Ficha técnica Exposição Revisitando Manuel Filipe: A Reserva da Família A Reserva do Museu Municipal Santos Rocha Propriedade e edição Município da Figueira da Foz Organização Câmara Municipal da Figueira da Foz Coordenação Margarida Perrolas - Divisão de Cultura - CMFF Rui Miranda - Galeria Manuel Filipe - CMC Apoio Ana Paula Cardoso Anabela Bento Anabela Zuzarte José Santos Silva Maria José Gomes Rosa Bela Silvano Design gráfico Eduardo Oliveira Ilustração João Ricardo Pinho da Cruz Divulgação Natércia Simões Impressão Tipografia Cruz & Cardoso, Lda Tiragem 300 ex. novembro 2017 Depósito legal ISBN 978-989-8903-28-0
índice
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MENSAGEM DO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DA FIGUEIRA DA FOZ
O PINTOR NO ATELIER E NA VIDA
REVISITANDO MANUEL FILIPE ATRAVÉS DA RESERVA FAMILIAR
A RESERVA DA FAMÍLIA
COLEÇÃO DO MUSEU MUNICIPAL SANTOS ROCHA
MANUEL FILIPE: O QUE GOSTARÍAMOS DE TE TER DITO…
É com grande honra que o Município da Figueira da Foz, numa estreita colaboração com o Município de Condeixa, acolhe a presente exposição, fazendo reviver e perdurar a memória do insigne pintor Manuel Filipe. A exposição Revisitando Manuel Filipe congrega num mesmo espaço a reserva da família e a reserva do Museu Municipal Santos Rocha, num total de vinte e nove notáveis trabalhos. Marcando de forma indelével o imaginário coletivo de ambos os concelhos, a sua pintura, integra o processo dinâmico, de construção continuada, que se alimenta de várias fontes no tempo e no espaço e que se traduz na identidade cultural de um território. A irreverência de Manuel Filipe transpõe para a pintura a expressão dramática da temática social, enaltecendo os valores da vida, representando figurativamente as injustiças sociais, os infortúnios da pobreza e da servidão, o campo e o trabalho rural. Interpretando de forma muito própria as linhas da corrente neorrealista, que emergiu das contradições político-sociais do pós-guerra, produziu, entre 1942 e 1947, um singular acervo de pinturas e desenhos a carvão, onde seres humanos protagonizavam a angústia e o medo, a guerra, o totalitarismo, o trabalho desumano, a fome e a exclusão social. As personagens que traça “contam histórias”, e do seu percurso como professor permaneceu a firme convicção do papel pedagógico da arte, pelo que, para além do legado à sua terra natal, Condeixa, doou inúmeros trabalhos a museus e instituições. À Figueira da Foz refere-se como “(…) A minha praia de infância e juventude(…)”, ao nosso Museu, a quem legou dezassete trabalhos, incluindo desenhos a carvão e pinturas a óleo, diz:“(…) A minha oferta seria o testemunho de gratidão por tudo quanto devo à nossa querida Figueira. (…)” Revisitando Manuel Filipe é uma sentida homenagem ao autor pela sua ligação à nossa cidade e, sem sombra de dúvida, um momento marcante para o Museu Municipal, pois permite dar a conhecer ao público a excelência deste artista plástico.
O Presidente da Câmara Municipal
Dr. João Ataíde
MANUEL FILIPE nasceu em Condeixa em 1908. Professor do ensino liceal. Influenciado pelo Expressionismo e pelo Realismo Socialista, trabalhou intensamente de 1943 a 1945, mas cessou totalmente a sua actividade de 1945 a 1961, retomando-o novamente em 1962. Medalha de prata do XI Salão da Primavera do Estoril. 1.0 Prémio do I Salão do Alentejo, em Elvas. Visita museus e galerias da Europa, Marrocos e Turquia.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS 1945, 1947, 1952, 1966, 1968, 1971 e 1978 -Almada, Barreiro, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Condeixa, Covilhã, Estoril, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Lisboa, Portimão, Porto, Santarém e Setúbal. EXPOSIÇÕES COLETIVAS 1946 I - Exposição Geral de Artes Plásticas (S.N.B.A.) 1947 lI - Exposição Geral de Artes Plásticas (S.N.B.A.) 1962 lII - Salão da Fundação Calouste Gulbenkian IV Salão de Arte Moderna (S.N.B.A.) 58.º Salão da Primavera (S.N.B.A.) 1963 - 59.º Salão da Primavera (S.N.B.A.) 1965 - Exposição de junho -Tema «Cidade» (S.N.B.A.) 1967 - V Salão de Arte Moderna (Junta de Turismo do Estoril) 1968 - Concurso Nacional de Pintura «BP» Salão Guérin de Artes Plásticas IV Salão do Casino do Estoril VI Salão de Arte Moderna (S.N.B.A.) 1969 - Exposição do Cinquentenário da Morte de Amadeo de Sousa Cardoso 1970 - Salão do Alentejo, em Elvas 1973 - Aniversário da Casa do Alentejo 1974 - Maias para o 25 de Abril (Galeria de São Mamede) 1975 - Encontro Livre de Artes Plásticas (Galeria Nacional de Belém) 1976 - Salão de Abril (S.N.B.A.) 1977 - Mitologias Locais (S.N.B.A.) 25 Pintores em Tóquio (Galeria Nika) 1987 - Manuel Filipe, exposição itinerante organizada pela Direcção-Geral da Acção Cultural/ Secretaria de Estado da Cultura
1990 - 14 pintores de Condeixa, Condeixa 1991 - Exposição de pintura de Manuel Filipe, Centro Sócio-Cultural de Ermesinde, 1990 Lisboa: Século XX nas Artes Plásticas, Lisboa 1991 - Exposição de pintura e desenho, Galeria Diário de Notícias 1994 - Manuel Filipe: Fase Negra, Galeria Municipal de Exposições de Vila Franca de Xira 1994 - Imagens da Família: Arte Portuguesa: 1801-1992, Caldas da Rainha 1995 - Exposição individual na Escola Secundária de S. João do Estoril 1996 - Galeria Manuel Filipe. Condeixa 1996 - Exposição Neo-realismo/Neo-realismos, Câmara Municipal Almada 1996 - Exposição de Artes Plásticas Neo-Realismo / Neo-realismos, Casa-Museu Abel Salazar, 1997 - 250 obras de Arte Contemporânea: Colecção Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, 1920-1997, Vila Franca de Xira 2001- Roteiro: Rabaçal, Aldeia Cultural, Câmara Municipal de Penela 2002 - O século XX nas colecções do Museu do Chiado, Museu do Chiado, Lisboa
O pintor no atelier e na vida AntĂłnio e LuĂs Filipe (Filhos de Manuel Filipe)
PROFESSOR DE ALMA E CORAÇÃO, MANUEL FOI DURANTE MUITO TEMPO PINTOR DAS HORAS VAGAS. Nem por isso menos empenhado na arte que o apaixonava e a que dedicava os seus tempos de ócio e reflexão, por vezes em longas discussões com alguns dos seus alunos que, por ele influenciados vieram a ser artistas também. Grande amante da natureza, habituou-nos a nós seus filhos, a longas caminhadas pelo campo durante as quais não perdia uma oportunidade de meter conversa com quem trabalhava a terra ou se alongava nos fins de tarde das aldeias.
