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“antioxidante pra cabelo?”

Guime é Guilherme Aparecido Dantas. Um dos maiores nomes do “funk ostentação”. Seu hit de maior sucesso, País do Futebol , foi hino da Copa do Mundo de 2014, tema de novela da Globo, teve participação do rapper Emicida e, de quebra, Neymar no videoclipe. Um sonho para o menino que nasceu prematuro, com poucas chances de falar e andar, teve uma infância difícil na cidade de Osasco e superou muitas dificuldades antes de se tornar o fenômeno que é hoje. Casado com a também funkeira Lexa, MC Guime adora falar de amor, é muito ligado à família e tem uma fé inabalável. Com 13 anos de carreira, inspirou uma geração de artistas e hoje se diz inspirado pela nova geração de músicos que segue seu legado e contribui para a renovação da música brasileira.

Como você começou?

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Comecei, na infância, a escutar Racionais, Trilha Sonora do Gueto e vários outros grupos do rap nacional. Todos aqueles raps me traziam histórias, eu praticamente criava filmes na minha mente. Sempre tive uma mente “viajante”. Estava ali em Osasco, na “quebrada”, mas com a “cabeça na lua”. Quando eu tinha 12 anos, teve um um show de talentos na escola. Eu e mais dois brothers escrevemos uma letrinha de rap. Um dos brothers cantou e eu ficava só do lado fazendo um break meio fajuto. Comecei a curtir e a galera gostou. Conforme a idade foi passando, comecei a criar a responsabilidade de mudar a vida dos meus pais, pelas condições financeiras, que não eram favoráveis. Acreditei que eu poderia me tornar músico através do funk. A escola também foi um ponto de encontro. Nos intervalos a gente sempre fazia uma brincadeira e comecei a rimar ao vivo. Meus amigos começaram a falar: “meu, você manda bem”. Aí fiquei com aquilo na mente, comecei a imaginar que poderia ser uma pessoa de sucesso. Quando falei pro meu pai que queria ser MC, ele disse: “‘cê’ é louco, isso não vai dar certo, vai arranjar um trabalho”.

Compor era natural pra você?

Sim, graças a Deus. Às vezes eu ia na casa de alguns amigos e voltava a pé rimando as coisas que eu via, tipo as divulgações nos banners, o nome do boteco, da oficina. Descobri que sabia construir letra, melodia e comecei a colocar mais emoção, mais sentimento. Tem uma música minha, Eu já quis , que fala disso, de sonhar, de acreditar. Mesmo desacreditado eu tirava forças de algo superior e continuava correndo atrás. Aquilo começou a inspirar outras pessoas.

Em que momento você falou: “agora tá dando certo”?

Quando fiz a música Eu já quis , comecei a receber mais mensagens de fãs. Aí aconteceu uma história muito bacana, porque essa música tem uma frase que é do Emicida e ele já era um cara que eu admirava, mas nós não nos conhecíamos pessoalmente. Ele entrou em contato comigo: “pô, gostei dessa música aí e tal”. Comecei a trocar uma ideia com ele e refiz a música falando assim:

“gratidão, Emicida, pela colaboração”. Aí criei um vínculo com o Emicida. Essa música começou a me trazer coisas desse tipo. Depois lancei a música Tá Patrão e fiz o primeiro videoclipe. Essa música abriu vários caminhos pro “funk ostentação”. Foi absurdo, naquela época era difícil bater homepage do YouTube. Lembro que eu tinha um vizinho que trabalhava com internet e não acreditava muito no meu trabalho. Aí ele viu a minha música no YouTube e foi lá falar pro meu pai: “seu filho tá aqui na capa do YouTube”. Aquilo ali me deu força pra eu provar pro meu pai, não por raiva, mas por amor, que eu estava fazendo algo bom. Essa energia ajudou a regar essa plantação.

E como você está enxergando hoje o funk? Nos meus 13 anos de carreira, vi o funk dar um pulo gigante. E eu fico muito feliz, porque é a arte que me deu vida, é a arte que eu represento. E eu sou representado por ela. E sou grato aos novos artistas que fazem esse trabalho acontecer. Porque, assim como eu tive artistas que me inspiraram, agora eu também inspiro.

Teve algum momento muito marcante na sua carreira?

Eu estava lembrando esses dias, chega até a me arrepiar, que tive a honra de ser entrevistado pelo Jô Soares. Ele me tratou superbem, gente finíssima. Eu fiquei nervoso, quase me deu “piriri”, fiquei em choque. Levei meu pai nesse dia. A gente foi sempre muito cristão em casa, sempre teve muita fé em Cristo, e aí eu falei para ele: “é isso, tô aqui para viver esse sonho”. E dali surgiram coisas maravilhosas na minha vida.

O que a música País do Futebol representou na sua carreira?

Foi o momento que eu conheci o Neymar. A gente passou a ter contato e aí foi daí que eu tive a ideia de fazer a música. Teve outros momentos inesquecíveis, como gravar o clipe com ele e com o Emicida. O que foi muito bacana, que também é inesquecível até para os fãs, foi a gravação de Suíte 14 , do Henrique e Diego, que bombou. O show teve mais de 50 mil pessoas, foi animal. E tem mais um momento especial – prometo que vou parar – quando cheguei no hotel pra fazer a festa de abertura da novela Geração Brasil . Eu lá no hotel de luxo, no Rio de Janeiro, pensei: “caramba, eu venci na vida mesmo, eu aqui tocando na trilha sonora da Globo”. São momentos que marcaram uma carreira muito abençoada. Sou muito feliz de ter feito tudo isso que fiz até hoje e muito animado para continuar fazendo pelo tempo que Deus me permitir.

Falando em continuar fazendo, quais são seus próximos projetos?

Esse foi um ano de bastante renovação espiritual e física. Depois de sete ou oito anos vivendo uma correria intensa, comecei a cuidar mais de mim. Eu vivi muita pressão nesse tempo e teve um momento que isso não estava me fazendo bem. Mas, graças a Deus, eu tô animado

“Esse foi um ano de bastante renovação espiritual e física. Depois de sete ou oito anos vivendo uma correria intensa, comecei a cuidar mais de mim” agora. Inclusive, do meio do ano para cá, comecei a me sentir inspirado de novo e a gravar muitas músicas em estúdio. Tô com muita música nova pra lançar.

Como é a sua relação com as redes sociais?

Teve momentos que fiquei duas semanas sem postar porque não estava me fazendo bem. Mas as redes sociais são essenciais, a gente não vive sem. Acho importante o artista se atualizar. Tem que ter uma estratégia, fazer toda a programação de lançamento e divulgação. A rede social é o mecanismo que a gente tem para chegar nas pessoas do jeito mais rápido. E a gente faz isso acontecer com a tecnologia. Mas a galerinha tem que tomar cuidado, porque é comprovado cientificamente que a rede social também influencia muito nessa questão de ansiedade, depressão.

Curiosidade, você sabe quantas tatuagens já fez?

Costumo dizer que quando a gente vai juntando as tatuagens, elas vão se tornando uma só. Acredito que eu tenho 65%, no máximo 70%, do corpo tatuado.

Você tem uma preferida? Eu fiz o rosto da “patroa”.

Como vocês se conheceram?

Eu acredito que tudo tem um porquê, mesmo que pareça coincidência. E esse dia foi o seguinte: o MC Sapão, que não está mais entre nós, teve um problema de agenda e não conseguiu ir a um show que ia fazer comigo em São Paulo. Nesse dia a Lexa veio cobrir o show, porque eles eram do mesmo escritório. Eu já conhecia o trabalho dela e ela conhecia o meu. Ela fala que eu fui muito educado, um gentleman. Depois de dois dias eu chamei ela no WhatsApp, fui atrás, e a gente se encontrou para jantar. Estamos há quatro anos casados, sete anos juntos.

O que te inspira?

