A [F]figueira tem o Diabo à Beira! Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais

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FICHA TÉCNICA

CATÁLOGO Título: A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais

Propriedade e Edição: Município da Figueira da Foz Coordenação: Margarida Perrolas Coordenação Editorial: Anabela Bento Textos: Anabela Bento . António Tiza . Francisco Moita Flores . José Manuel Anes . Paulo Mendes Pinto Design gráfico: Eduardo Oliveira Fotografia: Ana Margarida Silva . Rodrigo Pinto Impressão: Tipografia Cruz & Cardoso Lda Tiragem: 200 ex. Depósito legal: 460104/19 ISBN: 978-989-8903-24-2

EXPOSIÇÃO Título: A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais

Organização: Município da Figueira da Foz . Divisão de Cultura . Museu Municipal Santos Rocha Coordenação: Margarida Perrolas Curadoria: Anabela Bento . José Santos Silva Apoio Técnico: Carlos Batista, Marta Fernandes, Marco Penajóia, Maria José Gomes, Rodrigo Pinto, Rosa Bela Silvano, Rosário Fadigas Divulgação: G.A.P - Gabinete de Apoio à Presidência Alguns textos deste Catálogo não obedecem à norma ortográfica - A.O. 90

Figueira da Foz, julho 2019


A exposição «A [F] figueira tem o Diabo à beira!» Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais, mais do que uma mostra de arte popular é a apresentação de uma magnífica coleção particular que dá o mote à 9ª edição da “Noite dos Esqueletos”, a mais divertida e assustadora noite vivenciada no Museu Municipal Santos Rocha. José Santos Silva iniciou a sua singular coleção de “Diabos” em 1980, estando aqui presentes cerca de noventa peças de estatuária de expressão popular do figurado de Barcelos, das Caldas da Rainha, de Mangualde, do Porto, de Évora e da Figueira da Foz, podendo ser apreciada uma multiplicidade de interpretações da figura do demónio e suas derivações. A temática atiça a curiosidade, tabu para uns, pela crença num poder sobrenatural maligno, aceite por outros como algo mágico-religioso e, tão somente, mito ou lenda. A personificação de tal figura cruzou todas as épocas e culturas, sejam mitológicas, pagãs ou religiosas, habitando o universo mental que constitui a nossa cultura popular. Deste modo, cumprindo a sua missão, o Museu Municipal Santos Rocha divulga a arte nas suas inúmeras expressões, tendo o poder de estabelecer o diálogo entre culturas, construir pontes entre o erudito e o popular, fomentando a democratização do conhecimento, a promoção da pessoa e o desenvolvimento da sociedade.

Um agradecimento muito especial a José Santos Silva, cuja coleção permitiu a realização desta exposição e, também, ao Eng.º Luís Ferreira pela apresentação da peça O Monólogo do Diabo, na inauguração da mesma. Termino, em nome do Município da Figueira da Foz, com uma palavra de elevado reconhecimento e gratidão pela disponibilidade e toda a colaboração, neste catálogo e nos eventos associados à exposição, ao Padre Anselmo Borges, ao Prof. Doutor António Pinelo Tiza, ao Prof. Doutor Francisco Moita Flores, ao Prof. Doutor José Manuel Anes, ao Prof. Doutor Paulo Mendes Pinto e ao Sheik David Munir.

O Presidente da Câmara Municipal Carlos Monteiro


Um Topos: O Demónio e os Nossos Demónios O Demónio, da Pré-História ao Cristianismo

A existência de demónios e a crença de que alguns deles podem possuir os corpos dos humanos para se manifestar e para realizar algumas ações, vem de muito longe. Possivelmente vem de tão longe que temos de nos remeter para a Préhistória, para as religiosidades que integravam o homem não só no vasto cosmos, mas acima de tudo no ecossistema, na natureza mais próxima. Deve ser destes tempos remotos em que uma das actividades do Xamã era, exatamente, a de manter esses espíritos ou demónios afastados do seu grupo, que se crê na existência desses seres, não deuses, mas também não humanos, meio homem e meio animal, que procuravam incessantemente retirar o indivíduo da normalidade da sua comunidade lançando o caos no grupo, tantas vezes já no limiar da sobrevivência. E é por essa via, pelo equilíbrio dos ecossistemas, neste caso não apenas fisiológicos, biológicos, mas também espirituais, que nos devemos orientar na busca das origens da crença na existência de seres demoníacos. A iconografia mais antiga que temos de supostos demónios, na Suméria, remete-nos para imagens muito semelhantes à de sacerdotes ou Xamãs, quer aí mesmo na Suméria, quer em culturas não alfabetizadas um pouco por todo o continente europeu e asiático. É corrente, desde a pré-história, onde algumas gravuras rupestres nos apresentam desenhos altamente sugestivos, até às comunidades xamânicas que hoje em dia existem na Sibéria e na Mongólia, o uso de uma iconografia que junta aspectos da figura humana com a de animais. O sacerdote ou o xamã ao usar vestes ou ao manusear ritualmente partes de leões, tigres, cervos ou peixes, não estava a divinizar esses animais, nem sequer a ideia desse animal, mas sim a invocar ou mesmo a ligar-se às forças que esse animal representava. Neste sentido, estas figurações de dupla natureza, meio animal, meio homem eram (e são) uma efectiva metodologia de re-ligação entre o universo do humano, aqui entendido na sua dimensão mais material e de sobrevivência, com tudo o que lhe é superior e ao qual se quer ligar ou re-ligar.

De facto, se olharmos para a mais distante das civilizações conhecidas, a Suméria, encontramos uma imensa e uma intensa iconografia e literatura em torno do que, à falta de melhor vocábulo, podemos designar por demónios. Desde esta cultura que todas as restantes, sejam elas semitas ou indo-europeias, povoaram o seu e, por herança, o nosso imaginário, com uma infinitude de demónios, por vezes revelando um alto grau de especialização. De uma forma geral, há cinco mil anos, quase tudo o que de negativo podia acontecer a um homem seria actividade de um demónio. O sentido negativo que a nossa cultura dá à palavra demónio, não tinha no início esse carácter pejorativo, o daimon, em grego significa apenas “ser sobrenatural”. E é este o sentido que creio podermos encontrar nas culturas mais antigas. Um ser da categoria dos sobrenaturais, especializado em fazer coisas de que o homem não gosta, com as quais não se sente bem, que representam o caos na sua vida. Contudo, fazem parte do mundo, são seus habitantes legítimos. Eles são o Caos, a imagem de tudo o que é negativo para o ser humano: o homem olhava para o mundo exactamente nessa dicotomia, neste par de opostos: a cidade ou a aldeia, o cosmos, onde tudo estava organizado e onde se sentia seguro, e a floresta ou o deserto, os espaços não dominados pelo homem, as vastas zonas de onde podia irromper toda e qualquer força natural que ele não controlava - são esses espaços, o deserto e a floresta que, pelo menos desde a suméria são povoados por centenas de seres demoníacos que a qualquer momento podem possuir o indivíduo ou alguma das suas partes. É claro que também há demónios na cidade, mas desde a Suméria que está consolidada essa ideia de que o espaço não dominado pelo homem, seja a floresta ou seja o deserto, é o espaço por excelência para a existência dessas criaturas que são o oposto da ordem e são a ligação ao mundo da morte. O cristianismo por exemplo, irá dar a um desses locais tal relevo que é aí que Jesus, durante 40 dias, sofre as famosas tentações, como que afirmando através da superação dessa prova a sua vontade e determinação em abraçar o ministério