Os temas também nos eram familiares por via de umas férias na Beira ou no Algarve, dos passeios à beira-mar ou em zonas portuárias, entre guindastes e navios. Mais tarde a pintura tornou-se mais absorvente. Na casa de S. Pedro (a quem o pai nos contava, brincando, que escrevia cartas a pedir que o deixasse viver pelo menos até aos 100 anos!) o atelier ocupava mais de metade do espaço; aqui realizou, após abril de 1974, obras de enormes dimensões que expôs em dezenas de locais do país no desejo de dialogar, através dos seus trabalhos, com o “grande público”, o que foi sempre a sua grande preocupação e prazer como artista e como homem. Manuel Filipe foi um homem da família e da arte, não deixando de ser um grande amigo dos seus alunos e da sua querida Natureza (a sua mística!). António e Luís Cascais, abril de 2017
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O atelier sempre fez parte da casa, habituámo-nos ao cheiro das tintas e dos diluentes, ao contacto dos diversos materiais com que trabalhava, cenário de tantas tardes de estudo na nossa adolescência.
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Essa vivência entranhou-se nas nossas vidas e na sua arte, de forma bem percetível nesta revisitação dos seus trabalhos.
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REVISITANDO MANUEL FILIPE ATRAVÉS DA RESERVA FAMILIAR Com base num anterior escrito sobre o espólio legado por Manuel Filipe (MF, como assina a grande maioria dos seus trabalhos plásticos) à família1, procura-se com o presente texto facultar e melhorar a compreensão da sua obra, entretanto possibilitada pela investigação nova de mais ampla informação e documentação. De facto, o espólio plástico e pictórico de MF é uma obra aberta: desafio constante à interpretação e entendimento do(s) conceito(s) estéticos e à interpretação da sua teorização prática, pois à medida que vamos avançando e nos deparamos com novas informações e obras, surgem novas leituras / interpretações que nos levam mais fundo ou até, possivelmente, a direções não totalmente coincidentes com aquelas veiculadas inicialmente. A presente exposição traz agora ao Museu Municipal Santos Rocha as obras da Reserva Familiar do pintor, dando-se a conhecer ao público da Figueira da Foz uma mostra única, pois esta coleção só foi exposta em Condeixa, em julho de 2017, sendo praticamente
desconhecida doutros públicos. A mostra permite, sem dúvida, uma releitura expositiva de Manuel Filipe, um artista dos prelúdios do neo-realismo plástico e pictórico, que tem sido deliberada e consistentemente empurrado para as margens desacertadas da história da arte em Portugal. Uma vez mais, o pintor é apresentado agora numa outra dimensão, ou noutra vertente insondada, muito além da série dos seus desenhos negros. Este acervo particular é constituído por 12 obras oriundas de vários períodos cronológicos. Se algumas se inscrevem numa das três reconhecidas fases da sua pintura (a fase negra, a intermédia e a final), outras extravasam essa cronologia especificamente balizada, que hoje já se demonstra incorreta ou insuficiente para analisar a sua obra. Nascido no seio de uma família humilde em Condeixa, em 1908, no Cruzamento, à vista das ruínas de Conímbriga, Manuel Filipe fará o ensino liceal em Coimbra, cidade por onde andou e na qual irá concluir o curso de
1 «Um outro olhar sobre MF: através da Reserva Familiar», in Catálogo Manuel Filipe: A Reserva da Família, Condeixa, Câmara Municipal, 2017.
