CARTA ABERTA AOS TORREJANOS Convidaram-me para vir a Torres Novas participar no debate “o Fazer e o Refazer da Cidade” promovido pela ADP de TN que ocorreu ontem 21 de dezembro. Aceitei-o com entusiasmo pelas raízes familiares que me ligam a Torres Novas: minha avó materna, Ana Perpétua Vassalo Namorado era de Torres Novas; aqui nasceu em 1909 e viveu a sua juventude a minha mãe, Maria Lúcia Vassalo Namorado, que num seu texto biográfico descreve minuciosamente Torres Novas do seu tempo. Aceitei-o também por razões de retrospetiva profissional: em 1977 aqui realizei o meu primeiro projeto de arquitetura, o Jardim Escola João de Deus; depois, sendo Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas o Eng. João Pedro Clara, desenvolvi vários projetos para a SCMTN e a partir de 1974 até 1992 colaborei com a CMTN na elaboração dos Planos de Urbanização e de Pormenor de Torres Novas e Riachos, do PDM de Torres Novas e na constituição do Departamento de Urbanismo da CMTN, o que me permitiu conhecer com detalhe o concelho e em particular a vila e depois cidade de Torres Novas, onde me deslocava semanalmente para reuniões na Câmara e visitas de trabalho a diversos locais do concelho. De então para cá houve um longo interregno nas minhas deslocações a Torres Novas, reatadas esporadicamente nas homenagens a minha prima Maria Lamas e mais recentemente nas indispensáveis para a doação do espólio das obras de arte do meu primo José Vassalo ao Museu Municipal Carlos Reis e organização da recente Exposição Músicos. Mas se as razões afetivas já eram suficientes, a responsabilidade profissional pelo trabalho aqui efetuado e o dever de cidadania na cooperação com uma iniciativa comunitária de interesse para o desenvolvimento da cidade reforçaram essa minha aceitação. Habilitei-me com alguma informação recente e refleti sobre a realidade presente da cidade de Torres Novas na perspetiva de “o Fazer e Refazer da Cidade” hoje, com o olhar de quem chega de fora e busca uma visão futura tendo por matriz o património cultural e conforme os princípios de um correto ordenamento do território. 1 - Introdução Como situação de referência Torres Novas é, enquanto cidade, uma estrutura urbana jovem, com uma dimensão populacional e territorial reduzida, e ainda sem o corpo de uma cidade consolidada, mas com uma história e um património socioeconómico e cultural ricos e diversificados. Ao pretender contribuir com uma visão prospetiva e mobilizadora para um correto desenvolvimento da cidade de Torres Novas, devo ter presente que Torres Novas tal como as demais cidades tem uma vida cíclica, de crescimento e envelhecimento, de expansão e contenção, de progressão e regressão, … É o que verificamos ao analisarmos as efemérides que referenciam a vida da cidade de Torres Novas, do estabelecimento humano inicial e construção do castelo aos dias de hoje; aí encontramos rastos de guerra e paz, ocupação e abandono, crescimento e declínio, até chegarmos à fase de contenção e pressentida indefinição no contexto atual (*1). 2 - A importância do património A cidade de Torres Novas é património, natural e cultural. Porque inclui valores naturais, monumentos, conjuntos e locais de interesse, ocorrências com valor histórico, artístico ou científico, e uma população que ao "Fazer Cidade" foi construindo uma
comunidade, vivendo, preservando e transmitindo uma cultura muito própria. Contudo, enquanto património, natural e cultural, a cidade é frágil, submetida aos impactos do tempo e das atividades humanas. O pluralismo do património, natural e cultural, a sua correta reabilitação, integração e utilização pelos cidadãos, designadamente o Rio e margens do Almonda, as áreas históricas, imóveis e ocorrências classificados, devem constituir elementos centrais do desenvolvimento urbano da cidade de Torres Novas que ambicionamos: porque favorece a fixação da população e a integração e coesão social, a atratividade e o desenvolvimento socioeconómico, contribui para a sensibilização e mobilização da população em projetos comunitários, visa a qualidade de vida, o bem-estar individual e coletivo, o progresso da cidade no contexto local, regional e nacional. Tal objetivo implica a imediata adoção de medidas básicas: a contenção da expansão urbana difusa conjugada com o preenchimento dos vazios urbanos intersticiais e reabilitação e valorização do espaço público e zonas históricas e áreas degradadas; a interligação em continuidade com a estrutura concelhia de proteção e valorização ambiental; a relação interativa com outros territórios de maior ou menor proximidade, relação que está na matriz da cidade de Torres Novas - implica “ o Refazer da Cidade”, como se foi fazendo e refazendo o seu tecido ao longo do tempo (*2). 