que lhe estava predestinado. De facto, é no deserto que Jesus se vai confrontar com Satanás, tal como será no deserto que após a fase da santificação pelo martírio, findas as perseguições de Roma, os cristãos irão procurar a provação. O monaquismo que se desenvolveu em larga escala a partir de meados do séc. IV, é a imagem da busca no espaço hostil da santificação, exactamente na imagem modelar de Jesus. Contudo, a desordem e a ausência de vida eram parte integrante da geografia humana que era, obviamente, uma geografia de medos, mas era, em certa medida, uma geografia natural. Na passagem para o último milénio antes de Cristo e em especial com a crescente influência persa e da sua cultura maniqueísta, ao caos e à morte acopla-se o mal e todo o seu rol de criaturas. O caos e a morte passam a ser realidades com leitura moral numa luta entre o Bem e o Mal de que ainda não nos libertámos. Os textos sobre Jesus são a perfeita imagem disso. Nessa evolução de uma visão, podemos dizer, mais casuística do universo demoníaco, a uma realidade mais organizada em torno de uma ideia de Mundo, temos um momento literário especial em que se definem nomes e formas que nunca mais nos irão abandonar. Da cidade de Ugarit em Canaã, por volta do séc. XV a.C., temos um ciclo mitológico centrado no deus Baal que já nos apresenta um estado de elaboração teológica muito próxima daquilo que iremos encontrar no cristianismo. O deus Baal, cujo nome quer dizer Senhor, é o ordenador e gestor do mundo. Neste ciclo mitológico ele vai defrontar duas divindades para conseguir impor a sua ordem. A primeira dessas divindades, cujo nome à letra quer dizer Mar, e nos remete para todo o quadro de mitos de origem nem que a criação fora realizada a partir de um caos aquoso, serpentiforme, à imagem de Tiamat da Babilónia, tem aqui uma caracterização que não nos levanta qualquer dúvida: um dos nomes que é usado para esse deus é Lotano, uma palavra etimologicamente próxima de Leviatã e que é, noutro epíteto, designado como o “monstro das sete cabeças”.

No terceiro mito desse ciclo, Baal vai defrontar uma outra divindade em tudo um “take dois” dessa luta. Esta divindade agora é, literalmente, a Morte. Baal vence a morte e apesar de já antes terem surgido mitos de divindades que regressam do mundo dos mortos (como a já referida Inana), é aqui que se cimenta a tradição mental e a teologia de um ordenador do mundo que para impor o seu reino terá que morrer, ressuscitar e vencer a morte. Quando chegarmos a um século depois da época de Jesus, toda esta imagética se manterá em tudo semelhante, e quando no Apocalipse, dito de João, for posta a descrição profética do fim dos tempos, o ser que irromperá após a sétima trombeta será um dragão de sete cabeças e dez chifres chamado de a “antiga serpente”, que retoma iconógrafa os mitos de Ugarit, e só a muito custo será vencido pelo arcanjo Miguel. Se olharmos para a história bíblica, vemos logo na primeira geração de humanos não criados por Deus – isto é, os filhos de Adão e Eva, Caim e Abel – uma dicotomia que, no fundo, nos mostra como os monoteísmos olham a humanidade. Nos diálogos entre Deus e estes dois irmãos (no livro do Génesis), vemos que com naturalidade, Deus admite que, a priori, Caim tem como que uma propensão natural para o mal, como que prevendo a desgraça que vai ter lugar, isto é, o assassínio de Abel. Num sentido, porventura, mais popular, os monoteísmos, especialmente o Cristianismo, adotaram com tremenda facilidade, esta visão de que metade da humanidade tem propensão para o mal. No fundo, está aqui uma das formas possíveis de a possessão ter lugar: o futuro possuído é alguém que, no seu dia a dia, já é próximo do mal, a ele familiar, a ele submetido em muitas das suas ações.

Paulo Mendes Pinto Investigador e Professor Universitário Coordenador da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona


O Demónio e o Islão O Islão não apresenta significativas formas que sejam diferentes do restante Mediterrâneo. No geral, os três monoteísmos abraâmicos são muito próximos na forma como concebem os seres divinos perigosos, maléficos ou malignos. Contudo, há peculiaridades interessantes a ter em conta no caso islâmico. E a primeira delas encontra-se na forma como Allah, Deus, criou esses seres. A visão corânica é semelhante à bíblica, mas com alguns aspectos de grande interesse. Nas 15ª e 18ª Suras, temos, não apenas a indicação de como Deus “criou” Satanás, designado por Iblis, enquanto ser “caído”, mas também como tencionava que este se articulasse com o Homem. Interessa ver um dos breves textos: Criámos o homem da argila, de lama com que se modela. Antes já tínhamos criado génios de fogo venenoso. … quando Deus disse aos anjos: “Criei o homem da argila, desta lama maleável”. Quando o tiver formado e tiver soprado nele o Meu Espírito, devereis prosternar-vos diante d’Ele em adoração. E todos os anjos se prosternaram, Á excepção de Iblis, que recusou pertencer ao número dos que se prosternavam. [Deus] disse[-lhe]: “Ó Iblis, porque não queres pertencer ao número dos que se prosternam? “Nunca me prosternarei diante de um mortal que Tu criaste da argila, desta lama maleável”. [Deus] disse: “Então sai daqui, pois és um lapidado!” (XV, 26-35) Não só os génios / demónios foram criados antes do Homem, como lhes foi pedido que se lhe submetessem. Mais, não apenas Iblis não se submete, como reclama da centralidade dada ao novo objecto da criação de Deus. A “queda” de Iblis advém dessa recusa que implicou uma imediata condenação. Aqui, Iblis tinha como objectivo de vida predestinado por Deus, o trabalho para o Homem, o que nos leva a equacionar a própria condição humana, numa centralidade na economia da Criação que vai muito além da ideia geral que as culturas cristãs, especialmente a Católica, desenvolveram: o Homem como centro do pecado. De facto, condenado Iblis, a vingança deste é lançada contra o Homem. De tal forma o Corão trás esta imagem vincada,