A minha fé. E também ver pessoas vencendo. Sempre fui uma pessoa apaixonada por histórias de superação. Costumo dizer que eu sou um milagre. Quem conhece a minha história sabe que eu nasci prematuro. O médico deu o laudo de que eu não iria falar, que eu teria quatro anos de atraso mental, que eu iria usar cadeira de rodas. Mas, graças a Deus, aquilo foi só um susto. Meu pai sempre acreditou em mim, é uma pessoa que me inspira. Minha vontade é retribuir não só para ele, para minha família, mas para o mundo todo. Sempre fui a favor do amor, do respeito, do carinho, das coisas boas da vida.

“Sempre fui uma pessoa apaixonada por histórias de superação. Costumo dizer que eu sou um milagre”

RODOLFO MARTINS COSTA É O MC RODOLFINHO, ARTISTA COM 26 ANOS DE VIDA E DEZ DE CARREIRA. FUNKEIRO CRIADO COM AMOR, O ARTISTA FALA DE SONHO, MOTIVAÇÃO E REALIZAÇÃO

Por Cristiane Batista Fotos Miro Beleza Ju Shinoda Cabelo Jhonatan Gonçalves da Silva 5 min

“Funk Ostentação?” Para ele é “Funk Superação”. Mc Rodolfinho (re)escreve sua história, que começou na periferia até explodir nas redes e festas “de geral” nos anos 2000 com hits como Os mlk é liso , Como é Bom Ser Vida Loka e Chora Boy , cujo clipe tem mais de 100 milhões de visualizações no YouTube. Como no nome de seu primeiro disco, de 2020, ele segue Contrariando as Estatísticas . Com frases como: “Foguete não tem ré, ´nois´ só anda pra frente”, “Aqui não tem coitadinho, foi Deus que lapidou”, “Aceita que a favela tá no auge, ou então desacredita pra ver se ‘nóis’ é de verdade“, Rodolfo Martins Costa, mais conhecido como MC Rodolfinho, colhe os louros de uma carreira que começou aos 16 anos. Influenciado pela rima dos Racionais MC’s e por funkeiros cariocas e da Baixada Santista, começou a cantar e compor na periferia de sua cidade, Osasco. Hoje, aos 28 anos, ostenta o êxito na carreira de MC posando com roupas de marca, motos e carros importados por todo o país, tornando-se uma referência ao lado de outros MCs, como: Lon, Guimê, Dedê, Boy do Charmes e Nego Blue. E ele quer mais, muito mais.

Como foi o seu começo e a que atribui todo esse sucesso?

Acho que ao amor. Fui um menino que não tinha muitas condições financeiras, mas tive muita sorte por ter nascido em uma família de muito amor. Fui o primogênito da família, das “primaiada tudo”. Fui o primeiro e só tenho um irmão, então acho que todo esse carinho contribuiu para que eu não desistisse dos meus sonhos. Meu pai, Washington, também é uma grande referência. Ele tinha uma dupla de música sertaneja, sempre tentou fazer sucesso na música. Não explodiu, mas gravou CD e fazia shows em barzinhos, sempre me incentivando a seguir. Me deu um CD da dupla de repentistas Caju e Castanha que quase furou de tanto tocar lá em casa. Eu morava em uma rua que era bem no limiar com a favela e ali eu fui conhecendo como é que era o linguajar, como que era o meu mundo. Um amigo me apresentou o som dos Racionais MC´s, que falava das relações sociais, da política e do acesso a tudo a que temos direito. As coisas como carros, por exemplo, que sou apaixonado, aí de cara me identifiquei. Não sabia se seria mesmo um cantor, aí vi um Mc chamado Zói de Gato, que faleceu supercedo, aos 16 anos, e foi um dos pioneiros do funk e resolvi ir atrás disso também. Uma das primeiras músicas que estourou foi Osasco é o Afeganistão . Ela fala de bairros de lá, como Metalúrgica, Jaguariba, Bela Vista, Santo Antônio, Vila Iolanda, Jardim Roberto… Na letra, diz: “Pra quem desacreditou/ é eu mesmo que tô na fita, Rodolfinho boladão/ se casca, os bailes estão na pista/ se respeita, é respeitado/ se ramela, é cobrado/ O nosso pavio é curto/ te apresento: esse é Osasco”.

Você está falando de representatividade, de as pessoas ouvirem a música e se identificarem…. Sim, também fui colocando os nomes dos meus amigos nas músicas, pegava uma batida do YouTube, e contava a história das pessoas. Logo começou a rolar uma repercussão, porque falava dos “rolês” do dia a dia, as pessoas se sentiam representadas ali. Meu estilo foi mudando. Tem o chamado “funk proibidão”, que fala da realidade de gente que foi assassinada, de fatalidades, de um amigo que está preso. Estimulado pela minha família, preferi falar de sonho, de coisas que podemos ter, de realizar, de motivar as pessoas, ir pra cima, construir. A mídia chama isso de “funk ostentação”, mas eu prefiro dizer que é “funk superação”. Então, quando a gente muda o linguajar e as linguagens, começa a atingir outros públicos também. Aí veio o lance do videoclipe, a gente poder pensar em locações, nos carros, no que ia usar pra compor...

Como era a produção e divulgação do trabalho antes desse apoio audiovisual, dos videoclipes?

A gente mesmo produzia nossas músicas. Eu trabalhava em uma loja de celular e todo o dinheirinho que eu conseguia juntar, pagava na produção de uma música. Foi aquele negócio de acreditar mesmo, não tem aquele clichê de que o universo conspira? Eu sou desses e sempre falei pra minha família: “vou investir nisso daqui porque tenho certeza de que a nossa vida vai mudar”. Eu, o Mc Guimê, que também é de Osasco, e muitos outros. A gente fazia o som em casa e passava pros outros por celular, que nem tinha muita tecnologia na época. Demorava muito para transferir um arquivo, e aí depois a gente tocava nas festas e ia passando um pro outro. Com o videoclipe, tudo ficou mais atrativo, então entrei nessa onda também. Lembro que no começo, era tudo na base da parceria: roupas, carros, modelos, joias. Com os clipes, aumentamos o alcance das músicas, indo muito além dos nossos bairros e cidades e fui um dos primeiros a fazer matérias e participar de programas de TV, foi muito legal. E melhor: foi tudo muito orgânico. A música Os mlk é liso , por exemplo, foi parar no jogo de videogame Dream League Soccer , e tem como fãs gente como Neymar e o Gabriel Jesus, que sempre curtem as minhas postagens.

Quais são os próximos lances do Mc Rodolfinho e o que diria para quem ainda tem preconceito com o funk? Além de continuar na música, estou empreendendo em um novo ramo e abrindo um gastropub . Quero ganhar mais, ter mais coisas, ajudar mais gente. Hoje faço três shows em uma noite e estou mais maduro, acho legal dar um bom exemplo para a minha equipe, mostrar que existe muito mais do que curtição nesse mundo. Sobre o funk, acho que quem tem preconceito, precisa prestar mais atenção ao que estão ouvindo, porque às vezes a música fala a mesma coisa, só que com outra linguagem. O funk não é o vilão. Qual é o preconceito? Com a fala, a roupa? O funk está dando emprego, ajudando famílias, sendo oportunidade para muitos jovens de periferia que, como eu, escaparam do crime e que também acreditam que a vida pode ser melhor pra todo mundo. O universo conspira!

“Estimulado pela minha família, preferi falar de sonho, de coisas que podemos ter, de realizar, de motivar as pessoas, ir pra cima, construir”

“O funk está dando emprego, ajudando famílias, sendo oportunidade para muitos jovens de periferia que, como eu, escaparam do crime e que também acreditam que a vida pode ser melhor pra todo mundo”

Negra Li é Liliane de Carvalho, cantora, compositora, atriz. Mãe de Sofia, 13 anos, e Noah, 5, nasceu na Vila Brasilândia, periferia de São Paulo e sempre teve o sonho de ser artista. Despontou na música em 1996, quando entrou para o RZO (sigla para Rapaziada da Zona Oeste). Em 2005, Negra se lançou em carreira solo. Entrou para o time da Universal Music, tornando-se a primeira rapper brasileira a assinar com uma gravadora multinacional. De lá pra cá, conquistou um público fiel, fez várias parcerias e arrebatou muitos prêmios, além de atuar no teatro, no cinema e na televisão. Em 2006 interpretou Preta no longa-metragem Antônia. O filme fez tanto sucesso que se tornou uma série com duas temporadas, produzida pela O2 Filmes em parceria com a Rede Globo e chegou a ser indicada ao Emmy Internacional na categoria Melhor Telefilme/Minissérie. Na sequência, participou do filme 400 contra 1, que retrata a história do Comando Vermelho. No teatro, fez a Maria Madalena no musical Jesus Cristo Superstar, com direção de Jorge Takla e Vânia Pajares. Negra Li também interpretou a personagem Fátima na série Z4, produzida pelo Disney Channel em parceria com o SBT, participou da série O dono do lar, no Multishow e integrou o elenco de O Segundo Homem, de Thiago Luciano, que conta a história de um Brasil com porte de armas liberado. Atualmente, Negra Li vem lançando singles que fazem parte do seu quinto álbum, ainda sem previsão de estreia. Com músicas empoderadas e autobiográficas que falam sobre superação e autoconhecimento, ela mostra toda a sua maturidade profissional e pessoal.

