Revista Desigualdade & Diversidade, n. 19

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Revista Desigualdade & Diversidade

APRESENTAÇÃO RELIGIÕES E PENSAMENTOS MINORITÁRIOS Gabriel Banaggia

Doutor em Antropologia pelo Museu Nacional/ Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pós-doutorando em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

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APRESENTAÇÃO

A lista de temas suscitados por contribuições nas ciências sociais dedicadas ao assunto “minorias religiosas” frequentemente envolve violência com motivação religiosa, estigma e preconceito, bem como correlações entre discriminação étnica e religiosa. Por mais que esses temas não estejam de modo algum ausentes dos textos presentes no dossiê aqui apresentado, chegando mesmo a, numa primeira visada, dar as tônicas de alguns, eles são acompanhados por outros que nem sempre têm reconhecida a igual monta de sua relevância. Entre eles figuram, por exemplo, o diálogo inter-religioso, as elaborações e produções criativas internas a cada manifestação religiosa, e as maneiras como cada religião se apresenta e procura ser encarada por segmentos não religiosos. Apesar de ser um dos campos de investigação fundacionais das ciências sociais, muitas vezes “religião” acabou sendo considerado um tópico menor no interior de disciplinas como a antropologia e a sociologia, seja porque remetia justamente a momentos em que estas não estavam institucionalizadas, seja porque seria o caso de deixá-lo progressivamente cada vez mais de lado, em função do diagnóstico de que seria a própria religião um domínio refratário à propalada e inexorável modernidade que, nos julgamentos de seus críticos mais severos, seria um dia devidamente varrido da face do planeta (LAMBEK, 2012). De modo menos ambicioso, mas ainda bastante significativo, as vertentes majoritárias da sociologia e da antropologia que previram o desaparecimento da religião como categoria de análise relevante às ciências sociais, na segunda metade do século XX, em geral o fizeram por terem considerado o conceito de classe como o único verdadeiramente relevante para a análise (e eventual superação) de um conjunto específico de desigualdades sociais. Ressaltese que essa espécie de previsão condenatória, que de modo evidente se imaginava igualmente performativa, quer o admitisse ou não, partiu inclusive de perspectivas vinculadas aos mais diversos espectros político-ideológicos. Este dossiê se estrutura de modo distinto, uma vez que sua proposta envolve estudar fenômenos religiosos diversos antes de tudo em sua singularidade própria, sem precisar delimitar de antemão nem mesmo o que constituiria a face social da religião (LATOUR, 2005, p. 233). Ao mesmo tempo, sua ideia motriz era a de tampouco deixar de lado as especificidades das reflexões das ciências sociais, apreendendo a religião como acontecimento, guardando, contudo, uma diferença de perspectiva em relação aos modos com que operam as vertentes majoritárias da teologia no interior da academia. A elaboração deste dossiê foi inspirada igualmente numa série de recentes publicações de fôlego que têm demonstrado a atualidade e a relevância do debate em torno da religião na contemporaneidade, apresentando análises profundas e de extrema competência, destinadas a alimentar tanto a discussão acadêmica quanto o debate público de maneira altamente qualificada. Entre as muitas obras a esse respeito que se poderia elencar, destacam-se nesta apresentação D&D [ n.19 | 2020 | pp. 1-7 ]

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The political anthropology of ethnic and religious minorities, coletânea editada por Arpad Szakolczai et al. (2019); Conexões entre religião e política: as estratégias discursivas e a atuação da Frente Parlamentar Evangélica, de Rafael Bruno Gonçalves (2017); Religião, educação e política: ensaios sobre os (des)comportamentos da sociedade brasileira, organizada por Hiran Pinel e Nelson Lellis (2019); Religiões e intervenção política: múltiplos olhares, organização de Angelica Tostes e Claudio de Oliveira Ribeiro (2020); e especialmente Intolerância religiosa, de Sidnei Nogueira (2020). De modo a ingressar com uma perspectiva original num debate possivelmente tão multifacetado, de qualquer maneira, optou-se aqui por estruturar uma proposta em torno da concepção sócio-filosófica de minoritário, compreendida como uma forma específica de se expressar a ideia de devir (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 53). O conceito de minoritário aqui serve então à distinção entre sistemas mais homogêneos e constantes, majoritários, portanto, mas igualmente o minoritário como algo de início distinto da noção de minoria, uma vez que esta seria referente a um subsistema qualquer, em geral enquadrado justamente de um ponto de vista majoritário. Seguindo a pista deixada por Guattari e Rolnik (1996, p. 73), trata-se assim de lidar com uma espécie de densidade particular que pode estar presente em todas as engrenagens da sociedade, ainda que diferencialmente singularizada por coletivos distintos, incluindo mesmo as minorias que se locomovem no seio das grandes religiões de Estado. Assim, o minoritário informa aqui as conexões possíveis entre duas ordens de fenômenos. De um lado, religiões historicamente vinculadas a segmentos minorizados da população brasileira, como é o caso das religiões de matriz africana (que, no arguto dizer de uma de suas lideranças, continuam sendo religiões negras mesmo que contem com a presença de pessoas brancas, cf. EUGÊNIO, 2017). De outro, trata-se de pensar o minoritário no interior mesmo de religiões majoritárias, assim consideradas seja de modo comparativo seja em termos mais absolutos, ouvindo e aprendendo com as vozes internas a esses universos a respeito de suas reconfigurações e adversidades próprias. Unindo a ambas, então, está a ideia de apreender o minoritário sobretudo como um processo, um determinado continuum de variação capaz de escapar, das mais diferentes maneiras, aos sistemas de poder mobilizados por toda maioria. Dessa maneira, as autoras e os autores que atenderam ao convite para participar deste dossiê se dedicaram a escrever sobre temas bastante diversos, tais como devoções católicas populares, violência com motivação religiosa, princípios existenciais do candomblé, meios de se subverter dualismos causadores de sujeição, modos como se relacionam ciência e religião, e cruzamentos entre diferentes vertentes religiosas minoritárias. As localidades que os textos colocam em cena são igualmente variadas, e a maior parte deles partiu de pesquisa empírica própria, com etnografias realizadas em diversas regiões do país, abrangendo os seguintes estados: Bahia, Maranhão, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. As conclusões a que os textos chegam, evidentemente, se referem mais diretamente aos contextos em que as D&D [ n.19 | 2020 | pp. 1-7 ]

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pesquisas foram elaboradas, mas apontam de modo comparativo para estruturas de pensamento e organização que se estendem, cada uma a seu modo, por todo o território nacional. Centrado principalmente em contribuições de cientistas sociais, mas mobilizando referências de diversas áreas do saber além da antropologia e da sociologia, como a história, a educação e mesmo ciências da saúde, o conjunto de textos mostra um panorama múltiplo abordado com originalidade, contribuindo para a apreensão do fenômeno religioso em sua especificidade. Aqui cabe chamar atenção também para o modo como alguns artigos tratam a literatura religiosa, lidando com produções de autores vinculados às religiões apresentadas de modos singulares. Por um lado, sem apreendê-las como meros reflexos sociológicos atribuídos a estruturas que forneceriam seu motor primeiro, atentando para a criatividade própria envolvida em sua elaboração. Por outro, sem perder de vista sua especificidade, ao ter o cuidado de não imaginar que essas produções partem dos mesmos pressupostos que regem textos na academia – nem que são lidas da mesma maneira que os textos que mais circulam no interior dos meios universitários. Assim é que vemos como em “Um povo nômade”, texto que abre o dossiê, Edgar Rodrigues Barbosa Neto, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), oferece uma sofisticada investigação sobre a trajetória de perseguição a uma das principais divindades das religiões de matriz africana no Brasil. Nesse artigo, o autor aponta para as formas de reconfiguração da imagem dessa divindade, numa espécie de contínuo e novo tratado cósmico (no duplo sentido que o primeiro termo da expressão admite), com consequências epistemológicas e políticas muito concretas e distintas daquelas que o racismo estrutural historicamente lhe relegou. Simultaneamente, Barbosa Neto convida o leitor a enfrentar de forma singular determinadas divisões estruturantes à dicotomização do pensamento, lidando com elaborações empíricas que ao mesmo tempo traduzem e estão na origem de sofisticadas ferramentas conceituais, como é o caso das ideias de síntese disjuntiva e de multivalência da alteridade, para ficar em dois exemplos. Um tema bastante parecido mobiliza o artigo “Ciência e/ou religião: esboço do paradoxo espírita em três atos”, de Gustavo Ruiz Chiesa, professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), ainda que num campo etnográfico consideravelmente distinto. Tendo por foco as experiências de cura espiritual, bem como as reflexões nativas a respeito delas, Chiesa se dedica a pensar como é justamente o desafio à clivagem apresentada pela modernidade como sendo uma oposição inegociável que termina por compor uma das bases cruciais do pensamento espírita. O texto dedica especial atenção ao papel da materialidade no espiritismo, tratando com rara sensibilidade as interseções inescapáveis entre eficácia material e estética para a operação da cura nessa religião, que vê a medicina espiritual como uma arte.

