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[ Recolha de Maria Vit贸ria de Brito Ruas ]
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_ficha técnica:
Quadras do Campo Branco Edição: Câmara Municipal de Castro Verde / Museu da Ruralidade Autor da Recolha: Maria Vitória Ruas Design: João Lourenço / Estúdio Nómada Ilustração (capa): Rui Pato Coordenação e texto de apresentação: Miguel Rego Impressão: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda ISBN: 978-989-8451-09-5 Depósito Legal: 395826/15 500 exemplares 31 de Julho de 2015
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Preâmbulo
Desde o início do projecto do Museu da Ruralidade que a oralidade, nas suas mais diversas representações, é um âmbito de abordagem prioritária no trabalho que aqui se desenvolve. Por um lado, porque é uma das fontes principais para a compreensão da realidade histórica e antropológica das terras campaniças dos últimos três quartos de século, cuja génese se reporta a períodos anteriores às profundas mudanças do Portugal liberal; por outro lado, porque é uma fonte documental finita, preservada que está numa geração envelhecida e cujo natural desaparecimento constituirá uma perda irreparável para a memória da nossa comunidade, caso não se preservem os ténues fotogramas das suas vivências. É num contexto como este, de uma natureza tão dramática como a que representará o desaparecimento destas estórias e destas memórias que, por norma, a historiografia oficial ignora, que no âmbito da actividade do Museu da Ruralidade se tem procurado, de forma sistemática, construir um corpus documental em áudio e vídeo, onde os testemunhos de episódios, as histórias de vida, as formas de cantar, as conversas, as tertúlias, os gestos das profissões em extinção, vão ficando depositados com o objectivo claro e assumido de ser exactamente isso: um armazém de sons e imagens. De palavras e de gestos. De expressões e quadros. Mas esse registo, esse depositar de fotogramas e caracteres, procura ser muito mais do que esse simples e aparente acto de armazenamento. O objectivo é claramente o de poder compilar para estudar, para conhecer, para divulgar, mas sobretudo dignificar. Dignificar a expressão cultural, mas sobretudo o actor ou os actores; os seus territórios e os contextos da criação dessas realidades, sejam elas culturais, sociais ou geográficas.
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A riqueza e diversidade das formas de expressão orais transportanos, de forma multidisciplinar, por sonoridades e representações muito diversas, onde a poesia tem uma importância ímpar, numa região onde o cante, o baldão ou os despiques, para não falar especificamente do dizer de décimas e de outras métricas de palavras ditas, são tradicionalmente uma forma de estar e de representar a sociedade local, as especificidades da comunidade, a forma de cada um olhar o mundo que o rodeia. A poesia popular é nestas terras campaniças, uma das expressões cuja natureza e génese se perde em territórios tão vastos e tão ricos como são os da diversidade da natureza humana, capaz de criar e recriar fórmulas de comunicação fartas em imaginação, mas simples na forma como o pretende mostrar. Por isso, o Museu da Ruralidade desde os seus primeiros passos, não deixou de entendê-la como uma fonte de informação extraordinariamente importante e uma manifestação de carácter social determinante para conhecermos melhor a geografia do seu espaço de intervenção. Corria o ano de 2009 quando o Museu da Ruralidade edita “O Poeta escondido com verdade na rima”, de Manuel Mira, e a compilação “Poetas de Casével”. Já este ano, realiza o I Encontro de Poetas Populares, na aldeia dos Aivados, uma iniciativa que se pretende tenha uma periodicidade anual. Depois deste percurso, muito mais provocado do que possa parecer dada a longitude do tempo passado, chega agora a vez destas “Quadras do Campo Branco”. Este trabalho chega às nossas mãos através de um livro fotocopiado, que Maria Vitória Ruas pretendia editar, tratando-se de uma compilação fruto de uma recolha efectuada por si ainda nos anos noventa, do século XX, junto dos utentes do Lar da Terceira Idade da Misericórdia da Messejana. Logo na primeira leitura que efectuámos, a decisão de procurar publicar o livro tornou-se evidente. Em primeiro lugar, porque a geo-
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grafia da recolha é o espaço do campo de estudo do Museu da Ruralidade. Estes Campos de Ourique, milenarmente ligados entre si, sobretudo pela qualidade dos seus “verdes e montados”, pastos que aqui atraíam, anualmente, milhares de cabeças de gado nos fenómenos de transumância, são os mesmos campos que de Alcaria Ruiva a Colos, da serra do Cercal a Almodôvar e Ourique ou de Entradas às portas de Grândola, têm a Feira de Castro, os sons da viola campaniça e as vozes arrastadas do Despique e do Baldão, como referência cultural. Em segundo lugar, porque sendo a recolha efectuada junto de gentes maioritariamente provenientes de Messejana, podemos considerar que se trata de um território histórica e administrativamente ligado a estas terras de Castro Verde e Casével, até porque traçaram percursos comuns, em particular no século XIX, assistindo-se, como tal, a um espaço de memória, de identidades, de raízes e cultura comuns. Em terceiro lugar, porque o local de recolha, um lar da terceira idade, é um espaço extraordinário enquanto campo de trabalho, já que encontramos neles um manancial informativo riquíssimo. Os “lares” são sítios onde o respeito pelos seus utentes se deve manifestar no trabalho que ali se desenvolve com os utentes, mas também pelas actividades que valorizem a informação e o saber que cada um transporta, ainda muito importantes para transmitir aos mais novos. Quadras do Campo Branco é por estas três grandes razões um trabalho que nos merece uma atenção particular, mas sobretudo pela qualidade e valor que essas “Quadras” têm. Aqui podemos encontrar uma relação larga de muita da poética que ouvimos desde miúdos e que servem, tantas e tantas vezes, como suporte para as modas que brilham no nosso cante. Evocando o amor, a natureza, a relação entre as pessoas, tratando a realidade local ou matizando tudo aquilo que nos envolve, este “Quadras do Campo Branco” exigia que se publicasse e que, para além de um objecto de leitura, fosse uma reserva poética para uma certa inovação que se pretende e deverá dar ao nosso cante.
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Podíamos ter arrumado o livro por capítulos, dispostos estes por temas. Mas decidimos não o fazer para que o livro, também e sobretudo objecto de prazer, fosse lido nesta diversidade e amalgama com que chegou às nossas mãos e que reflecte a forma como a Maria Vitória Ruas, em boa hora, o construiu e lhe deu vida.
Miguel Rego
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Apresentação
Dizer alguma coisa como apresentação deste trabalho de recolha a que me propus, não é fácil para mim. Sobretudo, porque no seu conteúdo existe tanto da alma e do coração de quem a tornou possível, que descrever esses sentimentos é-me de todo impossível. São recordações tão íntimas, tão veladas, tão carinhosas que só quem disse estas quadras as sentia de verdade e eu não consigo penetrar e descrever esse mundo. Não sei interpretar e descrever essas emoções que vi nos olhos de quem me dizia as quadras que eu ia escrevendo. Via bailar nesses olhos tanta coisa que eu quisera poder adivinhar. Ficam aqui os nomes, primeiro de quem me disse as quadras que sabia de cor e faziam parte da longínqua mocidade. Eram pessoas de 80 e mais anos: Maria Alves Bica, Noémia Batista, Virgínia Vieira, Catarina Fortunata, Assunção da Luz, Dilar da Silva Guerreiro. Irene Palma, Ana Bica, Maria das Dores Ruas, Joana Dores, Maria Bonita, Ana Deodato, Vítor, Manuel Batista Melão, José Ferrinha, Vitória de Brito Marques; depois os nomes das pessoas que se lembravam de quadras ouvidas aqui e além e fazendo questão de as deixar aos vindouros as disseram para que também ficassem neste livro. Lembranças de tanta gente... de Inácia Amélia Cavaco, Lúcia Lebre do Nascimento, Olívia David Guerreiro, Joaquim de Brito Nobre, Hercília Martinho, Maria de Fátima Vera, Maria Isilda Miguel. Foi um trabalho que fiz com muito gosto e na hora certa, pois é um património único da memória de uma geração que, infelizmente, está a desaparecer.
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Já toda a gente que me disse a maior parte das quadras faleceu sem ver as suas quadras num livro. Isto porque passaram quase 24 anos quando eu me propus a fazer esta recolha, junto dos utentes do Lar da Misericórdia de Nossa Senhora de Assunção de Messejana. Como ninguém mostrou vontade de o publicar, fizemos uns quantos exemplares, quase artesanalmente, e por aí ficaram esquecidos. Várias vezes tentei, com a minha colega Zizi, que alguém publicasse esta recolha, mas sempre em vão. Até que um dia a minha colega foi dá-lo à apreciação da Câmara Municipal de Castro Verde, que finalmente lhe deu corpo através do Museu da Ruralidade. À Câmara Municipal de Castro Verde, ao Museu da Ruralidade, aos actuais e antigos dirigentes do Lar da Misericórdia Nossa Senhora de Assunção da Messejana, o meu muito obrigado. Dedico este livro a todas as pessoas que nele participaram e que, seguramente, teriam ficado muito felizes com a sua edição. Uma palavra final para o meu irmão, Manuel Brito Ruas, um dos principais obreiros do Lar onde foi feita a recolha da poesia que compõe este livro e que, infelizmente, já não está entre nós.
Maria Vitória de Brito Ruas
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A paixão de amor não mata
Papagaio de pena verde
Mas faz moer o sentido
Empresta-me o teu vestido
Se a paixão de amor matasse
O teu vestido é de penas
Já eu teria morrido
Em penas ando metido
Encosta teu peito ao meu
Contrária minha contrária
Encosta com devoção
Senta-te aqui ao meu lado
E vais ouvir como chora
Além vem nosso amor
O meu triste coração
Escolher a de mais agrado
Eu não sabia cantar
S. João é milagroso
Ensinou-me o meu amor
E eu vou fazer um altar
Quando lhe pagarei eu
Com raminhos de alecrim
Esse pequeno favor
E com meu amor dançar
Minha mãe é minha amiga
Anda cá meu bem não fujas
Amiga de me compor
Que eu não como gente viva
Põe-me um lenço na cabeça
Se me não queres amar
Vai à missa meu amor
Valha-te Deus quem te obriga
Minha contrária se rala
Adeus rua de Alvalade
Eu não tenho ralador
Para baixo para cima não
Quanto mais ela se rala
Para baixo correm as águas
Mais eu quero ao meu amor
Para cima meu coração
Passarinho da ribeira
Remédio para todo o mal
Vem comigo és meu irmão
Procura-se na botica
Tu trazes penas no bico
Só para a saudade é que não
Eu trago-as no coração
Quem na tem com ela fica
Não procures neve em um leão
Eu subi a um calitrio
Nem na areia malmequeres
Com teu retrato na mão
Nem nos homens gratidão
Descalitri-me lá de cima
Nem constância nas mulheres
Parti as trombas no chão
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O meu amor é ferreiro
Algum dia me juraste
Todo o dia malha ferro
Que eras meu até à morte
Já me dói o coração
Desde que à jura faltaste
De ouvir bater o martelo
Nunca mais tiveste sorte
Saudades tenho saudades
Dois rapazes de Aljustrel
Quem me dera não as ter
Outros dois de Messejana
Só quem tem saudades sente
Foram cantar a Alvito
O que elas fazem sofrer
Ó que sorte tão tirana
Os olhos que olham
A cantar te vou dizer
Para o chão e pró ar
Vou-te fazer um pedido
É que são os olhos
Se pensas que ainda te quero
Que eu quero amar
Tira daí o sentido
Minha fala já não é
Vou-me embora, vou-me embora
A que eu tive algum dia
Para a semana que vem
Quem casa muda a fala
Para não deixar saudade
A minha porque seria
Não digo adeus a ninguém
Meu amor na mesma terra
Despedida, despedida
Não posso falar contigo
Como fez o passarinho
Põem-me guardas à porta
Bateu as asas voou
Sentinelas ao postigo
Deixou as penas no ninho
A folha de trigo é
Fui ao campo colher flores
Mais larga que a da cevada
O campo era um jardim
Também a minha amizade
Não digas amor que não
Ao pé da tua é dobrada
Se o coração diz que sim
O cantar do peito cansa
A folha do alecrim
O da cabeça alivia
É uma folha miudinha
Quem quiser cante o que sabe
Meu coração não descansa
Que eu cantei o que sabia
Enquanto não fores minha
As ondas do teu cabelo
Simpatia, simpatia
São louras perfumadas
Eu contigo simpatizo
São correntes que se prendem
De tanto simpatizar
Às almas apaixonadas
Trago às voltas o juízo
És da vila de Messejana
A cobra no verde pasto
Simpatia dos meus sonhos
Anda que desaparece
Que às vezes chego a ter medo
Assim andam os meus olhos
Desses teus olhos risonhos
Atrás de quem o merece
Saramago redondinho
Quero mais ao meu amor
A flor que dá é branca
Que o campo folhas tem
Amor eu nunca te deixo
Vê como o campo tem folhas
Que a nossa amizade é tanta
Vê amor se te quero bem
Dizem que o sol se levanta
Ó vila de Messejana
Ao romper da madrugada
Cercada de cravos brancos
Longe de ti meu amor
Onde o meu amor passeia
Só vejo a noite cerrada
Domingos e dias santos
Fui ao livro do destino
Minha vida bem pensada
Meu destino procurar
É um romance bem lido
Passei folhas encontrei
Alegrias e tristezas
Nasci só para te amar
Tenho nela tenho tido
Entre as grades da janela
Dobravam por ti os sinos
Numa noite de luar
Num dia de Primavera
Não vi estrela mais brilhante
Foi desde então meu amor
Que o brilho do teu olhar
Que nunca mais fui quem era
Amor o teu lindo rosto
Com um A se escreve amor
Não é sorte é tentação
Com R recordação
Foi o anzol mais seguro
Com R se escreve o nome
Que prendeu meu coração
Que trago no coração
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Tu dizes que não me queres
Trago dentro do meu peito
Acho-te toda a razão
Chegadas ao coração
Como é que tu hás-de querer
Quatro palavras que dizem
Aquilo que não te dão
Morrer sim, deixar-te não
O cipreste não se rega
À face do lindo céu
Ainda nunca se regou
Jurei e tenho jurado
Não te gabes que me deixas
Só a ti e mais ninguém
Que fui eu quem te deixou
Eu amei e tenho amado
Meu amor é marinheiro
António de Santo António
Anda no mar embarcado
Francisco de São Francisco
Vai e volta sempre novo
José de Nossa Senhora
É sempre amor renovado
E Manuel nome de Cristo
Manuel foi o meu primeiro
Os teus olhos é que são
Que em meu peito pôs a mão
A causa de te querer bem
Há-de ser verdadeiro
Culpa o teu rosto engraçado
Segundo a minha tensão
Não incrimines mais ninguém
Agora é que havia de ser
Não me invejam os teus olhos
O meu princípio de amar
Nem as tuas sobrancelhas
Os erros que tenho tido
Invejam-me as tuas botas
Os havia de emendar
Para meter lã de ovelhas
Quem ama vai dormir
Chapéu preto desabado
À porta de seu amor
Usa meu bem na cabeça
Faz das pedras travesseiro
Meu amor não sejas parvo
Das estrelas cobertor
Pode ser que eu me aborreça
Não há lírio como o roxo
Os homens comparo eu
Nem erva como a urtiga
Com o libaral do vento
Eu gosto de te encontrar
Falam para uma moça
Mesmo que nada te diga
Com trinta no pensamento
Diz-me amor se estás repreza
Quando te não conhecia
D’algum bem que me fizeste
Não te tinha amor, feição
Dá-me os beijos que te dei
Agora já te tenho
Que eu dou-te os que tu me deste
Tudo faz a lidação
Meu amor andas tão triste
Eu fui ao mar à laranja
Eu sinto a tua paixão
Coisa que lá não havia
Faz o gosto à tua gente
Eu fiquei admirada
Despreza meu coração
Das ondas que o mar fazia
Lealdade já não há
Não posso meu bem não posso
Firmeza já se acabou
Com tanta firmeza amar-te
Nesta era em que nós estamos
Os pretendentes são tantos
Quem é falso é que ganhou
Estou resolvida a deixar-te
Da minha janela à tua
Ó meus belos quinze anos
Do meu coração ao teu
Voltar atrás quem me dera
Devia ser um jardim
Gozar as flores no campo
E o jardineiro ser eu
No jardim a Primavera
Meu amor não é daqui
Não tenho senão paixão
Eu daqui também não sou
Com paixão também se vive
Ele é lá da terra dele
Dá-me um ar da tua graça
Eu da minha terra sou
Se me queres ver alegre
Eu quero-te tanto, tanto
Os olhos que vivos são
Desejo a tua companha
O seu alimento é ver
Ainda não tive a ninguém
Da vista nasce a feição
Uma amizade tamanha
Da feição o bem querer
Paixões não me dominavam
Eu quero morrer cantando
Tudo em mim era alegria
Já que chorando nasci
Tão bom tempo que passei
Se alguém se perde no mundo
Quando te não conhecia
Sou eu por causa de ti
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Se eu soubesse que morria
Na urna fatal do amor
Mandava fazer a cova
Pus o pé tirei a mão
Com uma enxada de vidro
Minha sina só me pede
Lá no meio da rua nova
Para amar teu coração
Primavera das flores
Coração que dois adora
Retiro dos passarinhos
Que firmeza pode ter
Tão retirada que ando
Tem que ser coração de homem
Meu amor dos teus carinhos
De mulher não pode ser
Na caravela do sonho
A minha rival contrária
Já eu fui navegador
Ela é muito ciumenta
Lancei-me no mar da vida
Tem cintura de perdiz
Descobri o nosso amor
E perna de lazarenta
Quando eu era solteirinha
Ó alta faia sombria
Usava fitas e laços
Se vires passar meu bem
Agora sou casadinha
Diz-lhe que eu sou amada
Trago meus filhos nos braços
Mas não lhe digas por quem
Não penses por eu cantar
Ontem à noite à meia noite
Que a vida alegre me corre
Ouvi cantar e chorei
Eu sou como o passarinho
Lembrei-me da mocidade
Tanto canta até que morre
Do bom tempo que passei
Se algum dia te quis bem
Quando te vi logo te disse
Foi tempo que já passou
Que tinha amor para sempre
Se ainda hoje para ti olho
Conheci que eras falso
Foi jeito que me ficou
Retirei-me airosamente
Dá-me um beijo, dou-te dois
Eu tenho um vestido verde
A minha paga é dobrada
Para vestir na tua ausência
Que é o dever de quem ama
As mangas são de suspiros
Pagando não deve nada
O corpo de paciência
Anda cá amor que és doutra
O anel que tu me deste
Não te quero chamar meu
Não o dei nem o vendi
Não quero que a outra diga
Tenho-o fechado à chave
Tens um amor que não é teu
Assim te eu tivesse a ti
Jura amor que eu também juro
Fui-me deitar a dormir
Faz uma jura bem feita
Ao pé de uma rosa aberta
Jura que havemos de dar
Meu amor para comigo
Na igreja a mão direita
Já não tem palavra certa
Não há sol como o de Maio
Fui-me deitar a dormir
Luar como o de Janeiro
À porta do meu amor
Nem cravo como o regado
Fiz das pedras cabeceira
Nem amor como o primeiro
Das estrelas cobertor
Meu coração é de vidro
Podes dizer não me iludes
Pode estalar mas não dobra
Que o teu amor é sincero
Firmeza para contigo
Pois nas mentiras que dizes
Tenho eu até de sobra
Acredito quando quero
Quando te peguei a amar
Tenho tantas saudades
Três mudanças fez o dia
Que nem as posso contar
Estava céu enevoado
São tantas como as estrelas
Fazia sol e chovia
Como as areias do mar
O maldito do ciúme
Entre a salsa e o coentro
Em meu peito faz castelo
Eu fui dispor o cebolo
Ama bem o teu amor
Mais vale um feio engraçado
Que eu para mim não o quero
Que um bonito sendo tolo
Eu não sei que simpatia
Para todos nós nasce o sol
Minha alma por tua tem
Só para mim escurece
Eu não estando à tua vista
Tão sem ventura nasci
Nada me parece bem
Que até o sol me aborrece
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És meu amor diz o mundo
Bem podia a tramagueira
Da fama já te não livras
Ser doce não amargar
Quando em mim te alguém falar
Bem podia o meu amor
A verdade não a digas
Ser firme não me enganar
Subi à mais alta faia
Amar e querer-te bem
Na folha mais elevada
Tudo isso eu farei
Escrevi em letras de oiro
Mas andar atrás de ti
O nome da minha amada
Isso não que é contra a lei
Desejava, desejava
Não te peço que me ames
Ninguém sabe o meu desejo
Que não tens obrigação
Desejava linda rosa
Só te peço que não digas
Em teu rosto dar um beijo
Mal de mim sem ter razão
Adeus, adeus meu amor
Fui dispor a saudade
Para ti desejo sorte
Ao pé da esperança nascida
Tu és toda a minha vida
A saudade secou-se
Hei-de amar-te até à morte
E a esperança está perdida
Fui um dia à beira mar
Quem em mim nota defeitos
Ouvir as ondas cantando
Decerto defeitos tem
Meu amor me respondeu
A pessoa bem comportada
Meu amor te estou fitando
Não põe defeitos a ninguém
A roseira cardinal
Eu já vi nascer o sol
Dá rosas de três em três
Com florinhas ao pé
Todo o amor que é leal
Lidar com gente fingida
abala e volta outra vez
Quanto menos melhor é
Adeus ó Monte Cêrro
Tenho dentro do meu peito
Caiado de ponta a ponta
Duas escadas de vidro
Eu quero ir para lá morar
Por uma sobe o amor
Já tou fazendo essa conta
Por outra desce o sentido
O que tens que estás tão triste
Perpétua flor de encante
Eu sinto a tua paixão
Para te amar não tive arte
Gosto muito de te ver
Já lá tens amores novos
Mas assim tão triste não
Parabéns da minha parte
Se as lágrimas fossem notas
Que lindos olhos que tem
Que eu por ti tenho chorado
Que lindo modo de olhar
Eu livrava-te a dinheiro
Já me encantaram dum todo
Não ias para soldado
Já não te posso deixar
Tenho dentro do meu peito
O trigo nasce do trigo
Uma cadeira de vidro
A erva nasce do chão
Onde o meu amor se senta
O amor nasce do peito
Quando vem falar comigo
Da raiz do coração
Os olhos do meu amor
Antes de eu te conhecer
São grãos de trigo na eira
Gostava de te ouvir falar
Semeados no domingo
Agora que te conheço
Colhidos à terça-feira
Quero-te bem a dobrar
A luz do sol é brilhante
Quem ama muito padece
Raios de sol encarnado
E quem padece ama
Se tens amor com outro
Que o amor no padecer
Não me tragas enganado
É como a lenha na chama
Eu sepultei meu sentido
Ó fonte que estás chorando
Numa pedrinha do mar
E nunca mais vais secar
Meu sentido só se muda
Meus olhos são duas fontes
Quando a pedra se mudar
Que não param de chorar
O meu pai cantava bem
Adeus Messejana adeus
Minha mãe também cantava
Quando me hás-de tu esquecer
Isso havia ter que ver
Quando Deus me não der vida
Se eu a geração negava
Nem olhos para te ver
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Sofro mais que os tristes presos
O alecrim rei das flores
Nas tiranas enxóvias
Do meu peito fez um vaso
Por não ter com quem disfarce
Tu já tens outros amores
Os meus infelizes dias
Já de mim não fazes caso
Teu coração bagas de ouro
Ó alecrim da charneca
Teu peito sobre dourado
Dá-lhe o vento torce o pé
Tu és uma das pessoas
Assim devia eu fazer
Cá muito do meu agrado
A quem diz o que não é
Temos a nova invernia
Ó flores do meu jardim
Temos o povo assustado
Sequem-se que mando eu
Se o tempo não alivia
Para que quero eu flores
Temos o campo alagado
Se o meu amor já morreu
Anda amor à minha casa
Alecrim à beira de água
Que ninguém te põe na rua
Muita folha se desperdiça
Se é de gosto e de vontade
Quem não ama de vontade
Perde tempo e continua
Não se obriga por justiça
Quem seria que inventou
É agora desta feita
A palavra saudade
Que o ouro perde a valia
Talvez fosse uma velhinha
Por minha causa não deixes
Recordando a mocidade
A quem tu tens simpatia
Ó que ausência aborrecida
Caçador que vais à caça
Ó separação custosa
