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Em duas rodas até o Pacífico

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Glossário

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Seis amigos e suas motos rodaram mais de sete mil quilômetros de São Paulo até Antofagasta, no Chile, cruzando a cordilheira e o deserto

Se existisse um bichinho capaz de transmitir ao ser humano uma vontade incansável de viajar de moto, é certo que ele teria picado Sylvio Gomide, diretor de um grupo educacional em São Paulo. Não satisfeito em viajar até o Alasca de moto para comemorar seus 70 anos (veja em Top Destinos número 176), ele ainda encontrou fôlego e disposição para encarar outra aventura, ainda maior, logo depois: rodar 7.000 quilômetros em duas rodas de São Paulo a Antofagasta, no Chile, ida e volta, cruzando a Cordilheira dos Andes e o deserto do Atacama, com direito a enfrentar altitudes acima de quatro mil metros.

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É o tipo de viagem-aventura que não se faz sozinho, naturalmente, e dessa vez Sylvio contou com um grupo de mais cinco amigos, variando de 45 a 73 anos, que partiram no início de outubro em motocicletas de três marcas – BMW, Ducati e Triumph.

Nos dois primeiros dias de estrada o roteiro já era conhecido, por conta de uma viagem anterior a Foz do Iguaçu: na primeira perna cerca de 500 quilômetros até Londrina, no Paraná, e na seguinte uma distância semelhante chegando à tríplice fronteira.

Dali para frente, só novidade: no terceiro dia mais 600 quilômetros até Corrientes, tudo em território argentino. A recepção não foi das mais amistosas: muita chuva e vento fez com que o tempo de viagem saltasse das oito horas previstas para doze. Mas ao menos por lá anoitece tarde, e assim ainda foi possível conhecer um pouco da simpática cidade.

E tome chão no quarto dia: mais 800 quilômetros até Salta, aos pés da Cordilheira, com os hodômetros das motos apontando mais de dois mil quilômetros rodados. A cidade é definida por Sylvio como uma pequena Madri sul-americana,

Sylvio contou com um grupo de mais cinco

Variando De 45 A 73 Anos

cheia de monumentos e referências artísticas. Para se ter uma ideia, Salta ganhou do aventureiro um lugar de destaque na sua lista particular de possíveis cidades para se morar na aposentadoria, ao lado de Vancouver, no Canadá.

Mas não havia muito mais tempo para ficar apreciando o lugar: na manhã seguinte já era hora de partir de novo, tendo como destino agora San Pedro de Atacama, cerca de 500 quilômetros à frente, já no Chile e montanha acima.

E como viagem boa é viagem que tem história e motivos para os amigos tirarem sarro entre si, essa não foi diferente: o aventureiro mais sênior do grupo e amigo de Sylvio, por pura teimosia, não quis abastecer sua moto em um posto de aparência bastante rústica – para dizer o mínimo – no meio do deserto, seguro de que a gasolina que já tinha no tanque era o suficiente para chegar. Não era, e ele ficou no meio da estrada.

Solidários (e sarristas, é claro), os amigos retiraram um pouco de combustível de cada uma de suas motos e passaram para a que estava sem gasolina, o que foi suficiente para tirar o cabeça-dura da incômoda situação e seguir caminho.

Com quase três mil quilômetros percorridos em cinco dias, os motociclistas pararam para descansar um pouco em San Pedro do Atacama e aproveitaram para conhecer as atrações locais, como vulcões, gêiseres e fontes termais – não à toa a região é conhecida como um oásis no meio do deserto. O centro da pequena cidade lembra um pouco a rua principal da Praia de Pipa, no Rio Grande do Norte, com portinholas quase escondendo lojas e bons restaurantes, em meio a um grande fluxo de turistas, especialmente europeus.

Depois de dois dias de folga chegou a hora de voltar para a estrada e cruzar a outra metade do deserto em direção a Antofagasta, já de frente para o Oceano Pacífico. Mas o Atacama e suas estradas de retas aparentemente infinitas, que às vezes podem superar os 50 quilômetros de extensão, também têm suas surpresas: ao tentar levar de recordação um enorme buraco na pista, encontrado a cerca de 130 km/h, Sylvio se viu com a roda dianteira profundamente amassada e o respectivo pneu murcho, sendo impossível continuar nessas condições.

