Chico Buarque Pós Mortem

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Adeus, Chico Caderno Especial reúne toda a obra e vida do músico ativista que desvendou a alma feminina

Índice Vida...................... 02 Arte...................... 04 Política................ 06 Variedades......... 07


quinta-feira, 10 de junho de 2010

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vida

Outros Interesses

Quando pequeno comungava todos os dias e virou católico fervoroso.

Até o Fim Os Começos de Chico Buarque

Chico se foi num instante O rei da MPB morre em acidente repentino de carro, em viagem para Angra dos Reis O carro rodopiou como se ouvisse música Parou e explodiu como se fosse mágica Morreu na contramão atrapalhando o tráfego. Dia claro, céu com nuvens. Acordou um pouco depois das 6 horas da manhã, Chico já não se importava mais em ser pontual, depois de 65 anos sem atrasos. Marcara com uns amigos de ir para Angra dos Reis, passar o feriado de Corpus Chisti. Deveria sair de casa por volta das 9 horas, depois de tomar seu café da manhã, ler principalmente a parte de política do jornal impresso e terminar de se arrumar com suas três gotas finais de perfume. Não estava quente e o vento trazia o desgostoso outono carioca. Depois de respirar três vezes o suave perfume da manhã de quinta-feira, entrou no carro como se fosse para mais uma viagem comum. No rádio, tocava Bach, segundo Dona Neiva, que o observou até o momento em que ele se perdia de vista. “Ele gostava de combinar música com a temperatura do dia.

Com Chico, aprendi a gostar o friozinho”, conta. O Sol começava a ficar mais forte, mas o breve gelado da manhã ainda combinava com a melodia do rádio. Foi quando ligou para um de seus amigos, que deveria encontrar na casa de praia. Avisou que saíra de casa e a previsão de chegada. “Vai ouvindo clássica?”, perguntou o convidado, no outro lado da linha. Chico, sem muito o que pensar, respondeu: “A vida é uma só, hora de celebrar”. O amigo riu e avisou que estava quase pronto para sair. Enquanto isso, outras pessoas a sós, casais de namorados, famílias e grupo de amigos também se aprontavam para o feriado prolongado. Arrumavam as malas como se fossem máquinas, queriam sair pela estrada como se fossem pássaros. Os radialistas já preparavam as notas sobre trânsito. Com certeza haveria

Por Livia Maria Lucas algum congestionamento. Começou a ficar mais quente. Não se sabe ainda se ele trocou o CD do rádio ou se manteve o mesmo quando saiu de sua casa. Tudo corria bem, como qualquer outra viagem, até que foi avistado um caminhão tentando uma ultrapassagem. Chico, com suas mãos habilidosas para violão e piano, tentou desviar, numa brusca virada na direção. O carro rodou como um moinho, como uma rodagigante, como um peão. Em poucos estantes, o carro começou a pegar fogo. Explodiu, com Chico dentro. Os destroços ficaram espalhados bem no meio da pista. Era o fim de um construtor da política, da música e do Brasil. Foi o fim de Chico Buarque. O trânsito aumentava por conta disso. Não só o dia estava quente, mas os noticiários, os corações, e as vozes. Não choveu naquele dia.

Por Luma Pereira Em 1959, ouve o disco Chega de saudade, de João Gilberto, que definitivamente o faz admirar aquele tipo de música. No mesmo ano, faz sua primeira composição, Canção dos Olhos. Em 1963, já de volta ao Brasil, ingressou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU). Porém, três anos mais tarde, abandonou a graduação devido ao clima intenso que pairava na USP após o golpe de 1964, e resolveu se dedicar aos talentos artísticos. Essa decisão decepcionou a avó materna, Maria do Carmo, que queria que o neto fosse arquiteto. Em 1966, conheceu Marieta Severo Lins, com quem foi casado até 1997. Com ela teve três filhas, Sílvia, atriz casada com Chico Diaz, Helena, casada com o percussionista Carlinhos Brown e Luísa. Mais tarde, divorciou-se da atriz. Em 1966, vence o Festival de Música Popular Brasileira com a canção A Banda, iniciando então uma carreira artística multifacetada, que durou até 2010, quando ele morre em 2010, num trágico acidente de carro. Deixou família, livros, músicas e saudades, Deus lhe Pague.

