10 minute read

Surra de palavras

Next Article
Air Jordan 1

Air Jordan 1

COM SUAS OBRAS QUE POSICIONAM FRASES CURTAS SOBRE IMAGENS EM PRETO E BRANCO, BARBARA KRUGER FAZ DURAS CRÍTICAS AO CONSUMISMO, AO MACHISMO E À POLÍTICA. SEUS TRABALHOS, COM MENSAGENS SINTÉTICAS E DIRETAS, SÃO CONSIDERADOS PRECURSORES DOS MEMES E TWEETS QUE HOJE DOMINAM A COMUNICAÇÃO NA WEB

Os salões do MoMA (Museum of Modern Art) exibem obras de grandes mestres como Pablo Picasso, Henri Matisse, Frida Kahlo, Wassily Kandinsky, Georgia O'Keeffe, Andy Warhol, Yayoi Kusama e até Tarsila do Amaral, entre tantos outros. Mas, neste momento, a área mais movimentada do museu nova-iorquino é a que abriga a nova exposição de Barbara Kruger.

Advertisement

A artista norte-americana, de 77 anos, envelopou com suas obras em diferentes escalas as paredes, o piso, o teto e as escadas de um dos átrios da instituição localizada na Rua 53. A mostra imersiva Thinking of You. I Mean Me. I Mean You. fica em cartaz até o início de janeiro. Para quem ainda não ligou o nome à pessoa, Barbara é a autora daqueles mundialmente famosos trabalhos que misturam fotografias publicitárias ou da mídia em preto e branco sobrepostas por tarjas vermelhas com legendas curtas e impactantes grafadas em fontes "basiconas" como Futura Bold Oblique e Helvetica Ultra Condensed.

As imagens banais ganham força e outros sentidos quando surgem com as frases de efeito, os questionamentos e os instigantes aforismos selecionados por Barbara. Os principais “alvos” de suas criações são o consumismo, a política e a opressão ainda imposta às mulheres. “Sou uma pessoa interessada em discutir os conceitos de poder, controle, dinheiro, amor, dor, prazer e morte. Faço um trabalho que mistura humor e crítica. Me considero uma provocadora”, sintetiza a artista. De sua “metralhadora”, saem palavras cheias de ironia e sarcasmo que nos fazem repensar preceitos, subverter crenças e questionar as estruturas de poder. Um de seus primeiros trabalhos foi um pequeno painel com uma mão segurando uma espécie de bilhete com os dizeres “I Shop Therefore I Am”, que, de uma forma ultrassimples, transformou o pensamento clássico do filósofo francês René Descartes (“Penso, logo existo”) em um bordão satiricamente anticonsumista. Em outra de suas icônicas criações dos anos 1980, ela misturou a imagem de uma mulher refletida em um espelho estilhaçado com a sentença “You Are Not Yourself”. A observação, que em tese não faz muito sentido, tem um efeito questionador, perturbador e desconcertante sobre quem a lê. Converte um comentário numa espécie de desafio psicológico e existencial.

Para a Marcha das Mulheres de Washington, em 1989, Barbara criou um pôster com reproduções em positivo e negativo do rosto de uma mulher, sobrepostas pela frase “Your Body Is A Battleground” (Seu Corpo É Um Campo de Batalha) – uma obra que atacava os congressistas (em sua esmagadora maioria homens) que se reuniam para estabelecer leis anti-aborto sem que as mulheres fossem incluídas na discussão. “Eu trabalho com fotos e palavras porque elas têm a habilidade de descrever quem somos, o que queremos e no que nós nos transformamos”, explica Barbara, que, nos anos 1970, estudou arte na prestigiosa Parsons School of Art & Design de Nova York, tendo como mestra a respeitada fotógrafa Diane Arbus, e depois viveu durante anos em Berkeley, no campus da Universidade da Califórnia, onde aprofundou seu conhecimento das teorias de Roland Barthes e Walter Benjamin sobre comunicação e semiótica. Filha de uma secretária e um técnico em química que trabalhava na Shell em Nova Jersey, Barbara começou sua vida profissional como diagramadora da revista Mademoiselle , onde usava as fontes tipográficas de forma sedutora para valorizar as bonitas fotos de moda e beleza. A atmosfera de glamurosa fábrica de sonhos da editora Condé Nast (que também publica outras revistas, tais como Vogue , Vanity Fair e Allure ) serviu de aprendizado para sua carreira como artista plástica. E, mais do que apenas uma escola ou uma inspiração, serviu também para definir os alvos de suas obras com alto teor de crítica, subversão e polêmica.