Muito bem armado vais
Mais vale uma ausência firme
Levas os olhos por armas
Que uma presença enganosa
Em vez de tiros dás ais
Os olhos de quem namora
Meu amor por me deixares
Bem conhecidos que são
Julgas que ofensa me fazes
Estão olhando para as pessoas
Como tu tens raparigas
Fingindo que olham para o chão
Também eu tenho rapazes
Se eu não te quisesse bem
Linda letra é o J
À tua casa não ia
Para quem lhe dá valor
Passos por ti não dava
Com o J é que se escreve
Excessos não os fazia
O nome do meu amor
Duma pena de pavão
Ou um tiro ou deixar-te
Fiz uma chave inglesa
Já me deram a escolher
Para abrir teu coração
Eu quero morrer de um tiro
Com toda a delicadeza
Deixar-te não pode ser
O meu amor me deixou
Da janela do meu quarto
Para ver o que eu fazia
Vejo a do meu sogro
Era parvo imaginava
Não é pelo pai que eu choro
Que eu de paixão morria
É pelo filho que eu morro
Vistam-se os campos de luto
O meu amor é do campo
As estrelas ponham o véu
É do campo é camponês
Que este nosso apartamento
Mais vale um amor do campo
Faz chegar o luto ao céu
Que da vila dois ou três
Adeus ó Monte de Além
Quem não tem amor sou eu
Feito de ouro batido
Nem me quero afligir
Antes que eu queira não posso
Aquele que há-de ser meu
Tirar de ti o sentido
Às minhas mãos há-de vir
Da minha janela à tua
Eu quero bem e não quero
É uma vara medida
Dizer a quem quero bem
Do meu coração ao teu
Quero bem ao meu amor
É uma estrada seguida
Dizer não me convém
Não olhes para a laranjeira
Suspiros à violência
Que as laranjas estão pendendo
Sinto lágrimas correr
Olha aqui para os meus olhos
Mais me custa a tua ausência
Que de amor estão morrendo
Que a hora que hei-de morrer
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Eu levo os dias pensando
Impossível me parece
Na primeira vez que te vi
Quando tu para mim olhas
Adormeço em ti pensando
Amas quem não te merece
Acordo pensando em ti
Tendo tanto aonde escolhas
Eu quero-te tanto, tanto
És do céu estrela brilhante
Eu quero-te tanto bem
És da terra luz do dia
Eu tenho-te mais amor
És a flor do meu peito
Que a tua mãe te tem
És a minha simpatia
Os teus olhos são mais lindos
Ingrato foste-me falso
Que o sol quando é meio dia
Diz-me lá por que razão
Gozar a luz dos teus olhos
Foste amar outra donzela
Mais nada no mundo queria
Deixaste meu coração
Ó olhos de seda preta
Tenho dentro do meu peito
Lavados na branquidão
Meu escritório começado
Há muito quem te queira
Sem a tua assinatura
Mas mais do que eu, creio que não
Não pode ser acabado
Os teus olhos são ramudos
Se os passarinhos vendessem
Bate a rama no meu peito
As penas que Deus lhe deu
Não há cara mais bonita
Também eu vendia as minhas
Para mim sem um defeito
Dobradas as tenho eu
Os teus olhos são dois cravos
Atrevido foi o trevo
As sobrancelhas as folhas
Que nasceu ao pé do trigo
O teu rosto é um jardim
Atrevido foi você
Quando tu para mim olhas
De cá vir falar comigo
Foi tão grande a vaidade
Chamaste-me corriola
Que entrou em meu coração
Embaraçada no trigo
Para agora estar vivendo
Eu nunca me embaracei
Nesta amarga solidão
Senão agora contigo
Algum dia era eu
Quando meu amor partir
Do teu peito jardineiro
Se veste meu coração
Foste meu amor de graça
Com manto de seda preta
Agora nem por dinheiro
Bordado pela paixão
De criança tão pequena
Desprezaste –me por ser pobre
Fui criada com paixão
Queres a rica por ter
Não dou penas a ninguém
A rica te há-de deixar
Só a mim tantas me dão
E eu depois já não te querer
Desfolhando o malmequer
Eu joguei o cravo ao tanque
Lembrei –me de ti um dia
Fechado, saiu-me aberto
Bem me quer, mal me quer
Andava desconfiada
A flor bem mo dizia
Agora já sei de certo
Eu sou firme como a rocha
Onde estará meu amor
Leal como a pedra da era
Onde estará ele agora
Eu não sou de fingimento
Tão perto de quem o vê
Ó meu amor considera
Longe de quem o adora
Suspiros ao pôr da mesa
Anda amor vem ver arder
Lágrimas ao levantar
A chama da saudade
É para que saibas amor
Abrazada no ciúme
Que o meu sustento é chorar
Pela tua falsidade
Jacinto é uma flor
Ó meu amor vê se tomas
Manuel um cravo encarnado
Juízo nessa cabeça
Jacinto meu amor
Desengana uma das duas
Manuel p’ra meu cunhado
Essa que menos mereça
Eu fui ao mar à laranja
Tua ausência é minha morte
É fruta que o mar não tem
Tuas cartas meu viver
Veio de lá uma onda e disse
Se não queres que eu morra ainda
Muito sofre quem quer bem
Não me deixes de escrever
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Chapéu preto à lavrador
Os teus olhos são de mágoas
Usa meu bem na cabeça
E os meus de mágoas são
Já não há moda nenhuma
Eu sinto mágoas por ti
Que o meu amor não mereça
E as tuas por quem serão
Tenho tantas saudades
Um A quer dizer amor
Como folhas tem o trigo
E um R recordação
Eu não as digo a ninguém
Se tu morresses Jacinto
Todas consumo comigo
Morria meu coração
Eu sou como o trigo em Maio
Firmeza à água num cesto
Onde estou é que apareço
Comparo o teu coração
Nunca pus a minha ideia
Cada dia namoras uma
Em coisas que não mereço
Por ano quantas serão
Pela rua me corre água
Amor perfeito não há
Em casa me nascem flores
Nesta época presente
Deixaste- me em bom tempo
Quando alguém diz que te ama
Que não me faltam amores
Raro é o que não mente
Se ouvires assobiar
O amor nasce da vista
Não me julgues caçador
Cria-se no coração
Anda agora muito em moda
Reverdece na amizade
Assobiar por amor
Morre da ingratidão
Tenho uma fonte no peito
Ó leal, ó lealdade
Que só tristeza me dá
Tão leal que eu tenho sido
Quem vai lá eu não aceito
Acabou-se a amizade
E quem eu quero não vai lá
Meu amor para contigo
Em cima da pedra dura
Os olhos do meu amor
Nasceram duas folhinhas
São bonitos na verdade
Diz-me aonde sepultaste
Não são pequenos nem grandes
A amizade que me tinhas
São muito à minha vontade
Já não há papel nem tinta
Se os meus olhos te incomodam
Nem pena em toda a cidade
Quanto estão na tua frente
Nem tinta com que te escreva
Eu prometo arrancá-los
Tão rigorosa saudade
Para te amar cegamente
Não venhas por mim dar passos
O meu coração é teu
Não venhas aonde eu estou
O teu é de quem tu queres
Eu fui chão que já deu vinha
Não há coração mais triste
Nossa amizade acabou
Que o coração das mulheres
O amor é uma albarda
O meu coração é teu
Uma albarda é o amor
O teu é de quem tu queres
Não sei que albarda é essa
Eu dou-te o meu coração
Que todos a querem pôr
Quando tu o teu me deres
Tenho olhos para ver
Eu fui a que acendi o lume
Ouvidos para ouvir
Numa chaminé dourada
Tenho boca para falar
Eu fui a que tive amores
Coração para sentir
Reparti, fiquei sem nada
O passarinho no bosque
Eu fui a que acendi o lume
Procura o seu aposento
Numa chaminé de prata
Só eu procuro e não acho
Não querem que eu te aviste
Um amor a meu contento
A tua ausência me mata
Um amor ao pé da porta
Levantei-me um dia cedo
Amá-los quem não se arrisca
Para ir passear ao campo
Antes que a boca não fale
Encontrei teu nome escrito
A vista sempre petisca
Na folha dum lírio branco
Ai que calma, que calor
Vai alta a Lua vai alta
Mesmo à sombra estou suando
Mais alto vai o bem querer
Que fará o meu amor
A Lua vai cor de rosa
Que anda à calma trabalhando
Levanta-te amor vem ver
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Vai alta a Lua vai alta
Estás-te rindo de mim
Mais alto vai o luar
Estás fazendo mangação
Mais alto vai a ventura
Mangação faço eu de ti
Que Deus tem para me dar
Tu é que julgas que não
Ó menina lá do alto
Caiu-me em graça Maria
Desça abaixo do balancé
Isabel, Francisca e Ana
Tenho raiva a homens altos
Inácia, Lúcia, Luzia
Meu amor baixinho é
Custódia, Rosa e Mariana
Ó olhos preparem lenços
Quem tem alegria canta
Ó lenços preparem fios
Quem tem tristeza chora
Está chegada a triste hora
Eu choro quando não vejo
Dos meus olhos serem rios
Meu amor a toda a hora
Parte da rapaziada
Ó meu amor que eu pudesse
Cuida que eu já morri
Estar-te vendo a toda a hora
Por agora não cantar
Vejo que não pode ser
Como algum dia canti
Meu triste coração chora
Minha garganta de prata
Nem só de alegria se canta
Minha garganta de neve
Nem só de triste se chora
Não vou para banda nenhuma
De alegre já hoje chorei
Garganta que te não leve
De triste canto eu agora
Quando fui assentar praça
Alegria abandonou-me
Mandaram-me olhar à direita
Perdi todo o meu prazer
Cortaram-me o meu cabelo
Para me ver abandonada
Foi a primeira desfeita
Mais me valia morrer
Liberdade, liberdade
Fui um dia passear
Liberdade, libraria
Achei um raminho verde
Liberdade tivesse eu
Quem o perdeu tinha amores
De falar contigo um dia
Quem o achou tinha sede
O meu amor é aquele
Não chames amor perfeito
Que Deus do céu terminou
Às coisas que a terra tem
Ninguém ama sem Deus querer
Amor perfeito há só um
Sem Deus querer ninguém amou
O amor da nossa mãe
Os meus olhos com chorar
Quando eu nasci nasceram
Fizeram covas no chão
Quatro comigo um dia
Fizeram o que os teus não fazem
Nasci eu, nasceu desgraça
Nem fizeram nem farão
Tristeza e melancolia
O tempo em que te amei
Chaparro do descampado
Mais valia, mais valia
Que dá bolotas castanhas
Entregar minha alma a Deus
Não posso longe de ti
E meu corpo à terra fria
Sofrer ausências tamanhas
O tempo em que te amei
Ontem à noite fora de horas
Mais valia estar doente
Meu amor estava cantando
Tempo tão mal empregado
Enquanto te divertias
Dado de tão boa mente
Estava eu por ti chorando
Vagas do mar alterosas
Das flores do meu jardim
Com sua coroa de espuma
A mais bonita é a rosa
São como ilusões formosas
A hora em que te vi
Desfazendo-se uma a uma
Foi uma hora ditosa
Eu corri o mar à roda
Deixaste-me fazes bem
Com uma fatecha na mão
Assim faz quem tem juízo
Em tudo encontrei firmeza
Deus queira que quem desprezas
Menos no teu coração
Não te venha a ser preciso
No jardim dos meus encantos
Hei-de amar e duvidar
Achei um dia uma flor
Que não quero ter amor certo
Estava lá via-a nascer
Pode haver algum desvio
Baptizei-a por amor
Fica o amor encoberto
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Fui-te ver estavas lavando
Adeus rua de Alvalade
No rio sem assabão
Estrada do poço cobeiro
Lavas-te em água de rosas
Duzentos amores que eu tenha
Fica-te o cheiro na mão
Nenhum é como o primeiro
Quando eu era o teu amor
A paixão não é eterna
Não tinhas falta nenhuma
Dura enquanto a vida dura
Agora já me praguejas
Vai acompanhar o corpo
Para que eu não tenha fortuna
Até à própria sepultura
Eu hei-de amar o Valverde
Os meus suspiros não se ouvem
Enquanto tiver verdura
Morrem no peito abafados
Não te quero amar a ti
Com medo que alguém os ouça
Que és amor de amor de pouca dura
E saiba por quem são dados
Não sei como há quem possa
Tive uma esperança perdi-a
Tomar ódio a quem quis bem
Pouco tempo me durou
Ainda que se não falem
Foi ventura passageira
Algum amor se lhe tem
Que no melhor me deixou
Se passares ao meu lado
Pus-me a chorar saudades
Põe os teus olhos no chão
Ao pé de um rio sem cautela
Nós podemos ser amores
Ouvi uma voz dizer
E o mundo dizer que não
Dum ingrato que se espera
Quando alguém te perguntar
O homem comparo eu
Se ainda me tens amor
Com a poeira da rua
Nega sempre que é mentira
Andam de ventas no ar
Nisso me fazes favor
Esta é minha aquela é tua
O meu amor é aquele
Não se me dá que me deixes
Que não tira o chapéu
Ou deites de mim má fama
Tem a porta para a rua
Eu sou como a oliveira
E o telhado para o céu
Que no pé segura a rama
Oliveira pequenina
A mocidade é alegre
Que azeitona pode dar
É alegre e vaidosa
Dará uma dará duas
Viver do amor ausente
Dará três se lá chegar
Não há coisa mais custosa
Oliveira pequenina
Eu ausente, tu ausente
Também dá pequena assombra
Eu de ti e tu de mim
Também eu sou pequenina
Eu peço a Nossa Senhora
Mas comigo ninguém zomba
Que esta ausência tenha fim
Tenho uma pena, ai que pena
Já em tempo tive tempo
Tenho uma dor, ai que dor
Que podia ser feliz
Tenho uma pena, ai que pena
Agora quero e não posso
De não ver o meu amor
Quando podia não quis
O meu amor quer-me muito
Já em tempo tive tempo
Estás-me sempre dizendo
Do tempo ser meu encosto
Eu também lhe quero muito
Era tempo de alegria
Nada lhe fico devendo
Agora é de desgosto
Vai-te falso, vai-te ingrato
Sou feliz, sou infeliz
Vai-te amor que me empecilhas
Ouve amor as minhas queixas
Para meu martírio basta
Sou feliz porque me amas
Estar-te amando às escondidas
Infeliz porque me deixas
O meu amor me deixou
Eu subi aquele outeiro
Já não tenho quem me queira
Ouvi cantar e chorei
Venha a morte e me leve
Minha bela mocidade
Que quero morrer solteira
Que tão nova a desprezei
Mocidade, mocidade
Vai alta, lua vai alta
Como aquela que eu deixei
Mais alto vai o luar
Até cortava as cordas de alma
Mais alto está meu amor
Quando eu dela me apartei
Que não lhe posso chegar
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Se algum dia por acaso
Tira-me a seta do peito
Encontrares o meu pai
Deixa meu sangue correr
Diz-lhe em ar de mangação
Já que tu por mim não morres
Ó pai sogro aonde vai
Quero eu por ti morrer
Menina que tanto sabe
Que te importa curiosa
Também sabe soletrar
Quem pela rua passeia
Também me sabe dizer
Cuida lá na tua vida
Quanto peixes há no mar
Não te importe a vida alheia
Menina que sabe tanto
Todos passeiam na praça
Faça-me esta conta bem
Só meu bem na sua rua
Um moio de trigo limpo
Passeia meu bem passeia
Quantas meias quartas tem
Que a praça também é tua
Um moio de trigo limpo
Engracei com os teus olhos
Veja bem não tenha jóio
Já não os posso deixar
Quatrocentas e oitenta
Deixarei-os só por morte
Meias quartas tem o moio
Que não os posso levar
Foste dizer mal de mim
És dos homens o mais falso
Onde a vista não alcança
És do mundo o mais fingido
Que me tinhas por segura
Queres trazer por presunção
Mostra lá a segurança
Meu coração invaído
Joguei o limão correndo
Fui teu amor não o nego
Cuidando que amadurece
Nalgum tempo agora não
Verde foi e verde veio
Foi a quem tive amizade
Como na hora em que nasce
É de quem tenho paixão
Nossa Senhora me disse
A roseira cardinal
De cima do seu altar
Dá rosas de sete e oito
Que tinha seu manto roto
Eu nasci para te amar
Que lho fosse arremendar
Tenho medo não me afoito
A tirana simpatia
Ausente de um bem que adoro
Para onde havia de pender
É o mais tempo que eu vivo
Para um amor de longe
Não me podia Deus dar
Que me não pode vir ver
No mundo maior castigo
Algum dia nesta rua
Quanto eu às vezes estou
Havia uma moça boa
Três dias sem te avistar
A morte por confiada
Meus olhos comparo eu
Pegou nela e levou-a
Com os abismos do mar
Amar e saber amar
Laranjeira de pé de ouro
Amar e saber a quem
Que dá laranjas de prata
Amar a Nossa Senhora
Não me custa ter amores
E a seu filho também
Deixa-los é que me mata
Não sei contar não sei ler
Trocaste-me a mim por outra
Nem ao menos sei falar
Mas que loucura foi essa
Quanto mais me não valia
Eu nunca pensei de ser
Saber-me explicar
Desprezada tão depressa
Já se acabou a azeitona
Eu não duvido que haja
Já se não ganha dinheiro
No mundo quem te mereça
Viva o rancho das casadas
Quem te queira mais que eu
Viva o nosso manageiro
Não me entra na cabeça
Ó amor vai ao interesse
Ser pobre não é defeito
Tua gente é interessada
Que esteja mal às pessoas
Tu bem sabes os meus teres
Tenho juízo e vergonha
Sou pobre não tenho nada
E as mais prendas todas boas
Maria se fosses minha
Há muita gente que diz
Mandava-te engarrafar
Que eu não tenho juízo
Numa garrafa de vidro
Quem será que pode ter
Nem o sol te havia dar
Tudo quanto lhe é preciso
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Dizem que o meu bem é feio
Ó amores, ó cuidados
Eu por mim não acredito
Para cuidados nasci eu
Se o vissem com os meus olhos
Dobrados cuidados tenho
Logo o achavam bonito
A quem a mim cuidados deu
O sol posto à meia noite
Sou séria não sou fingida
Ninguém viu nem há-de ver
Minha descendência é nobre
As estrelas ao meio-dia
Firmeza em mim acharás
Isso sim pode ser
Fazenda não, que sou pobre
Quem me havia a mim dizer
Não és mais que eu em nada
Quando eu era namorada
Em falar sou decidida
Que ainda me havia de ver
Tu és pobre não tens nada
Nem solteira nem casada
Tua riqueza é fingida
Eu não sou nem mais nem menos
Sou pobre não tenho nada
Que aquelas que a ti te dão
Ó meu adorado bem
Não admira tu teres
Há muita gente que é pobre
À primeira mais feição
E é estimada por quem tem
Eu não canto de alegria
Pus o pé no cemitério
Porque o meu viver é triste
Uma voz assim falou
Canto para disfarçar
Tira o pé que estás pisando
A paixão que em mim existe
Uma mãe que te criou
Se algum dia me disseres
Ó quem fosse passarinho
O nosso amor acabou-se
Ó quem pudesse voar
Acredita que os meus olhos
Ó quem pudesse num sonho
São dois rios de água doce
Teu sentido adivinhar
Tu és a moça mais linda
Os alegres passarinhos
Que anda no pego da Lança
Já têm novo cantar
Enquanto não fores minha
Aprenderam só de ouvir
Meu coração não descansa
Sem ninguém os ensinar
Ó morte tirana morte
Já chove já está chovendo
Que me levaste o meu bem
Já correm os barranquinhos
Acaba com meu martírio
Já os campos estão alegres
E leva-me a mim também
Já cantam os passarinhos
De noite tudo são sombras
Tenho dentro do meu peito
Eu por elas quero andar
De lado duas gavetas
Já que de dia não posso
Onde vou arrecadando
Teus carinhos alcançar
As tuas sinceras letras
Com oito palavras sinto
Alegria abandonou-me
Amor, pena e regalo
Perdi todo o meu prazer
Sinto a pena, amo e estimo
Para me ver abandonada
Oiço, peno, sofro e calo
Mais me valia morrer
Já o sol se vai pondo
Às portas do teu sentido
Não tenho pena nem choro
Fui meu coração bater
Ainda cá fica no mundo
Dando suspiros e ais
Outro sol que eu mais adoro
Sem ninguém lhe responder
Ó que rua tão comprida
Se da minha fé duvidas
À ponta tem um letreiro
Ou do meu amor receias
Mal empregada menina
Abre meu peito e verás
Gostar tanto de um ferreiro
Torres de várias cadeias
Já o sol se vai pondo
A glória mais subida
Já eu vou tendo paixão
Que o amor pode alcançar
Onde irá o meu amor
É dar o seu coração
À noite fazer serão
A quem o saiba estimar
Quando o rouxinol padece
Pensavas por me deixares
Uma ave tão pequena
Ou por te eu deixar a ti
Que fará meu coração
Que eu havia de morrer
Coberto de tanta pena
Mas ainda não morri
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Deixaste-me amor, deixei-te
Eu subi ao altar-mor
Fizemos nós muito bem
Acender velas ao trono
Tu já tens amores novos
Ai de mim que estou amando
Não me ganhas que eu também
Um amor que já tem dono
O amor enquanto é novo
Quem tão firme se fazia
Ama com todo o cuidado
Desde o princípio de amar
Depois do pássaro na mão
Agora tão falso está
Mostra papel de enfadado
Quem havia dizer tal
Há relógios que dão horas
Não quero porque não quero
Há outros que horas não dão
O meu querer não tem resposta
Há amores que são firmes
Teu pai não gosta de mim
E há outros que falsos são
Tua mãe de mim não gosta
Hei-de subir altas torres
Não julgues por ser pequena
E também altas varandas
Que ao pé das grandes sou menos
Hei-de subir à mais alta
Olha que os perfumes caros
Para ver onde tu andas
Vendem-se em frascos pequenos
Meu amor quando abalou
Semeei trigo em Lisboa
Nem um ai podia dar
Não nasceu que a terra é forte
Olhou para mim e disse
Amo-te desde criança
Quem te pudesse levar
Só te deixarei por morte
O amor é sol de inverno
Ausência de pai e mãe
Lindo sol abrasador
É custosa de sofrer
Quanto mais quente mais terno
A de amor ainda é mais
Menos lhe dura o calor
Estou acabando de crer
Ó morte vem buscar
Sou pobre não tenho nada
Quem me dera morrer já
Só tenho o meu coração
Uma infeliz como eu
A minha riqueza é
De morrer não se lhe dá
A boa comportação
Amada não sei de quem
Nunca chores sobre a pedra
Dá-me uma rosa das tuas
Da tampa do mausoléu
Quem tem três pode dar uma
Chora sim mas sobre o berço
Que ainda lhe sobram duas
Da criança que nasceu
Estou presa em vários laços
Amores ao longe esquecem
No jardim da segurança
Dizias-me tu a mim
O meu crime é só de amor
Nem ao perto nem ao longe
Não me querem dar fiança
Amor me esqueço de ti
Joguei um papel ao ar
Meu amor disse que vinha
Caiu-me um ramo de ameixas
Disse que vinha e não veio
Se tu me fosses leal
Amanhã por esta hora
Contava-te as minhas queixas
Tenho carta no correio
Meu coração para dois
Amanhã por esta hora
Partilhas nenhumas tem
Fará sol se não chover
Aqui estou não sei que faça
Irei ver o meu amor
Se aos dois eu quero bem
Se a ribeira não encher
Amar e saber amar
O meu amor é um cravo
São dois pontos delicados
Eu sou rosa que mereço
Os que amam são sem conto
Já mo quiseram comprar
Os amados são contados
Cravo de amor não tem preço
Semear e não colher
Das estrelas miudinhas
É que atrasa o lavrador
Mandei fazer um cordão
Também eu ando atrasada
Para prender os teus olhos
Na ausência do meu amor
À raiz do coração
Meu amor ficou de vir
Não posso amar e amo
Ainda não apareceu
Que faria se pudesse
Se me faz outra como esta
Não posso amar e amo
Quem o vai deixar sou eu
Meu amor que me não esquece
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Ó amoreira do vale
Tenho uma dor de cabeça
Deita para cá uma amora
Que me quer cair no chão
Que me quero ausentar
Meu amor se aqui estivesse
Desta terra fora
Ela cairia eu não
Fui dizer adeus à barra
Estás longe da minha visita
Ao meu amor condenado
Mas do meu sentido não
O seu crime foi amar
Teu retrato trago sempre
Um amor sem lhe estar dado
Na minha imaginação
Meu amor tem uma amiga
Não quero saber de ti
Amiga dele sou eu
Nem da sombra que tu fazes
Os beijos que ela lhe dá
Vê lá a tensão que eu tenho
Nunca são iguais aos meus
De contigo fazer pazes
O nome de José é lindo
Meu coração é de prata
O Manuel ainda lhe ganha
É bronzeado no meio
Para minha estimação
Quanto te peguei a amar
António levanta a palma
Tive um pequeno receio
Meu amor por outra morre
Mesmo que eu viva mil anos
Quem morre não ressuscita
Ausente dos teus sinais
Morrer e ressuscitar
A amizade não te a perco
Só Deus é que teve a dita
Cada vez te quero mais
Tomara eu já que venha
Antes que viva mil anos
Domingo ou segunda-feira
Chorar ninguém me há-de ouvir
Para matar saudades
Às tenças do meu desgosto
De toda a semana inteira
Ninguém se há-de divertir
Saudades de oito dias
As minhas letras não vão
Passo eu alegremente
Dedicadas a ninguém
Em seguimento para os nove
Cada um canta o que sabe
Já meu coração as sente
E o que à ideia lhe vem
Não é o cantar que dá
O encarnado se queixa
Cabo da rapaziada
De não ter bonita cor
É muita noite perdida
Olha como está brilhando
E namorar de empreitada
No rosto do meu amor
Que lindo botão de rosa
O meu sentido não fala
Que aquela roseira tem
O meu sentido só pensa
Debaixo não se lhe chega
Do meu sentido ao teu
Acima não vai ninguém
Vai uma grande diferença
Sou pobre mas não me anojo
Meu amor ficou de vir
Ao pé do rico falar
Mas por ora ainda não tarda
Todos nós somos iguais
Para vir de lá aqui
A diferença é no trajar
Tem que dar muita passada
Estou-te amando sem esperança
Choram os pompos da silva
De ser tua não espero
Lágrimas de três em três
Bem sei que te não mereço
Também eu tenho chorado
Tudo isso eu considero
Por ti amor muita vez
Eu amo não declaro
Adeus amor passa bem
Confesso não te explico