Como o rap entrou na sua vida?

Eu gostava muito de cantar na sala de aula. O pessoal pedia para eu cantar. Um amigo tinha um grupo e a backing vocal estava saindo, ele me chamou e eu topei. Eu tinha uns 15 anos. Cheguei a fazer alguns shows com esse grupo até perceber que não dava mais, porque andávamos muito a pé na madrugada e não ganhávamos nada. Aí fui fazer o último show com esse grupo. E nesse último show, o RZO estava lá. Ele me viu cantar e fez o convite para gravar a música Paz Interior, a primeira que eu gravei. Eu fiquei com o contato deles no bolso por um tempo até que uma amiga minha me encorajou, dizendo que eram o segundo maior grupo de rap. Eu não sabia, eu não entendia nada sobre rap. Eu sou de uma família evangélica, só fui ver televisão com 12 anos. Música, eu só ouvia pela rádio ou no walkman dos meus irmãos. Minha mãe sempre foi muito querida, uma mulher maravilhosa, sempre ouviu muito o que tínhamos para falar, ela sempre me apoiou, ouvia a música e dizia: “nossa, gostei do que fala”. Meu pai já falava que era porcaria (risos). Na escola, eu sempre questionava tudo. A aula terminava, a sala esvaziava e eu continuava lá perguntando coisas para a professora. Eu também era muito boa em redação. Então, o rap tinha a ver comigo mesmo sem eu saber. Com o rap, eu consegui colocar para fora tudo o que eu sofria direta ou indiretamente.

Como você enxerga a mulher inserida no rap e o que mudou desde quando você começou? Acho que as mulheres decidiram ocupar o espaço delas do jeito delas, com a in-

“Na escola, eu sempre questionava tudo. A aula terminava, a sala esvaziava e eu continuava lá perguntando coisas para a professora” dependência delas. Elas tiveram que se autoproduzir, autodirigir, compor e fazer de tudo para serem ouvidas. As pessoas sempre perguntam se tinha mulheres na época em que comecei no rap e eu respondo que tinha sim, muitas, mas elas não tinham a visibilidade que mereciam. Hoje, o que está acontecendo é que, com a democratização da internet, ficou mais fácil dar voz para quem antes não tinha. Antes, dependíamos de contrato de gravadora e de acesso à televisão. Então, a internet ajudou bastante as mulheres a mostrarem o seu trabalho sem precisar passar por um teste ou uma aprovação. Era bem difícil uma mulher ser ouvida, muito mais ser aprovada. O CD era arquivado, ninguém ouvia ou prestava atenção. Quando eu cheguei, já tinha algumas mulheres, mas eu tive maior visibilidade porque tive a oportunidade de entrar no grupo RZO.

Quais artistas do rap você tem escutado atualmente?

Adoro Megan Thee Stallion e Cardi B. Ouço bastante R&B, jazz, blues, Aretha Franklin, Nina Simone. Eu gosto de beber da fonte.

Como foi o convite e a experiência de participar do Masked Singer ?

Foi engraçado. Estava em uma época meio conturbada, gravando filme e aí me convidaram para fazer o programa. Foi um convite irrecusável, eu adoro desafio, aprendo muito com experiências diferentes. Eu me via no Masked Singer , tentando cantar diferente, mas fiz isso muito mal, porque de primeira acertaram (risos). Eu cantei uma música da Ludmilla. Foi divertido e trabalhoso ao mesmo tempo.

Como a atuação entrou na sua vida e como você vê a sua faceta de atriz?

Eu já queria atuar, tinha feito curso de cinema, teatro e televisão. E em 2004, veio a oportunidade de participar de Antônia . Daí em diante, não parei mais, fui fazendo alguns trabalhos, principalmente no cinema. Tento conciliar música e atuação.

Cantar e atuar tem o mesmo grau de dificuldade para você?

Os dois têm o mesmo grau de dificuldade, mas cantar foi uma coisa que veio comigo naturalmente, eu já conseguia imitar as cantoras que eu ouvia, eu chamava atenção das pessoas com isso. Mesmo assim, não é fácil.

Conte um pouco sobre o seu novo álbum. Estou produzindo um disco novo. Comecei ano passado, soltei duas faixas e fui entendendo como o mercado pretendia me receber, como as pessoas estavam me ouvindo. Lancei mais duas faixas no começo desse ano. E, recentemente, lancei Malagueta . Adoro essa liberdade de poder lançar singles sem ter um disco todo pronto, porque você

“Era bem difícil uma mulher ser ouvida, muito mais ser aprovada. O CD era arquivado, ninguém ouvia ou prestava atenção” consegue entender melhor o público.

Foi ótimo ter feito essa espera. Hoje, meu disco está praticamente fechado, gostoso e interessante. Não sei ainda quando vou lançar. Tem coisas que fazem a gente mudar o trajeto.

Você gosta de participar da parte visual e da produção artística dos clipes, capa de disco etc?

Sim, eu gosto de participar de todas as reuniões, dar pitaco e entender tudo. Acho que o artista tem que estar entregue em todos os aspectos do seu trabalho para atingir mais profundidade. Estou entendendo o quão importante é o visual e a arte. Acho importante quando olhamos uma imagem e conseguimos identificar o que está por trás dela, facilita a comunicação. Para o rap, tem uma postura e um semblante diferente, mais forte, porque o que eu quero dizer é sobre a minha história, algo que emociona. Já o pop é mais ousado e passa uma mensagem diferente. No pop, a mensagem que se quer passar não necessariamente está na letra da música, muitas vezes está por trás.

Eu só fui entender o pop estando nele e vendo como ele trazia mensagens importantes de empoderamento, foi só analisando trabalhos de artistas como Beyoncé, Madonna, Lady Gaga. Eu entendi quando fui além do ouvir e parei para analisar. O visual delas quer dizer alguma coisa, a postura, a frase, tudo. Eu também amo o público do pop, eles pesquisam tudo, entendem cada parte da música, vão atrás.

Como é a comunicação entre você e o seu stylist ?

Eu passei por alguns stylists até me encontrar com o André. Eu tinha outro stylist que marcou bobeira, se ocupou no dia em que eu ia fazer uma revista e mandou o André no lugar. Foi amor à primeira vista (risos). Nós dois olhamos muito para outras mulheres pretas para ter referências. O André respeita muito as minhas fases e facetas. Ele entendeu que sou virginiana com ascendente em escorpião (risos). Entendeu que sou várias mulheres, tenho épocas, tenho momento para tudo. Eu gosto de mudar e de contar histórias.