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Em 1938, o pintor fará uma solitária, mas frutífera, viagem de estudo pela Europa, passando por Espanha e Itália, e visitando museus e galerias de França e Suíça. Esta jornada estará no cerne do desabrochar do artista e contribuirá para o reforçar de uma consciência social traduzida na procura de um Novo Humanismo, como anota no seu curioso Caderno de Viagem. Pouco depois de regressar, começa a esboçar, em Leiria, uma arte que represente o povo trabalhador e a dura realidade em que vive, que acabará por eclodir na Fase Negra a partir de 1942 e
Reprimido e censurado, proibido de expor publicamente pela própria PIDE, em 1947, na sequência da II EGAP onde um dos seus quadros, Asilo (grupo de raparigas), lhe é apreendido, após a travessia do deserto na qual pinta e desenha mas não expõe, entre 1947-60, Filipe voltará ao convívio do público com uma nova fase artística, a Fase Média, vincadamente experimentalista iniciando um percurso abstratizante e geométrico entre c. 1960-70, caracterizado pela nula ou apenas insinuada presença da figuração humana (com a exceção de algumas obras onde essa figuração nitidamente persiste), o ensaio de composição é mais denso e dominado por uma paleta de tons brancos, pretos, azuis, verdes e ocres, que se vai diluindo e transitando das puras formas geométricas para conteúdos cada vez mais abstratos e experimentais. A sua linguagem plástica torna-se mais lúdica e grande parte, se não mesmo a base, da sua obra passará a ser a representação livre de «paisagens» nas quais a cor se insinua na paixão pela luz, e onde predominam, sobressaindo, os tons vermelhos e ocres associados ao térreo Alentejo e os tons brancos e azuis relacionados, na sua maioria, com as açoteias Algarvias. Mas, ainda assim, a sua aventura cromática não levará totalmente ao abstrato3. Irá usar elementos como areia, cordas, colagens várias, tudo objetos e materiais que extrapolam a tela
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Professor habilitado do ensino liceal na Guarda, Castelo Branco, Leiria, Lisboa e Cascais, pedagogo de grandes e reconhecidos méritos, Filipe era acarinhado pelos alunos, tanto mais por acreditar e veicular uma arte de bases simples, acessíveis, facultando uma aprendizagem de tipo sensorial e não-coativa, na exposição da qual o papel do professor, no seu entendimento, pelo menos nas artes plástico-visuais, consistiria em orientar a jornada de cada aluno na procura de uma expressividade própria. Neste sentido, chegou mesmo a escrever um Compêndio de Desenho para o II Ciclo dos Liceus, em 1950, que só será oficialmente adotado em 19672.
que se prolongará até 1945, arte (de) crítica às condições desumanas e injustiças sociais vividas pelo povo. É nesta década muito profícua que desenvolve uma linha estética excecionalmente forte, praticada quer ao nível das artes plásticas, quer pensando-a ao nível teórico, numa atitude pioneira que irá confluir no grande rio, já então engrossado, da arte Neorrealista, sobretudo no terreno literário que não no campo pictórico.
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formação pedagógica para a docência de desenho no ensino secundário ou liceal, como então se designava. Na cidade do Mondego, terá os seus primeiros contactos com as artes plásticas e o desenho e neste contexto as frequentes idas ao Museu Machado de Castro terão um importante papel. Em Coimbra integrará o grupo modernista Os Divergentes, inscrito num modernismo não-presencista do qual irão subsistir algumas amizades como Cândido Costa Pinto, Moli (Mário de Oliveira) e doutros, fora do círculo «divergente», como José Contente.
2 Cf. Archer de Carvalho, João, Manuel Filipe e a sua Fase Negra (1942-45) no contexto do Neo-Realismo pictórico, Condeixa, Câmara Municipal, 2017, pp.13-31. 3 Cf. id., ib., pp. 32-33.
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e lhe conferem uma sensorial 3.ª dimensão, como se o real invadisse o seu espaço imaginário e o imaginário se tornasse o espaço real por ele conjeturado.
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Na Fase Última (ou Fase Colorida como lhe chamará Joaquim Namorado4), entre 197078, Filipe irá adotar uma linguagem artística na qual argamassa desperdícios da sociedade urbana e industrial, ferros, madeiras, cordas, latas, areias, ou ainda os elementos que surgem pintados nas telas como a bigorna, o balde, a escada e outros – estratificações e testemunhos arqueológicos de uma ausente presença humana, que converte em material pictórica para as suas telas, cujas temáticas são retiradas da, e reinscritas na, vida quotidiana. Temáticas essas que serão mesmo elas próprias citações, agressivos estilhaços, de um real cravado na tela. Nestas obras Filipe rejuvenesce, as cores e representações são violentas, rudes e algumas provocadoras, chocantemente infantis, deixando a marca da estupefacção no observador. Ao contrário das duas fases anteriores, mais cerebrais, aqui flui um rastro, um fulgor, de esperança, ímpeto, vivacidade, como se conduzisse a sua alegria de viver para as telas5, demonstrando-nos que o ímpeto de vivacidade juvenil do(s) (seus) trabalho(s) é, sobretudo, um estado de alma. Esta periodização hermenêutica da sua obra, pelo próprio indicada, será hoje, porém, manifestamente limitada: não só existem obras, posteriores a 1978, que chegam até 1994 (ou até que ultrapassam esta data), que não estão sequer devidamente balizadas e estudadas, como as Fases Média e Última não estão ainda dissecadas, com o necessário rigor, não permitindo compreender as circulações
internas que ambas delineiam. Por essas mesmas razões, apenas nos propomos avançar com a nossa interpretação destas peças. Artista pouco convencional e de espírito eclético que não se vinculou a uma arte sistémica, muralista sem muros na cidade proibida, Filipe experimentou várias técnicas como carvão e grafite, pastel, tinta-da-china, aguarela, óleo, lápis de cera, guache, tela-colagem e montagem, serigrafia e ainda desenhou cartões para a tapeçaria. Destas experimentações e da procura de um rumo, de técnicas, cores e anseios / estímulos estético-visuais e de uma orientação artística, como iremos ver nesta exposição (e no catálogo), se dão mostras surpreendentes e, por vezes, inéditas, da sua arte. Passemos em revista a presente amostra. Arame Farpado, 1980. Se pouco está estudada a obra de MF post 1978, o pintor persistirá nas suas experimentações com materiais vários e desperdícios como óleo, madeira, lápis de cera, carvão e até utilizará elementos de ferro e arame em collages na tela. Neste carvão e pastel, rabiscos a carvão se assemelham a escrita, vestígios de letras, caligrafias e desenhos de elementos que parecem propagar-se e eventualmente diluir-se nas diagonais, verticais e horizontais de um fio violento de arame farpado, sobre um fundo beije e ocre. Também os poucos traços brancos parecem dar maior dinamismo ao fio de arame que cruza quase toda a superfície do quadro. A própria assinatura de MF, no canto inferior direito, parece emaranhada no e decalcada do arame farpado. Esta obra está muito próxima de um conjunto de várias outras datáveis da mesma época ou pouco posteriores: Caligrafia (1980, técnica mista sobre madeira)6; Divertimento (1980, técnica mista sobre madeira)7; Divertimento (1982, óleo
4 Cf. Namorado, Joaquim, «Duas fases da obra de Manuel Filipe», Vértice, n.º 410/411, 1978, julho - agosto, p. 445. 5 Cf. Archer de Carvalho, J., ob. cit, pp. 32-33. 6 Cf. Casa da Achada, Col. ML, EA-OT-P-13. 7 Cf. Proveniência original da Col. Prof. Rui-Mário Gonçalves; integrou a exposição Rui-Mário Gonçalves – Homenagem, Lisboa, SNBA, 2016, p. 34, n.º 11.
