Bons Negócios na Floresta

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Melhores Práticas

Bons negócios na

FLORESTA

Desenvolvimento econômico e preservação ambiental não são incompatíveis. Essa é a mensagem da ONU no Ano Internacional das Florestas Texto | Natália Martino

H

á 60 anos, Lauro Lopes mora às mar-

desafio não é pequeno: as florestas cobrem

gens do rio Xingu. Foi seringueiro e ago-

31% da Terra, mas, a cada ano, 13 milhões

ra é pescador. Sempre tirou da floresta o

de hectares dessas áreas, o equivalente a 106

sustento da sua família, que vive em Altamira

cidades do Rio de Janeiro, desaparecem, de

(PA). Como ele, 1,6 bilhão de pessoas no mun-

acordo com a FAO (Organização das Nações

do dependem diretamente das florestas para

Unidas para Agricultura e Alimentação). Esse

sobreviver. O restante da população mundial,

desmatamento é responsável, de acordo com

que já chega a 7 bilhões, também recebe de-

Painel Intergovernamental de Mudanças Cli-

las benefícios indispensáveis, como ar puro.

máticas (IPCC), da ONU, por 20% das emissões

Retirar carbono da atmosfera é, ao lado da

globais de gases de efeito estufa.

manutenção de mananciais de água, exemplo dos serviços ambientais prestados por flores-

ilustrações: istockphoto

tas preservadas. Serviços que já têm preço.

Preservação e desenvolvimento No Brasil, os dois mais importantes biomas

Empresas pagam por áreas preservadas

florestais são a Amazônia e a Mata Atlântica.

para que o gás carbônico emitido em suas

Se os bons exemplos de geração de renda sus-

operações seja retirado da atmosfera pela

tentável não forem replicados país afora, esses

fotossíntese da vegetação que deixará de ser

biomas vão continuar diminuindo enquan-

desmatada. O mecanismo ficou conhecido in-

to as cidades crescerão envoltas em massas

ternacionalmente como REDD (Redução de

de ar cada vez mais irrespiráveis e com uma

Emissões por Desmatamento e Degradação

quantidade cada vez menor de água potável

Florestal). Um dos projetos brasileiros mais

disponível. “Conciliar preservação e desenvol-

representativos nesse sentido é a Reserva de

vimento não é um desejo, é uma necessidade”,

Desenvolvimento Sustentável Juma, em Novo

resume Antônio Carlos Hummel, diretor-geral

Aripuanã (AM). O carbono retirado da atmos-

do Serviço Florestal Brasileiro. A dependência

fera pela sua cobertura florestal é comprado

do homem em relação às florestas ganhou

por uma rede de hotéis.

atenção mundial graças à iniciativa da ONU de

Projetos como esse, somados ao trabalho

declarar 2011 o Ano Internacional das Flores-

de comunidades, empresas e ONGs que encon-

tas. “Precisamos trazer o homem para as dis-

traram formas de usar as florestas para gerar

cussões, florestas e pessoas estão conectadas”,

renda sem destruí-las, contribuem para garan-

explica Jan McAlpine, diretora da ONU para

tir a continuidade das florestas no mundo. O

florestas, que esteve recentemente no país.

Horizonte Geográfico

45


manejo

Madeira sustentável

A

exploração da madeira não precisa, necessariamente, significar desmatamento. “Qualquer recurso natural

pode ser explorado de forma sustentável, basta que a intensidade do seu uso seja menor do que a velocidade de reposição natural

do Serviço Florestal Brasileiro, vinculado ao

cerca de 80% das suas serrarias fechadas

Ministério do Meio Ambiente. “Ainda é um

por atividades ilegais. “Isso gera um proble-

número alto, mas representa uma vitória

ma socioeconômico enorme. Então, o que

porque essa taxa já alcançou 90%”, explica.

estamos discutindo é como favorecer uma

Fiscalização na Amazônia

Segundo ele, a redução da ilegalidade tem

retomada das serrarias na região, mas, des-

suas origens na maior presença de fiscaliza-

sa vez, trabalhando de forma sustentável”,

Número de operações e multas aplicadas pelo Ibama em fiscalizações de desmatamento e madeira ilegal entre 2003 e 2007, na Amazônia Legal

ção (veja gráfico) e na substituição de docu-

afirma Hummel.

do ambiente”, explica Virgílio Viana, superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS). Para garantir que esse limite

mentos de papel por processos eletrônicos. Do outro lado da cadeia produtiva, no mercado consumidor, o engajamento tam-

