Edição 6
Amazônia Fora da caixa
Editorial A Amazônia respira. Durante a maior parte da minha vida, acreditei que morar onde moro era um atraso. Estimulada pela ideia de que tudo que envolvesse comunidades tradicionais, floresta, barquinho pó-pó-pó, era superado, eu acreditei que a Amazônia era um lugar precário pela sua própria essência. E não era só eu: a cidade inteira não suportava a si mesma. Aqui em Belém, viramos as costas para o nosso rio - mais simbólico gesto não há para negar nossa “ribeirisse”. O resto da região idem. Alguém vende esse derrotismo para a gente, junto de um bando de esteriótipos sobre nós mesmos. Nos oferecem - a nós! Índios, ribeirinhos globalizados, o tal misto de culturas que negamos cegamente -, posturas negativas acerca da nossa história como um povo: uma disputa entre paraenses e amazonenses. O apagamento das comunidades quilombolas e a desvalorização dos negros. A falta de valorização dos produtores de cultura que não têm acesso aos processos de massificação. Essa edição quer começar a costurar o nosso pensamento sobre a Amazônia. A nossa infraestrutura é precária, mas usar esse fato para ignorar nossa história e nossas práticas integradas, a nossa Amazônia, é um erro dos mais feios. Palafita não é demérito, motor de rabeta muito menos. A Amazônia vive. E resiste.
Juliana Araujo - Editora-chefe
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NA CUIA REVISTA CULTURAL Para contatar qualquer departamento da revista: nacuiarevistacultural@gmail.com @revistanacuia /nacuia REDAÇÃO Bianca Brandão, Caio Jesus, Juliana Araujo, Louise Lessa, Luciana Vasconcelos, Madylene Barata, Matheus Botelho, Stéfanie Olivier, Vitória Mendes CHEFE DE REDAÇÃO Matheus Botelho
DEPARTAMENTO DE ARTE & DESIGN Diretora de Arte e Diagramação: Lorena Emanuele Arte: Luana Lisboa DEPARTAMENTO DE FOTOGRAFIA Diretora de Fotografia: Bianca Brandão Fotógrafas: Louise Lessa e Madylene Barata REVISÃO E FINALIZAÇÃO Vitória Mendes Madylene Barata EDITORA-CHEFE Juliana Araujo
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO Coordenação de Mídias Sociais: Ana Luiza Rocha FOTO DE CAPA Planejamento de Comunicação: Mariana Guima- ParÁFRICA rães
~ Ediçao
5 - I Congresso Estadual do Carimbó por Juliana Araujo
8 - Difundindo Saberes por Matheus Botelho
12- Na Cuia Indica: Jaloo por Vitória Mendes ~
14 - A África também é aqui por Bianca Brandao
30 - Resenha: O Abutre por Stéfanie Olivier
32- Ainda sem Poesia
Erramos... Na Agenda Cultural do mês passado anunciamos BoulevArt ao invés de BoulevArte. Falha nossa!
I Congresso
Estadual do Carimbó Juliana Araujo
O carimbó foi registrado como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, no ano passado. Exploramos esse tema na 1ª edição
da revista, mas a movimentação política da Campanha do Carimbó se desenrolou em encontros pelo Pará, com a finalidade de convocar os grupos para a participação no I Congresso Estadual do Carimbó.
Durante os três dias de debates e palestras, foi
lugares que a viagem é longa, como Santa
possível desenhar, mesmo que em rascunho, um Pará do
Cruz do Arari, que é de 10 horas. Tem de-
carimbó, que sofre com a precariedade de infraestrutura
legado que não veio porque tava atraves-
e uma luta inferida pela tentativa de sobreposição do sa-
sando a ponte da comunidade do Cacau,
ber tradicional sem retorno para quem produz a matéria
próximo a Colares e ela desmoronou”. As
prima – o carimbó.
diversas dificuldades estruturais das cida-
Quando chego, Isaac Loureiro, que organiza o
des do interior em que o ritmo se manifes-
movimento, me avisa que a programação não começaria
ta estão extremamente ligadas à realidade
na sexta. Alguns grupos tiveram dificuldade de sair de
não só do movimento, mas das próprias
suas comunidades em tempo hábil. Isaac explica: “Tem
letras das músicas.