Caligrafias, grafitos, marcas do tempo sobre o intemporal da pintura, ou o imemorial do gesto de pintar, Paredes, 1971, é um óleo, muito semelhante às Paredes Velhas (que só executará em 1982) e ao conjunto de duas obras Paredes (1981, óleo e colagem
Mar / Mastros, 1963, é um óleo onde predominam figuras verticais, mastros, como se surgissem do chão e fossem atraídas para cima, sugadas abruptamente por um ponto de fuga, dir-se-ia, um ausente buraco negro.
8 Cf. Museu Municipal Santos Rocha, Col. Pintura, desenho e gravura, Espólio Manuel Filipe, Divertimento I, nº de inv.: 01-G-189; Divertimento II, nº de inv. : 01-G-187. 9 Cf. Galeria Manuel Filipe, Catálogo, Condeixa, Câmara Municipal, 2007, p. 22. 10 Cf. Casa da Achada, Col. ML, EA-OT-D-12. 11 Cf. Museu Municipal Santos Rocha, Col. Pintura, desenho e gravura, Espólio Manuel Filipe, n.º de inv. : 01-G-188. 12 Cf. Obra oferecida por MF à Prof. Doutora Raquel Henriques da Silva, pertencente à sua Col. Particular. 13 Cf. Fundação de Serralves, Reserva, Col. SEC / em depósito; n.º de inventário: SC0531. 14 Cf. Col. do Museu Calouste Gulbenkian, Paredes I, n.º de inv. : 1565; Paredes II, nº de inv. : 1566. 15 Cf. Galeria Manuel Filipe, Catálogo, Condeixa, Câmara Municipal, 2007, p. 15. 16 Cf. Museu Municipal Santos Rocha, Col. Pintura, desenho e gravura, Espólio Manuel Filipe, n.º de inv. : 01-G-186.
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Nesta mesma linha, Sem Título, 1986, é uma obra (carvão sobre papel) que evoca o universo elementar ou primordial de Filipe: o carvão e o papel, o negro, os contrastes, alguns rabiscos, manchas verticalizadas com padrões desconexos, mastros que parecem “rebentar” por toda a folha, sombras e manchas de luz insuspeitas sobre o papel. Também esta obra apresentará semelhanças com outras pouco posteriores: Sem Titulo (1987)10; Porto de Mar (1988)11 e Sem Título (s.d.)12, tudo carvões sobre papel que evocam o mesmo tipo de universo de linhas verticais, horizontais e diagonais, donde parecem surgir mastros que se imiscuem no meio desse caos. Sendo ensaio posterior, parece ser, contudo, estudo preparatório para outras obras como Arame Farpado, Paredes Velhas, Divertimento (1980), Divertimento (1982), Caligrafia ou até mesmo Porto de Mar (1960, óleo sobre «platex»)13.
de elementos vários como aparite, pregos, serapilheira, pedra e papel)14 que parecem rachar as velhas formas, quase como se fosse necessário quebrar a velha ordem vigente para dar lugar à mensagem de esperança e de novidades vindouras, que o tríptico Paredes de Abril (1976, óleo e colagem sobre madeira)15 expressa já mais efusivamente. Paredes, contém alguns desenhos, palavras e símbolos coloridos, simbologias novas e juvenis (mesmo infantis) que parecem gravados (ou arranhados) por cima do velho e ultrapassado muro. A iconologia do tempo, a sombra a cobrir a superfície esverdeada de fungos de argamassas, constituem-se elementos gramaticais para um mundo por emergir. Obra de um muralista nunca cumprido, nela o muralista expõe-se enfim, as dimensões das telas aumentam visivelmente, a invasão do espaço social (e visual) pela sua pintura torna-se evidente. Considera-se nesta linha ideológica, mais do que plástica propriamente dita, expressão de um pensamento neohumanista e (também) libertário, a obra Abril de 74 (1980, técnica mista de óleo e colagem de papel sobre madeira)16.
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sobre madeira)8 e Paredes Velhas (1982, lápis de cera sobre madeira)9, tendo em comum o padrão de dispersão da linha em palavras (ilegíveis, criptografias) e símbolos que parecem abrir racha e fendas na tela / suporte da obra. De certo modo, demonstra o constante inconformismo de MF cujos ensaios estéticovisuais não parecem ter fim.
