Revelações

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Ficha técnica

Exposição Revelações - Branislav Mihajlovic Propriedade e Edição Município da Figueira da Foz Organização Câmara Municipal da Figueira da Foz Divisão de Cultura Coordenação Margarida Perrolas Anabela Bento Apoio Técnico José Santos Silva Maria José Gomes Rosa Bela Silvano Rosário Fadigas DOMA - Departamento de Obras Municipais e Ambiente Design gráfico Eduardo Oliveira Divulgação Natércia Simões Impressão Tipografia Cruz & Cardoso Tiragem 300 ex. maio 2018 Depósito legal 441348/18

Os textos que integram este catálogo não obedecem à norma ortográfica - A.O. 90

ISBN 978-989-8903-27-3


índice

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Mensagem do Presidente da Câmara da Figueira da Foz

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Milagres e Apariçoes II

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O Pó da Estrada | Edgardo Xavier

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Caminho de Ferro IV

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Revelações | Laura Castro

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Flores para minha Amada

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Postais de Infância I, II, III e IV

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O Capote

16

Terra Santa

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Orquestra de Ciganos

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O Sonho de Jacob

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Linguae Mundi

20

Milagres e Apariçoes I

36

Vara de Aarão

22

Caminhando Sobre Água

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Curriculum Vitae


Mensagem


“A ciência descreve as coisas como são; a arte, como são sentidas, como se sente que são”, escreveu Fernando Pessoa. Mais perto de nós, o notável figueirense João Gaspar Simões diria, a propósito da arte, que a obra será «tanto mais original e mais pura quanto mais universal e antagónica a cultura do artista», defendendo assim a importância do «papel que a cultura diferenciada e universal desempenha na formação e no descobrimento duma personalidade artística». Na Figueira da Foz acreditamos que esta diversidade é, também, essencial à formação de um público que encontre, na Arte, uma experiência para os sentidos e alimento para as emoções. É esse o motivo pelo qual, nos diversos equipamentos que servem de palco a manifestações artísticas - o Museu Municipal Santos Rocha, o Centro de Artes e Espectáculos e os núcleos museológicos do Mar e do Sal, para citar apenas alguns - o Município da Figueira da Foz tem convidado a expor artistas de diferentes expressões, técnicas, origens e mundividências.

A exposição que agora acolhemos é reflexo dessa mesma política cultural municipal. Branislav Mihajlovic congrega no seu percurso de cidadão do mundo as influências colhidas na Sérvia, na Índia, na Holanda, na Grécia e em muitas outras paragens. Desta jornada destaca-se a curiosidade de ter escolhido, há já mais de 25 anos, precisamente Portugal, para viver e trabalhar, e muito, a julgar pelas mais de oitenta exposições individuais e centenas participações em mostras coletivas, Salões e Feiras de Arte internacionais. Um breve olhar pela obra de Branislav Mihajlovic revela-nos um artista em contacto com a multidimensionalidade que, avesso às grilhetas dos rótulos e ávido dos prazeres da experimentação dos materiais e das interpretações, transporta não raro para as suas obras. Uma exposição que orgulha a Figueira da Foz e que perdurará na memória dos seus visitantes e nas páginas deste Catálogo.

O Presidente da Câmara Municipal

Dr. João Ataíde


revelações | Branislav Mihajlovic

O Pó da Estrada

Na pintura de Branislav Mihajlovic, a reinvenção do real assumese como uma outra realidade, exactamente a que se constrói para essa diferente existência que nos reflecte e nos comporta. Com origem técnica que radica nos preceitos e nos valores que estribam a arte universal, nem por isso deixa de se demarcar pela diferença que lhe exalta os méritos. A cultura, a sensibilidade, as marcas de um caminho a todos os títulos completo e esforçado, respondem pela qualidade genérica da sua obra. Aos olhos se oferecem estes espaços que revelam a intimidade da matéria, as cores, as sombras e a luz por onde deambula o espírito deste autor obcecado com temas que nos remetem para a sacralidade da existência humana, seus sustenidos de rigor e solidão. Adivinhamo-la percorrendo o óbvio roteiro de certezas que emergem dos silêncios e das ausências, de que também se faz o crescimento e a ascese da meditação. Acordado o homem para a inocência ancestral, aqui se expõe à revelia do discurso directo tido por desnecessário. Nem gestos, nem presenças, nem palavras acrescentariam mais informação àquela que nos serve de espelho. As telas reflectem os que as vêem e os que nelas se representam; os que foram peregrinos até à linha do horizonte e nunca chegaram ao destino e aqueles que emigraram para levar mais longe o fogo, a água, o ar e a terra originais. Não