Roberta Brandão, assessora do Congresso, fa-
lou, logo no primeiro dia do evento, de como os envolvidos nas manifestações culturais são resistentes. No Festival de Carimbó de Marapanin, a jornalista presenciou uma cena quase cinematográfica: policiais armados tentaram acabar com uma roda de carimbó. “Não dava para identificar que tipo de arma era e elas não estavam em punho, mas estavam lá, entre os corpos, no meio da confusão”, disse Roberta. As ruas da cidade, que já são poucas, estavam muito policiadas nos dias do evento. Minha narradora pontoou: “Eu não sei como é a violência lá normalmente, mas o excesso de policiamento me fez ficar com medo”.
Por volta de 1 hora da manhã, de-
pois de uma das apresentações, os carimbozeiros se reuniram para tocar na roda. Ao serem confrontados, os músicos e o público se recusaram a compactuar com as ordens das autoridades. Roberta contou que “as pessoas começaram a cantar ‘O carimbo não morreu, está de volta outra vez’, enfrentando os policiais” e continuou: “Eu acredito que a cidade tenha
com as condições de vida dos interiores e da periferia da capital. Uma das pautas levantadas durante o debate acerca das A ções de Salvaguarda era, inclusive, de estudar nas escolas as letras dos carimbós. “Essas musicas falam da nossa rotina, do que a gente conhece” explicou Mestre Claudete, do Sereias do Mar, no
“Eu acredito que a cidade tenha uma norma de silêncio, mas era uma roda, tinha que ter um pouco mais de sensibilidade com essas questões”
uma norma de silêncio, mas era uma roda, tinha que ter um pouco mais de sensibilidade com essas questões”.
ritmo, o que envolve a cultura produzida
Essas demonstrações de força estavam claras
quando olhávamos para os integrantes dos grupos, de lugares distintos do estado, que tocam o mesmo ritmo de maneira diferenciada. A trajetória de cada um tem aspectos que contribuem para a historia do
meio da discussão. As Sereias são um grupo, também de Marapanin, composto apenas por mulheres. Suas representantes no Congresso eram Claudete e a Mestre Bigica, ambas baixas e energéticas. O grupo é derivado de uma turma de mães da cidade que teve a paciência esgotada pelos homens: os que eram,
na época, os carimbozeiros. Elas pediam apresentações para animar festas da escola e os homens não colaboravam. Então,
as Sereias aprenderam sozinhas a tocar os instrumentos e começaram a escrever suas músicas, músicas sobre o valor da mulher paraense.
Como elas, Luciete Pantoja – ou Lu, como ela pediu
para ser chamada – é uma carimbozeira que está inserida no movimento, e que sempre teve um pé no ritmo. Antes de se juntar ao Sancari, ela já fazia parte de outro grupo. “Eu sempre dancei, mas a minha história com o grupo Sancari começa com o meu marido, ele que me chamou. Aqui a gente é muito de família, né? Fulano é primo de ciclano, eu sou mulher dele, ela é esposa de outro”, disse a carimbozeira. Sobre o movimento estadual, explicita: “Agora que a gente conseguiu uma metade, que o Carimbó fosse reconhecido, só isso foi uma vitória muito grande pra gente, como parceiros da cultura. Mas às vezes não é só se tornar algo, a gente tem
O carimbó é cheio de histórias que só ele pode contar. que colocar realmente em prática”.
Apaixonada pela cultura paraense, Lu foi eleita uma
das representantes do grupo, já que tem uma extensa história com o ritmo. “Se eu for juntar a minha vida cultural, já tem mais de 30 anos”, disse. Eu levantei as sobrancelhas involuntariamente (a mulher na minha frente não tinha mais de 40 anos) e ela continuou: “Tem, né, porque eu já passei por quadrilha, passei pelo Pará Folclore – que dança
marujada, o lundu, todos esses tipos – e vim, neste momento, ficar com o Sancari. Acho que quando a gente gosta de alguma coisa a gente não encontra dificuldade, né? Dou até aula, se for o caso. E tudo o que eu faço, eu faço por amor à nossa cultura, principalmente ao Carimbó”.