Já não ouves minha fala
Eu amo não sei quem amo
Faço de ti uma ausência
Neste silêncio me fico
Como o fumo quando abala
O encarnado é guerra
O azul é cor do astro
O verde é querer-te bem
O branco é a cor da lua
Não sejas amor fingido
Dizem que o verde é esperança
Como o outro foi também
Eu alguma tenho tua
O encarnado é guerra
Se me amas dá-me a ver
Vai na proa do navio
Quero amar teu lindo rosto
Vai-te embora ó encarnado
Eu tenho mais quem me queira
Deixa vir o alvadio
Mas só tu és a meu gosto
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Janelas altas e baixas
Acredita meus dizeres
Mora aqui algum morgado
Minhas palavras são certas
Mora a mãe do meu amor
Se achares conveniência
Pai não tem que é enjeitado
Por minha causa não percas
Quem a mim me amaldiçoa
Quem eu era quem eu sou
Ou quem eu estou a amar
Quem hoje em dia estou sendo
Deus queira que dure tanto
Dá-me vontade de chorar
Como o foguete no ar
Pelos jeitos que estou vendo
Algum dia me dizias
Ó moças cantamos todas
Que eras leal a meu peito
Cantem feias e bonitas
É mentira não é tal
Aquelas que não cantarem
Quem ama tem outro jeito
Que lhe dê um nó nas tripas
Algum dia me dizias
Ó moças cantemos todas
Que eras minha saudade
Cada qual sua cantiga
Agora em tão pouco tempo
A minha seja primeira
Me perdeste a amizade
Que a mocidade me obriga
Ó amor podes andar
Chamaste-me prima, prima
Um ano dia a dia
Ó prima não te sou nada
Já me não fazes voltar
Pode ser que ainda seja
À antiga simpatia
Prima e mana cunhada
Simpatia natural
Ó moças cantemos todas
Obrigou-me a vir-te ver
Debaixo do bom preceito
Ninguém faz o que não pode
Para quem passar dizer
Eu vim aqui sem poder
Ó moças viva o bem feito
O maldito do ciúme
Suspirar por quem não vê
É um fogo abrasador
Bradar por quem não acode
Aonde não há ciúme
É o maior impossível
Como pode haver amor
Que no mundo dar se pode
Tanto ai tanto suspiro
Quando eu era pequeno
Que este meu coração tem
Jogava muito ao pião
Não são ais não são suspiros
Diziam-me as moças todas
São lembranças do meu bem
Ponha-mo aqui na mão
Os olhos do meu amor
Eu entrei no cemitério
São dois peros verdeais
Numa noite silenciosa
Parece que é Deus servido
Fui-me sentar numa campa
Cada vez lhe quero mais
Que coisa tão horrorosa
A riqueza é que vale
Pensavas que eu não tinha
Eu não tenho valimento
Mais ninguém para quem olhar
Dá um passo, vai de roda
Eu tenho, assim tu tivesses
Que eu não sou teu passatempo
Salvação para te salvar
Quem eu era quem eu sou
O meu pobre coração
Toda a gente se admira
Já nunca tem alegria
Na flor da minha idade
Vai morrer de uma paixão
Até parece mentira
Sem a tua companhia
Quem tiver um bem amado
O homem nunca devia
Não diga a ninguém que é seu
Com a existência acabar
Que pode ficar sem ele
Nem nunca se fazer velho
Como eu fiquei sem o meu
Para sempre namorar
Ó ave que vais voando
Toda a mulher que não tem
Leva –me lá esta carta
Na cara bonita cor
Vai dizer ao meu amor
Ou chorou ou está doente
Que a sua ausência me mata
Ou está mal com o seu amor
Quando eu te peguei a amar
Tenho um amor tenho dois
Tinha eu catorze anos
Tenho três não quero mais
Era tão nova não sabia
Para que quero eu amores
Caía nos teus enganos
Se eles não me são leais
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Trocaste-me a mim por outro
Se a morte fosse interesseira
Eu bem sei que me trocaste
Ai de nós o que seria
Hás-de-me saber dizer
O rico comprava a vida
Na troca quanto ganhaste
Só o pobre é que morria
Amas uma dão-te duas
Quando houver alguém que queira
Queres três por fantasia
Meus carinhos possuir
Pelo jeito que vou vendo
Digo logo quero eu
Ficas sem mim algum dia
Muito sério sem se rir
Quando eu cuidava que tinha
Da pessoa que eu mais estimo
Meu bem fechado na mão
Recebo a maior desfeita
No melhor do meu viver
Não me importo que assim seja
Pus o pé faltou-me o chão
Meu coração tudo aceita
Quando eu era pequenina
Quando nesta casa entrei
Antes do meu pai nascer
Uma coisa me esqueceu
Ainda mal abria os olhos
Esqueceu-me de pedir licença
Já gostava de te ver
Envergonhada estou eu
Quando eu era pequenino
Com pena peguei na pena
Antes de nascer meu pai
Com pena pus-me a escrever
Se vamos lá por mentiras
Caiu-me a pena da mão
Minha mentira lá vai
Com pena de te não ver
Dizem que não pode ser
Suspiros e ais
Uma silva dar um cravo
E lamentações
Eu já hoje apanhei um
Fazem abrandar
Dentro do maior silvado
Duros corações
Valha-me Santa Quitéria
Trocaste-me a mim por outro
Que é mãe de S. Joaquim
Eu com isso não me importa
Eu a fugir à desgraça
Lá virá o tempo que digas
E ela a vir atrás de mim
Fiquei mal na minha troca
O alecrim na chapada
Quarenta amores já tive
Quer crescer mas não faz moita
Já não quero mais nenhum
É como o rapaz solteiro
Mas agora sou solteira
Quer casar mas não se afoita
Até ter quarenta e um
A tirana paixão leva
O meu lindo amor
Muita gente à sepultura
É um bule, bule
Não me há-de levar a mim
É um rapazinho
Que o meu mal ainda tem cura
Que traja de azul
Tenho sofrido à calada
O meu lindo amor
Sofrerei até ao fim
É um vai e vem
Não me deixes sofrer mais
Vai a toda a parte
Meu amor tem dó de mim
Só aqui não vem
Uma noite toda a noite
Não quero porque não quero
Era eu capaz de cantar
O não querer não tem resposta
Cantigas ao meu amor
Não simpatizo contigo
Sem no seu nome falar
Minha alma de ti não gosta
Tenho no peito um abismo
Se eu soubesse que voando
Na cabeça um nascedio
Alcançava os teus carinhos
Onde me nascem as cantigas
Eu opunha-me e roubava
Para cantar ao desafio
As asas aos passarinhos
Contrária, minha contrária
O comboio que vai na calha
Cada vez te quero mais
Vai na calha vai calhando
Amas um bem que eu adoro
Venho aqui a ver se calha
Temos os gostos iguais
Se não calha vou andando
Quem me dera ser do norte
Ora viva para quem viva
Ou no norte ter alguém
Quem agora aqui chegou
Para ter a mesma dita
Estava para me ir embora
Que a estrela do norte tem
Agora já me não vou
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Anda cá minha contrária
O meu amor lá tão longe
Senta-te aqui ao meu lado
Eu como ingrata cantando
Que lá vem o nosso amor
São coisas da mocidade
Escolher a de mais agrado
Meu amor vai desculpando
O nome do meu amor
Ó amor vai e vem logo
Com sete letras se escreve
À volta vem por aqui
A primeira não a digo
Eu baixarei meus olhos
As outras ficam em breve
Jurarei que os teus não vi
O tempo da mocidade
Ontem à noite à meia noite
Nunca devia acabar
Ouvi meu amor cantar
É o tempo mais bonito
Levantei-me e fui à porta
E todas o querem deixar
Para a cantiga escutar
Amor se tens pena chora
Amores ao longe são tristes
Se não tens lenço eu te dou
Só de saudades vivendo
A amizade que te tinha
O meu amor está lá longe
Era pouca e acabou
De saudades vou sofrendo
Sou firme não sou fingida
Quem me ouvir assim cantar
Não sou chita que debote
Dirá como está alegre
Uma palavra que eu dei
Meu coração está mais negro
Fica dada até à morte
Que a tinta com que se escreve
Chamastes-me feia amor
Eu bem sei que hão-de dizer
É coisa que já sabia
Que eu não tenho juízo
Antes de tu me dizeres
Tenho-o fechado à chave
Já o espelho me dizia
Para quando me for preciso
Ai Jesus meu ai Jesus
Minha sogra está doente
Ai Jesus meu ai Maria
Numa cama de algodão
Quem me dera meu amor
As melhoras que ela tem
Estar na tua companhia
É da cama para o caixão
Ó lua vai-te deitar
Eu subi ao damasqueiro
À porta do meu amor
Para colher um damasco
Para quem passa dizer
Tu és amor que ama duas
Aqui mora uma flor
Eu desse fruto não gasto
Quando eu nasci no mundo
Boa noite meus senhores
Para a minha infeliz sorte
Os senhores não sei quem são
Mais vale que me dessem
Eu entro peço licença
Logo a sentença de morte
Como quem tem criação
Azeitona quando nasce
Toda a vida e mais seis meses
Nasce logo redondinha
Tenho tensão de te amar
Também tu quando nasceste
Quando a água tiver sede
Nasceste para ser minha
É que eu te hei-de deixar
Anda cá amor
Boa noite falo a todos
Que ainda te aceito
Adeus ó cravo encarnado
O que as mais não querem
Por seres o meu amor
É que eu aproveito
Falo-te a ti separado
Quem me dera te encontrar
Boa noite meus senhores
Numa rua sem saída
Eu falo mas não pretendo
Para assim te procurar
Viva quem está no baile
Que te interessa a minha vida
Mais quem está de fora vendo
Eu quero-te tanto, tanto
Amar e saber amar
Como a virgem quer a Deus
Ensinou-me quem sabia
Como o campo às florinhas
Para tomar a saudade
E uma mãe a filhos seus
Requerer a simpatia
Ó infeliz que perdeste
Mal vai a minha rua
A amizade do teu pai
Que tanta pedrinha tem
É como árvore sem fruto
Se não fossem os teus olhos
É como a flor que cai
Não passava aqui ninguém
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Duzentas e vinte e quatro
Ó amor paga a quem deves
Horas que a semana tem
Não fiques nada devendo
Todo esse tempo se passa
Que a honra de uma donzela
Sem eu te avistar meu bem
Não se deve ficar devendo
Ó amor paga a quem deves
Ó amor paga a quem deves
Que a mim não me deves nada
Não queiras ser devedor
Só me deves a amizade
Olha que Deus não perdoa
Que é coisa que se não paga
A quem é mau pagador
Boa noite meus senhores
De criança bem pequena
Aqui já ninguém governa
Amei o teu coração
Cuidarão estes senhores
Para agora me deixares
Que estão nalguma taberna
Sem motivo nem razão
Estou vivendo entre escombros
Debaixo do chão seis metros
Mais triste que a noite escura
Onde nada reverdece
Eu só já terei alívio
Sepultou-se o meu amor
Nas pedras da sepultura
É paixão que não me esquece
O cravo tem vinte folhas
Debaixo do chão seis metros
A rosa tem vinte e uma
Onde o sol não tem entrada
Andam os dois em demanda
Sepultaram-se os meus olhos
Pela rosa ter mais uma
Não tenho alegria em nada
À porta do cemitério
Eu entrei no cemitério
Está uma mesa quadrada
À porta pus-me a chorar
Não tem toalha nem pano
Olhando as sepulturas
É uma mesa sagrada
A terra que me há-de gastar
Ó amor paga a quem deves
Fui um dia ao cemitério
Não fiques nada devendo
Um letreiro à porta vi
Olha que Deus não perdoa
Que dizia estas palavras
A quem não paga podendo
Não há paz senão aqui
Se de mim não pretendias
Amor é água que corre
Ó falso para que me olhavas
Sem nunca poder parar
Eu era cego e não via
Só deixará de correr
A loucura em que andavas
Se o mundo um dia acabar
Salsa verde da parede
Triste de quem tem amores
Qualquer raminho tempera
Triste de quem os não tem
Mais vale um amor de fora
De toda a maneira é triste
Que quatro ou cinco da terra
Sentir saudades de alguém
Não sei o que hei-de fazer
Com três letrinhas apenas
À triste da minha vida
Se escreve a palavra mãe
Por causa dos homens falsos
É das palavras pequenas
Vê-se uma mulher perdida
A maior que o mundo tem
Impossível sem ser nível
No tronco da verde faia
Nível sem possível ser
Teu nome gravei um dia
Quem te queira mais do que eu
A velha faia chorou
É impossível haver
Só de ver que eu sofria
Ó pedra da louça fria
Se algum dia ao meio dia
Que cobres dois corações
É que vires o sol nascer
Dois amantes separados
Nesse dia meu amor
Duas eternas paixões
É que eu te deixo de te querer
O amor é um rosário
A folha da parra é
Que se reza a qualquer hora
Recortada a preceito
Se ainda não rezaste
Porque é que te não esqueço
Deixa que ele não demora
Se tanto mal me tens feito
O amor é um rosário
Numa noite lá na eira
Bem difícil de rezar
Eu jurei à luz da lua
Por mais que se façam contas
De não ser de mais ninguém
Não se vêem a acabar
Se um dia não for tua
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A folha do cravo é
Teus olhos teus lindos olhos
Aos bicos recortadinha
Teu olhar teu lindo olhar
Meu coração não descansa
As tuas faces mimosas
Enquanto não fores minha
É que me hão-de cativar
Não comas os figos verdes
Chorai olhos, chorai olhos
Senão rebenta-te a boca
Que o chorar não é desprezo
O meu amor me deixou
Também a virgem chorou
De saudade estou louca
Quanto viu seu filho preso
A saudade é uma flor
Minha sogra me tem zanga
Que se planta em qualquer vaso
Minha cunhada também
Se te disserem que amo outra
Que se importa o raio da velha
Meu amor não faças caso
Que o filho me queira bem
Cortei o pé à roseira
Na mais alta laranjeira
Para te dar uma rosa
No mais delicado ramo
Não a quiseste aceitar
Sou eu capaz de escrever
Eu fiquei triste e chorosa
O nome de quem amo
Prometi a S. João
Meu amor namora outra
Se o meu amor se livrar
É coisa que eu não faço
Um raminho de alecrim
Havia de ter que ver
Para pôr no seu altar
Duas pombinhas num laço
Fui ao campo colher flores
A minha rival contrária
Colhi um pé de magarça
Diz que me quer conhecer
Arrasta-me como as cobras
O traste da rapariga
Se eu um dia te for falsa
Talvez me queira bater
Meu amor quando passares
O que com um dom nasceu
À minha rua cantando
Por ninguém será vencido
Mesmo que eu não me assome
Vai junto a si no caixão
Mas sempre te estou escutando
Para ninguém é traduzido
Eu sou triste e vivo triste
Adeus que me vou embora
Não há em mim alegria
Para a terra das andorinhas
Nem ao menos me recorda
Mete carta no correio
Se alegre fui algum dia
Se queres saber novas minhas
Maria que lindo nome
Camioneta da carreira
Quem foi a tua madrinha
Que atravessas Portugal
Quem te pôs a ti Maria
Não se me dá que ames outro
Sabia a tensão que eu tinha
Sendos tu para mim leal
Daqui para a minha terra
O cantar da meia noite
Tudo é caminho e chão
É um cantar excelente
Tudo são cravos e rosas
Acorda quem está dormindo
Disposto por minha mão
Melhora quem está doente
Fita azul, fita lilás
Ó vila de Messejana
Fita cor da magarça
Cercada de eucaliptais
Duas amigas que eu tinha
Onde o meu amor passeia
A mais leal me foi falsa
Em companha de outros mais
Olhos verdes são sinceros
Dei um ai entre dois montes
Olhos verdes amorosos
Responderam-me as montanhas
Quero bem aos olhos verdes
Ai de mim que já não posso
Porque são os mais formosos
Com saudades tamanhas
Tenho um saco de cantigas
Adeus amor de algum dia
Ainda mais um guardanapo
Ainda te quero bem
Não me estejas atentando
Neste mundo para mim
Senão eu desato o saco
Como tu não há ninguém
Tocam sinos no meu peito
Quanto algum dia cantava
Morreu o meu coração
Ria-se o céu ria a terra
Esta morte foi causada
Agora já tudo chora
Pela tua ingratidão
Já eu não serei quem era
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Os meus olhos, os teus olhos
As patas do teu cavalo
São os quatro a quererem bem
Fazem grande estrampolida
Os meus querem-te a ti
Nas pedras de minha rua
E os teus não sei a quem
Quando passas de corrida
Sou tua desde que nasci
Ó paixão que não me deixas
Doutro amor já não serei
Resfriar nem um momento
Fiz escritura de te amar
A todos dás um alívio
Pus as mãos ao céu jurei
Só a mim estás de aposento
Desde que o mundo é mundo
À minha porta está lama
Muita gente tem morrido
À tua é um lameiro
Nem na terra se achou falta
Quando falares de mim
Nem o céu se tem enchido
Olha para ti primeiro
O meu amor é António
Foste dizer ao meu pai
António da Conceição
Que eu estava a namorar
Hei-de-lhe mudar o nome
O meu pai respondeu
De António para João
A inveja faz falar
Mesmo agora aqui cheguei
Ó meu amor pede a Deus
Já fisguei o olho a uma
Que eu peço às almas santas
Tão desgraçado que eu era
Que o nosso amor não acabe
Chegou-me agora a fortuna
Já que as invejas são tantas
Eu já fui ao céu em vida
Tudo o que é verde seca
Amortalhado em três ais
Em vindo o calor do verão
Na torre do teu sentido
Só as penas reverdecem
Se tocam os meus sinais
Dentro do meu coração
A folha de alfarrobeira
Os dias para mim são anos
Cai no chão faz-se amarela
Os meses eternidades
Ninguém vá pedir a moça
Amores fora da terra
Sem primeiro falar com ela
São dobradas saudades
Quem disser que a saudade
Minhas cantigas não são
Que não chega ao coração
Dedicadas a ninguém
Tenha o seu amor ausente
Cada um canta o que sabe
E verá se chega ou não
E o que ao sentido lhe vem
Ó ingrata mais valia
Considerar amor que eu durmo
Que nunca te conhecesse
Numa cama de martírios
Nem a tua fala ouvisse
Adormeço dando ais
Nem o teu nome aprendesse
Acordo dando suspiros
Dizes que eu tenho piolhos
Se tivesse que dar dava
Por certo alguns me viste
Não tenho que dar aceito
Foste tu que os pegaste
Aceito penas e dores
Quando comigo dormiste
Causadas a teu respeito
Fostes dizer mal de mim
Eu aqui longe de ti
Onde a vista não alcança
Resignada e triste estou
Que me tinhas por segura
Não sei se de mim te lembras
Mostra lá a segurança
Não sei se sabes quem sou
Se esta rua fosse minha
Está o mar desladrilhado
Eu mandava-a ladrilhar
Quem o desladrilharia
Com o brilho dos teus olhos
Do nosso amor acabar
Para o meu amor passar
A culpa de quem seria
Poeta se és cantor
Do jardim caiu um cravo
Faz-me esta declaração
Partiu o pé à açucena
Quantos metros há de água
Amei-te com tanto gosto
E de terra quantos são
Deixei-te com tanta pena
Vou-me embora, vou-me embora
Passarinho para que cantas
Vou até sítios meus
Alegre ao pé de quem chora
Raparigas passem bem
Dá-me pena o teu cantar
Rapazes adeus, adeus
Não cantes mais vai-te embora
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Se eu soubesse que voando
Fingida como esta minha
Alcançava o meu desejo
Não vi outra natureza
Mandava fazer as asas
Anda mostrando alegria
Que as penas são de sobejo
Não tendo senão tristeza
É azul a cor do céu
O papel com que te escrevo
É azul a cor do mar
Sai-me da palma da mão
São azuis esses teus olhos
A tinta sai-me dos olhos
É azul o teu olhar
A pena do coração
Fui ao jardim passear
Abriu-se o meu coração
Que grande variedade
Ao abrir tua cartinha
Lembrei-me do meu amor
Eram tantas as saudades
Apanhei uma saudade
Como as letras que lá vinha
Eu vivo de ti ausente
O meu amor de algum dia
Na mais escura montanha
Quando te oiço falar
Quando julgas que estás só
Recordo o tempo passado
Meu sentido te acompanha
Às vezes fico a chorar
Minha mãe me disse ó filha
Encosta teu peito ao meu
Filha do meu coração
Encosta com devoção
Filha tem sempre juízo
Ouvirás na hora certa
Que eu vou para baixo do chão
Chorar o meu coração
Minha mãe era uma santa
És uma rosa encarnada
Por quem sempre chorarei
Entre meio das mais mulheres
Porque amor igual ao dela
Se eu te for pedir namoro
Nunca mais encontrarei
Não me digas que não queres
É bem triste a minha vida
Jura amor jura constante
É bem triste o meu viver
Jura a fé que prometi
Para que quero eu a vida
Que o nosso amor vá avante
Se nasci para sofrer
Que já nada sou sem ti
Eu tremo de ouvir tremer
Amei-te desde criança
A terra balançar
A mais ninguém dou valor
Eu tremo de ouvir dizer
Enquanto Deus me der vida
Nosso amor vai acabar
Hás-de ser o meu amor
O nosso amor acabou
Contrária minha contrária
Sem motivo nem razão
És a minha defensora
Separámos um do outro
Nada lhe dizes a ele
Foi a maldita traição
Que eu não seja sabedora
Tu dizes que não me queres
Contrária minha contrária
Acho-te toda a razão
Contrária somos rivais
Como é que hás-de querer
Amas o homem que eu amo
Aquilo que te não dão
Temos os gostos iguais
As ondas do teu cabelo
Chamaste-me pé de ginja
São louras perfumadas
Eu não sou tão delicada
São correntes que se prendem
Não sou bonita nem feia
Às almas apaixonadas
Sou em ti mal empregada
Se queres, desde já começa
De encarnado veste a rosa
A viver o nosso amor
De verde veste o botão
Que estou pronta a aceitar
De branco a açucena
O teu rosto encantador
De luto meu coração
Eu não sabia cantar
Dá-me os teus olhos amor
Ensinou-me o meu amor
Dá-me a luz do teu olhar
Quando lhe pagarei eu
Dá-me um sorriso dos teus
Esse tão grande favor
Que não te deixo de amar
Algum dia era eu
Tu dizes que não que não
Era eu não eras tu
Alguma vez há-de ser
Agora nem tu nem eu
Tanto bate água na pedra
Agora nem eu nem tu
Até que a faz embrandecer
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Anda cá se queres ver
Se eu soubesse cantar bem
Verás o que ainda não vistes
Nunca estaria calada
Verás uns olhos alegres
Mesmo assim cantando mal
Chorando lágrimas tristes
Não vivo desmaginada
Vai-te carta, vai-te carta
Nas ondas do teu cabelo
Às mãos do meu bem parar
Ando eu a navegar
Já que eu não posso lá ir
É para que saibas amor
Vai tu carta em meu lugar
Que há ondas sem ser no mar
Vai-te carta venturosa
Eu julgava que o amor
Por esses campos sem fim
Era só a gente rir
Vai dizer ao meu amor
Agora fui experimentar
Que não se esqueça de mim
Até me tirou o dormir
Ó alto pinheiro ramudo
Já não há quem queira dar
Com picos de oiro na ponta
Uma filha a um pastor
Podes amar quem quiseres
Terá que vir de Lisboa
Comigo não faças conta
A filha de algum doutor
Ó alto que nunca viste
A cobra no verde pasto
O vidro que não quebraste
Anda que desaparece
O amor que não cumpriste
Assim andam os meus olhos
O que comigo trataste
Atrás de quem o merece
Esta rua cheira a sangue
Como pode um candeeiro
Foi alguém que se matou
Alumiar dois corredores
Foi a mãe do meu amor
Como pode um coração
Da janela se atirou
Ser leal a dois amores
A candeia por estar alta
Estrada nova, estrada nova
Não deixa de alumiar
A estrada nova é a corrente
Meu amor por estar lá longe
Por causa da estrada nova
Não deixa de me lembrar
Anda o meu amor ausente
Eu quero ir para o campo
Eu subi à cana verde
A cidade me aborrece
Desci-a de nó em nó
Que eu tenho lá no campo
O sorriso é para todos
Quem por mim penas padece
O amor é pra ti só
Eu hei-de amar uma pedra
Eu subi à cana verde
Deixar o teu coração
Cheguei ao meio e partiu-se
Uma pedra não me deixa
Meu amor que estava vendo
Deixa-me tu sem razão
Olhou para mim e sorriu-se
Eu jurei, fiz uma jura
Se Maria Madalena
Em cima de oitenta livros
Pecou por Jesus beijar
De não amar outros olhos
Podes crer não tenho pena
Enquanto os teus forem vivos
De muitas vezes pecar
Se te amei foi falsidade
Eu nunca gostei de ti
Só para o tempo passar
Nunca pensei em amar-te
São coisas da mocidade
Se eu nunca te ofendi
Que não é de censurar
Para quê assim gabar-te
Namorei, fui namorada
Diz-me lá por que razão
Sempre com muito respeito
Tu me não falas amor
Nunca fui difamada
Sendo tua obrigação
Por um qualquer sujeito
Falares seja a quem for
Se o homem bem pensasse
Ausente mas sempre firme
Na falsidade da mulher
Nosso amor não faz mudança
Talvez que não chegasse
Quanto mais ausente estou
A falar com ela sequer
Mais te trago na lembrança
Nunca disse mal de ti
A folha da parra é
Pensando que fosses minha
Recortada como a renda
E não me arrependi
Inveja-te na pessoa
Das ideias que tinha
Não te invejes na fazenda
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O amor quer-se encoberto
Tenho o teu retrato amor
Já o devias saber
Dentro do meu coração
Nem ao longe nem ao perto
Já te não posso fugir
Não se deve dar a ver
És toda a minha paixão
Quero amar e ser amada
A paixão de amor não mata
Mas com toda a lealdade
Não mata mói o sentido
Para ser sempre gabada
Se a paixão de amor matasse
Pela minha mocidade
Já eu teria morrido
Foste dizer mal de mim
Maria dá-me o teu nome
A quem logo me contou
Que eu também quero ser Maria
Ficaram-te conhecendo
As Marias são alegres
E eu fiquei sendo quem sou
E eu também quero alegria
Contrária tu não tens culpa
Quando canto ninguém canta
E eu também não ta quero dar