2.500

seja respeitado, devem ser produzidos os planos de manejo que definem as áreas que

2.000

1.000

60 40

500

20

O desafio é fazer com que esses planos de manejo sejam usados. Madeiras ilegais representam entre 30% e 35% das vendas no Brasil, segundo Antônio Carlos Hummel,

140

cionários e desrespeitar as leis ambientais. É

80

precisam ser mantidas como porta-sementes – para garantir a regeneração da floresta.

barato por burlar impostos, registros de fun-

100

1.500

devem ser protegidas – por serem endêmicas ou estarem em extinção – e árvores que

em geral, mais cara. “O produto ilegal é mais 160

120

podem ser exploradas, a quantidade máxima de madeira a ser retirada, as espécies que

bém é essencial, já que a madeira legal é,

N0 de operações

Multas (R$ milhões)

2003

2004

2005

2006

2007

0

Fonte: Ibama (2008)

Sem medo

Horizonte Geográfico

Estados

Número de Empresas

Empregos

(diretos e indiretos)

Receita bruta (milhões de R$)

preciso que as empresas formem um merca-

Acre

24

do mais exigente”, diz Dimitrios Paleologos,

Amapá

48

1.516

32,10

Amazonas

58

6.525

115,19

diretor da Madeireira Mart. Mas é essencial, ainda, equacionar outro problema. O fim de uma serraria, mesmo que ilegal, significa desemprego, o que pode ser especialmente grave em locais que baseiam toda a sua economia na atividade (veja tabela à direita). É o caso, por exemplo, de Novo Progresso e Itaituba, no Pará. Antes polos madeireiros, os municípios tiveram

Maranhão Mato Grosso Pará

4.641

181,96

54

3.975

59,00

592

56.932

1.598,36

1.067

92.423

2.199,61

Rondônia

346

34.825

713,49

Roraima

37

2.865

62,66

2.226

203.702

4.940,39

Amazônia Legal Fonte: Imazon/Serviço Florestal, 2010

Terras públicas José Roberto da Silva extrai madeira da Amazônia há quase 30 anos. Mas só nos últimos meses passou a ter orgulho disso. Morador da comunidade Terra Preta, na RDS do Rio Negro (AM), Silva conseguiu uma licença ambiental para desenvolver a atividade. O principal ganho foi em qualidade de vida: “antes trabalhávamos à noite, sempre nos escondendo”. Silva salienta sua felicidade em trabalhar sem medo e afirma que antes vendia madeira ilegal apenas por necessidade. “Achávamos que era a única alternativa” diz. Foi o Programa Bolsa Floresta, administrado pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS), que mostrou a Silva e a outras 21 famílias da Terra Preta a possibilidade de fazer de outra forma. “Antes, o governo chegava só para prender, agora ele vem nos ensinar”, diz Silva. O programa investe em média 160 mil reais anuais em projetos que ajudam na preservação florestal dentro de 15 Unidades de Conservação do Amazonas.

fotos: divulgação

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Economia da madeira Número de empresas, empregos e receita bruta da atividade madeireira na Amazônia, em 2009

Um dos caminhos mais promissores para diminuir a exploração ilegal de madeira no Brasil é a concessão de florestas públicas para a atividade, na opinião de Antônio Carlos Hummel. Segundo o diretor do Serviço Florestal Brasileiro, as vantagens são facilidades para a fiscalização e segurança fundiária. “É cada dia mais difícil encontrar terras legalizadas para a exploração madeireira na Amazônia, por isso a concessão é uma boa saída”, avalia Mauro Shigueo, dono da Madeireira Sakura, uma das três empresas autorizadas a trabalhar na Flona Jamari, alvo da primeira concessão desse tipo, oficializada em 2010. Para Hummel, a experiência já é um exemplo de sucesso: “Além do aumento da oferta de empregos formais, as pessoas trabalham com segurança, vivem em alojamentos adequados e recebem salários dignos”, avalia. De acordo com ele, cerca de 10 milhões de hectares de florestas públicas, área equivalente à metade do Estado de Sergipe, já tem hoje condições de receber uma concessão.