O Congresso terminou com a de-
signação de pautas prioritárias para serem transformadas em projeto. A dificuldade de locomoção dos grupos, a falta de estímulo dos jovens a aprenderem a tocar os instrumentos e o descaso com os mestres foram os temas mais debatidos, o que mostra o quanto as dificuldades da cultura acompanham as dificuldades estruturais das comunidades das quais ela nasce. O carimbó é cheio de histórias que só ele pode contar.
Difudindo saberes...
A produção de cultura está ligada essencialmente à prática, à vivência, ao produto das relações sociais e ao seu reflexo enquanto manifestação de uma visão de mundo.
C
onteúdos culturais são produzidos a todo o
cas públicas para esse segmento e políticas
momento e das mais variadas formas. Indi-
públicas de desenvolvimento na região
vidualmente ou não, eles caracterizam aqui-
amazônica. O Difusão é um ponto faci-
lo que é legitimamente parte e resultado do coletivo.
litador da rede “Fora do Eixo” e já atua
Seja um poema de um rockeiro ou uma festividade
em Manaus há quase 10 anos, em algu-
indígena; um grupo de grafiteiros nas ruas ou um vio-
mas frentes de ação como comunicação,
leiro na roça. A produção cultural nunca para e nun-
sustentabilidade e formação, ofertando
ca vai parar. Mas esse processo contínuo nem sempre
cursos e oficinas de capacitação, além de
alcança muitas pessoas e ele precisa ser visto, ouvido,
apoiar diversos movimentos sociocultu-
cheirado e digerido. Foi em busca desses sentidos que
rais e étnico-raciais.
a Na Cuia se aventurou em terras amazonenses para
descobrir um pouco sobre a produção cultural de Ma-
de amigos, de diversas profissões como
naus.
produtor, artista visual, roteirista e DJ,
Tudo começou quando um grupo
Lá conhecemos o Coletivo Difusão, que traba-
percebeu que necessitavam mostrar as
lha com comunicação e cultura. Não só cultura como
suas produções na área do audiovisual,
linguagem, mas cultura pensando também em políti-
porém havia apenas um festival desse se-
Foto: Coletivo DIFUSÂO
GRITO ROCK 2015
guimento na cidade. Assim, eles se uniram para fazer uma atividade cultural onde eles pudessem ter uma vitrine dos seus projetos. Esse foi o pontapé para o
fusão é uma associação e todas as deci-
que viria a ser hoje o coletivo.
sões são tomadas em grupo com uma
A Michelle Andrews é uma das sete integran-
dinâmica que são as tecnologias so-
tes do Difusão e contou um pouco sobre a primeira
ciais que foram geradas pela rede Fora
experiência de trabalho em coletivo: “Depois que a
do Eixo, a qual eles deram o nome de
gente fez o primeiro evento, foi tipo um para-raios e
“Cacho Coletivo”. Uma gestão compar-
a gente começou ‘‘vamos fazer um movimento artís-
tilhada de todo o recurso que entrar.
tico-cultural’. Inicialmente, ele se chamou Movimen-
“Não tem voto, tem argumentação. A
to Artístico-cultural Difusão. Nós passamos uns dois
gente já chegou a ter três, quatro horas
anos assim, então tivemos o entendimento que era um
de reunião para saber se a gente ia pa-
coletivo, aí um pouquinho depois a gente entendeu
gar um aluguel ou se ia pagar um cartão
que só ser um coletivo, sem ter uma legalidade, um
de crédito, fazer o que era necessário
CNPJ, não íamos conseguir fazer algumas coisas, então começamos a nos formalizar”.
A partir de então, juridicamente o coletivo Di-
e o que íamos fazer”, explica Michelle. Além disso, o Difusão tem uma metodologia de descapitalizar as relações de trabalho, através de um escambo de serviços prestados, mais conhecido como “brodagem”.
Algumas ações importantes do coletivo são a Mostra In-
ternacional de Vídeo Dança, o circuito Até o Tucupi (um festival de artes integradas em que há uma ocupação em todas as zonas da cidade de Manaus e é feito uma agenda cultural colaborativa com aqueles atores que estão fazendo atividades culturais em suas comunidades e bairros), o Grito Rock e o Festival Personalidade Negra, onde pessoas do movimento negro são homenageadas.