Ninguém me ajuda a cantar
Culpa tem o nosso amor
Será que minha voz encanta
Que às duas quer amar
Ou eu é que não sei cantar
Contrária tu não tens culpa
Minha sogra diz que tem
E eu também culpa não tenho
Uma prenda para me dar
Culpa tem o nosso amor
Se ela não me der o filho
Que nas duas faz empenho
Pode a prenda arrecadar
A folha do eucalipto
Valha-me Nossa Senhora
É comprida mas estreita
Que eu não sei aonde estou
Eu deixei-te meu amor
Ou os astros abaixaram
Por causa duma sujeita
Ou a terra levantou
Quando eu disser que não
Fui um dia colher trevo
Repara amar como digo
Achei o trevo colhido
Que este meu dizer que não
Eu não me atrevo amor
É um sim para contigo
A ter amores contigo
À luz daquela candeia
Quem disser que o amor custa
Se fez o meu casamento
De certo que nunca amou
Ó candeia não te apagues
Eu amei e tenho amado
Que hás-de ir a juramento
Nunca o amor me custou
Janelas altas e baixas
Lealdade, lealdade
Mora aqui algum morgado
Tão leal que eu tenho sido
Mora a mãe do meu amor
Eu para ti tão leal
E o pai do meu namorado
Tu para mim tão fingido
Quando entrei nesta rua
Ó olhos de seda preta
Deu-me vontade de chorar
Criados na Primavera
De ver o senhor de posto
Desejava de saber
Não o poder adorar
A tua intenção qual era
Se eu deveras conhecesse
O rio vai-te contando
Qual era o teu interior
Pedaços que fez outrora
Nem deveras nem mangando
Vai andando e murmurando
Queria ser teu amor
Bom e mau deitando fora
Passei pela tua rua
Toma lá meu coração
E estavas com outro brincando
Se o quiseres matar podes
Isto são lidas da vida
Olha que estás dentro dele
Com elas vamos lidando
Se o matas também morres
Já me aborrece o viver
Se eu morrer não é a morte
Que fará em tendo idade
Que vem à minha procura
Ó se eu pudesse comprar
Sou eu mesmo que me mato
Outra nova mocidade
Que a paixão em mim é dura
Vou-me embora tu cá ficas
O passarinho no bosque
Quem te pudesse levar
Procura o seu aposento
Se quisesses ir comigo
Só eu procura não acho
Não havias cá ficar
Um amor a meu contento
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Um amor ao pé da porta
O craveiro da minha sogra
Amá-los quem não se arrisca
Só três cravos é que deu
Antes que a boca não fale
Toda a gente se admira
A vista sempre petisca
Do mais velho ser o meu
Amores ao pé da porta
À porta da minha sogra
É que eu desejava ter
Vem uma silva nascendo
Antes que a boca não fale
Todos passam não encalham
Os olhos gostam de ver
Só eu na silva me prendo
O azul é cor de astro
Quando o sol nasce inclina
O branco é cor da lua
Na folha do malvarisco
Dizem que o verde é esperança
Também eu me inclinei
Eu alguma tenho tua
Nesses teus olhos Francisco
Adeus amor passa bem
Anda cá se queres água
Já não ouves minha fala
Que os meus olhos ta darão
Faço de ti uma ausência
É pouca mas é clara
Como o fumo quando abala
É dada do coração
Vindo eu de longe ao longe
Cravo branco à janela
Vindo eu de longe ao perto
É sinal de casamento
Já ouvia a tua voz
Menina recolha o cravo
Me parecia um céu aberto
Para casar ainda tem tempo
Algum dia andava
As estrelas do céu correm
Nesse teu sentido
Pelo astro às carreirinhas
Desandou a roda
Também as desfeitas correm
Foi tempo perdido
Das tuas mãos para as minhas
Já o sol mudou de rolo
Os teus olhos é que são
Já não nasce onde nascia
A causa de eu te querer bem
Também já mudou de amores
Que não me deixam tomar
Quem de amor por ti morria
Amizade a mais ninguém
Quem disser que o preto é triste
Senta-te aqui a meu lado
Hei-de dizer-lhe que mente
Tu numa pedra e eu noutra
Meu amor tem olhos pretos
Chorando a nossa desgraça
Alegras para toda a gente
Já que a ventura é tão pouca
O sol é que me alegra o dia
O azul já não se usa
De manhã logo ao nascer
Quem o tem não é ninguém
Eu bem sei quem anda triste
O que há de o meu bem fazer
Que se alegra se me ver
Ao fato azul que tem
Sentei-me à beira do rio
Não me inveja de quem tem
Para a água ver correr
Carros, parelhas e montes
Vi correr a dos meus olhos
Só me inveja de quem bebe
Para mais penas eu ter
A água em todas as fontes
Suspirando dando ais
Não inveja de quem tem
Passa meu bem pela rua
Carros e boas parelhas
Não suspires não dês ais
Só me inveja os teus olhos
Que eu jurei ser sempre tua
E essas lindas sobrancelhas
Anda cá para meus braços
A ladeira do teu monte
Se tu vida queres ter
É alta má de subir
Que estes meus braços dão vida
Se não fossem os teus olhos
A quem está para morrer
Não havia de aqui vir
Algum dia nesta rua
O meu amor ontem à noite
Tinha eu uma cadeira
Pela vida me jurou
Onde sentava meus olhos
Que se ia deitar ao mar
Que agora vão de carreira
Se ele é tolo eu cá não sou
O castanho se queixou
Muito gosto de ouvir
De não ter bonita cor
Quem a cantar aprendeu
Olha como está brilhando
Se houvesse quem me ensinasse
Nos olhos de meu amor
Quem aprendia era eu
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Chamaste-me ensina burros
Das florinhas do campo
Estou pronto para te ensinar
A mais linda é a magraça
Vê lá burro não me atires
Uma das minhas amigas
Com os aparelhos ao ar
A mais leal me foi falsa
Parabéns e sentimentos
Comprei um chapéu preto
Desse teu novo namoro
Para à noite namorar
Deus queira que esse teu riso
O chapéu vai-se estragando
Não venha dar em choro
E o namoro sem se arranjar
Tenho papel tenho tinta
És bonita como um forno
Pena e consolação
Delicada como um cesto
Vou-te escrever uma carta
Para seres burra acabada
Amor do meu coração
Só já te falta o cabresto
Eu já fui o teu amor
Contrária, minha contrária
Mas agora já não sou
Contrária de mim faz troça
Não vale a pena falar
Eu quero que a minha contrária
No tempo que já passou
Vá puxar uma carroça
Alcarias, Conceição
Quando estou à minha porta
Panóias e Messejana
E tu passas e não falas
São os passos que eu darei
Desgraçado do teu corpo
Se o meu amor não me engana
Se os meus olhos fossem balas
Aljustrel dos políticos
Eu não devia cantar
Montes Velhos das Facadas
Devia ter sentimento
Rio de Moinhos dos bailes
Devia de me lembrar
Messejana das touradas
Quem não vejo à tanto tempo
Das florinhas do campo
O meu amor disse à mãe
A mais linda é a do trigo
Que me havia de deixar
Antes que queira não posso
Agora deixei-o eu
Tirar-te do meu sentido
Toma lá vai-te gabar
Ó coração retraído
É tão triste ver partir
Ó cara cheia de enganos
Um amor de quem gostamos
Foi a paga que me deste
Ver na distância sumir
De te amar há tantos anos
Sem saber quando avistamos
O meu amor coitadinho
O que com um dom nasceu
Coitadinho o raio que o parta
Por ninguém será vencido
Ainda não ganhou dinheiro
Vai junto a si no caixão
Para me escrever uma carta
Para ninguém é traduzido
Ó meu amor lá de longe
Anda aí um inventor
Chega-te aqui para perto
Que quer adivinhar
Já me dói o coração
Mas ainda não adivinhou
De te ver nesse deserto
Quando vai chover ou escampar
Amiga se és minha amiga
Muito gosto de cantar
Trata bem o meu amor
Onde quer que os mestres estão
Que o mesmo farei ao teu
Se algum ponto errar
Quando a minha casa for
Os mestres me ensinarão
Anda lá para diante
Os olhos daquela, aquela
Que eu atrás de ti não vou
Os olhos daquela além
Não me pede o coração
Os olhos daquela rosa
Amar a quem me deixou
São iguais aos do meu bem
Ai se é parva se é nência
Ó rosa nunca consistas
Quem por um amor se mata
Que o cravo te ponha na mão
Atrás de um vêm dois
Que uma rosa enxovalhada
Não há coisa mais barata
Perde toda a aceitação
Não te encostes à barreira
O rouxinol é vadio
Que a barreira deita pó
Passeia por onde quer
Encosta-te amor a mim
É como o rapaz solteiro
Sou solteiro e estou só
Que ainda não tem mulher
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Cantigas ao desafio
Com quatro letras se escreve
Comigo ninguém as cante
A doce palavra amor
Eu tenho que mas ensine
Tem menos uma que a morte
Que o meu amor é estudante
E mais uma que a dor
Ó António lindo António
Não corte a hera verde
Caixinha dos meus anéis
Que está na minha janela
Se quiseres casar comigo
É escada do meu amor
Vai despachar os papéis
Que sobe e desce por ela
Eu não devia cantar
Água clara não se turva
Devia ter sentimento
Sem haver quem a enode
Vai o meu amor à tropa
Amor firme não se muda
Sem saber o livramento
Antes que queira não pode
Eu não devia cantar
O primeiro amor que eu tive
Devia ter sentimento
Mandei-o à erva azeda
Devia de me lembrar
O segundo que arranjei
Quem não vejo há muito tempo
Ensinei-lhe a mesma vereda
Toma lá uma laranja
Quem espera sempre alcança
Tira-lhe o sumo de dentro
Diz o ditado traidor
Da casca faz um navio
Eu espero e desespero
Embarca teu pensamento
Não alcanço o teu amor
Põe-te sol, põe-te sol
Alfinetes são amores
Mas não te ponhas parado
E agulhas são vaidades
Que o meu amor é pastor
Amores fora da terra
Quer recolher o gado
São dobradas saudades
O meu mais puro sorriso
Nossa Senhora me faça
Eu não o mostro a ninguém
O que lhe tenho pedido
Sei sorrir quando preciso
Se morrer levar-me ao céu
A quem me sorri também
Se viver casar contigo
Na janela do meu bem
Se fores ao cemitério
Já nada há para mim
Repara no que te digo
Porque já o cravo branco
Verás o pobre no chão
Tem aroma de alecrim
E o rico no seu jazigo
Aqui tens meu coração
Eu entrei no cemitério
Fechadinho com três chaves
Da meia para a uma hora
Abre-o mete-te lá dentro
Ouvi uma voz dizer
Que tu sozinho bem cabes
Vai-te embora, vai-te embora
Não há ribeira sem rocha
Eu entrei no cemitério
Nem rocha sem arvoredos
Uma voz me respondeu
Não há casada sem fezes (?)
Tira o pé que está pisando
Nem solteira sem enredos
Um amor que já foi teu
Coitadinho de quem tem
Fui ao mar acendi lume
Os seus amores em segredo
Embarquei numa faísca
Passa por eles na rua
Engracei com os teus olhos
Não lhes fala que tem medo
Logo à primeira vista
Já não vou além do rio
O meu amor é tão lindo
Já não posso além da fonte
Toda a gente mo cobiça
Já se acabaram as rosas
No domingo na igreja
Da janela do teu monte
Quem o vê não ouve a missa
Eu não quero trigo branco
O encarnado não brilha
Que é enleio do cezirão
Já perdeu a linda cor
Eu não quero saber de ti
Agora só brilha o branco
Nem da tua geração
No peito do meu amor
Já corri o mar em volta
Chove água e não me molha
Nas costas de uma cegonha
Hei-de me pôr às goteiras
Foi agora que encontrei
Onde o meu bem tem cuidados
Uma cara sem vergonha
Quero eu ter as canseiras
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Amores ao longe ao longe
Quem seria que inventou
Ao perto qualquer os tem
A palavra saudade
Nem ao perto nem ao longe
A primeira vez que a disse
Eu tenho amor a ninguém
Recordou a mocidade
Uma das minhas amigas
Se eu um dia te for falsa
Aquela amiga que eu gostava
Nunca eu tenha bom fim
Quis apanhar o meu moço
Terra, mar, água e fogo
Para ver se eu me zangava
Seja tudo contra mim
Dei um nó na pioneira
Pus-me a chorar saudade
Ficou largo e desatou-se
Ao pé duma fonte um dia
Só te deixarei amor
Mais choravam os meus olhos
Quando o piorno for doce
Que a água da fonte corria
Quando quis tu não quiseste
Teus olhos são mais escuros
Seres meu amor sincero
Do que a noite mais cerrada
Em troca do que fizeste
Apesar de tão escuros
Agora já eu não quero
Sem eles não vejo nada
Cantas bem não cantas mal
Se o mar tivesse varandas
Tens bonita opinião
Ia-te ver a Lisboa
Podias cantar melhor
Como o mar não tem varandas
Se não fosse a presunção
Sem asas ninguém voa
Eu fui a que te disse um dia
Alegria se eu a tenho
Militar não é ninguém
Deus ma deu de natureza
Agora não digo isso
Não é porque me não falte
Militar vai ser meu bem
No meu coração tristeza
Esta palavra saudade
És bonita como o leite
Aquele que a inventou
Redonda como a cebola
A primeira vez que a disse
Mal empregada menina
Concerteza que chorou
A cabeça ser tão tola
Há ondas no mar há ondas
Amar-te não é só isso
Há ondas sem ser no mar
Tenho quem me embarace
Há ondas no teu cabelo
Há muito que eu era tua
Há ondas no teu olhar
Se sozinha me governasse
Quero cantar e ser alegre
Estás de fora vendo o baile
Que a tristeza não faz bem
Qual é o teu superior
Ainda não vi a tristeza
Anda daí vem dançar
Dar de comer a ninguém
Que aqui está teu amor
Quero cantar e ser alegre
Chapéu preto desabado
Não me importa que aborreça
Faz figura de ladrão
Eu não tenho neste mundo
Eu já te encontrei no roubo
Quem por mim penas padeça
Roubando meu coração
Ó meu amor de algum dia
Eu não quero nem brincando
Que ainda hoje podias ser
Dizer adeus a ninguém
A culpa não foi só minha
Quem parte leva saudades
Tu alguma havias de ter
Quem fica saudades tem
Hei-de-te amar se me amares
Quem me dera morrer nova
Querer-te bem se me quiseres
Para mais pena deixar
Eu hei-de fazer por ti
Que eu sendo já muito velha
O que tu por mim fizeres
Todos dizem, pode andar
Tua mãe diz que não quer
Se os teus olhos se vendessem
Olha a minha também não
Era eu o comprador
Queiras tu e queira eu
Só assim eu possuía
Está o querer na nossa mão
Prenda de tanto valor
Tua mãe diz que não quer
Oliveirinha da serra
Porque eu não tenho jaqueta
Dá-lhe o vento leva a flor
Mas tenho uma à da mestra
Mas não há vento que leve
Não sei se está já feita
Cartinhas ao meu amor
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Se meu amor me morresse
Andaste por lá gritando
Depois da palavra dada
Que me namoravas a mim
Outro amor não possuía
É mentira mentiroso
Só a terra me gastava
Que eu nunca te dei o sim
Trazes pulóver encarnado
Chove água chove água
Trazes guerra no teu peito
Não sei donde esta água vem
Não se me dava ir à guerra
Vem da cova do castelo
Sendo ela a teu respeito
Debaixo do armazém
Sapatos que não calcei
Não há luz como a do sol
Solas que terei rompido
Nem flor como a urtiga
Amores que não pretendo
Nem amor como o de mãe
Não os trago no sentido
Haja quem o contra diga
Quem diz que o amor é louco
Não há luz como a do sol
Queria ser louco também
Nem erva como a urtiga
Que um amor sem loucura
Eu gosto de te encontrar
Nunca faz feliz ninguém
Ainda que nada te diga
Tenho pena de quem morre
Não há luz como a do sol
E de quem a terra gasta
Nem estrela como a do norte
Tenho pena de quem fica
Nem amor como o de mãe
Entregue a uma madrasta
Nem golpe como o da morte
Meu amor namora duas
Joguei o limão correndo
É coisa que eu não faço
Por cima dos olivais
Havia de ter que ver
Para ver se te esquecia
Duas pombinhas num laço
Cada vez me lembras mais
A minha rival contrária
Dizem que não pode ser
Diz que me quer conhecer
Lá no mato haver oregãos
O traste da rapariga
Anda aí um amor novo
Talvez me queira bater
Que quer fazer os mais cegos
Ninguém diga eu não hei-de
Amor eterna mentira
Desta fonte água beber
Que toda a gente acredita
Pode a sede apertar muito
Berço da nossa desgraça
E outro remédio não ter
Razão da nossa desdita
Ninguém diga que não faz
Amor, tristeza, saudade
Ninguém diga que não diz
Dão as mães pela vida fora
O nosso feitio é capaz
É essa a grande verdade
De aceitar o que não quis
Que muita gente ignora
Algum dia era eu
Perguntas-me o que é saudade
Do teu prato a melhor sopa
Eu vou agora dizer
Agora sou um veneno
Saudade é tudo o que fica
Que envenena a tua boca
Depois de tudo morrer
Algum dia para te ver
Na mais alta laranjeira
Pulava sete quintais
No mais delicado ramo
Agora para te não ver
Sou eu capaz de escrever
Pulo sete, pulo mais
O nome de quem mais amo
Eu não quero mais amar
Ó alecrim rei dos matos
Que do amar tenho medo
Ó ouro rei dos metais
Não me quero sujeitar
Ó olhos enganadores
A pagar o que não devo
Porque razão me enganais
A serra corta madeira
Amor dunas de areia
A lima corta metais
Varia mal se formou
E a língua desenfreada
É como a maré cheia
Corta na vida dos mais
Que água deu, água o levou
Há paus que nascem para santos
Saudade tenho saudade
Outros para serem queimados
Do tempo em que não sabia
Uns nascem para ser felizes
Que esta palavra saudade
Outros para ser desgraçados
Infelizmente existia
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No tronco da verde faia
Eu sou devedor à terra
O teu nome fui gravar
A terra me está devendo
A verde faia chorou
A terra paga-me em vida
Só de me ver suspirar
Eu pago à terra em morrendo
Cantigas são pataratas
Eu aprendi a cantar
São razões leva-as o vento
Lavrando a terra molhada
Quem namora por cantigas
Lá na solidão dos campos
Tem falta de entendimento
Pensando em ti minha amada
Gosto muito de café
Dizem que o sol se levanta
E também gosto de lête
Ao romper da madrugada
Mas ainda gosto mais
Longe de ti meu amor
Das criadas do Sr. Paquete
Só vejo noite cerrada
Se canto é porque canto
Quero cantar e ser alegre
Se choro é porque choro
Que tristeza não faz bem
Se olho para ti e me riu
Ainda não vi a tristeza
Dizem que eu te namoro
Dar de comer a ninguém
Adeus cidade de Beja
Azeitona miudinha
Que é cidade de aventura
Também vai ao alagar
Onde o meu amor passeia
Também eu sou pequenina
Com correias à cintura
Mas sou firme no amor
Chorai olhos, chorai olhos
Camioneta da carreira
Que o chorar não é desprezo
Espera aí que eu também vou
Também a virgem chorou
Que me quero despedir
Quando viu seu filho preso
Dum amor que me deixou
Ó Beja, terrível Beja
Os olhos requerem olhos
Terra da minha desgraça
Os corações, corações
Eram sete horas da tarde
Também as boas palavras
Quando me assentavam praça
Requerem boas acções
Os feixes nas crespas ondas
Água clara não turva
As feras na solidão
Sem haver quem a enlode
Tu sentes tal como eu
Amor firme não se muda
A nossa separação
Antes que queira não pode
Não atires com pedrinhas
Muito brilha o branco, branco
Quando estou levando a louça
Ao pé do preto lavado
Atira-me com beijinhos
Muito brilha uma menina
De forma que ninguém ouça
Ao pé do seu namorado
Ó luar da meia-noite
Oliveirinha do adro
Que tens lá segredos meus
Dá-lhe o vento abana a rama
Não os digas a ninguém
Assim faz o meu amor
Que os meus segredos são teus
Quando não pode vir manda
Amor leal tem firmeza
Se a oliveira falasse
Amor falso nasce de si
Ela diria o que viu
Amor leal vê-se pouco
Debaixo da sua rama
E o falso só vejo em ti
Dois amores encobriu
Ó parreira dá-me um cacho
Ó moças da avenida
Ó silva dá-me uma amora
Ponham os olhos em mim
Amor dá-me o teu retrato
Não se confiem nos homens
Quero ver-te a toda a hora
Que por homem me perdi
Os teus olhos é que são
Nem deveras nem mangando
A causa de eu te querer bem
Digo adeus seja a quem for
E não me deixam tomar
Quem parte leva saudades
Amizade a mais ninguém
Quem fica morre de dor
Olhos azuis são ciúme
Se eu fosse rica e tivesse
Olhos verdes traiçoeiros
Fazenda com abundância
Os olhos acastanhados
Sendo eu a mesma pessoa
São leais e verdadeiros
Tinha dobrada importância
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Eu quero bem à desgraça
Suspiros, ais e tormentos
Que sempre me acompanhou
Imaginações, cuidados
Tenho rancor à ventura
É o manjar dos amores
Que no melhor me deixou
Quando vivem separados
Se eu quisesse bem podia
Levanta-te ó meu amor
Fazer o dia maior
Se quiseres ouvir cantar
Dava um nó em fita azul
Ou são os anjos no céu
Prendendo os raios de sol
Ou as sereias no mar
Os teus olhos não são olhos
Acordas se estás dormindo
São soletras de veludo
Às vozes deste cantor
Quem me dera já gozar
Para ver se ainda conheces
Olhos, soletras e tudo
A fala do teu amor
Eu fui a que disse um dia
Debaixo do lodo há água
Encostada à solidão
Debaixo da água areia
Desgraçada da mulher
Debaixo de uma amizade
Que tem por um homem paixão
É que o amor se falseia
Se a liberdade dos presos
As moças da minha rua
Estivesse na minha mão
São algumas, não são todas
Soltava presos e presas
Usam meias sobre meias
Prendia teu coração
Para fazer as pernas gordas
Amor vário, amor louco
Delicado é o peixe
Amor das ervas do campo
Que faz a cama no lodo
Já me ia admirando
Delicados são os teus olhos
O nosso amor durar tanto
Que me encantaram dum todo
Tenho a vista enfraquecida
Não quero nada do mundo
É talvez de muito ler
Senão uma sepultura
No livro negro da vida
Para sepultar meus olhos
Sem nunca o compreender
Que nasceram sem ventura
Solteirinha não te cases
Se te visse por seres meu
Gozas-te da boa vida
Oxalá provera a Deus
Que eu já vi uma casada
Ainda lavava os olhos
Chorando de arrependida
Onde tu lavas os teus
Joguei um limão correndo
Despedida, despedida
À tua porta parou
Sabe Deus quem se despede
Quando o limão te quis bem
Para não te deixar chorando
Que fará quem to jogou
Faço a despedida alegre
Não te faças mais do que eu
Abalei não sei para onde
Que não és menos nem mais
Encontrei não sei quem era
Debaixo da terra fria
Encontrei o mês de Abril
Todos nós somos iguais
Em busca da Primavera
Não olhes para mim não olhes
Tenho pena, tenho pena
Que eu não sou o teu amor
Sem tu teres pena de mim
Eu não sou como a figueira
Tenho pena dos teus beijos
Que dá fruto sem flor
Imensa pena sem fim
Chamaste-me vária, louca
Ó Ana 3 vezes Ana
Louca sim mas vária não
Maria só uma vez
Bem louca que tenho sido
Maria vale uma só Maria
Em amar teu coração
Dos que as Anas todas três
Se chorando restaurasse
Ó minha mãe da minha alma
Um amor que anda arradio
Ó meu pai do coração
Chorariam os meus olhos
Duzentos anos que eu viva
Lágrimas de fio em fio
Não lhe pago a criação
Se ouvires tocar sinais
Tenho pena de quem pena
Nas altas torres da lua
Pena de quem penas tem
Não perguntes quem morreu
Tenho pena de mim mesma
Morri eu por causa tua
Que peno mais que ninguém
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Toma lá que te dou eu
As estrelas do céu correm
Rapariga da fortuna
Pelo astro às carreirinhas
Uma mão cheia de nada
Também as desfeitas correm
Outra de coisa nenhuma
Das tuas mãos para as minhas
Se algum dia à tua porta
Pus-me a contar estrelas
Uma pobre for bater
Contei duzentas e doze
Não lhe negues a esmola
Com as duas dos teus olhos
Sou eu que te quero ver
São duzentos e catorze
Joguei o limão correndo
Ó água que estás correndo
Por cima dos olivais
Debaixo da sacristia
Para ver se me esquecias
Ó terra que estás gastando
Cada vez me lembras mais
O espelho onde eu me via
A cana verde no mar
Não é por cantar que esqueço
Deixa raízes na areia
Quem tanta distância tem
Sou leal a todo o mundo
Mas ao mesmo tempo penso
Todo o mundo me falseia
Quem morreu já cá não vem
Ó amada põe-te à porta
Amigas minhas amigas
Ao menos quero-te ver
Amigas só tenho uma
Já que outra dita não tenho
Quando a minha mãe morrer
Faz-me esta se puder ser
Já me não fica nenhuma
Na mentira dessa boca
Dizem que as penas são brancas
Queimei minha mocidade
São brancas e amarelas
Por amar-te como louca
Tantas que tenho passado
Envelheci de saudade
Ainda não vi a cor delas
Não quero que me dês nada
Se eu tivesse a liberdade
Que eu também nada te dou
Que o sol e a lua têm
Só quero que te recordes
Entrava em tua casa
O tempo que já passou
Sem licença de ninguém
Se julgas que eu te quero
Delicado é o fumo
Desengana o coração
Que passa a telha dobrada
Não te quis e não te quero
Delicados são os teus olhos
Nunca tive tal tensão
Que namoram de pancada
Se ouvires tocar o sino
Eu fui a que disse ao sol
Não perguntes quem morreu
Que não tornasse a nascer
Vai para casa veste luto
Com o brilho dos teus olhos
Quem morre por ti sou eu
Que vem o sol cá fazer?