3 - Uma visão para a cidade de Torres Novas Entendo que hoje “o Refazer da Cidade” de Torres Novas deve atender a um conjunto de vetores de enquadramento: de salvaguarda da identidade das componentes fundadoras do seu património (*3); de valorização dos fatores dinamizadores do seu desenvolvimento (*4); de valorização e integração dos ativos do seu património (*5); de formação e incentivo ao desenvolvimento cultural e participativo das suas organizações comunitárias (*6); de estabelecimento de pontes interativas com outros territórios de proximidade, outras culturas e identidades (*7). Em síntese, vetores de enquadramento da visão da cidade de Torres Novas que pretendemos, uma cidade coesa e com capacidade para constituir uma centralidade à escala da sub-região – numa visão síntese “Torres Novas, a cidade do Rio Almonda e das pontes para o desenvolvimento” ou “Torres Novas uma cidade no centro do desenvolvimento”. A construção desta visão implica a sua transposição para ações que a viabilizem, e a cooperação intima e transparente da administração e comunidade nessas ações: - Valorizar a relação da cidade com o Rio Almonda e salvaguardar a unidade, identidade e utilização pública das suas margens – descobrir e fruir o Rio Almonda. - Valorizar e integrar as pontes sobre o Rio Almonda na rede de espaços públicos, e na constituição e desenvolvimento das centralidades urbanas – constituir e sinalizar as pontes como locais referenciais da cidade. - Valorizar e animar a utilização do Castelo e dos Centros Históricos de Torres Novas, Lapas e Riachos de forma integrada e interativa com a valorização do Rio Almonda constituir uma estrutura de unidade e complementaridade dos três centros urbanos. - Conter a expansão difusa e a dispersão urbana.
- Constituir e valorizar como centralidades as 4 portas da cidade, sendo as portas N, E e S referenciadas a pontes sobre o Rio Almonda (a porta N ou Porta do Rio, localizada nas Lapas; a porta E ou Porta do Centro, localizada no Bom Amor; a porta S ou Porta da Cidade, localizada na Várzea dos Meziões; a porta O ou Porta da Colina, localizada nos Negréus) e sendo o Centro Histórico o ponto central e de cruzamento dos eixos transversais (eixos apx. N – S e E-W) dessas 4 portas. - Associar a esta estrutura das centralidades uma sinalética clara de orientação e informação. - Planear o desenvolvimento urbano de Torres Novas numa escala de interação próxima com Riachos, Meia Via/Entroncamento, Golegã, e numa escala de interação alargada com a sub-região em que se integra e as suas cidades, Fátima, Tomar, Abrantes, Santarém. - Incentivar a participação pública e promover concursos públicos de ideias para o ordenamento das áreas de referência. - Valorizar os técnicos municipais e promover a elaboração e atualização dos instrumentos do ordenamento do território e da gestão urbanística. - Investigar, classificar, reabilitar, sinalizar e divulgar o património natural e cultural e a memória viva das personalidades e instituições relevantes para o desenvolvimento de Torres Novas. - Dinamizar as associações, redes e eventos culturais, e sobretudo a informação e participação pública através duma gestão urbana regida por princípios éticos, de competência e transparência. É este o olhar que vos deixo sobre o futuro de Torres Novas. 4 – O meu contributo para o ordenamento da cidade de Torres Novas Finalizo com alguns contributos para o ordenamento do território da cidade de Torres Novas na perspetiva da salvaguarda e valorização do seu património - o objetivo da presente carta aberta - contributos estabelecidos a partir da ponderação de Fatores Positivos, Forças e Potencialidades, e de Fatores Negativos, Fragilidades e Ameaças. Como Fatores Positivos, Forças e Potencialidades destaco a localização central de Torres Novas, com elevada acessibilidade no país e na região, a riqueza dos seus valores culturais e ambientais, equipamentos e atividades centrais, associações e organizações culturais, sociais, económicas, a memória e iniciativa empresarial, os programas de iniciativa autárquica. Como Fatores Negativos, Fragilidades e Ameaças destaco a desatualização e suspensão dos anteriores Instrumentos de Gestão Territorial, IGT, e a carência de disposições operativas de ordenamento do território, OT, e a sua gestão apoiada em disposições fragmentárias, a fragilidade estrutural das atuais centralidades urbanas e a periferização dos grandes equipamentos, os vazios urbanos e áreas urbanas centrais degradadas, a heterogeneidade das novas áreas urbanas. Em síntese há a ausência duma estrutura urbana clara e compreensiva.