Então se você acha que nada acontece além da sua cidade,
do seu bairro ou comunidade. Ou, ainda, que nada acontece... Abra bem os olhos, os ouvidos, o nariz, a boca e, principalmente, a mente. Há um mundo inteiro fora da sua caixinha.
aí a ot
An
Viagem marcada para Manaus no próximo semestre? Então não perde as atividades que o Coletivo Difusão está preparando nesse período: - Agosto – Semana do Audiovisual - Setembro – Circuito de artes integradas Até o Tucupi - Outubro – Mostra Internacional de Vídeo Dança - Novembro – Festival Personalidade Negra Para saber mais é só chegar nas redes sociais do coletivo, oh! - facebook.com/coletivodifusao - flickr.com/photos/coletivo_difusao - @coletivodifusao
Fotos: Coletivo DIFUSÂO
Batuque
Vitória Mendes
Na Cuia indica:
Jaloo Ano passado, no Festival Se Rasgum aqui em Belém, estava com uns amigos na plateia quando o apresentador anunciou o Jaloo como uma atração de nada mais nada menos que um “tecnobrega-eletro-pop-sci-fi”. Nós todos rimos porque achamos aquela definição um exagero, um monte de palavras soltas sorteadas e colocadas aleatoriamente juntas. Acontece que depois do show, a gente soube que realmente era preciso esse exagero de palavras pra definir o som dele. E isso não é nada ruim.
J
aloo, caso você não saiba, é um cantor de 27 anos, nascido em Castanhal, aqui no Pará. Versátil e cheio de referências visuais e sonoras, ele tocou recentemente no Festival Primavera Sound, em Barcelona, e foi convidado pra fazer vários shows no Circuito São Paulo de Cultura, cidade onde mora atualmente. Seu EP Insight foi lançado ano passado pelo selo indie StereoMono da Skol Music, sob a direção musical de Carlos Miranda. Miranda tem trabalhado com diversos artistas paraenses e sem dúvida é um dos responsáveis pela visibilidade que a música do Pará ganhou na cena nacional nos últimos anos. Sobre os artistas da StereoMono, ele afirma algo interessante no site da gravadora: “para mim, indie é toda aquela música que não cabe no universo tradicional. É o som que caminha à beira de tudo que está sendo feito, que caminha para a frente. Uma música que não para no tempo. Isso vale para o rock, para a música eletrônica, não é preso
a um estilo.”. Jaloo, sem dúvida, não cabe no universo tradicional e caminha à frente. Além das músicas autorais, o cantor se destaca pelos excelentes covers, como o da canção Baby, de Gal Costa e Oblivion, da Grimes (olha a versatilidade!). Aliás, essa música foi eleita pela Pitchfork como a música da década, mas particularmente, acho a versão tecnobrega do Jaloo bem mais divertida. Se você der uma bisbilhotada no soundcloud dele, também vai se deparar com uns mashups incríveis, como “Trouble Pretin”, mistura de Double Bubble Trouble, da cantora MIA com Pretin, da rapper brasileira Flora Mattos. Também recomendo uma fuçada no clipe de Downtown, que é lindíssimo. Se você quiser ouvir o EP Insight, acesse soundcloud.com/jaloo. Pela página oficial do Jaloo no Facebook, também é possível baixar gratuitamente algumas músicas. Enjoy!
~ Bianca Brandao
A África também é aqui Projeto fotográfico exalta a beleza e a vivência dos negros e negras paraenses.
Fotos: Paráfrica
O Brasil é um país cheio de cores. O preto africano, o branco europeu, o vermelho indígena, o amarelo oriental construíram juntos a identidade do brasileiro. Sendo assim, por que ainda existe tanto preconceito, principalmente com a pele negra? Mesmo depois de mais de um século da abolição da escravatura, a população negra ainda vive à margem, negligenciada política, econômica e culturalmente dentro do próprio país.
Foto: Parรกfrica
No Pará, estado com o maior número de
pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas, a situação não é diferente. Vivendo na pele essa realidade, as também negras Aíssa Mattos e Ana Carla Oliveira criaram em novembro de 2014 - mês da consciência negra - o projeto ParÁFRICA, no qual fotografam, em preto e branco, homens, mulheres e crianças negras ao redor do Pará, objetivando valorizar a identidade e a estética do negro no estado.