Francisco Buarque de Hollanda, conhecido como Chico Buarque, nasceu na Maternidade São Sebastião, no Largo do Machado, Rio de Janeiro, em 19 de junho de 1944. Filho de Sérgio Buarque de Hollanda, importante historiador e sociólogo brasileiro e de Maria Amélia Cesário Alvim, pintora e pianista, foi músico, dramaturgo e escritor brasileiro de sucesso. Suas irmãs são as cantoras Miúcha, Ana de Hollanda e Cristina Buarque. Miúcha, a mais famosa delas, foi esposa do cantor e compositor João Gilberto, com quem teve uma filha, Bebel Gilberto. Cristina ficou nacionalmente conhecida em 1974, quando gravou Quantas Lágrimas, de Manaceia, compositor e instrumentalista brasileiro. Já Ana de Hollanda é também cantora. Em 1946, Chico Buarque mudou-se para a Rua Haddock Lobo, em São Paulo, pois seu pai assumiria a direção do Museu do Ipiranga. Anos mais tarde, em 1953, Sérgio Buarque foi convidado a lecionar na Universidade de Roma, tendo que ir com a família para a Itália. Ainda neste ano, compõe suas primeiras “marchinhas de carnaval”. Além disso, em Roma, a família de Chico costumava receber importantes ar- Leia mais sobre a obra de Chico tistas do Brasil, como Buarque neste caderno espeVinícius de Moraes. cial.


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Vários Talentos

Não era apenas na música que Chico Buarque se destacava, ele tinha outra habilidade: Ele foi campeão de futebol de botão várias vezes.

Resenha

Memorial

50 anos em Cinco Cds

Cinco CDs que rememoram o melhor de Chico Buarque

Capa de um de seus LPs: Envolvimento com a música desde muito jovem

“Tem dias que a gente se sente Como quem partiu ou morreu” Às vezes, as pessoas partem cedo demais. Chico Buarque de Hollanda parece ter ido muito antes do previsto, como se o tempo dele ainda estivesse correndo, porém sem a vida que lhe pertencia. Sérgio Buarque de Hollanda costumava dizer que, ao nascer, ele não tinha proferido nem palavra nem choro – ele tinha cantado. A música estava atrelada à voz de Chico, sendo que a fala era um canto bem afinado. Quando criança, ele não sabia de cor as canções de outros compositores e, então, inventava as dele. Assim começou. Chico se apaixonou pela música. Costumava ouvir minhas composições, e também as de Vinícius de Moraes, de quem se tornou amigo. Foi intérprete de vários compositores da Música Popular Brasileira, como Tom J obim, Toquinho, Milton Nascimento e Caetano Veloso. Admirava todas essas canções, e fazia parte delas. Tencionou ser arquiteto, mas o talento musical se sobrepôs a isso. Chico ficou conhecido de repente, famoso. Em 1966, depois de vencer o Festival de Música Popular Brasileira com A Banda, ele não parou mais de cantar. Quando compunha, isolava-se no quarto. Nessa solidão momentânea, ele fazia os sucessos. Para Chico, a música estava em tudo. Adaptou grandes obras da literatura, como Morte Vida Severina. Criticou a Ditadura Militar com Cálice e outras canções engajadas. Lutou ativamente pela democratização do Brasil. Como dramaturgo, escreveu peças, como Ópera do Malandro, em 1978. Além dos filmes, como Quando o carnaval chegar

João Gilberto (1972) e Para viver um grande amor (1983), dos quais é co-autor. Ele estava sempre à sombra dos acontecimentos, transformando tudo em arte. Também escreveu livros: Estorvo (1991), Benjamin (1995), Leite Derramado (2009) e outros. Ganhou o prêmio Jabuti em 2004 com Budapeste (2003). Participou de diversas áreas culturais, e assim conseguiu admiração. Repito que Chico Buarque nos deixou antes do tempo. Tanto é que nem acredito que ele tenha falecido. A partir de agora, vamos guardar tudo nos CDs, DVDs, livros e na memória do Brasil. É triste esse dia de hoje, primeiro vazio de Chico. Preferível pensar que ele se mudou – o queriam em outro lugar. E podemos ter certeza de que onde ele está agora há instrumentos, folhas de papel, livros, notas musicais, e a inconfundível e já saudosa voz, que jamais se calará, do nosso estimado escritor, dramaturgo e músico brasileiro, Chico Buarque de Hollanda. Já dizia ele: “Tem dias que a gente se sente/ Como quem partiu ou morreu” – hoje o Brasil todo se sente assim. João Gilberto, músico, compositor e amigo de Chico Buarque