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Por sua vez, o texto “Algumas considerações sobre o candomblé na Bahia”, de Clara Flaksman, professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também aborda a fragilidade de uma oposição que parte do pensamento ocidental enrijece, desta vez entre os significados atrelados aos verbos “ser” e “ter”. Com base em extensa pesquisa empírica, fruto de trabalho de campo num dos mais tradicionais templos afro-baianos, a narrativa de Flaksman a respeito do conceito de “enredo” é ela própria construída de modo a cativar quem a lê, uma vez que as proposições da autora são habilmente entrecortadas pelas elaborações e enunciações de interlocutoras e interlocutores que, por seu turno, a conquistaram. Mobilizando um recurso bastante similar, o artigo “O Divino em um território quilombola no Maranhão”, de Maria da Consolação Lucinda, pesquisadora associada na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), também apresenta uma série de meditações nativas, dando preferência às paráfrases em vez de citações diretas. A opção se conecta às escolhas discursivas da própria população quilombola com quem Lucinda realizou trabalho de campo, que vinculam de maneira tão original quanto potente suas reivindicações de reconhecimento territorial e sua tradicional participação e manutenção da devoção na Festa ao Divino Espírito Santo. Coincidentemente, o texto seguinte, “Encontros entre tambor da mata e tambor de mina a partir do terecô de Codó no Maranhão”, de Barbara Pimentel da Silva Cruz, doutoranda pelo Museu Nacional (UFRJ), apresenta uma pesquisa realizada em local bastante próximo, porém aqui o catolicismo está presente somente em terceiro plano. A ênfase de Cruz recai sobre modos de alternância próprios às vertentes religiosas singulares em apreço, fornecendo com isso uma exposição sistemática ao mesmo tempo que original a respeito do tema do sincretismo religioso, marcando bem os modos como esse fenômeno pode ser compreendido de modo mais pujante quando se escapa a sua designação como simples reação. Uma contribuição igualmente livre de simplismos é oferecida pelo último artigo, “Dinâmicas de negociação e conflito entre terreiros e traficantes evangelizados nas favelas cariocas”, de Carolina Rocha, doutoranda pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Fruto de minuciosa pesquisa em curso, envolvendo tanto apreciação bibliográfica quanto pesquisa empírica, o texto de Rocha parte de uma caracterização específica concebida pela autora para enfrentar a difícil questão de se realizar trabalho de campo abordando a temática da violência com motivação religiosa. Com isso, a autora consegue também delimitar uma agenda de pesquisa promissora e fornecer insumos para o combate à intolerância. O dossiê se encerra, contudo, com uma entrevista com Ronilso Pacheco, teólogo graduado pela PUC-Rio e atualmente mestrando na Columbia University, em Nova York. Pacheco é um dos mais importantes expoentes da teologia negra no Brasil, e nesta entrevista D&D [ n.19 | 2020 | pp. 1-7 ]

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aborda uma série de temas caros a diversas formas religiosas contemporâneas no país, falando também sobre sua recente experiência em contato com igrejas historicamente negras nos Estados Unidos, mas enfatizando vozes que oferecem tons distintos no interior da experiência cristã brasileira, em geral, e as que circulam no caleidoscópico panorama evangélico nacional, em particular. Realizada remotamente em outubro de 2020, porém sem ser explicitamente pautada pelo contexto da pandemia global, a entrevista finaliza com uma importante mensagem de esperança em meio a um cenário de incertezas, lembrando um dos papéis mais recorrentes do fenômeno religioso de maneira geral. Se, como as contribuições deste dossiê buscam evidenciar, tanto a religião quanto a ciência, incluindo as que tratam daquela, podem ser descritas como sistemas de pensamento e de práticas disciplinadas, as pessoas vinculadas a esses domínios do saber precisam lidar, mesmo que de modos distintos, com questões ligadas a avaliações morais e sobre seus pressupostos a modos organizados de ver e lidar com o mundo (VELHO, 2005). Além disso, estão em jogo sistemas que podem ser compreendidos como forças políticas capazes de apoiar, contrariar ou serem englobadas pelo Estado e pelo mercado. O desafio teórico aí posto parece ser o de como equilibrar tais percepções com o reconhecimento de que a religião também pode ser um dos poucos lugares a partir dos quais é possível existir de uma maneira politicamente diversa, ou seja: considerar a religião ao mesmo tempo sem politizá-la nem despolitizá-la em excesso (LAMBEK, 2012). Talvez residam aí as bases de uma proposta distinta, tributária das perspectivas minoritárias que lidam com os fenômenos religiosos, para quem deseja oferecer uma resposta contundente à recente pecha de “guetificação identitarista” que tem recaído sobre os movimentos sociais mais diversos na contemporaneidade. Posto que, ao subsumir, sob rótulos como este, iniciativas que têm por base a reivindicação do reconhecimento de suas singularidades, a crítica que se pretende politicamente relevante acaba por contribuir é com o silenciamento dessas vozes em vez de sua propalada conscrição rumo à diminuição das desigualdades. Como há tanto tempo escreveu Audre Lorde (1984, p. 114), como lidar com uma sociedade em que se espera das pessoas mais oprimidas que se desdobrem para construir as pontes entre o presente de suas vidas e as consciências daquelas que as subjugam? O que se pode aprender, então, com os devires minoritários que atravessam e que são mobilizados por minorias diversas é que elas não necessariamente, e em geral, na verdade, dificilmente, aspiram tornar-se maiorias. A avaliação inversa a isso demonstra não conseguir abandonar a perspectiva hierarquizante, pois só considera encarar as singularidades como versões inferiores de si própria, que só enxerga em outrem as deficiências que julga não possuir.

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O que os coletivos minoritários almejam e professam, isso sim de modo decisivo, é o direito a existirem plenamente em sua diferença, é o reconhecimento puro e simples de que o mínimo inegociável de que seus modos de existência devem dispor é de respeito.

Referências DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1995. v. 2. EUGÊNIO, R. W. Sobre capoeira gospel, bolinho de Jesus e afins. 2017: Portal Geledés. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/sobre-capoeira-gospel-bolinho-de-jesus-e-afins/>. Acesso em: 8 out. 2020. GONÇALVES, R. B. Conexões entre religião e política: as estratégias discursivas e a atuação da Frente Parlamentar Evangélica. Porto Alegre: Fi, 2017. GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996. LAMBEK, M. Facing religion, from anthropology. Anthropology of this century, n. 4, maio 2012. Disponível em: <http://aotcpress.com/articles/facing-religion-anthropology/>. Acesso em: 8 out. 2020. LATOUR. B. Reassembling the social: an introduction to actor-network-theory. New York: Oxford University Press, 2005. LORDE, A. Age, race, class and sex: women redefining difference. In: Sister outsider: essays and speeches. Berkeley: Crossing Press, 1984. p. 114-123. NOGUEIRA, S. Intolerância religiosa. São Paulo: Pólen Livros, 2020. PINEL, H.; LELLIS, N. (Orgs.). Religião, educação e política: ensaios sobre os (des)comportamentos da sociedade brasileira. São Paulo: Recriar, 2019. SZAKOLCZAI, A.; HORVATH A.; PAPP, A. Z. (Eds.). The political anthropology of ethnic and religious minorities. Abingdon: Routledge, 2019. TOSTES, A.; RIBEIRO, C. de O. (Orgs.). Religiões e intervenção política: múltiplos olhares. São Paulo: Recriar, 2020. VELHO, O. Comentário a “Não congelarás a imagem”, de Bruno Latour. Mana, Estudos de Antropologia Social, v. 11, n. 1, p. 297-310, 2005.

