Revista Yacht - Educação

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EDUCAÇÃO POR MURILO MELO | FOTOS DIVULGAÇÃO

em casa Ler se aprende EMBORA A ESCOLA SEJA ESSENCIAL, O EXEMPLO DOS PAIS OU FAMILIARES DETERMINA A RELAÇÃO QUE AS CRIANÇAS CONSTRUIRÃO COM A LEITURA AO LONGO DA VIDA

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O amor do poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989) pelas letras se manifestou cedo. Escreveu seu primeiro poema em latim, logo na infância, ainda na época do colégio interno, quando se aprofundava no conhecimento dos clássicos do pensamento greco-romano. Era uma criança que tinha muita fome de histórias em quadrinhos, gibis de terror e do Tarzan, além de ter acesso a livros, jornais e revistas em sua casa. Logo, o gosto pela escrita o fez publicardezoito títulos, entre livros de ensaios, romances, biografias e, claro, de poemas. Hoje, 25 anos após a sua morte, as obras de Leminski continuam

sendo lidas e comentadas. Entre gostar de ler e se tornar um escritor renomado, a diferença é imensa. Esse exemplo, no entanto, ilustra bem o que os educadores dizem sobre a importância da família no estímulo à leitura: as crianças devem ter contato com livros desde cedo, muito antes de serem alfabetizadas. E os pais cumprem um papel fundamental nisso, o de apresentar esse universo aos filhos de forma afetiva. Quando a mãe entoa canções de ninar todas as vezes que coloca o bebê para dormir ou quando o pai conta histórias à beira da cama antes de apagar as luzes, começam


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a trilhar esse caminho. Atualmente, a leitura em voz alta para os filhos pequenos, especialmente os menores de três anos, é uma recomendação da Academia Americana de Pediatria. A mesma orientação deverá ser seguida pelos médicos brasileiros, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria. “É como forma de estimular a leitura, aguçar os sentidos, além de favorecer o desenvolvimento da alfabetização e o fortalecimento das relações afetivas entre pais e filhos”, diz Adriana Lobão, pedagoga e vice-diretora da Escola Dorilândia, de Salvador. Ainda que as crianças não saibam ler, é preciso que elas tenham contato com as palavras para que comecem a entender a importância da língua. Os pais podem começar a contar pequenas histórias desde que respeitem a capacidade de entendimento dos filhos. No início, elas precisam ser bem curtinhas e leves. “Com o tempo, a própria criança vai começar a pedir mais emoção, o bem e o mal, a princesa e o monstro”, conta o mestre em língua portuguesa Rafael Matos. Mergulhar em histórias, sejam elas de ficção ou não, é parte importante do desenvolvimento infantil e pode trazer uma série de benefícios, como inserir em um mundo de sentidos e de significados que permite a ampliação e a construção da cultura. Caso contrário, deficiências podem aparecer. “Os estudantes brasileiros costumam ter desempenho ruim em redação e compreensão de texto, além de não conseguirem ter boa comunicação, consequência dos baixos índices de leitura no país, que vem desde a infância”, aponta Matos.

muitas ideias. O David, por exemplo, nem sabe escrever ainda, mas é bastante curioso e se expressa muito bem”, observa.

Se você olhar para os olhos de uma criança quando está contando histórias, vai perceber que eles são ora de admiração, ora de medo e excitação. Isso acontece porque elas estão também aprendendo realidades internas emocionais”.

Estimular a imaginação, aguçar a curiosidade e ajudar no desenvolvimento da linguagem, tanto escrita quanto oral, são atributos que podem ser adquiridos na infância e trazer conquistas na adolescência e na fase adulta. O psicólogo Rui Duarte, especialista em terapia infantil, explica que as histórias também minimizam aspectos da solidão, já que ampliam várias conexões cerebrais que despertam hormônios do prazer e do relaxamento, quase como uma meditação. “Se você olhar para os olhos de uma criança quando está contando histórias, vai perceber que eles são ora de admiração, ora de medo e excitação. Isso acontece porque elas estão também aprendendo realidades internas emocionais”. Em uma história bem contada de monstro, de princesa ou de herói, por exemplo, as crianças estão aprendendo a olhar para a própria realidade e a conhecer um pouco mais de si mesmas. “A leitura também é uma forma de brincar. A criança vai se divertir com as ilustrações e com as pequenas frases que podem ser lidas pelo adulto. É um momento de familiarização, de descoberta. Basta ver como os pequenos pedem a repetição de uma boa história para ver como esse contato é lúdico”, diz o psicólogo.