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revelações | Branislav Mihajlovic

Pela escada de Jacob transitam, incorpóreos, os anjos. A sua luz e rasto permanecem como simbologia de evasões e regressos em que também se cumpre o destino dos homens. Há que petrificar sonhos e símbolos ou a etérea brevidade do seu tempo nos fará perdêlos para sempre. Mas, se memória não basta para manter vivas as mensagens, que morram as flores num magma de angústia.

há regras mas há ritos; não há religião mas a fé é uma constante. As pedras como elementos primordiais de uma eternidade intocada, as madeiras como sinal de vida aposta aos registos, a matéria que oculta, revela ou reforça o sentido e a verdade do que se aborda. Parados num tempo que oscila entre o quotidiano e o eco de outras memórias, há rostos que se perfilam para traduzir imponderáveis heranças. Eu, o outro e os que se cruzam connosco na ciranda da existência. Todos são, em última instância, fruto de concepções que divagam numa imutabilidade agressiva que o cromatismo aceso reforça ou perturba. Retratos ou sacrários, escaninhos ou simples compartimentações metodológicas de um arquétipo que se replica, são repositório de pulsões incontornáveis e suporte para o vocabulário estético do pintor. Iconostasis, o isolamento da divindade ou a porção codificada da sabedoria? A separação entre mundos complementares ou a ponte que nos liga ao transcendente?

Sintra, Março de 2010 Edgardo Xavier A.I.C.A. Portugal

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revelações | Branislav Mihajlovic

Revelações A autoridade com que inegavelmente se impõe a pintura de Branislav Mihajlovic não resulta apenas da ostentação formal e da densidade plástica das suas propostas. Vem de uma memória recente e longínqua, exigente e transformadora que põe em jogo raízes e convulsões da existência. A arquitectura monacal e sagrada que o pintor representa nas suas obras deriva de outras paragens, essas de onde veio antes de se instalar na Holanda e em Portugal; a atmosfera de ruína e degradação evoca outras paragens, essas mesmas que foram recentamente varridas por uma desolação nefasta; a presença dos sinais de religiosidade não pode desligar-se dessas paragens que aguardam mais uma ressurreição.

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revelações | Branislav Mihajlovic

de entendimento e reconciliação. Tirados das hierarquias angelicais, as suas figuras correspondem a nomes de Deus, são objecto da tradição cristã mas surgem também na tradição muçulmana e até em práticas de magia. Nada disto é inocente.

Uma tal leitura, de distâncias e não de proximidades é, talvez, abusiva mas é difícil abstrairmo-nos de certas condições concretas, de certas influências directas, especialmente quando estamos perante uma obra tão impositiva. A pintura carrega fardos pesados onde se cruza o passado e o presente, onde se encontram todas as viagens do pintor pelo território europeu, pelo território da história, da religião e da arte. São estas viages que produzem memória e é essa memória que instala na obra este ou aquele objecto, esta ou aquela paisagem, aquela e não outra figura, aquele ícone e não outros sinais. As obras de Mihajlovic são como uma rede que filtra e repõe marcas e vestígios, selectivamente escolhidos, porque a coincidência é um fenómeno escasso na pintura, ao contrário da vontade de significação.

O procedimento do pintor é profundamente redundante porque não poderia ser afirmativo de outro modo: a pintura não se basta a si própria como anunciadora e absorve todos os objectos que possam significar e expor claramente essa função. Mihajlovic faz parte daquele grupo de artistas que vem de uma forte tradição de experimentação, onde o valor oficinal e a densidade matérica desafiam a contenção; faz parte daqueles artistas cujas obras fornecem continuamente provas da existência do mundo seja real, seja espiritual. Mas do rasto que o trabalho deixa sobre a superfície, do material em bruto a destacar-se, da saturação dos elementos palpávais, de toda esta presença vitalista, não decorre a ideia de exercício, mas antes a ideia de demonstração, de manifesto. A solidez da matéria encontra paralelo no envolvimento soturno e dramático das suas obras e esta aliança é a melhor afirmação da sua maturidade como pintor. Laura Castro