Ainda nos anos 1980, ela foi representada pela vanguardista galeria Gagosian, mas logo depois juntou-se ao cast da poderosa art dealer Mary Boone. Hoje ela possui representantes em Nova York (galeria David Zwirner), Chicago (Rhona Hoffman), Los Angeles (L&M Arts) e Berlim (Sprüth Magers).

Barbara Kruger já teve suas criações expostas nos principais salões de arte do planeta, como a Bienal de Veneza, a Documenta de Kassel (na Alemanha), a Serpentine Gallery de Londres, o Whitney Museum de Nova York e o Moderna Museet de Estocolmo. Já desenvolveu obras

Além de Andy Warhol e Marilyn Monroe, a série Not Enough tem ainda Simone de Beauvoir com a irônica sentença “Not ugly enough” e Malcolm X com a tarja “Not angry enough” site-specific para muros em espaços públicos, carrocerias de ônibus urbanos e estações de trem. Num leilão da Christie’s, em 2011, uma de suas criações foi arrematada por US$ 902 mil (cerca de R$ 4,7 milhões). Como ícone pop, tem vários de seus questionadores trabalhos estampados em camisetas, pôsteres, canecas, cartões de metrô e capas de cadernos. Atualmente, Barbara divide seu tempo entre sua casa em Los Angeles e seu apartamento em Nova York. Em 2021, foi incluída na lista elaborada pela revista Time com as 100 pessoas mais influentes do planeta. Em 2008, fez um breve retorno ao universo editorial e criou uma capa para a revista New York, com uma de suas peculiares tarjas trazendo a palavra “brain” (cérebro) e uma seta apontando para a região genital de Eliot Spitzer, governador que renunciou após a revelação de um escândalo que o envolvia com prostitutas de luxo. Em 2016, ela repetiu a dose, criando outra capa para a mesma revista. Dessa vez, com uma foto grotesca de Donald Trump em preto e branco com uma faixa vermelha com a palavra “LOSER” (perdedor) em letras maiúsculas, para que não restem dúvidas.

Por conta dessa sua capacidade de sintetizar veementes mensagens com poucas palavras associadas a uma prosaica imagem desde antes do aparecimento da internet, Barbara Kruger é considerada a precursora dos memes. Numa sociedade como a nossa, que se comunica cada vez mais por meio de emojis e frases curtas com no máximo 140 toques, a linguagem dessa brilhante artista torna-se ainda mais atual. E não é só na forma – os alvos de sua acidez e seu deboche também continuam por aí. O mundo mudou, porém nada mudou. A prova disso é que ela recriou seu mais icônico trabalho em várias novas versões, mas com críticas aos mesmos temas. Aquela colagem dos anos 1980 que trazia os dizeres “I Shop Therefore I Am” ressurgiu recentemente na galeria David Zwirner como “I Need Therefore I Shop” (Eu preciso, então eu compro), “I Die Therefore I Was” (Eu morro, portanto eu era) e até “I Post Therefore I Am” (Eu posto, logo existo) – um lema bem apropriado para estes tempos de vida social mais agitada no meio virtual do que no mundo real. Hoje, quando ela fala de feminismo, afirma não querer simplesmente opor homens e mulheres. “Não acredito em guerra dos sexos. Isso é uma maneira muito binária e ultrapassada de abordar a questão. Quem é o bom e quem é o mau nesse embate?”, questiona. Por essas e por outras é que a estética e a voz de Barbara Kruger seguem consistentes, relevantes, contemporâneas e facilmente compreensíveis.