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CIÊNCIA E/OU RELIGIÃO: ESBOÇO DO PARADOXO ESPÍRITA EM TRÊS ATOS SCIENCE AND/OR RELIGION: OUTLINE OF THE SPIRITIST PARADOX IN THREE ACTS

Gustavo Ruiz Chiesa

Professor adjunto da Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Pesquisador associado ao Laboratório de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Graduado em Ciências Sociais, é mestre e doutor em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Realizou estágio de Pós-Doutorado em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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RESUMO Interessado em compreender os modos como os espíritas se relacionam com as ideias de ciência e religião, o autor deste ensaio pretende apresentar brevemente alguns dos contextos em que essa dualidade se manifesta, muitas vezes de maneira paradoxal, seja, por exemplo, nas mesas cirúrgicas espirituais ou na proposição de uma medicina espírita fundamentada em determinada compreensão da física contemporânea. Sem esgotar as inúmeras possibilidades analíticas acerca do espiritismo, espera-se que a presente reflexão ajude a fornecer algumas pistas conceituais sobre os possíveis caminhos a serem trilhados em futuras investigações sobre o tema, com destaque para as abordagens que procuram chamar atenção para o papel fundamental exercido pelas coisas e substâncias materiais, bem como pelas formas e experiências estéticas, dentro de uma prática espiritual ou religiosa. Palavras-chave: espiritismo; ciência/religião; materialidade; medicina espírita.

ABSTRACT Interested in understanding the ways in which spiritists relate to the ideas of science and religion, this essay intends to briefly present some of the contexts where this duality manifests itself, often in a paradoxical way, such as, for example, in spiritual surgical tables or even in a proposition of a Spiritist Medicine based on a certain understanding of contemporary Physics. Without exhausting the many analytical possibilities about Spiritism, it is hoped that this paper will help to provide some conceptual clues about the possible paths to be followed in future research on the theme, with emphasis on approaches that seek to draw attention to the fundamental role played by things and material substances, as well as by forms and aesthetic experiences, within a spiritual or religious practice. Keywords: spiritism; science/religion; materiality; spiritist medicine.

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Primeiro ato – introito: espíritos e materiais Um dos principais fenômenos responsáveis por angariar novos adeptos às assim chamadas religiões mediúnicas é a cura espiritual, seja através da solução de males físicos e mentais, seja em função do melhor entendimento da doença e da gestão do sofrimento. Histórias sobre as curas realizadas pelos espíritos de médicos são comuns no meio espírita e atraem a atenção de pessoas oriundas de diferentes agrupamentos religiosos. O repertório dos tratamentos executados em uma casa espírita varia de um simples passe seguido da ingestão da “água fluidificada” até as complexas cirurgias espirituais ou mediúnicas realizadas muitas vezes com o auxílio de bisturis e outros instrumentos de corte cirúrgico. Estas últimas, porém, são alvos de enormes controvérsias dentro do próprio movimento espírita. Reconhecidos médiuns brasileiros, como Chico Xavier, Divaldo Franco e Raul Teixeira, criticaram duramente certos indivíduos que praticam essas operações e são responsáveis por explorar a fé alheia fazendo mau uso dos fundamentos espíritas. Na visão desses influentes médiuns, as cirurgias espirituais seriam processos exclusivamente mentais, sendo desnecessário e mesmo prejudicial o uso de instrumentos cirúrgicos. Mais do que isso, argumentam eles, a necessidade dos objetos – o apego à materialidade – seria uma evidência da inferioridade desses espíritos que se dizem doutores. Espíritos superiores não precisariam das coisas materiais para produzir efeitos concretos sobre o mundo visível. Portanto, o único “instrumento material” permitido e necessário seria o próprio corpo do médium que executa as operações através dos pensamentos e das energias que mobiliza. Giumbelli (2003), a partir do famoso caso do Dr. Fritz analisado por Greenfield (1992), destacou que o problema que parece estruturar as críticas aos chamados “médiuns cirurgiões” está localizado justamente no extravasamento ou no desrespeito dos limites entre as dimensões materiais e espirituais. Fazer um corte em um corpo humano utilizando um bisturi, sem qualquer tipo de anestesia ou assepsia, é algo que desestabiliza a fronteira dos mundos visível e invisível, colocando em xeque a própria divisão entre esses dois mundos. Nesse sentido, a solução encontrada por muitos “espíritos doutores” foi “cegar” o bisturi ou substituí-lo por uma simples caneta (um pincel atômico), que risca na pele o corte cirúrgico; ou a imposição de panos brancos nos locais onde serão realizadas as cirurgias, reduzindo assim o risco de “contaminar” o espírito (puro e verdadeiro) com a matéria (impura e falsa). De todo modo, a “materialidade” (MILLER, 2005) ou os “mediadores” (LATOUR, 2012) utilizados pela humanidade – incluindo aqui o próprio corpo do médium —, são imprescindíveis nas práticas que promovem o contato entre os dois mundos. Dito de outra maneira, a imaterialidade (dos mortos) depende da mediação da materialidade (dos vivos), ou melhor, dos seus “materiais” (INGOLD, 2015), para se fazer presente e “fazer fazer”. A eficácia e o fascínio dos tratamentos espirituais parecem estar não somente nos símbolos empregados

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e compartilhados, mas também no conteúdo material ou visual manipulado em tais procedimentos. Admite-se, portanto, a possibilidade de que a adesão efetiva aos tratamentos espirituais estaria relacionada a um poder de sedução estética ou material, um encantamento presente nas coisas materiais utilizadas nessas operações, incluindo aqui o próprio corpo humano. São objetos ou instrumentos materiais que, manipulados em um espaço ou cenário material específico (centro ou hospital espírita), ativam uma série de imagens mentais nos pacientes que ali se encontram, produzindo sensações de verdade e realidade. De maneira semelhante às experiências produzidas pelas imagens pictóricas ou cinematográficas (GONÇALVES, 2010), os tratamentos e as cirurgias espirituais parecem ser capazes de despertar, ao mesmo tempo, em seus espectadores, sentimentos de realidade e ilusão, de verdade e simulação. Inspirado na análise de Gell (2005) sobre o fascínio que a obra de arte e o procedimento técnico do artista despertam no público, penso que a religião também apresenta essa capacidade mágica de capturar os seres humanos por meio de uma tecnologia que os encanta. No caso da cirurgia espiritual, a tecnologia empregada na sua realização se potencializa justamente porque dialoga de maneira direta com os procedimentos técnicos utilizados em um tratamento biomédico convencional. Assim, o uso de uma técnica e de uma “estética médica” (AURELIANO, 2011) mais ou menos conhecidas por todos – que inclui, por exemplo, equipe paramentada com roupas brancas, máscaras, bisturis, macas e prontuários; e a configuração de um ambulatório e de outros espaços físicos que remetem a um ambiente hospitalar – é algo que contribui diretamente para a produção desse fascínio ou encantamento dos participantes por tais práticas realizadas sempre com a presença de espíritos de médicos e, em alguns casos, de médicos espíritas. Nesse sentido, a dimensão material parece ser fundamental para garantir a eficácia do tratamento espiritual. Trata-se, portanto, mais de uma eficácia material ou estética – na qual o próprio processo de captura e envolvimento sensorial, através das ações e dos pensamentos mobilizados na experiência, é o dado a ser valorizado —, do que propriamente uma eficácia simbólica baseada em uma crença ou em um conjunto de representações existentes a priori e compartilhados por todos.1