que uma das formas mais comuns de designar Iblis é como “sedutor”. Sendo esta a palavra muitas vezes usada em algumas traduções para Iblis / Satanás, ela é imagem da forma de agir, da metodologia inerente à sua actividade: seduzir os humanos para o seu lado, o lado oposto de Deus. A Sura 4ª é clara nesta caracterização de Iblis: Satanás, porém, pretende desviá-los para bem longe da Verdade (IV, 63) E esta ideia de que o Homem está constantemente sob a mira de Satanás e do seu exército de demónios é um forte enformador de mentalidade. Tanto mais que ao Homem, pela ideia de pecado, de fuga ao caminho de Deus, está sempre presente a possibilidade de se transformar como que em demónio. Ambos, Homens e demónios terão o mesmo fim: Nós reuniremos todos [os homens] e os demónios, para depois os colocarmos ajoelhados em volta do inferno. (XIX, 69) De facto, no limite, a equação pode parecer jogar-se no descodificar de quem é o demónio. Mas o Corão não apresenta uma visão do Homem assim tão negativa. Ambos, Homem e Satanás, foram talhados para um juízo final. Mas por razões díspares. O Homem não cometeu esse “pecado original” que cometeu Iblis, Satanás. E por isso, para os muçulmanos, Deus recheou o Corão, de apelos e de exortações para que se afastem das tentações dos demónios, distinguindo os caminhos. As metodologias de exorcismo e de fuga aos demónios existem e são apresentadas como eficazes. Exemplos dessa postura encontram-se um pouco por todo o Corão: Dize, “Ó meu Senhor! Procuro um refúgio junto de Ti contra as tentações dos demónios!” (XXIII, 99) E a solução corânica, mais que dar ferramentas concretas para um rito, apresenta um grau de subtileza já muito elevada e sofisticada. Ao rito contrapõe o caminho interior e a oração individual.


Numa religião centrada num Texto Sagrado, o próprio texto, o Corão, é a chave, a solução, quer para a prevenção, quer contra o ataque. Perante a verificação de que muitos procurarão puxar o Homem do caminho de Deus, Deus afirma pelo Corão: Se receberes um incitamento por parte de Satanás, procura refúgio junto de Deus, porque Ele ouve e sabe tudo. […] Quando recitam a Leitura, deveis estar atentos e silenciosos para poderdes alcançar a misericórdia de Deus. (VII, 199 e 203) A postura islâmica vem, claramente, antes de apresentado o problema. A oração diária serve como constante rededicação do crente ao caminho de Deus. Dois versículos são dos mais comummente indicados para pedir a Deus a protecção contra o erro e contra os demónios: Dize: “Ó Senhor faze-me entrar como justo e faze-me sair como justo e concede-me da Tua parte protecção poderosa”. Dize: “A verdade surgiu e o erro dissipou-se. Na verdade, o erro tem de se dissipar” (XVII, 82 e 83) E o sentido desta protecção garantida a priori, surge até no quadro da visão do mundo, da própria cosmologia. De facto, e apesar de algumas tradições cristãs também o apontarem, como para o caso de Francisco de Assis, no Cristianismo o fenómeno dos demónios parece centrar-se essencialmente no domínio dos indivíduos. No Corão, os demónios, como que retomando as ideias que desde a Suméria caminharam na nossa mente, os demónios surgem, por norma, apartados do mundo dos Homens. Esta ideia surge várias vezes no texto corânico, em versões quase iguais (nas Suras XV, XXXVII e LXVII). Vejamos uma delas:

Mas mais que esta dimensão de afastamento dos demónios ao mundo, há este lado de castigo que, aliás, já tinha sido lançado como certeza na Sura em que é narrada a queda de Iblis: o castigo viria também no dia do Juízo Final. Ora, no versículo seguinte a este trecho citado, é criada como que uma sinonímia entre os demónios e os próprios humanos que não sejam crentes. No fundo, quem é o demónio de quem? De facto, toda a aparente “liberdade” dos demónios se tem de compreender num quadro em que o único dado que é inquestionável é que nada belisca o poder de Deus. Deus é só um, como se afirma no 1º Pilar do Islão, a chamada Profissão de Fé. Mas, de facto, o Corão tem um lado bastante diferente do que normalmente julgamos para a relação entre Deus e os demónios. Por vezes, os demónios são efectivamente usados como arma de Deus, como metodologia de castigo: E quem se afastar do Chamamento do Misericordioso, ligá-lo-emos com uma cadeia a um demónio que será seu inseparável companheiro. E, na verdade, estes [demónios] afastá-los-ão certamente do caminho [de Deus], quando se julgam na boa direcção. (XLIII, 35 e 36) Esta ideia de ser Deus a enviar demónios para junto dos infiéis é repetida por diversas vezes, especialmente na Sura XIX (86). Num sentido mais específico, voltamos ao que já dissemos: pela perspectiva corânica, apesar de os demónios perseguirem o Homem, eles apenas o fazem porque Deus assim o entende, quer como prova, quer como castigo. Irmanados do mesmo fim, ambos prestarão contas no dia do Juízo Final.

E ornamentámos com luzes o mais baixo dos céus e Nós colocámo-las lá para repelir os demónios e para eles preparámos os tormentos da Chama (LXVII, 5) Os astros são uma cintura de defesa espiritual contra ataques da horda de demónios de Satanás. Neste horizonte, já passámos francamente do universo da vida quotidiana de cada um, das suas opções em relação ao tal “caminho”, e já estamos perante o universo dos equilíbrios cósmicos. Estes demónios já não se preocupam apenas em desencaminhar uma ou outra alma, mas sim em conquistar o mundo. De tal forma que Deus fortificou o mundo.

