Quadras do Campo Branco

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[ Recolha de Maria Vit贸ria de Brito Ruas ]

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_ficha técnica:

Quadras do Campo Branco Edição: Câmara Municipal de Castro Verde / Museu da Ruralidade Autor da Recolha: Maria Vitória Ruas Design: João Lourenço / Estúdio Nómada Ilustração (capa): Rui Pato Coordenação e texto de apresentação: Miguel Rego Impressão: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda ISBN: 978-989-8451-09-5 Depósito Legal: 395826/15 500 exemplares 31 de Julho de 2015

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Preâmbulo

Desde o início do projecto do Museu da Ruralidade que a oralidade, nas suas mais diversas representações, é um âmbito de abordagem prioritária no trabalho que aqui se desenvolve. Por um lado, porque é uma das fontes principais para a compreensão da realidade histórica e antropológica das terras campaniças dos últimos três quartos de século, cuja génese se reporta a períodos anteriores às profundas mudanças do Portugal liberal; por outro lado, porque é uma fonte documental finita, preservada que está numa geração envelhecida e cujo natural desaparecimento constituirá uma perda irreparável para a memória da nossa comunidade, caso não se preservem os ténues fotogramas das suas vivências. É num contexto como este, de uma natureza tão dramática como a que representará o desaparecimento destas estórias e destas memórias que, por norma, a historiografia oficial ignora, que no âmbito da actividade do Museu da Ruralidade se tem procurado, de forma sistemática, construir um corpus documental em áudio e vídeo, onde os testemunhos de episódios, as histórias de vida, as formas de cantar, as conversas, as tertúlias, os gestos das profissões em extinção, vão ficando depositados com o objectivo claro e assumido de ser exactamente isso: um armazém de sons e imagens. De palavras e de gestos. De expressões e quadros. Mas esse registo, esse depositar de fotogramas e caracteres, procura ser muito mais do que esse simples e aparente acto de armazenamento. O objectivo é claramente o de poder compilar para estudar, para conhecer, para divulgar, mas sobretudo dignificar. Dignificar a expressão cultural, mas sobretudo o actor ou os actores; os seus territórios e os contextos da criação dessas realidades, sejam elas culturais, sociais ou geográficas.

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A riqueza e diversidade das formas de expressão orais transportanos, de forma multidisciplinar, por sonoridades e representações muito diversas, onde a poesia tem uma importância ímpar, numa região onde o cante, o baldão ou os despiques, para não falar especificamente do dizer de décimas e de outras métricas de palavras ditas, são tradicionalmente uma forma de estar e de representar a sociedade local, as especificidades da comunidade, a forma de cada um olhar o mundo que o rodeia. A poesia popular é nestas terras campaniças, uma das expressões cuja natureza e génese se perde em territórios tão vastos e tão ricos como são os da diversidade da natureza humana, capaz de criar e recriar fórmulas de comunicação fartas em imaginação, mas simples na forma como o pretende mostrar. Por isso, o Museu da Ruralidade desde os seus primeiros passos, não deixou de entendê-la como uma fonte de informação extraordinariamente importante e uma manifestação de carácter social determinante para conhecermos melhor a geografia do seu espaço de intervenção. Corria o ano de 2009 quando o Museu da Ruralidade edita “O Poeta escondido com verdade na rima”, de Manuel Mira, e a compilação “Poetas de Casével”. Já este ano, realiza o I Encontro de Poetas Populares, na aldeia dos Aivados, uma iniciativa que se pretende tenha uma periodicidade anual. Depois deste percurso, muito mais provocado do que possa parecer dada a longitude do tempo passado, chega agora a vez destas “Quadras do Campo Branco”. Este trabalho chega às nossas mãos através de um livro fotocopiado, que Maria Vitória Ruas pretendia editar, tratando-se de uma compilação fruto de uma recolha efectuada por si ainda nos anos noventa, do século XX, junto dos utentes do Lar da Terceira Idade da Misericórdia da Messejana. Logo na primeira leitura que efectuámos, a decisão de procurar publicar o livro tornou-se evidente. Em primeiro lugar, porque a geo-

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grafia da recolha é o espaço do campo de estudo do Museu da Ruralidade. Estes Campos de Ourique, milenarmente ligados entre si, sobretudo pela qualidade dos seus “verdes e montados”, pastos que aqui atraíam, anualmente, milhares de cabeças de gado nos fenómenos de transumância, são os mesmos campos que de Alcaria Ruiva a Colos, da serra do Cercal a Almodôvar e Ourique ou de Entradas às portas de Grândola, têm a Feira de Castro, os sons da viola campaniça e as vozes arrastadas do Despique e do Baldão, como referência cultural. Em segundo lugar, porque sendo a recolha efectuada junto de gentes maioritariamente provenientes de Messejana, podemos considerar que se trata de um território histórica e administrativamente ligado a estas terras de Castro Verde e Casével, até porque traçaram percursos comuns, em particular no século XIX, assistindo-se, como tal, a um espaço de memória, de identidades, de raízes e cultura comuns. Em terceiro lugar, porque o local de recolha, um lar da terceira idade, é um espaço extraordinário enquanto campo de trabalho, já que encontramos neles um manancial informativo riquíssimo. Os “lares” são sítios onde o respeito pelos seus utentes se deve manifestar no trabalho que ali se desenvolve com os utentes, mas também pelas actividades que valorizem a informação e o saber que cada um transporta, ainda muito importantes para transmitir aos mais novos. Quadras do Campo Branco é por estas três grandes razões um trabalho que nos merece uma atenção particular, mas sobretudo pela qualidade e valor que essas “Quadras” têm. Aqui podemos encontrar uma relação larga de muita da poética que ouvimos desde miúdos e que servem, tantas e tantas vezes, como suporte para as modas que brilham no nosso cante. Evocando o amor, a natureza, a relação entre as pessoas, tratando a realidade local ou matizando tudo aquilo que nos envolve, este “Quadras do Campo Branco” exigia que se publicasse e que, para além de um objecto de leitura, fosse uma reserva poética para uma certa inovação que se pretende e deverá dar ao nosso cante.

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Podíamos ter arrumado o livro por capítulos, dispostos estes por temas. Mas decidimos não o fazer para que o livro, também e sobretudo objecto de prazer, fosse lido nesta diversidade e amalgama com que chegou às nossas mãos e que reflecte a forma como a Maria Vitória Ruas, em boa hora, o construiu e lhe deu vida.

Miguel Rego

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Apresentação

Dizer alguma coisa como apresentação deste trabalho de recolha a que me propus, não é fácil para mim. Sobretudo, porque no seu conteúdo existe tanto da alma e do coração de quem a tornou possível, que descrever esses sentimentos é-me de todo impossível. São recordações tão íntimas, tão veladas, tão carinhosas que só quem disse estas quadras as sentia de verdade e eu não consigo penetrar e descrever esse mundo. Não sei interpretar e descrever essas emoções que vi nos olhos de quem me dizia as quadras que eu ia escrevendo. Via bailar nesses olhos tanta coisa que eu quisera poder adivinhar. Ficam aqui os nomes, primeiro de quem me disse as quadras que sabia de cor e faziam parte da longínqua mocidade. Eram pessoas de 80 e mais anos: Maria Alves Bica, Noémia Batista, Virgínia Vieira, Catarina Fortunata, Assunção da Luz, Dilar da Silva Guerreiro. Irene Palma, Ana Bica, Maria das Dores Ruas, Joana Dores, Maria Bonita, Ana Deodato, Vítor, Manuel Batista Melão, José Ferrinha, Vitória de Brito Marques; depois os nomes das pessoas que se lembravam de quadras ouvidas aqui e além e fazendo questão de as deixar aos vindouros as disseram para que também ficassem neste livro. Lembranças de tanta gente... de Inácia Amélia Cavaco, Lúcia Lebre do Nascimento, Olívia David Guerreiro, Joaquim de Brito Nobre, Hercília Martinho, Maria de Fátima Vera, Maria Isilda Miguel. Foi um trabalho que fiz com muito gosto e na hora certa, pois é um património único da memória de uma geração que, infelizmente, está a desaparecer.

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Já toda a gente que me disse a maior parte das quadras faleceu sem ver as suas quadras num livro. Isto porque passaram quase 24 anos quando eu me propus a fazer esta recolha, junto dos utentes do Lar da Misericórdia de Nossa Senhora de Assunção de Messejana. Como ninguém mostrou vontade de o publicar, fizemos uns quantos exemplares, quase artesanalmente, e por aí ficaram esquecidos. Várias vezes tentei, com a minha colega Zizi, que alguém publicasse esta recolha, mas sempre em vão. Até que um dia a minha colega foi dá-lo à apreciação da Câmara Municipal de Castro Verde, que finalmente lhe deu corpo através do Museu da Ruralidade. À Câmara Municipal de Castro Verde, ao Museu da Ruralidade, aos actuais e antigos dirigentes do Lar da Misericórdia Nossa Senhora de Assunção da Messejana, o meu muito obrigado. Dedico este livro a todas as pessoas que nele participaram e que, seguramente, teriam ficado muito felizes com a sua edição. Uma palavra final para o meu irmão, Manuel Brito Ruas, um dos principais obreiros do Lar onde foi feita a recolha da poesia que compõe este livro e que, infelizmente, já não está entre nós.

Maria Vitória de Brito Ruas

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A paixão de amor não mata

Papagaio de pena verde

Mas faz moer o sentido

Empresta-me o teu vestido

Se a paixão de amor matasse

O teu vestido é de penas

Já eu teria morrido

Em penas ando metido

Encosta teu peito ao meu

Contrária minha contrária

Encosta com devoção

Senta-te aqui ao meu lado

E vais ouvir como chora

Além vem nosso amor

O meu triste coração

Escolher a de mais agrado

Eu não sabia cantar

S. João é milagroso

Ensinou-me o meu amor

E eu vou fazer um altar

Quando lhe pagarei eu

Com raminhos de alecrim

Esse pequeno favor

E com meu amor dançar

Minha mãe é minha amiga

Anda cá meu bem não fujas

Amiga de me compor

Que eu não como gente viva

Põe-me um lenço na cabeça

Se me não queres amar

Vai à missa meu amor

Valha-te Deus quem te obriga

Minha contrária se rala

Adeus rua de Alvalade

Eu não tenho ralador

Para baixo para cima não

Quanto mais ela se rala

Para baixo correm as águas

Mais eu quero ao meu amor

Para cima meu coração

Passarinho da ribeira

Remédio para todo o mal

Vem comigo és meu irmão

Procura-se na botica

Tu trazes penas no bico

Só para a saudade é que não

Eu trago-as no coração

Quem na tem com ela fica

Não procures neve em um leão

Eu subi a um calitrio

Nem na areia malmequeres

Com teu retrato na mão

Nem nos homens gratidão

Descalitri-me lá de cima

Nem constância nas mulheres

Parti as trombas no chão

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O meu amor é ferreiro

Algum dia me juraste

Todo o dia malha ferro

Que eras meu até à morte

Já me dói o coração

Desde que à jura faltaste

De ouvir bater o martelo

Nunca mais tiveste sorte

Saudades tenho saudades

Dois rapazes de Aljustrel

Quem me dera não as ter

Outros dois de Messejana

Só quem tem saudades sente

Foram cantar a Alvito

O que elas fazem sofrer

Ó que sorte tão tirana

Os olhos que olham

A cantar te vou dizer

Para o chão e pró ar

Vou-te fazer um pedido

É que são os olhos

Se pensas que ainda te quero

Que eu quero amar

Tira daí o sentido

Minha fala já não é

Vou-me embora, vou-me embora

A que eu tive algum dia

Para a semana que vem

Quem casa muda a fala

Para não deixar saudade

A minha porque seria

Não digo adeus a ninguém

Meu amor na mesma terra

Despedida, despedida

Não posso falar contigo

Como fez o passarinho

Põem-me guardas à porta

Bateu as asas voou

Sentinelas ao postigo

Deixou as penas no ninho

A folha de trigo é

Fui ao campo colher flores

Mais larga que a da cevada

O campo era um jardim

Também a minha amizade

Não digas amor que não

Ao pé da tua é dobrada

Se o coração diz que sim

O cantar do peito cansa

A folha do alecrim

O da cabeça alivia

É uma folha miudinha

Quem quiser cante o que sabe

Meu coração não descansa

Que eu cantei o que sabia

Enquanto não fores minha


As ondas do teu cabelo

Simpatia, simpatia

São louras perfumadas

Eu contigo simpatizo

São correntes que se prendem

De tanto simpatizar

Às almas apaixonadas

Trago às voltas o juízo

És da vila de Messejana

A cobra no verde pasto

Simpatia dos meus sonhos

Anda que desaparece

Que às vezes chego a ter medo

Assim andam os meus olhos

Desses teus olhos risonhos

Atrás de quem o merece

Saramago redondinho

Quero mais ao meu amor

A flor que dá é branca

Que o campo folhas tem

Amor eu nunca te deixo

Vê como o campo tem folhas

Que a nossa amizade é tanta

Vê amor se te quero bem

Dizem que o sol se levanta

Ó vila de Messejana

Ao romper da madrugada

Cercada de cravos brancos

Longe de ti meu amor

Onde o meu amor passeia

Só vejo a noite cerrada

Domingos e dias santos

Fui ao livro do destino

Minha vida bem pensada

Meu destino procurar

É um romance bem lido

Passei folhas encontrei

Alegrias e tristezas

Nasci só para te amar

Tenho nela tenho tido

Entre as grades da janela

Dobravam por ti os sinos

Numa noite de luar

Num dia de Primavera

Não vi estrela mais brilhante

Foi desde então meu amor

Que o brilho do teu olhar

Que nunca mais fui quem era

Amor o teu lindo rosto

Com um A se escreve amor

Não é sorte é tentação

Com R recordação

Foi o anzol mais seguro

Com R se escreve o nome

Que prendeu meu coração

Que trago no coração

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Tu dizes que não me queres

Trago dentro do meu peito

Acho-te toda a razão

Chegadas ao coração

Como é que tu hás-de querer

Quatro palavras que dizem

Aquilo que não te dão

Morrer sim, deixar-te não

O cipreste não se rega

À face do lindo céu

Ainda nunca se regou

Jurei e tenho jurado

Não te gabes que me deixas

Só a ti e mais ninguém

Que fui eu quem te deixou

Eu amei e tenho amado

Meu amor é marinheiro

António de Santo António

Anda no mar embarcado

Francisco de São Francisco

Vai e volta sempre novo

José de Nossa Senhora

É sempre amor renovado

E Manuel nome de Cristo

Manuel foi o meu primeiro

Os teus olhos é que são

Que em meu peito pôs a mão

A causa de te querer bem

Há-de ser verdadeiro

Culpa o teu rosto engraçado

Segundo a minha tensão

Não incrimines mais ninguém

Agora é que havia de ser

Não me invejam os teus olhos

O meu princípio de amar

Nem as tuas sobrancelhas

Os erros que tenho tido

Invejam-me as tuas botas

Os havia de emendar

Para meter lã de ovelhas

Quem ama vai dormir

Chapéu preto desabado

À porta de seu amor

Usa meu bem na cabeça

Faz das pedras travesseiro

Meu amor não sejas parvo

Das estrelas cobertor

Pode ser que eu me aborreça

Não há lírio como o roxo

Os homens comparo eu

Nem erva como a urtiga

Com o libaral do vento

Eu gosto de te encontrar

Falam para uma moça

Mesmo que nada te diga

Com trinta no pensamento


Diz-me amor se estás repreza

Quando te não conhecia

D’algum bem que me fizeste

Não te tinha amor, feição

Dá-me os beijos que te dei

Agora já te tenho

Que eu dou-te os que tu me deste

Tudo faz a lidação

Meu amor andas tão triste

Eu fui ao mar à laranja

Eu sinto a tua paixão

Coisa que lá não havia

Faz o gosto à tua gente

Eu fiquei admirada

Despreza meu coração

Das ondas que o mar fazia

Lealdade já não há

Não posso meu bem não posso

Firmeza já se acabou

Com tanta firmeza amar-te

Nesta era em que nós estamos

Os pretendentes são tantos

Quem é falso é que ganhou

Estou resolvida a deixar-te

Da minha janela à tua

Ó meus belos quinze anos

Do meu coração ao teu

Voltar atrás quem me dera

Devia ser um jardim

Gozar as flores no campo

E o jardineiro ser eu

No jardim a Primavera

Meu amor não é daqui

Não tenho senão paixão

Eu daqui também não sou

Com paixão também se vive

Ele é lá da terra dele

Dá-me um ar da tua graça

Eu da minha terra sou

Se me queres ver alegre

Eu quero-te tanto, tanto

Os olhos que vivos são

Desejo a tua companha

O seu alimento é ver

Ainda não tive a ninguém

Da vista nasce a feição

Uma amizade tamanha

Da feição o bem querer

Paixões não me dominavam

Eu quero morrer cantando

Tudo em mim era alegria

Já que chorando nasci

Tão bom tempo que passei

Se alguém se perde no mundo

Quando te não conhecia

Sou eu por causa de ti

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Se eu soubesse que morria

Na urna fatal do amor

Mandava fazer a cova

Pus o pé tirei a mão

Com uma enxada de vidro

Minha sina só me pede

Lá no meio da rua nova

Para amar teu coração

Primavera das flores

Coração que dois adora

Retiro dos passarinhos

Que firmeza pode ter

Tão retirada que ando

Tem que ser coração de homem

Meu amor dos teus carinhos

De mulher não pode ser

Na caravela do sonho

A minha rival contrária

Já eu fui navegador

Ela é muito ciumenta

Lancei-me no mar da vida

Tem cintura de perdiz

Descobri o nosso amor

E perna de lazarenta

Quando eu era solteirinha

Ó alta faia sombria

Usava fitas e laços

Se vires passar meu bem

Agora sou casadinha

Diz-lhe que eu sou amada

Trago meus filhos nos braços

Mas não lhe digas por quem

Não penses por eu cantar

Ontem à noite à meia noite

Que a vida alegre me corre

Ouvi cantar e chorei

Eu sou como o passarinho

Lembrei-me da mocidade

Tanto canta até que morre

Do bom tempo que passei

Se algum dia te quis bem

Quando te vi logo te disse

Foi tempo que já passou

Que tinha amor para sempre

Se ainda hoje para ti olho

Conheci que eras falso

Foi jeito que me ficou

Retirei-me airosamente

Dá-me um beijo, dou-te dois

Eu tenho um vestido verde

A minha paga é dobrada

Para vestir na tua ausência

Que é o dever de quem ama

As mangas são de suspiros

Pagando não deve nada

O corpo de paciência


Anda cá amor que és doutra

O anel que tu me deste

Não te quero chamar meu

Não o dei nem o vendi

Não quero que a outra diga

Tenho-o fechado à chave

Tens um amor que não é teu

Assim te eu tivesse a ti

Jura amor que eu também juro

Fui-me deitar a dormir

Faz uma jura bem feita

Ao pé de uma rosa aberta

Jura que havemos de dar

Meu amor para comigo

Na igreja a mão direita

Já não tem palavra certa

Não há sol como o de Maio

Fui-me deitar a dormir

Luar como o de Janeiro

À porta do meu amor

Nem cravo como o regado

Fiz das pedras cabeceira

Nem amor como o primeiro

Das estrelas cobertor

Meu coração é de vidro

Podes dizer não me iludes

Pode estalar mas não dobra

Que o teu amor é sincero

Firmeza para contigo

Pois nas mentiras que dizes

Tenho eu até de sobra

Acredito quando quero

Quando te peguei a amar

Tenho tantas saudades

Três mudanças fez o dia

Que nem as posso contar

Estava céu enevoado

São tantas como as estrelas

Fazia sol e chovia

Como as areias do mar

O maldito do ciúme

Entre a salsa e o coentro

Em meu peito faz castelo

Eu fui dispor o cebolo

Ama bem o teu amor

Mais vale um feio engraçado

Que eu para mim não o quero

Que um bonito sendo tolo

Eu não sei que simpatia

Para todos nós nasce o sol

Minha alma por tua tem

Só para mim escurece

Eu não estando à tua vista

Tão sem ventura nasci

Nada me parece bem

Que até o sol me aborrece

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És meu amor diz o mundo

Bem podia a tramagueira

Da fama já te não livras

Ser doce não amargar

Quando em mim te alguém falar

Bem podia o meu amor

A verdade não a digas

Ser firme não me enganar

Subi à mais alta faia

Amar e querer-te bem

Na folha mais elevada

Tudo isso eu farei

Escrevi em letras de oiro

Mas andar atrás de ti

O nome da minha amada

Isso não que é contra a lei

Desejava, desejava

Não te peço que me ames

Ninguém sabe o meu desejo

Que não tens obrigação

Desejava linda rosa

Só te peço que não digas

Em teu rosto dar um beijo

Mal de mim sem ter razão

Adeus, adeus meu amor

Fui dispor a saudade

Para ti desejo sorte

Ao pé da esperança nascida

Tu és toda a minha vida

A saudade secou-se

Hei-de amar-te até à morte

E a esperança está perdida

Fui um dia à beira mar

Quem em mim nota defeitos

Ouvir as ondas cantando

Decerto defeitos tem

Meu amor me respondeu

A pessoa bem comportada

Meu amor te estou fitando

Não põe defeitos a ninguém

A roseira cardinal

Eu já vi nascer o sol

Dá rosas de três em três

Com florinhas ao pé

Todo o amor que é leal

Lidar com gente fingida

abala e volta outra vez

Quanto menos melhor é

Adeus ó Monte Cêrro

Tenho dentro do meu peito

Caiado de ponta a ponta

Duas escadas de vidro

Eu quero ir para lá morar

Por uma sobe o amor

Já tou fazendo essa conta

Por outra desce o sentido


O que tens que estás tão triste

Perpétua flor de encante

Eu sinto a tua paixão

Para te amar não tive arte

Gosto muito de te ver

Já lá tens amores novos

Mas assim tão triste não

Parabéns da minha parte

Se as lágrimas fossem notas

Que lindos olhos que tem

Que eu por ti tenho chorado

Que lindo modo de olhar

Eu livrava-te a dinheiro

Já me encantaram dum todo

Não ias para soldado

Já não te posso deixar

Tenho dentro do meu peito

O trigo nasce do trigo

Uma cadeira de vidro

A erva nasce do chão

Onde o meu amor se senta

O amor nasce do peito

Quando vem falar comigo

Da raiz do coração

Os olhos do meu amor

Antes de eu te conhecer

São grãos de trigo na eira

Gostava de te ouvir falar

Semeados no domingo

Agora que te conheço

Colhidos à terça-feira

Quero-te bem a dobrar

A luz do sol é brilhante

Quem ama muito padece

Raios de sol encarnado

E quem padece ama

Se tens amor com outro

Que o amor no padecer

Não me tragas enganado

É como a lenha na chama

Eu sepultei meu sentido

Ó fonte que estás chorando

Numa pedrinha do mar

E nunca mais vais secar

Meu sentido só se muda

Meus olhos são duas fontes

Quando a pedra se mudar

Que não param de chorar

O meu pai cantava bem

Adeus Messejana adeus

Minha mãe também cantava

Quando me hás-de tu esquecer

Isso havia ter que ver

Quando Deus me não der vida

Se eu a geração negava

Nem olhos para te ver

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Sofro mais que os tristes presos

