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O protagonismo de professores na pandemia da covid-19

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O que é ciência?

O que é ciência?

Edvaldo Souza Couto Professor titular na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Faced/UFBA). Líder do Grupo de Pesquisa em Educação, Redes Sociotécnicas e Culturas Digitais (Edutec). Bolsista de Produtividade 2 do CNPq

Desde que a Organização Mundial da Saúde declarou, em março de 2020, que uma grave doença respiratória, que rapidamente se espalhou por todos os continentes e países, causada pelo coronavírus, era uma pandemia, as nossas vidas mudaram radicalmente. Naquele momento, sem remédios e vacinas contra o vírus, estratégias para enfrentar a doença e salvar vidas foram rapidamente adotadas: o isolamento físico, lavar frequentemente as mãos, usar álcool em gel e máscaras.

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Num mundo globalizado, o fluxo de pessoas e mercadorias foi drasticamente interrompido. As fronteiras foram fechadas, as atividades comerciais, de entretenimento e nas escolas e universidades foram suspensas. As orientações de políticos e agentes de saúde foram para que as pessoas permanecessem em suas casas, evitando encontros sociais. Palavras como “quarentena” e “trabalho remoto” passaram a dominar os debates e a organizar o nosso cotidiano.

Quase todos nós nos trancamos em casa. Pessoas amparadas financeiramente e com amplo acesso à internet passaram a viver um isolamento social criativo, com trabalho, consumo, divertimento, atividades físicas e escolares remotas. Já as pessoas que sobrevivem em situação de vulnerabilidade social e exclusão digital enfrentaram muito mais dificuldades para viver o recolhimento e se proteger do contágio de um vírus, em muitos casos, mortal. Muitas dessas pessoas não puderam ficar em casa, arriscaram suas vidas em transportes públicos e ruas lotadas, ficaram mais expostas ao vírus, adoeceram, enfrentaram hospitais lotados e morreram.

Apesar dessas tragédias pessoais, familiares e sociais, todos tivemos que nos adaptar às novas condições de vida. A luta pela sobrevivência foi marcada por muitos desafios e sofrimentos, com a doença e a perda de parentes, companheiros, amigos, colegas de trabalho e alunos. Mas o mundo não parou com as restrições de circulação das pessoas, a nossa vida também não. A cultura digital, mesmo precária e excludente para cerca de metade da população, permitiu que seguíssemos em frente. A internet nos mostrou que o mundo, o comércio, as instituições políticas e educacionais e as nossas vidas em isolamento físico funcionavam, em muitos casos até de modo mais intenso e frenético.

Conectadas, nossas casas se tornaram uma encruzilhada eletrônica e digital, um espaço infocomunicacional de onde mantemos contato afetivo, comercial e educacional. Aprendemos e aperfeiçoamos novas maneiras de encontrar, nas telas, as pessoas queridas, organizar e participar de festas remotas, paquerar e manter relacionamentos afetivos e amorosos, criar e desenvolver produtos, comprar e vender desejos e mercadorias. E, o mais importante, no nosso caso como professores, pesquisar, escrever, publicar, ensinar e aprender.

Com o começo da pandemia, as instituições escolares, em todos os níveis de ensino, suspenderam suas atividades presenciais. Mas nunca foram fechadas ou deixaram de funcionar. Todos - gestores, professores, pais e alunos - encontramos e desenvolvemos, no ensino remoto, estratégias e metodologias para realizar, por meio de conexões e telas, renovadas práticas de ensino e aprendizagem. Rapidamente as instituições escolares e seus profissionais encontraram nas redes sociais digitais, plataformas de streaming, jogos online e videoconferências, ambiências interativas para os agenciamentos educacionais. Chamamos de ensino remoto os arranjos pedagógicos mediados pelos computadores. O ensino remoto preconiza a vivência em tempo real das aulas. Grosso modo, isso significa recriar a rotina de sala de aula em um ambiente virtual acessado por cada um, de diferentes localidades. Usamos cada vez mais tecnologias móveis, que nos permitem conexões em qualquer tempo e lugar. Assim, a materialidade do digital - computadores, leitores digitais, telas diversas, cabos, roteadores, satélites, servidores, data centers, linhas de códigos gerando programas, processadores, etc. - não é apartada do sujeito. Por isso, humanos e não humanos formam a sociomaterialidade das nossas redes e modos de existência.

Rapidamente aprendemos que não pode mais existir trabalho docente que não passe pelo uso das plataformas digitais. Nesse sentido, vários arranjos sociotécnicos foram colocados em cena e as diversificadas associações entre humanos e não humanos organizaram, ainda mais, nossos modos de existir, agir, ensinar e aprender. Nossos vínculos com os objetos mostram que as tecnologias e seus objetos técnicos são sociais, constituem os próprios modos de existir e atuar no mundo. Nossas associações com as plataformas digitais agregam experiências humanas e não humanas nas inevitáveis redes que somos.

