DYLAN DOG VOL. 8

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A BATIDA DO TEMPO

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História originalmente publicada em Dylan Dog nº 154 (Itália, julho de 1999) Londres, hoje.

Ou, talvez, fosse melhor dizer “o nevoeiro de Londres, hoje”. Londres não se vê, mas está ali, vá por mim. Aliás, se aguçar a vista e, sobretudo, usar um pouco a imaginação, pode até vê-la.

E, se aguçar a vista mais um pouco, pode ver algo mais. Um grupo de idosos que anda numa calçada, em busca de uma porta que não acham.

kensington street deve ser esta!

devia ter uma placa de rua aqui por perto...

ai!

grande, grenville! já achou!

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olá... aposto que não achavam a casa, né?

eu sou william, não harold! harold é ele!

eu me lembrava onde era... mas quem guiava era o harold!

ou não? não me lembro mais...

e daí? era o harold quem guiava, não?

tudo bem... sentem-se! eu preciso de um voluntário pra servir o chá e os salgadinhos!

foi por isso que não deixamos você guiar, arthur! esqueceu os óculos em casa!

eu ajudo! espero que os salgadinhos não estejam crocantes demais... também esqueci a dentadura!

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edward, tem adoçante? eu não posso ingerir açúcar... a glicemia está alta...

quem disse isso? o médico? pra mim ele diagnosticou uma intoxicação e era só uma inflamação da cervical! eu estava mal, vomitei tud...

aham... posso ter a atenção de vocês, amigos?

brincadeira...

sabem muito bem que não estamos aqui pra ver a final da liga dos campeões! ah, não?

brincadeira inoportuna! com esta coisa não se brinca!

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vamos votar! vou chamar um por um e, quem estiver de acordo, levante a mão direita! que foi, grenville?

sem rodeios... o que nós vamos fazer é um crime! o problema é se estamos todos de acordo!

a artrose... erguer o braço direito dói! pode ser o esquerdo?

eu voto sim!

arthur?

harold?

tá, pode ser o esquerdo! eu sou william! mas voto sim!

harold?

como o meu irmão, sim!

eu idem! estamos todos de acordo! então... vamos fazer!

grenville?

também digo sim!

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Dissolvência. Temos que abrir parênteses. Para isso, vamos fingir que entramos no nevoeiro.

Estamos nos movendo nas ruas. Pode não dar pra ver bem, mas estamos nos movendo. Bem, furamos o nevoeiro, saindo em outro ponto, e abrimos os parênteses imaginários...

...aqui. Bem diante dos olhos do senhor Avery Maine.

É um zumbido. Está ouvindo? É o som dos pensamentos do senhor Maine às cinco e vinte e cinco da tarde de um sábado qualquer.

Agora nos movemos de novo, dentro dos olhos e da cabeça dele. Se agora fecharmos os olhos e aguçarmos a audição, ouviremos um rumor. Não, não o tique-taque. Esse som é do relógio de pêndulo.

O senhor Maine pensa... “é a hora do chá. existem tardes especiais, e esta é uma delas, que me dão uma sensação estranha. como se as batidas do tempo parassem numa hora indefinida, uma eternidade e meia atrás.”

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“digamos que tudo me parece irreal, a começar pela fatia de limão do chá, porque eu não sinto o gosto dela.”

“mas digamos que o que eu vejo na tv seja falso, porque sempre foi falso, sem chance alguma de uma mínima verdade.”

“e a minha esposa, que passa e me faz uma rápida carícia no ombro, eu não sinto, é como se a mão dela me atravessasse, ou como se eu passasse através dela.”

“mas ao menos o leve ronronar do gato adormecido no sofá, ao menos isso deveria me soar real, só que não.”

“assim como o som do rock do quarto dos meninos. soa opaco como uma gravação feita numa fita já usada doze vezes, como uma gravação pirata dos anos 60 que não será salva pela remasterização digital.”

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“cinco e meia da tarde.”

“ou, no máximo, surreal.” “a tv mostra sua majestade real. ela pode ser real, mas aqui tudo parece irreal.”

“eu tenho a sensação de que em doze segundos exatos eu vou cair dentro da minha xícara de chá.”

“vou afundar como um torrão de açúcar...”

“...e, como ele, vou me dissolver...”

“...e parar no fundo, dissolvido como os meus pensamentos.”

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“ninguém vai perceber nada.”

“talvez só o nelson vá abrir um olho, distraído, e voltar a dormir.”

“e, talvez, hoje à noite, à luz de uma lua indiferente, ele vai recitar para mim um canto gatesco, suscitando o interesse de uma gata romântica e a irritação dos vizinhos.”

falou comigo, querido?

achei que tinha dito algo! só estava pensando em voz alta!

hã?

oh, não, eu não disse nada! digo, nada importante!

Fechemos os parênteses.

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A BATIDA DO TEMPO Texto: MICHELE MEDDA

Desenhos: LUIGI PICCATTO

está ali, sir! cadê?

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é horrível, sir... é só um menino, deve ter uns doze anos...

bloody hell!

sim... tire o corpo dali!

mas... inspetor, o médico legista ainda não examinou...

e como ele vai examinar? vai descer por uma corda na lateral do barco? tirem o menino dali... agora!

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