O alecrim rei das flores

Nas tiranas enxóvias

Do meu peito fez um vaso

Por não ter com quem disfarce

Tu já tens outros amores

Os meus infelizes dias

Já de mim não fazes caso

Teu coração bagas de ouro

Ó alecrim da charneca

Teu peito sobre dourado

Dá-lhe o vento torce o pé

Tu és uma das pessoas

Assim devia eu fazer

Cá muito do meu agrado

A quem diz o que não é

Temos a nova invernia

Ó flores do meu jardim

Temos o povo assustado

Sequem-se que mando eu

Se o tempo não alivia

Para que quero eu flores

Temos o campo alagado

Se o meu amor já morreu

Anda amor à minha casa

Alecrim à beira de água

Que ninguém te põe na rua

Muita folha se desperdiça

Se é de gosto e de vontade

Quem não ama de vontade

Perde tempo e continua

Não se obriga por justiça

Quem seria que inventou

É agora desta feita

A palavra saudade

Que o ouro perde a valia

Talvez fosse uma velhinha

Por minha causa não deixes

Recordando a mocidade

A quem tu tens simpatia

Ó que ausência aborrecida

Caçador que vais à caça

Ó separação custosa

Muito bem armado vais

Mais vale uma ausência firme

Levas os olhos por armas

Que uma presença enganosa

Em vez de tiros dás ais

Os olhos de quem namora

Meu amor por me deixares

Bem conhecidos que são

Julgas que ofensa me fazes

Estão olhando para as pessoas

Como tu tens raparigas

Fingindo que olham para o chão

Também eu tenho rapazes


Se eu não te quisesse bem

Linda letra é o J

À tua casa não ia

Para quem lhe dá valor

Passos por ti não dava

Com o J é que se escreve

Excessos não os fazia

O nome do meu amor

Duma pena de pavão

Ou um tiro ou deixar-te

Fiz uma chave inglesa

Já me deram a escolher

Para abrir teu coração

Eu quero morrer de um tiro

Com toda a delicadeza

Deixar-te não pode ser

O meu amor me deixou

Da janela do meu quarto

Para ver o que eu fazia

Vejo a do meu sogro

Era parvo imaginava

Não é pelo pai que eu choro

Que eu de paixão morria

É pelo filho que eu morro

Vistam-se os campos de luto

O meu amor é do campo

As estrelas ponham o véu

É do campo é camponês

Que este nosso apartamento

Mais vale um amor do campo

Faz chegar o luto ao céu

Que da vila dois ou três

Adeus ó Monte de Além

Quem não tem amor sou eu

Feito de ouro batido

Nem me quero afligir

Antes que eu queira não posso

Aquele que há-de ser meu

Tirar de ti o sentido

Às minhas mãos há-de vir

Da minha janela à tua

Eu quero bem e não quero

É uma vara medida

Dizer a quem quero bem

Do meu coração ao teu

Quero bem ao meu amor

É uma estrada seguida

Dizer não me convém

Não olhes para a laranjeira

Suspiros à violência

Que as laranjas estão pendendo

Sinto lágrimas correr

Olha aqui para os meus olhos

Mais me custa a tua ausência

Que de amor estão morrendo

Que a hora que hei-de morrer

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Eu levo os dias pensando

Impossível me parece

Na primeira vez que te vi

Quando tu para mim olhas

Adormeço em ti pensando

Amas quem não te merece

Acordo pensando em ti

Tendo tanto aonde escolhas

Eu quero-te tanto, tanto

És do céu estrela brilhante

Eu quero-te tanto bem

És da terra luz do dia

Eu tenho-te mais amor

És a flor do meu peito

Que a tua mãe te tem

És a minha simpatia

Os teus olhos são mais lindos

Ingrato foste-me falso

Que o sol quando é meio dia

Diz-me lá por que razão

Gozar a luz dos teus olhos

Foste amar outra donzela

Mais nada no mundo queria

Deixaste meu coração

Ó olhos de seda preta

Tenho dentro do meu peito

Lavados na branquidão

Meu escritório começado

Há muito quem te queira

Sem a tua assinatura

Mas mais do que eu, creio que não

Não pode ser acabado

Os teus olhos são ramudos

Se os passarinhos vendessem

Bate a rama no meu peito

As penas que Deus lhe deu

Não há cara mais bonita

Também eu vendia as minhas

Para mim sem um defeito

Dobradas as tenho eu

Os teus olhos são dois cravos

Atrevido foi o trevo

As sobrancelhas as folhas

Que nasceu ao pé do trigo

O teu rosto é um jardim

Atrevido foi você

Quando tu para mim olhas

De cá vir falar comigo

Foi tão grande a vaidade

Chamaste-me corriola

Que entrou em meu coração

Embaraçada no trigo

Para agora estar vivendo

Eu nunca me embaracei

Nesta amarga solidão

Senão agora contigo


Algum dia era eu

Quando meu amor partir

Do teu peito jardineiro

Se veste meu coração

Foste meu amor de graça

Com manto de seda preta

Agora nem por dinheiro

Bordado pela paixão

De criança tão pequena

Desprezaste –me por ser pobre

Fui criada com paixão

Queres a rica por ter

Não dou penas a ninguém

A rica te há-de deixar

Só a mim tantas me dão

E eu depois já não te querer

Desfolhando o malmequer

Eu joguei o cravo ao tanque

Lembrei –me de ti um dia

Fechado, saiu-me aberto

Bem me quer, mal me quer

Andava desconfiada

A flor bem mo dizia

Agora já sei de certo

Eu sou firme como a rocha

Onde estará meu amor

Leal como a pedra da era

Onde estará ele agora

Eu não sou de fingimento

Tão perto de quem o vê

Ó meu amor considera

Longe de quem o adora

Suspiros ao pôr da mesa

Anda amor vem ver arder

Lágrimas ao levantar

A chama da saudade

É para que saibas amor

Abrazada no ciúme

Que o meu sustento é chorar

Pela tua falsidade

Jacinto é uma flor

Ó meu amor vê se tomas

Manuel um cravo encarnado

Juízo nessa cabeça

Jacinto meu amor

Desengana uma das duas

Manuel p’ra meu cunhado

Essa que menos mereça

Eu fui ao mar à laranja

Tua ausência é minha morte

É fruta que o mar não tem

Tuas cartas meu viver

Veio de lá uma onda e disse

Se não queres que eu morra ainda

Muito sofre quem quer bem

Não me deixes de escrever

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Chapéu preto à lavrador

Os teus olhos são de mágoas

Usa meu bem na cabeça

E os meus de mágoas são

Já não há moda nenhuma

Eu sinto mágoas por ti

Que o meu amor não mereça

E as tuas por quem serão

Tenho tantas saudades

Um A quer dizer amor

Como folhas tem o trigo

E um R recordação

Eu não as digo a ninguém

Se tu morresses Jacinto

Todas consumo comigo

Morria meu coração

Eu sou como o trigo em Maio

Firmeza à água num cesto

Onde estou é que apareço

Comparo o teu coração

Nunca pus a minha ideia

Cada dia namoras uma

Em coisas que não mereço

Por ano quantas serão

Pela rua me corre água

Amor perfeito não há

Em casa me nascem flores

Nesta época presente

Deixaste- me em bom tempo

Quando alguém diz que te ama

Que não me faltam amores

Raro é o que não mente

Se ouvires assobiar

O amor nasce da vista

Não me julgues caçador

Cria-se no coração

Anda agora muito em moda

Reverdece na amizade

Assobiar por amor

Morre da ingratidão

Tenho uma fonte no peito

Ó leal, ó lealdade

Que só tristeza me dá

Tão leal que eu tenho sido

Quem vai lá eu não aceito

Acabou-se a amizade

E quem eu quero não vai lá

Meu amor para contigo

Em cima da pedra dura

Os olhos do meu amor

Nasceram duas folhinhas

São bonitos na verdade

Diz-me aonde sepultaste

Não são pequenos nem grandes

A amizade que me tinhas

São muito à minha vontade


Já não há papel nem tinta

Se os meus olhos te incomodam

Nem pena em toda a cidade

Quanto estão na tua frente

Nem tinta com que te escreva

Eu prometo arrancá-los

Tão rigorosa saudade

Para te amar cegamente

Não venhas por mim dar passos

O meu coração é teu

Não venhas aonde eu estou

O teu é de quem tu queres

Eu fui chão que já deu vinha

Não há coração mais triste

Nossa amizade acabou

Que o coração das mulheres

O amor é uma albarda

O meu coração é teu

Uma albarda é o amor

O teu é de quem tu queres

Não sei que albarda é essa

Eu dou-te o meu coração

Que todos a querem pôr

Quando tu o teu me deres

Tenho olhos para ver

Eu fui a que acendi o lume

Ouvidos para ouvir

Numa chaminé dourada

Tenho boca para falar

Eu fui a que tive amores

Coração para sentir

Reparti, fiquei sem nada

O passarinho no bosque

Eu fui a que acendi o lume

Procura o seu aposento

Numa chaminé de prata

Só eu procuro e não acho

Não querem que eu te aviste

Um amor a meu contento

A tua ausência me mata

Um amor ao pé da porta

Levantei-me um dia cedo

Amá-los quem não se arrisca

Para ir passear ao campo

Antes que a boca não fale

Encontrei teu nome escrito

A vista sempre petisca

Na folha dum lírio branco

Ai que calma, que calor

Vai alta a Lua vai alta

Mesmo à sombra estou suando

Mais alto vai o bem querer

Que fará o meu amor

A Lua vai cor de rosa

Que anda à calma trabalhando

Levanta-te amor vem ver

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28

Vai alta a Lua vai alta

Estás-te rindo de mim

Mais alto vai o luar

Estás fazendo mangação

Mais alto vai a ventura

Mangação faço eu de ti

Que Deus tem para me dar

Tu é que julgas que não

Ó menina lá do alto

Caiu-me em graça Maria

Desça abaixo do balancé

Isabel, Francisca e Ana

Tenho raiva a homens altos

Inácia, Lúcia, Luzia

Meu amor baixinho é

Custódia, Rosa e Mariana

Ó olhos preparem lenços

Quem tem alegria canta

Ó lenços preparem fios

Quem tem tristeza chora

Está chegada a triste hora

Eu choro quando não vejo

Dos meus olhos serem rios

Meu amor a toda a hora

Parte da rapaziada

Ó meu amor que eu pudesse

Cuida que eu já morri

Estar-te vendo a toda a hora

Por agora não cantar

Vejo que não pode ser

Como algum dia canti

Meu triste coração chora

Minha garganta de prata

Nem só de alegria se canta

Minha garganta de neve

Nem só de triste se chora

Não vou para banda nenhuma

De alegre já hoje chorei

Garganta que te não leve

De triste canto eu agora

Quando fui assentar praça

Alegria abandonou-me

Mandaram-me olhar à direita

Perdi todo o meu prazer

Cortaram-me o meu cabelo

Para me ver abandonada

Foi a primeira desfeita

Mais me valia morrer

Liberdade, liberdade

Fui um dia passear

Liberdade, libraria

Achei um raminho verde

Liberdade tivesse eu

Quem o perdeu tinha amores

De falar contigo um dia

Quem o achou tinha sede


O meu amor é aquele

Não chames amor perfeito

Que Deus do céu terminou

Às coisas que a terra tem

Ninguém ama sem Deus querer

Amor perfeito há só um

Sem Deus querer ninguém amou

O amor da nossa mãe

Os meus olhos com chorar

Quando eu nasci nasceram

Fizeram covas no chão

Quatro comigo um dia

Fizeram o que os teus não fazem

Nasci eu, nasceu desgraça

Nem fizeram nem farão

Tristeza e melancolia

O tempo em que te amei

Chaparro do descampado

Mais valia, mais valia

Que dá bolotas castanhas

Entregar minha alma a Deus

Não posso longe de ti

E meu corpo à terra fria

Sofrer ausências tamanhas

O tempo em que te amei

Ontem à noite fora de horas

Mais valia estar doente

Meu amor estava cantando

Tempo tão mal empregado

Enquanto te divertias

Dado de tão boa mente

Estava eu por ti chorando

Vagas do mar alterosas

Das flores do meu jardim

Com sua coroa de espuma

A mais bonita é a rosa

São como ilusões formosas

A hora em que te vi

Desfazendo-se uma a uma

Foi uma hora ditosa

Eu corri o mar à roda

Deixaste-me fazes bem

Com uma fatecha na mão

Assim faz quem tem juízo

Em tudo encontrei firmeza

Deus queira que quem desprezas

Menos no teu coração

Não te venha a ser preciso

No jardim dos meus encantos

Hei-de amar e duvidar

Achei um dia uma flor

Que não quero ter amor certo

Estava lá via-a nascer

Pode haver algum desvio

Baptizei-a por amor

Fica o amor encoberto

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Fui-te ver estavas lavando

Adeus rua de Alvalade

No rio sem assabão

Estrada do poço cobeiro

Lavas-te em água de rosas

Duzentos amores que eu tenha

Fica-te o cheiro na mão

Nenhum é como o primeiro

Quando eu era o teu amor

A paixão não é eterna

Não tinhas falta nenhuma

Dura enquanto a vida dura

Agora já me praguejas

Vai acompanhar o corpo

Para que eu não tenha fortuna

Até à própria sepultura

Eu hei-de amar o Valverde

Os meus suspiros não se ouvem

Enquanto tiver verdura

Morrem no peito abafados

Não te quero amar a ti

Com medo que alguém os ouça

Que és amor de amor de pouca dura

E saiba por quem são dados

Não sei como há quem possa

Tive uma esperança perdi-a

Tomar ódio a quem quis bem

Pouco tempo me durou

Ainda que se não falem

Foi ventura passageira

Algum amor se lhe tem

Que no melhor me deixou

Se passares ao meu lado

Pus-me a chorar saudades

Põe os teus olhos no chão

Ao pé de um rio sem cautela

Nós podemos ser amores

Ouvi uma voz dizer

E o mundo dizer que não

Dum ingrato que se espera

Quando alguém te perguntar

O homem comparo eu

Se ainda me tens amor

Com a poeira da rua

Nega sempre que é mentira

Andam de ventas no ar

Nisso me fazes favor

Esta é minha aquela é tua

O meu amor é aquele

Não se me dá que me deixes

Que não tira o chapéu

Ou deites de mim má fama

Tem a porta para a rua

Eu sou como a oliveira

E o telhado para o céu

Que no pé segura a rama


Oliveira pequenina

A mocidade é alegre

Que azeitona pode dar

É alegre e vaidosa

Dará uma dará duas

Viver do amor ausente

Dará três se lá chegar

Não há coisa mais custosa

Oliveira pequenina

Eu ausente, tu ausente

Também dá pequena assombra

Eu de ti e tu de mim

Também eu sou pequenina

Eu peço a Nossa Senhora

Mas comigo ninguém zomba

Que esta ausência tenha fim

Tenho uma pena, ai que pena

Já em tempo tive tempo

Tenho uma dor, ai que dor

Que podia ser feliz

Tenho uma pena, ai que pena

Agora quero e não posso

De não ver o meu amor

Quando podia não quis

O meu amor quer-me muito

Já em tempo tive tempo

Estás-me sempre dizendo

Do tempo ser meu encosto

Eu também lhe quero muito

Era tempo de alegria

Nada lhe fico devendo

Agora é de desgosto

Vai-te falso, vai-te ingrato

Sou feliz, sou infeliz

Vai-te amor que me empecilhas

Ouve amor as minhas queixas

Para meu martírio basta

Sou feliz porque me amas

Estar-te amando às escondidas

Infeliz porque me deixas

O meu amor me deixou

Eu subi aquele outeiro

Já não tenho quem me queira

Ouvi cantar e chorei

Venha a morte e me leve

Minha bela mocidade

Que quero morrer solteira

Que tão nova a desprezei

Mocidade, mocidade

Vai alta, lua vai alta

Como aquela que eu deixei

Mais alto vai o luar

Até cortava as cordas de alma

Mais alto está meu amor

Quando eu dela me apartei

Que não lhe posso chegar

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Se algum dia por acaso

Tira-me a seta do peito

Encontrares o meu pai

Deixa meu sangue correr

Diz-lhe em ar de mangação

Já que tu por mim não morres

Ó pai sogro aonde vai

Quero eu por ti morrer

Menina que tanto sabe

Que te importa curiosa

Também sabe soletrar

Quem pela rua passeia

Também me sabe dizer

Cuida lá na tua vida

Quanto peixes há no mar

Não te importe a vida alheia

Menina que sabe tanto

Todos passeiam na praça

Faça-me esta conta bem

Só meu bem na sua rua

Um moio de trigo limpo

Passeia meu bem passeia

Quantas meias quartas tem

Que a praça também é tua

Um moio de trigo limpo

Engracei com os teus olhos

Veja bem não tenha jóio

Já não os posso deixar

Quatrocentas e oitenta

Deixarei-os só por morte

Meias quartas tem o moio

Que não os posso levar

Foste dizer mal de mim

És dos homens o mais falso

Onde a vista não alcança

És do mundo o mais fingido

Que me tinhas por segura

Queres trazer por presunção

Mostra lá a segurança

Meu coração invaído

Joguei o limão correndo

Fui teu amor não o nego

Cuidando que amadurece

Nalgum tempo agora não

Verde foi e verde veio

Foi a quem tive amizade

Como na hora em que nasce

É de quem tenho paixão

Nossa Senhora me disse

A roseira cardinal

De cima do seu altar

Dá rosas de sete e oito

Que tinha seu manto roto

Eu nasci para te amar

Que lho fosse arremendar

Tenho medo não me afoito


A tirana simpatia

Ausente de um bem que adoro

Para onde havia de pender

É o mais tempo que eu vivo

Para um amor de longe

Não me podia Deus dar

Que me não pode vir ver

No mundo maior castigo

Algum dia nesta rua

Quanto eu às vezes estou

Havia uma moça boa

Três dias sem te avistar

A morte por confiada

Meus olhos comparo eu

Pegou nela e levou-a

Com os abismos do mar

Amar e saber amar

Laranjeira de pé de ouro

Amar e saber a quem

Que dá laranjas de prata

Amar a Nossa Senhora

Não me custa ter amores

E a seu filho também

Deixa-los é que me mata

Não sei contar não sei ler

Trocaste-me a mim por outra

Nem ao menos sei falar

Mas que loucura foi essa

Quanto mais me não valia

Eu nunca pensei de ser

Saber-me explicar

Desprezada tão depressa

Já se acabou a azeitona

Eu não duvido que haja

Já se não ganha dinheiro

No mundo quem te mereça

Viva o rancho das casadas

Quem te queira mais que eu

Viva o nosso manageiro

Não me entra na cabeça

Ó amor vai ao interesse

Ser pobre não é defeito

Tua gente é interessada

Que esteja mal às pessoas

Tu bem sabes os meus teres

Tenho juízo e vergonha

Sou pobre não tenho nada

E as mais prendas todas boas

Maria se fosses minha

Há muita gente que diz

Mandava-te engarrafar

Que eu não tenho juízo

Numa garrafa de vidro

Quem será que pode ter

Nem o sol te havia dar

Tudo quanto lhe é preciso

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Dizem que o meu bem é feio

Ó amores, ó cuidados

Eu por mim não acredito

Para cuidados nasci eu

Se o vissem com os meus olhos

Dobrados cuidados tenho

Logo o achavam bonito

A quem a mim cuidados deu

O sol posto à meia noite

Sou séria não sou fingida

Ninguém viu nem há-de ver

Minha descendência é nobre

As estrelas ao meio-dia

Firmeza em mim acharás

Isso sim pode ser

Fazenda não, que sou pobre

Quem me havia a mim dizer

Não és mais que eu em nada

Quando eu era namorada

Em falar sou decidida

Que ainda me havia de ver

Tu és pobre não tens nada

Nem solteira nem casada

Tua riqueza é fingida

Eu não sou nem mais nem menos

Sou pobre não tenho nada

Que aquelas que a ti te dão

Ó meu adorado bem

Não admira tu teres

Há muita gente que é pobre

À primeira mais feição

E é estimada por quem tem

Eu não canto de alegria

Pus o pé no cemitério

Porque o meu viver é triste

Uma voz assim falou

Canto para disfarçar

Tira o pé que estás pisando

A paixão que em mim existe

Uma mãe que te criou

Se algum dia me disseres

Ó quem fosse passarinho

O nosso amor acabou-se

Ó quem pudesse voar

Acredita que os meus olhos

Ó quem pudesse num sonho

São dois rios de água doce

Teu sentido adivinhar

Tu és a moça mais linda

Os alegres passarinhos

Que anda no pego da Lança

Já têm novo cantar

Enquanto não fores minha

Aprenderam só de ouvir

Meu coração não descansa

Sem ninguém os ensinar


Ó morte tirana morte

Já chove já está chovendo

Que me levaste o meu bem

Já correm os barranquinhos

Acaba com meu martírio

Já os campos estão alegres

E leva-me a mim também

Já cantam os passarinhos

De noite tudo são sombras

Tenho dentro do meu peito

Eu por elas quero andar

De lado duas gavetas

Já que de dia não posso

Onde vou arrecadando

Teus carinhos alcançar

As tuas sinceras letras

Com oito palavras sinto

Alegria abandonou-me

Amor, pena e regalo

Perdi todo o meu prazer

Sinto a pena, amo e estimo

Para me ver abandonada

Oiço, peno, sofro e calo

Mais me valia morrer

Já o sol se vai pondo

Às portas do teu sentido

Não tenho pena nem choro

Fui meu coração bater

Ainda cá fica no mundo

Dando suspiros e ais

Outro sol que eu mais adoro

Sem ninguém lhe responder

Ó que rua tão comprida

Se da minha fé duvidas

À ponta tem um letreiro

Ou do meu amor receias

Mal empregada menina

Abre meu peito e verás

Gostar tanto de um ferreiro

Torres de várias cadeias

Já o sol se vai pondo

A glória mais subida

Já eu vou tendo paixão

Que o amor pode alcançar

Onde irá o meu amor

É dar o seu coração

À noite fazer serão

A quem o saiba estimar

Quando o rouxinol padece

Pensavas por me deixares

Uma ave tão pequena

Ou por te eu deixar a ti

Que fará meu coração

Que eu havia de morrer

Coberto de tanta pena

Mas ainda não morri

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Deixaste-me amor, deixei-te