A cultura digital é um amplo sistema de governança. Cada plataforma é, ao mesmo tempo, uma infraestrutura técnica e uma solução inovadora para muitos problemas cotidianos. Tais agenciamentos, nossas interações nas plataformas,

Foto: Unsplash

Foto: Unsplash foram e são fundamentais para a educação nestes tempos ciberculturais, marcados pela pandemia e pelo ensino remoto.

Frente à necessidade do isolamento físico imposto pela covid-19, passamos a nos dedicar integralmente ao ensino remoto, ampliando nossas redes sociotécnicas e promovendo novos arranjos sociomateriais para ensinar e aprender. O que vimos, vivemos e observamos em toda parte foi que muitos professores assumiram o protagonismo em todos os níveis de ensino em plataformas digitais.

Uma palavra de ordem rapidamente se popularizou: home office. Redesenhamos os locais de trabalho e, também, aqueles de estudo. Os professores converteram suas casas, ou um ambiente dela, em “sala de aula”. Muitos passaram a produzir e distribuir conteúdo para seus alunos. Processos interativos foram remixados para garantir o contínuo diálogo nas aulas remotas. As lives se popularizaram e os debates de toda ordem, com diversidade de temas, agregaram novas atuações educacionais. Os congressos científicos se multiplicaram, agregando comunidades escolares e público em geral.

Centenas de artigos científicos, livros, capítulos de livros, dossiês em revistas especializadas, entrevistas em diversas mídias, podcasts, foram produzidos e publicados por professores que estudaram o contexto da educação na pandemia. As reuniões administrativas escolares ganharam novos formatos nas plataformas comunicacionais. Enfim, as atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão foram intensificadas. Nenhuma atividade foi paralisada. E os professores ainda assumiram a função de orientar parentes e alunos no combate às fake news e nos cuidados com a saúde física e mental.

Este protagonismo dos professores teve um imenso custo financeiro. Salvo uma ou outra iniciativa tímida de governos ou das instituições educacionais, os professores tiveram que arcar com os custos do ensino remoto: adaptar o espaço de trabalho em casa, adquirir e manter os

equipamentos: computadores, smartphones, câmeras, microfones, fones de ouvido, leitores digitais, etc. E, para que tudo funcione bem, modernos e caros planos de conexão à internet.

Os professores que tiveram formação especializada para o ensino remoto e os que se sentiam despreparados se dedicaram a aprender e a se familiarizar com plataformas digitais, a preparar conteúdo neste formato, a interagir, tirar dúvidas e acompanhar remotamente os discentes. O tempo de trabalho foi estendido, engoliu horas de lazer e as que seriam dedicadas à família e aos amigos, varou madrugadas, ocupou fins de semana e feriados. Muitos docentes ficaram exaustos, adoeceram e não tiveram suporte ou apoio institucional.

Outro problema que merece amplo debate diz respeito à proteção de dados de professores, alunos e familiares nas plataformas usadas para o ensino remoto. O alerta reside no fato de que é preciso ter cuidados com a proteção de dados sensíveis, principalmente de crianças e adolescentes, que passaram a trafegar nas redes. Salas de aulas digitais foram invadidas, docentes e alunos foram agredidos e ameaçados em função dos conteúdos trabalhados, do debate democrático de ideias ou de posicionamentos políticos.

Muitos professores, com esforço imenso, assumiram o protagonismo da educação remota, garantiram o funcionamento das instituições escolares, mesmo enfrentando as imensas desigualdades sociais dos alunos, exerceram a generosidade de entender as limitações de muitos discentes com equipamentos e acesso à internet, as dificuldades financeiras, o desemprego e a fome de tantos alunos, a evasão escolar, etc.

Quem não fez a sua parte de forma satisfatória foi o governo federal. O Ministério da Educação não disfarçou suas dificuldades. Nenhuma política de apoio aos docentes e discentes foi implementada. O Brasil foi um dos poucos países que não ampliou investimentos em educação durante a pandemia. Ao contrário, cortou financiamentos e bolsas, ameaçou reduzir ou cortar salários dos profissionais da educação.

Enquanto o governo continuou a apostar no negacionismo da gravidade da doença, na desvalorização da ciência, nas orientações contraditórias de prevenção e no desrespeito à vida, o estado pandêmico se prolonga. Nesse contexto, é preciso reconhecer o protagonismo dos professores de todos os níveis educacionais durante a pandemia, porque eles são sempre fonte de esperança no presente, auxiliam e auxiliarão a construir os caminhos para as mudanças necessárias na educação, no período pós-pandêmico. Esse vigor dos professores nutre a criação de novos nexos intelectuais e afetivos, em redes de resistência, superação e confiança no amanhã, que sempre vem.

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