Paulo Mendes Pinto Investigador e Professor Universitário Coordenador da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona


Os Custos da Imortalidade A primeira evidência material da existência de seres humanos, encontrada pela investigação arqueológica, é um testemunho tanatológico. Isto é, no conjunto de competências que permitiram identificar o homo sapiens sapiens, enquanto um animal diferenciado, capaz de resolver problemas com recurso ao pensamento abstracto, a consciência de que iria morrer tornase no epicentro da própria realização humana. No Génesis está proclamado o axioma absoluto: Em dia e hora que desconhecemos todos iremos morrer. Porém, em todos nós, habita o mais extraordinário dos sonhos e que nos acompanha desde que foi colocada a primeira pedra tumular que testemunha a inquietação existencial perante a finitude. Todos nós ansiamos pela imortalidade, recusando o morrer, nele procurando encontrar a explicação que não permite a persistência da vida tal como a conhecemos. Edgar Morin vem sublinhar esta contradição. Somos o único animal que, desde muito cedo, sabe que vai morrer e, por outro lado, todos nós queremos atingir a imortalidade. Este é o psicodrama primordial. Que permite compreender a evolução das sociedades humanas, a elaboração instrumental e a necessidade da descoberta, o viver gregário como estrutura de interajuda, as estratégias de organização social, a evolução da complexidade nos vários sectores do trabalho e da modernização, a educação como motor libertador do desconhecimento, o endeusamento dos saberes hipocráticos,

a obtenção de conforto, enquanto fuga ao sofrimento, sinal de ameaça de que a morte anda do perto. Esta construção do ethos, conforme cada comunidade, alberga o teleologismo essencial. Conforme nos afastamos (e recusando) da ideia do morrer, desejando acrescentar vida ao despojo físico do cadáver putrefacto, (que simbolicamente significa o fim de qualquer forma de vida humana) interpelou os homens para a necessidade escatológica, ou seja, conseguir segurar a confiança na imortalidade através de práticas e teoréticas que interpelam a mera evidência empírica da morte. Ninguém a conhece. Manifesta-se, mesmo escondida ou recusada, como uma omnipresença tão poderosa e tão irrefutável que só encontra explicação no domínio das forças que condicionam a Vida – que sempre sai vencedora – através da manipulação e discussão sobre o invisível. No que respeita aos saberes elaborados, construídos racionalmente, a filosofia, e em particular a metafísica, procura respostas quanto às nossas preocupações ontológicas, que, nas suas finalidades últimas, visam estabelecer a relação da imortalidade com a eternidade, para usar uma expressão de Yankelevitch.


Diabos à Solta

A possibilidade dos homens repudiarem a Morte, ou a ameaça, construiu, no domínio do fantástico e das crenças populares, ao longo dos milénios, um conjunto de personagens fabulosas capazes, pelos seu poderes naturais e sobrenaturais, de modificar percursos pessoais ou comunitários no sentido de os libertar do morrer ou, agindo por artes maléficas, de empurrar inimigos para o tão hediondo destino fatal. A história da Humanidade (incluindo a pré-história) é um extraordinário mundo de multidões invisíveis, constituídas por diabos, por deuses, por espíritos maléficos, atulhado de almas penadas, aves agoirentas, animais com peçonha, miasmas, fenómenos naturais que, no seu conjunto, expressam manifestações do Mal ou do Diabo, ou mais simplesmente da omnipresença da Morte. Ela está aí, armada da sua gadanha que ceifa vidas, tanto ontem como hoje, para as levar ou para o Hades ou para as chamas do Inferno. De qualquer Inferno já que a dor, o sofrimento, daqueles que testemunham a partida dos seus entes queridos é de uma dimensão tal que só pode ser uma amostra das penas eternas. Nas culturas populares, enfrentar estes exércitos negros e ameaçadores, exige práticas e comandantes, qual guerra em curso, para afastar demónios, esconjurar maus espíritos, desbaratar almas penadas. A história dos curandeiros, dos bruxos, dos feiticeiros, dos druidas, das curiosas, dos magos, dos espanta espíritos, começou no dia em que o Homo sapiens sapiens tomou consciência de quem dia e hora que desconhecia, estava destinado a morrer. No dia em que percebeu que se iria transformar num cadáver putrefacto, pestilento, causando repulsa, incapaz de vida tal como ele a entendia. E vivia. Exorcizar demónios, vencer quebrantos.

As Igrejas monoteístas bem cedo perceberam que este rendilhado multidiversificado de crenças, de remédios pagãos, de espiritualidade repentista, era adversário de peso. No que respeita à Igreja cristã, sobretudo depois do Concílio de Trento, radicalizou a luta. Já ‘nacionalizara’ os exorcismos, apropriara-se dos rituais pagãos de maior coesão social, queimou bruxas e feiticeiros, dividiu com fronteiras bem delineadas o Bem e o Mal. A reacção dos gestores da adivinhação e dos caprichos do Maléfico foi idêntica. Os feiticeiros passaram a lutar contra o Diabo, em nome de Deus. As bruxas passaram a usar escapulário e terços, padres nossos e avé marias no seu cardápio de receitas contra os malefícios do Além, enriquecendo a instrumentação disponível para combater o Diabo. A luta continua acesa. Das Igrejas tradicionais emanciparam-se novas formações eclesiais que conseguiram ‘casar’ crença e fé. Basta ver alguns canais de televisão onde pastores nascidos da melhor charlatanice fazem milagres em directo. A sina lida na palma da mão entrou em desuso. A revolução tecnológica integrou este mundo do fantástico e os computadores produzem horóscopos para um ou para mais dias. Os diabos sofisticaram-se. Os seus ministros adaptaram-se. A economia introduziu-se no psicodrama e são milhões e milhões de euros que são reproduzidos nesta indústria de combate do Bem contra o Mal. A omnipresença da Morte assim o exige.

Francisco Moita Flores Escritor, Investigador e antigo Inspetor da Polícia Judiciária


O Diabo

Enquanto que no universo das religiões abrahamicas o diabo está fora de um sistema bem ordenado, fazendo no seu exterior todas as malfeitorias, no universo do paganismo verifica-se uma atitude mais filosófica e integradora. Vejamos o caso exemplar do Orfismo em que o Caos se inscreve numa tríade com Cronos e Gaia, havendo uma tensão criadora entre o Caos e a Ordem que dela emerge. O Caos, nesta aproximação à realidade, é fonte de Criatividade e não de desordem. Esta visão do mundo aproxima-se e antecipa de algum modo os conceitos modernos da ciência do Caos em que a Ordem e a Criatividade nascem das instabilidades caóticas – veja-se o caso de Prigogine com a teoria das Estruturas dissipativas que lhe valeu o Prémio Nobel da Química.


Assim o Caos não é nada de radicalmente maléfico e destrutivo mas sim fonte de criatividade, sendo o Caos e a Ordem duas facetas coexistentes da realidade em mútua relação dialética – o Acaso e a Necessidade, dirá o biologista Monod.

retira-los à sua posse”. Na inteligente encenação editada em vídeo - Salzburgo 2006 -, verifica-se que enquanto Cipião se debate na difícil escolha entre Constança e Fortuna, ambas se abraçam e beijam dando testemunho da sua complementaridade.