“…sou várias mulheres, tenho épocas, tenho momento para tudo. Eu gosto de mudar e de contar histórias”

Papatinho é Tiago da Cal Alves. O apelido foi dado pelos amigos de infância Ari, Batoré, Cert, Maomé e Rany Money, integrantes da ConeCrewDiretoria, grupo de rap carioca que surgiu em 2006. Enquanto os cinco amigos rimavam, ele percebeu que poderia se expressar melhor por meio das batidas e iniciou uma carreira de beatmaker e produtor que logo conquistou o respeito da indústria musical no Brasil e no mundo. Desde então, já assinou parcerias com artistas como Anitta, Seu Jorge, Marcelo D2, Gabriel O Pensador, Black Alien, Sabotage, L7NNON, Marcelo Yuka, Mr. Catra, Ferrugem, Ludmilla, Will.I.Am, Black Eyed Peas e Snoop Dogg. Entre seus hits mais recentes estão Final de Semana, com Seu Jorge e Black Alien, que é sucesso nas rádios de todo país; o drill Deu Aulas, com BK e L7NNON e Que Rabão, em que reuniu Kevin O Chris, YG e Mr. Catra para o álbum da Anitta. Papatinho também é anfitrião do Baile do Papato, festa que, antes da pandemia, chegava a reunir mais de três mil pessoas. Em 2021, o evento voltou e reuniu MD Chefe e Dom Laike, Teto e Gabigol, ou melhor, Lil Gabi, nome artístico do atacante do Flamengo que se lançou na música graças ao Papatinho.

De onde surgiu o apelido “Papatinho”? Meu apelido veio de sapatinho, uma variação. Por isso que eu uso esse cadarço de sapato na cabeça. No início, achava um pouco estranho, mas depois me acostumei e agora acho maneiro.

E como foi seu início na música?

Eu sou autodidata. Comecei por acaso, não era o meu plano trilhar uma carreira de pro- dutor musical. Nem sabia que existia isso, na verdade. Mas meus amigos começaram a escrever umas letras, umas rimas e eu queria fazer aquilo acontecer de alguma forma. Comecei a fazer os beats, usando samples. Fui na raça testando e errando. Me apaixonei pela parada e passei a não dormir mais, trabalhar toda madrugada nisso. Até que consegui evoluir. O grupo ConeCrew, onde eu comecei, foi um fenômeno na internet.

Em que momento aconteceu a virada de chave na sua carreira?

A partir do ConeCrew, a gente ganhou visibilidade nacional, fez todos os maiores festivais do país, tinha fãs em tudo quanto é canto. Marcou uma geração inteira. Logo no início eu já estava assinando as produções, os beats, indo nos shows e tocando ao vivo. Os outros artistas do gênero, do rap, começaram a me procurar: Marcelo D2, Gabriel O Pensador, Black Alien. Comecei a produzir músicas para eles também. Mergulhei de cabeça nesse mundo e não sai nunca mais. Alguns anos depois, veio o pop, Anitta, Ludmilla. Hoje faço música para o pessoal todo.

Você tem parcerias nacionais e internacionais. Teve alguma que te deixou com muito frio na barriga?

Eu gostei muito de ter feito a música Final de Semana com o Seu Jorge e o Black Alien. Não só fazer uma música, mas fazer um hit que ficou no TOP 1 das rádios por bastante tempo. A música com a Anitta, Ludmilla e Snoop Dogg foi uma virada de chave, me abriu portas no pop. Hoje eu consigo trabalhar com a galera do rap que está começando e com artistas muito conhecidos em paralelo.

Em um dia estou com um artista que nunca gravou em um estúdio e no dia seguinte estou com a Luísa Sonza. Pretendo continuar sempre assim, porque o meu desafio como produtor é descobrir novos talentos.

Como surgiu o seu selo, o Papatunes?

Eu não estava totalmente satisfeito com o que já havia alcançado, por mais que já estivesse feliz com tudo que consegui. Comecei a viajar muito para fora, busquei novas parcerias, trabalhei com artistas como o Black Eyed Peas… Tudo isso foi me dando bagagem para que eu me sentisse preparado para lançar um selo. Na Papatunes, temos o desafio de descobrir e lançar novos artistas. Temos toda a estrutura, desde a parte de estúdio até a distribuição digital, marketing, vendas de shows. A gente tem um caso muito legal que é o L7NNON. Ele apareceu com o sonho de fazer rap, já fazia umas letras, já tinha gravado alguns sons, mas até então era uma skatista. Hoje ele é um dos maiores artistas que a gente tem na cena. Temos muito orgulho de ter feito parte da caminhada dele.

Qual é a música da moçada no futuro?

Acho que o trap. No Rio de Janeiro ele já dominou a cena de uma forma absurda.

Tem algum outro gênero em que você gostaria de se aventurar?

Por acaso, acabei de fazer uma música com o Matheus Fernandes. Ele me mandou e eu produzi na minha onda, ele foi e mexeu na onda dele, mais voltada para o piseiro. Eu mexi mais e acabei chamando o Xamã para entrar na música também. Esse tipo de coisa eu gosto de fazer, essa mistura de artistas e gêneros. Faço misturas inusitadas, tipo pegar o Ferrugem com o Kevin O Chris e o L7NNON, como eu fiz com a música Dois Copos. Pegar o Péricles, juntar samba com MC Hariel e Dfideliz. Esse tipo de mistura é meu trunfo.

Você está para lançar seu primeiro álbum. Como foi essa experiência? O que a gente pode esperar?

O meu primeiro álbum nem sei quando vai sair, porque todo dia eu mudo. Decidi trabalhar uma música de cada vez.

Tua música é a cara do Rio de Janeiro?

O Rio de Janeiro tem uma cultura de rua maneira, rola uma mistura de classes sociais. O pessoal que mora em uma favela e o pessoal que mora em condomínio de luxo vão na mesma padaria, na mesma praia. A música tem muito a ver com isso. Moleque começa a crescer ali, independente de ser da comunidade ou do condomínio, tem a mesma vivência, ouve as mesmas músicas. A gente tem esse lance, todo mundo é amigo, convive junto. Gosto muito desse lifestyle do Rio de Janeiro, que é onde cresci, onde comecei a fazer música. E agora o Brasil está muito forte no meu gênero, tudo quanto é canto tem gente fazendo trap. O Nordeste é uma das áreas mais fortes hoje no trap, então esse é o resultado de anos fazendo o que a gente faz.

Como surgiu a ideia, a inspiração de fazer um feat com a Juliette?

“A música com a Anitta, Ludmilla e Snoop Dogg foi uma virada de chave, me abriu portas no pop”

A Juliette é uma artista que ganhou o Brasil, todo mundo se identificou com o carisma dela. É muito legal ver ela cantando, uma carreira sendo empresariada pela Anitta. Como produtor, sempre vou ficar ligado nessas paradas. Ela cabia muito bem dentro do Papasessions, um projeto colaborativo com artistas de outros gêneros. Assim que rolou essa junção, o L7NNON estava também, o Welisson, que é um trapper, mas por acaso fez um som cantando romântico, melodia bonita. Eu pensei que tinha tudo a ver com o projeto Papasessions. Acabou que o Xamã foi pro estúdio o outro dia e acabou entrando na música e assim as parcerias se formam.

E Baile do Papato. Como surgiu?

Eu nunca assumi essa identidade de DJ. Só que, de certa forma, eu estava sendo um DJ dentro do ConeCrew e comecei a ser chamado para tocar em eventos e festas. Eu negava muito, se fosse para tocar, queria ter uma parada minha. Como sou produtor, o meu show conta com participações especiais o tempo inteiro. Tocou uma música, entra alguém, o artista que está por acaso na cidade manda mensagem e entra no show também para cantar uma música que fiz com ele. É uma mistura muito doida que foi evoluindo até que surgiu a ideia de fazer o Baile do Papato, que é exatamente isso, só que mais organizado, com diversas atrações. A gente já fez algumas edições, faz um show maneiro, tem o palco, sofá, mesa de sinuca. Fica o artista lá sentado no sofá, toca uma música, depois entra o Ferrugem, canta um refrão e vai jogar um fliperama. Essa é a vibe do Baile do Papato.