Eu subi ao altar-mor

Fizemos nós muito bem

Acender velas ao trono

Tu já tens amores novos

Ai de mim que estou amando

Não me ganhas que eu também

Um amor que já tem dono

O amor enquanto é novo

Quem tão firme se fazia

Ama com todo o cuidado

Desde o princípio de amar

Depois do pássaro na mão

Agora tão falso está

Mostra papel de enfadado

Quem havia dizer tal

Há relógios que dão horas

Não quero porque não quero

Há outros que horas não dão

O meu querer não tem resposta

Há amores que são firmes

Teu pai não gosta de mim

E há outros que falsos são

Tua mãe de mim não gosta

Hei-de subir altas torres

Não julgues por ser pequena

E também altas varandas

Que ao pé das grandes sou menos

Hei-de subir à mais alta

Olha que os perfumes caros

Para ver onde tu andas

Vendem-se em frascos pequenos

Meu amor quando abalou

Semeei trigo em Lisboa

Nem um ai podia dar

Não nasceu que a terra é forte

Olhou para mim e disse

Amo-te desde criança

Quem te pudesse levar

Só te deixarei por morte

O amor é sol de inverno

Ausência de pai e mãe

Lindo sol abrasador

É custosa de sofrer

Quanto mais quente mais terno

A de amor ainda é mais

Menos lhe dura o calor

Estou acabando de crer

Ó morte vem buscar

Sou pobre não tenho nada

Quem me dera morrer já

Só tenho o meu coração

Uma infeliz como eu

A minha riqueza é

De morrer não se lhe dá

A boa comportação


Amada não sei de quem

Nunca chores sobre a pedra

Dá-me uma rosa das tuas

Da tampa do mausoléu

Quem tem três pode dar uma

Chora sim mas sobre o berço

Que ainda lhe sobram duas

Da criança que nasceu

Estou presa em vários laços

Amores ao longe esquecem

No jardim da segurança

Dizias-me tu a mim

O meu crime é só de amor

Nem ao perto nem ao longe

Não me querem dar fiança

Amor me esqueço de ti

Joguei um papel ao ar

Meu amor disse que vinha

Caiu-me um ramo de ameixas

Disse que vinha e não veio

Se tu me fosses leal

Amanhã por esta hora

Contava-te as minhas queixas

Tenho carta no correio

Meu coração para dois

Amanhã por esta hora

Partilhas nenhumas tem

Fará sol se não chover

Aqui estou não sei que faça

Irei ver o meu amor

Se aos dois eu quero bem

Se a ribeira não encher

Amar e saber amar

O meu amor é um cravo

São dois pontos delicados

Eu sou rosa que mereço

Os que amam são sem conto

Já mo quiseram comprar

Os amados são contados

Cravo de amor não tem preço

Semear e não colher

Das estrelas miudinhas

É que atrasa o lavrador

Mandei fazer um cordão

Também eu ando atrasada

Para prender os teus olhos

Na ausência do meu amor

À raiz do coração

Meu amor ficou de vir

Não posso amar e amo

Ainda não apareceu

Que faria se pudesse

Se me faz outra como esta

Não posso amar e amo

Quem o vai deixar sou eu

Meu amor que me não esquece

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Ó amoreira do vale

Tenho uma dor de cabeça

Deita para cá uma amora

Que me quer cair no chão

Que me quero ausentar

Meu amor se aqui estivesse

Desta terra fora

Ela cairia eu não

Fui dizer adeus à barra

Estás longe da minha visita

Ao meu amor condenado

Mas do meu sentido não

O seu crime foi amar

Teu retrato trago sempre

Um amor sem lhe estar dado

Na minha imaginação

Meu amor tem uma amiga

Não quero saber de ti

Amiga dele sou eu

Nem da sombra que tu fazes

Os beijos que ela lhe dá

Vê lá a tensão que eu tenho

Nunca são iguais aos meus

De contigo fazer pazes

O nome de José é lindo

Meu coração é de prata

O Manuel ainda lhe ganha

É bronzeado no meio

Para minha estimação

Quanto te peguei a amar

António levanta a palma

Tive um pequeno receio

Meu amor por outra morre

Mesmo que eu viva mil anos

Quem morre não ressuscita

Ausente dos teus sinais

Morrer e ressuscitar

A amizade não te a perco

Só Deus é que teve a dita

Cada vez te quero mais

Tomara eu já que venha

Antes que viva mil anos

Domingo ou segunda-feira

Chorar ninguém me há-de ouvir

Para matar saudades

Às tenças do meu desgosto

De toda a semana inteira

Ninguém se há-de divertir

Saudades de oito dias

As minhas letras não vão

Passo eu alegremente

Dedicadas a ninguém

Em seguimento para os nove

Cada um canta o que sabe

Já meu coração as sente

E o que à ideia lhe vem


Não é o cantar que dá

O encarnado se queixa

Cabo da rapaziada

De não ter bonita cor

É muita noite perdida

Olha como está brilhando

E namorar de empreitada

No rosto do meu amor

Que lindo botão de rosa

O meu sentido não fala

Que aquela roseira tem

O meu sentido só pensa

Debaixo não se lhe chega

Do meu sentido ao teu

Acima não vai ninguém

Vai uma grande diferença

Sou pobre mas não me anojo

Meu amor ficou de vir

Ao pé do rico falar

Mas por ora ainda não tarda

Todos nós somos iguais

Para vir de lá aqui

A diferença é no trajar

Tem que dar muita passada

Estou-te amando sem esperança

Choram os pompos da silva

De ser tua não espero

Lágrimas de três em três

Bem sei que te não mereço

Também eu tenho chorado

Tudo isso eu considero

Por ti amor muita vez

Eu amo não declaro

Adeus amor passa bem

Confesso não te explico

Já não ouves minha fala

Eu amo não sei quem amo

Faço de ti uma ausência

Neste silêncio me fico

Como o fumo quando abala

O encarnado é guerra

O azul é cor do astro

O verde é querer-te bem

O branco é a cor da lua

Não sejas amor fingido

Dizem que o verde é esperança

Como o outro foi também

Eu alguma tenho tua

O encarnado é guerra

Se me amas dá-me a ver

Vai na proa do navio

Quero amar teu lindo rosto

Vai-te embora ó encarnado

Eu tenho mais quem me queira

Deixa vir o alvadio

Mas só tu és a meu gosto

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Janelas altas e baixas

Acredita meus dizeres

Mora aqui algum morgado

Minhas palavras são certas

Mora a mãe do meu amor

Se achares conveniência

Pai não tem que é enjeitado

Por minha causa não percas

Quem a mim me amaldiçoa

Quem eu era quem eu sou

Ou quem eu estou a amar

Quem hoje em dia estou sendo

Deus queira que dure tanto

Dá-me vontade de chorar

Como o foguete no ar

Pelos jeitos que estou vendo

Algum dia me dizias

Ó moças cantamos todas

Que eras leal a meu peito

Cantem feias e bonitas

É mentira não é tal

Aquelas que não cantarem

Quem ama tem outro jeito

Que lhe dê um nó nas tripas

Algum dia me dizias

Ó moças cantemos todas

Que eras minha saudade

Cada qual sua cantiga

Agora em tão pouco tempo

A minha seja primeira

Me perdeste a amizade

Que a mocidade me obriga

Ó amor podes andar

Chamaste-me prima, prima

Um ano dia a dia

Ó prima não te sou nada

Já me não fazes voltar

Pode ser que ainda seja

À antiga simpatia

Prima e mana cunhada

Simpatia natural

Ó moças cantemos todas

Obrigou-me a vir-te ver

Debaixo do bom preceito

Ninguém faz o que não pode

Para quem passar dizer

Eu vim aqui sem poder

Ó moças viva o bem feito

O maldito do ciúme

Suspirar por quem não vê

É um fogo abrasador

Bradar por quem não acode

Aonde não há ciúme

É o maior impossível

Como pode haver amor

Que no mundo dar se pode


Tanto ai tanto suspiro

Quando eu era pequeno

Que este meu coração tem

Jogava muito ao pião

Não são ais não são suspiros

Diziam-me as moças todas

São lembranças do meu bem

Ponha-mo aqui na mão

Os olhos do meu amor

Eu entrei no cemitério

São dois peros verdeais

Numa noite silenciosa

Parece que é Deus servido

Fui-me sentar numa campa

Cada vez lhe quero mais

Que coisa tão horrorosa

A riqueza é que vale

Pensavas que eu não tinha

Eu não tenho valimento

Mais ninguém para quem olhar

Dá um passo, vai de roda

Eu tenho, assim tu tivesses

Que eu não sou teu passatempo

Salvação para te salvar

Quem eu era quem eu sou

O meu pobre coração

Toda a gente se admira

Já nunca tem alegria

Na flor da minha idade

Vai morrer de uma paixão

Até parece mentira

Sem a tua companhia

Quem tiver um bem amado

O homem nunca devia

Não diga a ninguém que é seu

Com a existência acabar

Que pode ficar sem ele

Nem nunca se fazer velho

Como eu fiquei sem o meu

Para sempre namorar

Ó ave que vais voando

Toda a mulher que não tem

Leva –me lá esta carta

Na cara bonita cor

Vai dizer ao meu amor

Ou chorou ou está doente

Que a sua ausência me mata

Ou está mal com o seu amor

Quando eu te peguei a amar

Tenho um amor tenho dois

Tinha eu catorze anos

Tenho três não quero mais

Era tão nova não sabia

Para que quero eu amores

Caía nos teus enganos

Se eles não me são leais

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Trocaste-me a mim por outro

Se a morte fosse interesseira

Eu bem sei que me trocaste

Ai de nós o que seria

Hás-de-me saber dizer

O rico comprava a vida

Na troca quanto ganhaste

Só o pobre é que morria

Amas uma dão-te duas

Quando houver alguém que queira

Queres três por fantasia

Meus carinhos possuir

Pelo jeito que vou vendo

Digo logo quero eu

Ficas sem mim algum dia

Muito sério sem se rir

Quando eu cuidava que tinha

Da pessoa que eu mais estimo

Meu bem fechado na mão

Recebo a maior desfeita

No melhor do meu viver

Não me importo que assim seja

Pus o pé faltou-me o chão

Meu coração tudo aceita

Quando eu era pequenina

Quando nesta casa entrei

Antes do meu pai nascer

Uma coisa me esqueceu

Ainda mal abria os olhos

Esqueceu-me de pedir licença

Já gostava de te ver

Envergonhada estou eu

Quando eu era pequenino

Com pena peguei na pena

Antes de nascer meu pai

Com pena pus-me a escrever

Se vamos lá por mentiras

Caiu-me a pena da mão

Minha mentira lá vai

Com pena de te não ver

Dizem que não pode ser

Suspiros e ais

Uma silva dar um cravo

E lamentações

Eu já hoje apanhei um

Fazem abrandar

Dentro do maior silvado

Duros corações

Valha-me Santa Quitéria

Trocaste-me a mim por outro

Que é mãe de S. Joaquim

Eu com isso não me importa

Eu a fugir à desgraça

Lá virá o tempo que digas

E ela a vir atrás de mim

Fiquei mal na minha troca


O alecrim na chapada

Quarenta amores já tive

Quer crescer mas não faz moita

Já não quero mais nenhum

É como o rapaz solteiro

Mas agora sou solteira

Quer casar mas não se afoita

Até ter quarenta e um

A tirana paixão leva

O meu lindo amor

Muita gente à sepultura

É um bule, bule

Não me há-de levar a mim

É um rapazinho

Que o meu mal ainda tem cura

Que traja de azul

Tenho sofrido à calada

O meu lindo amor

Sofrerei até ao fim

É um vai e vem

Não me deixes sofrer mais

Vai a toda a parte

Meu amor tem dó de mim

Só aqui não vem

Uma noite toda a noite

Não quero porque não quero

Era eu capaz de cantar

O não querer não tem resposta

Cantigas ao meu amor

Não simpatizo contigo

Sem no seu nome falar

Minha alma de ti não gosta

Tenho no peito um abismo

Se eu soubesse que voando

Na cabeça um nascedio

Alcançava os teus carinhos

Onde me nascem as cantigas

Eu opunha-me e roubava

Para cantar ao desafio

As asas aos passarinhos

Contrária, minha contrária

O comboio que vai na calha

Cada vez te quero mais

Vai na calha vai calhando

Amas um bem que eu adoro

Venho aqui a ver se calha

Temos os gostos iguais

Se não calha vou andando

Quem me dera ser do norte

Ora viva para quem viva

Ou no norte ter alguém

Quem agora aqui chegou

Para ter a mesma dita

Estava para me ir embora

Que a estrela do norte tem

Agora já me não vou

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Anda cá minha contrária

O meu amor lá tão longe

Senta-te aqui ao meu lado

Eu como ingrata cantando

Que lá vem o nosso amor

São coisas da mocidade

Escolher a de mais agrado

Meu amor vai desculpando

O nome do meu amor

Ó amor vai e vem logo

Com sete letras se escreve

À volta vem por aqui

A primeira não a digo

Eu baixarei meus olhos

As outras ficam em breve

Jurarei que os teus não vi

O tempo da mocidade

Ontem à noite à meia noite

Nunca devia acabar

Ouvi meu amor cantar

É o tempo mais bonito

Levantei-me e fui à porta

E todas o querem deixar

Para a cantiga escutar

Amor se tens pena chora

Amores ao longe são tristes

Se não tens lenço eu te dou

Só de saudades vivendo

A amizade que te tinha

O meu amor está lá longe

Era pouca e acabou

De saudades vou sofrendo

Sou firme não sou fingida

Quem me ouvir assim cantar

Não sou chita que debote

Dirá como está alegre

Uma palavra que eu dei

Meu coração está mais negro

Fica dada até à morte

Que a tinta com que se escreve

Chamastes-me feia amor

Eu bem sei que hão-de dizer

É coisa que já sabia

Que eu não tenho juízo

Antes de tu me dizeres

Tenho-o fechado à chave

Já o espelho me dizia

Para quando me for preciso

Ai Jesus meu ai Jesus

Minha sogra está doente

Ai Jesus meu ai Maria

Numa cama de algodão

Quem me dera meu amor

As melhoras que ela tem

Estar na tua companhia

É da cama para o caixão


Ó lua vai-te deitar

Eu subi ao damasqueiro

À porta do meu amor

Para colher um damasco

Para quem passa dizer

Tu és amor que ama duas

Aqui mora uma flor

Eu desse fruto não gasto

Quando eu nasci no mundo

Boa noite meus senhores

Para a minha infeliz sorte

Os senhores não sei quem são

Mais vale que me dessem

Eu entro peço licença

Logo a sentença de morte

Como quem tem criação

Azeitona quando nasce

Toda a vida e mais seis meses

Nasce logo redondinha

Tenho tensão de te amar

Também tu quando nasceste

Quando a água tiver sede

Nasceste para ser minha

É que eu te hei-de deixar

Anda cá amor

Boa noite falo a todos

Que ainda te aceito

Adeus ó cravo encarnado

O que as mais não querem

Por seres o meu amor

É que eu aproveito

Falo-te a ti separado

Quem me dera te encontrar

Boa noite meus senhores

Numa rua sem saída

Eu falo mas não pretendo

Para assim te procurar

Viva quem está no baile

Que te interessa a minha vida

Mais quem está de fora vendo

Eu quero-te tanto, tanto

Amar e saber amar

Como a virgem quer a Deus

Ensinou-me quem sabia

Como o campo às florinhas

Para tomar a saudade

E uma mãe a filhos seus

Requerer a simpatia

Ó infeliz que perdeste

Mal vai a minha rua

A amizade do teu pai

Que tanta pedrinha tem

É como árvore sem fruto

Se não fossem os teus olhos

É como a flor que cai

Não passava aqui ninguém

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Duzentas e vinte e quatro

Ó amor paga a quem deves

Horas que a semana tem

Não fiques nada devendo

Todo esse tempo se passa

Que a honra de uma donzela

Sem eu te avistar meu bem

Não se deve ficar devendo

Ó amor paga a quem deves

Ó amor paga a quem deves

Que a mim não me deves nada

Não queiras ser devedor

Só me deves a amizade

Olha que Deus não perdoa

Que é coisa que se não paga

A quem é mau pagador

Boa noite meus senhores

De criança bem pequena

Aqui já ninguém governa

Amei o teu coração

Cuidarão estes senhores

Para agora me deixares

Que estão nalguma taberna

Sem motivo nem razão

Estou vivendo entre escombros

Debaixo do chão seis metros

Mais triste que a noite escura

Onde nada reverdece

Eu só já terei alívio

Sepultou-se o meu amor

Nas pedras da sepultura

É paixão que não me esquece

O cravo tem vinte folhas

Debaixo do chão seis metros

A rosa tem vinte e uma

Onde o sol não tem entrada

Andam os dois em demanda

Sepultaram-se os meus olhos

Pela rosa ter mais uma

Não tenho alegria em nada

À porta do cemitério

Eu entrei no cemitério

Está uma mesa quadrada

À porta pus-me a chorar

Não tem toalha nem pano

Olhando as sepulturas

É uma mesa sagrada

A terra que me há-de gastar

Ó amor paga a quem deves

Fui um dia ao cemitério

Não fiques nada devendo

Um letreiro à porta vi

Olha que Deus não perdoa

Que dizia estas palavras

A quem não paga podendo

Não há paz senão aqui


Se de mim não pretendias

Amor é água que corre

Ó falso para que me olhavas

Sem nunca poder parar

Eu era cego e não via

Só deixará de correr

A loucura em que andavas

Se o mundo um dia acabar

Salsa verde da parede

Triste de quem tem amores

Qualquer raminho tempera

Triste de quem os não tem

Mais vale um amor de fora

De toda a maneira é triste

Que quatro ou cinco da terra

Sentir saudades de alguém

Não sei o que hei-de fazer

Com três letrinhas apenas

À triste da minha vida

Se escreve a palavra mãe

Por causa dos homens falsos

É das palavras pequenas

Vê-se uma mulher perdida

A maior que o mundo tem

Impossível sem ser nível

No tronco da verde faia

Nível sem possível ser

Teu nome gravei um dia

Quem te queira mais do que eu

A velha faia chorou

É impossível haver

Só de ver que eu sofria

Ó pedra da louça fria

Se algum dia ao meio dia

Que cobres dois corações

É que vires o sol nascer

Dois amantes separados

Nesse dia meu amor

Duas eternas paixões

É que eu te deixo de te querer

O amor é um rosário

A folha da parra é

Que se reza a qualquer hora

Recortada a preceito

Se ainda não rezaste

Porque é que te não esqueço

Deixa que ele não demora

Se tanto mal me tens feito

O amor é um rosário

Numa noite lá na eira

Bem difícil de rezar

Eu jurei à luz da lua

Por mais que se façam contas

De não ser de mais ninguém

Não se vêem a acabar

Se um dia não for tua

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A folha do cravo é

Teus olhos teus lindos olhos

Aos bicos recortadinha

Teu olhar teu lindo olhar

Meu coração não descansa

As tuas faces mimosas

Enquanto não fores minha

É que me hão-de cativar

Não comas os figos verdes

Chorai olhos, chorai olhos

Senão rebenta-te a boca

Que o chorar não é desprezo

O meu amor me deixou

Também a virgem chorou

De saudade estou louca

Quanto viu seu filho preso

A saudade é uma flor

Minha sogra me tem zanga

Que se planta em qualquer vaso

Minha cunhada também

Se te disserem que amo outra

Que se importa o raio da velha

Meu amor não faças caso

Que o filho me queira bem

Cortei o pé à roseira

Na mais alta laranjeira

Para te dar uma rosa

No mais delicado ramo

Não a quiseste aceitar

Sou eu capaz de escrever

Eu fiquei triste e chorosa

O nome de quem amo

Prometi a S. João

Meu amor namora outra

Se o meu amor se livrar

É coisa que eu não faço

Um raminho de alecrim

Havia de ter que ver

Para pôr no seu altar

Duas pombinhas num laço

Fui ao campo colher flores

A minha rival contrária

Colhi um pé de magarça

Diz que me quer conhecer

Arrasta-me como as cobras

O traste da rapariga

Se eu um dia te for falsa

Talvez me queira bater

Meu amor quando passares

O que com um dom nasceu

À minha rua cantando

Por ninguém será vencido

Mesmo que eu não me assome

Vai junto a si no caixão

Mas sempre te estou escutando

Para ninguém é traduzido


Eu sou triste e vivo triste

Adeus que me vou embora

Não há em mim alegria

Para a terra das andorinhas

Nem ao menos me recorda

Mete carta no correio

Se alegre fui algum dia

Se queres saber novas minhas

Maria que lindo nome

Camioneta da carreira

Quem foi a tua madrinha

Que atravessas Portugal

Quem te pôs a ti Maria

Não se me dá que ames outro

Sabia a tensão que eu tinha

Sendos tu para mim leal

Daqui para a minha terra

O cantar da meia noite

Tudo é caminho e chão

É um cantar excelente

Tudo são cravos e rosas

Acorda quem está dormindo

Disposto por minha mão

Melhora quem está doente

Fita azul, fita lilás

Ó vila de Messejana

Fita cor da magarça

Cercada de eucaliptais

Duas amigas que eu tinha

Onde o meu amor passeia

A mais leal me foi falsa

Em companha de outros mais

Olhos verdes são sinceros

Dei um ai entre dois montes

Olhos verdes amorosos

Responderam-me as montanhas

Quero bem aos olhos verdes

Ai de mim que já não posso

Porque são os mais formosos

Com saudades tamanhas

Tenho um saco de cantigas

Adeus amor de algum dia

Ainda mais um guardanapo

Ainda te quero bem

Não me estejas atentando

Neste mundo para mim

Senão eu desato o saco

Como tu não há ninguém

Tocam sinos no meu peito

Quanto algum dia cantava

Morreu o meu coração

Ria-se o céu ria a terra

Esta morte foi causada

Agora já tudo chora

Pela tua ingratidão

Já eu não serei quem era

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Os meus olhos, os teus olhos