O pequeno David tem apenas três anos e é fissurado pelas figuras dos livros. Embora não saiba pronunciar corretamente as cores estampadas nas publicações, sabe, do jeito dele, diferenciá-las. Recentemente, o menino, que ouve histórias desde os oito meses, surpreendeu toda a família quando, em uma visita ao zoológico, reconheceu a zebra e até uma onça. “Ele já tinha visto esses animais antes, nos livros”, conta orgulhosa a mãe, Carla Ribeiro, 34, que é professora de educação infantil e sabe bem a importância da leitura: “Percebo que as crianças se tornam mais criativas, desenvolvem escrita, conseguem ter

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MOLDANDO COMPORTAMENTOS As boas narrativas podem ajudar as crianças a pensarem muito sobre si mesmas e sobre os outros. As crônicas adequadas à idade, por exemplo, podem ajudá-las a não serem individualistas, egocêntricas, e logo serem bondosas, gentis e honestas. “É quando elas estão moldando a personalidade, o caráter, se elas veem nas histórias que os bonzinhos têm finais felizes como recompensa das boas atitudes, logo serão adeptas do bom comportamento”, pontua a psicopedagoga Mônica Prado. Dentre os temas apresentados às crianças na literatura infantil, os contos maravilhosos – como as histórias dos Irmãos Grimm, na Alemanha, de Hans Cristian Andersen, na Dinamarca, ou de Garret e Herculano, em Portugal – sempre foram as narrativas mais importantes. De acordo com a professora de literatura infantil Manoela de Oliveira, essas histórias fantasiosas exploram situações que ocorrem em locais indeterminados e apresentam fenômenos que não obedecem às

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leis naturais que regem o planeta. “Embora fosse melhor explorar o mundo real onde se vive, isso não chega a ser um problema, porque ajuda a criança a desenvolver a criatividade”, acredita. Para ela, os simboliso ocultos nesse tipo de literatura ajudam a criança a defender suas vontades e a afirmar sua independência em relação ao poder dos pais ou à rivalidade com os irmãos ou amigos. “É nesse sentido que a literatura infantil e, principalmente, os contos de fadas podem ser decisivos para a formação da criança em relação a si mesma e ao mundo em volta”. A própria psicanálise se apropriou dos contos maravilhosos e seus significados simbólicos para explicar e resolver os eternos dilemas que o homem enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional. De um modo geral, essas histórias apresentam personagens bons ou maus, belos ou feios, poderosos ou fracos, de fácil entendimento, o que facilita para a criança a compreensão de certos valores básicos da conduta humana. “Os contos de fadas trazem categorias de valor que são perenes e, segundo a psicanálise, a criança é levada a se identificar com o herói não devido à sua bondade ou à sua beleza, mas por sentir nele seu inconsciente desejo de bondade e beleza e, principalmente, sua necessidade de segurança e de proteção”, diz a psicopedagoga Mônica Prado.


INCENTIVO DOS PAIS Com um boletim recheado de notas azuis em fase final do ano letivo e sempre participativa nas aulas, Letícia Barreto, 11 anos, começou a ler bem cedo, aos cinco. A menina é adiantada nos estudos, assimila fácil o conhecimento e já chegou a terminar cerca de vinte livros em um ano. Diz ser fã dos escritores John Green e Talita Rebouças, mas sai lendo tudo o que vê pela frente. “Gosto de ler de tudo, não tenho gênero preferido, eu gosto mesmo é de uma boa história”, diz a garota, que tem trocado os livros físicos pelos e-books(livros digitais). Ela é a mais nova e a única em sua casa que fez a opção por leitura online, mas diz ter um bom motivo: “Vários livros são lançados antes na internet e quando não aguento a curiosidade, eu baixo e leio no celular”, explica. Armando e Graciele, pais da menina, apoiam as escolhas da filha porque acreditam que o importante é ler, independente da plataforma. Mas o irmão é contra. Gabriel Barreto, 14, se recusa a ler livros digitais. “Eu gosto de fazer o ritual do livro novo. Tirar a embalagem, cheirar o papel, ler a contracapa e as orelhas, virar as páginas. Não troco os meus livros nem pela curiosidade de ler a história antes”, declara o adolescente, que também lê gibis e até arrisca desenhar alguns personagens das HQs. “Cresci gostando de pegar no papel, que aproxima, me dá vontade de continuar. Se eu for ler no computador, quando me dou conta, já estou no Facebook”, explica.