Horizonte Geográfico

47


reflorestamento

A volta do verde

U

ma vez devastada, a floresta nunca

Porém, segundo ele, vários fatores, espe-

mais voltará a ser como antes. “Es-

cialmente o surgimento da certificação FSC,

pécies se perdem no caminho, não é

mudaram o perfil das florestas plantadas.

possível restaurar o estágio inicial de mata

“Ainda recebemos denúncias de empresas

nativa”, explica Ludmila Pugliese, gerente de

convertendo áreas de florestas nativas em

restauração florestal da SOS Mata Atlântica.

reflorestadas, mas elas não conseguirão cer-

Apesar disso, é possível recuperar serviços

tificação e, sem selo, não têm mais mercado”,

ambientais como oferta de água e estabili-

explica. Assim, a maior parte das florestas

dade do solo. E a restauração pode significar,

plantadas atualmente ocupa áreas antes

também, geração de renda. “Precisamos de

devastadas para pastagens. Essas florestas

coletores de sementes, assessores técnicos,

foram incluídas nas práticas previstas no

pessoas para fazer o plantio – muita gente

Programa Agricultura de Baixo Carbono,

tem de colocar a mão na massa”, avalia Au-

ação do Ministério da Agricultura para re-

rélio Padovezi, coordenador de restauração

duzir a emissão de gases de efeito estufa.

ecológica da TNC (The Nature Conservancy).

Eucalipto e pinus adaptaram-se tão bem

Geração de renda, porém, não é o ob-

ao país que crescem mais rapidamente e

jetivo primordial da restauração. Por outro

produzem mais madeira por hectare do

lado, florestas de eucalipto e pinus são plan-

que em outros países (veja tabela na página

tadas com fins comerciais. A prática levanta

seguinte). Hummel explica que é necessário

polêmica, principalmente pelo histórico de

aproveitar essas vantagens para diminuir a

substituição de mata nativa por florestas

pressão sobre as matas nativas. “É preciso

plantadas. “Políticas equivocadas geraram

entender que quando a economia cresce, a

exemplos ruins ao longo da década de 1970

demanda por produtos florestais também

e ficou um passivo de credibilidade no setor”,

aumenta”, diz, defendendo a ampliação da

explica Mário Mantovani, diretor de políticas

área do cultivo do Brasil para 12 milhões de

públicas da SOS Mata Atlântica.

hectares, o dobro do que é hoje.

Produção diversificada Com o fornecimento de mudas, assistência técnica, educação ambiental e garantia de comercialização da madeira, a Fibria, empresa que atua no segmento de florestas plantadas, estimula pequenos proprietários rurais a plantar eucalipto. Dessa forma, garante não apenas o reflorestamento de grandes áreas, mas também oferece mais uma fonte de renda para esses pequenos proprietários. O programa

Unidos pela restauração

Produtividade florestal

Veja como as plantações de eucalipto e pinus são muito mais produtivas no Brasil que em outros países

(m /ha.ano) 3

48

Horizonte Geográfico

45

EUA

41

40

CHILE

35 30

30

25 20

30

25

BRASIL

10 5

SUÉCIA CANADÁ

20

15 fotos: divulgação

“Sempre tentei trazer emprego para Piracaia (SP), região carente de oportunidades. Com a restauração, realizei esse sonho”, afirma André Donizeti do Amaral, presidente da Ambiência Cooperativa de Trabalho para Reflorestamento Ambiental. A cooperativa é formada por 25 pessoas capacitadas pela TNC (The Nature Conservancy) para promover a restauração de 103 hectares do entorno do reservatório Cachoeira, do sistema de abastecimento de São Paulo. A cooperativa já assinou outro contrato para manutenção da área, o que inclui controle de incêndios e ervas daninhas. “Hoje, a maior parte da renda dos cooperados vem do reflorestamento”, afirma Amaral.

foi batizado de Poupança Floresta e já gerou quase quatro mil contratos com fornecedores em sete estados brasileiros. São mais de 100 mil hectares de florestas plantadas graças à iniciativa, que também incentiva o plantio de outras culturas, especialmente no Rio Grande do Sul, onde a Fibria oferece um selo de certificação para alimentos produzidos em florestas de eucalipto.

4

0 Eucalipto (fibra curta)

5

10 2

4

Pinus (fibra longa)

Fonte: Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República

Horizonte Geográfico

49


extrativismo

Desafios das comunidades

R

ibeirinhos, indígenas, quilombolas

como geladeira e televisão. Projetos que ge-

e outras comunidades tradicionais

rem renda e ajudem a garantir esses direitos

sempre tiraram da floresta seu ali-

a comunidades que protegem a floresta por

mento e sua moradia sem deixar para trás

dependerem dela são apontados, por mui-

um rastro de destruição. Muitos querem con-

tos, como o caminho para o tão almejado

tinuar assim, mas sem abrir mão dos direi-

desenvolvimento sustentável.

tos garantidos a outros cidadãos brasileiros:

Mas os desafios são muitos. Em primeiro

saúde, educação e acesso a bens de consumo

lugar, o problema logístico. Muitas comuni-

Receitas de sucesso “Eu achava que essa palmeira aí não servia para nada”, confidencia Ana Rosa dos Santos Barbosa sobre a juçara, que hoje representa cerca de 30% da renda da sua família no período de safra da espécie. Original da Mata Atlântica, a palmeira juçara está na lista oficial do Ministério do Meio Ambiente de espécies ameaçadas de extinção graças, especialmente, à ação dos palmiteiros, que precisam sacrificar a árvore para obter o palmito. Para ajudar a reverter esse quadro de extinção próxima, o Ipema (Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica) começou a trabalhar com comunidades do interior de São Paulo para que a palmeira se transformasse em uma fonte de renda sustentável. Hoje, 40 famílias participam diretamente do projeto, que incentiva o uso do fruto na culinária local. Festivais promovem novas receitas, restaurantes incorporaram o ingrediente ao cardápio e as cidades envolvidas o incluiram na merenda escolar. “A juçara já entrou para a culinária local”, comemora Cristiana dos Reis, coordenadora do projeto que está repovoando quase 200 hectares com a palmeira.

dades, especialmente as da Amazônia, estão isoladas e, para serem alcançadas, demandam viagens de dias pelos rios locais. “Como

Espinhos da sorte

querer que ribeirinhos vivam da venda de açaí se eles não têm como escoar sua produção?”, questiona Célia Regina Favacho, do Conselho Nacional de Populações Extrativisfotos: divulgação; João Prudente/pulsar

tas (CNS). Diante desse impasse, as popula-

Árvore brasileira conhecida por ter muitos espinhos, o murumuru é, em geral, presença indesejada. A espécie era constantemente arrancada por quem se embrenhava na mata para colher açaí, fruta com alto valor comercial. Isso até o murumuru também ganhar preço. A mudança aconteceu quando a Natura Cosméticos procurou comunidades do Amazonas e do Pará para fazer o manejo da árvore para criar uma linha de sabonetes. A espécie conta hoje com mais de três mil árvores protegidas nessas regiões. “Quando o murumuru passa a ser fonte de renda complementar, as comunidades começam a protegê-lo”, diz Sérgio Talocchi, gerente de relacionamento com as comunidades da Natura. “Muitos chegam dizendo, por exemplo, que compraram motor para o barco. Em uma comunidade à qual só é possível ter acesso pelo rio, isso é uma grande melhoria de vida”, completa.

50

Horizonte Geográfico

ções acabam se rendendo aos atravessado-

1

2

3

4

res, que engolem a maior parte dos possíveis lucros do negócio. Ou, pior, rendem-se ao dinheiro imediato oferecido por madeireiros ilegais. Ficam entre escolhas cruéis: ou protegem seu território e permanecem na carência dos mais básicos recursos ou ajudam a destruir o ambiente à sua volta e garantem certos confortos agora para sentir o peso da escolha nos anos futuros. Há, ainda, a questão da terra. “A agricultura e a pecuária avançam, enquanto as comunidades tradicionais são empurradas para mais longe”, diz Célia. Foi para garantir às

Comércio dos principais produtos não madeireiros explorados no Brasil

comunidades de seringueiros do Acre o direito à terra na qual sempre viveram que lutou

Produto

Quantidade

to é reserva extrativista, tipo de unidade de

Carnaúba (cera e pó)

21.132

97.136

conservação que ajudou a criar. Mais de 20

Erva-mate

218.102

86.587

Babaçu (amêndoa)

109.299

121.351

Açaí (fruto)

115.947

160.528

Piaçava

72.232

110.245

Castanha-do-pará

37.467

2.261

3.363

7.603

o líder seringalista Chico Mendes. Tornou-se mártir e até hoje é lembrado quando o assun-

anos depois do seu assassinato, seus suces-

O fruto da palmeira (acima)

sores, José Claudio Ribeiro da Silva e Maria

transformou-se em ingrediente

do Espírito Santo da Silva, tiveram o mesmo

de pratos criados para festivais

fim. Foram assassinados no Pará, em maio

da juçara (ao lado):

deste ano. A morte do casal ganhou os noti-

1- moqueca de peixe com juçara;

ciários e escancarou nossa distância de um

2- cajutapu; 3- pão de juçara;

desenvolvimento socialmente sustentável.

4- bolo de juçara com banana

Hévea (látex coagulado e líquido)

(toneladas)

Valor

(em milhares de reais)

Fonte: IBGE, 2009

Horizonte Geográfico

51


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