O anel que tu me deste
Ausência de amor não mata
Era de vidro e quebrou-se
Não mata, mói o sentido
A amizade que te tinha
Se ausência de amor matasse
Era pouca e acabou-se
Já eu teria morrido
Perguntei ao sol se viu
A simpatia é que vale
À lua se conheceu
Eu contigo simpatizo
Às estrelas se já viram
Simpatizavam meus olhos
Coração igual ao meu
Com o teu lindo sorriso
Ai ladrão que me roubaste
Ó água que vais correndo
Dos meus olhos as meninas
Para os lados do bem que adoro
Diz-me amor para que queres
Se não levas água ávondo
Coisinhas tão pequeninas
Leva lágrimas que eu choro
Vou andando e vou chorando
Alegria duma mãe
Regando os pés às flores
É uma filha solteira
Ai de mim que estou amando
Casa a filha vai-se embora
Quem já tem outros amores
Vai-se a rosa da roseira
Ó olhos da minha cara
O simpatizar é triste
Não olhem para ninguém
É triste que eu bem conheço
Já que perderam a graça
Eu simpatizei contigo
Percam o olhar também
De te ver não me aborreço
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Se eu canto sou cigarra
Minha sogra me tem zanga
Se não canto, mosca morta
Minha cunhada também
Se me lavo sou asseada
Que se importa o raio da velha
Se não me lavo sou porca
Que o filho me queira bem
Tenho carta no correio
Na mais alta laranjeira
Ai Jesus de quem será
No mais delicado ramo
Se é de João não quero
Sou eu capaz de escrever
Se é de António dá a cá
O nome de quem amo
Vou-me embora, vou-me embora
Minha mãe quando morreu
Para a terra das andorinhas
Na garganta me levou
Mete carta no correio
Minha filha da minha alma
Se queres saber novas minhas
Que ao desamparo me ficou
Eu adoro as tuas cartas
Já foste ao registo
E as letras que vão no meio
Minha ressalva de prata
Quero que digas amor
Já hoje foste dar o nó
Se te amarei sem receio
Que só a morte desata
Anda lá para diante
Ó moças peçam ao noivo
Ou tira-te do caminho
Que não trate a noiva mal
Tenho o meu amor lá longe
Que ela sabe o que deixou
Não posso ir devagarinho
Não sabe o que vai buscar
Para que quero eu os olhos
Quando o lume se apaga
Senhora Santa Luzia
Na cinza fica o calor
Se eu não posso ver quem quero
Quando o amor se ausenta
A toda a hora do dia
No coração fica a dor
O alcançar é verdura
O cantar é dos anjinhos
O azeirão é enleio
Não ofendo Deus cantando
Fazes amor boa escrita
É melhor que eu andar
Não me fio no teu paleio
Na vida de outros falando
Nossa senhora é mãe
Já não tenho alegria
É mãe de quem mãe não tem
Vivo no mundo sem gosto
Hei-de pedir à senhora
Nasce o sol torna a nascer
Seja minha mãe também
Por mim é sempre sol posto
O sol nasce no céu
Quem não canta nem namora
Para companhia da lua
Que gosto terá bailar
Também nasci no mundo
É como o outro que diz
Para ser companha tua
Ando aqui por ver andar
Ó amiga verdadeira
Esta casa está bem feita
Nunca tu queiras amar
Muito bem amadeirada
Eles desprezam a gente
Muito gosto eu de entrar
Dando ao mundo que falar
Em casa de gente honrada
Este meu modo alegre
Dizem que o cigarro tisna
Que tenho para toda a gente
As mágoas do coração
É que me faz a mim pagar
O cigarro faz-se em cinza
Muita culpa injustamente
E as mágoas nunca se vão
Boa noite falo a todos
Tanto ai tanto suspiro
Adeus ó rosa encarnada
Aqui nesta rua vai
Por seres tu meu amor
Tanta mulher sem marido
Falo-te a ti separada
Tanto filhinho sem pai
Quando eu tinha 15 anos
Desejava de saber
Mais do que a prata valia
Onde a pena mais aumenta
Namorava à mangação
Se é no peito de quem fica
Tinha amores quantos queria
Ou se é no de quem se ausenta
Não julguem por eu cantar
Quem se ausenta leva pena
Que a vida alegre me corre
Mais pena tem quem cá fica
Eu sou como o passarinho
Quem se ausenta logo acha
Tanto canta até que morre
Amor com que se divirta
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O cipestre não se rega
Por os teus olhos negros negros
Nasce a água da raiz
Trago eu negro o coração
Não te gabes que me deixas
De tanto lhe pedir amor
Que fui eu que não te quis
E eles dizerem que não
Já não tenho pai nem mãe
As moças da serra dizem
Nem nesta terra parentes
Minha horta, minha horta
Sou filho das águas turvas
No fim é uma cerca velha
Neto das águas correntes
Com dois tanganhos à porta
Eu mandei pedir ao sol
Numa pedra dura e fria
Que não tornasse a nascer
Teu nome mandei gravar
À vista desses teus olhos
Com as letras que diziam
Que vem o sol cá fazer
Nasci só para te amar
Cala-te aí boca aberta
Eu jurei fiz uma jura
Que tu não sabes cantar
Minha jura há-de ir à horta
Tens uma cova na língua
Rapaz que duas namora
Onde os gatos vão cagar
Não há-de ir à minha porta
O carvão que já foi brasa
Entre as grades da janela
Com qualquer faísca acende
Numa noite de luar
O amor que nasce da alma
Não vi estrela mais bela
Com qualquer razão se prende
Que o brilho do teu olhar
Senhora de Assunção
Quero mais ao meu amor
Tem um filho serrador
Do que o campo folhas tem
Para serrar a madeira
Vê como o campo tem folhas
Para o altar do senhor
Vê amor se te quero bem
Não há sol como o de Maio
Quem inventou a partida
Luar como o de Janeiro
Não sabia o que era amar
Nem cravo como o regado
Quem parte, parte sem vida
Nem amor como o primeiro
Quem fica, fica a chorar
Ó vila de Messejana
Ó meu amor de algum dia
Cercada de cravos brancos
Que ainda podias ser hoje
Onde o meu amor passeia
A culpa não foi só minha
Domingos e dias santos
Foi de ambos, nós os dois
A flor da negra amora
Se houvesse um dia quem queira
Cai na água faz-se em espuma
O nosso amor separar
Aqui está quem te namora
Viverá a vida inteira
Sem falsidade nenhuma
Sem o nosso amor ver findar
As penas leva-as o vento
O A quer dizer amor
Aquelas que leves são
O P quer dizer pedir
Mas não há vento que leve
O F que faça favor
Penas do meu coração
De à minha casa não vir
Amor o teu lindo rosto
Ingrato que desprezaste
Não é sorte é tentação
Meu coração sem ter dó
Foi o anzol mais seguro
Para agora estares amando
Que prendeu meu coração
Quem não te ama a ti só
A flor da amendoeira
Quando eu pensava que tinha
É a primeira do ano
No mundo mais alegria
Esses teus olhos amor
Foi quando a maior paixão
Sãos primeiros que eu amo
Veio para a minha companhia
Trago dentro do meu peito
Já não tenho coração
Chegadas ao coração
Já mo tiraram do peito
Duas palavras que dizem
No lugar onde ele estava
Morrer sim, deixar-te não
Nasceu-me um amor-perfeito
Ó meu amor de algum dia
Ingrato que me enlevaste
Quando te ouço falar
Com a pura tirania
Cresce em mim esta alegria
Outro infeliz enlevaste
Do nosso amor recordar
No lugar que eu possuía
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Ingrato teu amor puro
Coração por coração
Era mentira ilusão
Amor não deixes o meu
Era veneno teu riso
Olha que o meu coração
Tuas palavras traição
Foi sempre leal ao teu
Dos ingratos que há no mundo
Se o fingimento se visse
Tu és o da maior fama
Tanta amiga não havia
Que tratas com tirania
Aquelas que são fingidas
A quem deveras te ama
Não se lhe dava valia
Se eu soubesse que o teu querer
Ausentou-se o jardineiro
Que não era fingimento
Fechou-se a porta ao jardim
Fazia para te avistar
Se me fores firme e leal
Mais vezes em menos tempo
Serás minha até ao fim
O meu lindo amor
Eu sou-te firme e leal
É alto demais
Nunca terás que dizer
Até já lhe chamam
Saber-te-ei respeitar
Espanta pardais
Meu amor até morrer
Quando na rua te encontro
O homem alto faz vista
Ao rosto me sobe a cor
O baixo presença tem
Antes que queira não posso
Eu escolhi em boa altura
Negar que sou teu amor
O meu adorado tem
És uma rosa encarnada
Eu amava dois amores
És uma ginja na cor
Deixei um por não ter jeito
És do céu brilhante estrela
Agora nem um nem outro
És na terra o meu amor
Digam todos é bem feito
Quando cerrei esta carta
O amor é uma albarda
Cerrou-se meu coração
Que se põe em qualquer bem
As saudades já são tantas
Eu para não ser albardada
Como as letras que aí vão
Não tenho amor a ninguém
Antes que eu queira não posso
Nunca o teu rosto mimoso
Não está na minha mão
Pela minha rua assoma
Tomar ódio a quem já teve
Se não souberes onde eu moro
Parte do meu coração
Quem tem boca vai a Roma
Alegre que eu era dantes
Namorei-me de um ingrato
Agora tão triste vivo
Que tão má paga me deu
É de pensar que estou sendo
Não me falem já mais nele
Desprezada sem motivo
Digam todas já morreu
Quem ama sem ser igual
Abalei da minha terra
No mundo assim como a mim
Não foi por mal que fizesse
É amar sem conseguir
Foi só por ouvir dizer
É penar até ao fim
Quem não aparece esquece
Ingrato que desprezaste
A torre da minha terra
O melhor amor que tinhas
Muito alta e bem caiada
Deixaste um de jaqueta
Parece que está sorrindo
Para amar um casaquinhas
A quem passa pela estrada
Ingrato que desprezaste
Dá-me o sim, ou dá-me o não
O melhor amor que tinhas
Dá-me amor a minha sorte
Pede a Deus que te não dê
Se me dás o sim dás vida
Nunca mais lembranças minhas
Se me dás o não dás morte
Ó ingrato maldizente
Se me amas a mim só
O que serve mal dizer
Do que a rocha sou mais firme
Dizes mal de mim e doutras
Se me usas falsidade
Sem nenhuma razão ter
Sou um ai a despedir-me
Cala-te daí boca aberta
Se um dia as pedras nadarem
Gargalo de amentolia
E a cortiça for ao fundo
Guardanapo de estalagem
Só então hão-de acabar
Vassoura de estrebaria
As más línguas neste mundo
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Os alegres passarinhos
Meu amor por me deixar
Já têm novo cantar
Pensava que eu que morria
Aprenderam só de ouvir
Cada vez meu coração
Sem ninguém os ensinar
Canta com mais alegria
O rouxinol quando canta
Se à minha porta está lama
Bate as asas no loureiro
A tua é um lameiro
Como te posso esquecer
Quando falares de mim
Foste o meu amor primeiro
Olha para ti primeiro
Olhos azuis são ciúme
Vira-se o vento para leste
Os meus olhos azuis são
O mesmo te aconteceu
Tenho ciúme nos olhos
Virou-se o teu coração
Firmeza no coração
E agora não quero eu
Tenho dentro do meu peito
Gira o tempo gira a vida
Um punhal com cinco bicos
E tudo se vê girar
Para matar e ferir
Quem sabe lá o destino
Quem andar comigo em ditos
Que Deus tem para nos dar
Maria escuta-me lá
Ontem à noite sonhei eu
Francisco o que queres
Que o meu amor que morria
Eu quero casar contigo
Acordei pedindo a Deus
Francisco quando quiseres
A morte no mesmo dia
Com ódios e más vontades
Se canto sou piegas
Não se pára que nós andamos
Se rio ando no ar
Podíamos viver em paz
Se não falo sou pateta
Dois dias que nós cá estamos
Se falo estou a palrar
O sol é marco da lua
Diz-me lá sinceramente
Capitão ai que lindeza
Se já tiveste por mim
As estrelas são as chaves
Uma sombra de saudade
Amor da nossa firmeza
De amor, ciúme, enfim
Se um dia fores à serra
Daqui para muito longe
Pergunta lá por Mariana
O meu sentido caminha
É uma moça baixinha
Aonde ele vai parar
Que até no cantar tem fama
É que ninguém adivinha
Ó meu amor raios o partam
Ó longe que de mim estás longe
Mais quem tem em meu lugar
Ó longe de mim não estais
Raios partam a mim também
Nem tu ouves meus suspiros
Se jamais para ti olhar
Nem tu ouves os meus ais
Ó morte tirana morte
O cipestre verde triste
Eu de ti tenho mil queixas
Cópia da minha figura
Quem hás-de levar não levas
Verde qual minha tristeza
Quem hás-de deixar não deixas
Triste qual minha ventura
Querem à força que eu deixe
Se passares à minha rua
Um amor com quem engraço
Dá um sinal que eu entenda
Esse favor a ninguém
Dá um toque na calçada
Não me peçam que eu não faço
Como quem parte uma amêndoa
Quando eu não te conhecia
Os olhos da minha sogra
Nada de ti me importava
São duas sardinhas fritas
Sem pensamentos dormia
Quando vejo o raio da velha
Sem cuidados acordava
Até me revoltam as tripas
Messejana verde lima
Fui dizer à pedra dura
Lá na rua da igreja
Que o teu amor que era meu
Está meu amor à janela
Levava tanto calor
Vendo passar quem deseja
Que a pedra se derreteu
Dizem que a serra é serra
Lucinda vai ao monte
A serra também dá pão
Se queres ver cortiça em pilha
Na serra também se criam
As notas de cem escudos
Meninas de estimação
Andam numa debandilha
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Você vai à minha casa
Eu sou sol e tu és sombra
Verá minha prontidão
Qual de nós será mais querido
Eu ponho-te logo a mesa
Sombra de verão é regalo
Se queres comer leva pão
Sol de inverno apetecido
Minha terra é Messejana
Tua boca me parece
Eu não o posso negar
Um frasquinho de perfume
Toda a gente me conhece
Teus olhos meigos e ternos
Pelo modo de cantar
Me fazem passar ciúmes
Lá no meio daqueles mares
Ó meu amor lá de longe
Vem uma pombinha branca
Perde um dia vem-me ver
Não é pomba não é nada
Não me escrevas uma carta
São ondas que o mar levanta
Que sabes que não sei ler
Ó minha mãe, minha mãe
Ó meu amor lá de longe
Ó minha mãe, minha querida
Perde um dia vem-me ver
Quero tanto à minha mãe
Não escrevas uma carta
Como à minha própria vida
Que tenho que as dar a ler
O sol posto vai doente
Dizem que as mães querem mais
E a lua vai sangrando
Ao filho que mais mal faz
As estrelas são bacias
Por isso te quero tanto
Que o sangue vai aparando
Que tantas mágoas me dás
O sol prometeu à lua
Já lá vem o sol nascendo
Uma fita de mil cores
É o rei das alegrias
Quando o sol promete prendas
Como se há-de fazer velho
Que fará quem tem amores
Se nasce todos os dias
Olhos que não vêem olhos
Nem que o papel me custe
Senão de meses a meses
A jorna de uma semana
São esses os mais queridos
Nunca deixo de escrever
Que se vêem menos vezes
Cartas a uma fulana
O meu amor me deixou
Ó água que vás correndo
Porque eu tinha as botas rotas
Mansamente vagarosa
Ó meu amor não me deixes
Passa lá ao meu jardim
Que eu lá em casa tenho outras
E rega-me lá uma rosa
Eu bem sei que a tua gente
Toda a mulher que é bonita
Que diz mal à minha vida
Não havia de nascer
Que importa a mim o tronco
É como a pêra madura
Se eu vejo a rama pendida
Todos a querem comer
A rama que te pertence
Na urna fatal do amor
Tu havias de estimar
Pus o pé tirei a mão
Todos me dão conselho
Minha sina só me pede
Para eu contigo casar
Para amar teu coração
O meu amor me deixou
Por cima do lodo há água
Para amar outra mais fina
Por cima da água há areia
Com paixão engordo eu
Por cima de uma amizade
Choro pela testa acima
É que o amor se falseia
Tenho uma paixão comigo
Entrei no mundo chorando
Que me leva à sepultura
Hei-de morrer a sorrir
Do meu amor ser tão alto
Levar a vida cantando
E eu não ser da mesma altura
Amar, sofrer e sentir
Viver do amor ausente
Chamaste-me trigueirinha
Nunca pode andar alegre
Isso é pó da eira
Vê papel e vê a tinta
Hás-de-me ver ao domingo
Só não vê quem a escreve
Como rosa da roseira
Ó mar alto, ó mar alto
Alentejo não tem sombra
Ó mar alto sem ter fundo
Se não a que vem do céu
Mais vale andar no mar alto
Abrigue-se aqui menina
Do que nas bocas do mundo
Debaixo do meu chapéu
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Tua mãe diz que não quer
Passarinho mesmo preso
Tua mão ligada à minha
És mais feliz do que eu
Espera que morra o rei
Tu vives num cativeiro
Para casares com a rainha
Eu na dor que Deus me deu
O sol é que alegra o dia
Dizem que a terra que gira
Pela manhã quando nasce
Com os balanços do mar
Ai de nós o que seria
Gostava de ver o poeta
Se o sol um dia faltasse
Que viu a terra girar
Quem tiver filhas no mundo
Menina que estás à janela
Não ria das desgraças
Comendo pão com queijo
Que as filhas da desgraça
Faz da boca uma pistola
Também nasceram honradas
E manda para cá um beijo
Anda cá se queres água
Nestes campos solitários
Que os meus olhos ta darão
Onde a desgraça me tem
É pouca mas é clara
Brado ninguém me acode
É dada do coração
Olho não vejo ninguém
Anda cá amor
Todos dizem minha mãe
Que o meu bem és tu
Só eu não a conheci
Já não há carinhos
Numa cama de hospital
Para mais nenhum
Ela morreu, eu nasci
Perguntei ao sol se viu
Os montes são solidões
À lua se conheceu
Não me farto de dizer
Às estrelas se encontraram
Meu amor mora no monte
Amor mais firme que o meu
Que alegria posso eu ter
Ó olhos da minha cara
Os homens são todos falsos
Não olhem para ninguém
São filhos da falsidade
Já que perderam a graça
Às primeiras palavrinhas
Percam os olhos também
Mostram a ter amizade
Não se confiem nos homens
Quem me ouvir a mim cantar
Nem no seu palavreado
Dirá como está alegre
Não trazem porque não podem
Meu coração esta mais negro
O mundo todo enganado
Que a tinta com que se escreve
Por cima se ceifa o trigo
Ontem à noite sonhei eu
Ao lado ficam os molhos
Que te tinha nos meus braços
Quando as cegas me não querem
Acordei achei-me só
Fará as que têm olhos
Fiz o lençol em pedaços
Com mágoas no coração
Pus o pé na sepultura
Este laço vou deitar
Uma voz ouvi dizer
Do bem ou mal que te fiz
Como tu és já eu fui
Contas a Deus eu vou dar
Como eu sou hás-de tu ser
Quem entra aqui sózinho
O sol quando nasce é rei
Ficará bem assustado
Ao meio dia é morgado
Verá um baraço de linho
De tarde está doente
Ao meu pescoço lançado
À noite está sepultado
Jura amor que eu também juro
Tristeza minha tristeza
Faz uma jura bem feita
Deixa-me um dia qualquer
Jura que havemos de dar
Dentro em pouco com certeza
Na igreja a mão direita
Vês em mim outra mulher
Quando os meus olhos te viram
Ó coração retraído
Meu coração te avisou
Ó cara cheia de enganos
No jardim dos teus encantos
Foi a paga que me deste
Minha alma presa ficou
De te amar há tantos anos
O cantar de três em trempe
Tu pensas que és mais do que eu
De quatro forma o quadrado
Engana-te o coração
Bate o fraco no valente
Não és mais do que eu em nada
Fica o povo admirado
Só se for na presunção
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Fui sincera, não quiseste
Mandei fazer um relógio
Agora não quero eu
De talhadinhas de queijo
Vê tu bem o que perdeste
Para contar os minutos
Um coração que era teu
Nas horas que não te vejo
Pelo cantar da sereia
Ó pena maldita pena
Se perdem os navegantes
Ó pena maldita em mim
Perdem-se as mães pelas filhas
Todas as penas se acabam
As filhas pelos amantes
Só a minha não tem fim
Os olhos da minha cara
Tu dizes que não me queres
Já os tenho repreendido
Vê bem não digas porque
Quando olharem para alguém
Que há quem diga mal do ouro
Não olhem com má sentido
Somente porque o não vê
Antes que o meu pai me mate
Antes que o meu pai me mate
Minha mãe me tire a vida
E no fim me torne a queimar
Minha palavra está dada
Os restos das minhas cinzas
Minha mão está prometida
Para o teu lado hão-de voar
És um valverde no alto
Levanta os olhos do chão
Um girassol a brilhar
Olha para mim com jeito
És um cravo em formosura
Que te quero procurar
Que não te posso deixar
O mal que te tenho feito
Teus olhos teus lindos olhos
Ó falso que te encontrei
Teu olhar teu lindo olhar
Desde o princípio de amar
Tuas maneiras me fazem
Tão leal que te fazia
Contigo simpatizar
Quem me havia a mim julgar
Por cima se ceifa o trigo
Julgavas que eras o rei
Por baixo fica o tremez
Na batalha do amar
Quem namorar sempre alcança
Julgavas que eu que não punha
Um beijinho, dois ou três
Outro amor no teu lugar
Papagaio da pena verde
Cesirão é uma erva
Não venhas ao meu jardim
Que se enleia pelo trigo
Todas as penas se acabam
Ó que eu fosse cesirão
As minhas não têm fim
Enleava teu sentido
Alegre como este meu
Meu amor, quando abalar
Não há outro coração
Tres coisas te quero pedir
Mostrando tanta alegria
Firmeza e lealdade
Sofrendo tanta paixão
Segurança até eu vir
O pombinho quando abala
Dizes que gosto de ti
Deixa pena no pombal
Dizes bem e dizes mal
Meu amor quando se ausenta
Meu amor sem simpatia
Deixa pena tal e qual
Eu não quero saber de tal
O pombinho quando voa
Eu não sei que simpatia
Bate a asa na corrente
Que eu contigo vou tomando
Mesmo com o bico escreve
Quanto mais para ti olho
Cartas ao amor ausente
Mais gosto de estar olhando
O teu amor é puro
Não digas que a tua ausência
O meu ainda é mais forte
É uma separação
O que eu digo é uma escritura
Pois andarás toda a vida
Só te deixarei por morte
Dentro de meu coração
Abre-te porta de vidro
Senhora da Assunção
Fecha-te porta de ouro
Lá no meio dos olivais
Resolve teu coração
Senhora que estás fazendo
Vamos tratar do namoro
Milagres cada vez mais
Abre-te porta em ouro
Diz-me lá se acaso queres
Fecha-te porta em vidro
Fazer as pazes comigo
Resolve o teu coração
Dá a mão à palmatória
Que o meu está resolvido
Voltemos ao tempo antigo
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Com os pássaros da ribeira
Minha mãe é minha amiga
Eu me quero comparar
Tudo me ensina a fazer
Andam vestidos de penas
Não me ensina a namorar
O seu alívio é cantar
E eu também queria aprender
Quando as contrárias se juntam
A vila de Messejana
À porta fazendo renda
Tem duas coisas com graça
Aquela que está na posse
Tem o chafariz na ponta
Manda a outra vender tenda
E o pelourinho na praça
Quando as contrárias se juntam
Tenho um saco de cantigas
As duas no mesmo balho
E mais uma taleigada
Aquela que está na posse
Esta noite as canto todas
Faz da outra um frangalho
Amanhã não canto nada
Passarinho da ribeira
Não acredites em enredos
Empresta-me o teu vestido
Nem em quem tos foi contar
O teu vestido é de penas