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Em certo sentido, o que está em jogo nessa experiência estética também pode ser compreendido nos termos de uma ação performática, tal como proposto por uma série de autores (AURELIANO, 2011; LANGDON, 2006; MALUF, 2013; PACHECO, 2004; SCHIEFFELIN, 1985; entre outros), em que determinada ação mágica ou ritual é eficaz não pelos seus aspectos lógicos ou semânticos, mas pela sua dimensão de experiência corporificada. Tal argumento tira o peso dado aos aspectos verbais ou estruturais da cura ritual, apresentando-a como um evento performático responsável por produzir ou agenciar nos sujeitos uma experiência corporificada e afetiva — uma ideia que, de alguma maneira, não está de todo ausente em Lévi-Strauss (2008) na medida em que a eficácia também é, para ele, a produção de uma experiência singular. De todo modo, a ênfase nas analogias e metáforas, nas homologias e correspondências, nas regras e leis estruturais e em como fazem “sistemas” impede ou ao menos dificulta o olhar sobre os “agenciamentos” e as práticas individuais ou coletivas (TAVARES, 2013). Como afirma Sônia Maluf (2013), “se para jogar, é preciso as regras, elas em si não são o jogo, o jogo de xadrez é o movimento das peças” (p. 52). Assim, ao apostar na dimensão pragmática (ou no “movimento das peças”) que a noção de eficácia oferece, pode-se, em vez de acentuar um conjunto de regras e analogias estruturais, extrair da complexa ideia de eficácia simbólica contida em Lévi-Strauss “os aspectos em que questões como

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Estética (cuja etimologia encontra-se na ideia aristotélica de aisthesis) é entendida aqui em seu sentido amplo, ou seja, como a “experiência sensorial total do mundo e o conhecimento sensível sobre ele” (MEYER, 2019, p. 52), experiência esta que, sem dúvida, pode ser compartilhada por várias pessoas no momento em que experimentam, em seus corpos e em suas mentes, um mesmo processo de “formação estética”. Médiuns que realizam cirurgias espirituais utilizando instrumentos materiais (bisturis, por exemplo) afirmam que as pessoas precisam ver, ou melhor, sentir na própria pele o corte para confiarem na cirurgia, ou seja, dependem da intervenção humana na matéria física para comprovar e confiar na atuação e no poder dos espíritos (ALMEIDA et al., 2000). A força da dimensão imaterial será, desse modo, assegurada através dos materiais manipulados pelo médium, incluindo sua presença física durante o trabalho cirúrgico/mediúnico. O aparente paradoxo – a materialidade como condição para a expressão e realização da imaterialidade – revela, de fato, uma completa imbricação entre dimensões que historicamente foram tratadas como antagônicas e mutuamente exclusivas. A materialidade, portanto, antes de ser oposta, é inerente a qualquer religião, sendo aquilo que possibilita a sua existência no mundo (MEYER, 2019). Espírito e matéria, divindades e homens, seres desencarnados e encarnados atuam de maneira conjunta e interdependente, e mesmo que o corte não seja realizado no corpo físico do paciente e a cirurgia ocorra apenas de modo invisível, os espíritos dependem de certa matéria que só o médium presente pode oferecer. Trata-se do ectoplasma, substância de propriedades terapêuticas, segundo a cosmologia espírita, produzida apenas por seres encarnados e manipulada pelos espíritos visando à determinada finalidade (terapêutica ou não), como, por exemplo, a materialização de objetos e instrumentos cirúrgicos ou mesmo dos próprios espíritos desencarnados (GIUMBELLI; CHIESA, 2017). Logo, através do ectoplasma produzido e doado pelo médium, os espíritos podem intervir sobre a matéria ou, especificamente, sobre o corpo do paciente a ser operado espiritualmente (CHIESA, 2016). É interessante perceber que não são quaisquer espíritos que estão aptos a realizar as cirurgias espirituais. Somente os espíritos de médicos – sendo grande parte deles alemães, como bem notou Souza (2017), tendo como exemplo o famoso Dr. Fritz – são capazes de executar os procedimentos corretos nas operações (normalmente auxiliados por outros médiuns que, assim como os cirurgiões, devem usar roupas brancas enquanto ocupam a função de assistentes).

ação e agenciamento, sujeito, invenção de si e do mundo, contexto e contingência emergem nas frestas de seu argumento” (MALUF, 2013, p. 53). Como se tais aspectos estivessem de alguma maneira armazenados em uma das “dobras” (cf. DELEUZE, 1991) que o conceito de eficácia simbólica em sua multiplicidade parece apresentar.

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De fato, outros espíritos que também dominam algum saber medicinal dito tradicional ou ancestral, como índios, caboclos e pretos velhos, também poderão eventualmente realizar cirurgias espirituais, mas certamente terão o auxílio de espíritos biomédicos. É evidente, portanto, o uso da ciência médica ou, mais exatamente, de uma estética médica (ou científica) como mecanismo de legitimação de tais práticas religiosas e, mais do que isso, como um modo de materializar uma dimensão imaterial (ou espiritual). Mas pode-se também pensar no caminho inverso, ou seja, quando as formulações religiosas ou, mais precisamente, espíritas jogam nova luz sobre antigas preocupações presentes no campo científico e, desse modo, espiritualizam (ou imaterializam) algo que era tratado até então como próprio de uma dimensão exclusivamente física ou material. Esse parece ser o caso de congressos, simpósios e seminários realizados por profissionais e pesquisadores da área da saúde que tratam de assuntos relacionados a problemas neurológicos e transtornos psicológicos, e encontram nos fundamentos espíritas o arcabouço teórico-filosófico-religioso para a elaboração de novos paradigmas ou novas perspectivas, inserindo a espiritualidade como agente promotor de saúde (SOARES, 2010; ARAÚJO, 2007). Essas trocas e combinações mútuas que permeiam as relações entre medicina e espiritismo talvez possam ser pensadas nos termos de um intercâmbio entre diferentes tecnologias ou sistemas técnicos que se complementam de maneira criativa, coerente e não contraditória. Outro aspecto que essas combinações criativas permitem explorar diz respeito à interação do indivíduo em seu ambiente, pois é bastante provável que um médico adepto do espiritismo apresente uma percepção do mundo e do ser humano diferente da visão de um médico que não estrutura seu pensamento a partir dos pressupostos espíritas. As definições de natureza humana certamente serão distintas, fato que implica diferentes modos de tratar e perceber os pacientes e seus problemas. A noção de corpo ou pessoa é diferenciada e passa a considerar, de acordo com a cosmovisão espírita, variadas dimensões, visíveis e invisíveis, determinantes, por exemplo, nas doenças que certos pacientes precisam enfrentar. Dessa maneira, em linguagem espírita, as doenças podem ser entendidas como provas ou dívidas, frutos dos carmas adquiridos pela pessoa nas encarnações anteriores, que precisam ser cumpridos nesta encarnação. De maneira semelhante, os transtornos mentais podem ser entendidos como consequências de graves quadros “obsessivos” que necessitam de um tratamento espiritual complementar ao tratamento médico convencional. “A loucura, por exemplo, pode ser interpretada como um ‘tempo de suspensão’, uma paralisia como uma ‘dívida a ser saldada’. Os males que afligem o homem nesta vida podem ter como uma de suas causas esse carma” (CAVALCANTI, 1983, p. 28). Nessa cosmovisão, o corpo humano, ou melhor, a pessoa humana é o “ponto de convergência” de todo o sistema espírita, “é o lugar no qual e através do qual mundo invisível

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e mundo visível se conectam mantendo cada qual sua particularidade” (CAVALCANTI, 1983, p. 29). O ser humano, na cosmologia espírita, é portador de uma natureza dupla: é corpo e alma, espírito e matéria. Se o corpo e a matéria são marcados pela transitoriedade e pela impureza, a alma e o espírito, por outro lado, são eternos, puros e indispensáveis. Na concepção espírita de pessoa, a essência do homem está em seu espírito. Nele estão localizados “os atributos do livre-arbítrio, do pensamento e da vontade, que o constituem como subjetividade. Por esses atributos o espírito ganha responsabilidade e consequentemente o sentimento de culpabilidade” (CAVALCANTI, 1983, p. 31). Além do espírito, a pessoa humana é composta de um corpo físico denso e um perispírito. O corpo é o veículo necessário para a experiência vivida no plano físico, é a vestimenta que o espírito utiliza para reencarnar na matéria, no mundo visível, e cumprir assim as leis do carma e do progresso. Quando uma pessoa desencarna, ela perde o seu corpo físico (e seu duplo etérico) e retorna ao seu estado original e natural de espírito errante. O duplo etérico corresponde à parte mais grosseira do perispírito e é fundamental para garantir a comunicação entre os mundos visível e invisível. As cirurgias espirituais são realizadas justamente nesse corpo etérico, pois nele ficam armazenadas todas as doenças posteriormente manifestadas no corpo físico. Portanto, segundo a cosmovisão espírita, a origem de todas ou de grande parte das doenças está no espírito, no plano espiritual, e a verdadeira cura só será possível mediante o tratamento espiritual. Ao desencarnar, a pessoa perde sua parte mais densa (corpo físico e etérico) e mantém seu conteúdo espiritual (perispírito e espírito). O Espírito, eterno, é o foco da vontade, do pensamento, onde se localiza a responsabilidade individual e o sentimento de culpabilidade. O perispírito, instrumento indispensável de ação do Espírito, é também, em sua parte mais espiritual, imperecível. O corpo e a parte mais grosseira do perispírito são perecíveis, e instrumentos necessários e indispensáveis em apenas determinadas fases da vida do Espírito. A pessoa surge como um composto cujos elementos se organizam internamente de maneira hierárquica, indo do mais espiritual = eterno ao mais material = mortal. (CAVALCANTI, 1983, p. 30).