Por Nathalie Ayres Deve ser muito difícil juntar uma obra tão densa quanto a de Chico Buarque em apenas cinco CDs. Mas antes mesmo de sua morte, em 1994, uma coletânea conseguiu essa proeza com “Chico 50 Anos”, produzida por Tárik de Souza, jornalista e crítico musical, para comemorar as cinco décadas do cantor e compositor. As gravações utilizadas foram as originais e a maioria das composições é da década de 70 e 80. Todas as faixas são cantadas por Chico, sozinho ou acompanhado de grandes artistas como Gilberto Gil e Zizi Possi. E as músicas mais famosas foram dividas por temas, criando os cinco álbuns. Em “O Amante” há uma seleção das músicas românticas. As mais famosas são Trocando em Miúdos, Tatuagem, Bastidores. Algumas músicas têm a presença do “eu-lírico” feminino, como Olhos nos Olhos e Bárbara, esta com a participação de Caetano Veloso. A maioria tem um tom meloso e lento. A exceção é a divertida Não sonho mais, que narra o louco sonho que cantor teve com a mulher amada. O “Trovador” tem um estilo bem semelhante ao CD anterior, porém contém letras mais melancólicas, com despedidas e relacionamentos cansados. Em Cotidiano, que narra como a rotina se intromete nas relações de amor, e Valsinha, que mostra a volta da paixão em um casamento há muito tempo desgastado. Há também homenagens a esteriótipos de mulheres, como Morena de Angola. Já “O Cronista” reúne canções que observam o país. A faixa inicial, Bye, bye, Brasil é

bem expressiva nesse sentido, por descrever locais do país todo, citando características, no lirismo que é habitual a Chico. Já a música Pivete descrever as crianças que se vê na rua em qualquer lugar de qualquer cidade brasileira. Algo parecido é mostrado em Brejo da Cruz, só que abordando vários meninos, e não um só. No cd “O Malandro”, há tanto homenagens (A Volta do Malandro) quanto repreensões (Vai trabalhar vagabundo) à figura do malandro. Além disso, são músicas que celebram as rodas de samba e carnavais frequentados por esse tipo urbano e mais simples, na infância (Doze Anos), e na vida adulta. Finalmente, “O Político” as músicas falam sobre males da “[dita]dura”, de forma explicita, como nas canções Meu caro amigo, Acorda, amor, ou implícita, nas músicas Tanto Mar, que cita Portugal e cravos, e A Gota D’Água, do musical homônimo de 1975, uma adaptação da peça clássica Medeia, que, aparentemente, não era relacionada ao contexto político da época.


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artes

Desde Cedo

Aos oito inventava marchinhas de Carnaval, fato que já expressava o potencial de Chico Buarque para a música.

Música

Antes de Tudo, um Compositor

A carreira de Chico Buarque sempre foi e será lembrada pela música, Por Nathalie Ayres seja só ou em parcerias

O Palco: A verdadeira morada do multiplo artista Escritor? Poeta? Não importa. Chico Buarque sempre será lembrado pelas músicas que criou, a sua primeira vocação artística. Seu pai Sérgio Buarque de Hollanda, em um depoimento escrito em 1968 e publicado na Folha de S. Pau-

lo em 1991, revela que Chico já sonhava com a fama musical desde a infância. “Quando viajamos para a Itália (nesse tempo tinha 8 anos), deixou para avó um bilhete: ‘Avó, vou para Itália. Quando eu voltar, provavelmente a se-

nhora estará morta. Mas não se preocupe. Eu vou me tornar um cantor de rádio. É só a senhora ligar o rádio do céu que vai me escutar’”. A trajetória de Chico foi marcada por grandes parcerias. Na época dos Festivais

Internacionais da Canção, Nara Leão e MPB-4 eram alguns dos intérpretes de suas músicas. Mas muitas de suas composições também já foram feitas a mais de duas mãos. Na década de 1970, Francis Hime era figura carimbada ao lado de Chico nas cifras e letras. Foram juntos que escreveram sucessos como Pivete (1978), Vai Passar (1984) e Trocando em miúdos (1978). Vinícius de Moraes também já compôs com Chico. Amigo da família Buarque de Hollanda, ele até chegou a deixar o então rapaz assinar uma música com ele, só por ter criado o último verso. Juntos eles também compuseram canções infantis, reunidas no álbum “Chico & Vinícius Para Crianças”. Valsinha também foi outro suces-