“Em um dia estou com um artista que nunca gravou em um estúdio e no dia seguinte estou com a Luísa Sonza. Pretendo continuar sempre assim, porque o meu desafio como produtor é descobrir novos talentos”

Pedro Henrique Pereira, o PK, nasceu na Ilha do Governador e iniciou sua jornada artística nas batalhas de MC do Rio de Janeiro. Foi em São Gonçalo, região metropolitana do Rio, na batalha do Tanque, que suas letras começaram a bombar na internet. Em 2016, integrou o grupo Class A e, junto aos rappers Igor Adamovich e Oik, misturou letras de rap com o funk carioca. Dois anos depois, a parceria chegou ao fim e PK se aventurou na carreira solo. A aventura deu certo: a música que inaugurou o novo momento foi o hit Quando a vontade bater , em colaboração com o DJ PK Delas, que atingiu ótimas colocações em plataformas de reprodução no Brasil, Portugal e Angola. O sucesso rendeu ainda um convite para participar do palco eletrônico do Rock in Rio 2019. Foi a primeira participação do artista em um dos maiores festivais do mundo. Neste ano, o convite veio mais uma vez e ele subiu ao palco no Espaço Favela, ao lado do MC Don Juan, no dia 3 de setembro. O artista, que já acumula 2,8 milhões de ouvintes mensais no Spotify e 142 milhões de views no YouTube, tem colaborações com Ludmilla, Luísa Sonza e outros grandes artistas. Apesar de ter como referência o rap e o funk, seu estilo se mistura com outros gêneros, como o samba e o pop. É exatamente essa característica versátil que vem conquistando um público cada vez maior.

Você acabou de voltar de uma turnê internacional. Sentiu diferença entre se apresentar no Brasil e lá fora? Na questão de apresentação, não tem diferença nenhuma. O público lá é basicamente brasileiro. É o mesmo calor, a mesma energia que sentimos aqui. Às vezes, ao se apresentar lá fora, a gente ajuda as pessoas a matarem a saudade do Brasil. A diferença maior é na comunicação, porque eu não falo inglês e minha equipe também não fala muito, tivemos que nos virar. Mas foi um sonho, foram sete shows, todos muito intensos e calorosos. Em Orlando e Boston, muita gente ficou de fora, porque esgotou, aí fizemos dois shows nesses lugares.

Você lançou o selo musical Dreamhou$e . Conta um pouco sobre isso? É uma parceria minha com o Portugal (produtor Portugal No Beat) e com o Alexandre, que ajuda a cuidar da minha carreira. A gente quer ajudar pessoas que não têm tantas oportunidades.

Como foi fazer parceria com a Marvvila e com o Dilsinho?

Eu gosto de colaborar com todos os gêneros, todos os estilos musicais. A Marvvila me convidou para cantar Pagodeiro , uma música no DVD dela. E eu chamei o Dilsinho para cantar Coração de Gelo comigo, misturamos meu rap com o pagode dele. Acho que funciona muito bem, não só na questão de mercado, de trazer público, mas também na parte musical, de atingir novas sonoridades. É uma “parada” muito maneira que eu pretendo fazer sempre.

Quais são suas referências musicais?

Chorão, ele faz parte da história. E Travis Scott, que faz umas “paradas” muito doidas, muito à frente. Mas eu gosto de tudo!

Como é o seu processo de composição?

Eu componho sobre tudo o que eu vejo, sobre tudo o que eu vivo. Vou anotando no celular, onde der. Tem que anotar para não esquecer. Às vezes, tenho que sair do banho correndo para anotar (risos).

As plataformas que existem hoje ajudam no rap?

As plataformas ajudaram muito, porque a maioria dos artistas de rap são independentes. Sem as plataformas digitais e a internet, fica muito mais difícil expandir e mostrar o som para o número de pessoas que o rap atinge hoje.

As grandes mídias dão atenção pra você? Está melhorando, elas estão meio que sendo forçadas. Quem não levar fica para trás, o número de pessoas que o rap está movimentando é muito grande. O rap não abriu as portas, ele arrombou.

Quais foram as primeiras coisas que você quis adquirir quando começou a ganhar dinheiro?

Eu tinha muito medo de quanto iria durar, eu guardava muito, até que consegui comprar um apartamento, era um sonho.

Quais os seus sonhos agora?

Sou muito grato. Graças a Deus, já realizei vários sonhos. Gostaria que alguma música minha virasse um canto da torcida do Flamengo um dia. Se isso acontecer, não preciso de mais nada (risos).

“Eu componho sobre tudo o que eu vejo, sobre tudo o que eu vivo”

PROJOTA, UM DOS MAIORES NOMES DO RAP NACIONAL, REVÊ SEU INÍCIO E PROJETA O FUTURO ESCREVENDO O DIA A DIA COM O MESMO OLHAR DE “MULEQUE DE VILA”

O menino sonhador “da quebrada” de Lauzane Paulista, zona sul de São Paulo, celebra os 20 anos de carreira como um dos maiores de seu segmento, com mais de 1 bilhão e meio de streamings no Spotify, três singles de Diamante, 14 de Ouro, dez de Platina, seis de Platina Duplo e mais de 20 milhões de fãs em suas redes sociais. Neto da Dona Lourdes, filho da Dirce, irmão do Cristiano, marido da Tamy, pai da Marieva. José Tiago Sabino Pereira, mais conhecido como Projota, é um cara família. Tímido na infância e na adolescência, não saía muito de casa: as quermesses da igreja do bairro eram a “balada”, o “rolê”, até encontrar parceiros de rima e vida e ver seu destino mudar. Hoje um dos maiores nomes do rap nacional, ajudou a popularizar o ritmo, aproximando-o de outros estilos musicais e quebrando preconceitos. Com 20 anos de carreira, 12 discos, um BBB na bagagem e muita história pra contar, ele prova que valeu à pena acreditar no seu sonho e que tudo era só uma questão de tempo. E era!

Como foi o início? Quem te vê assim, reconhecido popularmente, “na beca” e de carro importado, não imagina o começo. Como e quando descobriu que a música poderia ser o seu caminho e poderia viver dela? Eu era superacanhado, mas se me dessem uma chance de me apresentar, eu ia. E fui. Hoje eu consigo analisar e ver bem: era exatamente nos momentos que eu tinha com a arte, que eu perdia a timidez. Lembro da primeira vez que cantei qualquer coisa na frente de alguém: foi uma música na aula de matemática que eu inventei sobre o cubo da soma de dois termos. Mais tarde, no ensino médio, eu já gostava de rap e fiz um sobre o assassinato de judeus no Holocausto. Ensaiei, montei uma banda, cantei e sabia que estava bom. E a professora chorou. Tipo, ela não dava nada pra mim, porque eu não participava muito da aula dela, eu não estava mostrando o que eu tinha. Ela me abraçou e falou: “menino, como você fez isso? Essa é uma oportunidade muito única e muito rara de tocar o coração de uma pessoa”. Aí todo mundo me abraçou e eu pensei: “gosto desse negócio de todo mundo me abraçando”. Ninguém me abraçava. Eu era um menino quietinho, mais na minha, não era exatamente popular. Aí eu falei: “pô, de repente esse é um caminho pra eu conseguir isso daí”. Isso me deu mais força pra fazer música. Esse é meu “rolê”. Daí pra diante, pro pessoal da minha sala, eu virei celebridade.

Como foi a expansão do seu talento para outros públicos? Sempre falo sobre oportunidades. Na minha época, não tinha muitas condições e nem acesso a elas, a gente fazia tudo só na “quebrada”. Era um “rolê” independente de rap, porque eu não ia pra balada, eu ia pras quermesses de maio a julho e essa era a nossa alegria. Eu e meus amigos não conhecíamos outros grupos, outros rappers, pessoas que pudessem ensinar alguma coisa pra gente. Era só eu e mais meia dúzia de amigos que queriam fazer rima, um aprendendo com o outro, e não tinha como expandir esse horizonte. A gente usava caixa de sapato pra fazer percussão. Ganhei um violão do meu irmão Cristiano e gravava a base em cima das fitinhas cassetes da minha avó Dirce. Inclusive, tenho que pedir desculpas pra Leandro e Leonardo e Zezé di Camargo e Luciano, porque eu gravava tudo em cima das fitas da minha vó, mano. Meu irmão viu que eu acreditava mesmo que ia dar tudo certo e resolveu apostar e investir em mim. Ele é mais velho, sempre foi muito estudioso e aplicado, colocava dinheiro em casa, ajudava a família toda. Nunca chegou pra mim pra dizer: “Vai arrumar um emprego!” Era sempre: “E aí, como é que tá?” Nesse período, entreguei folheto, fui estagiário de informática, entrei na faculdade de Educação Física, conheci outros rappers e participava das batalhas de rima, em duelos em que era eu contra cinco, cada um dava um real, quem ganhasse levava os cinco reais. Às vezes o prêmio era um boné, uma camiseta, um tênis, por exemplo. Foi tudo muito aos poucos, mas a gente era muito obstinado e sabia que ia estourar: eu, o Rashid e o Emicida, “os três temores”, como a gente falava. Aos poucos, larguei tudo pra viver da música. Parece que deu certo.