Daí a importância da iconografia e do vocabulário simbólico da sua produção, a permanência de metáforas de caminhada e de peregrinação e o reforço dos sinais de mensagem, de ensinamento, de lição. Nos últimos anos, aos elementos do pão, da cadeira, do bordão, pintados ou aplicados por colagem, Mihajlovic acrescentou outros objectos – livros abertos, instrumentosde sopro. As claras referéncias bíblicas dos títulos de algumas das suas peças intensificam ideias de apocalipse e renovação, trágedia e esperança, morte e ressurreição. Gabriel ou Rafael são figuras de revelação, de anúncio,

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revelações | Branislav Mihajlovic

I

Postais de Infância

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revelações | Branislav Mihajlovic

II

III

IV

2017 Óleo, livros, madeira e folha de ouro sobre madeira 120 X 90 cm 15


revelaçþes | Branislav Mihajlovic

Terra Santa

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revelações | Branislav Mihajlovic

2006 Óleo e vários materiais sobre tela, tríptico 240 X 100 cm 17


revelaçþes | Branislav Mihajlovic

O Sonho de Jacob

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revelações | Branislav Mihajlovic

2006-2014 Óleo e vários materiais sobre tela, tríptico 390 X 190 cm 19


revelações | Branislav Mihajlovic

Milagres e Aparições I

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revelações | Branislav Mihajlovic

2006 Técnica mista sobre MDF, tríptico 65 X 150 cm 21


revelações | Branislav Mihajlovic

Caminhando sobre água

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revelações | Branislav Mihajlovic

2007 Óleo, chumbo e folha de cobre oxidada sobre tela, díptico 300 X 200 cm 23


revelações | Branislav Mihajlovic

Milagres e Aparições II

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revelações | Branislav Mihajlovic

2006 Técnica mista sobre MDF, tríptico 65 X 150 cm 25


revelaçþes | Branislav Mihajlovic

Caminho de Ferro IV

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revelações | Branislav Mihajlovic

2010 Óleo e vários materiais sobre tela, tríptico 420 X 180 cm 27


revelaçþes | Branislav Mihajlovic

Flores para minha Amada

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revelações | Branislav Mihajlovic

2010 Óleo, folha de ouro, vários materiais e objectos sobre madeira, díptico 260 X 170 cm 29


revelaçþes | Branislav Mihajlovic

O Capote

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revelações | Branislav Mihajlovic

2010 Acrílico, livro, terracota de J. Ramalho e capote sobre madeira 300 X 200 cm 31


revelaçþes | Branislav Mihajlovic

Orquestra de Ciganos

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revelações | Branislav Mihajlovic

2007 Vários materiais e objectos sobre latão oxidado, díptico 280 X 180 33


revelaçþes | Branislav Mihajlovic

Linguae Mundi

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revelações | Branislav Mihajlovic

2006 Acrílico e livro sobre papel 100 X 140 cm 35


revelações | Branislav Mihajlovic

Vara de Aarão

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revelações | Branislav Mihajlovic

2006 Acrílico e livro sobre papel 100 X 140 cm 37


revelações | Branislav Mihajlovic

Branislav Mihajlovic Nasceu em 1961 | Belgrado, Sérvia

Foi desde muito novo que se dedicou à pintura e, já na idade préescolar, participou em vários concursos e exposições. Finalizou os estudos de pintura na Escola Superior de Belas Artes, Universidade de Belgrado, em 1986, e o Mestrado em Pintura em 1989, na mesma escola. Logo depois de concluir o Mestrado mudouse para Amsterdão, Holanda, onde permaneceu dois anos a trabalhar como artista profissional. A seguir, passou algum tempo em Creta, na Grécia e, em 1992, radicou-se finalmente em Portugal onde, desde então, vive e trabalha. Desde 1982, participou em mais de trezentas exposições colectivas na Jugoslávia, Sérvia, Itália, Holanda, Polónia, Alemanha, Espanha e Portugal e realizou oitenta exposições individuais. A sua obra está representada em várias colecções particulares e públicas em Portugal, Sérvia, Holanda e Estados Unidos. No país de origem e em Portugal foi várias vezes premiado. 38

colecções públicas Câmara Municipal de Loulé, Camara Municipal de Lisboa, Câmara Municipal de Matosinhos, Câmara Municipal de Ponta Delgada, Câmara Municipal da Mafra, Banco Espírito Santo – Açores, Banco Atlântico - Lisboa, Banco BIC - Lisboa, Ministério da Justiça – Tribunal de Cadaval, Câmara Municipal de Belgrado, Câmara Municipal de Vrnjacka Banja, Câmara Municipal da Cupriaj, Colecção Municipal de Belgrado, Museu Zepter, Belgrado, Museu Nacional de Palácio da Ajuda, Museu do Pão, Seia, SANA hotel Amoreiras, SANA hotel Albufeira.


