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Multiplicação de bactérias on farm
Fotos Rafael Netto
COMO FUNCIONA?
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Pablo Hardoim
Pesquisador e consultor na área de Microbiologia orientada para Agricultura Sustentável phardoim@gmail.com
Eduardo Martins
Produtor rural e diretor do Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS) martins.eduardo1956@gmail.com
Claudia Görgen
Pesquisadora e consultora na área de Remineralizadores orientada para Agricultura Sustentável gorgenclaudia@gmail.com
Rafael Garcia
Sócio da Agrobiológica rafael@agrobiologica.com.br O Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS) entende que a produção de alimentos é um conjunto de processos em que a dimensão biológica é determinan te para a sanidade das plantas e o solo é a base das interações desses processos. Nessa perspectiva de sistema produtivo, os microrganismos têm tanta importân cia quanto outros atores biológicos envolvidos.
Assim, a multiplicação de microrga nismos específicos é uma ferramenta importante, mas desejamos que temporária, ou pelo menos não dominante. Nosso desafio é obter as funcionalidades bioló gicas que nosso sistema agrícola requer do próprio contexto de produção, seja local ou regional.
Os resultados de mais de cinco anos de implantação da técnica de multiplica ção de microrganismos “on farm” confirmam a viabilidade do sistema.
O governo, por meio do Ministé rio da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), incentiva o preparo de microrganismos por produtores de ali mentos.
Recentemente, o MAPA também lançou o programa Bioinsumos, um de creto de lei que tem como objetivo estimular o uso de bioinsumos na agropecuária e aquicultura brasileira.
A técnica funciona porque o produ tor de alimentos está reproduzindo o que encontra na natureza. Nela não há uma espécie pura, como é buscado em estu dos de laboratório - a base é a multifuncionalidade da comunidade biológica autóctone.
Os microrganismos produzidos “on farm” estão metabolicamente ativos, ou seja, prontos para atuar no campo. Este fato é muito importante para obter o melhor potencial dos inóculos multi plicados.
Observa-se, também, uma gran de redução de custos, principalmente na multiplicação de agentes de biocontrole. O setor produtivo desta cadeia incorporou na unidade produzida valo -
res equivalentes aos utilizados pelas empresas de moléculas químicas, sendo estes muito superiores aos custos reais de produção.
A legislação
Não existem restrições normativas para que os agricultores realizem mul tiplicação de comunidades de microrganismos baseada em inóculos do seu contexto. Aqui é relevante a adoção das boas práticas das técnicas adotadas, se jam compostagem, multiplicações abertas, bokashi, multiplicação de micorrizas, dentre muitas outras.
No caso na multiplicação de micror ganismos específicos para consumo próprio, as multiplicações na fazenda seguem as previsões normativas que se referem aos microrganismos referencia dos pelo MAPA.
Os produtores realizam os processos em sistemas que devem cumprir as boas práticas de higiene e de controle de qua lidade para evitar os riscos de contaminações.
Como implantar
As multiplicações de comunidades requerem condições distintas, depen dendo da técnica utilizada e dimensões da área a ser manejada. O conhecimen to das técnicas vem sendo multiplicado em cursos e a adoção vem crescendo de forma significativa, como exemplifica o curso da Soil Food Web School, em con junto com o GAAS, na sua segunda edição.
As multiplicações de microrganis mos específicos dependem de infraestrutura apropriada, tais como água adequada, ambientes preparados para higienização, meios para esterilização, dentre outros.
A capacitação das boas práticas para as multiplicações específicas vem sen do realizada pela Embrapa/Cernargen, e conta sempre com grande adesão dos agricultores.
Culturas mais beneficiadas
Todas as culturas estão sendo beneficiadas com a tecnologia de multiplicação de microrganismos “on farm”, seja em pequena ou larga escala. Ao contrá rio da recomendação do uso de defensivos químicos, o uso de microrganismos com características de controle biológi co não é limitado para a cultura em si, e sim para o controle do agente promotor de desequilíbrio na cultura.
A multiplicação de microrganismos com funcionalidades de biofertilizantes e bioestimulantes também pode ser reco mendada para mais de uma cultura. Isto se deve ao fato de que um microrga nismo apresenta múltiplas características benéficas, as quais interagem de forma sinérgica para o aumento do vigor vegetativo.
Como implantar a técnica
A adoção de microrganismos no manejo, que aqui tratamos como agricultura sustentável, não deve ser abordada de forma isolada, mas como parte de um sistema de produção.
Entendemos que este sistema de pro dução é dinâmico e regenerativo. Desta forma, nosso foco inicial é o manejo da qualidade do solo. A qualidade aqui é en tendida como o fornecimento de todos os elementos químicos necessários (quanti dades suficientes, equilibradas e prontamente disponíveis) para a expressão do máximo potencial produtivo das plantas cultivadas.