Você também se destacou com um outro trunfo, colocando romance no rap, não? Ah! É uma mistura, né? Meu irmão é do rock, minha avó e minha mãe são superromânticas, meu pai ouvia a poesia da música caipira de raiz e eu tudo isso e muito rap. Eu sempre compus música romântica e, quando o rap chegou, comecei com aquele estilo mais social e político, mas não demorei muito pra entender a minha própria identidade e inserir esse lado. Percebi que as músicas românticas sempre chegavam mais fácil e iam mais longe. Tem pessoas que estão abertas pra ouvir uma música política social e existe um número muito maior de pessoas que estão abertas a ouvir música romântica. Então, a música, o rap mais tradicional, chegava até um limite e a romântica passava esse limite. Então, muita gente começou a ouvir rap através do Projota, porque fui um dos primeiros artistas a se entregar e se dedicar mais a fundo e fazer rap romântico. Tem muito casal que vai pro show pedindo que eu toque a música deles, que marcou uma história, que até pede a outra pessoa em casamento no palco.

Falando em aumentar o público, fazer coisas novas, como é atuar além da música? Você também se envolveu com o cinema, certo? Você vê… apesar da minha mãe ter sido atriz, escreveu peça de teatro e tudo, ela não teve tempo de transmitir essa “parada” pra mim, porque morreu antes. Eu fui ao teatro pela primeira vez aos 30 anos e isso me trouxe e traz um crescimento muito grande, porque eu vi tudo

“Eu sempre fui muito livre. Não queria ter patrão, queria ser o meu patrão, e sempre fui muito curioso” acontecendo ali com uma verdade nua e crua, ao vivo. Me acostumei e vou sempre com minha esposa, e qual não foi minha surpresa quando me chamaram para fazer um teste para uma participação no filme Carcereiros [inspirado no livro de mesmo nome de Drauzio Varella e dirigido por José Eduardo Belmonte, em 2019]. As pessoas falavam de preparação de elenco, de você entrar no personagem, e eu não entendia muito bem o que era isso até chegar lá e dizer: “Agora eu quero esse papel, agora eu quero fazer”. Consegui, inclusive, um papel ainda mais legal e me entreguei totalmente na preparação. Vi que o “bagulho” era de verdade e eu chorei buscando sentimentos dentro de mim. Entrei em um transe mesmo, tipo sair do corpo.

Em 2021, você chegou a um nível de exposição ainda maior, com a participação no reality show Big Brother Brasil, em plena pandemia. Como foi essa experiência? Eu sempre fui muito livre. Não queria ter patrão, queria ser o meu patrão, e sempre fui muito curioso. Hoje vejo que A saída está dentro [nome de seu mais recente disco, lançado este ano pela Universal]. Foi uma experiência interessante e, ao mesmo tempo, muito sinistra, porque você fala alguma coisa que de repente não deveria falar, está sempre de microfone e com todo mundo te olhando. De repente, perde acesso à comida, por exemplo. Foram 51 dias com comida contada e eu nunca reclamei de ter que comer nada, só queria que tivesse refeição suficiente. São coisas que vão te minando: você não ter, você não poder, o outro ter e poder. Aí um cara te faz uma coisa e na segunda-feira você é obrigado a botar uma placa de “mau-caráter” na testa do outro. Aí alguém bota na sua “mau-caráter”. Você fala: “eu não sou mau-caráter, ‘véi’’’. Só que lá só tem como opções as placas “mau-caráter”, “bunda-mole” e “não toma banho”. Ah, mas ele toma banho e a bunda dele é dura, então ele é “mau-caráter”. Não faz sentido! E depois tinham as festas: te dão uma brincadeira, uma dose de uma euforia muito grande, e eu brincava como eu não brinco em festa nenhuma na minha vida toda. E chega alguém com papo de jogo querendo roubar sua “brisa”. Não dá.

E agora, o que dá? Quais são os planos? Mudar para a minha casa nova, que enfim está ficando pronta, ter outro filho ou filha (adoro ser pai de menina!), continuar compondo e, de repente, instigar outras outras pessoas pretas a ocuparem seu protagonismo. Teve um tempo que fiquei sem inspiração e a casa já cheia de caixas de mudança, sem estúdio, e pensei: “ah, para de arranjar desculpa”. Um pintor faz o que se não tiver um pincel? Pinta com o dedo, com a sola do pé, com o que for, porque tudo está dentro. Fiz uma parede só de caixas, arrumei a acústica com colchão e cobertor, isolei tudo, escrevi e toquei meia dúzia de músicas de uma vez. Tem dois tipos de artista: o que quer fazer arte pra ficar rico, o quer fazer arte porque é a única forma que ele consegue viver. Tem que ter planejamento pra tudo, não quero voltar pra onde comecei, mas acho que sou desse segundo time.

“Eu fui ao teatro pela primeira vez aos 30 anos e isso me trouxe e traz um crescimento muito grande, porque eu vi tudo acontecendo ali com uma verdade nua e crua, ao vivo”

Ao decidir focar na música, Enzo assumiu o sobrenome Romani como forma de se apresentar ao mundo. O motivo? Homenagear suas raízes ciganas e marcar a passagem para uma nova fase na carreira. Filho de mãe cigana e pai árabe, com descendência portuguesa e japonesa, ele traz no sangue e na música uma mistura incrível de referências. Uma herança multicultural que se reflete na sua arte. Nascido em 1994, em Piracicaba (SP), começou a trajetória como ator em Malhação. Depois, integrou o elenco da novela global Rock Story, onde interpretou Jaílson, um jovem que teve sua vida transformada pelo poder da música. Na sequência, participou das produções Se eu fechar os olhos agora – indicada ao Emmy Internacional em 2019 –, do Show dos Famosos e, recentemente, da minissérie Maldivas, da Netflix, onde fez par romântico com Bruna Marquezine. Mas a música veio antes de tudo isso, quando ele ainda era criança e rodava o Brasil de caminhão com os pais. Hoje, mais maduro musicalmente, é uma promessa do trap nacional.

Você tem mãe cigana, pai árabe. Conta um pouco sobre essa mistura. É uma família bem improvável. Dentro da família tradicional, cigana ou árabe, se espera que se case com pessoas da mesma etnia, para não se perder ao longo da jornada. Se parar para pensar, árabes não são do Brasil, ciganos a gente mal consegue entender direito de onde vieram, alguns acreditam que Índia, outros da Romênia, Egito. Então, a melhor forma de manter uma tradição é casando com pessoas da mesma etnia. Na minha família, foi um caso muito aleatório, meu pai e minha mãe casaram com uma grande diferença de idade. Minha mãe tinha 16 anos e meu pai, 32, era bem polêmico para a época. Foi uma briga do meu pai com o pai da minha mãe para conseguir casar.

Mas eles são de onde? Do Brasil. Nasci em Piracicaba, mas com seis meses fui para um caminhão com os meus pais e saímos viajando. Moramos em Maceió, Ilhabela, Florianópolis, Bahia e Minas Gerais. Sempre com o intuito de vendas, no gal, como a gente diz, o ato de comprar em um lugar e vender no outro. Era tacho de cobre, faca de prata, móvel, minha mãe fazia até lanchinhos. De dia, a carroceria era para guardar mercadoria e, de noite, era cama. Foi dureza, mas teve momentos de muita alegria.

Como você começou na música?