Frente às dificuldades e obstáculos - sem desistir da criatividade e da qualidade das soluções, da competência e responsabilidade que a cada um de nós cabe - devemos ser pragmáticos e claros nas ações a desenvolver, e é com este espírito que dou o meu contributo: - Constituir o Sítio Classificado de Torres Novas - da Ponte das Lapas até ao limite sul do concelho (PP/PSV da Cidade de Torres Novas e Lapas e das Margens do Rio Almonda referenciado no PDM de Torres Novas). - Consolidar e valorizar a rede dos espaços públicos, dinamizar os programas ARU Torres Novas- Rio Almonda e ARU Torres Novas - Centro Histórico, e constituir a ARU Lapas. - Desenvolver o ordenamento das propostas 4 portas urbanas da cidade como centralidades estruturantes do desenvolvimento urbano de Torres Novas, constituindo o Centro Histórico o ponto central dessas centralidades e de cruzamento dos eixos transversais (NW – SE e NE-SW) dessas 4 portas. - Incentivar a participação pública e promover concursos públicos de ideias para o tratamento das áreas de referência. - Valorizar os técnicos municipais e promover a elaboração e atualização dos instrumentos do ordenamento do território e da gestão urbanística. - Investigar, classificar, reabilitar, sinalizar e divulgar o património natural e cultural e a memória viva das personalidades e instituições relevantes para o desenvolvimento de Torres Novas. - Dinamizar as associações, redes e eventos culturais, e sobretudo a informação e participação pública através duma gestão urbana regida por princípios éticos, de competência e transparência. É este o olhar que vos deixo sobre o futuro de Torres Novas.
Torres Novas, Praça 5 de Outubro (fonte: Google 2016) Centro histórico e centro do cruzamento dos eixos transversais das 4 portas da cidade..
2016.12.21 Luiz Vassalo Rosa
NOTAS (*1) – Efemérides da Vila e Cidade de Torres Novas ...AC - Construção do Castelo pelos romanos. ...DC - Ocupação pelos árabes 1148 - Ocupação por D. Afonso Henriques 1190 - Reconquista por D. Sancho I, reconstrução do Castelo e concessão do Foral 1376 - Ampliação do castelo por D. Fernando 1380, 1438 e 1525 - Cortes em Torres Novas 1755 - Destruição pelo terramoto 1810 - Ocupação pelo exército francês 1818 - Fábrica do papel do Almonda 1845 - Fábrica da C.ª de Fiação e Tecidos 1855 - Fundição Costa Nery 1866 - Empresa de transportes Claras 1902 – Escola Prática de Cavalaria 1910 – I República 1924 - Av. Marginal 1940 - Início da recuperação do Castelo 1950 - Anteplano de urbanização da vila de Torres Novas 1974 – II República 1975/1980 - Planos de Urbanização (Torres Novas, Riachos) e Pormenor (Tufeiras, Nogueiral, Santo António/Chãs, Área Industrial Serrada Grande, Área Central Riachos) 1985 - Elevação a cidade 1997 - PDM Torres Novas 2000 – Novas acessibilidades, Circular interior, A23, Nó de Torres Novas (*2) – Caraterização da vila e cidade de Torres Novas por fases ao longo do tempo Fase 1 – O Rio, o Castelo, o Largo – o núcleo fundador e arrabalde (1190 – 1755) Fase 2 - O terramoto e a ocupação francesa (1755 – 1815) Fase 3 - A industrialização (1815– 1900) Fase 4 – A consolidação e valorização do centro (1900 – 1940) Fase 5 – A expansão por continuidade (1940 – 1985) Fase 4 – A elevação a cidade e a expansão difusa da periferia (1985 - 2015)