O jeito foi esperar que dois dos amigos fossem com suas motos até a cidade mais próxima, a “apenas” duas horas de distância, atrás de um guincho. E quando ele apareceu, após quase quatro horas de espera sob um sol escaldante, já estava transportando um carro velho. Mas por sorte a plataforma era grande o suficiente para acomodar também a moto de Sylvio, que admirou o restante das belezas da estrada até Antofagasta a bordo do enferrujado automóvel asiático transportado junto com sua moto. Mas tudo sem perder, é claro, o bom humor.

Por lá um experiente mecânico de motocicletas, que trabalha sozinho em uma oficina especializada praticamente artesanal, deu o veredicto: a roda não tinha mais conserto e era, assim, necessário trocá-la por uma nova. A mais próxima estava em uma concessionária em Santiago, com prazo de chegada de 48 horas. O jeito era esperar e, enquanto isso, aproveitar o lugar e seus encantos únicos, típicos de um misto de deserto e mar, como a formação rochosa La Portada, além, é claro, da impressionante escultura Mano de Desierto (Mão do Deserto). Quatro dos amigos, porém, não podiam esperar e começaram o caminho de volta na frente.

Roda trocada, mão no acelerador e motos na estrada de novo. Sylvio e o amigo decidiram cortar um pouco do roteiro para recuperar os dois dias parados, além de percorrerem trajetos mais longos. Resolveram então ir direto de Antofagasta para Salta, um trajeto de quase de 800 quilômetros, em um único dia. Mas o destino, é claro, não ia dar moleza.

Dessa vez a encrenca apareceu na fronteira do Chile com a Argentina: além de precisarem aguardar pela aprovação da entrada de dois ônibus cheios de turistas adolescentes vindos da Austrália e da Nova Zelândia, o sistema de informática da imigração caiu no meio do processo. Um segurança avisou: “Se o sistema não voltar vocês vão ter que dormir aqui mesmo, no chão”.

Sylvio confessa que “foi a única vez em que fiquei realmente preocupado durante uma viagem como essa, porque além do problema na imigração, começamos a sentir fortemente os efeitos da altitude, com dificuldade para respirar e muito sono”. Mas a sorte voltou a lhes sorrir: o sistema voltou, os ônibus saíram da frente e eles puderam seguir viagem. Mas não sem um novo tropeço: agora foi o aplicativo de navegação, que os fez andar, desnecessariamente, por longos quilômetros em uma estrada de terra. Mas chegaram final- mente a Salta, sãos e salvos, por volta de dez da noite, ganhando um dia dos dois de atraso quase que na base da teimosia.

No dia seguinte foram de Salta a Corrientes, mais 800 quilômetros, dessa vez sem perrengues. E na perna seguinte, de Corrientes a Foz do Iguaçu, uma surpresa: encontraram os amigos que estariam, em tese, um dia à frente, pois uma das motos – justamente a do teimoso que não quis abastecer no meio do deserto na ida – teve um problema elétrico, apagou e não funcionou mais. Eles precisaram providenciar um guincho para atravessar a moto na fronteira da Argentina com o Brasil e só depois puderam acionar o seguro, válido apenas no território nacional, e por isso acabaram se atrasando um dia também.

Com parte do grupo reunido de novo rumaram novamente até Londrina e de lá retornaram a São Paulo, encerrando dezesseis dias de viagem. E ainda deu tempo para Sylvio encontrar-se com seus familiares na tarde do domingo para comemorar o aniversário da neta – compromisso ina- diável e imperdível, afinal de contas.

Agora é hora de abrir novamente as planilhas, os mapas e planejar as próximas viagens para 2023. No radar estão os lagos Andinos, no norte da Patagônia, aproveitando o feriado de carnaval, e o norte da África, partindo de Barcelona, na Espanha, possivelmente no segundo semestre. Quem sabe em breve essas novas viagens de moto de nosso aventureiro estarão aqui, nas páginas das próximas edições da TOP Destinos…

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