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Introdução
from Sobre a Paisagem
by muriloromeu
Este trabalho surgiu como soma de diversos interesses que se acumularam ao longo da graduação, e que aos poucos foram acomodados entre os campos da arquitetura, da arte e do design. Eu não poderia imaginar, nos meus primeiros anos de FAU, que meu trabalho final de graduação seria de qualquer forma próximo ao que ele se tornou, tão distante da ideia inicial de projeto de arquitetura que me interessava. Vejo que ele só é possível por conta da multidisciplinaridade do currículo da FAUUSP e de sua estrutura, que juntos possibilitaram experimentações tanto teóricas e práticas que certamente pavimentaram o caminho deste trabalho. Destaco as aulas de Construção do Edifício e Arquitetura e Indústria, onde aprendi a manipular o concreto armado e a flexibilizar a noção de projeto; as aulas de História da Arte, Aspectos da Linguagem Contemporânea e Fundamentos Sociais, nas quais me foi apresentada a maior parte dos trabalhos e textos que servem de referência a este trabalho; as aulas de Projeto de Edificação e de Arquitetura e Cinema, onde as referências de projeto se estenderam de edifícios existentes a esculturas, intervenções artísticas e espaços narrados pelas diversas mídias.
Acredito que o título do trabalho - “Sobre a Paisagem” - seja mais explicativo do que um breve resumo poderia ser, já que o trabalho tanto discute a paisagem quanto incide sobre ela. Qualquer tentativa de o descrever em uma frase me parece contemplar algumas das experimentações em detrimento das outras.
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Embora este trabalho esteja dividido em duas partes - uma primeira, teórica, e uma segunda, prática -, textos e experimentações foram se desenvolvendo concomitantemente; o processo da primeira experimentação levava ao estudo de um novo texto, e esse texto suscitava novas experimentações. Inegavelmente, o contexto pandêmico que se instaurou em meio à execução do trabalho levou a uma reflexão dele como um todo. Novos textos surgiram, assim
1. Ferreira Gullar, “Manifesto Neoconcreto”. Publicado originalmente em 1a. Exposição Neoconcreta, catálogo. Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1959. In: Aracy A. Amaral (coord.). Projeto Construtivo Brasileiro na Arte: 1950-1962. São Paulo, Pinacoteca do Estado, 1977.
2. Claude Lévi’Strauss, “O Pensamento Selvagem”. Campinas, Papirus, 2012. como novos impedimentos e possibilidades, além de situações inesperadas. Um dos primeiros textos estudados, “Manifesto Neoconcreto”1, de Ferreira Gullar, que evidencia a necessidade de se percorrer uma obra de arte que é inapreensível de um só ponto de vista, serviu de base para o desenvolvimento de um trabalho que é apresentado virtualmente. Materialidades e escalas próprias da construção civil, que podem ser vistas na primeira experimentação, precisaram ser repensadas na escala ora de uma área de serviço, ora de um quarto. A paisagem, essencialmente coletiva, começou a ser pensada a partir da escala do indivíduo. O livro que dá nome ao capítulo que conclui a primeira parte deste trabalho é “O Pensamento Selvagem”2, de Claude Lévi-Strauss. Se antes da pandemia ele era aqui lido como o elo entre a paisagem do bricoleur e o pensamento mítico, passou a também sinalizar o caminho que segui nas últimas experimentações, que se deram, mais do que nunca, na medida do possível. Acredito que estas reviravoltas e tantas outras que também se deram - trabalhos que foram pensados e deixados de lado, textos que se mostraram insuficientes, vontades que foram compreendidas, administradas, e resignadas - apenas tornaram o trabalho mais interessante de ser realizado, proporcionando-o camadas que não seriam de forma alguma passíveis de projeto.
A primeira parte deste trabalho começa no ponto de partida - o estudo das obras de Daniel Acosta - onde me foi apresentado mais profundamente o conceito de paisagem. Em seguida, no primeiro capítulo, “Uma distinção entre paisagem e espaço”, aproximo a definição de paisagem de Milton Santos à obra de arte neoconcreta descrita por Ferreira Gullar. No capítulo seguinte, “Considerações sobre o fragmento”, parto da bem-vinda relação criada por Paola Berenstein entre a obra de Hélio Oiticica e as diferentes noções de fragmento apontadas pela filósofa e ensaísta Anne Cauquelin para identificar brevemente alguns fragmentos de paisagem. O terceiro
capítulo, “Processos de Formação”, é uma reflexão a partir de um texto de Robert Smithson, “A Sedimentation of The Mind”3, acerca da continuidade entre as materialidades da paisagem natural e da paisagem construída, bem como também uma definição maior dos termos empregados durante o trabalho. O quarto capítulo, “A Entropia se Faz Visível”, leva o nome de uma entrevista4, também de Robert Smithson, na qual o artista apresenta o conceito de Entropia em sua obra e em seu entendimento da paisagem. Se o capítulo anterior se baseia no texto de Smithson, este atua mais como um complemento, onde sobreponho ao sistema entrópico da paisagem o sistema cíclico. No quinto e último capítulo, “O Pensamento Selvagem”, me baseio, como já dito acima, no livro de Claude Levi’Strauss, mais precisamente no primeiro capítulo, para aproximar os fragmentos de paisagem à produção do bricoleur.
A segunda parte é composta pelas seis experimentações. Elas ora se aproximam das discussões de um texto, ora contemplam todos eles. Cada uma delas abrange um contexto imediato, abordado na discussão específica de cada experimentação, visando que o conjunto delas tenha certa unidade, ao mesmo tempo que sejam alcançadas suas particularidades. Cada experimentação - chamada assim, e não de experimento, por considerar a importância de todo o processo de pré-produção, produção e pós-produção – segue sua metodologia específica própria.
“Despejo Inicial”, que deu início a este trabalho, foi concebida e realizada totalmente no canteiro experimental da FAUUSP, antes da notificação do primeiro caso de Covid-19 no mundo. “Ilha dos Amores”, por sua vez, foi iniciada no canteiro experimental, mas interrompida pela quarentena, e recomeçada no contexto da pandemia em meu apartamento. “Serra Pelada” surgiu através da frustração de tentar apreender - sem sucesso - a paisagem através de imagens de satélite, no confinamento do lar. “Totêmico”
3. Robert Smithson, “A Sedimentation of the Mind”. Publicado originalmente em Artforum, Setembro de 1968. In: Jack Flam (org.) “Robert Smithson, The Collected Writings”. Nova York, New York University Press, 1979.
4. Robert Smithson, “Entropy Made Visible”. Publicado originalmente em On Site #4, 1973. In: Jack Flam (org.) “Robert Smithson, The Collected Writings”. Nova York, New York University Press, 1979.
Figura 01: Nicolas Poussin. “Paisagem com Diógenes”. Óleo sobre tela, 160x221cm, 1647. e “Suiseki” foram coincidentemente desenvolvidas juntamente com as vacinas, e só saíram do papel após o início da vacinação. “Serrapilheira” foi pensada e executada no último mês deste trabalho.