Fase 5 –A integração num sistema urbano polarizado e policêntrico (2015-….) (*3) - Componentes fundadoras do património - A Serra: Serra de Aire e Arrife - As Colinas e a diversidade das paisagens - A Planície e o Vale: Rio Almonda e Ribeira do Alvorão/ Paul do Boquilobo - As Referências do Património Edificado e Urbano: Castelo, Edifícios Classificados e Centro Histórico. - A população e as atividades (*4) Fatores dinamizadores do desenvolvimento - A riqueza ambiental e paisagística - A sede administrativa, o poder municipal e a integração regional - A centralidade no território nacional - As infraestruturas de acessibilidade do caminho-de-ferro LN e autoestradas A1 e A23. - As atividades, equipamentos e serviços de nível nacional e regional. - As personalidades e as instituições locais. (*5) Ativos do património - As Paisagens - Reserva Natural do Paul do Boquilobo, Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros e Monumento Natural das Pegadas dos Dinossauros, Rio Almonda, Nascente e Grutas do Almonda IIP, margens, lezírias e várzeas, açudes, moinhos, represas, tarambolas, pontes,…., Jardins, parques urbanos e espaço público,…. Amendoeiras, figueiras, oliveiras, ... - As Centralidades - Centros Históricos de Lapas e Torres Novas e Riachos, Centro Moderno de Torres Novas - Av. Dr. João Martins de Azevedo/Rua 25 de Abril/Rua da Escola Secundária, Centro Contemporâneo (pós moderno e difuso) de Torres Novas - Nó rodoviário da Várzea dos Meziões. - As Edificações e Ocorrências – Castelo de Torres Novas, Ruinas romanas de Vila Cardílio, Grutas das Lapas, Igreja da Misericórdia IIP, Nossa Senhora do Carmo IIP, Capela do Vale IIP, Igrejas do Salvador, de S. Pedro, de Sto. António, de Santiago, das Lapas, Arquitetura civil (colégios, solares, equipamentos públicos, fábricas, ruas, praças...), Arte Pública (painéis de azulejo, instalações e esculturas),… - Os Equipamentos e Entidades Culturais, Recreativas e Desportivas - Museu Municipal Carlos Reis, Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes, Teatro Virgínia, Hospital Rainha Santa Isabel - Centro Hospitalar Médio Tejo, Escola Nacional de Polícia, Escola Superior de Educação, Nersant, ….. - As Feiras e Mercados - Feira de São Gregório, Feira Anual dos Frutos Secos, Festas do Almonda, Memórias da História,.. (*6) Organizações comunitárias - As Entidades, Equipamentos e Associações Culturais, Recreativas e Desportivas. - As Autarquias Locais e Estabelecimentos de Ensino e Formação Profissional - Os Cidadãos, Empresas,… (*7) Proximidades territoriais - A Centralidade no Triângulo Concelhio e Inter-concelhio: Torres Novas - Meia Via/Entroncamento Riachos/Golegã. - A Centralidade na Sub-Região do Médio Tejo: Fátima/Ourém, Tomar, Torres Novas/Entroncamento, Abrantes.
(*8) Piscinas Municipais, Edifício Açude Real, Torres Forum, Retail Center. Torres Shopping,…
BIBLIOGRAFIA - Convenção para a proteção do património mundial, cultural e natural 1972 / Portugal 1979 - Convenção europeia da paisagem 2000 / Portugal 2005 - Cidade criativa, Estratégia, CMTN / Augusto Mateus 2007 - Declaração de Namur 2015 - Projeto de reabilitação urbana URBnovas CMTN 2015 - Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano (PEDU) CMTN 2016 - Plano de atividades CMTN 2017