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Os mastros são predominantemente em tons azulados, com manchas vermelhas, brancas e acastanhadas. As suas extremidades contem manchas circulares e algumas em semicírculo. A superfície da tela é rugosa em tons de branco e pastel, tendo umas breves linhas pinceladas em azul escuro (ou preto), acentuando um pouco a ideia de uma certa realidade agitada e tempestuosa, própria das realidades marítimas. Partilhando o mesmo propósito de agitação e tempestuosidade de linhas e mastros temos as seguintes obras: Mastros (1968, óleo sobre «platex»)17; os painéis laterais do tríptico Mar em Festa (1980, óleo sobre madeira)18; as duas peças Festa no Mar (1978, óleo e colagem sobre madeira)19. Podemos ainda pensar em Mar / Mastros (explorado cenograficamente já na fase negra) como uma obra que será um ponto de partida para a evolução de formas espaciais em obras como: tríptico Máquinas no Espaço (s. d., óleo sobre madeira)20; tríptico Máquinas no Espaço (1968, óleo sobre madeira)21; Máquinas no Espaço (1968, óleo sobre madeira)22; Maquinetas no Espaço (1973, óleo sobre «platex»)23; e, porventura, também para o tríptico Cidade para Ninguém, sobretudo nos painéis laterais (1977, técnica mista de óleo e colagens sobre madeira)24. O óleo sobre madeira Sem Título, 1971, apresenta uma superfície de fundo branco, da qual emergem manchas e linhas de cores verde, vermelha, amarela, criando algumas formas que parecem sugerir movimento, velocidade, flechas, e outras simbologias. Tudo indica estarmos perante uma obra do ciclo
inicial e experimentalista da denominada Fase Última. Esta obra será um começo, de certo modo um ensaio cenográfico, para a criação de letras e formas verticalizantes com esferas, tema e processos que serão desenvolvidos em obras posteriores: Paredes de Abril, peça individual (1975, óleo sobre madeira)25 e um painel do tríptico Mar em Festa (1980, óleo sobre madeira)26. Sem Título, s. d., é um óleo sobre madeira que revisita um ciclo temático bem patenteado e cujas experimentações a óleo, de explícita influência e confluência do ciclo abstratogeométrico da Fase Negra está mais presente (como nos casos do mesmo tipo de experimentação abstrato-geométrica em Porto de Mar, 1960 e 1988; Sem Título, 1986; Mar/ Mastros, 1963). É uma tábua que nos parece ser um espaço de ensaísmo para muitas obras dependentes da esquadria geométrica que lhes imprime corpo, volume, sugerindo velocidade e ação. Quer esta, quer a tábua sem título anterior, estão cada vez mais próximas dalgumas formas e conceitos das suas obras dos anos 60, 70 e 80. Sem Título, s. d., estudo de cor e luz de uma paisagem em tons vermelhos, castanhos, laranjas ocres e brancos, constitui-se numa abstração abissal, num olhar cromático, numa elevação e outra, além, nos tons quentes e calorosos da terra: inscreve-se, provavelmente, na última fase pictórica de MF, ou porventura na sua fase de debuxo de paisagens, de busca de novas formas e cores (fins da década de 30 e inícios dos anos 40 do século XX).
17 Cf. Casa da Achada, Col. ML, EA-OT-P-12. 18 Cf. Galeria Manuel Filipe, Catálogo, Condeixa, Câmara Municipal, 2007, pp. 17, 24. 19 Cf. Galeria Manuel Filipe, Catálogo, Condeixa, Câmara Municipal, 2007, pp. 23-24. 20 Cf. Galeria Manuel Filipe, Catálogo, Condeixa, Câmara Municipal, 2007, p. 24. 21 Cf. Museu Nacional Machado de Castro, Reserva, n.º de inv. : P. 547. 22 Cf. Galeria Manuel Filipe, Catálogo, Condeixa, Câmara Municipal, 2007, p. 24. 23 Cf. Fundação de Serralves, Reserva, Col. SEC / em depósito; n.º de inventário: SC0537. 24 Cf. Museu Nacional Machado de Castro, Reserva, n.º de inv. : P. 552 A,B e C. 25 Cf. Galeria Manuel Filipe, Catálogo, Condeixa, Câmara Municipal, 2007, p. 23. 26 Cf. Galeria Manuel Filipe, Catálogo, Condeixa, Câmara Municipal, 2007, p. 24.
Sugestão de Monchique, 1962. Óleo que se encaixa perfeitamente no estereótipo geometrizante da sua Fase Média. De resto, será dos primeiros que Filipe fez, iniciando (após Porto de Mar, 1960) um caminho de experimentação estruturalista com laivos latentes de uma fuga abstrato-geométrica, na qual as cores predominantes serão os tons brancos com manchas / fundos / envolventes de verde, azul e vermelho. Como se poderá observar aqui, a presença humana, figurativa e direta, vai-se diluindo em formas que representam uma alusão da sua comparência indireta, como o labirinto quási infinito de casarios todos aglomerados, que se ancoram, escoram e sobrepõem uns nos outros. Os casarios definem-se pelo predomínio do branco, preto cinza e dos tons azuis que aglomeram toda a tela e criam fronteiras geométricas das habitações. Esta representação de figuras geométricas e angulares não é nova em MF, pois já é percetível no ciclo abstrato-geométrico, que servira para estudo de fundos cenográficos em quase toda a Fase Negra. A caminho da luz, a obra já respira a claridade bem patenteada noutras posteriores: as três Terras Brancas de Além-Tejo (1970)30; Branca Évora meu amor (1972)31; Algarve em Branco e Azul (1975)32; os painéis lateral-esquerdo e central do tríptico Brancuras de Além-Tejo (1965, 1963, respetivamente)33; ou ainda a obra Sem Titulo
27 Cf. www.cml.pt 28 Informação cedida pelo Dr. Arménio Vasconcelos, Casa-Museu da Fontainha. 29 Cf. Archer de Carvalho, J., Manuel Filipe e a sua Fase Negra (1942-45), Condeixa, op. cit., p. 97. 30 Cf. Fundação de Serralves, Reserva, Col. SEC / em depósito; n.º de inventário: SC0533-35. 31 Cf. Fundação de Serralves, Reserva, Col. SEC / em depósito; n.º de inventário: SC0536. 32 Cf. Museu Municipal de Faro, Pintura, Col. Cidades Algarvias, n.º de inv. : Pint-00725. 33 Cf. Museu Nacional Machado de Castro, Reserva, n.º de inv. : P. 550-A, P. 550-B.