No desenvolvimento destas plantas, o sistema radicular ativa a microbiota natu ralmente presente, que por sua vez age diretamente sobre os minerais dos re mineralizadores (pó de rocha), em processo chamado de biointemperismo. Este processo é eficiente, inclusive no intemperismo de minerais “considera dos insolúveis”.
Adicionalmente aos remineralizado res, utilizamos culturas de cobertura visando a diversificação biológica e preparando boas condições de rendimento para a cultura. Não tratamos as sementes com químicos, mas com biológicos. Assim, a cultura tem capacidade de vir com uma condição biológica mais harmônica e será capaz de lidar bem com as pressões de pragas e doenças.
Em geral, nos diferentes estágios da cultura a área foliar recebe pulverizações de biológicos (comunidades ou específi cos), com base na técnica da inundação, que em geral varia de uma a duas vezes a cada 15 dias.
Acreditamos que o sucesso desse ma nejo não se deve aos biológicos e outros insumos regionais que adotamos, mas aos
Análise microscópica de composto
Fabricação de chá, no sistema SFW
Fabricação de chá, no sistema SFW-2
Fabricação de chá, no sistema SFW-3
insumos convencionais que reduzimos ou deixamos de utilizar, permitindo que o sistema natural atue.
Os resultados relatados pelos agri cultores são surpreendentes, mas dependem do ano e do domínio das técnicas pelos agricultores. Na safra de soja 2019/20, a maioria relatou que conse guiu concluir o ciclo com apenas uma ou duas aplicações de fungicidas ou in seticidas. Isso significa redução de custos e menor estresse na cultura.
Erros mais frequentes
A primeira superação que temos que enfrentar é acreditar que a natureza pode ser nossa aliada na produção agrícola - entender que podemos contar com os re cursos locais e regionais para um manejo acessível e sustentável.
Quanto aos erros na produção “on farm”, podemos destacar, nas técnicas de multiplicação: não dominar os pro cedimentos de multiplicação, não utilizar meio de cultura adequado, não dispor de inóculo adequado. Já os erros mais co muns na aplicação são: utilizar excesso de pressão nos pulverizadores, errar no cro nograma e manejo de aplicação, não cuidando da integridade dos microrganismos entre a finalização da multiplicação e a aplicação.
Tais erros podem ser evitados com a capacitação e controle de qualidade do sistema de produção de biológicos.
Evolução
A técnica de multiplicação de microrganismos específicos está evoluindo para o uso de comunidades eficientes, as quais mimetizam ecossistemas funcionais pro dutivos. As comunidades em ecossistemas são mais eficientes, pois estas evoluíram por milhões de anos.
É notório que o uso de um único mi crorganismo não é tão eficiente quanto o uso de comunidades, as quais são capazes de manter uma harmonia das interações ecológicas necessárias para o pleno fun cionamento do sistema produtivo vegetal.
Estamos realizando um levantamen to dos custos com ferramentas adequadas. Os resultados deverão ser anunciados no próximo Fórum Brasileiro de Agricultu ra Sustentável, promovido pelo GAAS, ainda sem data definida devido à pan demia de Covid-19.
O PAPEL DA MULTIPLICAÇÃO DE BACTÉRIAS NA AGRICULTURA SUSTENTÁVEL
Hélvio G. M. Ferraz
Doutor em Fitopatologia e gerente de Pesquisa - Agrobiológica Soluções Naturais
Rafael Garcia Netto
Engenheiro agrônomo e diretor executivo - Agrobiológica Soluções Naturais pesquisa@agrobiologica.com.br
Otermo on farm tem se tornado famoso em terras tupiniquins, principalmente devido à multi plicação de bactérias de interesse agrícola pelos produtores rurais. Mas, os nacio nalistas podem utilizar o termo “na fazenda” sem prejuízo no entendimento.
A multiplicação de bactérias na pro priedade rural ganhou força entre os produtores rurais no Brasil a partir do ano de 2012/13. Nessa época surgiu um surto de Helicoverpa spp. em lavouras de soja, milho e algodão e os produtos químicos não estavam sendo eficientes no controle da praga. Entretanto, havia produtos biológicos comerciais à base de Bacillus thuringiensis altamente efi cazes para o controle dela.
Os produtores se viram em um dile ma: queriam utilizar o controle biológico, mas não podiam, devido ao alto custo dos produtos comerciais.
Foi neste contexto que a multipli cação on farm de bactérias começou a crescer e se desenvolver entre os produ tores brasileiros.