Há uma ópera do jovem Mozart, com sábio libreto de Metastásio, O Sonho de Cipião, em que este adormece e nas regiões estelares defronta-se com duas mulheres que disputam os seus favores, a Constança e a Fortuna. A primeira afirma que “tudo no mundo é Harmonia e Proporção, como dizia o filósofo de Samos (Pitágoras)”, afirmando a segunda que se Cipião a escolhesse “ele teria os impérios que quisesse, mas que ela poderia também depois

Assim, em vez de um mal comportado Diabo fora do sistema, temos que na visão do paganismo, inteligente, integradora e quase científica a Ordem e o Caos são duas facetas da realidade, nascendo uma da outra e regressando uma à outra.

José Manuel M. Anes Investigador e Professor na Universidade Nova de Lisboa e na Universidade Lusíada de Lisboa Caparica, 12/8/19


Diabos nos rituais de mascarados São várias as figuras diabólicas que intervêm como protagonistas nos rituais festivos do inverno do Nordeste Transmontano. Desde logo, os mais notórios são os de Vinhais que saem à rua na Quarta-feira de Cinzas. Também em Bragançacidade saem no mesmo dia e no desempenho de funções similares: o acompanhamento da Morte. Na Terra de Miranda e na comarca de Aliste saem uns mascarados a quem se apelidam também de diabos, uma espécie de ápodo de outras designações que estes mascarados possuem: carochos, chocalheiros, cencerreros, velhos, zangarrões, tafarrones… “De todas as personagens mascaradas deste tipo, é talvez o Chocalheiro de Bemposta aquele em que os atributos do Demónio são mais ostensivos”1. Na Antiguidade, os diabos eram “daemones”, demónios ou espíritos. Sendo entidades pagãs, o cristianismo “diabolizou-os”, na tentativa de os afastar das práticas religiosas ou mágicas em que os seus fiéis ‘pagi’ (rurais) reincidiam. Nas celebrações atuais, diluem-se nestas personagens elementos míticos ou simbólicos da cultura clássica romana e da época medieval. Talvez, quem sabe, terá ficado na memória coletiva do povo a expressão: “se Deus é bom, o Diabo também não é mau”. E verdade é que, se analisarmos com alguma atenção as funções que hoje desempenham, constatamos que, em nenhum evento festivo, eles se assumem como seres maléficos; bem pelo contrário, os diabos das mascaradas de inverno de Bragança (distrito) e seus homólogos de Zamora (província) agem sempre em benefício das comunidades que os mantêm; se assim não fosse, já os teriam eliminado. Mas não; preservam-nos como entidades benfazejas, quase sagradas, que celebram determinadas “liturgias” em certos dias festivos do ano: na noite de Todos os Santos, no Natal, Santo Estêvão, Ano Novo, Reis e Quarta-feira de Cinzas. Em Cidões (Vinhais), na festa da Cabra e do Canhoto, o Diabo surge na aldeia à meia-noite de 31 de outubro; esta

é a hora mágica, um dos momentos “da revolução solar diurna em que se efetuam várias sortes de magia […] se combinam os pactos com as entidades demoníacas”2 . É justamente a esta hora que desce o carro de bois, carregado de troncos de carvalho e, em cima deles, sua majestade o Diabo agitando o tridente e o cetro adornado com a figura da Cabra. O carro, vindo da escuridão do monte, solta aquela chiadeira estridente: um som arrastado, como o de um instrumento de sopro qualquer, serpenteando por uma imaginária escala sem classificação musical. Desce a estrada, travado pela força dos rapazes que, em circunstâncias como esta de descida íngreme, toda ela tem de ser aplicada na contenção da sua marcha que a própria gravidade impulsiona. O Diabo é o mascarado que confere toda a magia à celebração. Assumindo esta condição, traz a cara encoberta por uma máscara de uma beleza horrível, feita de madeira, com sulcos profundos na face; tem um par de cornos vermelhos e uma cabeleira negra. Veste um fato-macaco pintado de vermelho e uma capa negra com as insígnias da morte. Do alto do seu carro, apresenta-se ao ajuntamento como o chefe das hostes infernais. Incita os seus sequazes a prosseguirem a marcha do carro e mobiliza-os para a instauração do caos na aldeia. Fazendo jus à sua condição de mascarado, “assume o papel de personagem principal; a metamorfose a que se submete tem como finalidade torná-lo um ser superior, transcendente, misterioso e profético”3. Por isso, o povo reconhece e aceita a intervenção deste mascarado diabólico como sendo absolutamente necessária para o afastamento dos espíritos maléficos. O carro do Diabo prossegue a sua marcha, sem parar, pelas ruas estreitas da aldeia. Vai circulando movido pelos rapazes, cuja energia parece renovar-se a cada passagem estratégica pelo largo da celebração. De pé, no alto do madeiro, segue o titã Diabo dando as suas ordens. Durante toda a noite, há que virar a aldeia do avesso. No dia seguinte, nova ordem será estabelecida na comunidade de Cidões e esta é a ação benfazeja do Diabo.

1 PEREIRA, Benjamim, 1973, Máscaras Portuguesas, Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa, pág. 110. 2 PEIXOTO, Rocha, 1990, Etnografia Portuguesa, Pub. Dom Quixote, Lisboa, pág. 66. 3

TIZA, António Pinelo, 2006, O Mascarado – Ritos do Inverno Transmontano, in Máscara Ibérica, Edições Caixotim, Porto, pág. 54.