Teatro

so nascido da parceria com o “poetinha”. Mas uma das sociedades mais produtivas foi a de Chico com Edu Lobo. Ao todo, criaram um repertório com cerca de 40 músicas, entre os anos de 1982 a 1987, e também em 2001. A mais conhecida delas é a Ciranda da Bailarina. A carreira solo de Chico Buarque, porém, foi a mais produtiva. Além de escrever melodias sobre mulheres , ele também compôs por elas, usando a voz feminina, como em Com açúcar e com afeto (1966) cantada por Nara Leão, Olhos nos Olhos (1976) e Teresinha (1977-1978), gravadas por Maria Bethânia, Atrás da Porta (1972), por Elis Regina, e Folhetim (1977), com Gal Costa.

Músicas que Contam Histórias

Chico Buarque também ficou famoso por suas peças de teatro e musicais Por Nathalie Ayres Pode se dizer que entre a literatura e a música estão os musicais. Chico Buarque, por ter transitado entre esses dois extremos, também trabalhou com esse meio termo. Ao todo, escreveu quatro peças e músicas para várias outras, como “Mulheres de Atenas” e “O Corsário do Rei” de Augusto Boal, e “As Quatro Meninas” de Lenita Ploncynski. Ele também foi responsável pela tradução do musical “Os Saltimbancos”, passando para o português as musicas de Bardolli e Enriquez.

Mas é nas encenações inteiramente escritas por ele que Chico se destaca. A primeira delas foi “Roda Viva”, escrita em 1967 e encenado no ano seguinte. A música tema homônima até hoje é citada como um dos marcos da luta contra a ditadura. O próprio autor reconheceu, mais tarde, que a peça era fraca, “um desabafo juvenil”. Trata da história de um ídolo pop, sua trajetória criada pela industria cultural, da ascensão ao esquecimento. A peça era totalmente debochada, uma confusão de ce-


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Conquistas da Música

A Banda, canção com a qual Chico Buarque venceu o “Festival de Música Popular Brasileira”, em 1966, foi a camção que mais lhe trouxe dinheiro

Literatura

O reflexo contemporâneo

Agora na literatura, Chico consolida-se como um alegórico da classe média Por Fernanda Patrocínio Múltiplo, Chico Buarque também fez da literatura sua arte. Em 1974 escreveu a novela Fazenda Modelo, lançado pela Editora Brasilei. A obra, escrita em nove meses, metaforiza o momento político brasileiro com a figura de animais. A alegoria retrata, sobretudo, o milagre econômico e as conjunturas que o permearam, além do Brasil da Ditadura. Cinco anos depois, ele lançou Chapeuzinho Amarelo (Editora José Olympo). Em parceira com o cartunista Ziraldo, responsável pelas ilustrações, fez um livro poema. A obra, considerada um clássico da literatura infantojuvenil nacional, é sobre uma menina que sente medo do medo e usa a abstração da figura do lobo para superar suas inseguranças e descobrir a alegria de viver. Seguindo a cronologia literária oficial, entre 1963 e 1964, Chico escreveu A Bordo de Rui Barbosa, que somente foi publicado em 1981 e conta com os desenhos de

Valandro Keating. Em 1991, é lançado o primeiro dos quatro romances da bibliografia de Chico: Estorvo (Cia das Letras). Narrado em primeira pessoa, o livro mostra a trajetória de um personagem atormentado por acontecimentos estranhos. A narrativa é mantida no limite entre o sonho e a vigília, mergulhando em situações reais e familiares concomitantemente a fatos absurdos. o livro recebeu o “Prêmio Jabuti de Melhor Livro Romance” em 1992. Benjamim foi escrito durante um ano e publicado em 1995 (Cia das Letras) sem a última frase que definiria o desfecho da história. O livro narra a história de um exmodelo fotográfico que, com uma câmera invisível, observa o mundo por um olhar esmagador. Benjamim é obcecado pela morte de uma mulher e tal fato o conduz a um destino trágico. Com Budapeste (Cia das Letras), o autor alcança o reconhecimento da crítica brasi-

leira, bem como de escritores e público. A história narra as vias duplas que permeiam o ghost-writer José Costa. Dois países, duas mulheres, dois livros. O espelhamento é o fator que conduz a narrativa. O livro recebeu o Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura de melhor romance em língua portuguesa publicado entre 2003 e 2004, na 11ª Jornada Nacional de Literatura, bem como

nas violentas, que são atribuídas mais ao diretor Zé Celso do que a Chico Buarque. Porém, o que mais marcou o espetáculo foi a invasão do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), em julho de 1968. Mais tarde, em 1973, Chico se uniu ao cineasta Ruy Guerra para escrever o musical “Calabar, O Elogio a Traição”. Nela é narrado como o senhor de engenho Domingos Fernandes Calabar tomou partido da Holanda na briga com a Coroa Portuguesa no período colonial brasileiro,

visando os próprios lucros. Como punição, ele foi condenado à morte e até hoje é visto como um dos maiores traidores da História do Brasil. Mas a peça o torna um defensor daquilo que acreditava ser um bem para seu país, colocando Portugal como uma representação do Regime Militar. Mas ela não chegou a ser montada devido a censura, mesmo após todos os gastos envolvidos para sua produção. Por fim, suas duas outras peças são menos politizadas, mas ainda reflexivas sobre

seu tempo. “A Gota D’Água” é uma adaptação da peça clássica Medeia, de Eurípides. Ela conta a história de Joana, que é abandonada com os dois filhos pelo marido Jasão, que se casa com a filha do empresário Creonte, seu mecenas. Já “A Ópera do Malandro”, escrita em 1978, é inspirada em duas peças: “Ópera dos mendigos” (1728), de John Gay, e na “Ópera de três vinténs” (1928), de Bertolt Brecht e Kurt Weill. A peça se passa no Rio de Janeiro e tem como personagens a pior fauna carioca: agiotas,

Leitura na Flip: Crõnicas do cotidiano do brasileiro médio o Prêmio Jabuti de Melhor zando os últimos duzentos Livro de Ficção de 2004. anos do país. Bem recebido O quarto romance de Chi- pelo público, o livro rendeu co, lançado em 2009 tam- a Chico a participação na Flip bém pela Cia das Letras, de 2009. rendeu comparações com a A literatura buarquiana, obra machadiana Dom Cas- apesar de pequena, consolimurrro. Leite Derramado nar- da-se com um marco na culra a história de um homem tura brasileira. Entre novelas muito velho que, do leito do e romances, ele alegoriza a hospital, revela para a filha realidade do país em seus a trajetória de sua família. A personagens, desmiuçando história mostra a decadência as complexidades da classe social e economica, enfati- média alta.

cafetões, contrabandistas... Narra a rivalidade entre dois malandros, Fernandes Duran e Max Overseas, retratando

o clima de época, parecido com o do final do Estado Novo, periodo em que a peça é ambientada.

A Ópera do Malandro: Encenada pelo grupo Espressart


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política

Inspiração Paterna

Dentre a extensa biografia de seu pai, Sergio Buarque de Holanda, o livro favorito de Chico era “A Visão do Paraíso”

Em dois momentos do movimento Diretas Jás: Posando na manifestação e discursando no palanque

A política singular de Chico

Conheça a trajetória do homem que se tornou o símbolo da arte engajada, mas sempre negou o título Por Bruna Stuppiello

Considerado um dos grandes gênios artísticos do Brasil, o trabalho de Chico Buarque de Holanda chegou ao ápice entre as décadas de 60 e 70. Ao mesmo tempo, o país enfrentou uma fase extremamente turbulenta para a política nacional e consequentemente para a população. Durante a Ditadura Militar, a voz do cantor e compositor se destacou em meio a tantas outras que tinham como objetivo o fim do regime. Contudo, o interesse de Chico por questões relacionadas ao país começaram bem antes de 1964. A influência mais marcante foi de seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, cujas idéias e livros que possuía deixaram o artista a par da situação social brasileira desde muito cedo. Desde o início, encontramos nas obras de Chico, sejam pela melodia,

Na Passeata dos 100 mil

pela poesia, pela dramaturgia, pela literatura, seja por todas as linguagens estéticas de que se serviu, a crítica perante a condição do homem. A indignação com a condição social da maioria ocorria por meio de seus personagens, sujeitos que viviam a margem da sociedade. “Eu falava através de personagens, enxergava através de outros olhos”, afirmou o artista em entrevista. Os personagens mais famosos e que representaram bem a condição de vida de milhares de brasileiros foram: o pedreiro de Construção, os marginalizados de O que Será, o camponês de Funeral de um Lavrador, o brejeiro de Vai Trabalhar Vagabundo, o operário em Samba e Amor, o expatriado em Sabiá, o plebeu em Gente Humilde, o garoto de rua em Pivete, os sem-terras em Assentamento e, recentemente, a emigrante em Iracema Voou. A linguagem imaginativa e metafórica com que fez suas críticas à sociedade e ao regime permitiram-lhe uma forma de resistência incomum e, portanto sem agregar conseqüências mais pesadas, pelo menos no início. “Tudo o que é imaginação é uma forma de resistência. Isto não sou eu quem diz. No maio francês disseram: ‘o poder da imaginação’”, disse Chico em entrevista.

É importante ressaltar que essa resistência não era partidária, pois em nenhum momento Chico defendeu determinado projeto político. Ele sempre rejeitou rótulos como engajados, militante ou panfletário. O objetivo de suas obras nunca foi o de doutrinar o público. “Realmente, eu não proponho mudanças. A idéia é justamente essa: constatar uma situação, colocar uma situação, confiando no critério das pessoas que vão ouvir minha música, ou assistir à peça. E que elas tirem daí alguma conclusão”, relatou. Isso não significa que os trabalhos de Chico fossem apolíticos. Afinal suas obras relatam as relações humanas, princípio básico da política. Ele tratou o tema de dentro para fora, se baseou nos pequenos fatos para expor grandes problemáticas. “Eu acho que o homem vai ter que se modificar, pelo próprio instinto de sobrevivência. O homem modificando a sociedade para a sociedade modificar o homem. Isso pode parecer utópico, mas eu sou artista e não político; nem sociólogo. É nessa utopia que entra a contribuição da arte que não só testemunha o seu tempo, como tem licença poética pra imaginar tempos melhores”, afirmou. Mesmo com sua forma diferenciada de fazer política, o artista tam-

As músicas sempre trouxeram personagens representantes do povo brasileiro

bém foi vítima da repressão. Em 1966 ocorreu seu primeiro problema com a censura, sendo proibido de tocar a música Tamandaré. Ele passa a ficar indignado com a situação do país, até a invasão da peça Roda-Viva pelos membros do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) em 1968. “Em fins de 68 eu fui chamado à realidade. Realmente, aí, pisaram nos meus calos. Foi a primeira engrossada maior”, confessou. Após esse embate optou pelo auto-exílio na Itália, onde permaneceria durante um ano e meio. Assim que retornou ao país encontrou uma situação política difícil. O regime estava mais rígido e intolerante. “Eu sabia que era o novo quadro, independentemente de choques ou não. Mas, como eu já estava aqui de volta. Então fiz o Apesar de você”, afirmou Chico. Esse período contribuiu ainda mais para a fama de artista político. Por fim, a participação do artista luta pelas Diretas Já em 1983 e 84 também foi marcante para sua mitificação política. A música Vai Passar representou muito bem o sentimento que tomou as massas na época. Chico Buarque foi uma conseqüência de seu tempo, em uma época na qual havia a necessidade de se tomar posições e em que os jovens buscavam alguém, diferente do que o regime impunha, para seguir. Sem querer, assumiu um papel de líder e se tornou no imaginário da maioria um símbolo de luta com o qual ele mesmo nunca se identificou.


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variedades

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Ídolo

Chico sonhava em ser cantor de rádio e imitava João Gilberto.

Polêmicas do Bom Moço Apesar da fama de garoto comportado que tinha no início da carreira, a vida pública de Chico Buarque também sofreu revezes e teve como frutos alguns episódios que geraram repercussão na mídia. A seguir, as manchetes mais famosas do cantor

Por Kelly Ferreira

1961 Com apenas 17 anos, na década de 60, Chico é fichado pela polícia pelo roubo de um carro com um amigo, nos arredores do Estádio do Pacaembu. A “brincadeira” rendeu a primeira aparição pública de Chico, no jornal Última Hora. Sob o título “Pivetes furtaram um carro. Presos” aparecem fotos dele e do colega com os olhos vendados. O episódio também deu início a uma eterna incógnita – que cor seriam os olhos de Chico? Segundo o policial responsável pela ficha dos rapazes, eram “cor de ardósia”. Já a foto 3x4 usada no fichamento futuramente iria estampar o disco Paratodos, de 1993. 1996 Depois de um show em homenagem ao Tom Jobim, Chico Buarque tem de devolver o cachê. A apresentação foi organizada pela prefeitura do Rio de Janeiro que aponta a falta de uma liminar como motivo para devolução do dinheiro. Além de Chico, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Milton Nascimento embolsaram um cachê de R$100 mil e terão de devolver. Apenas o músico Paulinho da Viola ainda não foi contatado. Ele que levou R$35 mil pelo show. Segundo Chico, o valor não é nada desproporcional e ele teria aceito se apresentar por causa da homenagem ao Tom Jobim. Mesmo se sentindo retratado como um “estelionatário”, Chico afirma que se necessário devolveria o dinheiro. Entretanto, diz que nunca mais fará apresentações para a Prefeitura. “Eu achei o espetáculo belíssimo mas, dois dias depois, fizeram dele uma meleca”, arremata. 1997 Chico e Marieta Severo, atriz, anunciam a separação. O casal se conheceu pouco antes da composição “A Banda” se tornar um sucesso. “Nos conhecemos quando eu estava trabalhando no espetáculo “O Bicho”, entre 1966 e 1967. O Hugo Carvana, nosso amigo em comum, o levou para assistir a peça, e, depois, quando saí, o Chico começou a dizer umas gracinhas para mim. Lembro que estavam lançando aquele boneco antigo, o MUG, e ele tinha um . Nós começamos a sair à beça, íamos a Copacabana, e nos tornamos namorados”, relembra Marieta. Eles permaneceram casados por 30 anos e tiveram 3 filhas: Sílvia, Helena e Luísa. Mesmo após a separação, o excasal era visto junto em companhia de amigos e parentes fazendo a linha de “melhores amigos”.

1998 Chico Buarque é flagrado pela primeira vez após a separação com uma mulher. O fato torna-se escandaloso e cria polêmica nos meios de comunicação. Chico é fotografado com a designer e fotógrafa Celina Sjostedt, de 35 anos. O casal troca carinhos e beijos em meio às águas do mar do Leblon. Depois de 20 minutos os dois saem de mãos dadas. Dias depois, descobre-se que a mulher é casada e tem 2 filhos. Quando procurado pela imprensa o marido de Celina, o pianista Ricardo Sjostedt, diz que Chico tem uma fixação por sua mulher, mas que ela é casada. Isso porque, segundo Ricardo, eles já teriam tido um affair em 1998. “Só quero que ele deixe nossa vida em paz, bote na balança que temos família e vá procurar alguém da idade dele. Talvez em uma clínica geriátrica”, sugere Ricardo Sjostedt.

Redação: Editor-Chefe: Renato Essenfelder Editora de Texto: Nathalie Ayres Editora de Arte: Fernanda Patrocínio Revisora: Luma Pereira Reportagem: Bruna Stuppiello Kelly Ferreira Livia Maria Lucas Faculdade Cásper Líbero 3º JoB Jornalísmo Básico III

2009 Na 7 ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) realizada em 2009 Chico Buarque faz uma declaração polêmica. Sentado ao lado do também escritor Milton Hatoum, Chico Buarque falou com um aparente descaso sobre “Leite Derramado”. O livro foi escrito, segundo ele próprio, sem muitas pretensões e sem um profundo embasamento histórico; tendo por base pesquisas feitas no Google e declarações de Sérgio Buarque de Holanda, historiador pai de Chico Buarque. “Não sei exatamente onde encontrei meu romance. Queria escrever, não queria mexer com música. Escrever é uma chatice”, finaliza o autor de quatro livros, com vendagem mínima de 500 mil exemplares cada um. Curiosamente, “Leite Derramado” recebeu elogios das críticas e levou o Prêmio Bravo! de Cultura de 2009, na categoria Livro.


Se eu demorar uns meses Convém, às vezes, você sofrer Mas depois de um ano eu não vindo Ponha a roupa de domingo E pode me esquecer Acorda, Amor Chico Buarque de Hollanda 1944-2010


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