As patas do teu cavalo

São os quatro a quererem bem

Fazem grande estrampolida

Os meus querem-te a ti

Nas pedras de minha rua

E os teus não sei a quem

Quando passas de corrida

Sou tua desde que nasci

Ó paixão que não me deixas

Doutro amor já não serei

Resfriar nem um momento

Fiz escritura de te amar

A todos dás um alívio

Pus as mãos ao céu jurei

Só a mim estás de aposento

Desde que o mundo é mundo

À minha porta está lama

Muita gente tem morrido

À tua é um lameiro

Nem na terra se achou falta

Quando falares de mim

Nem o céu se tem enchido

Olha para ti primeiro

O meu amor é António

Foste dizer ao meu pai

António da Conceição

Que eu estava a namorar

Hei-de-lhe mudar o nome

O meu pai respondeu

De António para João

A inveja faz falar

Mesmo agora aqui cheguei

Ó meu amor pede a Deus

Já fisguei o olho a uma

Que eu peço às almas santas

Tão desgraçado que eu era

Que o nosso amor não acabe

Chegou-me agora a fortuna

Já que as invejas são tantas

Eu já fui ao céu em vida

Tudo o que é verde seca

Amortalhado em três ais

Em vindo o calor do verão

Na torre do teu sentido

Só as penas reverdecem

Se tocam os meus sinais

Dentro do meu coração

A folha de alfarrobeira

Os dias para mim são anos

Cai no chão faz-se amarela

Os meses eternidades

Ninguém vá pedir a moça

Amores fora da terra

Sem primeiro falar com ela

São dobradas saudades


Quem disser que a saudade

Minhas cantigas não são

Que não chega ao coração

Dedicadas a ninguém

Tenha o seu amor ausente

Cada um canta o que sabe

E verá se chega ou não

E o que ao sentido lhe vem

Ó ingrata mais valia

Considerar amor que eu durmo

Que nunca te conhecesse

Numa cama de martírios

Nem a tua fala ouvisse

Adormeço dando ais

Nem o teu nome aprendesse

Acordo dando suspiros

Dizes que eu tenho piolhos

Se tivesse que dar dava

Por certo alguns me viste

Não tenho que dar aceito

Foste tu que os pegaste

Aceito penas e dores

Quando comigo dormiste

Causadas a teu respeito

Fostes dizer mal de mim

Eu aqui longe de ti

Onde a vista não alcança

Resignada e triste estou

Que me tinhas por segura

Não sei se de mim te lembras

Mostra lá a segurança

Não sei se sabes quem sou

Se esta rua fosse minha

Está o mar desladrilhado

Eu mandava-a ladrilhar

Quem o desladrilharia

Com o brilho dos teus olhos

Do nosso amor acabar

Para o meu amor passar

A culpa de quem seria

Poeta se és cantor

Do jardim caiu um cravo

Faz-me esta declaração

Partiu o pé à açucena

Quantos metros há de água

Amei-te com tanto gosto

E de terra quantos são

Deixei-te com tanta pena

Vou-me embora, vou-me embora

Passarinho para que cantas

Vou até sítios meus

Alegre ao pé de quem chora

Raparigas passem bem

Dá-me pena o teu cantar

Rapazes adeus, adeus

Não cantes mais vai-te embora

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Se eu soubesse que voando

Fingida como esta minha

Alcançava o meu desejo

Não vi outra natureza

Mandava fazer as asas

Anda mostrando alegria

Que as penas são de sobejo

Não tendo senão tristeza

É azul a cor do céu

O papel com que te escrevo

É azul a cor do mar

Sai-me da palma da mão

São azuis esses teus olhos

A tinta sai-me dos olhos

É azul o teu olhar

A pena do coração

Fui ao jardim passear

Abriu-se o meu coração

Que grande variedade

Ao abrir tua cartinha

Lembrei-me do meu amor

Eram tantas as saudades

Apanhei uma saudade

Como as letras que lá vinha

Eu vivo de ti ausente

O meu amor de algum dia

Na mais escura montanha

Quando te oiço falar

Quando julgas que estás só

Recordo o tempo passado

Meu sentido te acompanha

Às vezes fico a chorar

Minha mãe me disse ó filha

Encosta teu peito ao meu

Filha do meu coração

Encosta com devoção

Filha tem sempre juízo

Ouvirás na hora certa

Que eu vou para baixo do chão

Chorar o meu coração

Minha mãe era uma santa

És uma rosa encarnada

Por quem sempre chorarei

Entre meio das mais mulheres

Porque amor igual ao dela

Se eu te for pedir namoro

Nunca mais encontrarei

Não me digas que não queres

É bem triste a minha vida

Jura amor jura constante

É bem triste o meu viver

Jura a fé que prometi

Para que quero eu a vida

Que o nosso amor vá avante

Se nasci para sofrer

Que já nada sou sem ti


Eu tremo de ouvir tremer

Amei-te desde criança

A terra balançar

A mais ninguém dou valor

Eu tremo de ouvir dizer

Enquanto Deus me der vida

Nosso amor vai acabar

Hás-de ser o meu amor

O nosso amor acabou

Contrária minha contrária

Sem motivo nem razão

És a minha defensora

Separámos um do outro

Nada lhe dizes a ele

Foi a maldita traição

Que eu não seja sabedora

Tu dizes que não me queres

Contrária minha contrária

Acho-te toda a razão

Contrária somos rivais

Como é que hás-de querer

Amas o homem que eu amo

Aquilo que te não dão

Temos os gostos iguais

As ondas do teu cabelo

Chamaste-me pé de ginja

São louras perfumadas

Eu não sou tão delicada

São correntes que se prendem

Não sou bonita nem feia

Às almas apaixonadas

Sou em ti mal empregada

Se queres, desde já começa

De encarnado veste a rosa

A viver o nosso amor

De verde veste o botão

Que estou pronta a aceitar

De branco a açucena

O teu rosto encantador

De luto meu coração

Eu não sabia cantar

Dá-me os teus olhos amor

Ensinou-me o meu amor

Dá-me a luz do teu olhar

Quando lhe pagarei eu

Dá-me um sorriso dos teus

Esse tão grande favor

Que não te deixo de amar

Algum dia era eu

Tu dizes que não que não

Era eu não eras tu

Alguma vez há-de ser

Agora nem tu nem eu

Tanto bate água na pedra

Agora nem eu nem tu

Até que a faz embrandecer

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Anda cá se queres ver

Se eu soubesse cantar bem

Verás o que ainda não vistes

Nunca estaria calada

Verás uns olhos alegres

Mesmo assim cantando mal

Chorando lágrimas tristes

Não vivo desmaginada

Vai-te carta, vai-te carta

Nas ondas do teu cabelo

Às mãos do meu bem parar

Ando eu a navegar

Já que eu não posso lá ir

É para que saibas amor

Vai tu carta em meu lugar

Que há ondas sem ser no mar

Vai-te carta venturosa

Eu julgava que o amor

Por esses campos sem fim

Era só a gente rir

Vai dizer ao meu amor

Agora fui experimentar

Que não se esqueça de mim

Até me tirou o dormir

Ó alto pinheiro ramudo

Já não há quem queira dar

Com picos de oiro na ponta

Uma filha a um pastor

Podes amar quem quiseres

Terá que vir de Lisboa

Comigo não faças conta

A filha de algum doutor

Ó alto que nunca viste

A cobra no verde pasto

O vidro que não quebraste

Anda que desaparece

O amor que não cumpriste

Assim andam os meus olhos

O que comigo trataste

Atrás de quem o merece

Esta rua cheira a sangue

Como pode um candeeiro

Foi alguém que se matou

Alumiar dois corredores

Foi a mãe do meu amor

Como pode um coração

Da janela se atirou

Ser leal a dois amores

A candeia por estar alta

Estrada nova, estrada nova

Não deixa de alumiar

A estrada nova é a corrente

Meu amor por estar lá longe

Por causa da estrada nova

Não deixa de me lembrar

Anda o meu amor ausente


Eu quero ir para o campo

Eu subi à cana verde

A cidade me aborrece

Desci-a de nó em nó

Que eu tenho lá no campo

O sorriso é para todos

Quem por mim penas padece

O amor é pra ti só

Eu hei-de amar uma pedra

Eu subi à cana verde

Deixar o teu coração

Cheguei ao meio e partiu-se

Uma pedra não me deixa

Meu amor que estava vendo

Deixa-me tu sem razão

Olhou para mim e sorriu-se

Eu jurei, fiz uma jura

Se Maria Madalena

Em cima de oitenta livros

Pecou por Jesus beijar

De não amar outros olhos

Podes crer não tenho pena

Enquanto os teus forem vivos

De muitas vezes pecar

Se te amei foi falsidade

Eu nunca gostei de ti

Só para o tempo passar

Nunca pensei em amar-te

São coisas da mocidade

Se eu nunca te ofendi

Que não é de censurar

Para quê assim gabar-te

Namorei, fui namorada

Diz-me lá por que razão

Sempre com muito respeito

Tu me não falas amor

Nunca fui difamada

Sendo tua obrigação

Por um qualquer sujeito

Falares seja a quem for

Se o homem bem pensasse

Ausente mas sempre firme

Na falsidade da mulher

Nosso amor não faz mudança

Talvez que não chegasse

Quanto mais ausente estou

A falar com ela sequer

Mais te trago na lembrança

Nunca disse mal de ti

A folha da parra é

Pensando que fosses minha

Recortada como a renda

E não me arrependi

Inveja-te na pessoa

Das ideias que tinha

Não te invejes na fazenda

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56

O amor quer-se encoberto

Tenho o teu retrato amor

Já o devias saber

Dentro do meu coração

Nem ao longe nem ao perto

Já te não posso fugir

Não se deve dar a ver

És toda a minha paixão

Quero amar e ser amada

A paixão de amor não mata

Mas com toda a lealdade

Não mata mói o sentido

Para ser sempre gabada

Se a paixão de amor matasse

Pela minha mocidade

Já eu teria morrido

Foste dizer mal de mim

Maria dá-me o teu nome

A quem logo me contou

Que eu também quero ser Maria

Ficaram-te conhecendo

As Marias são alegres

E eu fiquei sendo quem sou

E eu também quero alegria

Contrária tu não tens culpa

Quando canto ninguém canta

E eu também não ta quero dar

Ninguém me ajuda a cantar

Culpa tem o nosso amor

Será que minha voz encanta

Que às duas quer amar

Ou eu é que não sei cantar

Contrária tu não tens culpa

Minha sogra diz que tem

E eu também culpa não tenho

Uma prenda para me dar

Culpa tem o nosso amor

Se ela não me der o filho

Que nas duas faz empenho

Pode a prenda arrecadar

A folha do eucalipto

Valha-me Nossa Senhora

É comprida mas estreita

Que eu não sei aonde estou

Eu deixei-te meu amor

Ou os astros abaixaram

Por causa duma sujeita

Ou a terra levantou

Quando eu disser que não

Fui um dia colher trevo

Repara amar como digo

Achei o trevo colhido

Que este meu dizer que não

Eu não me atrevo amor

É um sim para contigo

A ter amores contigo


À luz daquela candeia

Quem disser que o amor custa

Se fez o meu casamento

De certo que nunca amou

Ó candeia não te apagues

Eu amei e tenho amado

Que hás-de ir a juramento

Nunca o amor me custou

Janelas altas e baixas

Lealdade, lealdade

Mora aqui algum morgado

Tão leal que eu tenho sido

Mora a mãe do meu amor

Eu para ti tão leal

E o pai do meu namorado

Tu para mim tão fingido

Quando entrei nesta rua

Ó olhos de seda preta

Deu-me vontade de chorar

Criados na Primavera

De ver o senhor de posto

Desejava de saber

Não o poder adorar

A tua intenção qual era

Se eu deveras conhecesse

O rio vai-te contando

Qual era o teu interior

Pedaços que fez outrora

Nem deveras nem mangando

Vai andando e murmurando

Queria ser teu amor

Bom e mau deitando fora

Passei pela tua rua

Toma lá meu coração

E estavas com outro brincando

Se o quiseres matar podes

Isto são lidas da vida

Olha que estás dentro dele

Com elas vamos lidando

Se o matas também morres

Já me aborrece o viver

Se eu morrer não é a morte

Que fará em tendo idade

Que vem à minha procura

Ó se eu pudesse comprar

Sou eu mesmo que me mato

Outra nova mocidade

Que a paixão em mim é dura

Vou-me embora tu cá ficas

O passarinho no bosque

Quem te pudesse levar

Procura o seu aposento

Se quisesses ir comigo

Só eu procura não acho

Não havias cá ficar

Um amor a meu contento

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Um amor ao pé da porta

O craveiro da minha sogra

Amá-los quem não se arrisca

Só três cravos é que deu

Antes que a boca não fale

Toda a gente se admira

A vista sempre petisca

Do mais velho ser o meu

Amores ao pé da porta

À porta da minha sogra

É que eu desejava ter

Vem uma silva nascendo

Antes que a boca não fale

Todos passam não encalham

Os olhos gostam de ver

Só eu na silva me prendo

O azul é cor de astro

Quando o sol nasce inclina

O branco é cor da lua

Na folha do malvarisco

Dizem que o verde é esperança

Também eu me inclinei

Eu alguma tenho tua

Nesses teus olhos Francisco

Adeus amor passa bem

Anda cá se queres água

Já não ouves minha fala

Que os meus olhos ta darão

Faço de ti uma ausência

É pouca mas é clara

Como o fumo quando abala

É dada do coração

Vindo eu de longe ao longe

Cravo branco à janela

Vindo eu de longe ao perto

É sinal de casamento

Já ouvia a tua voz

Menina recolha o cravo

Me parecia um céu aberto

Para casar ainda tem tempo

Algum dia andava

As estrelas do céu correm

Nesse teu sentido

Pelo astro às carreirinhas

Desandou a roda

Também as desfeitas correm

Foi tempo perdido

Das tuas mãos para as minhas

Já o sol mudou de rolo

Os teus olhos é que são

Já não nasce onde nascia

A causa de eu te querer bem

Também já mudou de amores

Que não me deixam tomar

Quem de amor por ti morria

Amizade a mais ninguém


Quem disser que o preto é triste

Senta-te aqui a meu lado

Hei-de dizer-lhe que mente

Tu numa pedra e eu noutra

Meu amor tem olhos pretos

Chorando a nossa desgraça

Alegras para toda a gente

Já que a ventura é tão pouca

O sol é que me alegra o dia

O azul já não se usa

De manhã logo ao nascer

Quem o tem não é ninguém

Eu bem sei quem anda triste

O que há de o meu bem fazer

Que se alegra se me ver

Ao fato azul que tem

Sentei-me à beira do rio

Não me inveja de quem tem

Para a água ver correr

Carros, parelhas e montes

Vi correr a dos meus olhos

Só me inveja de quem bebe

Para mais penas eu ter

A água em todas as fontes

Suspirando dando ais

Não inveja de quem tem

Passa meu bem pela rua

Carros e boas parelhas

Não suspires não dês ais

Só me inveja os teus olhos

Que eu jurei ser sempre tua

E essas lindas sobrancelhas

Anda cá para meus braços

A ladeira do teu monte

Se tu vida queres ter

É alta má de subir

Que estes meus braços dão vida

Se não fossem os teus olhos

A quem está para morrer

Não havia de aqui vir

Algum dia nesta rua

O meu amor ontem à noite

Tinha eu uma cadeira

Pela vida me jurou

Onde sentava meus olhos

Que se ia deitar ao mar

Que agora vão de carreira

Se ele é tolo eu cá não sou

O castanho se queixou

Muito gosto de ouvir

De não ter bonita cor

Quem a cantar aprendeu

Olha como está brilhando

Se houvesse quem me ensinasse

Nos olhos de meu amor

Quem aprendia era eu

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Chamaste-me ensina burros

Das florinhas do campo

Estou pronto para te ensinar

A mais linda é a magraça

Vê lá burro não me atires

Uma das minhas amigas

Com os aparelhos ao ar

A mais leal me foi falsa

Parabéns e sentimentos

Comprei um chapéu preto

Desse teu novo namoro

Para à noite namorar

Deus queira que esse teu riso

O chapéu vai-se estragando

Não venha dar em choro

E o namoro sem se arranjar

Tenho papel tenho tinta

És bonita como um forno

Pena e consolação

Delicada como um cesto

Vou-te escrever uma carta

Para seres burra acabada

Amor do meu coração

Só já te falta o cabresto

Eu já fui o teu amor

Contrária, minha contrária

Mas agora já não sou

Contrária de mim faz troça

Não vale a pena falar

Eu quero que a minha contrária

No tempo que já passou

Vá puxar uma carroça

Alcarias, Conceição

Quando estou à minha porta

Panóias e Messejana

E tu passas e não falas

São os passos que eu darei

Desgraçado do teu corpo

Se o meu amor não me engana

Se os meus olhos fossem balas

Aljustrel dos políticos

Eu não devia cantar

Montes Velhos das Facadas

Devia ter sentimento

Rio de Moinhos dos bailes

Devia de me lembrar

Messejana das touradas

Quem não vejo à tanto tempo

Das florinhas do campo

O meu amor disse à mãe

A mais linda é a do trigo

Que me havia de deixar

Antes que queira não posso

Agora deixei-o eu

Tirar-te do meu sentido

Toma lá vai-te gabar


Ó coração retraído

É tão triste ver partir

Ó cara cheia de enganos

Um amor de quem gostamos

Foi a paga que me deste

Ver na distância sumir

De te amar há tantos anos

Sem saber quando avistamos

O meu amor coitadinho

O que com um dom nasceu

Coitadinho o raio que o parta

Por ninguém será vencido

Ainda não ganhou dinheiro

Vai junto a si no caixão

Para me escrever uma carta

Para ninguém é traduzido

Ó meu amor lá de longe

Anda aí um inventor

Chega-te aqui para perto

Que quer adivinhar

Já me dói o coração

Mas ainda não adivinhou

De te ver nesse deserto

Quando vai chover ou escampar

Amiga se és minha amiga

Muito gosto de cantar

Trata bem o meu amor

Onde quer que os mestres estão

Que o mesmo farei ao teu

Se algum ponto errar

Quando a minha casa for

Os mestres me ensinarão

Anda lá para diante

Os olhos daquela, aquela

Que eu atrás de ti não vou

Os olhos daquela além

Não me pede o coração

Os olhos daquela rosa

Amar a quem me deixou

São iguais aos do meu bem

Ai se é parva se é nência

Ó rosa nunca consistas

Quem por um amor se mata

Que o cravo te ponha na mão

Atrás de um vêm dois

Que uma rosa enxovalhada

Não há coisa mais barata

Perde toda a aceitação

Não te encostes à barreira

O rouxinol é vadio

Que a barreira deita pó

Passeia por onde quer

Encosta-te amor a mim

É como o rapaz solteiro

Sou solteiro e estou só

Que ainda não tem mulher

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Cantigas ao desafio

Com quatro letras se escreve

Comigo ninguém as cante

A doce palavra amor

Eu tenho que mas ensine

Tem menos uma que a morte

Que o meu amor é estudante

E mais uma que a dor

Ó António lindo António

Não corte a hera verde

Caixinha dos meus anéis

Que está na minha janela

Se quiseres casar comigo

É escada do meu amor

Vai despachar os papéis

Que sobe e desce por ela

Eu não devia cantar

Água clara não se turva

Devia ter sentimento

Sem haver quem a enode

Vai o meu amor à tropa

Amor firme não se muda

Sem saber o livramento

Antes que queira não pode

Eu não devia cantar

O primeiro amor que eu tive

Devia ter sentimento

Mandei-o à erva azeda

Devia de me lembrar

O segundo que arranjei

Quem não vejo há muito tempo

Ensinei-lhe a mesma vereda

Toma lá uma laranja

Quem espera sempre alcança

Tira-lhe o sumo de dentro

Diz o ditado traidor

Da casca faz um navio

Eu espero e desespero

Embarca teu pensamento

Não alcanço o teu amor

Põe-te sol, põe-te sol

Alfinetes são amores

Mas não te ponhas parado

E agulhas são vaidades

Que o meu amor é pastor

Amores fora da terra

Quer recolher o gado

São dobradas saudades

O meu mais puro sorriso

Nossa Senhora me faça

Eu não o mostro a ninguém

O que lhe tenho pedido

Sei sorrir quando preciso

Se morrer levar-me ao céu

A quem me sorri também

Se viver casar contigo


Na janela do meu bem

Se fores ao cemitério

Já nada há para mim

Repara no que te digo

Porque já o cravo branco

Verás o pobre no chão

Tem aroma de alecrim

E o rico no seu jazigo

Aqui tens meu coração

Eu entrei no cemitério

Fechadinho com três chaves

Da meia para a uma hora

Abre-o mete-te lá dentro

Ouvi uma voz dizer

Que tu sozinho bem cabes

Vai-te embora, vai-te embora

Não há ribeira sem rocha

Eu entrei no cemitério

Nem rocha sem arvoredos

Uma voz me respondeu

Não há casada sem fezes (?)