O Chocalheiro de Bemposta é o mascarado que sai à rua nos dias festivos de Santo Estêvão e do Ano Novo. O povo chamalhe Diabo. Contudo, é ele que assume todo o protagonismo do ritual do peditório e da visita a todas as casas da freguesia. Apesar da sua conotação diabólica, o povo respeita-o como um ente sagrado, uma espécie de divindade popular. Personagem misteriosa e mágica, sem dúvida, o Chocalheiro apresenta-se vestido com um fato-macaco de linho grosseiro, de cor cinzenta escura. A tiracolo leva dois chocalhos – daqui o nome – que anunciam a sua chegada e avisam os donos da casa que devem estar preparados para receber a sua solene comitiva. A sua máscara carrega um conjunto de elementos simbólicos relacionados com a sabedoria e a fertilidade. Pensando bem, são símbolos que nada têm de diabólico. António Mourinho, historiador mirandês, assim descreve o Chocalheiro: “Nas pontas dos chifres ostenta duas laranjas espetadas; cai-lhe do queixo uma barbicha de bode; na parte da nuca pende-lhe uma bexiga de porco cheia de vento; na testa tem um disco (laranja em baixo relevo) e escorrendo pela face uma pequena serpente; na mão segura uma tenaz e rodeada à cinta mostra uma serpente de grande porte”. A interpretação que faz destes elementos simbólicos retira ao Chocalheiro toda a carga diabólica que o povo lhe tem vindo a conferir: “O touro representou para os antigos a força física e criadora e onde quer que este símbolo apareça, quer nas culturas neolíticas, quer na iconografia e nos ídolos de forma bovina eles marcam a presença e são a expressão da Grande Mãe da Fertilidade”. Também a serpente é considerada um animal que simboliza a sabedoria e a fertilidade. Já no livro do Génesis, “a serpente apontava a Adão e Eva o caminho da deificação, se comessem do fruto da árvore proibida por Deus. Além disso, havia um mito arcaico que dizia que a serpente guardava a fonte sagrada da imortalidade” 4. Os próprios frutos colocados na máscara do chocalheiro, uma laranja na testa e duas na ponta dos cornos, podem simbolizar, ao serem associados a esta personagem mágica, o culto da fertilidade da terra e um ato propiciatório à divindade pela fecundidade na natureza e nos humanos. O que, aparentemente, se afigura contraditório é que seja o Diabo a fazer o peditório a favor do Menino Jesus e de Nossa Senhora. Mas, se assume estas funções é porque não se trata de nenhum diabo, mas de um “daemon”, uma personagem sagrada que sai à rua para executar rituais em benefício do povo. Os diabos de Vinhais entram no exercício das suas funções logo após as badaladas da meia-noite de Terça-feira de Carnaval. Efetuam então as primeiras investidas contra os foliões que saem dos diversos locais de diversão. Já durante o dia, dezenas e dezenas de personagens diabólicas vagueiam pelas ruas da vila atormentando os transeuntes e fustigando-os sob as vergastadas acutilantes dos seus cinturões. São as raparigas quem mais sente na pele os castigos penitenciais deste primeiro dia da Quaresma. 4

A personagem da Morte é única, sagrada e, portanto, intocável. Só sai no próprio dia de Cinzas. Há um séquito de diabos que têm a incumbência de proteger a Morte e capturar as vítimas que irão ser submetidas à imposição de sacrifícios e ritos penitenciais. Recentemente, o cerimonial foi reforçado e promovido, com o intuito de permitir a participação, no papel de diabos, de todos quantos o desejarem, sejam pessoas da terra ou de outras paragens. Foram restaurados alguns rituais perdidos e outros foram criados, no modo de encenação teatral e com respeito pelo espírito da tradição. Os diabos são em grande número; o traje é constituído por uma só peça – um fato-macaco de flanela de cor vermelha, com um capuz que lhes cobre a cabeça e a cara; a máscara é a parte da frente do capuz, onde se abrem os orifícios dos olhos e da boca, em jeito de máscara, podendo ter dois cornos espetados na testa e feitos do mesmo tecido. Armam-se com um cinturão de couro ou com uma corda grossa, que usam para descarregarem chicotadas sobre todos quantos encontram na rua, principalmente sobre as moças. De facto, hoje, são estas o principal alvo dos diabos que, logrando capturá-las, as levam à pedra; aqui são apresentadas à Morte que as submete a um rito penitencial: ajoelhadas, devem rezar uma certa oração e beijar a gadanha da Morte. Em Vinhais, os diabos e a Morte cumprem o sagrado ritual da penitência como, aliás, o cumpriam os antigos sacerdotes de Pã, no apelo cíclico à fecundidade, anunciando a entrada da nova estação da Primavera. Ou seja, simbolicamente, os diabos atuam para a expurgação dos males do povo. Vinhais está, assim, mediatizada como a Terra dos Diabos. Também em Bragança, na mesma Quarta-feira de Cinzas, saem à rua três personagens de mascarados: a Morte, o Diabo e a Censura. Formando um ou vários trios, atuam sempre como um grupo bem coeso e assumindo cada personagem as suas funções. A personagem da Morte veste um fato-macaco de cor preta, máscara na cara, carapuço na cabeça, tudo pintalgado de forma rudimentar, um esqueleto humano; traz ao ombro uma gadanha e na mão um chicote para vergastar a garotada e as moças. As personagens do Diabo e da Censura acompanham a Morte, formando uma espécie de trio penitencial ou castigador. A sua ação converge no mesmo sentido de purificar a comunidade para a Quaresma ou para a nova estação da primavera. António Pinelo Tiza Investigador e Professor Universitário Presidente da Direção da Academia Ibérica da Máscara

MOURINHO, António, 1993, Figuras Rituais da Terra de Miranda, ed. Câmara Municipal da Câmara de Miranda do Douro, pág. 5.


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

As entradas do catálogo obedecem à seguinte estrutura: Autor Data Materiais Dimensões em milímetros: altura por largura Proveniência

14


Museu Municipal Santos Rocha Convida...

Museu de Olaria MunicĂ­pio de Barcelos


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

Rosa Ramalho

Rosa Ramalho

JĂşlia Ramalho

Barro Policromado Galegos S. Martinho Barcelos

Barro Policromado Galegos S. Martinho Barcelos

Barro Vidrado Galegos S. Martinho Barcelos

1960

16

1965/1968

S/d


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Autor Desconhecido

Mª de Lourdes Duarte Ferreira

Barro Policromado Barcelos

Barro Policromado Galegos S. Martinho Barcelos

S/d

2006

17


Cada um vê mal ou bem… Conforme os olhos que tem! “O Diabo é um ser de razão. Não se trata de uma criatura irracional. Pelo contrário, é o fruto dos esforços do espírito humano para encontrar uma explicação lógica para o problema do mal.” Georges Minois

A figura do Diabo, personagem do mundo do fantástico, é omnipresente na longa história da Humanidade. A sua origem perde-se no tempo, no imaginário popular e no quotidiano das gentes, assumindo as mais diversas formas, seja nos contos, narrativas e lendas, seja nas representações pictóricas e escultóricas. Ao longo de milénios, o arquétipo do Mafarrico foi sendo paulatinamente delineado, reinventando-se não só através da tradição oral e da literatura, mas também pela assimilação das conceções pagãs e da iconografia judaico-cristã. Esta personagem rebelde, que encarna o grande opositor cósmico, soube adaptar-se a todas as civilizações e a todas as mutações. Um “Ser” do sobrenatural, transversal às mais variadas culturas mundiais e que se manifesta na cultura popular portuguesa, através do artesanato, numa multiplicidade de interpretações, que diferem de região para região. Esta forma popular de expressão artística, numa miscelânea entre o sagrado e o profano, retrata o quotidiano e a criatividade dos artesãos que modelam essas figuras demoníacas em metamorfoses de cores aguerridas. Após tomar conhecimento da Coleção de Diabos de José Santos Silva e de perceber o valor artístico daquelas admiráveis peças de estatuária de expressão popular, imbuídas de criatividade, nasceu a ideia de conceber e realizar uma exposição. O desafio era grande: como abordar a temática de forma despretensiosa e sem ferir suscetibilidades? Que critérios conceptuais seguir no discurso expositivo? Num sistema de comunicação não-verbal, como “dialogar” com o público proporcionando-lhe um espaço de experiências?