Com sua sabedoria, nos estimula a pensar. Ao longo das últimas quatro décadas, ela construiu seu próprio vocabulário visual, inundando o público com imagens e palavras avassaladoras ou mesmo agressivas para despertar nas pessoas o espírito analítico, a reflexão e a autocrítica. Esse é o mote da instalação Thinking of You. I Mean Me. I Mean You., que sintetiza todo o conceito anticapitalista e humanista de Barbara. Para finalizar esta matéria, vale a pena reproduzir algumas das profecias contidas em Forever, uma das obras que compõem a magnífica exposição em cartaz no MoMA:

In the end nothing matters

In the end hope is lost

In the end you disappear

In the end all is forgiven

In the end all is forgotten

In the end lies prevail

In the end history happens

In the end something else begins.

“Aprendi bem cedo que algo que parece não ser nada pode ser alguma coisa.” Quem disse isso foi Annie Leibovitz, um dos maiores nomes da fotografia mundial. Hoje, é difícil imaginar alguém que não conheça seu trabalho. Seja por meio da foto de John Lennon nu agarrado à Yoko na cama, de Mick Jagger e Keith Richards no palco nos anos 1970, de um Schwarzenegger fisiculturista ou do tapete vermelho sendo guardado após a renúncia de Richard Nixon. Pode ser ainda por uma imagem mais recente, como a de Olena Zelenska e Volodymyr Zelensky, primeira-dama e presidente da Ucrânia, em meio aos escombros da cidade bombardeada. Nascida em 2 de outubro de 1949 nos Estados Unidos, é a terceira filha de seis irmãos. A mãe era professora e o pai, militar da Força Aérea americana. Por conta da profissão dele, a família vivia entre uma base aérea e outra. “Quando se é criado em um carro, é fácil tornar-se artista. Víamos o mundo através do frame de um filme, que era a janela do carro”, diz Susan, a mais velha das irmãs, no documentário Annie Leibovitz - A Vida Através das Lentes, escrito, produzido e dirigido por Barbara Leibovitz, a caçula.

Elas contam que a câmera sempre foi como um membro da família, já que a mãe era obsessiva em registrar tudo. Mas, até aí, a fotografia não significava nada para Annie. Foi quando se mudaram para as Filipinas que começou a fotografar como hobby. Mas, a perspectiva só mudou quando foi estudar pintura no Instituto de Artes de São Francisco para se tornar professora e fez um seminário de fotografia na instituição. “Lembro de ficar olhando o livro [O Mundo de Cartier-Bresson] e ver que era possível viajar. A câmera lhe dava licença de sair e estar só no mundo, mas com um propósito”, diz.

It’s not only rock and roll

A revista Rolling Stone foi lançada em 1967 em São Francisco. Tom Wolfe e Hunter Thompson eram autores assíduos e, em 1970, aos 20 anos, Annie apareceu para pedir emprego. Da parceria que durou 13 anos, saíram as capas mais icônicas da revista. A primeira assinada por ela foi um retrato de John Lennon, quem voltaria a ser fotografado, tempos depois, junto com a Yoko, poucas horas antes de seu assassinato. Em 1975, foi convidada por Mick Jagger para ser a fotógrafa oficial da turnê dos Rolling Stones. “Mick e Keith tinham um poder tremendo tanto no palco quanto fora dele. Eles entrariam em uma sala como jovens deuses. Descobri que minha proximidade com eles também me dava poder. Um novo tipo de status. Não tinha nada a ver com o meu trabalho. Era o poder por associação”, contou no livro Annie Leibovitz at Work. Perto dos anos 80, a Rolling Stone já era uma revista consagrada e mudou seu escritório para Nova York em busca de mercado. Lá, Annie fotografou Bette Midler, que tinha estrelado o filme A Rosa, em uma cama de flores, dando um passo importante. “Foi quando comecei a pensar em como montar uma fotografia”, afirma.

