva, D. M. et al. (2014), em estudos sobre a defici ência de magnésio em mudas de Coffea arabica L. demonstraram que a cultivar Catuaí foi mais sensível à falta do nu triente em relação à cultivar Acaiá.
No entanto, para cafeeiros em pro dução, essa tendência se inverte, sendo cultivares mais precoces e de porte alto como Acaiá e Mundo Novo mais sensí veis à deficiência de magnésio em relação a cultivares mais tardias e de porte baixo, como Catuaí.
Manzatto, H. R. H et al. (2003) ex plica que esse comportamento se deve ao fato de cultivares mais tardias terem sua concentração do nutriente no fruto aumentada gradativamente, permitin do que a planta não necessite de maior quantidade de magnésio em um cur to espaço de tempo, como acontece nas cultivares precoces.
Neto, J.D. et al. (2014) evidenciou,
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em estudo, que mudas de Coffea canepho ra das variedades Emcapa 8141 e Conillon M.1. são menos eficientes em absorção de Mg em relação à varieda de Apoatã e às cultivares de C. arabica: Oeiras, Mundo Novo e Catuaí.
Matiello, J. B. (2020) cita que cul tivares de C. arabica que são originadas de cruzamentos com híbridos de C. canepho ra, que é o caso da cultivar Icatu, são mais exigentes em magnésio, por exemplo cul tivares do grupo Catucaí (Icatu x Catuaí).
Como corrigir o magnésio no solo
A necessidade de magnésio no cafeeiro pode ser suprida pela calagem, no entanto, o tipo de calcário deve ser ade quado à análise de solo. Quando a correção por meio da calagem não é suficiente, outras fontes sugeridas são o sulfato de magnésio (9% de Mg) e o óxido de magnésio (45 a 54% de Mg), sendo esse último de baixa solubilidade.
Apesar desses detalhes em relação a diferentes cultivares e esse nutriente, a sensibilidade à falta de magnésio não irá causar problemas se o solo do cafe eiro estiver com a fertilidade bem construída.
Por isso, é indispensável a orienta ção de um engenheiro agrônomo, que com o uso de ferramentas como análi ses de solo e foliar irá orientar no fornecimento adequado do nutriente ao solo.