Em resposta a todas estas questões intuímos que o melhor caminho era associar o figurado à tradição dos provérbios populares e às designações que este Anjocaído assumiu ao longo dos tempos. Nas nossas pesquisas deparámo-nos com um número infindável de provérbios que aludem ao Diabo e ao Inferno, compelindo-nos, numa análise crítica, a selecionar os que melhor se coadunassem com as peças a expor. O mesmo se passou com os nomes atribuídos a este Ser Infernal – Demónio, Lúcifer, Satanás, Baphomet, Cornudo, Tinhoso, Belzebu, entre muitos outros – que povoam o imaginário e as crenças do povo. São estas gentes que exorcizam os seus medos transpondoos para a arte do barro, modelando notáveis peças, umas seguindo os cânones mais formais com figurações andróginas e animalescas, enquanto outras sobressaem pelo seu caráter jocoso, brincalhão e provocador, qual Diabo tentador. Da confluência destas ancestrais tradições populares aconteceu a exposição A [F]figueira tem o Diabo à beira. Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais, não sendo nossa pretensão conceber uma mostra sobre o figurado popular, mas tão somente partilhar com o público uma fascinante Coleção de Diabos.

Anabela Bento Museu Municipal Santos Rocha Divisão de Cultura



A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Rosa Ramalho

Rosa Ramalho

Barro vidrado 250 x 140 Barcelos

Barro vidrado 290 x 120 Barcelos

Segunda metade séc. XX | Décadas de 50/60

20

Segunda metade séc. XX | Décadas de 60/70


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Rosa Ramalho

Rosa Ramalho

Barro vidrado 250 x 130 Barcelos

Barro vidrado 100 x 110 Barcelos

Segunda metade séc. XX | Décadas de 60/70

Segunda metade séc. XX | Décadas de 60/70

21


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Júlia Ramalho

Júlia Ramalho

Barro vidrado 270 x 120 Barcelos

Barro vidrado 305 x 165 Barcelos

Segunda metade séc. XX | Década de 80

22

Segunda metade séc. XX | Décadas de 80/90


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Júlia Ramalho

Júlia Ramalho

António Ramalho

Barro vidrado 315 x 135 Barcelos

Barro vidrado 305 x 165 Barcelos

Barro vidrado 345 x 120 Barcelos

2014

Segunda metade séc. XX | Décadas de 80/90

2019

23


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Mistério

Domingos Gonçalves Lima Segunda metade séc. XX | Décadas de 50/60 Barro policromado 465 x 250 Barcelos

24


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Mistério

Domingos Gonçalves Lima 1997 Barro policromado 200 x 175 Barcelos

Mistério

Mistério

Mistério

Barro policromado 220 x 85 Barcelos

Barro policromado 150 x 70 Barcelos

Barro policromado 165 x 80 Barcelos

Domingos Gonçalves Lima Segunda metade séc. XX | Décadas de 70/80

Domingos Gonçalves Lima Segunda metade séc. XX | Décadas de 70/80

Domingos Gonçalves Lima Segunda metade séc. XX | Décadas de 70/80

25


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Mistério Filho F A

Mistério Filho F A

Barro policromado 225 x 120 Barcelos

Barro policromado 230 x 115 Barcelos

Agostinho Lima Segunda metade séc. XX | Décadas de 80/90

26

Agostinho Lima Segunda metade séc. XX | Décadas de 80/90


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Mistério Filho F M

Mistério Filho F M

Mistério Filho F M

Mistério Filho F F

Barro policromado 145 x 75 Barcelos

Barro policromado 145 x 70 Barcelos

Barro policromado 140 x 70 Barcelos

Barro policromado 135 x 65 Barcelos

Manuel Lima 2017

Manuel Lima 2018

Manuel Lima 2017

Francisco Lima 2017

27


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

MistĂŠrio Filhos M F

Manuel Lima e Francisco Lima 2018 Barro policromado 240 x 320 Barcelos

28


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Mistério Filhos M F

Manuel Lima e Francisco Lima 2019 Barro policromado 305 x 175 Barcelos

29


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

MistĂŠrio Filhos M F

Manuel Lima e Francisco Lima 2017 Barro policromado 210 x 160 Barcelos

30


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Mistério Filhos M F

Manuel Lima e Francisco Lima 2018 Barro policromado 340 x 390 Barcelos

31


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

MistĂŠrio Filhos M F

Manuel Lima e Francisco Lima 2019 Barro policromado Barcelos

32


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

33


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Júlia Côta

Júlia Côta

Barro policromado 170 x 120 Barcelos

Barro policromado 270 x 120 Barcelos

Segunda metade séc. XX | Década de 70

34

2017


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Júlia Côta

Júlia Côta

Júlia Côta

Barro policromado 150 x 65 Barcelos

Barro policromado 210 x 100 Barcelos

Barro policromado 145 x 85 Barcelos

2016

2016

2016

35


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Júlia Côta 2017

Barro policromado 470 x 220 Barcelos

36


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Prazeres Côta

Prazeres Côta

Barro policromado 260 x 120 Barcelos

Barro policromado 240 x 160 Barcelos

2019

2017

37


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Prazeres Côta

Prazeres Côta

Barro policromado 230 x 85 Barcelos

Barro policromado 255 x 100 Barcelos

2016

38

2016


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Prazeres Côta 2019

Barro policromado 320 x 220 Barcelos

39


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

Alberto Pinto

BasĂ­lio Costa Lopes

Barro policromado 465 x 240 Barcelos

Barro policromado 425 x 180 Barcelos

2014

2018

Alberto Pinto

Alberto Pinto

Barro 160 x 110 Barcelos

Barro 180 x 85 Barcelos

2019

40

2019


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Conceição Messias 2019

Barro policromado 350 x 180 Barcelos

Domingos Ferreira Pedro 2015

Barro policromado 340 x 180 Barcelos

41


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Emília Messias

Emília Messias

Barro 340 x 235 Barcelos

Barro vidrado policromado 300 x 200 Barcelos

2019

42

2019


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Mª Helena Pedro da Silva

Mª Helena Pedro da Silva

Barro policromado 290 x 140 Barcelos

Barro policromado 560 x 230 Barcelos

2018

2018

43


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

Irene Salgueiro

2014

Barro policromado 490 x 135 Barcelos

44


Anjos CaĂ­dos, Figuras DemonĂ­acas e Seres Infernais.

