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Contra o Vento

Uma viagem solitária. Uma mulher velejadora de apenas 24 anos. Os desafios do desconhecido. Muita bagagem familiar, o peso e a glória disso. O mar, o tempo, o vento e todos os obstáculos e a beleza de cruzar o Atlântico em um veleiro. Todo o relato de Tamara Klink e a caminhada para que todo esse sonho e projeto se realizasse, você confere aqui nas páginas da TOP Destinos

Texto RENATA ZANONI

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O planejamento e a viagem Tamara Klink, como muitos sabem, é filha do velejador Amyr Klink, e sempre teve em seu dia a dia o mar e as referências de viagens solitárias. Velejar sempre fez parte de sua vida desde muito pequena. Não à toa, a água sempre foi um elemento de grande interesse em sua vida, até mesmo na faculdade ela acabou enveredando para este tema. “Eu fazia Arquitetura e Urbanismo na USP, gostava do curso e comecei a me interessar em sistemas da água, em infraestrutura fluvial e portuária. Fiz um curso optativo de engenharia naval de projetos de veleiros e adorei. E de algu- ma maneira a água começou a me chamar. Eu fazia um curso de francês na hora do almoço, mais para aprender a ler livros do que para um dia viver na França. Um dia, eu cruzei com um amigo que tinha acabado de voltar de Nantes, na França, e me falou do curso. Achei que seria uma forma de juntar meus planos e minhas paixões. Foi natural, eu nem sabia o que um arquiteto naval fazia. Além disso, era um curso mais aberto para pessoas de pós-graduação, um curso de especialização. Eu acho que eu forcei algumas barreiras para poder passar: a língua, a ordem dos diplomas, barreiras sociais (o fato de estar longe, ser estrangeira, ser mulher em um sala que tinha basicamente apenas homens). Mas tudo isso, de certa maneira, me ensinou que mesmo em um lugar onde eu não falava a língua, não conhecia ninguém, onde eu não tinha nenhuma raíz, onde meus pais não eram conhecidos, onde eu não tinha dinheiro, vivia como uma estudante, com gastos mínimos, mesmo em um lugar assim, eu também conseguia encontrar maneiras de me sentir em casa. Isso foi um aprendizado que eu usaria depois na viagem”, conta ela sobre a experiência de cursar Arquitetura Naval, na ENSA (École Supérieure d’Architecture) em Nantes, França.

Aos poucos, essa experiência a fez cogitar cada vez mais fazer uma viagem sozinha. Aventurar-se pelos mares do mundo, aquela vontade parecia estar mais acesa do que nunca. “De algum modo sempre me projetei viajando só, porque quando ouvia as histórias que meu pai contava, ele estava só, então, me colocava no lugar dele. Ao longo do tempo, eu precisei entender como seria o meu jeito de estar só.. Eu via alguns homens coman- dando barcos, mas eu poucas vezes tinha visto mulheres e comecei a me projetar no comando”.

Ao todo, ela ficou três anos e meio estudando fora do Brasil. Poucos sabem, mas Tamara é gêmea de Laura, frutos do casamento de Amir Klink com a fotógrafa Marina Klink. Ela conta um pouco desta irmandade e das afinidades entre elas. “Eu acho que somos complementares. A Laura é muito criativa, aberta, tem muitas ideias. Eu, geralmente, me lanço ao desconhecido sem pensar muito. Eu sou mais inconsequente e a Laura planeja mais. Eu sou mais emoção e a Laura mais razão”, conta ela sobre a relação com uma das irmãs. Ela também tem uma irmã mais nova, Marina Helena Klink.

Apesar de todo esse laço afetivo, a primeira pessoa que soube dos planos de Tamara foi a avó materna Dona Ana, que guardou o segredo a sete chaves. “No começo, o maior desafio era minha mãe não saber que eu estava comprando um barco, que eu estava preparando ele, que eu estava morando nele, que eu tinha a intenção de fazer essa viagem solitária. Depois o desafio se tornou contar para minha mãe e não desistir de ir”, conta ela sobre as preocupações da mãe Marina. Depois de tudo pronto, veio o desafio de compartilhar com a família e não contar com apoio total para o projeto. “Meus pais sempre me encorajaram a fazer aquilo que eu gostaria, de formas diferentes. Minha mãe estava sempre preocupada com a segurança e responsabilidade. Era uma maneira dela tentar me proteger. Meu pai me encorajou me falando para ir, me empurrando com as palavras. Ele dizia que se eu queria navegar sozinha, eu deveria, mas só contasse pra ele quando já tivesse chegado. Meu pai não teve pai navegador. Ele aprendeu fazendo, errando muito. Entendi que para ser navegadora eu precisava aprender e fazer meu caminho, porque ele não estaria lá comigo. E talvez eles nem tenham acreditado desde o princípio, porque eu sou distraída, não sou grande, não sou muito o estereótipo de navegadora, talvez isso nem estivesse no imaginário dos meu pais, talvez nem no meu próprio. Eu contei pra eles quando eu já estava partindo, um dia antes”, relata ela.