revelações | Branislav Mihajlovic

exposições individuais [recentes]

Pintura, Galeria Ao Quadrado, Santa Maria da Feira com o escultor Paulo Neves Salas de Espera, Galeria BelArt, Novi Sad, Sérvia 2008 | Contos de Lisboa, Galeria LM, Sintra 2007 | Pintura, Galeria Vértice, Lisboa Pequenos Formatos I, Galeria Dom Quixote, Vila Franca de Xira Pintura, Museu de Água, Lisboa Caminhando Sobre Água, Museu de Água, Coimbra Quadros, Galeria “Caos”, Belgrado Histórias Bíblicas, Palácio Ribamar, Algés 2006 | Milagres e Aparições, Galeria Nuno Sacramento, Aveiro Milagres e Aparições, Galeria João Redondo, Setúbal Obra Gráfica, Centro Português de Serigrafia, Lisboa 2005 | Casa Abandonada, Galeria Magia Imagem, Lisboa Obras Recentes, Galeria LM, Sintra 2004 | Pintura, BelourArte Gallery, Sintra Quadros Sobre Passagem, Galeria Don Quixote, Vila Franca de Xira 2003 | Emigração, Galeria Vértice, Lisboa Pintura, Galeria La Villa, Estoril O Sonho de Jacob, Galeria Ao Quadrado, Santa Maria da Feira 2002 | Sinais de História, Galeria Sala Maior, Porto Pintura, Galeria La Villa, Estoril Matéria Atrai Matéria, Galeria Sacramento, Aveiro 2001 | Pintura, Galeria Bairro Alto, Lisboa Obras Recentes, Galeria Iosephus, Lisboa Última Viagem do Faraó, Galeria LCR, Sintra 2000 | Pastel, Galeria Art House, Cascais Pintura, Belgrado, Jugoslávia Pintura, Vrnjacka Banja, Jugoslávia Pintura, Galeria La Villa, Estoril

2018 | Revelações, Museu Santos Rocha, Figueira da Foz Lx 3, Galeria MAC, Lisboa, com Teresa Mendonça e Ricardo Paula 2017 | Milagres e Aparições, Galeria Municipal de Barcelos Pompeia, Oficinas culturais, Aljustrel Tempos de Ouro, Galeria Rastro, Figueira da Foz 2016 | Instantes de Luz no Palácio, Museu Nacional de Palácio da Ajuda, Lisboa Caminhos, Galeria de Arte de Casino Estoril Pompeia, Galeria M.A.C. Lisboa 2015 | 40 Retratos, Museu Municipal de Cuprija, Sérvia 40 Retratos, Museu Municipal de Vrnjacka Banja, Sérvia 40 Retratos, Museu Municipal de Jagodina, Sérvia Navegantes, Coliseu Micaelense, Ponta Delgada, Açores Contos de Palácio, Galeria LM, Sintra Pintura Abstracta, Casa da Cultura Jaime Lobo e Silva, Ericeira 2014 | Ausência, Galeria Rastro, Almancil 2013 | Red, Galeria Hélder Alfaiate, Ericeira 2012 | Ida e Volta, Galeria LM, Sintra Quadros Recentes, (com ceramista António Lapa Vasconcelos), Associação Cultural de Monte da Fralães, Barcelos Ascensão, Taguspark, Oeiras Escada de Jacob, (com pintora Jelena Dorosev), Casa de Santa Maria, Cascais 2011 | Ida e Volta, AmiArte, Porto 2010 | Nave Industrial, Microarte Galeria, Lisboa Salas de Espera, Ververs Gallery, Amsterdão O Pó da Estrada, Galeria LM, Sintra Pintura, Museu Municipal, Cupriaj, Sérvia 2009 | Quadros, Galeria Atrium, Belgrado, Sérvia Espaços de Tradição, Centro Cultural de Azambuja com escultor Carlos Ramos, Novos quadros, Galeria Sala Maior, Porto

prémios 1980 | Prémio de Outubro da Cidade de Belgrado para os trabalhos de alunos 1986 | Prémio de Outubro da Cidade de Belgrado para trabalhos de estudantes 1984 | Prémio de Desenho da Escola Superior das Belas Artes, Belgrado 1983 | Prémio do Concurso da Desenho Nobelina, Belgrado 2016 | Prémio Mestre Hilário Teixeira Lopes, Galeria MAC, Lisboa

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