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Algarve (com mulher em negro), s. d. Trata-se de uma obra que reproduz o mesmo tom de calvário diário carregado e içado pelas mulheres e crianças que vivem no meio da miséria, que suportam a jorna diária da infinita escadaria para alcançar o seu pobre lar. Esta obra respira e transborda o grito das injustiças diárias que têm de suportar para (sobre)viver, tal e qual a obra Mulher e Criança de Lisboa, que lhe serve provavelmente de modelo, a qual reintegrámos na série de desenhos negros29. O óleo sobre tela, em contrastes de tons brancos e azuis tornam o difícil e pesado martírio numa caminhada no limbo da realidade e pesadelo, havendo um simpático (formal) equilíbrio entre a violência da própria realidade retratada e a subtileza do frio dégradé das cores. O resultado plástico desta temática executada em óleo é suave e, por ventura, agradável ao deleite do olhar do espectador, contrariando a dura realidade plasmada nesta pintura. Os tons e cores do quadro são típicos da Fase Média, embora a temática, de violenta denúncia do sofrimento das
pessoas, seja a determinante da Fase Negra. Podemos ainda, eventualmente, encaixar esta obra nas representações de paisagens urbanas do Algarve (que a par com as pinturas sobre o Alentejo, temas tão característicos da pintura de MF nos anos 60 e 70).
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Reminiscência, datada, de uma pintura que não mais praticará, Nascente do Rio Liz / Aldeia de Fontes, 1944, é o debuxar duma paisagem rural, retratada através da desconstrução e desagregação da paisagem em formas geométricas contíguas, seguindo a lição de Cézanne, numa paleta de tons verdes e castanhos. A sensação de volume na mancha geométrica, vai-se diluindo para a planura do campo envolvente. O caminho da geometrização está traçado, se compararmos com duas obras deste género na década de 40, de paisagismo a óleo, São Pedro do Sul, s. d.27 e Leiria e o Rio, possivelmente datável de 194128.
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(s. d.).34 Verifica-se o mesmo tipo de orientação, a claridade solar quase invade a tela, o que não é ainda o caso manifesto desta. Noutros óleos também neste caminho de abstração, como Algarve em Preto e Branco (1960)35, Alentejo a Branco e Negro (1965)36, Algarve (1967)37, Algarve (1968)38 e Terras Brancas de Além-Tejo (1970)39, observarmos a figuração humana nas telas. Como já atrás referimos, esta figuração humana vai desaparecendo dando lugar a um espaço de vivência humana, onde a sua presença é apenas sugestionada e insinuada pelos edifícios ou elementos naturais (como as árvores).
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Vila do Sul com castelo, 1986, é a coroação artística, de grande mestria, do mesmo princípio compositivo. Sem dúvida, trata-se de um dos mais belos exemplos do estruturalismo radical de MF, tão despojado quanto cerebral, levado ao extremo, ao interstício das cores, às pregas e fronteiras dos volumes, quási inexistentes, em riscos de desaparição, chegando perto do abstracionismo geométrico, no qual o volume das casas é quase inexistente e a presença humana, mesmo que quase implícita no titulo, se dilui no fundo branco com manchas e laivos de azul turquesa. Em tudo isto, passa uma imagem de quase inexistência de motivos humanos. Concluindo com o Homem montando toiro, 1962. Este óleo sobre madeira é um esplêndido exemplo da diversidade artístico-temática que Filipe tanto advogou, nos seus artigos teóricos da década de 40, e praticou ao longo da vida.
A profusão de pequenos traços e manchas, permite sobressair a esguia figura (masculina) montando um touro. Sem dúvida que a pintura se encaixa cronologicamente e explora a mesma mensagem inconformista da Fase Média (1960-1970), caracterizada, como se referiu, por “uma dupla decomposição e recomposição da realidade revelada pelo artista”, menos estruturalista, ou talvez menos estruturada, mas com os mesmos laivos abstratizantes tão comuns nesta fase de MF, obtidos, por vezes, por uma pincelada grossa, por outras, por rápidas pinceladas impressionistas, dirse-ia. O pintor está a experimentar formas compositivas (e de-compositivas), efeitos de luz e sombreado através da estudada e experimental desintegração da mancha uniforme, conjugando manchas retilíneas e curvilíneas na criação das formas, de modo a que os contrastes entre a mancha negra e o espaço (em) branco dão forma às figuras. É uma obra como poucas em MF, ainda nos inícios da sua II fase, numa época de procura e experimentação, sem ter ainda firmado um rumo claro. Numa abordagem direta e quase intuitiva, a obra transporta-nos de volta (um pouco) para sombras e manchas de luz, características da Fase Negra. Ora, esse mesmo regresso temático e pictórico ao universo que já explorara na fase negra é bem visível no óleo Sub-Gente, 196840.
34 Cf. Textos Inevitáveis: Alfredo Betâmio de Almeida, Benavente, Câmara Municipal, 2007, p. 17: segunda figura a contar da esquerda. A obra pertence ao Espólio Familiar de Alfredo Betâmio de Almeida. 35 Cf. Museu Municipal de Faro, Pintura, Col. Cidades Algarvias, n.º de inv. : Pint-00726. 36 Cf. Museu Nacional Machado de Castro, Reserva, n.º de inv. : P. 549. 37 Cf. Museu Municipal de Faro, Pintura, Col. Cidades Algarvias, n.º de inv. : Pint-00724. 38 Cf. Museu Municipal de Faro, Pintura, Col. Cidades Algarvias, n.º de inv. : Pint-00723. 39 Cf. Fundação de Serralves, Reserva, Col. SEC / em depósito; n.º de inventário: SC0533. 40 Cf. Galeria Manuel Filipe, Catálogo, Condeixa, Câmara Municipal, 2007, p. 8.
A mostra da Reserva Familiar de MF, vem evidenciar, a óleo, alguns exemplares de técnicas e composições excecionais, raras ou únicas neste material, no conjunto das obras do Pintor, tais como Algarve (com mulher de negro), Vila do Sul com Castelo e Homem montando toiro. Mas o que guardou para os seus é bem elucidativo da atitude do homem, do professor e do pintor que, para os seus resguardar, abdicou da exposição pública da sua arte durante quase década e meia. Por isso, o que esta exposição revela, sem surpresas, será a profunda coerência da batalha plástica e cívica do pintor de Condeixa.