Se por um lado encontrava-se diante de novas possibilidades, por outro, estava no auge do seu consumo de cocaína. No entanto, depois de um período na reabilitação, em 1983, a diretora de arte brasileira, Bea Feitler, a convidou para ir para a Vanity Fair. “Precisava deixar a Rolling Stone para entender o que poderia fazer e quem eu era.” Sua fama levou muitos artistas para as páginas da revista. Trabalhos de destaque foram as capas de Demi Moore grávida, de Serena Williams e da família real britânica, entre tantos outros. Em 1988, começou seu trabalho regular de moda para a Vogue, além de fazer publicidade.

Joan Didion, jornalista, ensaísta e escritora que foi fotografada por Annie em diferentes momentos, falava que passar despercebida era fundamental para a sua escrita. Ao que tudo indica, essas duas mulheres tão importantes tinham mais em comum do que a Califórnia e o rock. É a essa capacidade de se tornar invisível que muitos dos retratados por Annie creditam o seu sucesso. Vicki Goldberg, historiadora e crítica de fotografia, afirma que ela consegue fazer “fotos que contam histórias, histórias de uma frase só”.

A fotógrafa tirou manualmente os espinhos das rosas para que Bette Midler pudesse se deitar e assim, construir a foto que queria

Fotografar a dança foi uma obsessão. Para a Louis Vuitton, a concretizou com o amigo Mikhail Baryshnikov

Ela transformou Scarlett Johansson em Cinderella para campanha da Disney

Todos os anos, antes do Oscar, a Vanity Fair lança o seu “Hollywood Portfolio”, com as apostas da temporada. Em 2009, Penelope Cruz e Woody Allen estavam juntos por Vicky Cristina Barcelona

“Lembro de ficar olhando o livro [ O Mundo de Cartier-Bresson] e ver que era possível viajar. A câmera lhe dava licença de sair e estar só no mundo, mas com um propósito”

Intimidade

Em 1988, Annie Leibovitz, na época com 39 anos, e a intelectual Susan Sontag, com 55, se conheceram durante a sessão de fotos de divulgação de um livro. “Ela era exatamente a pessoa que eu queria conhecer, na hora certa”, disse a fotógrafa em uma entrevista ao Guardian. Ali, começou uma relação que durou 15 anos, com muitos altos e baixos.

Elas nunca se assumiram em público, mas moravam em apartamentos de frente um para o outro em Nova York. Depois da morte de Susan, por leucemia, Annie publicou o livro A Photographer’s Life, misturando fotos profissionais a outras pessoais, como de sua família em momentos de lazer, as duas nas inúmeras viagens que fizeram juntas, os nascimentos de suas filhas, Sarah e as gêmeas Susan e Samuelle, além das de Susan e seu pai no leito de morte.

O curioso é que o livro, criticado por muitos, levantou o tema de um dos livros de Susan, Sobre Fotografia: “um dos êxitos perenes da fotografia tem sido sua estratégia de transformar seres vivos em coisas, coisas em seres vivos”. Como aponta Benjamin Moser na biografia Sontag, “os debates que as fotos inflamaram – sobre a ética da fotografia, sobre como olhar a dor dos outros – foram uma homenagem ao pensamento de Sontag

Aos 73 anos, Annie continua sendo uma das fotógrafas mais requisitadas, o que não a tira de polêmicas. As mais recentes envolveram a ginasta norte-americana Simone Biles, fotografada para a Vogue em 2000, quando foi acusada de errar na luz e ter desfavorecido a atleta; e o casal Olena e Volodymyr, também para a Vogue , com a guerra na Ucrânia acontecendo.

A questão é que Annie não foge do zeitgeist. Uma cronista da América transforma imagens em histórias, seja de celebridades, políticos ou anônimos em situação de denúncia. Afinal, ela sabe há muito tempo que o que parece nada, pode ser muita coisa. No final das contas, como alguém diz no documentário, “ótimos fotógrafos não conseguem parar de fotografar, fazem isso como outros comem e respiram”.

Art Edition. Imagens do livro de Annie Leibovitz - Taschen. Os grandes ícones políticos também posaram para Annie. Entre elas, a rainha

Os atores Patrick Stewart and Ian McKellen – os X-Men – para o Hollywood Portfolio de 2013t da revista Vanity Fair.

Foto: Annie Laibovit

This article is from: