Cadê a abelha que estava aqui?

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Polinização

E

Cadê a abelha que estava aqui?

stou apavorado.” É assim que o apicultor Josemar Toniel define seu sentimento atual em relação às 1.500

colmeias de abelhas que formam o seu negócio. Ele teme o futuro de suas centenas de enxames e esse medo não é infundado: há três anos, Toniel possuia 2.100 colmeias. “Não sei explicar o que está acontecendo. Eu chego lá e a caixa está cheia de mel, de crias, tudo certinho, mas as abelhas simplesmente desapareceram”, diz desolado. O fenômeno que apavora o apicultor de Fraiburgo (SC) tem assolado criadores de abelhas da Europa e dos Estados Unidos e foi batizado de Desordem de Colapso da Colônia (CCD, da sigla em inglês para Colony Collapse Disorder). O abandono da colmeia pelas abelhas não tem motivo aparente e muitas teorias já foram construídas para explicar o fenômeno. Já se cogitou até em radiações causadas por celulares. “O mais certo, porém, é que seja multicausal”, explica Mara Rúbia Pinto, médica veterinária da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), que participa de uma comissão de especialistas que tem atendido a muitos chamados de apicultores assustados com o CCD. Problemas com a variabilidade genética, mudanças no ácaro Varroa destructor, micro-organismo que tradicionalmente ataca as abelhas, falta de alimentos, fungicidas, defensivos agrícolas, tudo pode estar

Texto | Natália Martino

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Horizonte Geográfico

FAO, o inseto tem papel fundamental

Sem abelhas, sem comida

na polinização de um terço das

De acordo com estudo da Organização

culturas agrícolas do mundo

das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), um terço das culturas agrícolas do mundo não sobreviveria sem as abelhas e 70% de todas as plantas do mundo também dependem desses insetos. O serviço essencial prestado por esses pequenos animais à flora chama-se polinização. LOÏC/OTHERIMAGES

As abelhas estão desaparecendo e, sem elas, muitos alimentos deixam de ser polinizados. Descubra, nesta reportagem especial, o que está acontecendo com essas operárias da natureza

relacionado com o desaparecimento.

Abelha na flor de maçã: segundo a

Elas fazem esse trabalho sem querer, são operárias da natureza quase por acaso. Pousam em belas flores atraídas por suas cores exuberantes e seus cheiros peculiares

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e, de lá, retiram o pólen para reverter em

acordo com Mara Pinto, da Epagri, a maio-

alimentos na colmeia. Ao atrair as abelhas,

ria dos chamados recebidos de apicultores

bem como outros agentes polinizadores,

é diagnosticada como problema de manejo.

as flores garantem que esses insetos reco-

“As abelhas criam enxames, vão embora,

lham o pólen, no qual se encontram os ele-

para procurar melhor florada ou um lugar

mentos masculinos da planta, chamados

mais quente, por exemplo”, explica. “Isso

gametas, e acabem derrubando parte dele

não é CCD, é problema de manejo”, conclui.

em outra flor mais adiante, possivelmente uma fêmea, guardiã de um óvulo que es-

Além de afetar

Abelhas africanizadas

pera para ser fertilizado. Com isso, a flor se

Nesses casos, só mesmo a informação

transforma em fruto e dentro dele estão as

pode ajudar. “É preciso fazer o curso básico,

sementes, que poderão dar origem a outras

entender minimamente a biologia e o com-

plantas. É por contribuir decisivamente

portamento das abelhas”, diz José Cunha,

para esse ciclo que as abelhas são tão es-

presidente da Confederação Brasileira de

senciais para grande parte da vegetação

Apicultura (CBA). Investir nesses cursos

do mundo, seja ela mata nativa ou campo

pode ser lucrativo, já que o Brasil produz

de cultivo. Há outros polinizadores. Mas,

hoje cerca de 50 mil toneladas de mel por

enquanto borboletas, por exemplo, fazem,

ano e o potencial de crescimento é de até

segundo a FAO, 4% da polinização das plan-

200 mil toneladas. E, segundo o apicultor,

tas pelo mundo afora, e as moscas 19%, as

os brasileiros podem levar vantagens no

abelhas são responsáveis por 73%.

comércio internacional, já que as abelhas

O colapso das colmeias pode significar

criadas no Brasil são, segundo a definição

cultivos feitos

uma queda na produção de maçãs, melões

do apicultor, mais rústicas e, portanto, dis-

pelo homem,

ou amêndoas, entre outros cultivos. Ou o de-

pensam o uso de fungicidas, acaricidas e

o sumiço das

saparecimento de grandes campos de mata

antibióticos. O diretor do Centro de Estudos

abelhas pode

nativa. Por isso o CCD é tão preocupante. Por

de Insetos Sociais, da Universidade Estadu-

prejudicar as

outro lado, o manejo adequado das colmeias

al Paulista (Unesp), Osmar Malaspina, con-

matas nativas

pode evitar muitas mortes de abelhas. De

corda: “As abelhas americanas, por exem-

EPITÁCIO PESSOA-AE

plo, são muito mais suscetíveis a doenças do que as nossas, por não serem ‘mestiças’ como as do Brasil”. Quando dizem “rústicas” ou “mestiças”, ambos se referem às abelhas africanizadas, um misto de abelhas europeias e africanas, que, sendo raças diferentes de uma mesma espécie, Apis mellifera, se reproduziram no Brasil. As primeiras foram trazidas no século 19 pelos colonizadores e as segundas introduzidas no país para pesquisas científicas em 1956. Excelentes produtoras de mel, o número de colônias de Apis mellifera no mundo aumentou 64% entre os anos 1961 e 2007, segundo dados da FAO. Vem do nome dessa espécie a palavra “apicultor” e é delas, com suas listras amarelas e pretas, além de seu assustador ferrão, que a maioria das pessoas se lembra quando o assunto

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Horizonte Geográfico


DENNIS MACDONALD/OTHERIMAGES

é abelha. Mas é preciso entender que exis-

as comunidades ao mesmo tempo em que

O país produz

tem milhares de outros tipos de abelhas no

ajuda manter os biomas preservados.

50 mil

mundo. Só no Brasil são mais de 300 espé-

Mas essas abelhas também estão amea-

toneladas de

cies diferentes. A grande maioria sem fer-

çadas. Desmatamentos e queimadas tiram

mel por ano,

rão e, portanto, absolutamente inofensiva

delas alimento e moradia. Desconhecimen-

uma atividade

ao homem. Algumas são bem pequenas

to provoca ataques às colmeias. Além disso,

lucartiva, de

e se parecem com mosquitos. Outras são

práticas como o uso excessivo de agrotóxi-

baixo impacto

enormes e lembram vespas. Há as que são

cos são nocivas tanto às espécies africaniza-

e alto valor

pretas e as que são amarelas. Algumas até

das como às nativas.

ambiental

verdes. Muitas vivem isoladas e não nas tra-

Mas existem soluções. “O que precisa ser

dicionais colmeias divididas entre rainhas,

feito de imediato são ações como proibir a

zangões e operárias (veja quadro na pág. 33).

aplicação de agrotóxicos com avião, que es-

Sem mel, mas polinizadoras

palha o produto para uma área muito maior do que a necessária. Ou fazer aplicações du-

De todas as espécies de abelhas do

rante a noite; assim, quando as abelhas saí-

mundo, 80% vive isolada. São as chamadas

rem para o campo pela manhã, parte do pro-

abelhas solitárias. Não produzem mel, mas

duto já terá se dissipado”, sugere Malaspina,

são importantes polinizadoras. Na verda-

da Unesp. Se for possível reduzir as causas

de, mel não é mesmo o forte da maioria das

de mortes conhecidas de abelhas, já será

espécies de abelhas. Algumas nativas do

um grande avanço. Aí os esforços poderão

Brasil até produzem esse alimento precio-

se concentrar nas pesquisas sobre esse mis-

so, mas em quantidade muito pequena. E

terioso desaparecimento de abelhas que se

há quem pague caro por ele, o que o trans-

resolveu batizar de CCD. “E se você descobrir

forma em um potencial produto de uma

o que está acontecendo, por favor me avise”,

economia sustentável, que gera renda para

pede o apicultor Toniel antes de se despedir.

Horizonte Geográfico

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O preço da mão de obra Não tem abelha? Alugue uma colmeia. O negócio já rende mais dinheiro do que o mel para muitos apicultores e é indispensável para a produção de alguns alimentos, como as maçãs no sul do país

É

de forma direta que Pierre Nicolas Pe-

“A região aqui é muito fria, então não é boa

res, presidente da Associação Brasilei-

para produzir mel”, diz, tentando explicar

ra de Produtores de Maçã, resume a

por que o aluguel, e não o clássico produto

importância das abelhas: “Sem elas, não tem

das abelhas, é sua atividade mais lucrativa.

fruta”. Simples assim. Desde a segunda me-

Cada uma das suas 1.500 colmeias é aluga-

Polinização

tade da década de 1970, quando o cultivo da

da por R$ 45 mais as despesas com transpor-

de maçãs

fruta começou a se expandir pelo sul do país,

te das caixas para uma única empresa, a Po-

em Michigan,

os agricultores alugam colmeias para espa-

magri, que produz 800 toneladas de maçãs

Estados Unidos,

lhar nas plantações entre setembro e outu-

por ano. Para suprir a necessidade de mais

onde o aluguel

bro, quando as flores das macieiras estão

colmeias, a empresa precisa buscá-las em

de colmeias

abertas. São entre duas e quatro colmeias

cidades vizinhas de outros apicultores.

pulou de

por hectare para garantir uma boa poliniza-

US$ 30 para

ção. Meses depois, vão colher os resultados

Migração forçada

US$ 170 em três

do investimento: mais de um milhão de to-

Tarefa fácil se comparada com o que já se

décadas. Por

neladas anuais de maçãs, de acordo com o

observa nos EUA, onde esse tipo de comércio

aqui, a procura

Instituto Brasileiro de Frutas (Ibraf).

está difundido por muitas culturas. Para ga-

maior que a

A prática já é tão difundida nos estados

rantir a sobrevivência dos campos de amên-

oferta aponta

de Santa Catarina e Rio Grande do Sul que

doas da Califórnia, por exemplo, responsá-

para o mesmo

alguns apicultores fazem dela sua principal

veis por 85% da produção mundial desse

caminho

fonte de renda. Josemar Toniel é um deles.

alimento, colmeias chegam a atravessar DENNIS MACDONALD/OTHERIMAGES

todo o território americano em caminhões no início de fevereiro. Depois seguem para polinizar pomares de maçã, cereja e pera em Washington e Oregon. Um negócio que envolve 10 bilhões de insetos por ano e garante a sobrevivência de várias culturas agrícolas. As longas distâncias estressam as abelhas e acabam matando entre 10% e 20% delas nessa migração forçada. Por lá, com o negócio mais estruturado e difundido, o lucro dos apicultores é bem maior: o aluguel de uma colmeia chega a custar entre US$ 140 e US$ 170. Há 30 anos, esse preço não passava de US$ 20, mas a lei mais básica do mundo da economia acelerou o aumento do valor, já que a demanda cresceu vertiginosamente e o número de

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RUBENS CHAVES/FOLHAPRESS

Colheita de maçãs do tipo gala em Vacaria (RS): saída é alugar colmeias cada vez mais caras

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colmeias caiu em mais de 25% desde a déca-

maracujá, mas não faz nenhum trabalho

da de 1980, de acordo com o Departamento

de polinização manual. “Assim que as flores

de Agricultura americano.

abrem, as abelhas graúdas vão lá. Quando a

Serviço gratuito

gente chega para polinizar, já não tem mais pólen”, diz o produtor que, em 2010, vendeu

Claro que as abelhas não são a única op-

300 sacos de maracujá, cada um com cerca

ção. É possível polinizar de forma manual.

de 17 quilos. As abelhas graúdas a que ele se

Em um processo delicado, trabalhadores

refere são as chamadas mamangavas. Co-

colocam um dedal de flanela e passam os

muns em todo o território brasileiro, elas são

dedos em todas as flores para transportar o

responsáveis, se não houver intervenção do

pólen de uma para a outra. Por mais arcaico

homem, por polinizar quase 100% das árvo-

que o trabalho possa parecer, ele é realizado

res de maracujá, de acordo com Evandro Ca-

em muitos lugares. No Brasil, é comum na

millo, professor aposentado da USP Ribeirão

cultura do maracujá, por exemplo. Ander-

Preto que se dedicou a estudar a relação das

son Paula Fernandes cultiva essa fruta em

dessas abelhas com a planta.

Montes Claros, no norte de Minas Gerais. Ele

“Acho que agricultores que têm áreas

explica que são necessárias quatro ou cinco

cultivadas próximas a reservas florestais

A flor do

pessoas por hectare de plantação para fazer

deveriam pagar para a manutenção dessas

maracujá

esse serviço durante um período que varia

áreas, já que de lá saem os polinizadores

no Brasil é

entre 45 e 50 dias, que é o tempo da floração.

das suas culturas”, diz Osmar Malaspina,

polinizada

O processo se repete três vezes ao ano e seu

da Unesp. “Enquanto for de graça, ninguém

manualmente,

custo equivale, segundo o agricultor, a algo

vai perceber o valor desse serviço”, comple-

encarecendo o

entre 20% e 30% do preço da produção.

ta. Nos lugares onde a natureza não nos dá

Bem próximo dele, no mesmo municí-

de 20% a 30%

pio, Geraldo Lopes Souto também cultiva

mais esse serviço, a polinização já tem valor de mercado. NIELS ANDREAS/AE

preço da fruta

Horizonte Geográfico


Tampa

Cerca de 80% das espécies de abelhas do mundo são solitárias. Apesar disso, a notável organização social das demais espécies foi transformada em marca do inseto. Algumas diferenças fundamentais evidenciam as peculiaridades de cada espécie. Enquanto a abelha jataí forma colmeias com cerca de 3 mil representantes, a africanizada, mais usada na apicultura brasileira, chega a juntar 100 mil indivíduos. A meticulosa divisão de tarefas na colmeia dessa espécie garante a produção do mel e de uma série de outras substâncias utilizadas na alimentação, no tratamento de doenças e na indústria de cosméticos.

Melgueira

Tela excluidora

Alimentador

Ninho

DU ZUPPANI-PULSAR IMAGENS

O que vem das abelhas

IMAGENS: ISTOCKPHOTO

Por dentro das colmeias

Fundo

Protetor contra formiga Cavalete

Alvado (entrada da colmeia)

Em uma colmeia padrão tipo Langstroth (acima), a melgueira é habitada pelas operárias, enquanto as larvas, os zangões e a abelha rainha permanecem no ninho, onde se localiza a entrada da colmeia. O mel é obtido por centrifugação das placas colocadas na melgueira, enquanto o própolis é extraído do ninho e usado como vedação.

Colmeia de abelhas em ambiente natural Mel O que é: néctar das flores desidratado, ao qual se adicionam enzimas que quebram os açúcares e facilitam a sua digestão Para as abelhas: alimento Para os homens: alimento natural e de grande valor nutricional Pólen O que é: grãos colhidos das flores e compactados nas colmeias Para as abelhas: alimento para os filhotes Para os homens: substância nutritiva com propriedades medicinais utilizada para regularizar o metabolismo e o sistema hormonal Própolis O que é: substância produzida a partir da resina retirada das plantas Para as abelhas: veda a colmeia e, assim, protege-a de predadores e regula sua temperatura Para os homens: antibiótico natural utilizado para tratar doenças como gripes e inflamações na garganta Geleia Real O que é: secreção produzida pelas abelhas jovens Para as abelhas: alimento exclusivo da abelha rainha Para os homens: substância nutritiva com propriedades medicinais relacionadas à longevidade (uma abelha operária, que não se alimenta de geleia real, vive em torno de seis semanas; já uma abelha rainha, alimentada apenas com esse produto, chega a viver cinco anos)

Entenda essa divisão de tarefas Abelha rainha: tem quase o dobro do tamanho das demais abelhas e vive até dez vezes mais do que as operárias. Sua principal função é a postura dos ovos. Cada colmeia tem apenas uma rainha e caso outra apareça, ambas lutarão pelo comando do grupo ou uma delas sairá para começar outra colmeia. Operárias: são responsáveis pelo transporte de néctar, pólen e água, alimentação da rainha e das larvas, limpeza e defesa da colmeia. De acordo com a idade, as operárias se dividem em grupos para realizar todas essas tarefas. No caso das abelhas africanizadas, são entre 4.500 e 100 mil operárias por colmeia. Zangões: tem como função a reprodução e morrem logo depois da cópula. Não possuem ferrão e nem os órgãos essenciais para a produção do mel. Um grupo de abelhas africanizadas pode ter até 400 zangões, sendo que o maior número significa abundância de alimento, já que quando ele escasseia, são expulsos da colmeia.

Horizonte Geográfico

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O “Professor Abelhudo” NATÁLIA MARTINO/HORIZONTE

Responsáveis por até 90% da polinização de grandes áreas florestais, as abelhas cumprem um papel fundamental na proteção ambiental

No meliponário mirim de Ilha Grande (RJ),

ambos ficaram quietos e concentrados. No

tal, com máscaras brancas nos ros-

restante do tempo, corriam de um lado para

tos, Carlos Henrique Pacheco e José

o outro, como é de se esperar de crianças

Carlos dos Santos Júnior executam um ge-

de 12 e 9 anos de idade. Ao final, uma boa

Abelhudo ensina

nuíno trabalho de equipe, um com a agulha,

colherada de mel e os olhares satisfeitos de

às crianças a

o outro com o compressor. Com precisão ci-

quem sabe que está fazendo um trabalho

importância das

rúrgica, o primeiro fura os pequenos potes

importante. Tudo sob a supervisão de Rena-

abelhas nativas

produzidos pelas abelhas, o segundo puxa

to Marques da Motta. Ou “Professor Abelhu-

o mel. Esse foi o único momento em que

do”, como as crianças o chamam.

o Professor

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D

ebruçados sobre uma mesa no quin-

Horizonte Geográfico


Essa cena aconteceu na Vila de Abraão,

O comércio em torno dessas abelhas na-

maior comunidade de Ilha Grande (RJ), com

tivas pode, assim, ser bem lucrativo. Não só

cerca de 3 mil moradores. Além das mais de

o mel é vendido a preços altos, mas os enxa-

300 praias, a ilha guarda quase 200 quilô-

mes também encontram um bom mercado.

metros quadrados de Mata Atlântica nativa.

Colecionadores, pesquisadores e meliponi-

Esse tesouro é preservado por três unidades

cultores pagam entre R$ 200 e R$ 400 por

de conservação: a Reserva Biológica da Praia

colmeias que nem sempre são coletadas e

do Sul, o Parque Estadual da Ilha Grande e

manejadas de forma correta. “É um verda-

a Área de Proteção Ambiental de Tamoios.

deiro tráfico de animais silvestres”, diz Cris-

Todo esse aparato cria um manto protetor

tina Lorenzon, da UFRRJ.

sobre 15 espécies de abelhas sociais nati-

Um dos objetivos finais do projeto Abe-

vas. “É a ilha com maior número de espécies

lha-Natureza em Ilha Grande é possibilitar

as abelhas

sociais registradas no Brasil. São elas, junto

a formação de meliponicultores (criadores

brasileiras não

com as abelhas solitárias, que garantem a

de abelhas que não as do gênero Apis) na re-

têm ferrão e

exuberância dessa floresta”, afirma Maria

gião que poderiam oferecer a esse mercado

produzem um

Cristina Lorenzon, do Instituto de Zootec-

abelhas coletadas da forma correta e mane-

tipo de mel

nia da Universidade Federal Rural do Rio de

jadas de maneira não predatória.

raro e caro

Ninho de jataí:

Abelha-Natureza, que possibilitou aos irmãos Carlos e José coletarem o mel.

Tráfico de abelhas Quem considerou a combinação de crianças e abelhas perigosa deve ser avisado que a maioria das espécies nativas do Brasil

GERSON GERLOFF/PULSARIMAGENS

Janeiro (UFRRJ) e responsável pelo projeto

não tem ferrão. Além disso, produzem pouco mel. Enquanto uma colmeia de abelhas africanizada, que é a espécie criada pelos apicultores, chega a render até 20 quilos de mel por ano, de acordo com José Cunha, presidente da Confederação Brasileira de Apicultura, uma colmeia de jataí, espécie criada pelo Professor Abelhudo, gera menos de meio quilo anual do alimento. A diferença mais evidente entre os dois tipos de mel é que o produzido pela abelha nativa é muito mais líquido e há quem acredite que possui mais propriedades medicinais. Por isso, o mel de jataí é também muito mais caro. Enquanto o quilo de mel das africanizadas pode ser encontrado, em média, por R$ 10, o quilo de mel de jataí é comercializado por valores que chegam a R$ 150. “E é bem difícil encontrar esse mel vendido em quilos, só se encontra mesmo em frascos pequenos”, afirma Marcos Alcione Kaser, que cria 19 espécies de abelhas nativas em Lajeado (RS).

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Separado de Ilha Grande pelo mar, o Sí-

embora também. Não há objetivo aparente

tio Nosso Sonho, de Sebastião dos Santos, é

nessa criação, já que abelhas solitárias não

um exemplo de que isso é possível. Ele cria

podem ser comercializadas e não produzem

diversos tipos de abelhas nativas em uma

mel. “Crio pela polinização mesmo. E porque

área preservada próxima a Angra dos Reis

as acho bonitas. Algumas são verdes, outras

(RJ). O projeto Abelha-Natureza utiliza o

amarelas, todas lindas”, justifica.

espaço como Meliponário Escola e vários cursos são ministrados ali para grupos vin-

Ganhos ambientais

dos das mais diversas partes do país. San-

Apesar de ainda não gerar tantos lucros

tos às vezes vende algumas colmeias e está

financeiros, o manejo de abelhas nativas

buscando uma licença para comercializar

em Ilha Grande já apresenta enorme ga-

o mel. Com orgulho, ele caminha pela pro-

nho ambiental. Segundo Gislene Almeida

priedade mostrando diversas plantas e as

Carvalho, que desenvolve no Instituto Na-

caixas de criação de abelhas, tão bem cuida-

cional de Pesquisas Amazônicas (Inpa) uma

das que algumas são pintadas com portas e

pesquisa sobre abelhas, esse animal pode

janelas, enfeitando o quintal. “Todo mundo

ser responsável pela polinização de até 90%

Nas caixas

deveria ter pelo menos uma árvore e uma

das plantas nativas de grandes áreas flores-

e canos

colmeia em casa”, diz.

tais do Brasil. Como cada espécie de abelha

que Santos

tem preferência por determinadas plantas,

coloca em seu

frente a um amontoado de caixas e canos

aquelas que se desenvolveram em um de-

quintal, abelhas

com vários pequenos buracos. Ali ficam as

terminado bioma têm mais chances de se-

solitárias

abelhas solitárias. “É só deixar aqui esse es-

rem polinizadoras das flores locais. A Apis

deixam suas

paço que elas entram, fazem o ninho, botam

mellifera costuma ser mais generalista e, por

crias e orgulham

o ovo, lacram o buraco e saem voando”, ex-

isso, pode se desenvolver em várias partes

o criador

plica. Sessenta dias depois a cria nasce e vai

do mundo, mas Cristina Lorenzon afirma NATÁLIA MARTINO/HORIZONTE

Em determinado momento, ele para em

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Horizonte Geográfico


que ela não se adapta bem em lugares muito úmidos, como é o caso de Ilha Grande. “Além disso, se no mel das africanizadas nós encontramos indícios de cerca de 15 tipos de pólen, no mel da jataí esse número chega a 50, evidenciando que ela polinizou uma quantidade muito maior de espécies de plantas”, explica.

Caminho da educação O sumiço de um tipo de abelha pode gerar a diminuição considerável de uma determinada planta, que podia ser o alimento de um animal, principal presa de outro e assim por diante, numa reação em cadeia desastrosa. Por isso, o objetivo principal do projeto Abelha-Natureza, antes mesmo de possibilitar uma geração de renda sustentável, é evitar danos aos enxames que se estabelecem nos espaços urbanos. Cristina explica que as abelhas procuram lugares ocos para montar as colmeias e as cidades são cheias é o Professor Abelhudo: “Hoje, todo mundo da Vila de Abraão já sabe que eu trabalho com abelhas e quando alguém está incomodado com elas, me chama para ajudar”, afir-

RUI PERUQUETTI/KINO

desses espaços. Quem sabe disso muito bem

ma Motta, que já tirou colmeias de leiteiras, caixas de isopor e armários de cozinha. Hoje,

nário Mirim montado pelo Professor Abe-

A nativa

ele soma 11 colmeias.

lhudo, já demonstram bons conhecimentos

mamangava,

O mesmo acontece com José Moisés Do-

sobre as jataís, falando sobre predadores

exemplo

mingues Pereira, primeiro morador da ilha a

e características da espécie. Logo elas, que

de abelha

completar o curso do projeto Abelha-Natu-

há poucos meses estavam atacando com

solitária, é

reza. Prova viva do interesse que o curso de

pedras um enxame instalado no relógio de

a principal

meliponicultor pode gerar, Pereira, que vive

luz da casa de Carlos Henrique e José Car-

polinizadora do

na Vila Dois Rios, a duas horas de caminha-

los. Foi ao ver essa cena que Motta pegou

maracujá

da de Abraão, conta que foram muitas idas e

banners, garrafinhas de mel e ímãs de gela-

vindas até conseguir criar suas abelhas so-

deira para começar um trabalho educativo

zinho. “Fiz essa caminhada todos os sábados

com elas. “Eu espantava as abelhas porque

durante um ano para aprender a trabalhar

tinha medo de levar ferroada”, conta Carlos

com a jataí”, lembra. “Hoje, procuro sempre

Henrique. “E tinha gente que espantava por-

conscientizar as pessoas ao meu redor sobre

que achava que eram mosquitos”, completa

a importância delas, porque esse é o ponto

Motta. Agora Carlos Henrique não tem mais

mais repetido no curso da Cristina”, afirma

medo de jataí. Tem, isso sim, orgulho de criar

o primeiro meliponicultor da ilha.

no seu quintal uma espécie de inseto tão im-

Até as crianças, que estão aos poucos se envolvendo no projeto por meio do Melipo-

portante para toda a exuberante mata nativa do lugar onde nasceu.

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