Tira o pé que está pisando

Nem solteira sem enredos

Um amor que já foi teu

Coitadinho de quem tem

Fui ao mar acendi lume

Os seus amores em segredo

Embarquei numa faísca

Passa por eles na rua

Engracei com os teus olhos

Não lhes fala que tem medo

Logo à primeira vista

Já não vou além do rio

O meu amor é tão lindo

Já não posso além da fonte

Toda a gente mo cobiça

Já se acabaram as rosas

No domingo na igreja

Da janela do teu monte

Quem o vê não ouve a missa

Eu não quero trigo branco

O encarnado não brilha

Que é enleio do cezirão

Já perdeu a linda cor

Eu não quero saber de ti

Agora só brilha o branco

Nem da tua geração

No peito do meu amor

Já corri o mar em volta

Chove água e não me molha

Nas costas de uma cegonha

Hei-de me pôr às goteiras

Foi agora que encontrei

Onde o meu bem tem cuidados

Uma cara sem vergonha

Quero eu ter as canseiras

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64

Amores ao longe ao longe

Quem seria que inventou

Ao perto qualquer os tem

A palavra saudade

Nem ao perto nem ao longe

A primeira vez que a disse

Eu tenho amor a ninguém

Recordou a mocidade

Uma das minhas amigas

Se eu um dia te for falsa

Aquela amiga que eu gostava

Nunca eu tenha bom fim

Quis apanhar o meu moço

Terra, mar, água e fogo

Para ver se eu me zangava

Seja tudo contra mim

Dei um nó na pioneira

Pus-me a chorar saudade

Ficou largo e desatou-se

Ao pé duma fonte um dia

Só te deixarei amor

Mais choravam os meus olhos

Quando o piorno for doce

Que a água da fonte corria

Quando quis tu não quiseste

Teus olhos são mais escuros

Seres meu amor sincero

Do que a noite mais cerrada

Em troca do que fizeste

Apesar de tão escuros

Agora já eu não quero

Sem eles não vejo nada

Cantas bem não cantas mal

Se o mar tivesse varandas

Tens bonita opinião

Ia-te ver a Lisboa

Podias cantar melhor

Como o mar não tem varandas

Se não fosse a presunção

Sem asas ninguém voa

Eu fui a que te disse um dia

Alegria se eu a tenho

Militar não é ninguém

Deus ma deu de natureza

Agora não digo isso

Não é porque me não falte

Militar vai ser meu bem

No meu coração tristeza

Esta palavra saudade

És bonita como o leite

Aquele que a inventou

Redonda como a cebola

A primeira vez que a disse

Mal empregada menina

Concerteza que chorou

A cabeça ser tão tola


Há ondas no mar há ondas

Amar-te não é só isso

Há ondas sem ser no mar

Tenho quem me embarace

Há ondas no teu cabelo

Há muito que eu era tua

Há ondas no teu olhar

Se sozinha me governasse

Quero cantar e ser alegre

Estás de fora vendo o baile

Que a tristeza não faz bem

Qual é o teu superior

Ainda não vi a tristeza

Anda daí vem dançar

Dar de comer a ninguém

Que aqui está teu amor

Quero cantar e ser alegre

Chapéu preto desabado

Não me importa que aborreça

Faz figura de ladrão

Eu não tenho neste mundo

Eu já te encontrei no roubo

Quem por mim penas padeça

Roubando meu coração

Ó meu amor de algum dia

Eu não quero nem brincando

Que ainda hoje podias ser

Dizer adeus a ninguém

A culpa não foi só minha

Quem parte leva saudades

Tu alguma havias de ter

Quem fica saudades tem

Hei-de-te amar se me amares

Quem me dera morrer nova

Querer-te bem se me quiseres

Para mais pena deixar

Eu hei-de fazer por ti

Que eu sendo já muito velha

O que tu por mim fizeres

Todos dizem, pode andar

Tua mãe diz que não quer

Se os teus olhos se vendessem

Olha a minha também não

Era eu o comprador

Queiras tu e queira eu

Só assim eu possuía

Está o querer na nossa mão

Prenda de tanto valor

Tua mãe diz que não quer

Oliveirinha da serra

Porque eu não tenho jaqueta

Dá-lhe o vento leva a flor

Mas tenho uma à da mestra

Mas não há vento que leve

Não sei se está já feita

Cartinhas ao meu amor

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66

Se meu amor me morresse

Andaste por lá gritando

Depois da palavra dada

Que me namoravas a mim

Outro amor não possuía

É mentira mentiroso

Só a terra me gastava

Que eu nunca te dei o sim

Trazes pulóver encarnado

Chove água chove água

Trazes guerra no teu peito

Não sei donde esta água vem

Não se me dava ir à guerra

Vem da cova do castelo

Sendo ela a teu respeito

Debaixo do armazém

Sapatos que não calcei

Não há luz como a do sol

Solas que terei rompido

Nem flor como a urtiga

Amores que não pretendo

Nem amor como o de mãe

Não os trago no sentido

Haja quem o contra diga

Quem diz que o amor é louco

Não há luz como a do sol

Queria ser louco também

Nem erva como a urtiga

Que um amor sem loucura

Eu gosto de te encontrar

Nunca faz feliz ninguém

Ainda que nada te diga

Tenho pena de quem morre

Não há luz como a do sol

E de quem a terra gasta

Nem estrela como a do norte

Tenho pena de quem fica

Nem amor como o de mãe

Entregue a uma madrasta

Nem golpe como o da morte

Meu amor namora duas

Joguei o limão correndo

É coisa que eu não faço

Por cima dos olivais

Havia de ter que ver

Para ver se te esquecia

Duas pombinhas num laço

Cada vez me lembras mais

A minha rival contrária

Dizem que não pode ser

Diz que me quer conhecer

Lá no mato haver oregãos

O traste da rapariga

Anda aí um amor novo

Talvez me queira bater

Que quer fazer os mais cegos


Ninguém diga eu não hei-de

Amor eterna mentira

Desta fonte água beber

Que toda a gente acredita

Pode a sede apertar muito

Berço da nossa desgraça

E outro remédio não ter

Razão da nossa desdita

Ninguém diga que não faz

Amor, tristeza, saudade

Ninguém diga que não diz

Dão as mães pela vida fora

O nosso feitio é capaz

É essa a grande verdade

De aceitar o que não quis

Que muita gente ignora

Algum dia era eu

Perguntas-me o que é saudade

Do teu prato a melhor sopa

Eu vou agora dizer

Agora sou um veneno

Saudade é tudo o que fica

Que envenena a tua boca

Depois de tudo morrer

Algum dia para te ver

Na mais alta laranjeira

Pulava sete quintais

No mais delicado ramo

Agora para te não ver

Sou eu capaz de escrever

Pulo sete, pulo mais

O nome de quem mais amo

Eu não quero mais amar

Ó alecrim rei dos matos

Que do amar tenho medo

Ó ouro rei dos metais

Não me quero sujeitar

Ó olhos enganadores

A pagar o que não devo

Porque razão me enganais

A serra corta madeira

Amor dunas de areia

A lima corta metais

Varia mal se formou

E a língua desenfreada

É como a maré cheia

Corta na vida dos mais

Que água deu, água o levou

Há paus que nascem para santos

Saudade tenho saudade

Outros para serem queimados

Do tempo em que não sabia

Uns nascem para ser felizes

Que esta palavra saudade

Outros para ser desgraçados

Infelizmente existia

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No tronco da verde faia

Eu sou devedor à terra

O teu nome fui gravar

A terra me está devendo

A verde faia chorou

A terra paga-me em vida

Só de me ver suspirar

Eu pago à terra em morrendo

Cantigas são pataratas

Eu aprendi a cantar

São razões leva-as o vento

Lavrando a terra molhada

Quem namora por cantigas

Lá na solidão dos campos

Tem falta de entendimento

Pensando em ti minha amada

Gosto muito de café

Dizem que o sol se levanta

E também gosto de lête

Ao romper da madrugada

Mas ainda gosto mais

Longe de ti meu amor

Das criadas do Sr. Paquete

Só vejo noite cerrada

Se canto é porque canto

Quero cantar e ser alegre

Se choro é porque choro

Que tristeza não faz bem

Se olho para ti e me riu

Ainda não vi a tristeza

Dizem que eu te namoro

Dar de comer a ninguém

Adeus cidade de Beja

Azeitona miudinha

Que é cidade de aventura

Também vai ao alagar

Onde o meu amor passeia

Também eu sou pequenina

Com correias à cintura

Mas sou firme no amor

Chorai olhos, chorai olhos

Camioneta da carreira

Que o chorar não é desprezo

Espera aí que eu também vou

Também a virgem chorou

Que me quero despedir

Quando viu seu filho preso

Dum amor que me deixou

Ó Beja, terrível Beja

Os olhos requerem olhos

Terra da minha desgraça

Os corações, corações

Eram sete horas da tarde

Também as boas palavras

Quando me assentavam praça

Requerem boas acções


Os feixes nas crespas ondas

Água clara não turva

As feras na solidão

Sem haver quem a enlode

Tu sentes tal como eu

Amor firme não se muda

A nossa separação

Antes que queira não pode

Não atires com pedrinhas

Muito brilha o branco, branco

Quando estou levando a louça

Ao pé do preto lavado

Atira-me com beijinhos

Muito brilha uma menina

De forma que ninguém ouça

Ao pé do seu namorado

Ó luar da meia-noite

Oliveirinha do adro

Que tens lá segredos meus

Dá-lhe o vento abana a rama

Não os digas a ninguém

Assim faz o meu amor

Que os meus segredos são teus

Quando não pode vir manda

Amor leal tem firmeza

Se a oliveira falasse

Amor falso nasce de si

Ela diria o que viu

Amor leal vê-se pouco

Debaixo da sua rama

E o falso só vejo em ti

Dois amores encobriu

Ó parreira dá-me um cacho

Ó moças da avenida

Ó silva dá-me uma amora

Ponham os olhos em mim

Amor dá-me o teu retrato

Não se confiem nos homens

Quero ver-te a toda a hora

Que por homem me perdi

Os teus olhos é que são

Nem deveras nem mangando

A causa de eu te querer bem

Digo adeus seja a quem for

E não me deixam tomar

Quem parte leva saudades

Amizade a mais ninguém

Quem fica morre de dor

Olhos azuis são ciúme

Se eu fosse rica e tivesse

Olhos verdes traiçoeiros

Fazenda com abundância

Os olhos acastanhados

Sendo eu a mesma pessoa

São leais e verdadeiros

Tinha dobrada importância

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Eu quero bem à desgraça

Suspiros, ais e tormentos

Que sempre me acompanhou

Imaginações, cuidados

Tenho rancor à ventura

É o manjar dos amores

Que no melhor me deixou

Quando vivem separados

Se eu quisesse bem podia

Levanta-te ó meu amor

Fazer o dia maior

Se quiseres ouvir cantar

Dava um nó em fita azul

Ou são os anjos no céu

Prendendo os raios de sol

Ou as sereias no mar

Os teus olhos não são olhos

Acordas se estás dormindo

São soletras de veludo

Às vozes deste cantor

Quem me dera já gozar

Para ver se ainda conheces

Olhos, soletras e tudo

A fala do teu amor

Eu fui a que disse um dia

Debaixo do lodo há água

Encostada à solidão

Debaixo da água areia

Desgraçada da mulher

Debaixo de uma amizade

Que tem por um homem paixão

É que o amor se falseia

Se a liberdade dos presos

As moças da minha rua

Estivesse na minha mão

São algumas, não são todas

Soltava presos e presas

Usam meias sobre meias

Prendia teu coração

Para fazer as pernas gordas

Amor vário, amor louco

Delicado é o peixe

Amor das ervas do campo

Que faz a cama no lodo

Já me ia admirando

Delicados são os teus olhos

O nosso amor durar tanto

Que me encantaram dum todo

Tenho a vista enfraquecida

Não quero nada do mundo

É talvez de muito ler

Senão uma sepultura

No livro negro da vida

Para sepultar meus olhos

Sem nunca o compreender

Que nasceram sem ventura


Solteirinha não te cases

Se te visse por seres meu

Gozas-te da boa vida

Oxalá provera a Deus

Que eu já vi uma casada

Ainda lavava os olhos

Chorando de arrependida

Onde tu lavas os teus

Joguei um limão correndo

Despedida, despedida

À tua porta parou

Sabe Deus quem se despede

Quando o limão te quis bem

Para não te deixar chorando

Que fará quem to jogou

Faço a despedida alegre

Não te faças mais do que eu

Abalei não sei para onde

Que não és menos nem mais

Encontrei não sei quem era

Debaixo da terra fria

Encontrei o mês de Abril

Todos nós somos iguais

Em busca da Primavera

Não olhes para mim não olhes

Tenho pena, tenho pena

Que eu não sou o teu amor

Sem tu teres pena de mim

Eu não sou como a figueira

Tenho pena dos teus beijos

Que dá fruto sem flor

Imensa pena sem fim

Chamaste-me vária, louca

Ó Ana 3 vezes Ana

Louca sim mas vária não

Maria só uma vez

Bem louca que tenho sido

Maria vale uma só Maria

Em amar teu coração

Dos que as Anas todas três

Se chorando restaurasse

Ó minha mãe da minha alma

Um amor que anda arradio

Ó meu pai do coração

Chorariam os meus olhos

Duzentos anos que eu viva

Lágrimas de fio em fio

Não lhe pago a criação

Se ouvires tocar sinais

Tenho pena de quem pena

Nas altas torres da lua

Pena de quem penas tem

Não perguntes quem morreu

Tenho pena de mim mesma

Morri eu por causa tua

Que peno mais que ninguém

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Toma lá que te dou eu

As estrelas do céu correm

Rapariga da fortuna

Pelo astro às carreirinhas

Uma mão cheia de nada

Também as desfeitas correm

Outra de coisa nenhuma

Das tuas mãos para as minhas

Se algum dia à tua porta

Pus-me a contar estrelas

Uma pobre for bater

Contei duzentas e doze

Não lhe negues a esmola

Com as duas dos teus olhos

Sou eu que te quero ver

São duzentos e catorze

Joguei o limão correndo

Ó água que estás correndo

Por cima dos olivais

Debaixo da sacristia

Para ver se me esquecias

Ó terra que estás gastando

Cada vez me lembras mais

O espelho onde eu me via

A cana verde no mar

Não é por cantar que esqueço

Deixa raízes na areia

Quem tanta distância tem

Sou leal a todo o mundo

Mas ao mesmo tempo penso

Todo o mundo me falseia

Quem morreu já cá não vem

Ó amada põe-te à porta

Amigas minhas amigas

Ao menos quero-te ver

Amigas só tenho uma

Já que outra dita não tenho

Quando a minha mãe morrer

Faz-me esta se puder ser

Já me não fica nenhuma

Na mentira dessa boca

Dizem que as penas são brancas

Queimei minha mocidade

São brancas e amarelas

Por amar-te como louca

Tantas que tenho passado

Envelheci de saudade

Ainda não vi a cor delas

Não quero que me dês nada

Se eu tivesse a liberdade

Que eu também nada te dou

Que o sol e a lua têm

Só quero que te recordes

Entrava em tua casa

O tempo que já passou

Sem licença de ninguém


Se julgas que eu te quero

Delicado é o fumo

Desengana o coração

Que passa a telha dobrada

Não te quis e não te quero

Delicados são os teus olhos

Nunca tive tal tensão

Que namoram de pancada

Se ouvires tocar o sino

Eu fui a que disse ao sol

Não perguntes quem morreu

Que não tornasse a nascer

Vai para casa veste luto

Com o brilho dos teus olhos

Quem morre por ti sou eu

Que vem o sol cá fazer?