Por aqui
No Brasil, seguramente mais de 10% da área de soja utiliza bactérias benéfi cas a plantas multiplicadas on farm. Ou seja, só na cultura da soja mais de 3,64 milhões de hectares utilizam bactérias para os mais diversos fins, como o Bra
dyrhizobium para fixação de nitrogênio, o Bacillus thuringiensis para o controle de lepidópteros e o B. subtilis para o contro le de doenças.
Ano após ano, a multiplicação on farm tem conquistado mais adeptos, de vido à alta eficiência no campo, redução dos custos de produção e pelo menor impacto ambiental.
Em alguns casos a redução de custos pode chegar a 90%. Por exemplo, o con trole de nematoides no cafeeiro feito com produtos biológicos comerciais à base de uma cepa de Bacillus subtilis custa R$ 250,00 por hectare.
Esse mesmo controle, feito com a multiplicação on farm da mesma cepa de B. subtilis, custa R$ 37,50. Neste caso, a multiplicação on farm proporcionou uma redução de 85% dos custos de controle, além de ter a mesma eficiência em redu zir a população de nematoides e produtividade superior ao controle biológico comercial (resultados de experimentos em propriedades no Triângulo Minei ro).
Mais benefícios
Produtores rurais também perceberam outros benefícios da aplicação de bactérias multiplicadas on farm, como uma maior eficiência do controle quí mico.
Após a implementação da multipli cação on farm de bactérias, alguns pesticidas químicos que não eram mais eficientes para o controle de pragas voltaram a controlar as pragas depois da adoção do manejo biológico.
Tal fato pode ser explicado porque os agentes de controle biológico são pa tógenos de determinada praga, causando um depauperamento de sua saúde e, portanto, facilitando o controle exercido pelo pesticida. Entendemos que o contro le biológico deve ser a base do manejo integrado de pragas, e a utilização do controle químico deve ser aplicada quando necessária, de forma racional e utilizan do moléculas menos inócuas aos inimigos naturais e ao ambiente.
Desafios e soluções
A tarefa de multiplicação de bactérias na propriedade rural não é nada fácil, principalmente devido aos altos investi mentos e qualificação técnica.
Pilhas de compostagem aeróbica
A multiplicação de bactérias de for ma totalmente asséptica é muito onerosa, levando os produtores a buscarem formas mais simples, econômicas e que sejam efi cientes para a multiplicação de bactérias.
Com esse intuito, a Agrobiológica Soluções Naturais desenvolveu um sis tema simples, econômico, eficiente e seguro de multiplicar bactérias na propriedade rural.
Tal sistema é denominado Tecnolo gia Multibacter®, que permite ao produtor rural multiplicar a bactéria de interesse diretamente na sua propriedade novamente, de forma rápida, segura e eficiente.
A tecnologia conta com biorreatores, cedidos na forma de comodato, que são as máquinas responsáveis pela multipli cação, produtos sanitizantes responsáveis pela limpeza dos biorreatores, antiespu mante responsável pela degradação da espuma formada no processo de multi plicação bacteriana e o meio de cultura Multibacter®, que é o substrato utiliza do pelas bactérias para se multiplicarem.
Local apropriado para as multiplica ções, água em quantidade necessária e de qualidade, inóculo de qualidade e armaze namento adequado das multiplicações fazem parte das boas práticas de multiplicação on farm e aumentam a eficiência das bactérias quando aplicadas nas cultu ras de interesse agronômico.
Legislação
Pelo desconhecimento da legislação brasileira sobre a multiplicação de bac térias na propriedade rural, muitos ainda questionam a legitimidade de multiplicar bactérias na propriedade rural.
A multiplicação on farm é legitima da pelo Decreto 6.913, de 23 de julho de 2.009. Segundo o “§ 8º, ficam isen tos de registro os produtos fitossanitários com uso aprovado para a agricultura orgânica produzidos exclusivamente para uso próprio”. Em suma, o produtor rural pode multiplicar a bactéria de in teresse em sua propriedade e utilizá-la, o que não pode ser feito é qualquer mo dalidade de comércio, como venda, cessão e permuta.
O Ministério da Agricultura lan çou no dia 27/05/2020 o Programa Nacional de Bioinsumos, que tem por objetivo ampliar e fortalecer a utiliza ção de bioinsumos para a promoção do desenvolvimento sustentável da agrope cuária brasileira.
Uma das diretrizes do Programa Na cional de Bioinsumos é criar uma maneira de regulamentar a multiplicação on farm, e acreditamos que tais iniciativas gover namentais irão impulsionar ainda mais o controle biológico on farm, gerando menos impactos ambientais, alimentos mais saudáveis e reduzindo os custos de produção.