Tamara fez sua primeira viagem com a família quando tinha apenas oito anos e foram para a Antártica. E conta que é difícil voltar para o cotidiano da cidade e conseguir viver como antes, sabendo que existem outras maneiras possíveis de existir.

Mas viajar sozinha teve desafios psicológicos e físicos que nem ela mesmo poderia imaginar, mas também muita satisfação pessoal. “Às vezes era muito doloroso e aflitivo, mas não poder desistir era parte do jogo. A pior parte é gerir a saudade e o sono. A melhor parte é descobrir que você é capaz de muito mais do que você pensa”.

Sua primeira viagem solitária havia sido da Noruega para a cidade francesa de Dunquerque. O principal aprendizado foi o de lidar com problemas inesperados. Avaria, solidão, saudade, tempo, pedras no caminho, acidentes, todas essas possibilidades. “Os erros que eu cometi na primeira viagem foram muito importantes para eu tomar decisões melhores e errar menos na travessia. Eu tinha mais prontidão para resolver os problemas”, relata.

O Sardinha e a travessia

A compra do seu barco Sardinha surgiu de uma forma totalmente espontânea. “Eu estava navegando com o Christopher, um amigo, e ele entrou em um site de compra e venda de barcos e comentou que já tinha comprado barcos por 10 e 1.000 euros e comecei a pensar “bom, talvez não seja tão difícil, eu posso pegar um barco velho, dar um tapa e seguir. E foi assim que eu fiz. Fiquei um mês ajustando e reformando o barco (na cidade de Ålesund)”. Na verdade, o grande amigo Henrique propôs que ela usasse o barco dele, mas quando chegou: “ele disse que não emprestaria mais o barco, que ele acreditava que para eu ser comandante, eu precisava ser dona do meu barco, pagar pelos meus erros e poder tomar decisões sem ter que pedir para ninguém”, esse foi o grande empurrão que Tamara precisava.

A jornada começou em agosto de 2021, quando a jovem saiu da França rumo ao Brasil. Ela percorreu por quase três meses 1.700 milhas, o que equivale a três mil quilômetros, até chegar em Recife. Ela fez paradas em Lisboa, Ilhas Canárias e Cabo Verde antes de chegar no Brasil em novembro de 2021. Foram 17 dias no trecho final desta jornada desafiadora a bordo de seu veleiro Sardinha de oito metros.

Ela já havia feito outra viagem solitária, ainda em 2020, quando atravessou o Mar do Norte até chegar na França. Mas essa última jornada teve momentos ainda mais desafiadores, física e psicologicamente falando. “A privação de sono é muito presente. Eu estou sempre em déficit de sono. Nessa última viagem, o calor também foi muito marcante. Eu perdia muita água. A chance de ter insolação era grande. O sol e o cansaço confundem e fazem a gente tomar decisões menos acertadas. Gerir o emocional também, quando a situação não está como a gente gostaria, quando o mar está contra, quando não há vento. Eu dormia trechos de 20 minutos e colocava despertadores. Acordava, olhava como estavam as coisas, se precisasse, trocava a vela, o rumo. Eu tive ajuda de uma nutricionista (Isabella Bertoli) que me ajudou a preparar cardápios para os tempos de vento a favor, de vento contra, de tempestade, eu comia praticamente só vegano, às vezes vegetariano. A higiene é uma questão de sobrevivência no barco, porque você está exposta a condições muito duras (muito sal, muito sol, muita umidade). Eu não conseguia tomar banho de chuveiro, mas eu buscava tomar banho com a água do mar, se chovia, eu usava a água da chuva para me lavar. Temos que tomar muito cuidado com o nosso corpo, pois nosso corpo é uma ferramenta”, conta ela.

Ao chegar em Recife, toda a sua família e alguns amigos a esperavam de surpresa, o que foi revigorante. “Mas o melhor de tudo foi voltar para os braços da minha avó”. Tamara que já publicou dois livros - um sobre poesias e desenhos das navegações chamado Mil Milhas, e Um mundo em poucas linhas sobre o relato de sua primeira viagem - diz que não imaginava a repercussão de sua viagem. E quem sabe essa segunda jornada também não vira um livro? O que nos resta é aplaudir sua coragem, curtir os frutos deste feito, e esperar seus próximos passos. E finaliza: “eu não me sinto especialmente corajosa, eu não sinto a coragem. Acho que a coragem está no caminho que a gente já fez, no caminho percorrido”, comenta Tamara apesar de ser a mais jovem brasileira a fazer a travessia do Oceano Atlântico em solitário.

Para acompanhar e saber mais: @tamaraklink

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