O anel que tu me deste

Ausência de amor não mata

Era de vidro e quebrou-se

Não mata, mói o sentido

A amizade que te tinha

Se ausência de amor matasse

Era pouca e acabou-se

Já eu teria morrido

Perguntei ao sol se viu

A simpatia é que vale

À lua se conheceu

Eu contigo simpatizo

Às estrelas se já viram

Simpatizavam meus olhos

Coração igual ao meu

Com o teu lindo sorriso

Ai ladrão que me roubaste

Ó água que vais correndo

Dos meus olhos as meninas

Para os lados do bem que adoro

Diz-me amor para que queres

Se não levas água ávondo

Coisinhas tão pequeninas

Leva lágrimas que eu choro

Vou andando e vou chorando

Alegria duma mãe

Regando os pés às flores

É uma filha solteira

Ai de mim que estou amando

Casa a filha vai-se embora

Quem já tem outros amores

Vai-se a rosa da roseira

Ó olhos da minha cara

O simpatizar é triste

Não olhem para ninguém

É triste que eu bem conheço

Já que perderam a graça

Eu simpatizei contigo

Percam o olhar também

De te ver não me aborreço

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74

Se eu canto sou cigarra

Minha sogra me tem zanga

Se não canto, mosca morta

Minha cunhada também

Se me lavo sou asseada

Que se importa o raio da velha

Se não me lavo sou porca

Que o filho me queira bem

Tenho carta no correio

Na mais alta laranjeira

Ai Jesus de quem será

No mais delicado ramo

Se é de João não quero

Sou eu capaz de escrever

Se é de António dá a cá

O nome de quem amo

Vou-me embora, vou-me embora

Minha mãe quando morreu

Para a terra das andorinhas

Na garganta me levou

Mete carta no correio

Minha filha da minha alma

Se queres saber novas minhas

Que ao desamparo me ficou

Eu adoro as tuas cartas

Já foste ao registo

E as letras que vão no meio

Minha ressalva de prata

Quero que digas amor

Já hoje foste dar o nó

Se te amarei sem receio

Que só a morte desata

Anda lá para diante

Ó moças peçam ao noivo

Ou tira-te do caminho

Que não trate a noiva mal

Tenho o meu amor lá longe

Que ela sabe o que deixou

Não posso ir devagarinho

Não sabe o que vai buscar

Para que quero eu os olhos

Quando o lume se apaga

Senhora Santa Luzia

Na cinza fica o calor

Se eu não posso ver quem quero

Quando o amor se ausenta

A toda a hora do dia

No coração fica a dor

O alcançar é verdura

O cantar é dos anjinhos

O azeirão é enleio

Não ofendo Deus cantando

Fazes amor boa escrita

É melhor que eu andar

Não me fio no teu paleio

Na vida de outros falando


Nossa senhora é mãe

Já não tenho alegria

É mãe de quem mãe não tem

Vivo no mundo sem gosto

Hei-de pedir à senhora

Nasce o sol torna a nascer

Seja minha mãe também

Por mim é sempre sol posto

O sol nasce no céu

Quem não canta nem namora

Para companhia da lua

Que gosto terá bailar

Também nasci no mundo

É como o outro que diz

Para ser companha tua

Ando aqui por ver andar

Ó amiga verdadeira

Esta casa está bem feita

Nunca tu queiras amar

Muito bem amadeirada

Eles desprezam a gente

Muito gosto eu de entrar

Dando ao mundo que falar

Em casa de gente honrada

Este meu modo alegre

Dizem que o cigarro tisna

Que tenho para toda a gente

As mágoas do coração

É que me faz a mim pagar

O cigarro faz-se em cinza

Muita culpa injustamente

E as mágoas nunca se vão

Boa noite falo a todos

Tanto ai tanto suspiro

Adeus ó rosa encarnada

Aqui nesta rua vai

Por seres tu meu amor

Tanta mulher sem marido

Falo-te a ti separada

Tanto filhinho sem pai

Quando eu tinha 15 anos

Desejava de saber

Mais do que a prata valia

Onde a pena mais aumenta

Namorava à mangação

Se é no peito de quem fica

Tinha amores quantos queria

Ou se é no de quem se ausenta

Não julguem por eu cantar

Quem se ausenta leva pena

Que a vida alegre me corre

Mais pena tem quem cá fica

Eu sou como o passarinho

Quem se ausenta logo acha

Tanto canta até que morre

Amor com que se divirta

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76

O cipestre não se rega

Por os teus olhos negros negros

Nasce a água da raiz

Trago eu negro o coração

Não te gabes que me deixas

De tanto lhe pedir amor

Que fui eu que não te quis

E eles dizerem que não

Já não tenho pai nem mãe

As moças da serra dizem

Nem nesta terra parentes

Minha horta, minha horta

Sou filho das águas turvas

No fim é uma cerca velha

Neto das águas correntes

Com dois tanganhos à porta

Eu mandei pedir ao sol

Numa pedra dura e fria

Que não tornasse a nascer

Teu nome mandei gravar

À vista desses teus olhos

Com as letras que diziam

Que vem o sol cá fazer

Nasci só para te amar

Cala-te aí boca aberta

Eu jurei fiz uma jura

Que tu não sabes cantar

Minha jura há-de ir à horta

Tens uma cova na língua

Rapaz que duas namora

Onde os gatos vão cagar

Não há-de ir à minha porta

O carvão que já foi brasa

Entre as grades da janela

Com qualquer faísca acende

Numa noite de luar

O amor que nasce da alma

Não vi estrela mais bela

Com qualquer razão se prende

Que o brilho do teu olhar

Senhora de Assunção

Quero mais ao meu amor

Tem um filho serrador

Do que o campo folhas tem

Para serrar a madeira

Vê como o campo tem folhas

Para o altar do senhor

Vê amor se te quero bem

Não há sol como o de Maio

Quem inventou a partida

Luar como o de Janeiro

Não sabia o que era amar

Nem cravo como o regado

Quem parte, parte sem vida

Nem amor como o primeiro

Quem fica, fica a chorar


Ó vila de Messejana

Ó meu amor de algum dia

Cercada de cravos brancos

Que ainda podias ser hoje

Onde o meu amor passeia

A culpa não foi só minha

Domingos e dias santos

Foi de ambos, nós os dois

A flor da negra amora

Se houvesse um dia quem queira

Cai na água faz-se em espuma

O nosso amor separar

Aqui está quem te namora

Viverá a vida inteira

Sem falsidade nenhuma

Sem o nosso amor ver findar

As penas leva-as o vento

O A quer dizer amor

Aquelas que leves são

O P quer dizer pedir

Mas não há vento que leve

O F que faça favor

Penas do meu coração

De à minha casa não vir

Amor o teu lindo rosto

Ingrato que desprezaste

Não é sorte é tentação

Meu coração sem ter dó

Foi o anzol mais seguro

Para agora estares amando

Que prendeu meu coração

Quem não te ama a ti só

A flor da amendoeira

Quando eu pensava que tinha

É a primeira do ano

No mundo mais alegria

Esses teus olhos amor

Foi quando a maior paixão

Sãos primeiros que eu amo

Veio para a minha companhia

Trago dentro do meu peito

Já não tenho coração

Chegadas ao coração

Já mo tiraram do peito

Duas palavras que dizem

No lugar onde ele estava

Morrer sim, deixar-te não

Nasceu-me um amor-perfeito

Ó meu amor de algum dia

Ingrato que me enlevaste

Quando te ouço falar

Com a pura tirania

Cresce em mim esta alegria

Outro infeliz enlevaste

Do nosso amor recordar

No lugar que eu possuía

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78

Ingrato teu amor puro

Coração por coração

Era mentira ilusão

Amor não deixes o meu

Era veneno teu riso

Olha que o meu coração

Tuas palavras traição

Foi sempre leal ao teu

Dos ingratos que há no mundo

Se o fingimento se visse

Tu és o da maior fama

Tanta amiga não havia

Que tratas com tirania

Aquelas que são fingidas

A quem deveras te ama

Não se lhe dava valia

Se eu soubesse que o teu querer

Ausentou-se o jardineiro

Que não era fingimento

Fechou-se a porta ao jardim

Fazia para te avistar

Se me fores firme e leal

Mais vezes em menos tempo

Serás minha até ao fim

O meu lindo amor

Eu sou-te firme e leal

É alto demais

Nunca terás que dizer

Até já lhe chamam

Saber-te-ei respeitar

Espanta pardais

Meu amor até morrer

Quando na rua te encontro

O homem alto faz vista

Ao rosto me sobe a cor

O baixo presença tem

Antes que queira não posso

Eu escolhi em boa altura

Negar que sou teu amor

O meu adorado tem

És uma rosa encarnada

Eu amava dois amores

És uma ginja na cor

Deixei um por não ter jeito

És do céu brilhante estrela

Agora nem um nem outro

És na terra o meu amor

Digam todos é bem feito

Quando cerrei esta carta

O amor é uma albarda

Cerrou-se meu coração

Que se põe em qualquer bem

As saudades já são tantas

Eu para não ser albardada

Como as letras que aí vão

Não tenho amor a ninguém


Antes que eu queira não posso

Nunca o teu rosto mimoso

Não está na minha mão

Pela minha rua assoma

Tomar ódio a quem já teve

Se não souberes onde eu moro

Parte do meu coração

Quem tem boca vai a Roma

Alegre que eu era dantes

Namorei-me de um ingrato

Agora tão triste vivo

Que tão má paga me deu

É de pensar que estou sendo

Não me falem já mais nele

Desprezada sem motivo

Digam todas já morreu

Quem ama sem ser igual

Abalei da minha terra

No mundo assim como a mim

Não foi por mal que fizesse

É amar sem conseguir

Foi só por ouvir dizer

É penar até ao fim

Quem não aparece esquece

Ingrato que desprezaste

A torre da minha terra

O melhor amor que tinhas

Muito alta e bem caiada

Deixaste um de jaqueta

Parece que está sorrindo

Para amar um casaquinhas

A quem passa pela estrada

Ingrato que desprezaste

Dá-me o sim, ou dá-me o não

O melhor amor que tinhas

Dá-me amor a minha sorte

Pede a Deus que te não dê

Se me dás o sim dás vida

Nunca mais lembranças minhas

Se me dás o não dás morte

Ó ingrato maldizente

Se me amas a mim só

O que serve mal dizer

Do que a rocha sou mais firme

Dizes mal de mim e doutras

Se me usas falsidade

Sem nenhuma razão ter

Sou um ai a despedir-me

Cala-te daí boca aberta

Se um dia as pedras nadarem

Gargalo de amentolia

E a cortiça for ao fundo

Guardanapo de estalagem

Só então hão-de acabar

Vassoura de estrebaria

As más línguas neste mundo

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Os alegres passarinhos

Meu amor por me deixar

Já têm novo cantar

Pensava que eu que morria

Aprenderam só de ouvir

Cada vez meu coração

Sem ninguém os ensinar

Canta com mais alegria

O rouxinol quando canta

Se à minha porta está lama

Bate as asas no loureiro

A tua é um lameiro

Como te posso esquecer

Quando falares de mim

Foste o meu amor primeiro

Olha para ti primeiro

Olhos azuis são ciúme

Vira-se o vento para leste

Os meus olhos azuis são

O mesmo te aconteceu

Tenho ciúme nos olhos

Virou-se o teu coração

Firmeza no coração

E agora não quero eu

Tenho dentro do meu peito

Gira o tempo gira a vida

Um punhal com cinco bicos

E tudo se vê girar

Para matar e ferir

Quem sabe lá o destino

Quem andar comigo em ditos

Que Deus tem para nos dar

Maria escuta-me lá

Ontem à noite sonhei eu

Francisco o que queres

Que o meu amor que morria

Eu quero casar contigo

Acordei pedindo a Deus

Francisco quando quiseres

A morte no mesmo dia

Com ódios e más vontades

Se canto sou piegas

Não se pára que nós andamos

Se rio ando no ar

Podíamos viver em paz

Se não falo sou pateta

Dois dias que nós cá estamos

Se falo estou a palrar

O sol é marco da lua

Diz-me lá sinceramente

Capitão ai que lindeza

Se já tiveste por mim

As estrelas são as chaves

Uma sombra de saudade

Amor da nossa firmeza

De amor, ciúme, enfim


Se um dia fores à serra

Daqui para muito longe

Pergunta lá por Mariana

O meu sentido caminha

É uma moça baixinha

Aonde ele vai parar

Que até no cantar tem fama

É que ninguém adivinha

Ó meu amor raios o partam

Ó longe que de mim estás longe

Mais quem tem em meu lugar

Ó longe de mim não estais

Raios partam a mim também

Nem tu ouves meus suspiros

Se jamais para ti olhar

Nem tu ouves os meus ais

Ó morte tirana morte

O cipestre verde triste

Eu de ti tenho mil queixas

Cópia da minha figura

Quem hás-de levar não levas

Verde qual minha tristeza

Quem hás-de deixar não deixas

Triste qual minha ventura

Querem à força que eu deixe

Se passares à minha rua

Um amor com quem engraço

Dá um sinal que eu entenda

Esse favor a ninguém

Dá um toque na calçada

Não me peçam que eu não faço

Como quem parte uma amêndoa

Quando eu não te conhecia

Os olhos da minha sogra

Nada de ti me importava

São duas sardinhas fritas

Sem pensamentos dormia

Quando vejo o raio da velha

Sem cuidados acordava

Até me revoltam as tripas

Messejana verde lima

Fui dizer à pedra dura

Lá na rua da igreja

Que o teu amor que era meu

Está meu amor à janela

Levava tanto calor

Vendo passar quem deseja

Que a pedra se derreteu

Dizem que a serra é serra

Lucinda vai ao monte

A serra também dá pão

Se queres ver cortiça em pilha

Na serra também se criam

As notas de cem escudos

Meninas de estimação

Andam numa debandilha

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Você vai à minha casa

Eu sou sol e tu és sombra

Verá minha prontidão

Qual de nós será mais querido

Eu ponho-te logo a mesa

Sombra de verão é regalo

Se queres comer leva pão

Sol de inverno apetecido

Minha terra é Messejana

Tua boca me parece

Eu não o posso negar

Um frasquinho de perfume

Toda a gente me conhece

Teus olhos meigos e ternos

Pelo modo de cantar

Me fazem passar ciúmes

Lá no meio daqueles mares

Ó meu amor lá de longe

Vem uma pombinha branca

Perde um dia vem-me ver

Não é pomba não é nada

Não me escrevas uma carta

São ondas que o mar levanta

Que sabes que não sei ler

Ó minha mãe, minha mãe

Ó meu amor lá de longe

Ó minha mãe, minha querida

Perde um dia vem-me ver

Quero tanto à minha mãe

Não escrevas uma carta

Como à minha própria vida

Que tenho que as dar a ler

O sol posto vai doente

Dizem que as mães querem mais

E a lua vai sangrando

Ao filho que mais mal faz

As estrelas são bacias

Por isso te quero tanto

Que o sangue vai aparando

Que tantas mágoas me dás

O sol prometeu à lua

Já lá vem o sol nascendo

Uma fita de mil cores

É o rei das alegrias

Quando o sol promete prendas

Como se há-de fazer velho

Que fará quem tem amores

Se nasce todos os dias

Olhos que não vêem olhos

Nem que o papel me custe

Senão de meses a meses

A jorna de uma semana

São esses os mais queridos

Nunca deixo de escrever

Que se vêem menos vezes

Cartas a uma fulana


O meu amor me deixou

Ó água que vás correndo

Porque eu tinha as botas rotas

Mansamente vagarosa

Ó meu amor não me deixes

Passa lá ao meu jardim

Que eu lá em casa tenho outras

E rega-me lá uma rosa

Eu bem sei que a tua gente

Toda a mulher que é bonita

Que diz mal à minha vida

Não havia de nascer

Que importa a mim o tronco

É como a pêra madura

Se eu vejo a rama pendida

Todos a querem comer

A rama que te pertence

Na urna fatal do amor

Tu havias de estimar

Pus o pé tirei a mão

Todos me dão conselho

Minha sina só me pede

Para eu contigo casar

Para amar teu coração

O meu amor me deixou

Por cima do lodo há água

Para amar outra mais fina

Por cima da água há areia

Com paixão engordo eu

Por cima de uma amizade

Choro pela testa acima

É que o amor se falseia

Tenho uma paixão comigo

Entrei no mundo chorando

Que me leva à sepultura

Hei-de morrer a sorrir

Do meu amor ser tão alto

Levar a vida cantando

E eu não ser da mesma altura

Amar, sofrer e sentir

Viver do amor ausente

Chamaste-me trigueirinha

Nunca pode andar alegre

Isso é pó da eira

Vê papel e vê a tinta

Hás-de-me ver ao domingo

Só não vê quem a escreve

Como rosa da roseira

Ó mar alto, ó mar alto

Alentejo não tem sombra

Ó mar alto sem ter fundo

Se não a que vem do céu

Mais vale andar no mar alto

Abrigue-se aqui menina

Do que nas bocas do mundo

Debaixo do meu chapéu

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Tua mãe diz que não quer

Passarinho mesmo preso

Tua mão ligada à minha

És mais feliz do que eu

Espera que morra o rei

Tu vives num cativeiro

Para casares com a rainha

Eu na dor que Deus me deu

O sol é que alegra o dia

Dizem que a terra que gira

Pela manhã quando nasce

Com os balanços do mar

Ai de nós o que seria

Gostava de ver o poeta

Se o sol um dia faltasse

Que viu a terra girar

Quem tiver filhas no mundo

Menina que estás à janela

Não ria das desgraças

Comendo pão com queijo

Que as filhas da desgraça

Faz da boca uma pistola

Também nasceram honradas

E manda para cá um beijo

Anda cá se queres água

Nestes campos solitários

Que os meus olhos ta darão

Onde a desgraça me tem

É pouca mas é clara

Brado ninguém me acode

É dada do coração

Olho não vejo ninguém

Anda cá amor

Todos dizem minha mãe

Que o meu bem és tu

Só eu não a conheci

Já não há carinhos

Numa cama de hospital

Para mais nenhum

Ela morreu, eu nasci

Perguntei ao sol se viu

Os montes são solidões

À lua se conheceu

Não me farto de dizer

Às estrelas se encontraram

Meu amor mora no monte

Amor mais firme que o meu

Que alegria posso eu ter

Ó olhos da minha cara

Os homens são todos falsos

Não olhem para ninguém

São filhos da falsidade

Já que perderam a graça

Às primeiras palavrinhas

Percam os olhos também

Mostram a ter amizade


Não se confiem nos homens

Quem me ouvir a mim cantar

Nem no seu palavreado

Dirá como está alegre

Não trazem porque não podem

Meu coração esta mais negro

O mundo todo enganado

Que a tinta com que se escreve

Por cima se ceifa o trigo

Ontem à noite sonhei eu

Ao lado ficam os molhos

Que te tinha nos meus braços

Quando as cegas me não querem

Acordei achei-me só

Fará as que têm olhos

Fiz o lençol em pedaços

Com mágoas no coração

Pus o pé na sepultura

Este laço vou deitar

Uma voz ouvi dizer

Do bem ou mal que te fiz

Como tu és já eu fui

Contas a Deus eu vou dar

Como eu sou hás-de tu ser

Quem entra aqui sózinho

O sol quando nasce é rei

Ficará bem assustado

Ao meio dia é morgado

Verá um baraço de linho

De tarde está doente

Ao meu pescoço lançado

À noite está sepultado

Jura amor que eu também juro

Tristeza minha tristeza

Faz uma jura bem feita

Deixa-me um dia qualquer

Jura que havemos de dar

Dentro em pouco com certeza

Na igreja a mão direita

Vês em mim outra mulher

Quando os meus olhos te viram

Ó coração retraído

Meu coração te avisou

Ó cara cheia de enganos

No jardim dos teus encantos

Foi a paga que me deste

Minha alma presa ficou

De te amar há tantos anos

O cantar de três em trempe

Tu pensas que és mais do que eu

De quatro forma o quadrado

Engana-te o coração

Bate o fraco no valente

Não és mais do que eu em nada

Fica o povo admirado

Só se for na presunção

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Fui sincera, não quiseste

Mandei fazer um relógio

Agora não quero eu

De talhadinhas de queijo

Vê tu bem o que perdeste

Para contar os minutos

Um coração que era teu

Nas horas que não te vejo

Pelo cantar da sereia

Ó pena maldita pena

Se perdem os navegantes

Ó pena maldita em mim

Perdem-se as mães pelas filhas

Todas as penas se acabam

As filhas pelos amantes

Só a minha não tem fim

Os olhos da minha cara

Tu dizes que não me queres

Já os tenho repreendido

Vê bem não digas porque

Quando olharem para alguém

Que há quem diga mal do ouro

Não olhem com má sentido

Somente porque o não vê

Antes que o meu pai me mate

Antes que o meu pai me mate

Minha mãe me tire a vida

E no fim me torne a queimar

Minha palavra está dada

Os restos das minhas cinzas

Minha mão está prometida

Para o teu lado hão-de voar

És um valverde no alto

Levanta os olhos do chão

Um girassol a brilhar

Olha para mim com jeito

És um cravo em formosura

Que te quero procurar

Que não te posso deixar

O mal que te tenho feito

Teus olhos teus lindos olhos

Ó falso que te encontrei

Teu olhar teu lindo olhar

Desde o princípio de amar

Tuas maneiras me fazem

Tão leal que te fazia

Contigo simpatizar

Quem me havia a mim julgar

Por cima se ceifa o trigo

Julgavas que eras o rei

Por baixo fica o tremez

Na batalha do amar

Quem namorar sempre alcança

Julgavas que eu que não punha

Um beijinho, dois ou três

Outro amor no teu lugar


Papagaio da pena verde

Cesirão é uma erva

Não venhas ao meu jardim

Que se enleia pelo trigo

Todas as penas se acabam

Ó que eu fosse cesirão

As minhas não têm fim

Enleava teu sentido

Alegre como este meu

Meu amor, quando abalar

Não há outro coração

Tres coisas te quero pedir

Mostrando tanta alegria

Firmeza e lealdade

Sofrendo tanta paixão

Segurança até eu vir

O pombinho quando abala

Dizes que gosto de ti

Deixa pena no pombal

Dizes bem e dizes mal

Meu amor quando se ausenta

Meu amor sem simpatia

Deixa pena tal e qual

Eu não quero saber de tal

O pombinho quando voa

Eu não sei que simpatia

Bate a asa na corrente

Que eu contigo vou tomando

Mesmo com o bico escreve

Quanto mais para ti olho

Cartas ao amor ausente

Mais gosto de estar olhando

O teu amor é puro

Não digas que a tua ausência

O meu ainda é mais forte

É uma separação

O que eu digo é uma escritura

Pois andarás toda a vida

Só te deixarei por morte

Dentro de meu coração

Abre-te porta de vidro

Senhora da Assunção

Fecha-te porta de ouro

Lá no meio dos olivais

Resolve teu coração

Senhora que estás fazendo

Vamos tratar do namoro

Milagres cada vez mais

Abre-te porta em ouro

Diz-me lá se acaso queres

Fecha-te porta em vidro

Fazer as pazes comigo

Resolve o teu coração

Dá a mão à palmatória

Que o meu está resolvido

Voltemos ao tempo antigo

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Com os pássaros da ribeira

Minha mãe é minha amiga

Eu me quero comparar

Tudo me ensina a fazer

Andam vestidos de penas

Não me ensina a namorar

O seu alívio é cantar

E eu também queria aprender

Quando as contrárias se juntam

A vila de Messejana

À porta fazendo renda

Tem duas coisas com graça

Aquela que está na posse

Tem o chafariz na ponta

Manda a outra vender tenda

E o pelourinho na praça

Quando as contrárias se juntam

Tenho um saco de cantigas

As duas no mesmo balho

E mais uma taleigada

Aquela que está na posse

Esta noite as canto todas

Faz da outra um frangalho

Amanhã não canto nada

Passarinho da ribeira

Não acredites em enredos

Empresta-me o teu vestido

Nem em quem tos foi contar

O teu vestido é de penas

Porque essa gente deseja

Eu nelas tenho vivido

De o nosso amor acabar

Quando o sol nasce inclina

Manuel que lindo nome

Na bandeira castelhana

Nome de nosso Senhor

Mais vale uma hora de amor

Calhou-me agora por sorte

Que a jorna de uma semana

Manuel ser meu amor

Amiga se és minha amiga

Tu ausente, eu ausente

Nunca digas mal de mim

Eu de ti e tu de mim

Considera que hás-de ser

Juntem-se os dois ausentes

Rosa do mesmo jardim

E a ausência terá fim

Quando eu era pequenina

Já te esqueceste de mim

Usava sapato branco

Tu já de mim te esqueceste

Agora que sou mulher

Eu para ti já morri

Nem sapato nem taimanco

Tu para mim já morreste


A mocidade se acaba

Fechei a porta à desgraça

À minha vou dando fim

Entrou-me pela janela

Às vezes me dá vontade

Eu sou filha da desgraça

De prantar luto por mim

Não posso fugir a ela

Eu tenho quarenta amores

Esta noite choveu leve

Só em quatro freguesias

Caiu a folha ao feijão

Dez em Serpa, dez em Moura,

Ó meu amor quem pudesse

Dez em Cuba, dez em Pias

Lograr teu coração

Alegria dos meus olhos

Não passes à minha rua

Eu não sei quem ma roubou

Não faças gosto em me veres

Alegre que eu era dantes

Se ainda tens lembranças minhas

Agora tão triste sou

Faz amor por te esqueceres

Eu adoro o cemitério

Ó minha mãe, minha mãe

Mas nele não faço empenho

Companheira de meu pai

Brevemente vou gozar

Também eu sou companheira

A morada que lá tenho

Dum cravinho que além vai

Tenho uma paixão comigo

O cantar parece bem

Que me serve de companha

É uma prenda tão boa

O dia em que ela anda ausente

Não enriquece ninguém

Já meu coração a estranha

Mas dá valor à pessoa

Quando eu tinha 15 anos

O cantar parece bem

Era menor de idade

É uma prenda bonita

Ensinaram-me a mentir

Não empobrece ninguém

Nunca mais falei verdade

Assim como não enrica

Malmequeres, bem me queres

Se eu morrer não é a morte

Tenho-os eu no jardim

Que eu pouca falta fazia

Bem me queres vão acabando

Levo horas a pensar

Malmequeres não tem fim

Que a terra há-de estar fria

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Eu não sou chorão pendente

Algum dia tu quiseste

Nem faia alta do chão

Não quis eu e fiz bem mal

Sou um amor neste mundo

Hoje quero eu e tu não me queres

Desprezada sem razão

Porque o direito é igual

Andas para aí a dizer

Ora viva para quem viva

Que me namoras a mim

Quem agora aqui chegou

É mentira, mentiroso

Estava para me ir embora

Que nunca te dei o sim

Agora já me não vou

Já fui amada dum conde

Ó meu amor quem te disse

Querida dum general

Que eu dormindo suspirava

Agora sou dum soldado

Quem to disse não mentiu

Olha a baixa que eu vim dar

Que eu alguns suspiros dava

Ó vila de Messejana

Suspirando dando ais

Ela lá e eu aqui

Passa meu bem pela rua

Nossa Senhora me leve

Não suspires, não dês ais

Para a terra onde eu nasci

Que jurei não ser tua

Tenho corrido mil terras

O cravo depois de seco

Cidades mais de quarenta

Foi-se queixar ao jardim

Tenho visto caras lindas

O jardineiro lhe disse

Só a tua me contenta

Tudo que nasce tem fim

Mandei ler a minha sina

Daqui para a minha terra

Uma noite á luz da lua

Tudo é caminho e chão

As linhas da minha vida

Tudo são cravos e rosas

Passavam à tua rua

Dispostos por minha mão

Fui um dia ver o mar

Se eu pudesse abrir meu peito

Fiquei muito admirado

Mostrava-te o coração

Para quem briga há tantos anos

Só assim darias creto

E sem nunca estar parado

Se eu te quero ou não


Tu cuidavas que te amava

Se eu soubesse cantar bem

Enganaste o coração

Como sei fazer cantigas

Não sou tão arrabaceiro

Andava de balho em balho

Que apanha fruta do chão

Divertindo as raparigas

Os teus olhos é que são

Baldoregas são sadias

A causa de eu te querer bem

Eu por mim não gosto delas

Que não me deixam tomar

Em vendo moças bonitas

Amizade a mais ninguém

Não me posso apartar delas

Os teus olhos é que são

As mulheres comparo eu

A causa de te querer bem

Com a folha da soaja

Culpa o teu rosto engraçado

Por cima é uma saia nova

Não cremines mais ninguém

Por baixo é só farrapaja

Contrária vive com gosto

Ó que rua tão comprida

Que eu vivo com sentimentos

À porta tem um letreiro

Contigo é o namoro

Mal empregada menina

Comigo é o casamento

Gostar tanto dum ferreiro

Contrária minha contrária

Subi ao céu e sentei-me

Contrária tem paciência

Duma nuvem fiz encosto

Todas nós somos amigas

Dei um beijo numa estrela

Da nossa conveniência

Cuidado que era o teu rosto

Quando as contrárias se juntam

Dá-me uma pinguinha de água

Uma à outra dando a mão

Dessa que eu ouço correr

Aquela que está na posse

Entre silvas e mantrastos

Faz da outra mangação

Alguma pinga há-de haver

O sol quando nasce inclina

Fui despor a salsa verde

Na aporta mais no batente

Lá no meio dos olivais

Como eu me inclinei

Para ver se te esquecia

Nos teus olhos para sempre

Cada vez me lembro mais

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Do jardim caiu um cravo

Ó amoreira da estrada

Partiu o pé à açucena

Deita para cá uma amora

Amei-te com tanto gosto

Que me quero ausentar

Deixei-te com tanta pena

Desta terra para fora

Atirei um anel de oiro

Quem me dera ouvir agora

À janela do Morgado

Uma voz á minha porta

Acertei na Morgadinha

Dizendo-me em voz alta

Agora vou degradado

Tua contrária está morta

Acredita meu amor

A minha contrária é alta

Acredita que é verdade

Hei-de a mandar serrar

Acredita que tenho

Fica de altura a meu gosto

Cada vez mais amizade

E lenha para queimar

Eu tenho uma contrária

Contrária minha contrária

Mas não vivo descontente

Contrária da mesma rua

Sei que tenho uma rodinha

Quem me havia de dizer

Aonde me limpo sempre

Que eu era contrária tua

Quando algum dia cantava

As estrelas do céu nascem

Ria-se o céu e a terra

Para companha da lua

Agora ficam chorando

Também eu nasci no mundo

Já eu não serei quem era

Para ser companha tua

O meu coração é teu

Mais alta que as altas nuvens

O teu de quem é não sei

Chegou a nossa amizade

O teu devia ser meu

Agora deu em descer

É essa a direita lei

Pela tua falsidade

Vou-me embora tu cá ficas

Os olhos meu amor

Ao desamparo do vento

Não são olhos são olhinhos

Eu depois quero saber

Fechados são duas rosas

O teu comportamento

Abertos são dois cravinhos


Ó olhos azuis

Algum dia para te ver

Pestanas morais

Punha-me à porta da rua

Mas que lindos olhos

Agora já dou dinheiro

Para darem sinais

Para não ver a sombra tua

Ó olhos azuis

Além vem abaixo

Que já foram meus

Meu bem me parece

Agora são doutra

De chapéu nos olhos

Paciência, adeus

Ninguém o conhece

Ó olhos, ó olhos

Ó amor, amor

Ó olhos, ó balas

Ó amor às vezes

Diz-me lá amor

Os dias pequenos

Porque não me falas

Me parecem meses

Meu amor está mal comigo

Alegria vai-te embora

As pazes não quer fazer

Que eu já não tenho prazer

Hei-de levar em meu brio

Para viver como vivo

De não lhe obedecer

Mais me valia morrer

Ó coração das três penas

Não venhas por mim dar passos

Dá-me uma que quero voar

Não venhas aonde eu estou

Eu quero ir ao céu em vida

Eu sou chão que já foi vinha

E em vida quero voltar

Nossa amizade acabou

Se eu soubesse que cantando

Já não sou quem era dantes

O meu amor que me ouvia

Quem era dantes não sou

Ainda que eu rouquecesse

Sou um quadro de paixão

Eu cantava todo o dia

Minha alegria acabou

Quem me dera ver agora

Olhos azuis são ciúmes

Quem vi ontem à noitinha

Os pretos enganadores

Um rapaz de chapéu preto

Estes meus olhos castanhos

Ao lado numa pancadinha

São leais aos meus amores

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Nem grandes punhados de ouro