Essa concepção específica de pessoa humana repercute diretamente nas visões de mundo e nas práticas dos médicos espíritas. Trata-se de uma visão holística do ser humano, que leva em conta suas diferentes dimensões e compreende sua verdadeira essência, na qual apenas o tratamento espiritual, em complementaridade com o biomédico, seria capaz de apreender.

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Segundo ato – paradoxo espírita: ciência e/ou religião Interessado em compreender certos casos de esquizofrenia, Gregory Bateson (1972) definiu o conceito de duplo vínculo (double bind) como a expressão paradoxal e simultânea de determinados comportamentos produzidos por pessoas fortemente envolvidas, sem qualquer possibilidade de desvinculação afetiva. O exemplo clássico é o da mãe que afirma amar seu filho, mas o trata com desprezo e negligência. Sentimentos paradoxais e mesmo contraditórios, como amor e ódio, afeto e agressão, acolhimento e distanciamento, são vivenciados simultaneamente por aqueles que estabelecem esse tipo de relação. Trata-se de uma espécie de armadilha lógica, em que estão em jogo mensagens conflitantes e concomitantes. Lewgoy (2006), inspirado nessa análise de Bateson, sugere que pensemos a relação que os espíritas estabelecem com as ideias de ciência e religião em termos de um duplo vínculo, no qual a ambiguidade e a ambivalência estariam presentes de maneira constante em suas práticas e seus discursos. Essa relação é percebida pelos espíritas ora como contraditória, ora como compatível, “gerando oscilações e instabilidade de crença, em que alguns reconhecemse mais no aspecto experimental e científico e outros na componente mais evangélica e religiosa da doutrina” (LEWGOY, 2006, p. 154). Tal ambivalência seria constitutiva do espiritismo desde a sua origem no século XIX e, no caso brasileiro, ficaria, segundo vários autores, notavelmente caracterizada pela disputa entre místicos e científicos que marcaria a fundação da Federação Espírita Brasileira, na qual os primeiros se sagrariam vitoriosos (GIUMBELLI, 1997). Lewgoy (2006) chama atenção para a diversidade das situações de duplo vínculo vivenciada pelos espíritas que “deslizam no eixo ciência-religião” (p. 155), por exemplo, através dos livros publicados, das declarações e dos posicionamentos públicos, percebidos muitas vezes como incoerentes pelos próprios atores. No limite, todas as acepções possíveis podem estar representadas em atos de sentido de um mesmo informante espírita num curto espaço de tempo. Este pode afirmar a cientificidade da doutrina espírita para um amigo cético, ao mesmo tempo em que reprova o seu materialismo. Logo após, nosso dedicado espírita admoesta um companheiro de movimento mais intelectualista, pouco afeito à prática da caridade, insistindo no primado da religiosidade em Kardec. O mesmo espírita, ao participar de seu grupo de estudos, insistirá para que os médiuns mais carolas estudem mais criticamente a doutrina espírita, sejam mais leitores, mais racionais e menos crédulos na consideração dos fatos do dia a dia. (LEWGOY, 2006, p. 155-6).

Tal descrição, no entanto, não condiz exatamente com o conceito de duplo vínculo, ao menos como pensado em sua origem, visto que ele não permite que os sujeitos envolvidos na

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trama tenham as condições de escolher estrategicamente um sentimento ou uma ação específica em detrimento de outra, como parece ser o caso do exemplo mencionado. Para Bateson (1972), o duplo vínculo refere-se à vivência de uma situação paradoxal na qual a pessoa se vê simultaneamente diante de duas proposições contraditórias e mutuamente excludentes, sem conseguir optar por qualquer uma delas ou mesmo se abster. Assim, no caso da relação que os espíritas estabelecem com o par ciência e/ou religião, talvez faça mais sentido pensá-la nos termos de um clássico paradoxo, e não propriamente de um duplo vínculo, tendo em vista que os indivíduos em questão conseguem “deslizar” ou acessar de diferentes maneiras essa polaridade, variando a ênfase em um de seus lados (ora mais científico, ora mais religioso) conforme o cenário e os atores envolvidos naquela cena. Dentro desse paradoxo, uma questão crucial se colocou para o espiritismo desde o início, mas sobretudo a partir da publicação, em 1864, de O evangelho segundo o espiritismo, terceira obra da chamada codificação kardequiana, que também inclui: 

O livro dos espíritos (1857) – em que são estabelecidos os princípios fundamentais da Doutrina Espírita.

O livro dos médiuns (1861) – aborda temas relacionados à possibilidade de comunicação com o mundo dos espíritos.

O céu e o inferno (1865) – compreende aspectos filosóficos do espiritismo e assuntos relacionados à questão da justiça divina.

A gênese (1868) – livro em que são debatidos alguns temas relacionados à ciência, como, por exemplo, a formação dos planetas e o surgimento dos seres vivos.

Em suma, há uma tentativa de se estabelecer uma conciliação entre um cânone e uma epistemologia, ou seja, a adequação de “uma prática teológica de exegese ortodoxa, onde o acento é dado à sujeição ao plano espiritual superior” (LEWGOY, 2006, p. 158), a um conjunto de práticas e experimentações parapsíquicas, evocações, imagens fotográficas e materializações de espíritos e objetos, ocorrências essenciais à comprovação do fenômeno espírita. Contrário ao dogmatismo, ao clericalismo e ao aparato litúrgico e ritualístico do catolicismo, o espiritismo surge, em meados do século XIX, incentivado por descobertas e avanços da ciência iluminista, contando com a participação pioneira de muitos cientistas em suas experimentações e afirmando-se como uma doutrina de tríplice aspecto: científico, religioso e filosófico ou, na definição de Kardec (2006 [1859]), uma ciência de consequências morais e filosóficas. Nesse sentido, “a evocação de espíritos era tida como prova experimental do Espiritismo e tinha o seu ponto alto nas chamadas materializações, onde manifestações de ectoplasmas luminosos ultrapassavam a divisão entre espírito e matéria” (LEWGOY, 2006, p. 159). Assim, diferenciando-se da Igreja Católica que procurava estabelecer uma

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nítida separação institucional entre religião e ciência, clero e academia, “o Espiritismo investiu historicamente na abolição dessas fronteiras e domínios através de uma proposta de fusão religiosa entre ciência e religião”.2 Lewgoy (2006) e Giumbelli (1997, 2003, 2006), no entanto, demonstraram que a série de perseguições que o espiritismo sofreu ao longo do século XX, não só por parte da Igreja, mas também pela ciência (sobretudo a psiquiatria) dominante da época, resultou em certo enrijecimento da relação espírito-matéria, culminando na completa separação e compartimentação entre essas duas dimensões e, mais do que isso, no progressivo desaparecimento de práticas como as cirurgias espirituais e as receitas mediúnicas conhecidas justamente por borrarem ou tencionarem essa fronteira. Assim, nessa mudança de ênfase, procurando apostar na polarização, o espiritismo passará a privilegiar atividades, por um lado, mais espirituais do que receitas e cirurgias, como, por exemplo, a desobsessão; e, por outro, mais materiais, como as chamadas obras assistenciais (GIUMBELLI, 2006). Altera-se, então, o próprio modo de os espíritas conceituarem a relação entre os planos físico e espiritual: a matéria deixa de ser um dos estados do espírito; ambos passam a ser tratados como domínios próprios e distintos. Por borrarem as fronteiras entre espírito e matéria, entre religião e ciência, tanto as receitas mediúnicas como as cirurgias espirituais são percebidas como um grave problema para os médicos convencionais e também, como já foi dito, para muitos espíritas influentes. Afinal, como notou Greenfield (1999), pela mistura “impura” do material com o espiritual, as cirurgias espirituais “atrapalhavam a busca da credibilidade e complementaridade da medicina espírita em relação à oficial” (LEWGOY, 2006, p. 162). Restou à terapêutica espírita, portanto, uma aproximação cada vez maior com a dimensão religiosa, moral e assistencialista, relegando ao caráter científico e experimental de seus fenômenos um papel secundário e, por vezes, esquecido. Ressalta-se que Giumbelli (2006) sugere que “se o contrário tivesse