Irene Salgueiro

Irene Salgueiro

Irene Salgueiro

Barro policromado 235 x 160 Barcelos

Barro policromado 170 x 125 Barcelos

Barro policromado 235 x 160 Barcelos

2015

2014

2015

45


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

Irene Salgueiro

Irene e AntĂłnio Salgueiro

Barro policromado 660 x 240 Barcelos

Barro policromado 460 x 170 Barcelos

2018

46

2019


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

António Salgueiro 2019

Barro policromado 470 x 145 Barcelos

António Salgueiro 2019

Barro policromado 185 x 120 Barcelos

47


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Irmãos Baraça

Irmãos Baraça

Barro policromado 245 x 110 Barcelos

Barro policromado 340 x 180 Barcelos

2019

48

2019


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

João Gonçalves Ferreira

João Gonçalves Ferreira

Barro policromado 250 x 165 Barcelos

Barro policromado 240 x 105 Barcelos

2017

2017

49


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

Joaquim Esteves

2018

Barro policromado 360 x 220 Barcelos

50


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Jesus Pias

Jesus Pias

Grés policromado 130 x 100 Barcelos

Grés policromado 230 x 80 Barcelos

2017

2017

51


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

Laurinda Pias

Laurinda Pias

Barro policromado 280 x 145 Barcelos

Barro policromado 360 x 150 Barcelos

2014

52

2017


Anjos CaĂ­dos, Figuras DemonĂ­acas e Seres Infernais.

Laurinda Pias

Laurinda Pias

Barro policromado 295 x 135 Barcelos

Barro policromado 190 x 180 Barcelos

2017

2019

53


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Luísa Melo 2016

Barro policromado 280 x 190 Barcelos

Mª de Lourdes Duarte Ferreira

Mª de Lourdes Duarte Ferreira

Barro policromado 240 x 90 Barcelos

Barro policromado 255 x 180 Barcelos

2017

54

2019


Anjos CaĂ­dos, Figuras DemonĂ­acas e Seres Infernais.

Luisa Pereira 2018

Madeira, tecido e papel policromado 330 x 160 Barcelos

55


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

Manuel Macedo

Manuel Macedo

Barro policromado 520 x 280 Barcelos

Barro policromado 390 x 200 Barcelos

2018

2019

Col. Particular JoĂŁo Valente

56


Anjos CaĂ­dos, Figuras DemonĂ­acas e Seres Infernais.

Manuel Macedo

Manuel Macedo

Manuel Macedo

Barro policromado 235 x 225 Barcelos

Barro policromado 410 x 215 Barcelos

Barro policromado 390 x 200 Barcelos

2003

2018

2019

57


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

MC

MC

Barro policromado 150 x 70 Barcelos

Barro policromado 160 x 70 Barcelos

Autor desconhecido Segunda metade do séc. XX

58

Autor desconhecido Segunda metade do séc. XX


Anjos CaĂ­dos, Figuras DemonĂ­acas e Seres Infernais.

Mina Gallos

Felismina Faria Silva 2018 Barro policromado 330 x 170 Barcelos

59


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Nelson Oliveira

Mónica e Pedro

Barro policromado 350 x 185 Barcelos

Faiança policromada e vidrada 180 x 135 Caldas da Rainha

2019

60

2019


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Mena

Atelier Mena & Cª 2017 Barro policromado 240 x 100 Figueira da Foz

Odete de Sousa 2019

Barro policromado e lã virgem 465 x 140 Figueira da Foz

61


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

Rosa Portela

SĂŠrgio Amaral

Barro policromado 215 x 220 Barcelos

Barro preto 240 x 140 Mangualde

2018

62

1997


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Sérgio Amaral

Sérgio Amaral

Barro vidrado em técnica Raku 410 x 160 Mangualde

Barro policromado 400 x 190 Mangualde

2017

S/d

Col. Particular João Valente

63


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

Telmo Macedo

Telmo Macedo

Barro policromado e ferro 260 x 120 Barcelos

Barro policromado e ferro 360 x 380 Barcelos

2019

64

2016


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Conceição Dias

Conceição Dias

Isabel Pereira

Barro policromado 235 x 115 mm Barcelos

Barro policromado 225 x 115 mm Barcelos

Barro policromado 180 x 60 Barcelos

2019

2019

2013

65


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Glória Araújo

Porfírio Mendes

Plástico e fio de lã 360 x 145 Barcelos

Cortiça e ferro policromados 350 x 150 Barcelos

2018

66

2018


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Porfírio Mendes 2018

Cortiça e ferro policromados 340 x 460 Barcelos

Zé Alves (?)

Barbara Gabriela da Cruz

Folha de Flandres 300 x 230 Podence

Barro vidrado 125 x 125 Porto

2018

2019

Col. Particular J. Soares Pinto

67


A [F]figueira tem o Diabo à Beira!

Alonso Artesanato 2019

Barro policromado 270 x 235 Barcelos

Mena

Atelier Mena & Cª 2019

Alonso Artesanato

Barro policromado e lã 340 x 235 Figueira da Foz

Barro policromado 285 x 190 Barcelos

Col. do autor

68

2019


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Zé Mano 2018

Ferro policromado e ráfia 350 x 350 Barcelos

Carlos Batista

Joaquim Messias

Barro policromado 225 x 120 Figueira da Foz

Ferro policromado e ráfia 350 x 350 Barcelos

2019

2018

Col. do autor

69


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

Pavlo Domitrashchuk 2019

Massa de modelar 340 x 190 Figueira da Foz

Joaquim Pinto

2019

Pasta de Papel 160 x 140 Barcelos

70


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

Tiago Cabeça 2019

Barro policromado 335 x 180 Évora

71




A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

74


Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

75


A [F]figueira tem o Diabo Ă Beira!

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Anjos Caídos, Figuras Demoníacas e Seres Infernais.

77


Diabos te levem!!




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