Algum dia tinha eu

Nem as estrelas do céu

Nesta rua um cadeirão

Eu trocaria pelos olhos

Onde sentava meus olhos

Que a virgem santa me deu

Agora sento-os no chão

Coração arriba, arriba

Não sei o que hei-de cantar

Quem não pode fugir anda

No meio de tanta gente

Assim faz o meu amor

Vejo tanta boca aberta

Quando não pode vir manda

Tanto olho tanto dente

Ó meu amor, meu amor

Eu quero bem e não quero

Ó meu amor quem me dera

Dizer a quem quero bem

Gozar do campo as flores

A dizer não me está dado

Do jardim a Primavera

Para dizer não me convém

A minha mãe coitadinha

Os corações também choram

Não tem nada para me dar

Eu ainda não sabia

Dá-me beijos coitadinha

Ontem à noite acordei eu

E depois põe-se a chorar

Ao pranto que o meu fazia

A minha mãe coitadinha

Tenho dentro do meu peito

Ao ver-me nascer chorou

Ginja, Laranja, Limão

Coitadinha não tem sorte

Para ter a fruta toda

De certo se enganou

Falta-me o teu coração

Linda letra é um F

Eu não sei amor

Com um E acompanhando

Como te hei-de amar

É o nome e sobrenome

Que o mundo não tenha

Do amor que eu estou amando

De nós que falar

Minha mãe me disse ó filha

O meu lindo amor

Que destino é o teu

É um vai e vem

O meu destino é amar

Vai a toda a banda

Um amor que Deus me deu

Só aqui não vem


Ó coração retraído

Nossa Senhora me disse

Ó cara cheia de enganos

De cima do seu altar

Foi a paga que me deste

Ó filha faz por ser boa

De te amar há tantos anos

Que eu farei por te ajudar

Linda letra é um F

És clara como o leite

Para quem lhe dá valor

Vermelha como a cebola

Com um F é que se escreve

Dei-te beijos quantos quis

O nome do meu amor

Casar contigo, chô rola

Eu bem sei que não devia

À entrada desta rua

Esta hora estar cantando

Dei um abriu-se o chão

Estou aqui a divertir-me

Sepultaram-se as estrelas

Meu amor estará chorando

Morreu o céu com paixão

Ó lua vai-te deitar

Ó morte vem-me buscar

À porta da minha amada

Para a vista do senhor

Dá-lhe beijinhos por mim

Que estou farta de viver

Se ela estiver acordada

Neste mundo enganador

Anda cá amor

Eu sou triste vivo triste

Anda cá para aqui

Longe vai a minha alegria

Eu te quero ver

Eu sou triste e não me lembro

Que ainda não te vi

Se fui alegre algum dia

A perdiz anda na relva

Cuidava que não havia

Depenicando seixinhos

À meia-noite mercado

Também eu depenicava

Ouvi uma voz dizer

Da tua boca beijinhos

O peixe já foi comprado

Tive a morte à cabeceira

Eu cuidava que a paixão

A minha esperança perdida

Ao fim de tempo acabasse

Ou foi Nossa Senhora

Fui encontrar no meu peito

Ou foi Deus que me deu vida

A fonte onde ela nasce

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Já não tenho alegria

O meu lindo amor

Vivo no mundo sem gosto

Já não me vem ver

Nasce o sol torna a nascer

Decerto já tem

Para mim é sempre sol posto

Outro bem querer

Quem me dera dar um ai

Perguntei ao ribeirinho

Atrás de um ai outro desse

Que corria em desatino

Que chegasse e não passasse

Se me sabia dizer

De onde o meu amor estivesse

A sorte do meu destino

O meu amor não tem mãe

Já no céu não há estrelas

Está na casa de uma tia

Senão uma ao pé da lua

Ó que eu o pudesse trazer

Tenho corrido não acho

Para a minha companhia

Cara mais linda que a tua

Hei-de-te amar se me amares

Amor não sejas vário

Querer-te bem se me quiseres

Põe o sentido só numa

Eu hei-de fazer por ti

Tanto hás-de perguntar

O que tu por mim fizeres

Hás-de ficar sem nenhuma

Os teus olhos não são olhos

Eu bem sei que não devia

São duas pêras num ramo

Amar o teu coração

São abertos à nobreza

Foi o meu pouco juízo

Fechados ao desengano

Falta de consideração

Sabe lá amor

Se eu tivesse não pedia

O que mandei vir

Coisa nenhuma a ninguém

Uma chave de ouro

Mas como não tenho peço

Para teu peito abrir

Uma filha a quem a tem

Eu queria um dia morrer

Amiga nunca descubras

E depois ressuscitar

Segredos a mulher casada

Simplesmente para ter

A mulher conta ao marido

Outra vida para te dar

O marido ao camarada


O meu coração amor

Dizem que o verde é esperança

Até faz chorar as pedras

Eu por ti tenho esperado

Eu confesso-te a verdade

O encarnado é vingança

Tu a mim tudo me negas

Tu em mim te tens vingado

Tudo o que é verde seca

Dizem que o preto que é luxo

Em vindo o calor do verão

Eu por mim não quero usar

Só as penas em meu peito

Meu amor anda de luto

Cada vez mais verdes são

Quem lho pudesse tirar

Ó coração, coração

Chapéu preto não se usa

Não arrebentares tu

Uma cor que diz tão bem

Um coração cheio de penas

O que faz o meu amor

Sem ter alívio nenhum

Ao chapéu preto que tem

Entrei no mundo chorando

Comboio apita às onze

Hei-de morrer a sorrir

Para partir às onze e meia

Levar a vida cantando

Mesmo cantando lhe digo

Amar, sofrer e sentir

Não pretendo de voceia

Não sei se cante se chore

Adeus que me vou embora

Para alívio de uma pena

Adeus que me quero ir

Se canto tudo me esquece

Dá-me os teus braços amor

Se choro tudo me lembra

Que me quero despedir

Quando eu nasci chorava

Já não moro onde me viste

Com pena de ter nascido

No S. João de há um ano

Parecia que adivinhava

Moro na rua das mágoas

Que vinha viver contigo

Esquina do desengano

Eu não sei da minha vida

Fui ao campo passear

Da minha vida não sei

O campo era um jardim

Sei o que tenho passado

Não digas amor que não

O que hei-de passar não sei

Se o coração diz que sim

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A folha do alecrim

De noite sonho contigo

É uma folha miudinha

De dia só penso em ti

Meu coração não descansa

Esquecer-te não consigo

Enquanto não fores minha

Desde a hora em que te vi

A cantar te vou dizer

Desejava, desejava

Vou-te fazer um pedido

Ninguém sabe o meu desejo

Se pensas que ainda te quero

Desejava meu amor

Tira daí o sentido

No rosto dar um beijo

Vou-me embora, vou-me embora

Canto bem e canto mal

Para a semana que vem

Canto de toda a maneira

Para não deixar saudades

Canto alto, canto baixo

Não digo adeus a ninguém

De fala grosseira

Andas para baixo e para cima

No jardim dos aliados

Como o ouro na balança

Tua imagem vai comigo

Enquanto não fores meu

Embora muito afastados

Meu amor não descansa

Esquecer-te não consigo

Despedida, despedida

Meu amor ficou de vir

Sabe Deus quem se despede

É tarde já cá não vem

Para não te deixar chorando

Qual será a falsa ingrata

Faço a despedida alegre

Que para lá o entretém

Despedida, despedida

Ó alecrim rei dos matos

Como fez o passarinho

Ó ouro rei dos metais

Bateu as asas voou

Ó olhos enganadores

Deixou as penas no ninho

Porque razão me enganais

Eu jurei fiz uma jura

Todo o homem que namora

Na casca de noz que é forte

Quatro ou cinco raparigas

Se me jurares ser meu

Não é homem não é nada

Serei firme até à morte

Chama-se um mata formigas


Lavro a terra, ceifo o trigo

Minha mãe tem lá em casa

Tiro a cortiça aos sobreiros

Um Santo António velhinho

Também apanho azeitona

Quando as moças me não querem

Cantando os dias inteiros

Dou pancadas no santinho

Não é ceifar que custa

Anda aqui uma menina

Nem o rigor do verão

Que pesca com dois anzóis

É o maldito do macaco

Mas tem lindos penteados

E o cardo beija mão

Ai que lindos caracóis

Ó sol que vais andando

Na rua da minha amada

Não te ponhas parado

Não se pode transitar

O meu amor é pastor

De dia velhas ao sol

Quer ir recolher o gado

De noite cães a ladrar

Coitada de uma mãe

A cana verde no mar

Que cria um filho para soldado

Tem raízes na areia

Perde o nome do baptizo

Sou leal a todo o mundo

Pelo número que é chamado

Todo o mundo me falseia

Perguntei a uma mãe

Quando se encontra o amor

Qual era a dor mais sentida

Causando pena dá gosto

Se ter um filho na guerra

Sobressalta o coração

Ou uma filha na vida

Faz subir a cor ao rosto

Essa mãe me respondeu

Lisboa por ser cidade

Em todo triste e magoado

Também tem casas em vão

Para maior desgosto meu

Também tem moças bonitas

Tenho um em cada lado

Branquinhas como o carvão

Esta casa está caiada

Quem tem amores não dorme

Esta rua está varrida

Ouvi dizer a alguém

A mulher que é asseada

Mas ainda menos dorme

Pela rua é conhecida

Quem os quer e não os tem

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O lenço que tu me deste

Ó minha mãe da minha alma

Trago-o sempre no meu seio

Ó meu pai do coração

Com medo que desconfiem

Duzentos anos que eu viva

Donde este lenço veio

Não lhe pago a criação

Se os beijinhos espigassem

Eu sou devedor à terra

Como espiga o alecrim

E a terra me está devendo

Tinham muitas raparigas

A terra paga-me em vida

A cara como um jardim

Eu pago à terra em morrendo

A mulher e a galinha

Ai que maldito caminho

Pouco devem passear

Que tanta pedrinha tem

A galinha bicho come

Se não fosse a graça tua

E a mulher dá que falar

Não passava aqui ninguém

Deus do céu mandou à terra

Esta noite choveu papas

Um recado à mocidade

Ó moças tragam colheres

Que cantassem e bailassem

Quem quiser ouvir mentiras

Divertirem-se à vontade

Cheguem ao pé das mulheres

O amor nasce da vista

Fui ao céu por uma linha

E da mão quando se aperta

E desci por um balão

Dá-se um sinal entre os dentes

Fui pedir licença a Deus

Pisca-se o olho etecetra

Para amar teu coração

Eu bem sei quem está bem triste

O sol ofereceu à lua

Quem podia estar alegre

Uma fita de mil cores

Quem por quinze perdeu trinta

Quando o sol oferece prendas

Quem tudo quer tudo perde

Que fará quem tem amores

Encostada à braceleira

Tenho uma casa nas nuvens

Está Maria bracilando

Ao desamparo do vento

Qual será a venturosa

Quando estou livre de amores

Que para mim se está criando

Para lá vou passar o tempo


Nossa senhora do Monte

Andas vestida de luto

Tem um moinho na mão

Com toda a sinceridade

Para moer as mentiras

Andas ao gosto de todos

Das beatas que lá vão

Menos à minha vontade

Os amores de hoje em dia

Se eu tivesse penas de ouro

São falsos como o melão

Escrevia em papel de prata

É preciso partir muitos

Escrevia as ingratidões

Para se encontrar um são

Com que o meu amor me mata

De rôjo a um altar

Podes ir amor ingrato

Fui chorar a tua ausência

Já não quero nada teu

Nossa Senhora me disse

Porque foste dar a outra

Paciência, paciência

Coração que já foi meu

Cantando na linda rama

Quem tem pinheiros tem pinhas

Então dizendo os passarinhos

Quem tem pinhas tem pinhões

Muito feliz vai ser

Quem tem amores não dorme

Quem lograr os teus carinhos

Quem não dorme tem paixões

Debaixo de uma nuvem escura

Todo o homem que viaja

Nasce o sol e dá calor

Devia rezar uma vez

Toda a amizade esquecida

Quando vai à guerra, duas

Renova com mais amor

E quando se casa, três

As nuvens que andam no ar

Passarinho quando bebe

Espalhadas ao vento norte

Bate as asas na corrente

Só as penas em meu peito

Mesmo com o bico escreve

Quem as espalha é a morte

Cartas ao amor ausente

Alegria abandonou-me

Cantigas são pataratas

Pedi todo o meu prazer

Pataratas são cantigas

Para me ver abandonada

Às vezes com pataratas

Mais me valia morrer

Se enganam as raparigas

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Os olhos de quem namora

Mas que lindo chapéu preto

Bem conhecidos que são

Naquela cabeça vai

Estão olhando para as pessoas

Mas que lindo rapazinho

Fingindo que olham para o chão

Para genro do meu pai

Os meus olhos mais os teus

Os homens comparo eu

São os quatro a quererem bem

Com a cinza da barrela

Os meus querem-te a ti

Que se deita para a rua

E os teus não sei a quem

Sem se fazer caso dela

Os meus olhos com chorar

Neste campo solitário

Já nenhuma graça tem

Onde a desgraça me tem

Já os tenho repreendido

Grito e ninguém me acode

Que não olhem para ninguém

Olho não vejo ninguém

Olhos pretos romudinhos

Daqui onde estou, estou vendo

Feitos à flor do rosto

O monte do meu amor

Se não querias que eu te amasse

De que serve ver o monte

Não nascesses a meu gosto

Se não vejo o morador

Dá-me água dos teus olhos

Das flores que há no campo

Eles têm que eu bem vejo

A mais linda é o loendro

Não és parva bem entendes

Se me pai fosse teu sogro

Não é a água que eu desejo

Que me ficavas tu sendo

Comprei um chapéu pequeno

Abalei não sei para onde

Puseram-me o extravagante

Encontrei não sei quem era

Para falar ao meu amor

Encontrei o mês de Abril

Tenho aqui chapéu bastante

Há busca da Primavera

Chapéu preto desabado

Não julgues que te pretendo

Olhos à flor do rosto

Por seres por mim mirada

Se não querias que te amasse

Há muito quem vá à feira

Não nascesses a meu gosto

Sem vender nem comprar nada


Atirei com o verde ao verde

O rio Guadiana corre

Atirei com o verde ao ar

Quando corre vai zunindo

Atirei com meu sentido

Só me esquece o meu amor

Aonde não pode alcançar

Quando á noite estou dormindo

As estrelas do céu correm

O anel que tu me deste

Pelo astro às carreirinhas

Tenho-o lá arrecadado

Assim as prendas corressem

Fica-me largo no dedo

Das tuas mãos para as minhas

No coração apertado

Chamaste-me trigueirinha

O anel que tu me deste

Eu não me escandalizei

Quinta-feira de Ascensão

Trigueirinha é a pimenta

Fica-me largo no dedo

E vai à mesa do rei

Apertado na feição

Se canto é porque canto

Fui um dia aos tristes campos

Se choro é porque choro

Avistar a verde esperança

Se olho para ti sorrindo

Eu não me posso lembrar

Dizem que eu te namoro

Que vou morrer tão criança

Tenho que me deixar de cante

Ó amor pega na pena

Vou deixar-me da bebida

Escreve lá que eu vou notando

Porque vinho e aguardente

Escreve lá que eu por ti morro

Só me estragam a vida

Sem saber era nem quando

A saudade é uma flor

Vás-te embora mas não dizes

Que se põe em qualquer vaso

Adeus amor passa bem

Amor firme e leal

É essa a primeira prova

Só se encontra por acaso

De quem amor não me tem

Eu subi ao castanheiro

Alegre quem me fez triste

Para colher uma castanha

Sendo eu alegremente

Dizem que eu te namoro

Não sei a minha alegria

Ai que mentira tamanha

Como a tristeza consente

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Triste vida de quem ama

Eu amei um homem pobre

Mais triste de quem adora

Como nunca amei na vida

Mais triste de quem não vê

Agora em paga de amor

Seu amor a toda a hora

Fui desprezada e esquecida

Às vezes me ponho eu

Quem eu era já não sou

À porta do meu quintal

Que fazia já não faço

Para ver se vejo vir

Falta-me a luz dos meus olhos

Remédio para o meu mal

Falta-me o desembaraço

Muita pedra faz parede

Debaixo do chão seis metros

E muida parede altura

Tem a raiz da planta

O muito falar faz sede

Devia rebentar a língua

E a minha sede secura

A quem enlevos levanta

Mandei um recado à morte

Ó ingrato não te lembras

Que me viesse buscar

Eu jurei e tu juraste

Agora já estou repesa

Eu jurei e não faltei

De tal recado mandar

Tu juraste e faltaste

Cantigas são pataratas

Amor que tão falso foste

São razões leva-as o vento

Ainda te hei-de deixar

Mas não há vento que leve

Que eu não posso resistir

Estas do antigo tempo

Com tanta firmeza amar

Algum dia me juraste

Abre-me a porta que eu morro

Que eras meu até à morte

Não abras que eu já morri

Desde que à jura faltaste

Já que a morte me causaste

Nunca mais tiveste sorte

Fica-te agora sem mim

O meu amor é ferreiro

Depois que teus olhos vi

Todo o dia malha ferro

Dos mais todos me aborreço

Já me dói o coração

Olhos lindos como os teus

De ouvir bater o martelo

Não os vi nem os conheço


Quem da prata tira a liga

À porta do cemitério

Fica a prata degradada

Pus-me um dia a considerar

Quem por ti arrisca a vida

Olhando para a sepultura

Não pode arriscar mais nada

Terra que me há-de gastar

O passarinho tem penas

Fui um dia ao cemitério

Penas tenho eu também

Ao coveiro procurando

As deles todos as vêem

Se havia lugar escolhido

As minhas não vê ninguém

Para quem morria amando

Amores ao pé da porta

Já estive para morrer

Ninguém os queira amar

Nunca mais ver olhos teus

São como pintos de Verão

Foi-se o mal veio a saúde

Que andam sempre a piar

Posso dar graças a Deus

Não há ribeira sem água

Pus um A ao pé da lua

Nem rosa sem ser verdosa

Pus um M mais adiante

Nem namoro sem enredos

Pus um O e pus um R

Nem velha sem ser manhosa

São letras ao consoante

Diz que sim não digas não

Ser pobre não é defeito

Embora amor tu não sintas

E não desonra ninguém

O não envenena a gente

A mãe de Deus era pobre

Diz que sim antes que mintas

E Jesus pobre também

Fui-me deitar a dormir

Lá no meio daqueles mares

À sombra duma formiga

Está uma candeia acesa

Uma pulga deu-me um coice

Quando vou para a apagar

Ninguém me julgou a vida

Dá pulinhos à francesa

Por cantar nunca me esquece

Sete e sete são catorze

Quem Deus em descanso tem

Com mais sete vinte e um

Mas ao mesmo tempo digo

Tenho sete namorados

Quem morre já cá não vem

Mas não gosto de nenhum

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Quem está do amor ausente

Se eu deveras conhecesse

Como pode andar alegre

O teu mal interior

Vem o papel vem a tinta

Nem deveras nem mangando

Mas só não vem quem me escreve

Eu queria ser teu amor

Mesmo depois de eu morrer

Adeus rua de Alvalade

Meus ossos te hão-de amar

Adeus castelo ventoso

Para pagar a firmeza

Adeus Francelina Pato

Onde a vida não chegar

Neta do velho Fragoso

Disseste a quem me disse

Adeus castelo ventoso

Que de mim não pretendias

Toda a gente te deseja

Eu disse a quem te dissesse

Mas não te podem levar

Que ainda tu não me merecias

Que estás ao pé da igreja

Alegria abandonou-me

Cantar é bonita prenda

Perdi todo o meu prazer

É bonito o cantar bem

Para me ver abandonada

Assim como não enrica

Mais me valia morrer

Não empobrece ninguém

Alegria onde estás

Muito gosto eu de ouvir

Que não vens ao meu sentido

Uma bonita conversa

Anda vem daí tirar

Mesmo que vagar não tenha

Esta paixão em que vivo

Logo se me acaba a pressa

Dizer adeus com adeus

Inveja-me a mocidade

É triste mas sabe bem

Eu nela estou invejada

Só eu não posso meu Deus

Se o meu génio não se muda

Dizer adeus a ninguém

Ninguém me há-de ver casada

Dizem que o cantar é arte

O meu amor ontem à noite

Que Deus deu às criaturas

Não estava bom do sentido

Quem não sabe tratareia

Apertou-me a mão e disse

Como um cego ás escuras

Rosa branca vem comigo


Moro por trás da igreja

Lá no meio daqueles mares

Não ouço senão bater

Tem meu pai um castanheiro

É a morte que me chama

Que dá castanhas em Maio

Adeus amor vou morrer

Cravos roxos em Janeiro

Vou escrever à negra morte

Não cuidem por eu cantar

Com negros dedos mirrados

Que é alegre o meu viver

No livro dos infelizes

Eu sou como o passarinho

Tenho meus dias contados

Tanto canta até morrer

Eu pedia a morte a Deus

Tudo que é triste no mundo

E agora já estou doente

Devia agora ser meu

Paciência meu amor

Para ver se tudo junto

Que eu não posso viver sempre

Era mais triste que eu

Há quatro coisas no mundo

Eu era alegre bastante

Que eu desejava aprender

Agora tão triste vivo

Cantar bem, tocar viola

É de pensar que estou sendo

Namorar e saber ler

Desprezada sem motivo

Seis rosas num pé só

Os olhos da minha cara

Ditosa da mãe que cria

Já os tenho repreendido

António, Manuel, José

Quando olharem para alguém

Teresa, Custódia e Maria

Não olhem com mau sentido

Todas as Marias são

Os olhos da minha cara

Amigas de trajar bem

Como eram já não são

A minha amada é Maria

Fazem tanta diferença

Traja assim conforme tem

Como o Inverno do Verão

Todas as Marias são

Adeus rua de Alvalade

Amigas de bem trajar

Caiada de ponta a ponta

A minha amada é Maria

Podes amar quem quiseres

Traja assim ao regular

Comigo não faças conta

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Rua de Alvalade é minha

Coração não andes triste

Comprei-a com o meu dinheiro

Anda alegre se puderes

Quem lá quiser ter amores

Ainda te vai dar a mão

Tem que me pedir primeiro

Uma rosa que tu queres

Pus-me a contar às avessas

Quando passo à tua rua

As pedras duma coluna

À porta te vejo estar

Contei sete, seis e cinco

Bastante pena me fica

Quatro, três, duas e uma

De te não poder falar

Pus-me a contar às avessas

Quando passo à tua rua

As pedras duma calçada

E te não vejo assomar

Contei sete, seis e cinco

Fica-me a boca doendo

Quatro, três, duas e nada

De tanto assobiar

Se os meus olhos te namoram

O meu amor me disse ontem

Vai pedi-los ao meu pai

Que eu estava coradinha

Se ele te disser que não

Os anjos do céu me levam

Levanta-te e dá um ai

Se essa cor era a minha

Cantar como eu já cantei

Já não há quem queira dar

Serias tu a primeira

Um limão por um vintém

Cantar depois de casada

Para tirar uma nódoa

Como eu cantei em solteira

Que este meu coração tem

Adeus minha terra adeus

O tempo da mocidade

As costas te vou voltando

É o tempo da loucura

A minha boca vai rindo

Enquanto não há idade

Meu coração vai chorando

Nunca a bola está segura

Ó alegre mocidade

Não passes à minha rua

Ó desgraçado viver

Não faças para me ver

Quem ama não considera

Se ainda me tens amizade

O que lhe pode acontecer

Faz amor por te esquecer


Os teus olhos são os meus olhos

Há muito tempo que ando

Tu és a minha meiguice

Meu amor para te falar

O teu modo agrada ao meu

A vergonha me desvia

Quero-te bem já te disse

E o amor me faz chegar

Ó luar da meia noite

Andas para baixo e para cima

Não venhas cá de serão

Não atas nem desatais

Que isto de quem tem amores

Não amas o teu amor

Quer escuro e lua não

Nem deixas amar os mais

Aperta-me a minha mão

Os alegres passarinhos

Até eu dizer deixa amor

Já têm novo cantar

Quem mais aperta mais quer

Aprenderam só de ouvir

Quem mais quer mais sente a dor

Dois amantes conversar

Aperta-me a minha mão

És meu amor és minha alma

Até eu dizer deixa, deixa

És tudo não digo mais

Quem mais aperta mais quer

Hás-de ser eternamente

Quem mais quer menos se queixa

Sepultura dos meus ais

Acorda se estás dormindo

Passarinho vais voando

Que já é de madrugada

Diz-me para onde caminhas

Vem ver se ainda conheces

Se vires lá o meu amor

A fala da tua amada

Dá-lhe saudades minhas

Vai-te embora se quiseres

Ainda sou quem era dantes

Não digas que eu te mando

Ainda sigo os mesmos passos

Eu não troco o meu sentido

Em chegando à tua rua

Pelo teu que anda voando

As pedras para mim são laços

Muita fala, muita fala

Que ausência tão rigorosa

Não se chama cantar bem

Que eu agora vou a ter

De que serve a minha fala

Diz-me meu amor se custará

A quem preceito não tem

Estar-te amando sem te ver

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Abre o meu peito à esquerda

Das flores do meu jardim

Verás meu coração morto

A mais bonita é a rosa

Verás essa tua ausência

A hora em que te vi

O estado em que me tem posto

Foi uma hora ditosa

Se fores no domingo à missa

Tenho pena muita pena

Põe-te em sitio que eu te veja

Tenho pena porque sim

Não faças andar meus olhos

Tenho pena de gostar

Em leilão pela igreja

De quem não gosta de mim

S. João mais o S. Pedro

Planta do meu jardim

São dois santos sem igual

Que dá rosas sem botão

S. João ajuda à missa

Não te quero desfolhada

S. Pedro muda o missal

Dentro do meu coração

Eu tenho pedido a Deus

Tu quando te zangas dizes

Para aliviar meus pecados

Vai-te embora, vai-te embora

Nesta vida sejam poucos

Talvez um dia precises

E na outra perdoados

Daquilo que deitas fora

O nosso juiz é Deus

As dores do coração

O tribunal é o céu

Não se curam facilmente

A Virgem é a defesa

É impossível curá-las

A nossa alma é o réu

Quando se ama loucamente

Chaparro do descampado

Quatro rosas são um laço

Que dá boletas castanhas

Na capela de Jesus

Eu não posso meu amor

Queria morrer nos teus braços

Sofrer ausências tamanhas

Como Deus morreu na cruz

Ontem à noite fora de horas

Amor quando é amor

Meu amor estava cantando

Não pode ser disfarçado

Enquanto te divertias

Não se ama por favor

Estava eu por ti chorando

Nem por favor se é amado


Os teus olhos meu amor

O teu relógio não conta

São verdes como é o mar

As horas da minha vida

Tem a esperança com ele

Parece que está parado

Que os teus olhos vem roubar

Desde a tua despedida

Usas camisinha branca

Quando me encontro contigo

Não é falta de sabão

E não te posso falar

Andas envaiando as outras

Com os meus olhos te digo

Melhor o meu coração

O que diz o meu pensar

Na mesma campa nasceram

O lírio também se muda

Duas roseiras a par

Do jardim para o deserto

Dá-lhe o vento abana a rama

Também se ama de longe

Vêm-se as rosas beijar

Quem não pode amar ao perto

Ó alto chorão pendente

A flor da negra amora

Ó faia alta do chão

Cai na água faz-se em espuma

Sou um amor neste mundo

Aqui está quem te namora

Desprezado sem razão

Sem falsidade nenhuma

Até nas ondas do mar

Meu coração é de vidro

Tenho quem me queira bem

Pode estalar mas não dobra

Não é a primeira onda

Firmeza para te amar

É na outra que lá vem

Tenho eu até de sobra

Não há rosa sem espinho

Devagar e entoado

Nem espinho sem picar

É que se quer o bailinho

Não há amor sem ciúme

Não se rache o tabuado

Nem ciúme sem amar

Que a madeira é de pinho

Pus-me a olhar as estrelas

A fortuna dá-a Deus

Só a do norte deixei

E eu não Lha quero pedir

Por ser a mais pequenina

O que tiver de ser meu

Com teu rosto a comparei

À minha mão há-de vir

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Eu sou cravo e tu és rosa

Alfinetes são amores

Qual de nós valerá mais

E agulhas são vaidades

Os cravos andam no peito

Amores de fora da terra

E as rosas estão nos quintais

São dobradas saudades

Não penses por seres cravo

Nossa senhora me faça

Que vales mais do que a mim

O que lhe tenho pedido

Os cravos andam no peito

Se morrer levar-me ao céu

E as rosas estão no jardim

Se viver casar contigo

As estrelas miudinhas

Aqui tens meu coração

Fazem o céu ter composto

Fechadinho com três chaves

Assim são os sinalinhos

Abre-o mete-te lá dentro

Que o meu amor tem no rosto

Que tu sozinho bem sabes

Fui deitar-me sem ter sono

Não há ribeira sem rocha

Levantei-me sem ter dormido

Nem rocha sem arvoredo

À outra vez não me deito

Nem casada sem fezes

Sem de sono estar vencido

Nem solteira sem enredos

Já não passas à minha rua

Coitadinho de quem tem

Já não sobes a ladeira

Os seus amores em segredos

É trabalho que eu não tenho

Passa por eles na rua

De varrer essa poeira

Não lhes fala que tem medo

Eu jurei, fiz uma jura

Já não vou além do rio

Com ela quero cumprir

Já não passo além da ponte

Enquanto tu fores vivo

Já se acabaram as rosas

Outro amor não possuir

Da janela do meu monte

O meu amor não tem mãe

Ó coração pede, pede

O pai também lhe morreu

Terra para um jardim

Já o meu amor não tem

Que estes meus olhos se obrigam

Quem lhe queira mais que eu

A dar água até ao fim


Anda lá para diante

A minha mana cunhada

Ou tira-te do caminho

Foi assim que me avistou

Tenho o meu amor lá longe

Saudades mana nova

Não posso ir devagarinho

Que o meu mano te mandou

Para que quero eu os olhos

Amor vai e vem logo

Senhora Santa Luzia

À volta vem por aqui

Se não posso ver quem quero

Que eu baixarei meus olhos

A toda a hora do dia

Jurarei que os teus não vi

Não cortes a relva verde

Tenho dentro do meu peito

Que está na minha janela

Duas escamas de peixe

É a escada do meu amor

Uma diz que te não ame

Que sobe e desce por ela

Outra diz que te não deixe

Água clara não se turva

Minha fala, minha fala

Sem haver quem enode

Minha fala não é esta

Amor firme não se muda

Tao boa fala que eu tinha

Antes que queira não pode

Esta agora já não presta

Quem espera sempre alcança

Fui dispôr o malmequer

Diz o ditado traidor

Ao pé da esperança perdida

Eu espero e desespero

O malmequer secou-se

De encontrar o meu amor

E a esperança está perdida

Subi ao céu por fita azul

Tomara que Deus me leve

Desci por uma lilás

Já para debaixo do chão

Eu fui ao céu por ti

A todos dou alegria

Tu por mim não és capaz

Ninguém fica com paixão

Meu amor ficou de vir

É pena ver-te morrer

Mas por hora ainda não veio

Uma cara de alegria

Qual será a tirana ingrata

Se eu tivesse mão na morte

Que por lá o entreteu

Decerto que não morreria

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Tua gente não quer

Mocidade não é paga

Que eu seja teu amor

Não é paga por dinheiro

Dá-te a ti merecimento

Olha a diferença que faz

Tiram-me a mim o valor

O casado do solteiro

Menina que está à janela

Se pensas que és mais do que eu

Comendo pão com queijo

Desengana o coração

Faz da boca uma pistola

Só se fores na vaidade

Atira para cá um beijo

Em pessoa não és não

É um serafim sem fim

Gosto da minha casinha

É um fim que fim não tem

Não invejo a de ninguém

Para dar fim ao meu fim

Apesar de pobrezinha

É um fim que me entretém

Só nela me sinto bem

A lua vai amarela

Mandei-te embora sem pena

Levanta-te amor vem ver

Num dia chorei por ti

Não há mal que chegue à lua

Hoje estou arrependido

Nem ao nosso bem querer

Meu amor volta para mim

Subi ao céu por fita azul

Amar e saber amar

E desci por um balão

Amar e saber quem ama

Fui pedir licença a Deus

Amar quem tenha juízo

Para amar teu coração

Para se livrar da má fama

O encarnado se queixou

Namorei fui namorada

Que não tem bonita cor

Sempre com muito respeito

Olha como ele brilha

Nunca fui defamada

No rosto do meu amor

Por um qualquer sujeito

Ó coração, coração

Dizem que meu bem é feio

Não arrebentares tu

Eu por mim não acredito

Num coração cheio de pena

Se o vissem com os meus olhos

Não tem alivio nenhum

Já o achavam bonito


Não sei se cante se chore

Eu sou sol e tu és sombra

Para alivio de uma pena

Qual de nós será mais lindo

Se canto tudo me esquece

Eu sou sol vou andando

Se choro tudo me lembra

Tu és sombra vás seguindo

Quando eu pensei em amar-te

Sentei-me à beira do rio

Três mudanças fez o dia

Para a água ver correr

Estava o céu enevoado

Vi correr a dos meus olhos

Fazia sol e chovia

Para mais penas eu ter

Se canto dizem que canto

Algum dia nesta rua

Se choro dizem que choro

Tinha eu uma cadeira

Se olho para ti e me rio

Onde sentava meus olhos

Dizem que eu te namoro

Que agora vão de carreira

Coitado de um pai que tem

Se entrares no cemitério

Um filho para militar

Tira o chapéu que é devido

Quando vai debaixo de ordens

Verás o pobre na terra

Nem ao pai pode falar

E o rico no seu jazigo

No tempo que eu era amante

O azul já não se usa

Às vezes me acontecia

Quem o tem não é ninguém

Dava passos de marchante

Que fará o meu amor

Em vez de ganhar perdia

Ao fato azul que tem

Ó Inverno rigoroso

Não se me dava morrer

Que de mim ninguém tem dó

Tendo a salvação segura

Quem tem companha tem frio

Sabendo que havia ter

Para eu que durmo só

No teu peito sepultura

Dizem que o preto é luxo

O rouxinol é vadio

Eu por mim não quero usar

Passeia por onde quer

Meu amor anda de luto

É como o rapaz solteiro

Quem lho pudesse tirar

Enquanto não tem mulher

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António boca de prata

Ó meu amor lá de longe

Cintura de capitão

Chega-te aqui para perto

Cadeado do meu peito

Já me dói o coração

Chave do meu coração

De te ver nesse deserto

O meu amor é António

Eu não devia cantar

António é que se chama

Devia ter sentimento

Ainda que não seja assim

Devia de me lembrar

Nunca me livro da fama

Quem não vejo há muito tempo

Toda a vida tenho andado

Coitado de quem é parvo

Para me livrar dos Antónios

Todo o mal consigo tem

Agora Deus me deu um

Em vendo rir ou mangar

Que é a luz do meus olhos

Julga que lhe querem bem

A rosa depois de seca

Amiga se és minha amiga

Foi-se queixar ao jardim

Trata bem do meu amor

O jardineiro respondeu

Que o mesmo farei ao teu

Tudo no mundo tem fim

Se ele à minha casa for

Eu entrei no cemitério

Ai se é parva se é nência

À porta pus-me a chorar

Quem por um amor se mata

Olhando as sepulturas

Atrás de um amor vêem dois

Terra que me há-de gastar

Não há coisa mais barata

Fui um dia ao cemitério

Se de mim não pretendias

Um letreiro lá vi

Ó falso para que me olhavas

Que dizia estas palavras

Eu era cega e não via

“Não há paz senão aqui”