João Archer de Carvalho, 15 de Novembro de 2017
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Nascentes do rio Liz Aldeia de Fontes
1944
Óleo s/ madeira 63X44cm
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Homem montando toiro
1962
Óleo s/ madeira 70X85cm
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Sugestão de Monchique Algarve
1962
Óleo s/ madeira 82X98cm
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Mar Mastros
1963
Óleo s/ madeira 63X94cm
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Paredes
1971
Óleo s/ madeira 84X80cm
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Sem Título
1971
Óleo s/ madeira 73X94cm
Coleção de Família
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Arame Farpado
1980
Carvão s/ papel 62X82cm
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Algarve (com mulher em negro)
1986
Óleo s/ tela 65X94cm
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Sem Título
s/d
Óleo s/ madeira 95,5X78,5cm
Coleção de Família
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Sem Título
1986
Carvão s/ papel 72X89cm
Coleção de Família
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Revisitando Manuel Filipe
Sem Título
s/d
Óleo s/ madeira 112X81cm
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Vila do Sul com Castelo
1986
Óleo s/ madeira 80X96cm
Coleção de Família
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Manuel Filipe Coleção do Museu Municipal Santos Rocha
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MANUEL FILIPE: O QUE GOSTARÍAMOS DE TE TER DITO…
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Frase triste e ao mesmo tempo de luta e de não capitulação! Dita, escrita ou pensada por todos aqueles que passaram pelo horrível “depósitos de presos” – Caxias. Viste-o e pintaste-o com um sentimento arrepiante, enregelado com coberturas brancas, volumetria marcada em tons de branco e, em redor, a terra seca, castanha-avermelhada. A cerca com rede e o grande poste hirto, a cortar a paisagem, atormentam. Quando olhamos parece-nos um campo de concentração, com telhados cobertos de neve… depois, damos por falta do grande portão verde que, para ti, sempre nos disseste, significava o peso da entrada e o alívio – esperança da saída. Ali não está. Será que só representaste o “depósito de presos” como era conhecido oficialmente e que, sem pejo, os PIDES carimbavam nas cartas? Choveram críticas severas a exposições tuas, a maior parte maldosas e politicamente venenosas e repugnantes. Refugiaste-te ou “asilaste-te “ a partir de 1967 em Lisboa.
Sabemos as humilhações que sofreste, as intimações exercidas para te expor e aniquilar. Parte do teu coração parou e o brilho dos teus olhos embaciou-se, mas resististe, trabalhaste sempre. A ti, não te humilha quem quer, humilha, sim, quem pode… E eles não puderam, eram “bacocos” demais. Sobre a tua mocidade tínhamos imensas questões a esclarecer: os desenhos a carvão, feitos sobre qualquer papel que encontravas, eram trabalhos conscientes ou inconscientes? Passava-los ao papel como devaneios de juventude? Gostaríamos de te ter conhecido pessoalmente nos anos 30 – ainda nem tínhamos nascido – integrado no grupo “Os divergentes”. Só o nome te deveria encantar: divergentes… Da primeira fase conhecemos o retrato do “Meu pai Luís”, o retrato do irmão, o retrato de
“Diz aos nossos filhos que o pai está preso não por roubar ou cometer delitos graves ou comuns. Explica-lhes que está preso por defender os seus pensamentos e coerência.”
Da tua pintura gostaríamos de falar da fase negra. Cativa-nos a pose das figuras, desde a cabeça disforme, aos olhos encovados, às orelhas e às mãos grandes, aos corpos deformados, mas sempre com os pés bem firmes na terra. Significará alguma coisa? Não estarás a pintar e a reviver os pobres e os miseráveis que iam comer uma refeição quente, como se diz agora, a casa da Sra. Costa Alemão ou da D. Floripes? Mostra-nos todos os desgraçados: esfomeados mineiros, cansados agricultores, famintas mães que não tinham de dar aos filhos, homens que lutaram numa guerra que não escolheram. Juntasteos a todos. Em suma, todos os que sofreram a violência e a opressão dos tempos difíceis de outrora. Serão, porventura, lembranças de figuras da guerra civil de Espanha?
O resumo final desse terror sintetizaste-o na obra “Deus, Pátria e Família”: em baixo a Família, que somos todos nós, conjunto de ossadas, figuras distorcidas e sofridas. Em cima, a Pátria, gorda, anafada, mostrando as bitáculas e sendo levada pelos terrestres sofredores. Não vejo bem Deus nesta história. Como o concebeste? Todavia, algo tem de bizarro este quadro: os poderosos riem, usando cartola e palitando o dente com um dedo magro, crescido, esquelético. Tiveste piedade deles? Ou, porventura, fizeste humor negro no teu melhor? O mesmo humor revemos no quadro “Derrocada”, a óleo. O poderoso e o abastado, sendo deslocado em andor, carregado por homens angustiados e oprimidos. Nesta obra há algum desconcerto… parecem levantar-se já as vozes da liberdade… lá atrás, anunciando a esperança que sempre acalentaste. Contudo, falemos da vida e deixemos as “doutorices”. Não gostavas, e até desdenhavas,
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Cândido Costa Pinto e o auto-retrato, dedicado a este último. Comentando: têm outra força quando comparados com os que apareciam ocasionalmente nos livros de curso, caricaturas onde nem sempre é fácil distinguir “o trigo do jóio”.
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Caxias, carta escrita pelo preso H.R.P., após o julgamento em tribunal plenário de 12 de julho de 1949
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certas divagações doutorais que te envolviam e à tua arte… Tinhas conceitos claros e argumentação fundamentada. Defendia-los, com orgulho, até perante os maiores críticos da corrente que exprimias. Argumentavas sempre que interpretar o mundo através de formas e cores é bem diferente de interpretá-lo por palavras e poemas.