Minha mãe fala que, quando estava grávida, botava os Gipsy Kings para tocar e eu chutava a barriga dela. Com uns sete anos, paramos de morar em caminhão e ficamos no litoral de São Paulo, Caraguatatuba. Nessa época meus pais fizeram um negócio e o cara deu um violão como parte do pagamento. Comecei a tocar total autodidata. Juntava um dinheiro e conseguia pagar uma aula, isso já mais velho, com uns 12 ou 13 anos. Com 13 anos fiquei um pouco em Santos, terra do Charlie Brown Jr. Depois meu pai conseguiu um esquema para abrir um negócio dentro de uma floricultura, em São Paulo. A gente dormiu um tempo dentro da floricultura, numa casa que não tinha porta, não tinha janela, tinha umas galinhas. Às vezes, os clientes chegavam e ouviam um som, era eu tocando lá no quarto. Apesar de não ser um comércio ambulante, era um negócio perto do parque do Ibirapuera. Então, a gente vivia uma vida bem simples, mas em um bairro muito caro. Para ajudar meu pai, comecei a tocar em barzinho. Terminei a escola e, com 17, “piquei minha mula” para Caraíva. Fiquei lá uns meses tocando, conheci uma mulher, me apaixonei e larguei tudo.

Você escolheu Caraíva por algum motivo?

Um amigo falou: “tô ‘tocando’ pra Caraíva, vamos para Bahia!”. Íamos ficar dois dias. Só que no primeiro já conheci uma mulher e fui ficando. Fiquei uns quatro meses. Foi incrível, conheci a parada do ioga, da meditação. Depois fui para o Rio de Janeiro. Tinha vários amigos morando lá. Lá tem praia, tem surfe, todo mundo é artista e eu já fazia meus raps escondido. Ficar tocando acústico em barzinho não era a minha parada, queria misturar cigano com trap.

Foi assim que começou a sua história com o trap?

Já me ligava no trap desde os 12 anos. Quando fiz 18, consegui um trabalho em São Paulo, com um cara que trabalhou com a Rita Lee, com AC/DC, Lenny Kravitz, o Apollo 9, um dos fundadores do Planet Hemp. O Apollo me abraçou. Ele falou: “gostei de você, você vai produzir

100 músicas em um mês no Canal Bis. O baterista do Charlie Brown Jr, o Pinguim, vai estar com você”. Eu não sabia nem mexer no computador para produzir as “paradas”. Ele disse: “um cara vai te ensinar”. Na época me deu 30 “pau”. Ganhei o dinheiro, viajei para o Rio, comprei uma prancha nova e um violão.

Como foi no Rio?

Quando cheguei no Rio, sem querer parei em um apartamento da galera da Malhação Sonhos. Todo lugar que eu ia com o violão, virava meio um sarau. Puxava todo mundo para cantar, fazia roda. Deu um mês e recebi a ligação de um amigo, com quem fazia trabalho de modelo. Ele falou que tinha um teste em Malhação e perguntou se eu queria fazer.

Como foi sua primeira experiência como ator em Malhação?

Foi aterrorizante, eu não sabia o que estava fazendo. Malhação joga você na fogueira para ver se você se vira. Meu personagem era músico. Eram mais fáceis as cenas com o violão, mas o diretor começou a falar: “você está claramente com dificuldade nas cenas que não tem violão”. Ele deu uma afastada no meu personagem.

Falaram o que para você?

Falaram: “você não está ‘mandando bem’. Fica em casa e vai estudar”. Comecei a estudar que nem maluco, não queria perder essa oportunidade. O Jacobina (roteirista e criador de Malhação) acreditou em mim desde o começo. Quando eu voltei, ele falou que queria me deixar com medo.

O incômodo faz com que o ser humano busque novas fronteiras. Fiz (a novela) Rock Story depois. Foi nesse sufoco que me descobri ator.

Você participou também do Show dos Famosos. Como foi?

Foi me jogar na fogueira também. Estava muito imaturo emocionalmente e artisticamente para conseguir fazer essas coisas direito. Quem quiser rir, vai lá ver eu dançando Kaoma, horrível. O Faustão me deu a maior força, dizia: “para quem acha que o Romaní é um ator que canta, ele é um cantor que atua”.

Em que momento você sentiu que estava pronto?

Foi em 2020, em um momento de desespero. Quem passou sufoco, sabe. Já estava há um ano e pouco sem trabalhar, tentando achar meu som. Fiz uma república, aluguei um apartamento e sublocava quartos. Tinha muitos músicos, ficava escrevendo, botava a galera para escrever junto. A gente estava lá criando várias coisas e, quando entrou a pandemia, falei que ia me abster de todo o resto para me dedicar a encontrar minha identidade. Queria fazer a minha “parada”. Encontrei o viés de misturar a música cigana com o trap e com o hip hop. Quando acabou a pandemia, estava com dois álbuns prontos. Vou lançando “homeopático”.

E Maldivas, da Netflix. Como foi?

Me “amarrei” em fazer Maldivas, foi um desafio. Geralmente fazia mais bandido, foi a primeira vez que fiz um policial. Foi desafiador, pesquisei muita referência.

Na música, qual é a sua parceria dos sonhos? Uma pessoa que acho que está representando muito bem o Brasil em muitos lugares e me inspiro muito na carreira é a Anitta. Na “gringa”, fazer com Gipsy Kings seria incrível.

Você trouxe essa filosofia de espiritualidade, meditação, para a sua música?

Teve uma época, 2020, quando conheci o Orochi, comentei que estava fazendo uma série de zumbi, Reality Z, na Netflix. Ele falou que queria ser ator e eu disse que dava umas aulas para ele. Comecei a ensinar uns amigos meus misturando ioga –sou instrutor formado – com teatro. Criei um método de respiração, de foco. Todos os grandes bilionários meditam. Fazer esse contato e trazer isso para a favela, para toda a molecada que admira o lifestyle do trap, é sempre bom. Um pouco de junk food e um pouco de salada, é bom trazer um pouco dos dois. Tem o Matuê que trazia várias referências de droga, hoje não usa nada e está focado na vida dele, tem um filho, foi buscar outras formas de autoconhecimento. A meditação tem muito disso. Já meditei todos os dias e fui vegano, hoje como carne e medito quando dá, mas é importante também. Se meditar todo dia e não comer carne, não vou conseguir fazer trap, vou fazer MPB.

“Queria fazer a minha ‘parada’. Encontrei o viés de misturar a música cigana com o trap e com o hip hop”

Com quase 60 milhões de seguidores no Instagram, mais de 44 milhões de inscritos no YouTube e uma carreira cheia de grandes conquistas, Whindersson Nunes Batista, nascido na cidade de Palmeira, no Piauí, em 1995, é um fenômeno. Em 2016, foi apontado pela Snack Intelligence o segundo youtuber mais influente do mundo, atrás apenas do sueco PewDiePie. Embora tenha viralizado no mundo digital, o piauiense partiu para os palcos e roda o Brasil com seus espetáculos de stand up comedy que atraem multidões. Sua vida pessoal também não passa despercebida, vários capítulos da sua história comoveram seus fãs e seguidores, como a perda do filho João Miguel, com apenas um dia de vida; o casamento (e a separação) com a cantora Luísa Sonza e a luta contra a depressão. Muitos desses relatos estão no livro Vivendo como um guerreiro, sua autobiografia. Da infância pobre no sertão à fortuna conquistada com muita dedicação e talento, Whindersson é mais do que um grande artista, é uma inspiração para as milhares de pessoas que acompanham a sua história. Nesta entrevista ele compartilha um pouquinho da sua trajetória no humor e no trap, estilo musical que assina com o nome artístico de Lil Whind.

O que o humor significa para sua vida? Humor é que nem música para mim. É essencial. Acho que é por conversar com todo mundo. Quando você vai a um show de música, tem todo tipo de pessoa. Riso é a mesma coisa, une todo mundo.

Quando você decidiu começar a investir na carreira musical?

Não invisto. Acho que nunca botei um centavo em música. Canto desde os seis anos, na igreja. A música sempre fez parte. Essas músicas de Lil Whind, que estão saindo agora, já têm mais de cinco anos. Faço para mim e para os meus amigos. A galera começa a falar que é legal, que deveria fazer um clipe e dá vontade de fazer.

Como está sendo a recepção?