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Não pretendo apresentar detalhadamente os diferentes aspectos (e as posteriores consequências e controvérsias dessa fusão religiosa) contidos no espiritismo porque isso não só fugiria aos propósitos deste breve ensaio, como também repetiria de alguma maneira o trabalho já realizado por inúmeros pesquisadores, com diferentes enquadramentos e perspectivas, tais como: Aubrée e Laplantine (2009), Camurça (2014), Cavalcanti (1983), Damazio (1994), Giumbelli (1997), Greenfield (1999), Hess (1991), Lewgoy (2004), Nuñez (2012), Prandi (2012), Sharp (2006), Souza (2017), Stoll (2003), entre muitos outros. A ideia de que o espiritismo, ao ser transplantado para o Brasil, sofreu uma transfiguração em sua constituição, tornando-se excessivamente místico e religioso e pouco afeito ao experimentalismo e cientificismo supostamente característicos do espiritismo na França, também é bastante recorrente não só entre os próprios espíritas, mas também nos estudos socioantropológicos sobre a doutrina estabelecida por Kardec (AUBRÉE; LAPLANTINE, 2009; CAVALCANTI, 1983; STOLL, 2002). Outros estudos, no entanto, indicam que essa tensão envolvendo uma dimensão religiosa e outra científica esteve presente desde o surgimento do espiritismo, ainda em solo francês, com uma forte disputa entre adeptos que defendiam uma face religiosa da doutrina — como, por exemplo, Leon Denis — enquanto outros — Gabriel Delanne, em especial — estavam interessados em desenvolver a dimensão científica do espiritismo. De fato, o engenheiro espírita Gabriel Delanne era um dos principais interessados em trabalhar a “ciência espírita” na França, afirmando estar mais preocupado em testar e comprovar, através de instrumentos e métodos científicos, a autenticidade das mensagens psicografadas pelos médiuns do que apresentar e desenvolver o seu conteúdo moral e religioso. Engajado no ambiente acadêmico e científico, seu maior desejo era levar definitivamente o espiritismo para o reino da ciência, tornando os experimentos espíritas um objeto de interesse para os cientistas. Considerado “o mais científico dos pensadores espíritas” (SHARP, 2006, p. 176), em um de seus discursos, Delanne chegou a afirmar que a religião seria algo completamente desnecessário para o mundo moderno.

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ocorrido, e projetando essa possibilidade para o presente, o Espiritismo estaria participando do campo das medicinas alternativas e se envolvendo em uma discussão frontal com a medicina acadêmica” (p. 295). Tal caminho sugerido pelo autor parece, todavia, ser precisamente o desejo atual de alguns médicos espíritas que procuram não só dialogar com a medicina acadêmica e “oficial”, mas também com a física e a química contemporânea, a partir dos próprios termos e formulações. Até o “ânimo cartográfico, aventureiro e literário” que Lewgoy (2006, p. 158) reconhece nos cientistas e investigadores dos fenômenos espíritas do século XIX – ânimo este que, segundo o autor, nunca mais seria recuperado – parece também estar presente nestes médicos e pesquisadores contemporâneos (FRUCTUOSO, 2012; FREIRE; SALGADO, 2008). Lewgoy (2006), em verdade, apesar de não explorar essa questão, já demonstrava estar atento a uma possível atitude ou lugar diferenciado que médicos e demais cientistas espíritas ocupavam em relação ao restante do movimento espírita. O autor cita rapidamente os casos do médico Waldo Vieira – importante médium dissidente do espiritismo e criador da conscienciologia (CHIESA, 2016; D’ANDREA, 2000) – e do físico Silvio Chibeni – professor livre-docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e criador do Grupo de Estudos Espíritas da Unicamp (GEEU) – como claros exemplos de diferenciação acerca da vertente religiosa do espiritismo e da aproximação com o mundo acadêmico e científico. Também lembra o papel que as associações médico-espíritas vêm desempenhando nas universidades procurando referendar o emprego de técnicas espíritas no diagnóstico e no tratamento médico e, com isso, reivindicar a institucionalização da medicina espírita ao menos como uma especialidade médica, situada no campo das medicinas alternativas. Para além de uma especialidade médica, Giumbelli (2006) sugere que o espiritismo seria capaz de produzir uma medicina própria, “um saber terapêutico que corresponde à visão que possui sobre a vida humana e suas perturbações” (p. 286). Derivado do fluido universal, o corpo físico e, consequentemente, as enfermidades humanas teriam sua origem na realidade espiritual. O autor chama atenção, nesse ponto, para a perspectiva monista que subjaz a explicação espírita, em que “o ‘material’, ainda que assuma aspecto próprio, não deixa de ser uma modalidade do ‘espiritual’”. Logo, diante de tais enfermidades, “um ‘espírito’, ‘encarnado’ ou ‘desencarnado’, pode atuar de modo terapêutico, mediante a emanação de ‘fluidos’ sadios sobre o enfermo”. No entanto a configuração de um modelo médico próprio, distante de uma concepção mecanicista e materialista da vida, não excluiu a possibilidade de diálogo ou mesmo de complementaridade entre o espiritismo e a medicina “convencional”. Interessado exatamente em compreender esse diálogo e as oscilações práticas e doutrinárias dessa religião, e procurando, com isso, construir uma interpretação não substancialista do espiritismo, Giumbelli

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(2006) propõe que se pense a relação que os espíritas estabelecem com a “medicina oficial” através da dicotomia introjeção e subversão, argumento que em alguma medida se aproxima da discussão de Lewgoy (2006). Centrando sua análise na “mediunidade receitista”, ele observa, por um lado, a introjeção pelas práticas espíritas de elementos consagrados na medicina: há a doença e há o tratamento, o doente é atendido por um médico e é curado por um medicamento. Por outro lado, ocorre também uma subversão, sugerida pela aliança com a homeopatia, mas sobretudo provocada pela autoridade depositada nos “espíritos”. Ao atribuir a um médico espiritual a autoridade (no duplo sentido, de agência e de poder) pelo diagnóstico e pelo tratamento, a prática curto-circuita a lógica que deveria conduzir o doente a um terapeuta treinado pela medicina acadêmica e legitimado pelas leis nacionais. (GIUMBELLI, 2006, p. 291).