Porque essa gente deseja
Eu nelas tenho vivido
De o nosso amor acabar
Quando o sol nasce inclina
Manuel que lindo nome
Na bandeira castelhana
Nome de nosso Senhor
Mais vale uma hora de amor
Calhou-me agora por sorte
Que a jorna de uma semana
Manuel ser meu amor
Amiga se és minha amiga
Tu ausente, eu ausente
Nunca digas mal de mim
Eu de ti e tu de mim
Considera que hás-de ser
Juntem-se os dois ausentes
Rosa do mesmo jardim
E a ausência terá fim
Quando eu era pequenina
Já te esqueceste de mim
Usava sapato branco
Tu já de mim te esqueceste
Agora que sou mulher
Eu para ti já morri
Nem sapato nem taimanco
Tu para mim já morreste
A mocidade se acaba
Fechei a porta à desgraça
À minha vou dando fim
Entrou-me pela janela
Às vezes me dá vontade
Eu sou filha da desgraça
De prantar luto por mim
Não posso fugir a ela
Eu tenho quarenta amores
Esta noite choveu leve
Só em quatro freguesias
Caiu a folha ao feijão
Dez em Serpa, dez em Moura,
Ó meu amor quem pudesse
Dez em Cuba, dez em Pias
Lograr teu coração
Alegria dos meus olhos
Não passes à minha rua
Eu não sei quem ma roubou
Não faças gosto em me veres
Alegre que eu era dantes
Se ainda tens lembranças minhas
Agora tão triste sou
Faz amor por te esqueceres
Eu adoro o cemitério
Ó minha mãe, minha mãe
Mas nele não faço empenho
Companheira de meu pai
Brevemente vou gozar
Também eu sou companheira
A morada que lá tenho
Dum cravinho que além vai
Tenho uma paixão comigo
O cantar parece bem
Que me serve de companha
É uma prenda tão boa
O dia em que ela anda ausente
Não enriquece ninguém
Já meu coração a estranha
Mas dá valor à pessoa
Quando eu tinha 15 anos
O cantar parece bem
Era menor de idade
É uma prenda bonita
Ensinaram-me a mentir
Não empobrece ninguém
Nunca mais falei verdade
Assim como não enrica
Malmequeres, bem me queres
Se eu morrer não é a morte
Tenho-os eu no jardim
Que eu pouca falta fazia
Bem me queres vão acabando
Levo horas a pensar
Malmequeres não tem fim
Que a terra há-de estar fria
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Eu não sou chorão pendente
Algum dia tu quiseste
Nem faia alta do chão
Não quis eu e fiz bem mal
Sou um amor neste mundo
Hoje quero eu e tu não me queres
Desprezada sem razão
Porque o direito é igual
Andas para aí a dizer
Ora viva para quem viva
Que me namoras a mim
Quem agora aqui chegou
É mentira, mentiroso
Estava para me ir embora
Que nunca te dei o sim
Agora já me não vou
Já fui amada dum conde
Ó meu amor quem te disse
Querida dum general
Que eu dormindo suspirava
Agora sou dum soldado
Quem to disse não mentiu
Olha a baixa que eu vim dar
Que eu alguns suspiros dava
Ó vila de Messejana
Suspirando dando ais
Ela lá e eu aqui
Passa meu bem pela rua
Nossa Senhora me leve
Não suspires, não dês ais
Para a terra onde eu nasci
Que jurei não ser tua
Tenho corrido mil terras
O cravo depois de seco
Cidades mais de quarenta
Foi-se queixar ao jardim
Tenho visto caras lindas
O jardineiro lhe disse
Só a tua me contenta
Tudo que nasce tem fim
Mandei ler a minha sina
Daqui para a minha terra
Uma noite á luz da lua
Tudo é caminho e chão
As linhas da minha vida
Tudo são cravos e rosas
Passavam à tua rua
Dispostos por minha mão
Fui um dia ver o mar
Se eu pudesse abrir meu peito
Fiquei muito admirado
Mostrava-te o coração
Para quem briga há tantos anos
Só assim darias creto
E sem nunca estar parado
Se eu te quero ou não
Tu cuidavas que te amava
Se eu soubesse cantar bem
Enganaste o coração
Como sei fazer cantigas
Não sou tão arrabaceiro
Andava de balho em balho
Que apanha fruta do chão
Divertindo as raparigas
Os teus olhos é que são
Baldoregas são sadias
A causa de eu te querer bem
Eu por mim não gosto delas
Que não me deixam tomar
Em vendo moças bonitas
Amizade a mais ninguém
Não me posso apartar delas
Os teus olhos é que são
As mulheres comparo eu
A causa de te querer bem
Com a folha da soaja
Culpa o teu rosto engraçado
Por cima é uma saia nova
Não cremines mais ninguém
Por baixo é só farrapaja
Contrária vive com gosto
Ó que rua tão comprida
Que eu vivo com sentimentos
À porta tem um letreiro
Contigo é o namoro
Mal empregada menina
Comigo é o casamento
Gostar tanto dum ferreiro
Contrária minha contrária
Subi ao céu e sentei-me
Contrária tem paciência
Duma nuvem fiz encosto
Todas nós somos amigas
Dei um beijo numa estrela
Da nossa conveniência
Cuidado que era o teu rosto
Quando as contrárias se juntam
Dá-me uma pinguinha de água
Uma à outra dando a mão
Dessa que eu ouço correr
Aquela que está na posse
Entre silvas e mantrastos
Faz da outra mangação
Alguma pinga há-de haver
O sol quando nasce inclina
Fui despor a salsa verde
Na aporta mais no batente
Lá no meio dos olivais
Como eu me inclinei
Para ver se te esquecia
Nos teus olhos para sempre
Cada vez me lembro mais
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Do jardim caiu um cravo
Ó amoreira da estrada
Partiu o pé à açucena
Deita para cá uma amora
Amei-te com tanto gosto
Que me quero ausentar
Deixei-te com tanta pena
Desta terra para fora
Atirei um anel de oiro
Quem me dera ouvir agora
À janela do Morgado
Uma voz á minha porta
Acertei na Morgadinha
Dizendo-me em voz alta
Agora vou degradado
Tua contrária está morta
Acredita meu amor
A minha contrária é alta
Acredita que é verdade
Hei-de a mandar serrar
Acredita que tenho
Fica de altura a meu gosto
Cada vez mais amizade
E lenha para queimar
Eu tenho uma contrária
Contrária minha contrária
Mas não vivo descontente
Contrária da mesma rua
Sei que tenho uma rodinha
Quem me havia de dizer
Aonde me limpo sempre
Que eu era contrária tua
Quando algum dia cantava
As estrelas do céu nascem
Ria-se o céu e a terra
Para companha da lua
Agora ficam chorando
Também eu nasci no mundo
Já eu não serei quem era
Para ser companha tua
O meu coração é teu
Mais alta que as altas nuvens
O teu de quem é não sei
Chegou a nossa amizade
O teu devia ser meu
Agora deu em descer
É essa a direita lei
Pela tua falsidade
Vou-me embora tu cá ficas
Os olhos meu amor
Ao desamparo do vento
Não são olhos são olhinhos
Eu depois quero saber
Fechados são duas rosas
O teu comportamento
Abertos são dois cravinhos
Ó olhos azuis
Algum dia para te ver
Pestanas morais
Punha-me à porta da rua
Mas que lindos olhos
Agora já dou dinheiro
Para darem sinais
Para não ver a sombra tua
Ó olhos azuis
Além vem abaixo
Que já foram meus
Meu bem me parece
Agora são doutra
De chapéu nos olhos
Paciência, adeus
Ninguém o conhece
Ó olhos, ó olhos
Ó amor, amor
Ó olhos, ó balas
Ó amor às vezes
Diz-me lá amor
Os dias pequenos
Porque não me falas
Me parecem meses
Meu amor está mal comigo
Alegria vai-te embora
As pazes não quer fazer
Que eu já não tenho prazer
Hei-de levar em meu brio
Para viver como vivo
De não lhe obedecer
Mais me valia morrer
Ó coração das três penas
Não venhas por mim dar passos
Dá-me uma que quero voar
Não venhas aonde eu estou
Eu quero ir ao céu em vida
Eu sou chão que já foi vinha
E em vida quero voltar
Nossa amizade acabou
Se eu soubesse que cantando
Já não sou quem era dantes
O meu amor que me ouvia
Quem era dantes não sou
Ainda que eu rouquecesse
Sou um quadro de paixão
Eu cantava todo o dia
Minha alegria acabou
Quem me dera ver agora
Olhos azuis são ciúmes
Quem vi ontem à noitinha
Os pretos enganadores
Um rapaz de chapéu preto
Estes meus olhos castanhos
Ao lado numa pancadinha
São leais aos meus amores
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Nem grandes punhados de ouro
Algum dia tinha eu
Nem as estrelas do céu
Nesta rua um cadeirão
Eu trocaria pelos olhos
Onde sentava meus olhos
Que a virgem santa me deu
Agora sento-os no chão
Coração arriba, arriba
Não sei o que hei-de cantar
Quem não pode fugir anda
No meio de tanta gente
Assim faz o meu amor
Vejo tanta boca aberta
Quando não pode vir manda
Tanto olho tanto dente
Ó meu amor, meu amor
Eu quero bem e não quero
Ó meu amor quem me dera
Dizer a quem quero bem
Gozar do campo as flores
A dizer não me está dado
Do jardim a Primavera
Para dizer não me convém
A minha mãe coitadinha
Os corações também choram
Não tem nada para me dar
Eu ainda não sabia
Dá-me beijos coitadinha
Ontem à noite acordei eu
E depois põe-se a chorar
Ao pranto que o meu fazia
A minha mãe coitadinha
Tenho dentro do meu peito
Ao ver-me nascer chorou
Ginja, Laranja, Limão
Coitadinha não tem sorte
Para ter a fruta toda
De certo se enganou
Falta-me o teu coração
Linda letra é um F
Eu não sei amor
Com um E acompanhando
Como te hei-de amar
É o nome e sobrenome
Que o mundo não tenha
Do amor que eu estou amando
De nós que falar
Minha mãe me disse ó filha
O meu lindo amor
Que destino é o teu
É um vai e vem
O meu destino é amar
Vai a toda a banda
Um amor que Deus me deu
Só aqui não vem
Ó coração retraído
Nossa Senhora me disse
Ó cara cheia de enganos
De cima do seu altar
Foi a paga que me deste
Ó filha faz por ser boa
De te amar há tantos anos
Que eu farei por te ajudar
Linda letra é um F
És clara como o leite
Para quem lhe dá valor
Vermelha como a cebola
Com um F é que se escreve
Dei-te beijos quantos quis
O nome do meu amor
Casar contigo, chô rola
Eu bem sei que não devia
À entrada desta rua
Esta hora estar cantando
Dei um abriu-se o chão
Estou aqui a divertir-me
Sepultaram-se as estrelas
Meu amor estará chorando
Morreu o céu com paixão
Ó lua vai-te deitar
Ó morte vem-me buscar
À porta da minha amada
Para a vista do senhor
Dá-lhe beijinhos por mim
Que estou farta de viver
Se ela estiver acordada
Neste mundo enganador
Anda cá amor
Eu sou triste vivo triste
Anda cá para aqui
Longe vai a minha alegria
Eu te quero ver
Eu sou triste e não me lembro
Que ainda não te vi
Se fui alegre algum dia
A perdiz anda na relva
Cuidava que não havia
Depenicando seixinhos
À meia-noite mercado
Também eu depenicava
Ouvi uma voz dizer
Da tua boca beijinhos
O peixe já foi comprado
Tive a morte à cabeceira
Eu cuidava que a paixão
A minha esperança perdida
Ao fim de tempo acabasse
Ou foi Nossa Senhora
Fui encontrar no meu peito
Ou foi Deus que me deu vida
A fonte onde ela nasce
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Já não tenho alegria
O meu lindo amor
Vivo no mundo sem gosto
Já não me vem ver
Nasce o sol torna a nascer
Decerto já tem
Para mim é sempre sol posto
Outro bem querer
Quem me dera dar um ai
Perguntei ao ribeirinho
Atrás de um ai outro desse
Que corria em desatino
Que chegasse e não passasse
Se me sabia dizer
De onde o meu amor estivesse
A sorte do meu destino
O meu amor não tem mãe
Já no céu não há estrelas
Está na casa de uma tia
Senão uma ao pé da lua
Ó que eu o pudesse trazer
Tenho corrido não acho
Para a minha companhia
Cara mais linda que a tua
Hei-de-te amar se me amares
Amor não sejas vário
Querer-te bem se me quiseres
Põe o sentido só numa
Eu hei-de fazer por ti
Tanto hás-de perguntar
O que tu por mim fizeres
Hás-de ficar sem nenhuma
Os teus olhos não são olhos
Eu bem sei que não devia
São duas pêras num ramo
Amar o teu coração
São abertos à nobreza
Foi o meu pouco juízo
Fechados ao desengano
Falta de consideração
Sabe lá amor
Se eu tivesse não pedia
O que mandei vir
Coisa nenhuma a ninguém
Uma chave de ouro
Mas como não tenho peço
Para teu peito abrir
Uma filha a quem a tem
Eu queria um dia morrer
Amiga nunca descubras
E depois ressuscitar
Segredos a mulher casada
Simplesmente para ter
A mulher conta ao marido
Outra vida para te dar
O marido ao camarada
O meu coração amor
Dizem que o verde é esperança
Até faz chorar as pedras
Eu por ti tenho esperado
Eu confesso-te a verdade
O encarnado é vingança
Tu a mim tudo me negas
Tu em mim te tens vingado
Tudo o que é verde seca
Dizem que o preto que é luxo
Em vindo o calor do verão
Eu por mim não quero usar
Só as penas em meu peito
Meu amor anda de luto
Cada vez mais verdes são
Quem lho pudesse tirar
Ó coração, coração
Chapéu preto não se usa
Não arrebentares tu
Uma cor que diz tão bem
Um coração cheio de penas
O que faz o meu amor
Sem ter alívio nenhum
Ao chapéu preto que tem
Entrei no mundo chorando
Comboio apita às onze
Hei-de morrer a sorrir
Para partir às onze e meia
Levar a vida cantando
Mesmo cantando lhe digo
Amar, sofrer e sentir
Não pretendo de voceia
Não sei se cante se chore
Adeus que me vou embora
Para alívio de uma pena
Adeus que me quero ir
Se canto tudo me esquece
Dá-me os teus braços amor
Se choro tudo me lembra
Que me quero despedir
Quando eu nasci chorava
Já não moro onde me viste
Com pena de ter nascido
No S. João de há um ano
Parecia que adivinhava
Moro na rua das mágoas
Que vinha viver contigo
Esquina do desengano
Eu não sei da minha vida
Fui ao campo passear
Da minha vida não sei
O campo era um jardim
Sei o que tenho passado
Não digas amor que não
O que hei-de passar não sei
Se o coração diz que sim
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A folha do alecrim
De noite sonho contigo
É uma folha miudinha
De dia só penso em ti
Meu coração não descansa
Esquecer-te não consigo
Enquanto não fores minha
Desde a hora em que te vi
A cantar te vou dizer
Desejava, desejava
Vou-te fazer um pedido
Ninguém sabe o meu desejo
Se pensas que ainda te quero
Desejava meu amor
Tira daí o sentido
No rosto dar um beijo
Vou-me embora, vou-me embora
Canto bem e canto mal
Para a semana que vem
Canto de toda a maneira
Para não deixar saudades
Canto alto, canto baixo
Não digo adeus a ninguém
De fala grosseira
Andas para baixo e para cima
No jardim dos aliados
Como o ouro na balança
Tua imagem vai comigo
Enquanto não fores meu
Embora muito afastados
Meu amor não descansa
Esquecer-te não consigo
Despedida, despedida
Meu amor ficou de vir
Sabe Deus quem se despede
É tarde já cá não vem
Para não te deixar chorando
Qual será a falsa ingrata
Faço a despedida alegre
Que para lá o entretém
Despedida, despedida
Ó alecrim rei dos matos
Como fez o passarinho
Ó ouro rei dos metais
Bateu as asas voou
Ó olhos enganadores
Deixou as penas no ninho
Porque razão me enganais
Eu jurei fiz uma jura
Todo o homem que namora
Na casca de noz que é forte
Quatro ou cinco raparigas
Se me jurares ser meu
Não é homem não é nada
Serei firme até à morte
Chama-se um mata formigas
Lavro a terra, ceifo o trigo
Minha mãe tem lá em casa
Tiro a cortiça aos sobreiros
Um Santo António velhinho
Também apanho azeitona
Quando as moças me não querem
Cantando os dias inteiros
Dou pancadas no santinho
Não é ceifar que custa
Anda aqui uma menina
Nem o rigor do verão
Que pesca com dois anzóis
É o maldito do macaco
Mas tem lindos penteados
E o cardo beija mão
Ai que lindos caracóis
Ó sol que vais andando
Na rua da minha amada
Não te ponhas parado
Não se pode transitar
O meu amor é pastor
De dia velhas ao sol
Quer ir recolher o gado
De noite cães a ladrar
Coitada de uma mãe
A cana verde no mar
Que cria um filho para soldado
Tem raízes na areia
Perde o nome do baptizo
Sou leal a todo o mundo
Pelo número que é chamado
Todo o mundo me falseia
Perguntei a uma mãe
Quando se encontra o amor
Qual era a dor mais sentida
Causando pena dá gosto
Se ter um filho na guerra
Sobressalta o coração
Ou uma filha na vida
Faz subir a cor ao rosto
Essa mãe me respondeu
Lisboa por ser cidade
Em todo triste e magoado
Também tem casas em vão
Para maior desgosto meu
Também tem moças bonitas
Tenho um em cada lado
Branquinhas como o carvão
Esta casa está caiada
Quem tem amores não dorme
Esta rua está varrida
Ouvi dizer a alguém
A mulher que é asseada
Mas ainda menos dorme
Pela rua é conhecida
Quem os quer e não os tem
99
100
O lenço que tu me deste
Ó minha mãe da minha alma
Trago-o sempre no meu seio
Ó meu pai do coração
Com medo que desconfiem
Duzentos anos que eu viva
Donde este lenço veio
Não lhe pago a criação
Se os beijinhos espigassem
Eu sou devedor à terra
Como espiga o alecrim
E a terra me está devendo
Tinham muitas raparigas
A terra paga-me em vida
A cara como um jardim
Eu pago à terra em morrendo
A mulher e a galinha
Ai que maldito caminho
Pouco devem passear
Que tanta pedrinha tem
A galinha bicho come
Se não fosse a graça tua
E a mulher dá que falar
Não passava aqui ninguém
Deus do céu mandou à terra
Esta noite choveu papas
Um recado à mocidade
Ó moças tragam colheres
Que cantassem e bailassem
Quem quiser ouvir mentiras
Divertirem-se à vontade
Cheguem ao pé das mulheres
O amor nasce da vista
Fui ao céu por uma linha
E da mão quando se aperta
E desci por um balão
Dá-se um sinal entre os dentes
Fui pedir licença a Deus
Pisca-se o olho etecetra
Para amar teu coração
Eu bem sei quem está bem triste
O sol ofereceu à lua
Quem podia estar alegre
Uma fita de mil cores
Quem por quinze perdeu trinta
Quando o sol oferece prendas
Quem tudo quer tudo perde
Que fará quem tem amores
Encostada à braceleira
Tenho uma casa nas nuvens
Está Maria bracilando
Ao desamparo do vento
Qual será a venturosa
Quando estou livre de amores
Que para mim se está criando
Para lá vou passar o tempo
Nossa senhora do Monte
Andas vestida de luto
Tem um moinho na mão
Com toda a sinceridade
Para moer as mentiras
Andas ao gosto de todos
Das beatas que lá vão
Menos à minha vontade
Os amores de hoje em dia
Se eu tivesse penas de ouro
São falsos como o melão
Escrevia em papel de prata
É preciso partir muitos
Escrevia as ingratidões
Para se encontrar um são
Com que o meu amor me mata
De rôjo a um altar
Podes ir amor ingrato
Fui chorar a tua ausência
Já não quero nada teu
Nossa Senhora me disse
Porque foste dar a outra
Paciência, paciência
Coração que já foi meu
Cantando na linda rama
Quem tem pinheiros tem pinhas
Então dizendo os passarinhos
Quem tem pinhas tem pinhões
Muito feliz vai ser
Quem tem amores não dorme
Quem lograr os teus carinhos
Quem não dorme tem paixões
Debaixo de uma nuvem escura
Todo o homem que viaja
Nasce o sol e dá calor
Devia rezar uma vez
Toda a amizade esquecida
Quando vai à guerra, duas
Renova com mais amor
E quando se casa, três
As nuvens que andam no ar
Passarinho quando bebe
Espalhadas ao vento norte
Bate as asas na corrente
Só as penas em meu peito
Mesmo com o bico escreve
Quem as espalha é a morte
Cartas ao amor ausente
Alegria abandonou-me
Cantigas são pataratas
Pedi todo o meu prazer
Pataratas são cantigas
Para me ver abandonada
Às vezes com pataratas
Mais me valia morrer
Se enganam as raparigas
101
102
Os olhos de quem namora
Mas que lindo chapéu preto
Bem conhecidos que são
Naquela cabeça vai
Estão olhando para as pessoas
Mas que lindo rapazinho
Fingindo que olham para o chão
Para genro do meu pai
Os meus olhos mais os teus
Os homens comparo eu
São os quatro a quererem bem
Com a cinza da barrela
Os meus querem-te a ti
Que se deita para a rua
E os teus não sei a quem
Sem se fazer caso dela
Os meus olhos com chorar
Neste campo solitário
Já nenhuma graça tem
Onde a desgraça me tem
Já os tenho repreendido
Grito e ninguém me acode
Que não olhem para ninguém
Olho não vejo ninguém
Olhos pretos romudinhos
Daqui onde estou, estou vendo
Feitos à flor do rosto
O monte do meu amor
Se não querias que eu te amasse
De que serve ver o monte
Não nascesses a meu gosto
Se não vejo o morador
Dá-me água dos teus olhos
Das flores que há no campo
Eles têm que eu bem vejo
A mais linda é o loendro
Não és parva bem entendes
Se me pai fosse teu sogro
Não é a água que eu desejo
Que me ficavas tu sendo
Comprei um chapéu pequeno
Abalei não sei para onde
Puseram-me o extravagante
Encontrei não sei quem era
Para falar ao meu amor
Encontrei o mês de Abril
Tenho aqui chapéu bastante
Há busca da Primavera
Chapéu preto desabado
Não julgues que te pretendo
Olhos à flor do rosto
Por seres por mim mirada
Se não querias que te amasse
Há muito quem vá à feira
Não nascesses a meu gosto
Sem vender nem comprar nada
Atirei com o verde ao verde
O rio Guadiana corre
Atirei com o verde ao ar
Quando corre vai zunindo
Atirei com meu sentido
Só me esquece o meu amor
Aonde não pode alcançar
Quando á noite estou dormindo
As estrelas do céu correm
O anel que tu me deste
Pelo astro às carreirinhas
Tenho-o lá arrecadado
Assim as prendas corressem
Fica-me largo no dedo
Das tuas mãos para as minhas
No coração apertado
Chamaste-me trigueirinha
O anel que tu me deste
Eu não me escandalizei
Quinta-feira de Ascensão
Trigueirinha é a pimenta
Fica-me largo no dedo
E vai à mesa do rei
Apertado na feição
Se canto é porque canto
Fui um dia aos tristes campos
Se choro é porque choro
Avistar a verde esperança
Se olho para ti sorrindo
Eu não me posso lembrar
Dizem que eu te namoro
Que vou morrer tão criança
Tenho que me deixar de cante
Ó amor pega na pena
Vou deixar-me da bebida
Escreve lá que eu vou notando
Porque vinho e aguardente
Escreve lá que eu por ti morro
Só me estragam a vida
Sem saber era nem quando
A saudade é uma flor
Vás-te embora mas não dizes
Que se põe em qualquer vaso
Adeus amor passa bem
Amor firme e leal
É essa a primeira prova
Só se encontra por acaso
De quem amor não me tem
Eu subi ao castanheiro
Alegre quem me fez triste
Para colher uma castanha
Sendo eu alegremente
Dizem que eu te namoro
Não sei a minha alegria
Ai que mentira tamanha
Como a tristeza consente
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104
Triste vida de quem ama
Eu amei um homem pobre
Mais triste de quem adora