Se você pesquisar Rockstar no YouTube, que é o nome de uma das músicas, vão aparecer duas: uma que tem um bilhão de visualizações, do Post Malone, e uma de 200 mil visualizações, que é minha. Acho que a gente está caminhando para passar de 1 bilhão e aparecer em primeiro. Geralmente um cantor trabalha a música, canta muito ela, posta, bota pessoas para dançarem, lança desafio. Por isso a música bate 20 milhões. Gosto de fazer orgânico, não gosto de forçar, não é todo mundo que gosta de trap, gosto de deixar para quem curte procurar e achar. Prefiro assim.

Você falou de trap, muitas pessoas que vieram aqui falaram que é um ritmo que está crescendo. Como você enxerga o cenário do trap?

É bom que tenha outra vertente. A pessoa que quer cantar e fazer sucesso no Brasil tem que cantar sertanejo universitário, forró, mas fica difícil competir com Gusttavo Lima, com Wesley Safadão, com a galera toda. Acho que o trap é uma “parada” nova para as pessoas que querem começar e se destacar, é uma área boa.

É muito diferente compor uma música ou escrever uma piada para um show?

Não escrevo piada. Conto algumas “paradas” para um amigos, se vejo que é engraçada, que é legal, se eu lembrar disso no palco vai do jeito que contei para as pessoas. Agora música eu escrevo, não consigo ficar com ela na cabeça.

Como você definiria a sua persona artística musical? Quem é o Whindersson cantor?

No trap, gosto de cantar uma putaria. Todo mundo tem seus momentos de putaria. No meu show não tem piada sexual, já na música me sinto à vontade para falar.

Que estilos musicais você gosta de consumir?

O que está na sua playlist?

Minha playlist é bem variada. Vou gostando da música e vou salvando. Fico mudando, uma hora axé, uma hora gospel, uma hora instrumental, uma hora só um beat.

Quais são suas referências no humor? Em quem você se inspira?

No humor, hoje gosto de gente que deixa uma coisa a mais depois. Não é só fazer rir, tem que ter um negócio social, uma crítica. Dave Chappelle faz muito isso. Aqui no Brasil, gosto do Tirullipa, pela forma. Ele tem uma técnica para ganhar as pessoas que acho massa. Com ele, fui aprendendo a me virar nos 30. Ele é um cara que veio do circo e no circo você tem que se virar nos 30, aprende a lidar com gente.

Como era o Whindersson criança? Você sempre teve essa relação com o humor?

Eu não era engraçado. Tem gente que gosta de ser engraçado para a família, vestir umas “paradas”, fazer mágica. Nunca fui assim. Eu costumava assistir vídeos de vlog e falava: “consigo fazer isso e fazer muito melhor”. Sempre fui curioso para aprender o mecanismo.

O que você sente antes de entrar no palco? Dá um frio na barriga?

Por mim, não trocava nem de roupa. Troco porque eles pedem. Acho que tenho nervosismo quando vou começar um show novo, quando ainda não estou acostumado. Esse que estou fazendo agora, consigo declamar, fazer de dez formas, triste, feliz, fazendo poema. É muito tempo e tenho uma memória boa pra show.

Tem um termômetro quando você começa um show novo? Como funciona esse processo?

Já sei que no primeiro show as pessoas não vão ter o show que elas pagaram para ver. Já falo logo. Acabou o show e já chamo para tirar foto e fazer valer a pena o dinheiro do ingresso. O primeiro nunca é muito bom, mas depois de cinco ou seis shows já está bacana.

O que você tem de projetos para este ano? Não vou trabalhar mais. Paro agora em outubro. Ano que vem gravo dois filmes, em fevereiro, março e outubro.

Pretende fazer algo para você? Pessoal, viajar, algo nesse sentido? Não, vou ficar em casa mesmo. Nunca fico em casa, viajar é o que eu faço todo dia.

Como foi o período da pandemia para você, em casa? Foi um terror. É que era outro momento, não podia fazer nada.

Você sentiu muita falta de fazer shows? Do palco, senti muita falta. Show é o que eu mais gosto de fazer. O bom é que você pensa em novas “paradas” e coisas novas para fazer.

Qual foi o momento mais desafiador da sua carreira? Você já lutou boxe, agora está na música. Dublar é muito do zero. Até para mim, que sei fazer voz, é difícil. Quando você vai gravar, precisa de uma direção, não é só fazer. Me botaram para dublar o Ja- ckie Chan, tem um filme dele que é com a minha voz, mas não assista. Falei para os caras que não

“Acho que o trap é uma ‘parada’ nova para as pessoas que querem começar e se destacar, é uma área boa” parece o Jackie Chan. Mas eles falaram que queriam reformular, trazer o público mais jovem, que o público reconheceria a minha voz. Pior dublagem de todos os tempos. Essa é a minha visão. A primeira dublagem que fiz foi A Era do Gelo. Fiz o bonzinho da família ruim, um abutrezinho que é bonzinho, mas tem uma família pilantra. Uma negação, boto em inglês quando eu vejo.

Se pudesse realizar um feat brasileiro, com quem seria?

Com o Matuê. Tem a ver com o estilo de música que estou fazendo. Já fiz um com a Ivete Sangalo e outro com Alok, porque são meus amigos. Tenho vontade de fazer uma coisa que a galera nos Estados Unidos faz, clipes de humor com pessoas como Rihanna, Lady Gaga, só que o conteúdo é de humor e as pessoas que participam entram na brincadeira. Tenho vontade de fazer com Gusttavo Lima, Ludmilla, Xamã.

Atualmente, o que é o YouTube para você? Você sente falta?

Gosto de fazer vídeos para o YouTube. O problema é o tempo. Meu dia continua tendo 24 horas e tenho que arranjar muito tempo para fazer muita coisa. Acaba que o vídeo fica muito parecido com o show, porque é piada. Quando tenho uma ideia para vídeo, prefiro falar no palco. Quando faço palco, fico muito preocupado com o show e não consigo fazer vídeo. A piada tem que ser uma surpresa, não posso jogar ela na internet. Agora que vou parar de fazer o show, talvez fique mais fácil de fazer vídeos.

Em algumas entrevistas, você falou de uma forma muito aberta sobre a sua depressão. Como você conseguiu superar?

Ontem fui em uma consulta com o psiquiatra e ele falou que a galera tem medo, acha que quem vai ao psiquiatra é porque está doido, porque tem problema ou vai ficar com problema se começar a se tratar. Confiar na medicina para isso é sensacional. Já fiz consulta, já tomei remédio, mas é aquela coisa, você toma, fica bom e para de ir no psiquiatra. Mas é um tratamento, tem que continuar. Tem que ir testando, porque muita gente tem uma experiência ruim com o profissional e desiste. O que eu indico é trocar de psiquiatra se não estiver funcionando. Você vai achar uma pessoa confortável, com a qual consiga dividir as coisas da sua vida, e a pessoa vai te dar a medicina certa. Estou há dois meses tomando um remédio que o psiquiatra me passou e, dentro desses dois meses, nunca mais chorei, minha cabeça não me levou mais para um lugar triste. Depois de três ou quatro tentativas, achei um psiquiatra e o cara me prescreveu uma “parada” legal. Volto nas consultas e falo o que aconteceu. Mas meu sono mudou, dormia muito bem e agora estou acordando mais cedo.

Vi que você consagrou a medicina da floresta e queria saber como foi a sua experiência e se você se permitiu fazer isso outra vez? Me permiti várias vezes. A minha primeira experiência foi por causa do meu filho, antes de ele nascer. Foi assim que tive a notícia. Desejava muito ter um filho, mas depois comecei a pensar na responsabilidade de ter um filho. Você é pai do seu filho para sempre e ele não é só uma criança. Vai ser um rapaz um dia e vai bater em gente, desrespeitar pessoas se eu não estiver por perto. Comecei a pensar que trabalho demais e não iria estar perto. Comecei a ficar atribulado. Uma coisa que era para me deixar feliz, me deixou preocupado. Então fui e voltei totalmente diferente, voltei com um amor pela barriga sensacional. Entendi que a “parada” não era ficar me preocupando, mas dar amor para sempre.

“Tem gente que gosta de ser engraçado para a família, vestir umas ‘paradas’, fazer mágica. Nunca fui assim”

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