Esse “curto-circuito”, no entanto, acabou se tornando cada vez mais problemático e alvo de inúmeras perseguições judiciais orquestradas por médicos, psiquiatras e líderes católicos, resultando na redução ou extinção dessas práticas nos centros espíritas. Conforme dito anteriormente, tal processo afetou não só as atividades realizadas nos centros (com a ênfase em práticas “mais espirituais” – passes e desobsessão – ou “mais materiais” – trabalhos caritativos e assistenciais), mas também, e principalmente, alterou a relação entre os domínios ou as dimensões material e espiritual. Passou-se de uma percepção monista para uma visão dualista da realidade pautada na nítida separação entre os domínios, na dicotomia entre corpo e espírito. Destoando dessas formas puramente materiais ou puramente espirituais, nas receitas mediúnicas e também nas cirurgias espirituais tem-se, ao contrário, uma espiritualização da matéria e uma materialização do espírito: “trata-se a doença do corpo com a receita do espírito e crê-se que uma substância material age sobre os fluidos espirituais” (GIUMBELLI, 2006, p. 299). A percepção de uma substância material agindo e atravessando dimensões espirituais é algo enfatizado pelos médicos espíritas e que de algum modo contribui para aproximar o espiritismo de outros sistemas de ideias e práticas terapêuticas como, por exemplo, o magnetismo animal e a homeopatia. A teoria sobre o magnetismo animal desenvolvida pelo médico alemão Franz Anton Mesmer, ao final do século XVIII, serviu como uma espécie de substrato científico para a elaboração doutrinária desenvolvida pelo próprio Allan Kardec, profundo conhecedor das ideias mesmeristas (CHIESA, 2016). Algumas dessas ideias, como a de fluido magnético e de curas magnéticas, foram absorvidas e ressignificadas pelo espiritismo, servindo de explicação para determinadas práticas típicas dos centros espíritas, como o passe e a água fluidificada. A homeopatia, por sua vez, encontrou sua aplicação nos

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receituários psicografados pelos médiuns visto que a maior parte dos medicamentos recomendados pelos espíritos médicos era de origem homeopática. Combinando as ideias de Mesmer com as formulações de Hahnemann (fundador da homeopatia), os espíritas afirmam que a eficácia ou a força terapêutica dos medicamentos receitados pelos espíritos não reside propriamente nas substâncias materiais, mas sim em uma “substância fluídica” produzida através das diluições e dinamizações por que passavam preparados básicos. Assim, era enquanto um “fluido”, e não enquanto um “conjunto de átomos”, que os medicamentos se tornavam eficazes, supondo-se que também houvesse, na fisiologia humana, uma relação análoga entre dimensões imateriais e materiais. A primeira delas era designada pelo termo “perispírito”, substância de natureza “fluídica”, espécie de princípio vital que garante a sustentação da dimensão material, o “corpo físico”, ligando-a ao “espírito”. Temos aí uma ilustração do que mais atrás chamei de monismo da doutrina espírita. (GIUMBELLI, 2006, p. 290).

Dentro do paradoxo espírita, o par ciência/religião deve ser pensado sempre em termos estratégicos, situacionais e relacionais, nunca como conceitos previamente definidos. A fluidez nos limites estabelecidos entre ciência e religião, tal como percebidas pelos espíritas, permite que certas ideias ou determinados elementos que não são comumente aproximados pelos discursos hegemônicos científicos e religiosos sejam de fato “embaralhados” ou recombinados, dando origem a novas misturas, novos híbridos. Percebe-se, desse modo, por parte dos espíritas, um movimento duplo no sentido de distanciar-se de certas manifestações religiosas (denominadas pejorativamente de “baixo espiritismo”) ao mesmo tempo que são quebradas ou diminuídas as barreiras existentes entre ciência e religião. Um movimento simultâneo de purificação (da religião) e tradução (da ciência) que resultará no desenvolvimento de um novo conceito, uma nova imagem, um novo híbrido: a “ciência espírita” (CHIBENI, 1991). De maneira semelhante a um processo de mimese, tal como o formulado por Taussig (1993), o espiritismo captura, recorta e remodela uma série de práticas, símbolos e discursos produzidos pela ciência dominante com o intuito de construir uma nova ciência “espiritualista”, ou mesmo “pós-materialista” (BEAUREGARD et al., 2014), que seja capaz de contribuir diretamente para o avanço, a evolução e a transformação desse outro mimetizado, qual seja, dessa velha ciência e de seus pressupostos excessivamente materialistas e reducionistas.

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Terceiro ato – desfecho: nova medicina A primeira metade do século XX, caracterizada por uma série de invenções e descobertas no campo das ciências física, química e biológica, e, simultaneamente, pelas reflexões, discussões e proposições elaboradas pela cibernética e pelas teorias dos sistemas e da complexidade, certamente colaboraram para a retomada de uma ideia de totalidade e, por consequência, de espiritualidade, em relação à saúde e à enfermidade, esta última definida pelos médicos espíritas Gilson Freire e Mauro Salgado (2008) como a “alteração do todo substancial espírito-corpo” (p. 102). As pesquisas desenvolvidas no campo da física – e fortemente apoiadas em princípios e questões filosóficas – por nomes como Albert Einstein, Niels Bohr, Max Planck, Erwin Schrödinger, Werner Heisenberg, Louis de Broglie, entre outros, contribuíram para desestabilizar a maneira “clássica”, estabelecida pela física newtoniana, de se ver e interpretar o mundo e a matéria. Foram criados novos parâmetros para o entendimento e a definição da realidade; parâmetros muito mais incertos, instáveis, flexíveis e, afirmam os espíritas, mais espirituais que os anteriores. Com a investigação dos fenômenos eletromagnéticos e a invenção do conceito de campo, o modelo da física newtoniana tornou-se inadequado para descrição e percepção dessa nova realidade. Em vez da lei de atração dos contrários, surge uma nova maneira de conceber a interação entre os átomos ou, mais exatamente, entre prótons e elétrons, baseada na ideia de que cada carga cria uma perturbação, uma força ou uma vibração no ambiente que será sentida pelas demais cargas ao redor. O universo (e tudo o que nele existe, incluindo o próprio ser humano) passa, então, a ser entendido como formado por uma imensa quantidade de campos criadores de forças ou energias que atuam ou interagem umas com as outras. Com a publicação, em 1905, da Teoria da Relatividade, por Albert Einstein, ampliam-se os questionamentos à mecânica newtoniana, sobretudo às formulações acerca do espaço e do tempo. Estes deixam de ser absolutos, lineares e separados (e tridimensional, no caso do espaço), e passam a ser percebidos como formando um único e contínuo espaço-tempo. Deixa de existir um fluxo universal do tempo, que se torna relativo e varia fundamentalmente a partir da experiência de quem o sente ou o observa. Outra contribuição de Einstein que afetou as estruturas da física clássica foi a compreensão de que matéria é energia condensada, cristalizada ou desacelerada, isto é, matéria e energia são perfeitamente intercambiáveis e equivalentes. “Matéria e energia, partícula e onda são agora entidades de mesma natureza, compartilhando idênticas propriedades, a se diferenciarem apenas por tonalidades vibracionais” (FREIRE; SALGADO, 2008, p. 83). Nesse sentido, e tal afirmação repercute diretamente na ideia e na defesa de uma percepção e de uma prática médica espírita, nossos corpos são, em última instância, energia. Para Freire e Salgado (2008), essa nova ciência

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“abriu caminho para se readmitir as concepções do espiritualismo – uma vez que em tudo se assemelham. Basta aplicar esta simples dedução: se a matéria, em sua íntima composição, é um campo de energias, a vida, com muito mais propriedade, também o será” (p. 85). Esse novo campo de investigações, aprofundado nas décadas seguintes pela física quântica e pelas teorias dos modelos complexos, servirá, portanto, como respaldo científico para a defesa e a prática de um modelo espiritual de compreensão da saúde, do corpo humano, do ser doente e da própria medicina. Mergulhados no universo subatômico, os novos físicos se deram conta do caráter instável, mutável, imprevisível e mesmo subjetivo da matéria. Sustentada por “pacotes de energia”, denominados quanta, a realidade física deixa de ser formada por objetos sólidos e indivisíveis e passa a ser entendida como um entrelaçamento ou emaranhamento de campos energéticos que compõem uma rede de eventos. Nessa rede emaranhada, uma partícula que compartilha propriedades com outra é instantaneamente afetada por qualquer coisa que aconteça com a primeira, mesmo que estejam separadas por uma distância astronômica. Nesse sentido, o mundo dos eventos quânticos, onde um elemento pode se comportar como uma onda, uma partícula ou as duas coisas ao mesmo tempo, variando conforme o instrumento de averiguação e a vontade do observador, independe do espaço e do tempo, porque nele impera o princípio da não localidade. Sob tais circunstâncias, nada pode ser previsto ou determinado com a exatidão desejada e idealizada pelo modelo mecanicista newtoniano. Assim, pelas mãos dessa nova “ciência quântica”, a ideia de totalidade, antes rechaçada por uma visão mecanicista e fragmentária, encontra agora um novo caminho; um caminho que nos leva a uma “ciência espírita” ou “espiritualista”. O universo torna-se uma grande mente, uma realidade não física, interligada por conexões não locais, compondo uma teia de eventos inteligentes e imponderáveis. “Os fenômenos físicos são agora entidades subjacentes oriundas desse novo realismo, evidenciado nos experimentos quânticos” (FREIRE; SALGADO, 2008, p. 85). Tudo, inclusive a vida humana, tem origem em um oceano de forças invisíveis e abstratas do qual conhecemos apenas uma ínfima parcela. Volta-se assim, nos bastidores da ciência, a se conceber como viável a crença vitalista que considerava a vida produto de um potencial irredutível ao domínio físico. Nesse neovitalismo quântico, rasgam-se os véus do materialismo, desfraldando-se uma nova visão de mundo, a qual ressuscitará o antigo espiritualismo como inquestionável expressão da realidade fenomênica. (FREIRE; SALGADO, 2008, p. 86).