Como nunca amei na vida
Mais triste de quem não vê
Agora em paga de amor
Seu amor a toda a hora
Fui desprezada e esquecida
Às vezes me ponho eu
Quem eu era já não sou
À porta do meu quintal
Que fazia já não faço
Para ver se vejo vir
Falta-me a luz dos meus olhos
Remédio para o meu mal
Falta-me o desembaraço
Muita pedra faz parede
Debaixo do chão seis metros
E muida parede altura
Tem a raiz da planta
O muito falar faz sede
Devia rebentar a língua
E a minha sede secura
A quem enlevos levanta
Mandei um recado à morte
Ó ingrato não te lembras
Que me viesse buscar
Eu jurei e tu juraste
Agora já estou repesa
Eu jurei e não faltei
De tal recado mandar
Tu juraste e faltaste
Cantigas são pataratas
Amor que tão falso foste
São razões leva-as o vento
Ainda te hei-de deixar
Mas não há vento que leve
Que eu não posso resistir
Estas do antigo tempo
Com tanta firmeza amar
Algum dia me juraste
Abre-me a porta que eu morro
Que eras meu até à morte
Não abras que eu já morri
Desde que à jura faltaste
Já que a morte me causaste
Nunca mais tiveste sorte
Fica-te agora sem mim
O meu amor é ferreiro
Depois que teus olhos vi
Todo o dia malha ferro
Dos mais todos me aborreço
Já me dói o coração
Olhos lindos como os teus
De ouvir bater o martelo
Não os vi nem os conheço
Quem da prata tira a liga
À porta do cemitério
Fica a prata degradada
Pus-me um dia a considerar
Quem por ti arrisca a vida
Olhando para a sepultura
Não pode arriscar mais nada
Terra que me há-de gastar
O passarinho tem penas
Fui um dia ao cemitério
Penas tenho eu também
Ao coveiro procurando
As deles todos as vêem
Se havia lugar escolhido
As minhas não vê ninguém
Para quem morria amando
Amores ao pé da porta
Já estive para morrer
Ninguém os queira amar
Nunca mais ver olhos teus
São como pintos de Verão
Foi-se o mal veio a saúde
Que andam sempre a piar
Posso dar graças a Deus
Não há ribeira sem água
Pus um A ao pé da lua
Nem rosa sem ser verdosa
Pus um M mais adiante
Nem namoro sem enredos
Pus um O e pus um R
Nem velha sem ser manhosa
São letras ao consoante
Diz que sim não digas não
Ser pobre não é defeito
Embora amor tu não sintas
E não desonra ninguém
O não envenena a gente
A mãe de Deus era pobre
Diz que sim antes que mintas
E Jesus pobre também
Fui-me deitar a dormir
Lá no meio daqueles mares
À sombra duma formiga
Está uma candeia acesa
Uma pulga deu-me um coice
Quando vou para a apagar
Ninguém me julgou a vida
Dá pulinhos à francesa
Por cantar nunca me esquece
Sete e sete são catorze
Quem Deus em descanso tem
Com mais sete vinte e um
Mas ao mesmo tempo digo
Tenho sete namorados
Quem morre já cá não vem
Mas não gosto de nenhum
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Quem está do amor ausente
Se eu deveras conhecesse
Como pode andar alegre
O teu mal interior
Vem o papel vem a tinta
Nem deveras nem mangando
Mas só não vem quem me escreve
Eu queria ser teu amor
Mesmo depois de eu morrer
Adeus rua de Alvalade
Meus ossos te hão-de amar
Adeus castelo ventoso
Para pagar a firmeza
Adeus Francelina Pato
Onde a vida não chegar
Neta do velho Fragoso
Disseste a quem me disse
Adeus castelo ventoso
Que de mim não pretendias
Toda a gente te deseja
Eu disse a quem te dissesse
Mas não te podem levar
Que ainda tu não me merecias
Que estás ao pé da igreja
Alegria abandonou-me
Cantar é bonita prenda
Perdi todo o meu prazer
É bonito o cantar bem
Para me ver abandonada
Assim como não enrica
Mais me valia morrer
Não empobrece ninguém
Alegria onde estás
Muito gosto eu de ouvir
Que não vens ao meu sentido
Uma bonita conversa
Anda vem daí tirar
Mesmo que vagar não tenha
Esta paixão em que vivo
Logo se me acaba a pressa
Dizer adeus com adeus
Inveja-me a mocidade
É triste mas sabe bem
Eu nela estou invejada
Só eu não posso meu Deus
Se o meu génio não se muda
Dizer adeus a ninguém
Ninguém me há-de ver casada
Dizem que o cantar é arte
O meu amor ontem à noite
Que Deus deu às criaturas
Não estava bom do sentido
Quem não sabe tratareia
Apertou-me a mão e disse
Como um cego ás escuras
Rosa branca vem comigo
Moro por trás da igreja
Lá no meio daqueles mares
Não ouço senão bater
Tem meu pai um castanheiro
É a morte que me chama
Que dá castanhas em Maio
Adeus amor vou morrer
Cravos roxos em Janeiro
Vou escrever à negra morte
Não cuidem por eu cantar
Com negros dedos mirrados
Que é alegre o meu viver
No livro dos infelizes
Eu sou como o passarinho
Tenho meus dias contados
Tanto canta até morrer
Eu pedia a morte a Deus
Tudo que é triste no mundo
E agora já estou doente
Devia agora ser meu
Paciência meu amor
Para ver se tudo junto
Que eu não posso viver sempre
Era mais triste que eu
Há quatro coisas no mundo
Eu era alegre bastante
Que eu desejava aprender
Agora tão triste vivo
Cantar bem, tocar viola
É de pensar que estou sendo
Namorar e saber ler
Desprezada sem motivo
Seis rosas num pé só
Os olhos da minha cara
Ditosa da mãe que cria
Já os tenho repreendido
António, Manuel, José
Quando olharem para alguém
Teresa, Custódia e Maria
Não olhem com mau sentido
Todas as Marias são
Os olhos da minha cara
Amigas de trajar bem
Como eram já não são
A minha amada é Maria
Fazem tanta diferença
Traja assim conforme tem
Como o Inverno do Verão
Todas as Marias são
Adeus rua de Alvalade
Amigas de bem trajar
Caiada de ponta a ponta
A minha amada é Maria
Podes amar quem quiseres
Traja assim ao regular
Comigo não faças conta
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Rua de Alvalade é minha
Coração não andes triste
Comprei-a com o meu dinheiro
Anda alegre se puderes
Quem lá quiser ter amores
Ainda te vai dar a mão
Tem que me pedir primeiro
Uma rosa que tu queres
Pus-me a contar às avessas
Quando passo à tua rua
As pedras duma coluna
À porta te vejo estar
Contei sete, seis e cinco
Bastante pena me fica
Quatro, três, duas e uma
De te não poder falar
Pus-me a contar às avessas
Quando passo à tua rua
As pedras duma calçada
E te não vejo assomar
Contei sete, seis e cinco
Fica-me a boca doendo
Quatro, três, duas e nada
De tanto assobiar
Se os meus olhos te namoram
O meu amor me disse ontem
Vai pedi-los ao meu pai
Que eu estava coradinha
Se ele te disser que não
Os anjos do céu me levam
Levanta-te e dá um ai
Se essa cor era a minha
Cantar como eu já cantei
Já não há quem queira dar
Serias tu a primeira
Um limão por um vintém
Cantar depois de casada
Para tirar uma nódoa
Como eu cantei em solteira
Que este meu coração tem
Adeus minha terra adeus
O tempo da mocidade
As costas te vou voltando
É o tempo da loucura
A minha boca vai rindo
Enquanto não há idade
Meu coração vai chorando
Nunca a bola está segura
Ó alegre mocidade
Não passes à minha rua
Ó desgraçado viver
Não faças para me ver
Quem ama não considera
Se ainda me tens amizade
O que lhe pode acontecer
Faz amor por te esquecer
Os teus olhos são os meus olhos
Há muito tempo que ando
Tu és a minha meiguice
Meu amor para te falar
O teu modo agrada ao meu
A vergonha me desvia
Quero-te bem já te disse
E o amor me faz chegar
Ó luar da meia noite
Andas para baixo e para cima
Não venhas cá de serão
Não atas nem desatais
Que isto de quem tem amores
Não amas o teu amor
Quer escuro e lua não
Nem deixas amar os mais
Aperta-me a minha mão
Os alegres passarinhos
Até eu dizer deixa amor
Já têm novo cantar
Quem mais aperta mais quer
Aprenderam só de ouvir
Quem mais quer mais sente a dor
Dois amantes conversar
Aperta-me a minha mão
És meu amor és minha alma
Até eu dizer deixa, deixa
És tudo não digo mais
Quem mais aperta mais quer
Hás-de ser eternamente
Quem mais quer menos se queixa
Sepultura dos meus ais
Acorda se estás dormindo
Passarinho vais voando
Que já é de madrugada
Diz-me para onde caminhas
Vem ver se ainda conheces
Se vires lá o meu amor
A fala da tua amada
Dá-lhe saudades minhas
Vai-te embora se quiseres
Ainda sou quem era dantes
Não digas que eu te mando
Ainda sigo os mesmos passos
Eu não troco o meu sentido
Em chegando à tua rua
Pelo teu que anda voando
As pedras para mim são laços
Muita fala, muita fala
Que ausência tão rigorosa
Não se chama cantar bem
Que eu agora vou a ter
De que serve a minha fala
Diz-me meu amor se custará
A quem preceito não tem
Estar-te amando sem te ver
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Abre o meu peito à esquerda
Das flores do meu jardim
Verás meu coração morto
A mais bonita é a rosa
Verás essa tua ausência
A hora em que te vi
O estado em que me tem posto
Foi uma hora ditosa
Se fores no domingo à missa
Tenho pena muita pena
Põe-te em sitio que eu te veja
Tenho pena porque sim
Não faças andar meus olhos
Tenho pena de gostar
Em leilão pela igreja
De quem não gosta de mim
S. João mais o S. Pedro
Planta do meu jardim
São dois santos sem igual
Que dá rosas sem botão
S. João ajuda à missa
Não te quero desfolhada
S. Pedro muda o missal
Dentro do meu coração
Eu tenho pedido a Deus
Tu quando te zangas dizes
Para aliviar meus pecados
Vai-te embora, vai-te embora
Nesta vida sejam poucos
Talvez um dia precises
E na outra perdoados
Daquilo que deitas fora
O nosso juiz é Deus
As dores do coração
O tribunal é o céu
Não se curam facilmente
A Virgem é a defesa
É impossível curá-las
A nossa alma é o réu
Quando se ama loucamente
Chaparro do descampado
Quatro rosas são um laço
Que dá boletas castanhas
Na capela de Jesus
Eu não posso meu amor
Queria morrer nos teus braços
Sofrer ausências tamanhas
Como Deus morreu na cruz
Ontem à noite fora de horas
Amor quando é amor
Meu amor estava cantando
Não pode ser disfarçado
Enquanto te divertias
Não se ama por favor
Estava eu por ti chorando
Nem por favor se é amado
Os teus olhos meu amor
O teu relógio não conta
São verdes como é o mar
As horas da minha vida
Tem a esperança com ele
Parece que está parado
Que os teus olhos vem roubar
Desde a tua despedida
Usas camisinha branca
Quando me encontro contigo
Não é falta de sabão
E não te posso falar
Andas envaiando as outras
Com os meus olhos te digo
Melhor o meu coração
O que diz o meu pensar
Na mesma campa nasceram
O lírio também se muda
Duas roseiras a par
Do jardim para o deserto
Dá-lhe o vento abana a rama
Também se ama de longe
Vêm-se as rosas beijar
Quem não pode amar ao perto
Ó alto chorão pendente
A flor da negra amora
Ó faia alta do chão
Cai na água faz-se em espuma
Sou um amor neste mundo
Aqui está quem te namora
Desprezado sem razão
Sem falsidade nenhuma
Até nas ondas do mar
Meu coração é de vidro
Tenho quem me queira bem
Pode estalar mas não dobra
Não é a primeira onda
Firmeza para te amar
É na outra que lá vem
Tenho eu até de sobra
Não há rosa sem espinho
Devagar e entoado
Nem espinho sem picar
É que se quer o bailinho
Não há amor sem ciúme
Não se rache o tabuado
Nem ciúme sem amar
Que a madeira é de pinho
Pus-me a olhar as estrelas
A fortuna dá-a Deus
Só a do norte deixei
E eu não Lha quero pedir
Por ser a mais pequenina
O que tiver de ser meu
Com teu rosto a comparei
À minha mão há-de vir
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Eu sou cravo e tu és rosa
Alfinetes são amores
Qual de nós valerá mais
E agulhas são vaidades
Os cravos andam no peito
Amores de fora da terra
E as rosas estão nos quintais
São dobradas saudades
Não penses por seres cravo
Nossa senhora me faça
Que vales mais do que a mim
O que lhe tenho pedido
Os cravos andam no peito
Se morrer levar-me ao céu
E as rosas estão no jardim
Se viver casar contigo
As estrelas miudinhas
Aqui tens meu coração
Fazem o céu ter composto
Fechadinho com três chaves
Assim são os sinalinhos
Abre-o mete-te lá dentro
Que o meu amor tem no rosto
Que tu sozinho bem sabes
Fui deitar-me sem ter sono
Não há ribeira sem rocha
Levantei-me sem ter dormido
Nem rocha sem arvoredo
À outra vez não me deito
Nem casada sem fezes
Sem de sono estar vencido
Nem solteira sem enredos
Já não passas à minha rua
Coitadinho de quem tem
Já não sobes a ladeira
Os seus amores em segredos
É trabalho que eu não tenho
Passa por eles na rua
De varrer essa poeira
Não lhes fala que tem medo
Eu jurei, fiz uma jura
Já não vou além do rio
Com ela quero cumprir
Já não passo além da ponte
Enquanto tu fores vivo
Já se acabaram as rosas
Outro amor não possuir
Da janela do meu monte
O meu amor não tem mãe
Ó coração pede, pede
O pai também lhe morreu
Terra para um jardim
Já o meu amor não tem
Que estes meus olhos se obrigam
Quem lhe queira mais que eu
A dar água até ao fim
Anda lá para diante
A minha mana cunhada
Ou tira-te do caminho
Foi assim que me avistou
Tenho o meu amor lá longe
Saudades mana nova
Não posso ir devagarinho
Que o meu mano te mandou
Para que quero eu os olhos
Amor vai e vem logo
Senhora Santa Luzia
À volta vem por aqui
Se não posso ver quem quero
Que eu baixarei meus olhos
A toda a hora do dia
Jurarei que os teus não vi
Não cortes a relva verde
Tenho dentro do meu peito
Que está na minha janela
Duas escamas de peixe
É a escada do meu amor
Uma diz que te não ame
Que sobe e desce por ela
Outra diz que te não deixe
Água clara não se turva
Minha fala, minha fala
Sem haver quem enode
Minha fala não é esta
Amor firme não se muda
Tao boa fala que eu tinha
Antes que queira não pode
Esta agora já não presta
Quem espera sempre alcança
Fui dispôr o malmequer
Diz o ditado traidor
Ao pé da esperança perdida
Eu espero e desespero
O malmequer secou-se
De encontrar o meu amor
E a esperança está perdida
Subi ao céu por fita azul
Tomara que Deus me leve
Desci por uma lilás
Já para debaixo do chão
Eu fui ao céu por ti
A todos dou alegria
Tu por mim não és capaz
Ninguém fica com paixão
Meu amor ficou de vir
É pena ver-te morrer
Mas por hora ainda não veio
Uma cara de alegria
Qual será a tirana ingrata
Se eu tivesse mão na morte
Que por lá o entreteu
Decerto que não morreria
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Tua gente não quer
Mocidade não é paga
Que eu seja teu amor
Não é paga por dinheiro
Dá-te a ti merecimento
Olha a diferença que faz
Tiram-me a mim o valor
O casado do solteiro
Menina que está à janela
Se pensas que és mais do que eu
Comendo pão com queijo
Desengana o coração
Faz da boca uma pistola
Só se fores na vaidade
Atira para cá um beijo
Em pessoa não és não
É um serafim sem fim
Gosto da minha casinha
É um fim que fim não tem
Não invejo a de ninguém
Para dar fim ao meu fim
Apesar de pobrezinha
É um fim que me entretém
Só nela me sinto bem
A lua vai amarela
Mandei-te embora sem pena
Levanta-te amor vem ver
Num dia chorei por ti
Não há mal que chegue à lua
Hoje estou arrependido
Nem ao nosso bem querer
Meu amor volta para mim
Subi ao céu por fita azul
Amar e saber amar
E desci por um balão
Amar e saber quem ama
Fui pedir licença a Deus
Amar quem tenha juízo
Para amar teu coração
Para se livrar da má fama
O encarnado se queixou
Namorei fui namorada
Que não tem bonita cor
Sempre com muito respeito
Olha como ele brilha
Nunca fui defamada
No rosto do meu amor
Por um qualquer sujeito
Ó coração, coração
Dizem que meu bem é feio
Não arrebentares tu
Eu por mim não acredito
Num coração cheio de pena
Se o vissem com os meus olhos
Não tem alivio nenhum
Já o achavam bonito
Não sei se cante se chore
Eu sou sol e tu és sombra
Para alivio de uma pena
Qual de nós será mais lindo
Se canto tudo me esquece
Eu sou sol vou andando
Se choro tudo me lembra
Tu és sombra vás seguindo
Quando eu pensei em amar-te
Sentei-me à beira do rio
Três mudanças fez o dia
Para a água ver correr
Estava o céu enevoado
Vi correr a dos meus olhos
Fazia sol e chovia
Para mais penas eu ter
Se canto dizem que canto
Algum dia nesta rua
Se choro dizem que choro
Tinha eu uma cadeira
Se olho para ti e me rio
Onde sentava meus olhos
Dizem que eu te namoro
Que agora vão de carreira
Coitado de um pai que tem
Se entrares no cemitério
Um filho para militar
Tira o chapéu que é devido
Quando vai debaixo de ordens
Verás o pobre na terra
Nem ao pai pode falar
E o rico no seu jazigo
No tempo que eu era amante
O azul já não se usa
Às vezes me acontecia
Quem o tem não é ninguém
Dava passos de marchante
Que fará o meu amor
Em vez de ganhar perdia
Ao fato azul que tem
Ó Inverno rigoroso
Não se me dava morrer
Que de mim ninguém tem dó
Tendo a salvação segura
Quem tem companha tem frio
Sabendo que havia ter
Para eu que durmo só
No teu peito sepultura
Dizem que o preto é luxo
O rouxinol é vadio
Eu por mim não quero usar
Passeia por onde quer
Meu amor anda de luto
É como o rapaz solteiro
Quem lho pudesse tirar
Enquanto não tem mulher
115
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António boca de prata
Ó meu amor lá de longe
Cintura de capitão
Chega-te aqui para perto
Cadeado do meu peito
Já me dói o coração
Chave do meu coração
De te ver nesse deserto
O meu amor é António
Eu não devia cantar
António é que se chama
Devia ter sentimento
Ainda que não seja assim
Devia de me lembrar
Nunca me livro da fama
Quem não vejo há muito tempo
Toda a vida tenho andado
Coitado de quem é parvo
Para me livrar dos Antónios
Todo o mal consigo tem
Agora Deus me deu um
Em vendo rir ou mangar
Que é a luz do meus olhos
Julga que lhe querem bem
A rosa depois de seca
Amiga se és minha amiga
Foi-se queixar ao jardim
Trata bem do meu amor
O jardineiro respondeu
Que o mesmo farei ao teu
Tudo no mundo tem fim
Se ele à minha casa for
Eu entrei no cemitério
Ai se é parva se é nência
À porta pus-me a chorar
Quem por um amor se mata
Olhando as sepulturas
Atrás de um amor vêem dois
Terra que me há-de gastar
Não há coisa mais barata
Fui um dia ao cemitério
Se de mim não pretendias
Um letreiro lá vi
Ó falso para que me olhavas
Que dizia estas palavras
Eu era cega e não via
“Não há paz senão aqui”
A loucura em que andava
O meu amor coitadinho
Não sei o que hei-de fazer
Coitadinho o raio que o parta
À triste da minha vida
Ainda não ganhou dinheiro
Por causa dos homens falsos
Para me escrever uma carta
Vê-se uma mulher perdida
Sou violeta nascida
Meu amor disse à mãe
Na relva do cemitério
Que me havia de deixar
Desprezas-me nesta vida
Agora deixei-o eu
Amo-te sobre o mistério
Toma lá vai-te gabar
De criança bem pequena
Ó coração retraído
Amei o teu coração
Ó cara cheia de enganos
Para agora me deixares
Foi a paga que me deste
Sem motivo nem razão
De te amar há tantos anos
Debaixo do chão seis metros
A flor do cravo é
Onde nada reverdece
Aos bicos recortadinha
Sepultou-se o meu amor
Meu coração não descansa
É paixão que não esquece
Enquanto não fores minha
Debaixo do chão seis metros
Ontem à noite à meia-noite
Onde o sol não tem entrada
Ouvi meu amor cantar
Sepultaram-me os meus olhos
Levantei-me e fui à porta
Não tenho alegria de nada
Para a cantiga escutar
Prometi a S. João
Amores ao longe são tristes
Se o meu amor se livrar
Só de saudades vivendo
Um raminho de alecrim
O meu amor está longe
Para pôr ao seu altar
De saudades vou sofrendo
Raparigas não namorem
Não comas os figos verdes
Rapazes que tenham coroa
Se não rebenta-te a boca
Olhem que é um pecado
O meu amor me deixou
Que Deus nunca perdoa
De saudades estou louca
Os padres também namoram
A saudade é uma flor
Namoram essa está boa
Que se planta em qualquer vaso
Eles têm coração
Se te disserem que amo outro
Que importa que tenham coroa
Meu amor não faças caso
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Cortei o pé da roseira
Eu tinha três cravos roxos
Para te dar uma rosa
Dispostos no meu jardim
Não a quiseste aceitar
Deus levou-me o mais lindo
Eu fiquei triste e chorosa
Leve-me também a mim
António de Santo António
Minha bela mocidade
Francisco de S. Francisco
Dos quinze para dezasseis
José de Nossa Senhora
São tantos que já lá vão
E Manuel nome de Cristo
E não voltam outra vez
Fui ao campo colher flores
Mocidade, mocidade
Colhi o pé da margaça
Como aquela que eu deixei
Arrasta-me como as cobras
Até as pedras choravam
Se eu um dia te for falsa
Quando delas me aparti
Se algum dia ao meio-dia
Alegre quem te fez triste
É que vires o sol nascer
Sendo tu alegre sempre
Nesse dia meu amor
Não sei a tua alegria
É que eu deixo de te querer
Como a tristeza consente
A folha da parra é
Tenho quezília aos ratos
Recortada a preceito
E tenho zanga às formigas
Porque é que não te esqueço
Que me romperam o saco
Se tanto mal me tens feito
Onde eu guardava as cantigas
No tronco de verde faia
Já não tenho alegria
Teu nome gravei um dia
Sou um vaso de paixão
A velha faia chorou
Tenha alegria ou não tenha
Só por ver o que eu sofria
Mas deixar de cantar não
Numa noite lá na eira
Já não tenho pai nem mãe
Eu jurei à luz da lua
Nem quem me esteja adorando
De não ser de mais ninguém
No céu estejam descansados
Se um dia não for tua
Que a terra os está gastando
Alegria abandonou-me
Se eu soubesse cantar bem
Perdi todo o meu prazer
Como sei fazer cantigas
Quando fui abandonada
Fazia dançar as velhas
Mais me valia morrer
Quanto mais as raparigas
A figueira dá os figos
Tenho sofrido e calado
Piroliteiro pirolitos
Sofrerei até ao fim
Se a genta casar os dois
Quem mais faz menos merece
Teremos filhos bonitos
Que assim me acontece a mim
Ó Algarve não te alegres
Alguém diz em tendo sede
Que eu vou-te cortar as guias
Ia beber ao teu monte
Não sabes que o Alentejo
Agora estou mal contigo
Merece mais simpatias?