A loucura em que andava

O meu amor coitadinho

Não sei o que hei-de fazer

Coitadinho o raio que o parta

À triste da minha vida

Ainda não ganhou dinheiro

Por causa dos homens falsos

Para me escrever uma carta

Vê-se uma mulher perdida


Sou violeta nascida

Meu amor disse à mãe

Na relva do cemitério

Que me havia de deixar

Desprezas-me nesta vida

Agora deixei-o eu

Amo-te sobre o mistério

Toma lá vai-te gabar

De criança bem pequena

Ó coração retraído

Amei o teu coração

Ó cara cheia de enganos

Para agora me deixares

Foi a paga que me deste

Sem motivo nem razão

De te amar há tantos anos

Debaixo do chão seis metros

A flor do cravo é

Onde nada reverdece

Aos bicos recortadinha

Sepultou-se o meu amor

Meu coração não descansa

É paixão que não esquece

Enquanto não fores minha

Debaixo do chão seis metros

Ontem à noite à meia-noite

Onde o sol não tem entrada

Ouvi meu amor cantar

Sepultaram-me os meus olhos

Levantei-me e fui à porta

Não tenho alegria de nada

Para a cantiga escutar

Prometi a S. João

Amores ao longe são tristes

Se o meu amor se livrar

Só de saudades vivendo

Um raminho de alecrim

O meu amor está longe

Para pôr ao seu altar

De saudades vou sofrendo

Raparigas não namorem

Não comas os figos verdes

Rapazes que tenham coroa

Se não rebenta-te a boca

Olhem que é um pecado

O meu amor me deixou

Que Deus nunca perdoa

De saudades estou louca

Os padres também namoram

A saudade é uma flor

Namoram essa está boa

Que se planta em qualquer vaso

Eles têm coração

Se te disserem que amo outro

Que importa que tenham coroa

Meu amor não faças caso

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Cortei o pé da roseira

Eu tinha três cravos roxos

Para te dar uma rosa

Dispostos no meu jardim

Não a quiseste aceitar

Deus levou-me o mais lindo

Eu fiquei triste e chorosa

Leve-me também a mim

António de Santo António

Minha bela mocidade

Francisco de S. Francisco

Dos quinze para dezasseis

José de Nossa Senhora

São tantos que já lá vão

E Manuel nome de Cristo

E não voltam outra vez

Fui ao campo colher flores

Mocidade, mocidade

Colhi o pé da margaça

Como aquela que eu deixei

Arrasta-me como as cobras

Até as pedras choravam

Se eu um dia te for falsa

Quando delas me aparti

Se algum dia ao meio-dia

Alegre quem te fez triste

É que vires o sol nascer

Sendo tu alegre sempre

Nesse dia meu amor

Não sei a tua alegria

É que eu deixo de te querer

Como a tristeza consente

A folha da parra é

Tenho quezília aos ratos

Recortada a preceito

E tenho zanga às formigas

Porque é que não te esqueço

Que me romperam o saco

Se tanto mal me tens feito

Onde eu guardava as cantigas

No tronco de verde faia

Já não tenho alegria

Teu nome gravei um dia

Sou um vaso de paixão

A velha faia chorou

Tenha alegria ou não tenha

Só por ver o que eu sofria

Mas deixar de cantar não

Numa noite lá na eira

Já não tenho pai nem mãe

Eu jurei à luz da lua

Nem quem me esteja adorando

De não ser de mais ninguém

No céu estejam descansados

Se um dia não for tua

Que a terra os está gastando


Alegria abandonou-me

Se eu soubesse cantar bem

Perdi todo o meu prazer

Como sei fazer cantigas

Quando fui abandonada

Fazia dançar as velhas

Mais me valia morrer

Quanto mais as raparigas

A figueira dá os figos

Tenho sofrido e calado

Piroliteiro pirolitos

Sofrerei até ao fim

Se a genta casar os dois

Quem mais faz menos merece

Teremos filhos bonitos

Que assim me acontece a mim

Ó Algarve não te alegres

Alguém diz em tendo sede

Que eu vou-te cortar as guias

Ia beber ao teu monte

Não sabes que o Alentejo

Agora estou mal contigo

Merece mais simpatias?

Vou beber a outra fonte

O meu coração é de ouro

Suspirar é meu destino

Por dentro tem gavetinhas

Quando de ti vivo ausente

Abre-se com saudades

Nada no mundo me lembra

Fecha-se com palavrinhas

Só contigo estou contente

O meu amor é um cravo

Ó meu filho aonde estás

E eu sou rosa que o mereço

Minha mãe estou a cantar

Já mo quiseram comprar

Então acaba “a letra”

Cravo de amor não tem preço

E depois vem para jantar

Usas camisinha branca

Quem disser que o amor é louco

Não é falta de assabão

Queria ser louco também

Andas envaidando as outras

Porque um amor sem loucura

Que fará meu coração

Nunca faz feliz ninguém

Viver na vida não custa

Inda que o papel me custe

Só custa saber viver

A jorna de uma semana

Mas quantas vezes eu vivo

Eu não deixo de escrever

Com vontade de morrer

Cartas à Feliciana

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Inda que o papel me custe

Quando as tuas mãos aceito

Cada folha um tostão

Eu sinto satisfação

Eu não deixo de escrever

Até parece que és

Ao Jacinto da estação

Amor do meu coração

Quero-te bem, tenho-te ódio

O ciúme é uma prova

Olha amor o meu disfarço

De quem usa lealdade

Quero-te bem porque te amo

Onde não houver ciúme

Tenho-te ódio porque és falso

Não pode haver amizade

Amor que pretende amor

O maldito do ciúme

Não deve de arrodear

É um fogo abrasador

Diz o que tem a dizer

Aonde não há ciúme

Fala o que tem a falar

Nunca pode haver amor

Eu por mim tenho pretendido

Ó amor pergunta agrado

Nunca tenho arrodeado

Não perguntes formusura

Por falta de ocasião

Que uma mulher sem agrado

É que não temos falado

É pior que a noite escura

Não há luz como a do sol

Não há homem como Deus

Nem flor como a urtiga

Nem flor como a urtiga

Não há nada como ver-te

Nem amor como o de mãe

Inda que nada te diga

Haja quem contra diga

És a rosa dum jardim

O teu amor mais o meu

Jardim que mais rosas tem

O teu mais o meu amor

Só dou por mal empregado

O meu amor é António

O tempo que te quis bem

O teu seja lá quem for

Quando as tuas mãos aceito

Vai tirar água do poço

Aperto com saudade

Vai regar o sezirão

Oiço dizer meu peito

Que eu não pretendo de ti

Aumenta a nossa amizade

Nem da tua geração


Cantaste-me uma cantiga

Óh agora quando eu tinha

Que a ti próprio te ofendeste

Dezasseis para dezassete

Não digas que não me queres

Cantava, agora não canto

Que tu é que te ofereceste

Que a idade assim promete

Não digas ai a cantar

Óh agora quando eu tinha

Que isso é em ar de gozo

Quinze para dezasseis

A ti nunca me ofereci

Era então muito esperta

És um grande mentiroso

Não ia nos teus enganos

Dá-me da pêra madura

Quinta-feira de Ascensão

Da maçã uma talhada

Toda a erva tem virtude

Se não me deres da pêra

Já hoje vi o meu amor

Da maçã não quero nada

Quis-lhe falar mas não pude

Dá-me da pêra madura

Minha linda saudade

Da maçã talhada e meia

Quando me hás de tu esquecer

Se não me deres da pêra

Só quando eu não tiver vida

A maçã coma-a voçeia

Nem olhos para te ver

Desta mocidade nova

O meu par é pequenino

A mais sucata sou eu

Pequenino e resoluto

Tomara eu já que digam

É como o pão da padeira

A sucata já morreu

Que se come sem conduto

Eu queria comprar sucata

Desejava estar-te ouvindo

Que a sucata tem valia

A meu respeito falar

Pois se a sua mãe quiser

Onde quer que tu estivesses

Pois a minha também queria

E não soubesse de eu estar

Eu quero comprar sucata

Quem da sua terra abala

Que dá muito resultado

Como eu da minha abali

Bem me está a perceber

Perde o amor perde a graça

Que tenho amor acariado

Assim como eu a perdi

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Quando eu pensava ter

Meu amor disse que vinha

No mundo mais alegria

Quando a lua além viesse

Foi quando a maior paixão

A lua já além vem

Veio para a minha companhia

Meu amor não aparece

O trabalho é de quem canta

Chamaste-me pouca roupa

O proveito é de quem escuta

Se tens muita bom proveito

De resto ficam dizendo

Tenho menos que despir

Canta bem filho da puta

À noite quando me deito

Se ouvires dizer que morri

Quem desdenha quer comprar

Não tenhas pena meu bem

Toda a gente assim o diz

Que a morte de uma infeliz

Tu dizes que não me queres

Não deixa pena a ninguém

Mas fui eu que te não quis

Já não tenho alegria

O meu amor abalou

O prazer em mim findou

Não se despediu de mim

Tão alegre que eu era

O mar se torne em flor

Agora tão triste sou

E o barco seja um jardim

Os corações também choram

Ó António chama os cães

Eu ainda não sabia

Não os açudes que é feio

Esta noite acordei eu

É feio açudar os cães

Ao pranto que o meu fazia

A quem te faz galanteio

Se algum dia ouvires dizer

Não chames amor perfeito

Que eu de saudades morri

Às coisas que a terra cria

Não te rias meu amor

Amor perfeito há um só

Morro de saudades por ti

Filho da Virgem Maria

Tu queres subir bem alto

Quem tem amores paga direitos

Muito alto queres subir

Eu de te amar estou pagando

Olha quem ao alto sobe

Se esta lei não acaba

Muito abaixo vem cair.

De amores me estou deixando


Estou-te amando sem esperança

A flor da amendoeira

De ser tua não espero

É a primeira do ano

Eu sei que te não mereço

Esses teus olhos

Tudo isso eu considero

São os primeiros que eu amo

Deixa lá falar quem fala

Meu amor quer que eu tenha

Deixa lá dizer quem diz

Juízo e consideração

Quem quer deitar sempre deita

Tenha ele que é mais velho

Má fama a uma infeliz

Que é a sua obrigação

Eu quero-te tanto bem

O meu amor quer que eu tenha

Desejo a tua companha

Juízo e capacidade

Ainda não tive a ninguém

Tenha ele que é mais velho

Uma amizade tamanha

Que eu sou de menor de idade

Já não tenho alegria

Ó rapaz dos polvarinhos

Vivo no mundo sem gosto

Donde veio para onde vai

Nasce o sol torna a nascer

Diga-me lá se são seus

Para mim é sempre sol posto

Ou se os herdou de seu pai

Andas para baixo e para cima

Menina faz gosto em saber

Como o peso na balança

Digo-lhe com muito gosto

Enquanto não fores minha

Comprei-os ao seu pai

Meu coração não descansa

Que a sua mãe lhe tinha posto

Do céu caiu um suspiro

Já que me pedem que cante

Partiu o pé à açucena

Sempre lhe faço a vontade

Amei-te com tanto gosto

Eu não sei que gosto tenha

Deixei-te com tanta pena

Ouvir cantar quem não sabe

Chorai olhos, chorai olhos

Minha fala é baixinha

Chorar também alivia

Não a posso levantar

Em muitas ocasiões

São erros da natureza

Se não chorasse morria

Não os posso emendar

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Os olhos azuis são falsos

Tua mãe de mim não gosta

Os pretos enganadores

Eu dela gosto outro tanto

Estes meus olhos castanhos

Juntaram-se os dois gostos

São leais aos seus amores

Por milagre de algum santo

Sou feia eu bem conheço

Duvida do evidente

Eu não tenho simpatia

Duvida de tudo enfim

Certas figuras do mundo

Duvida de toda a gente

Eu para mim não as queria

Mas não duvides de mim

Os olhos pretos são falsos

Querem dizer os suspiros

Os azuis são lisonjeiros

Que eu por ti solto mil ais

Estes meus acastanhados

Saudades essas dizem

São leais e verdadeiros

Que ninguém as sente mais

Não cortes a oliveira

Eu cuidava, eu cuidava

Não lhe ponhas o machado

O cuidar não é saber

Que ela dá o azeite

Eu cuidava que tu tinhas

Para alumiar o sagrado

Outro modo de viver

Remédio para todo o mal

Minha sogra é minha amiga

Procura-se na botica

Ofereceu-me uma panela

Só para a saudade é que não

Se ela não me der o filho

Quem na tem com ela fica

Parto-lhe a cara com ela

Eu subi a um calitrio

Meu coração para duas

Com teu retrato na mão

Partilha nenhuma tem

Descalitri-me lá de cima

Não sei o que hei-de fazer

Parti as trombas no chão

Se eu às duas quero bem

Quando eu era rapaz novo

Meu amor quer que eu tenha

Às vezes me acontecia

Capacidade e juízo

Dava passos de marchante

Tenha ele que é mais velho

Em vez de ganhar perdia

Que ele também tem preciso


José que lindo nome

O amor é uma albarda

Quem foi a tua madrinha

Que se põe a quem quer bem

Quem te pôs a ti José

Eu para não ser albardada

Sabia a tensão que eu tinha

Não tenho amor a ninguém

Rua da pouca farinha

O amor é uma albarda

Já tem largo do chiado

Um albarda é o amor

Por baixo o estreito da moda

Não sei que albarda é essa

Por cima o bibe cansado

Que todos a querem por

Já tem largo do chiado

Tenho olhos para ver

Rua da pouca farinha

Ouvidos para ouvir

Por baixo o bibe cansado

Tenho boca para falar

Por cima a direitinha

Coração para sentir

Tenho sofrido e calado

O 25 de Dezembro

Sofrerei até ao fim

Todos estão esperando

Quem mais faz menos merece

Uns cantam e outros choram

Que assim me acontece a mim

Dos seus se estão recordando

Algum dia em tendo sede

Uma das minhas amigas

Ia beber ao teu monte

Aquela que eu mais estimava

Agora estou mal contigo

Apanhou-me o meu amor

Vou beber a outra fonte

Para ver se eu me zangava

Suspirar é meu destino

Amigas todas nós somos

Quando de ti vivo ausente

Da nossa conveniência

Nado no mundo me lembra

Apanhei-te o teu amor

Só contigo estou contente

Amiga tem paciência

Os corações não se vendem

Amiga que és minha amiga

São jóias de alto valor

Cada vez te quero mais

Não se vendem nem se dão

Amas um bem que eu adoro

Ganham-se à força de amor

Nossos gostos são iguais

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Não tenho amor a ninguém E ninguém me tem a mim Assim vou passando o tempo E a mocidade no fim Não sei cantar não sei ler Nem ao menos sei falar Quanto mais me não valia Saber-me desplicar Já te mandei uma carta Sem letra nenhuma dentro Amor para te fazer dar Mil voltas ao pensamento Vou cantar uma cantiga Que eu sei que tu a sabes As minhas estão em gavetas Já mandei buscar as chaves

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Nos bailes de roda

Ela – para que me apertas a mão E os dedos para que me ajuntas Olha que estás enganado Que eu não sou quem tu perguntas Ele – Eu não te apertei a mão Olha que estás enganada Se eu ta tivesse apertado Talvez ficasses calada Ela – Namorei-me, namorei-me Não me soube namorar Namorei-me de um ingrato Que não me soube estimar Ele – Eu não te soube estimar Mas vou-te estimar agora Vou-te pôr uma vidraça Com as bordas do cú para fora Ele – esta porta não tem postigo E eu faço mangação com dela É para pagar as favas De a dona dar à tramela Ela – esta porta não tem postigo Mas com ela posso brincar A porta não tem postigo Mas é boa de fechar Ela – Eu não acho quem me mate O meu gosto era morrer Causador da minha morte Não acho quem queira ser

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Ele – menina não peça a morte Não queira morrer ainda É pena que a terra gaste Uma figura tão linda Ela – Contrária minha contrária Vamos fazer um contrato Eu fico com o amor Tu ficas com o retrato Ela – Eu fico com o retrato Com o amor ficas tu Quem fica com o amor Meta o retrato no cú Ela – Mais alto que a vista alcança Ninguém devia de olhar Quem correr de gosto não cansa E eu corri até cansar Ele – Devendo-te alguma coisa Se eu por acaso ficasse Sempre devias de olhar Que eu um dia te pagasse Ele – Menina que tanto sabe Também sabe assoletrar Também me sabe dizer Quantos peixes há no mar Ela – Quantos peixes há no mar Vou-lhe desde já dizer São metade e outros tantos Fora os que estão para nascer Ele – não te faças tão exacta Considera que és mulher Posso-te eu armar o laço Caires como outra qualquer

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Ela – Deus me dê juízo e tino Caminhos para seguir Podes tu armar o laço Eu passar e não cair Ela – já tenho a vista cansada De olhar para a porta da rua Diz-me lá ó meu amor Que demora foi a tua Ele – Já cantaste a cantiga Já mataste o desejo És árvore de muita rama Anda cá que eu te varejo Ela – Não vejo mover um peixe Naquela ditosa praia Eu não quero saber de si Senhor Evaristo Maia Ele – Cala-te aí franganita Que ainda não tens crista Prego-te uma mão no rabo Ficas com o cú à vista Ela – Eu casei-me, cativei-me Nunca tal coisa fizesse Deixei minha liberdade É paixão que me esquece Ele – Eu casei-me, cativei-me Troquei a prata por cobre Troquei minha liberdade Pelo dinheiro que não corre Ele – Não digas que não, que não E que nunca há-de ser Tanto bate a água na pedra Até que a faz embrandecer

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Ela – A pedra nunca embrandece Bata a água que bater Eu digo que não, que não Nenhuma vez há-de ser Ele – Menina que sabe ler Faça-me a explicação Há-de-me saber dizer Quantas calmas há no verão Ela – Quantas calmas há no verão Eu lhe vou explicar São metade e outras tantas E as que Deus tem para mandar Ele – A senhora Bárbara Tadeia Sempre a dizer-me está Senhor Manuel vá à minha casa Que a minha mãe não está lá Ela – Senhor Manuel Mestre Não esteja aí a mentir Se lá vai é porque quer Que eu não o mando lá ir Ele – Com licença entra o pinto O seu papo quer encher Onde há galos de fama Que vêm pintos cá fazer Outro – Se tu és galo de fama Eu sou pinto de vintém Quando o galo para lá vai Já o pinto de lá vem Ela – (Amiga) Amiga nunca descubras teus segredos a ninguém Uma amiga tem amigas outra amiga, amigas tem

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Ela – (Amiga) Amiga os nossos segredos ninguém os há-de saber só se a terra os descobrir quando uma de nós morrer Ele - Diga-me lá prima Ana Diga-me lá mas não minta Diga-me lá se namora O sapateiro da quinta Ela – O que se importa alguém Com a vida de cada qual Que namore que não namore Que vá bem ou que vá mal Ela – Chamaste-me pé de ginja Eu não sou tão delicada Não sou bonita nem feia Sou em ti mal empregada Ele – Já no celeiro não há trigo Como pode haver farinha Como podes tu ter tino Cabeça de ventoinha Ele – Quatro com cinco são nove A contar não quero mentir Ó moços nunca se invejem Em criadas de servir Ela – Quatro com cinco são nove Eu contas não faço mais As criadas de servir São mulheres como as mais Ele – O primeiro amor que eu tive Vendi-o por um tostão Toda a gente me dizia Fizeste bem Manuel João

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Ela – O primeiro amor que eu tive Vendi-o por um vintém Toda a gente me dizia Alice fizeste bem Ela – O senhor Manuel Penedo Porque não se tem casado Mais logo é um galo velho Caem-lhe as penas do rabo Ele – Não me quero casar em velho Já que não casei em moço Não quero usar na cabeça Um chapéu de abas de osso Ele – Delicada da cintura A cabeça levezinha Tudo tens com fartura A vergonha é poucochinha Ela – Eu tenho a cabeça leve E o corpo delicado O que tenho com fartura É em ti mal empregado Ele – Vestidinho cor-de-rosa Que esta noite se estreou Está bonito está bem feito Meu dinheiro é que o pagou Ela – Andavas e não falavas Oferecer-me não convém Tu deste eu aceitei Que Deus pague a quem faz bem Ele – É bonita como o forno Delicada como um cesto Para seres burra acabada Já só te falta o cabresto

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Ela – A mim falta-me o cabresto A ti falta-te a albarda Quem canta cantigas destas É uma besta quadrada Ele – Da minha janela à tua Vai o salto de uma cobra Quem me dera já chamar À tua mãe minha sogra Ela – À minha mãe tua sogra Tu nunca hás-de chamar Da minha janela à tua Nunca a cobra há-de saltar Ele – Deixa-me lá cantar Uma cantiga das minhas Que eu quero saber noticias Do baile das Fontainhas Ela – Do baile das Fontainhas Não tenho nada a dizer Como não foi convidado Já está a rasmorder Ele – Ao baile das Fontainhas Não tenho nada a prantar Eu para aqui estou rasmordendo Tu para aí estás a ladrar Ele – És clara como o leite Vermelha como a cebola Dei-te beijos quantos quis Casar contigo, chô rola Ela – O senhor que me cantou Também tem a sua gola Veja lá bem o que diz Não seja gabarola

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Ela – Quem tem caixa tem tabaco Quem tem tabaco é quem fuma Quem canta cantigas dessas Não tem vergonha nenhuma Ela – Ao tocador de viola Moças dêem-lhe galinha Passada pelos meus dentes Cá para a minha barriguinha Ele – Moças deem-me galinha Que eu fico-lhe agradecido Vai para a tua barriguinha Depois de eu a ter comido Ele – Esse teu dar à cabeça Causa-me admiração Quando tens mosca de inverno Que fará em vindo o verão Ela – Estás de fora vendo o balho Anda daí vem balhar Não tenhas medo das moscas Elas não te hão-de matar Ela – Se te amei foi falsidade Só para o tempo passar São coisas da mocidade É de aproveitar Ele – Olha o gosto que tiveste Que só te deu prejuízo Deste demonstração De ter falta de juízo Ela – Tenho um jardim mal tratado Só existe uma flor Diz-me amiga Catarina Onde existe o meu amor

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Ela – (Outra) – Querida amiga não chores Por um bem que se ausentou Quem se ausenta logo volta Que eu nessa esperança estou Ele – (Irmão) – Parece que estou ouvindo A voz duma irmã das minhas Dizem todos os meus amigos Não tens o valor que tinhas Ela – Repara leva sentido Estamos no fim da semana Dizem as minhas amigas Futuras mal da tua mana Ele – (Irmão) – Tenho uma casa nas nuvens Aonde combato o vento Desculpa-me minha mana Que isto foi para passar o tempo Ela – Senta-te aqui ó meu mano Tu numa pedra eu noutra Chorando nossa desgraça Já que a ventura é tão pouca Ele – Se um homem bem pensasse Na falsidade da mulher Talvez nem chegasse A falar com ela sequer Ela – Eu nunca gostei de ti Nem pensei em amar-te Se eu nunca te atendi Para que assim gabares-te? Ele – Diz-me lá porque razão Tu não me falas amor Sendo tua obrigação Falares seja a quem for

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Ela – O amor quer-se encoberto Já o devias saber Nem ao longe nem ao perto Não se deve dar a ver Ele – As criadas de servir Têm muita presunção Algumas são muito várias Invejam-se no patrão Ela – Quatro com cinco são nove Eu contas não faço mais As criadas de servir São mulheres como as mais Ele – Menina que tão bem canta E a cabeça que lhe abana Quem está de fora diz Muito cabra é fulana Ele – Eu tenho ouvido dizer Que ovelhas não são para mato Eu sou cabra tu cabrão Ó meu barbas de chibato Ele – Um copinho, dois copinhos Três copinhos de aguardente As moças de Messejana Fazem um moço andar quente Ela – Um copinho, dois copinhos Um copinho de licor Uma porrada nos cornos Passa-te logo o calor

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