Foto: Parรกfrica
Foto: Parรกfrica
Foto: Parรกfrica
As fotos retratam os pretos e pretas em seu
cotidiano, reforçando a beleza peculiar de cada um e a resistência individual no dia-a-dia. A escolha do preto e branco é devida à relação entre essa mesma resistência, característica do povo negro no Brasil, e a durabilidade das fotografias, capazes de suportar a ação do tempo sem perder sua essência. Atualmente, o projeto já visitou diversas localidades dentro do estado do Pará, esteve em mais de 20 exposições coletivas e individuais, e se prepara para o Enecom (Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação) deste ano, em Salvador. Mas os planos da dupla não param por aí: “Nosso objetivo é alcançar, através da internet,
Foto: Paráfrica
os locais para os quais não podemos ir. Além disso, planejamos criar um novo projeto voltado para as comunidades quilombolas”, conta Ana Carla.
Conheça o projeto: https://
www.facebook.com/ParAFRICA
Foto: Parรกfrica
Foto: Parรกfrica
Foto: Divulgação
Stefanie Olivier
RESENHA:
O Abutre Abutre são pessoas que costumam comer as migalhas dos outros, as quais buscam até não poder mais o famoso “resto” alheio, que desconhecem os limites entre liberdade e privacidade.
F
azendo uma pequena alusão à ave vulgarmente chamada de “abutre” - por motivos já citados, mantendo as devidas proporções entre ave e ser humano -, elas também infectam. Pessoas que têm todas essas características também infectam os outros com seu egoísmo e falta de percepção alheia. É muito difícil definir a real importância dos fatos na nossa vida. Um relacionamento que terminou, uma amiga que adoeceu, um familiar que partiu. Tudo isso nos afeta com uma intensidade muito grande e levamos tempo para aprender a colocar isso em um âmbito mais simplificado da vida, onde só as lembranças boas ficam e a dor é amenizada. Eis que surge a conhecida desgraça alheia e é sobre isso que trata o filme O Abutre, dirigido por Dan Gilroy e protagonizado por Jake Gyllenhaal. O Jornalismo de páginas amarelas, onde a notícia é a vida alheia. A corrida dos cinegrafistas independentes por quem chega primeiro em um lugar, onde lá tem a cena perfeita para ser guardada em um vídeo que vai alimentar os jornais diários do próximo dia. Para quem vão vender? Para o jornal que pagar mais em suas imagens. Lou Bloom, personagem de Gyllenhaal, é
um ladrão de última categoria, aquele que rouba só para poder comer alguma coisa no outro dia. Seus traços antissociais também não ajudam na hora de conseguir um emprego normal, então em uma noite depois de tentativas frustradas de emprego, conhece a vida dos pseudosjornalistas que andam pelas ruas atrás de pessoas que tiveram um dia ruim e aconteceu algum desastre com eles - incêndios, roubos, sequestros, batidas de carros, etc. Pode ser com qualquer pessoa, mas com certeza as que vivem em bairros de classe alta, as que têm o carro do ano e aquelas que têm uma conta bancária mais gordinha... ah, a desgraça delas rendem muito mais dinheiro. Se conseguir um close perfeito nas feridas, na casa que foi arrombada ou no carro que foi incendiado, melhor ainda. Na minha consciência criei uma certeza. O nome do filme é apenas uma metáfora, onde ela é materializada no personagem do Jake Gyllenhaal, que emagreceu 10kg para entrar mais ainda no personagem de abutre. Na realidade, abutres além de buscar as migalhas dos outros, também as consomem. Creio que não só os cinegrafistas de ruas são os abutres, mas todos somos. Nossa audiência aos canais de televisão é o que faz com que eles paguem uma alta grana para estes “profissionais”, então é sinal de que temos essa necessidade de buscar sobre o dia ruim do outro para nos sentirmos melhor. Sinal que procuramos e consumimos o resto, tal qual as aves falconiformes da família Accipitridae (beijo, Wikipedia), mais conhecidas como Abutres.