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Seguindo o raciocínio, os médicos espíritas Gilson Freire e Mauro Salgado sugerem que apliquemos à medicina, bem como às demais áreas do conhecimento humano, as constatações que a física quântica vem nos apresentando cotidianamente. Depois que a nova física destituiu o primado da matéria como fundamento do universo [...] faz-se imperioso à medicina compreender os fenômenos biológicos igualmente inseridos nessa mesma realidade. Ela não pode prosseguir vendo o homem como um amontoado celular, organizado pela casualidade de átomos que a si mesmos se criaram e gerenciam as próprias necessidades, justificando assim o seu intervencionismo. (FREIRE; SALGADO, 2008, p. 101).

A vida, como o primado do espírito (ou de uma força espiritual); a inseparabilidade entre espírito e matéria, mente e corpo, sendo o último (o corpo, a matéria) consequência ou derivação do primeiro (o espírito, a mente) – são duas ideias-chave da doutrina espírita. Conforme mencionado antes, o espiritismo não concebe uma separação nítida entre espírito e matéria, considerando-os como aspectos ou planos distintos, decerto, mas que constituem uma única realidade, um monismo, essencialmente espiritual. Se não há separação definitiva, existe, ao contrário, a interconexão, a contínua comunicação e a mútua afetação entre essas dimensões e todos os seres que nelas habitam. E o que assegura a comunicação é a presença de materiais, forças ou energias encontradas e produzidas, sobretudo, pelos seres humanos. O ectoplasma, derivado do fluido vital e fundamental na interação entre seres encarnados e desencarnados, é a primeira dessas forças. A segunda, talvez até mais importante porque é quem dá forma e movimento à primeira, é a força do pensamento, entendida como uma das forças fundamentais da natureza. Atrelada à ideia de uma consciência cósmica que atravessa e forma todos os seres e coisas, é a força do pensamento do observador que faz com que ora o objeto observado se comporte como onda, ora se revele como partícula. Nesse sentido, ela é capaz não só de interagir de maneira ativa com o que aparentemente lhe é exterior, mas também de criar e sustentar essa realidade exterior (FREIRE; SALGADO, 2008). Retoma-se, assim, sob uma nova roupagem quântica, a ideia de uma concepção tríade da realidade, formada por matéria, energia e espírito, ou mesmo a percepção monista que confere ao espírito (pensamento, mente ou consciência) o verdadeiro substrato do universo e de toda a realidade física. Tal roupagem será perfeitamente adotada pelos médicos espíritas na defesa de uma nova visão da medicina e na validação de certas práticas terapêuticas, como a homeopatia, a acupuntura e as curas espirituais, não reconhecidas ou não valorizadas pela medicina

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convencional. Surge, então, uma “nova” medicina”, apoiada nos postulados espíritas ou espiritualistas, que vê nas expressões imponderáveis da consciência a origem de todas as enfermidades humanas. Compreendendo o absurdo de julgar que a matéria orgânica seja regida por si própria, a medicina espiritualista levará em conta a existência de um ser imaterial no comando da rede biomolecular, o qual se deve priorizar na manutenção da própria estabilidade. E concluirá que as partes enfermas podem e devem receber intervenções localizadas, porém apenas como suporte, jamais como intento de cura. Sem dispensar, evidentemente, os conhecimentos adquiridos pela medicina materialista no domínio da fisiologia e da patologia, a doença não será mais entendida como um mero desalinho de órgãos e funções, células e moléculas, mas um distúrbio da totalidade do ser. E o doente, não mais interpretado como uma quimérica coleção de órgãos independentes, será tratado como uma unidade consciente e sensível, dotado de natureza e origem imaterial e predestinado à eternidade dos valores divinos que carrega consigo. [...] O pensamento será compreendido como um campo de forças imponderáveis, emanado da consciência, com decisivo poder sobre a organização física e que deve ser devidamente orientado no estabelecimento do seu próprio equilíbrio. E o espírito, senhor absoluto da vida, será aceito como a fonte única e soberana da consciência. Seus propósitos superiores serão respeitados, compreendendose que este edifica e dirige a unidade orgânica e estabelece a doença como premente recurso evolutivo, e não mero fracasso biológico. (FREIRE; SALGADO, 2008, p. 107-108).

A busca por um diagnóstico holístico, atento à totalidade do ser doente, é o que caracterizaria, segundo os médicos espíritas ou espiritualistas, essa “nova” medicina. “Nova”, entre aspas, porque de acordo com os próprios médicos, o que se busca na verdade é um retorno a uma “antiga” medicina, uma “velha” arte, seguidora de valores e procedimentos terapêuticos estabelecidos por Hipócrates, pai da medicina ocidental, que entendia a doença como o desequilíbrio de um todo orgânico e coerente, e a saúde ou, mais exatamente, a cura como o processo ou o movimento natural de restauração desse equilíbrio interior. Assim, “convencendo-se de que a cura não é produto somente da técnica, mas sobretudo da arte, a nova terapêutica deixará de concorrer com as vias naturais da cura e abandonará o emprego exclusivo de compostos químicos artificiais e supressivos para se fazer o estímulo à autocura” (FREIRE; SALGADO, 2008, p. 109). A propensão natural do organismo para a autocura, autocorreção ou autorregulação é uma das ideias cruciais dessa proposta terapêutica que

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define o médico como um coadjuvante, um auxiliar da natureza, esta sim, a primeira e indispensável “médica” de qualquer ser doente. É interessante observar que o retorno da ideia de totalidade ou holismo pelos médicos espíritas implica um discurso de aproximação não só com a religião ou a espiritualidade, mas também com a arte, de modo que a medicina será entendida como a arte de curar o espírito, sendo a cura, por sua vez, entendida como o restabelecimento do equilíbrio natural do organismo vivo. Estar atento ao todo e às partes, não descartar “os conhecimentos adquiridos pela medicina materialista”, mas perceber a doença como algo mais que “um mero desalinho de órgãos e funções, células e moléculas”. Este é o desafio colocado pelos espíritas àqueles que queiram praticar a sua medicina: Além de conhecimentos de fisiologia e da patologia humana, a educação médica concitará o novo médico a uma formação eminentemente humanitária, embasada em segura orientação filosófica, exigindo-lhe moral elevada como quesito indispensável ao exercício da arte da cura. O culto à beleza e à vida, o respeito ao determinismo divino que norteia a ordem orgânica, e a valorização da subjetividade e dos sentimentos humanos na abordagem da dor e do sofrimento serão quesitos incorporados com naturalidade à formação do novo profissional. E assim, medicina e espiritualidade estarão unidas para a cura do homem em sua totalidade. (FREIRE; SALGADO, 2008, p. 109-110).

Se, no caso das cirurgias espirituais, os médiuns que fizeram uso de instrumentos materiais em suas práticas espirituais foram alvo de severas críticas por parte dos próprios espíritas em função do fato de borrarem as fronteiras e, desse modo, correrem o sério risco de contaminar o espírito “puro” com a matéria “impura”, agora, nesse outro cenário, a proposição de uma ciência ou medicina espírita será exaltada pelos adeptos e praticantes do espiritismo na medida em que envolve justamente o movimento contrário daquele realizado nas operações mediúnicas. Pois aqui é a matéria que se aproxima do espírito, é a ciência que se espiritualiza, rasgando os “véus do materialismo” e caminhando em direção à religião.

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