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EDUCAÇÃO Os pais da dupla sempre optaram por brinquedos educativos na criação dos filhos, e segundo eles, isso também ajudou a construir o amor pelos livros. “Os dois têm videogame, mas se controlam na hora de jogar. Os presentes preferidos eram lápis de cor, massinha e os livros também. Eles pediam para a gente comprar. A livraria sempre foi parada obrigatória para nós”, conta Graciele. A fisioterapeuta Tatiane Rocha, 42, costuma ler com a filha, Maria Carolina, de oito anos, à noite, quando chega do trabalho, e nos fins de semana, quando voltam de algum lazer. “É uma prática da família, não apenas por estudo, mas por prazer”, explica Tatiane. “Costumamos nos presentear com livros e, agora, minha filha só se interessa pelos maiores”. Aluna do terceiro ano do ensino fundamental, Maria Carolina leva todo mês para casa quatro exemplares da biblioteca da escola e Tatiane recebe regularmente relatórios em que o interesse da filha pela leitura é avaliado. No momento, a menina está no último volume de uma série de quatro livros

Estimular a imaginação, aguçar a curiosidade e ajudar no desenvolvimento da linguagem, tanto escrita quanto oral, são atributos que podem ser adquiridos na infância e trazer conquistas na adolescência e na fase adulta”

de cerca de 150 páginas cada um. Por mês, Maria Carolina devora 12 livros. O curioso: sempre com o som ligado. Ler com música costuma causar estranheza em muitos pais e educadores, alguns chegam até a repreender e proibir. “Desde que a criança consiga assimilar o conteúdo, não há problema. Cada um lê a seu modo”, argumenta o psicólogo Rui Duarte, especialista em terapia infantil. “Às vezes, ela se incomoda muito mais com um barulho ao redor do que com os fones de ouvido”. Os pais devem proporcionar opções de leitura variadas e evitar divisões por gênero. Segundo a psicopedagoga Mônica Prado, assim como não existe brinquedo de menino ou de menina, não existe livro para um sexo ou outro. Não ofereça à sua filha apenas histórias de princesas e a seu filho só as de piratas. “Crianças que só leem o mesmo tipo de livro acabam ficando sem conhecer por completo o mundo das ideias”, diz Mônica. A variedade de assuntos contribui para o crescimento da rede de relações da criança e para o entendimento de seu próprio mundo.

PAPEL DA ESCOLA O posto de maior influenciador da leitura era, em 2007, ocupado pela mãe, segundo pesquisa do Instituto Pró-Livro (IPL), realizada pelo Ibope Inteligência. O último levantamento, feito este ano, aponta que 45% dos leitores afirmam que o professor tem o papel maior de influenciar no hábito da leitura, assumindo, portanto, o primeiro lugar. Nessa disputa acirrada, a mãe ficou em segundo, com 43%, e o pai em terceiro, com 17%. “A pesquisa revelou de forma concreta a importância do professor na educação e na formação do comportamento leitor do brasileiro. Hoje, mais do que nunca, é preciso que esse profissional seja valorizado como contribuinte para a disseminação da leitura no país”, afirma Zoara Failla, coordenadora da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil III. Mas o resultado do estudo não deve desmotivar os pais, ao contrário. Enquanto a família dá o exemplo da leitura, a escola deve ensinar a criança a desenvolver os diferentes comportamentos leitores. De acordo com a pedagoga Adriana Lobão, da

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Dorilândia, atividades como ciranda de livros, a participação da família nos finais de semana, projetos como “uma história puxa outra”, rodas de leitura, que permitem aos professores e alunos do ensino fundamental compartilharem experiências leitoras vivenciadas, e a feira de livros são exemplos de ações que devem ser promovidas pela escola

com o objetivo de instrumentalizar o leitor em formação, para que, no futuro, possa agir criticamente diante das várias leituras que fará ao longo da vida. “A atividade diária na educação infantil, conhecida como a ‘hora do conto’, desperta o imaginário da criança, suscita a sua curiosidade e amplia o repertório de informações”.


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