Vou beber a outra fonte
O meu coração é de ouro
Suspirar é meu destino
Por dentro tem gavetinhas
Quando de ti vivo ausente
Abre-se com saudades
Nada no mundo me lembra
Fecha-se com palavrinhas
Só contigo estou contente
O meu amor é um cravo
Ó meu filho aonde estás
E eu sou rosa que o mereço
Minha mãe estou a cantar
Já mo quiseram comprar
Então acaba “a letra”
Cravo de amor não tem preço
E depois vem para jantar
Usas camisinha branca
Quem disser que o amor é louco
Não é falta de assabão
Queria ser louco também
Andas envaidando as outras
Porque um amor sem loucura
Que fará meu coração
Nunca faz feliz ninguém
Viver na vida não custa
Inda que o papel me custe
Só custa saber viver
A jorna de uma semana
Mas quantas vezes eu vivo
Eu não deixo de escrever
Com vontade de morrer
Cartas à Feliciana
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Inda que o papel me custe
Quando as tuas mãos aceito
Cada folha um tostão
Eu sinto satisfação
Eu não deixo de escrever
Até parece que és
Ao Jacinto da estação
Amor do meu coração
Quero-te bem, tenho-te ódio
O ciúme é uma prova
Olha amor o meu disfarço
De quem usa lealdade
Quero-te bem porque te amo
Onde não houver ciúme
Tenho-te ódio porque és falso
Não pode haver amizade
Amor que pretende amor
O maldito do ciúme
Não deve de arrodear
É um fogo abrasador
Diz o que tem a dizer
Aonde não há ciúme
Fala o que tem a falar
Nunca pode haver amor
Eu por mim tenho pretendido
Ó amor pergunta agrado
Nunca tenho arrodeado
Não perguntes formusura
Por falta de ocasião
Que uma mulher sem agrado
É que não temos falado
É pior que a noite escura
Não há luz como a do sol
Não há homem como Deus
Nem flor como a urtiga
Nem flor como a urtiga
Não há nada como ver-te
Nem amor como o de mãe
Inda que nada te diga
Haja quem contra diga
És a rosa dum jardim
O teu amor mais o meu
Jardim que mais rosas tem
O teu mais o meu amor
Só dou por mal empregado
O meu amor é António
O tempo que te quis bem
O teu seja lá quem for
Quando as tuas mãos aceito
Vai tirar água do poço
Aperto com saudade
Vai regar o sezirão
Oiço dizer meu peito
Que eu não pretendo de ti
Aumenta a nossa amizade
Nem da tua geração
Cantaste-me uma cantiga
Óh agora quando eu tinha
Que a ti próprio te ofendeste
Dezasseis para dezassete
Não digas que não me queres
Cantava, agora não canto
Que tu é que te ofereceste
Que a idade assim promete
Não digas ai a cantar
Óh agora quando eu tinha
Que isso é em ar de gozo
Quinze para dezasseis
A ti nunca me ofereci
Era então muito esperta
És um grande mentiroso
Não ia nos teus enganos
Dá-me da pêra madura
Quinta-feira de Ascensão
Da maçã uma talhada
Toda a erva tem virtude
Se não me deres da pêra
Já hoje vi o meu amor
Da maçã não quero nada
Quis-lhe falar mas não pude
Dá-me da pêra madura
Minha linda saudade
Da maçã talhada e meia
Quando me hás de tu esquecer
Se não me deres da pêra
Só quando eu não tiver vida
A maçã coma-a voçeia
Nem olhos para te ver
Desta mocidade nova
O meu par é pequenino
A mais sucata sou eu
Pequenino e resoluto
Tomara eu já que digam
É como o pão da padeira
A sucata já morreu
Que se come sem conduto
Eu queria comprar sucata
Desejava estar-te ouvindo
Que a sucata tem valia
A meu respeito falar
Pois se a sua mãe quiser
Onde quer que tu estivesses
Pois a minha também queria
E não soubesse de eu estar
Eu quero comprar sucata
Quem da sua terra abala
Que dá muito resultado
Como eu da minha abali
Bem me está a perceber
Perde o amor perde a graça
Que tenho amor acariado
Assim como eu a perdi
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Quando eu pensava ter
Meu amor disse que vinha
No mundo mais alegria
Quando a lua além viesse
Foi quando a maior paixão
A lua já além vem
Veio para a minha companhia
Meu amor não aparece
O trabalho é de quem canta
Chamaste-me pouca roupa
O proveito é de quem escuta
Se tens muita bom proveito
De resto ficam dizendo
Tenho menos que despir
Canta bem filho da puta
À noite quando me deito
Se ouvires dizer que morri
Quem desdenha quer comprar
Não tenhas pena meu bem
Toda a gente assim o diz
Que a morte de uma infeliz
Tu dizes que não me queres
Não deixa pena a ninguém
Mas fui eu que te não quis
Já não tenho alegria
O meu amor abalou
O prazer em mim findou
Não se despediu de mim
Tão alegre que eu era
O mar se torne em flor
Agora tão triste sou
E o barco seja um jardim
Os corações também choram
Ó António chama os cães
Eu ainda não sabia
Não os açudes que é feio
Esta noite acordei eu
É feio açudar os cães
Ao pranto que o meu fazia
A quem te faz galanteio
Se algum dia ouvires dizer
Não chames amor perfeito
Que eu de saudades morri
Às coisas que a terra cria
Não te rias meu amor
Amor perfeito há um só
Morro de saudades por ti
Filho da Virgem Maria
Tu queres subir bem alto
Quem tem amores paga direitos
Muito alto queres subir
Eu de te amar estou pagando
Olha quem ao alto sobe
Se esta lei não acaba
Muito abaixo vem cair.
De amores me estou deixando
Estou-te amando sem esperança
A flor da amendoeira
De ser tua não espero
É a primeira do ano
Eu sei que te não mereço
Esses teus olhos
Tudo isso eu considero
São os primeiros que eu amo
Deixa lá falar quem fala
Meu amor quer que eu tenha
Deixa lá dizer quem diz
Juízo e consideração
Quem quer deitar sempre deita
Tenha ele que é mais velho
Má fama a uma infeliz
Que é a sua obrigação
Eu quero-te tanto bem
O meu amor quer que eu tenha
Desejo a tua companha
Juízo e capacidade
Ainda não tive a ninguém
Tenha ele que é mais velho
Uma amizade tamanha
Que eu sou de menor de idade
Já não tenho alegria
Ó rapaz dos polvarinhos
Vivo no mundo sem gosto
Donde veio para onde vai
Nasce o sol torna a nascer
Diga-me lá se são seus
Para mim é sempre sol posto
Ou se os herdou de seu pai
Andas para baixo e para cima
Menina faz gosto em saber
Como o peso na balança
Digo-lhe com muito gosto
Enquanto não fores minha
Comprei-os ao seu pai
Meu coração não descansa
Que a sua mãe lhe tinha posto
Do céu caiu um suspiro
Já que me pedem que cante
Partiu o pé à açucena
Sempre lhe faço a vontade
Amei-te com tanto gosto
Eu não sei que gosto tenha
Deixei-te com tanta pena
Ouvir cantar quem não sabe
Chorai olhos, chorai olhos
Minha fala é baixinha
Chorar também alivia
Não a posso levantar
Em muitas ocasiões
São erros da natureza
Se não chorasse morria
Não os posso emendar
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Os olhos azuis são falsos
Tua mãe de mim não gosta
Os pretos enganadores
Eu dela gosto outro tanto
Estes meus olhos castanhos
Juntaram-se os dois gostos
São leais aos seus amores
Por milagre de algum santo
Sou feia eu bem conheço
Duvida do evidente
Eu não tenho simpatia
Duvida de tudo enfim
Certas figuras do mundo
Duvida de toda a gente
Eu para mim não as queria
Mas não duvides de mim
Os olhos pretos são falsos
Querem dizer os suspiros
Os azuis são lisonjeiros
Que eu por ti solto mil ais
Estes meus acastanhados
Saudades essas dizem
São leais e verdadeiros
Que ninguém as sente mais
Não cortes a oliveira
Eu cuidava, eu cuidava
Não lhe ponhas o machado
O cuidar não é saber
Que ela dá o azeite
Eu cuidava que tu tinhas
Para alumiar o sagrado
Outro modo de viver
Remédio para todo o mal
Minha sogra é minha amiga
Procura-se na botica
Ofereceu-me uma panela
Só para a saudade é que não
Se ela não me der o filho
Quem na tem com ela fica
Parto-lhe a cara com ela
Eu subi a um calitrio
Meu coração para duas
Com teu retrato na mão
Partilha nenhuma tem
Descalitri-me lá de cima
Não sei o que hei-de fazer
Parti as trombas no chão
Se eu às duas quero bem
Quando eu era rapaz novo
Meu amor quer que eu tenha
Às vezes me acontecia
Capacidade e juízo
Dava passos de marchante
Tenha ele que é mais velho
Em vez de ganhar perdia
Que ele também tem preciso
José que lindo nome
O amor é uma albarda
Quem foi a tua madrinha
Que se põe a quem quer bem
Quem te pôs a ti José
Eu para não ser albardada
Sabia a tensão que eu tinha
Não tenho amor a ninguém
Rua da pouca farinha
O amor é uma albarda
Já tem largo do chiado
Um albarda é o amor
Por baixo o estreito da moda
Não sei que albarda é essa
Por cima o bibe cansado
Que todos a querem por
Já tem largo do chiado
Tenho olhos para ver
Rua da pouca farinha
Ouvidos para ouvir
Por baixo o bibe cansado
Tenho boca para falar
Por cima a direitinha
Coração para sentir
Tenho sofrido e calado
O 25 de Dezembro
Sofrerei até ao fim
Todos estão esperando
Quem mais faz menos merece
Uns cantam e outros choram
Que assim me acontece a mim
Dos seus se estão recordando
Algum dia em tendo sede
Uma das minhas amigas
Ia beber ao teu monte
Aquela que eu mais estimava
Agora estou mal contigo
Apanhou-me o meu amor
Vou beber a outra fonte
Para ver se eu me zangava
Suspirar é meu destino
Amigas todas nós somos
Quando de ti vivo ausente
Da nossa conveniência
Nado no mundo me lembra
Apanhei-te o teu amor
Só contigo estou contente
Amiga tem paciência
Os corações não se vendem
Amiga que és minha amiga
São jóias de alto valor
Cada vez te quero mais
Não se vendem nem se dão
Amas um bem que eu adoro
Ganham-se à força de amor
Nossos gostos são iguais
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Não tenho amor a ninguém E ninguém me tem a mim Assim vou passando o tempo E a mocidade no fim Não sei cantar não sei ler Nem ao menos sei falar Quanto mais me não valia Saber-me desplicar Já te mandei uma carta Sem letra nenhuma dentro Amor para te fazer dar Mil voltas ao pensamento Vou cantar uma cantiga Que eu sei que tu a sabes As minhas estão em gavetas Já mandei buscar as chaves
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Nos bailes de roda
Ela – para que me apertas a mão E os dedos para que me ajuntas Olha que estás enganado Que eu não sou quem tu perguntas Ele – Eu não te apertei a mão Olha que estás enganada Se eu ta tivesse apertado Talvez ficasses calada Ela – Namorei-me, namorei-me Não me soube namorar Namorei-me de um ingrato Que não me soube estimar Ele – Eu não te soube estimar Mas vou-te estimar agora Vou-te pôr uma vidraça Com as bordas do cú para fora Ele – esta porta não tem postigo E eu faço mangação com dela É para pagar as favas De a dona dar à tramela Ela – esta porta não tem postigo Mas com ela posso brincar A porta não tem postigo Mas é boa de fechar Ela – Eu não acho quem me mate O meu gosto era morrer Causador da minha morte Não acho quem queira ser
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Ele – menina não peça a morte Não queira morrer ainda É pena que a terra gaste Uma figura tão linda Ela – Contrária minha contrária Vamos fazer um contrato Eu fico com o amor Tu ficas com o retrato Ela – Eu fico com o retrato Com o amor ficas tu Quem fica com o amor Meta o retrato no cú Ela – Mais alto que a vista alcança Ninguém devia de olhar Quem correr de gosto não cansa E eu corri até cansar Ele – Devendo-te alguma coisa Se eu por acaso ficasse Sempre devias de olhar Que eu um dia te pagasse Ele – Menina que tanto sabe Também sabe assoletrar Também me sabe dizer Quantos peixes há no mar Ela – Quantos peixes há no mar Vou-lhe desde já dizer São metade e outros tantos Fora os que estão para nascer Ele – não te faças tão exacta Considera que és mulher Posso-te eu armar o laço Caires como outra qualquer
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Ela – Deus me dê juízo e tino Caminhos para seguir Podes tu armar o laço Eu passar e não cair Ela – já tenho a vista cansada De olhar para a porta da rua Diz-me lá ó meu amor Que demora foi a tua Ele – Já cantaste a cantiga Já mataste o desejo És árvore de muita rama Anda cá que eu te varejo Ela – Não vejo mover um peixe Naquela ditosa praia Eu não quero saber de si Senhor Evaristo Maia Ele – Cala-te aí franganita Que ainda não tens crista Prego-te uma mão no rabo Ficas com o cú à vista Ela – Eu casei-me, cativei-me Nunca tal coisa fizesse Deixei minha liberdade É paixão que me esquece Ele – Eu casei-me, cativei-me Troquei a prata por cobre Troquei minha liberdade Pelo dinheiro que não corre Ele – Não digas que não, que não E que nunca há-de ser Tanto bate a água na pedra Até que a faz embrandecer
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Ela – A pedra nunca embrandece Bata a água que bater Eu digo que não, que não Nenhuma vez há-de ser Ele – Menina que sabe ler Faça-me a explicação Há-de-me saber dizer Quantas calmas há no verão Ela – Quantas calmas há no verão Eu lhe vou explicar São metade e outras tantas E as que Deus tem para mandar Ele – A senhora Bárbara Tadeia Sempre a dizer-me está Senhor Manuel vá à minha casa Que a minha mãe não está lá Ela – Senhor Manuel Mestre Não esteja aí a mentir Se lá vai é porque quer Que eu não o mando lá ir Ele – Com licença entra o pinto O seu papo quer encher Onde há galos de fama Que vêm pintos cá fazer Outro – Se tu és galo de fama Eu sou pinto de vintém Quando o galo para lá vai Já o pinto de lá vem Ela – (Amiga) Amiga nunca descubras teus segredos a ninguém Uma amiga tem amigas outra amiga, amigas tem
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Ela – (Amiga) Amiga os nossos segredos ninguém os há-de saber só se a terra os descobrir quando uma de nós morrer Ele - Diga-me lá prima Ana Diga-me lá mas não minta Diga-me lá se namora O sapateiro da quinta Ela – O que se importa alguém Com a vida de cada qual Que namore que não namore Que vá bem ou que vá mal Ela – Chamaste-me pé de ginja Eu não sou tão delicada Não sou bonita nem feia Sou em ti mal empregada Ele – Já no celeiro não há trigo Como pode haver farinha Como podes tu ter tino Cabeça de ventoinha Ele – Quatro com cinco são nove A contar não quero mentir Ó moços nunca se invejem Em criadas de servir Ela – Quatro com cinco são nove Eu contas não faço mais As criadas de servir São mulheres como as mais Ele – O primeiro amor que eu tive Vendi-o por um tostão Toda a gente me dizia Fizeste bem Manuel João
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Ela – O primeiro amor que eu tive Vendi-o por um vintém Toda a gente me dizia Alice fizeste bem Ela – O senhor Manuel Penedo Porque não se tem casado Mais logo é um galo velho Caem-lhe as penas do rabo Ele – Não me quero casar em velho Já que não casei em moço Não quero usar na cabeça Um chapéu de abas de osso Ele – Delicada da cintura A cabeça levezinha Tudo tens com fartura A vergonha é poucochinha Ela – Eu tenho a cabeça leve E o corpo delicado O que tenho com fartura É em ti mal empregado Ele – Vestidinho cor-de-rosa Que esta noite se estreou Está bonito está bem feito Meu dinheiro é que o pagou Ela – Andavas e não falavas Oferecer-me não convém Tu deste eu aceitei Que Deus pague a quem faz bem Ele – É bonita como o forno Delicada como um cesto Para seres burra acabada Já só te falta o cabresto
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Ela – A mim falta-me o cabresto A ti falta-te a albarda Quem canta cantigas destas É uma besta quadrada Ele – Da minha janela à tua Vai o salto de uma cobra Quem me dera já chamar À tua mãe minha sogra Ela – À minha mãe tua sogra Tu nunca hás-de chamar Da minha janela à tua Nunca a cobra há-de saltar Ele – Deixa-me lá cantar Uma cantiga das minhas Que eu quero saber noticias Do baile das Fontainhas Ela – Do baile das Fontainhas Não tenho nada a dizer Como não foi convidado Já está a rasmorder Ele – Ao baile das Fontainhas Não tenho nada a prantar Eu para aqui estou rasmordendo Tu para aí estás a ladrar Ele – És clara como o leite Vermelha como a cebola Dei-te beijos quantos quis Casar contigo, chô rola Ela – O senhor que me cantou Também tem a sua gola Veja lá bem o que diz Não seja gabarola
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Ela – Quem tem caixa tem tabaco Quem tem tabaco é quem fuma Quem canta cantigas dessas Não tem vergonha nenhuma Ela – Ao tocador de viola Moças dêem-lhe galinha Passada pelos meus dentes Cá para a minha barriguinha Ele – Moças deem-me galinha Que eu fico-lhe agradecido Vai para a tua barriguinha Depois de eu a ter comido Ele – Esse teu dar à cabeça Causa-me admiração Quando tens mosca de inverno Que fará em vindo o verão Ela – Estás de fora vendo o balho Anda daí vem balhar Não tenhas medo das moscas Elas não te hão-de matar Ela – Se te amei foi falsidade Só para o tempo passar São coisas da mocidade É de aproveitar Ele – Olha o gosto que tiveste Que só te deu prejuízo Deste demonstração De ter falta de juízo Ela – Tenho um jardim mal tratado Só existe uma flor Diz-me amiga Catarina Onde existe o meu amor
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Ela – (Outra) – Querida amiga não chores Por um bem que se ausentou Quem se ausenta logo volta Que eu nessa esperança estou Ele – (Irmão) – Parece que estou ouvindo A voz duma irmã das minhas Dizem todos os meus amigos Não tens o valor que tinhas Ela – Repara leva sentido Estamos no fim da semana Dizem as minhas amigas Futuras mal da tua mana Ele – (Irmão) – Tenho uma casa nas nuvens Aonde combato o vento Desculpa-me minha mana Que isto foi para passar o tempo Ela – Senta-te aqui ó meu mano Tu numa pedra eu noutra Chorando nossa desgraça Já que a ventura é tão pouca Ele – Se um homem bem pensasse Na falsidade da mulher Talvez nem chegasse A falar com ela sequer Ela – Eu nunca gostei de ti Nem pensei em amar-te Se eu nunca te atendi Para que assim gabares-te? Ele – Diz-me lá porque razão Tu não me falas amor Sendo tua obrigação Falares seja a quem for
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Ela – O amor quer-se encoberto Já o devias saber Nem ao longe nem ao perto Não se deve dar a ver Ele – As criadas de servir Têm muita presunção Algumas são muito várias Invejam-se no patrão Ela – Quatro com cinco são nove Eu contas não faço mais As criadas de servir São mulheres como as mais Ele – Menina que tão bem canta E a cabeça que lhe abana Quem está de fora diz Muito cabra é fulana Ele – Eu tenho ouvido dizer Que ovelhas não são para mato Eu sou cabra tu cabrão Ó meu barbas de chibato Ele – Um copinho, dois copinhos Três copinhos de aguardente As moças de Messejana Fazem um moço andar quente Ela – Um copinho, dois copinhos Um copinho de licor Uma porrada nos cornos Passa-te logo o calor
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