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Deixa-nos contar os nossos constrangimentos quando fomos a tua casa escolher alguns quadros para o Museu. Tinhas-nos antecipadamente convidado para almoçar mas esqueceste-te. Esperámos, conversámos com a tua esposa sobre a vossa estadia em Leiria, como professor, como pedagogo, como ativista. Soubemos também que lidaste de perto com o Rodrigo de Freitas, figueirense, galerista e pintor. E que o Dia da Árvore era um dia de festa em que comemoravas a Natureza e incitavas os alunos a respeitar e amar o ambiente. Já agora, será esta Natureza identificada com o teu Deus, que não vemos em “Deus, Pátria e Família”? Voltando à tua casa e olhando para as paredes vimos uma tapeçaria de Portalegre, desenhada por ti, “Alentejo”, cujas cores e vivências eram diferentes dos mesmos campos, secos, lavrados e regados pelas lágrimas que até aí tínhamos visto. Como a cobiçámos! Seleccionar os quadros… era, de facto, uma ação penosa… nunca gostámos de o fazer. Era como assaltar uma cidade e roubar os melhores os despojos… Temíamos pelos teus sentimentos… Concluímos, todavia, a difícil tarefa. Contudo, não encontrámos nada sobre a paisagem colorida, com os toques rosados que tão bem pintavas, com casas e vegetação que talvez te fizessem lembrar as alegrias da juventude. Não eram, de facto, os teus melhores trabalhos,
mas ilustravam o teu amor pela Liberdade e Alegria pela Vida. Sempre gostaste de viver. A força acompanhoute até depois de 1974 para voltares ao Alentejo, pintando os seus campos, juntando-lhe novos símbolos, esperança e prosperidade… Que futuro delineaste, afinal, para a tua coleção? Que eu saiba foi uma relação de amor que presidiu à sua distribuição. Primeiro, o Museu Machado de Castro onde deixaste cerca de 30 quadros; depois, Condeixa, terra do teu nascimento, onde ficaram 17 trabalhos. Depois, o Centro de Arte Moderna (CAM), Lisboa, onde reside um esplêndido conjunto; ainda outros dispersos entre o Rabaçal, Museu Tavares Proença Júnior (Castelo Branco), Museu de Arte Contemporânea (Chiado). Não os vendeste, coisa que dizias que só um comerciante de arte o poderia fazer. Tu, pintor, nunca… Foram todos oferecidos, consoante os teus afetos: uns por lembrança de nascimento, outros por recordações da juventude, outros por respeito para com as instituições. Ao CAM – Fundação Calouste Gulbenkian, não os querias vender, o que era contra os princípios da Instituição. Para uma resolução séria lá ficaram a título de residência e propriedade. Envolveu, todavia, algum dinheiro. Para ti, as obras de arte eram para ser fruídas e desempenhar um papel educativo e social. Bendita, tão grande alma… Verdade seja confessada que a tua primeira opção foi o PCP. Insistiram que um partido político não tinha, e não tem, condições para conservar e dinamizar tamanho espólio. Desististe sensatamente da ideia, embora um pouco magoado. Ainda bem. Descentralizaste,
repartiste, ao agrado de todos. A nós, Museu da Figueira, coube-nos 17 trabalhos, repartidos por diversos períodos cronológicos em termos de entrada. As duas obras mais antigas, Auto-retrato e Retrato de Cândido Costa Pinto, datadas dos anos 30 do século XX, chegaram ao Museu por vontade própria deste último, antes da sua partida para o Brasil, que ocorre no início de sessenta. Figueirense por nascimento, com quem privaste e travaste forte amizade em Coimbra, ambos “divergentes” por vontade própria, mas associando-se a outros jovens, ainda amadores, com raízes em todas as correntes artísticas. Em meados de 80 e início de 90, entre exposições organizadas pelo Museu da Figueira sobretudo sobre o neo-realismo, e as visitas que nos fazias com alguma regularidade, foram ficando os afetos e a obras, num percurso nem sempre fácil mas muito gratificante e enriquecedor para todos. De ti, só não gostávamos do tratamento patético que nos davas – “Srª Diretora” e “Srª Conservadora”. Gostaríamos que o “cavalheiro” Manuel Filipe nos tratasse antes como suas pupilas. Talvez não fosse pedir muito, mas queríamos ser tratadas como o foram os teus alunos de Leiria e de S. Pedro, a exemplo do Rafael Calado e do Eduardo Nery. A última alegria que tivemos foi ler uma notícia, em que aparecias, em foto, ao lado do “diabo” Deniz Jacinto e do médico Fernando Namora. Sentimos, porém, a falta do teu pupilo António Pimentel.
Maria Isabel Sousa Pereira e Ana Paula Cardoso
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Retrato de Cândido Costa Pinto 1932
Carvão s/ papel 25x32,5cm Coleção Museu Municipal Santos Rocha 75-G-214
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Auto-retrato
1932
Carvão s/ papel 14x19cm
Coleção Museu Municipal Santos Rocha 75-G-213
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Senhora da Terra 1942
Óleo s/ madeira 73x13,5cm Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-185
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Guerra
1942
Óleo s/ madeira 68x48cm
Coleção Museu Municipal Santos Rocha 02-G-308
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Derrocada
1944
Óleo s/ tela 88x14,1cm
Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-192
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Construção civil
1944
Carvão s/ papel 74x96cm
Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-202
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Terra amarga
1945
Carvão s/ papel 73,5x96cm
Coleção Museu Municipal Santos Rocha 02-G-371
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Um certo edifício do alto de Caxias 1969
Óleo s/ madeira 10,6x89cm Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-201
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Alentejo 1 1975
Técnica mista s/ madeira 69x85,5cm Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-197
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Alentejo 2
1975
Óleo s/ platex 70x85cm
Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-198
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Alentejo 3
1975
Óleo s/ platex 68,5x84,8cm
Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-199
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Abril de 74 1980
Técnica mista s/ madeira 65x84cm Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-186
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Divertimento I
1982
Óleo s/ madeira 60,5x91cm
Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-189
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Divertimento II
1982
Óleo s/ madeira 63x79cm
Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-187
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Porto de Mar
1988
Grafite s/ papel 70,5x86cm
Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-188
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Guerrilha
s/d
Carvão s/ papel 47x73cm
Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-200
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Fugitivos
s/d
Carvão s/ papel 47x72cm
Coleção Museu Municipal Santos Rocha 01-G-184
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