Foto: Juliana Araujo
Da esquerda para a direita: Daniel chagas, raphael santos, felipe mercĂŞs e Victor pedrosa
Ainda Sem Poesia
E
sta edição encerra com uma novidade. O grupo de escritores “Ainda Sem Poesia” - composto por Victor Pedrosa Paixão, Raphael Santos, Filipe Mercês e Daniel Chagas - estreia uma coluna homônima. “A gente se reuniu pra estudar assuntos interdisciplinares”, explica Filipe, “No meio das publicações percebemos que quatro de nós escrevíamos”. O nome vem do título do grupo que tinham no Facebook “Ainda Sem Nome”, uma decisão temporária que nunca foi alterada. “Acho que combina um pouco com a nossa proposta, porque começou sem pretensão de virar nada”, continuou Victor. Esperamos que eles borrifem um pouco de poesia nas nossas páginas e na vida de vocês.
O ímpio (Raphael Santos das Mercês) De cá, leve, adormecido O corpo inerme moído
O perdão Ouço uma breve batida A confusão mental diluída Empertigado pergunto “Quem será?”
Das empresas matinais
Adentra o quarto o Diabo
Vou vendo...
Tolhido dos ares, sagrado,
Vou vendo da minha janela Um sol que a noite encerra
E pergunta-nos: “Como vão?”
Em sua derrocada imprecisa
Mãe terra, que guardas sob a tua saia
Rumo aos confins da terra
Além de um inferno, vejo, de tantos ais?
Vertido o sono, Vestida a pálpebra aos olhos
Ele, que não é bem-vindo, e ainda persiste em presença A despeito dos meus sinais
O vazio à visão
Mas saiba que não sou mudo
Descanso a maldade, eis a solução
Apenas um tanto obtuso
E da incerteza que nos permeia Única verdade que me incendeia:
E sei o que a vida nos faz À noite, quando não estamos em paz
A felicidade é quem serpenteia
Limpo a vista, tomo fôlego
Entre vãos e vãos
Havia-se ido o encosto
Dos dedos dos pés Dos dedos das mãos
Para longe dos meus sinais Vade retro, satanás!
Em vão
E se foi, por fim
Se vão
Mas ficou um pouco em mim
Nossa fome indigesta É dos picos que sente a falta Já que a constância desfalca Do dom do filho do Homem, Da faca a mais amolada:
Daquela sombra maldita Que entre os dedos recita Em vão Perdão Sem paz
Oh, humanidade desconstruída.
Fitastes os olhos das angústias que criastes,
(Victor Pedrosa Paixão)
Da natureza que queimastes,
Vós que pensais conhecer o porvir, Pouco sabes da caça que és!
Dos povos que aniquilastes, Da vida que esgotastes E da humanidade que perdestes pelo caminho.
Direi-vos da praga sobre os mares!
Passastes por tantos lugares,
É chegada a hora do deserto nos altares,
Conhecestes setes outros mares,
Sem perdão e sem mansidão,
Mas nunca atentou pelas vidas que não lutastes.
Sem pão e sem vinho.
Afinal, de que adianta tanto conhecer
Desumano que és,
Se não sobra espaço para o ser?
Criatura esquecida,
Mas é chegada a hora,
Caçastes a própria bruma dos teus lares,
O deserto se completa.
Estocando sem piedade
Cobrando tudo que fizeste.
O povo entre os vales,
Só que na figura da ausência.
E a vida dos pomares!
Plantastes o desgosto neste Norte,
Oh, humano!
Semeando sal nesta terra,
Por que abristes tuas veias?
Eliminando a possibilidade de o outro existir.
Será que olvidastes o significado?
Assim colherás os desertos absolutos,
Esquecestes da dignidade?
Preenchendo a terra e os homens.
E quanto às vossas promessas? Diluístes na eternidade? Não sabes da tenuidade que aguarda? Ou então suprimistes a tua míngua humanidade? Que viceja em cada vez menos olhares, Destacados nessa selva de ferro.
Por mais que estejas na copa desta mangueira mitológica, Onde cunhastes tal memória e vivestes tua história, Perceberás que agora é tarde para retificações. Por que não rogastes pelo perdão? Poderias ter resgatado o épico, Relembrado do trágico,
Ensangüentastes a própria subjetividade no chicoteio do devir.
Mas caminhastes rumo ao precipício.
E no pico gélido da vaidade,
Caindo sem pudor nesse nada.
Achastes a ti mesmo,
Vazio de alteridade e natureza.
Morto e sem álibis ao lado da sua desumanidade.
A morte de significação.