Universidade de Brasília
Faculdade de Ciência da Informação
Museologia & Interdisciplinaridade Publicação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação - UnB
nº 9,Vol. 5, 2016 ISSN 2238-5436
Museologia & Interdisciplinaridade Publicação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação - UnB PPGCINF/FCI/ UnB
REITORIA DA UNIVERSIDADE DE
COMISSÃO EDITORIAL
BRASÍLIA
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DIRETORIA DA FACULDADE DE
Luciana Sepúlveda Köptcke
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
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COODENADORIA DA PÓSGRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA
EDITOR-CHEFE
INFORMAÇÃO
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CONSELHO CONSULTIVO
SECRETARIA
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Vivian Miatello
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PROJETO GRÁFICO/ EDITORAÇÃO
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ELETRONICA
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Luís Felipe Oliveira da Silva
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CAPA Andre Maya Monteiro
Universidade de Brasília
Faculdade de Ciência da Informação
Museologia & Interdisciplinaridade Publicação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação - UnB
nº 9,Vol. 5, 2016 ISSN 2238-5436
Correspondências e contribuições devem ser enviadas para: M u s e o l o g i a & I n t e r d i s c i p l i n a r i d a d e Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCInf) Faculdade de Ciência da Informação (FCI) Universidade de Brasília Edifício da Biblioteca Central (BCE) Entrada Leste, Mezanino, Sala 211 Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, Brasília CEP: 70910-900 E-mail: revistami@unb.br
Todos os direitos reservados A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei no 9.610).
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Museologia e interdisciplinaridade: publicação eletrônica do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Universidade de Brasília. Faculdade de Ciência da Informação. – v.5 n.9 (2016) – Brasília: UnB/FCI, 2016v. 5 Semestral Resumo em português e inglês. Disponível no SEER: http://seer.bce.unb.br/index.php/museologia ISSN 2238-5436 1. Museologia. Patrimônio e memória. Artes Visuais. Antropologia. História. Interdisciplinaridade em Museologia. I. Universidade de Brasília. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Faculdade de Ciência da Informação. CDU: 069.01(051)
SUMÁRIO
EDITORIAL
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APRESENTAÇÃO
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PARECERISTAS
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BIRTH AND LIFE OF SCIENTIFIC COLLECTIONS IN FLORENCE Mara Miniati
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THE SCHOOL OF BOTANY IN THE BRUSSELS BOTANIC GARDEN AND ITS SUCESSOR (1797-…): FROM CENTRE TO MARGINS Denis Diagre- Vanderpelen
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EXPOSIÇÕES ITINERANTES DE ANIMAIS SELVAGENS, EM SÃO PAULO, NO SÉCULO XIX Heloísa Barbuy
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A EPIFANIA DAS MÁSCARAS: UMA EXPERIÊNCIA DE ESCUTA E ENCONTRO DIALÓGICO João Pacheco de Oliveira
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COLETA,TRANSPORTE E ACLIMATAÇÃO DE PLANTAS NO IMPÉRIO LUSO-BRASILEIRO (1777-1822) Ermelinda Moutinho Pataca
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88
UM ALEMÃO EM SANTA CATARINA: A COLEÇÃO ENTOMOLÓGICA FRITZ PLAUMANN aline Maisa Lubenow
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LIVING COLLECTIONS AT THE SINGAPORE BOTANIC GARDENS – HISTORIC AND MODERN RELEVANCE Nigel P. Taylor
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COLEÇÕES BIOLÓGICAS DO JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO À LUZ DAS METAS DA GSPC/CDB: ONDE ESTAREMOS EM 2020? Rafaela Campostrini Forzza, Anibal Carvalho Jr., Antônio Carlos S. Andrade, Luciana Franco, Luís Alexandre Estevão,Viviane S. Fonseca-Kruel, Marcus A. Nadruz Coelho, Neusa Tamaio, Daniela Zappi
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COLECCIONES ESPECIALES DE LA REAL EXPEDICIÓN BOTÁNICA AL VIRREINATO DEL PERÚ (1777-1815). RECUPERACIÓN DE UNA COLECCIÓN HISTÓRICA Esther García Guillén, Rosario Noya Santos
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COLEÇÕES VIVAS: AS COLEÇÕES MICROBIOLÓGICAS DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ Manuela da Silva, Magali Romero Sá
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COLECIONANDO ORQUÍDEAS, COLECIONANDO O BRASIL (1930-1950) Valéria Mara da Silva
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A FOTOGRAFIA CIENTÍFICA E AS COLEÇÕES VIVAS: MEMÓRIA E CIÊNCIA Caterina Susana Salvi
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OS MUSEUS E A PRESERVAÇÃO DA ARTE CONTEMPORÂNEA: PARTICULARIDADES E PROCESSOS Janaina Silva Xavier
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FRAGMENTOS DO PRETÉRITO: REFLEXÕES ACERCA DA MEMÓRIA INDIVIDUAL E COLETIVA Priscila Chagas Oliveira
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O TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO NO ESPAÇO MUSEAL: O MUSEU HISTÓRICO VISCONDE DE SÃO LEOPOLDO/RS E A COLEÇÃO FOTOGRÁFICA SESQUICENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO ALEMÃ Daniela Schmitt
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AÇÃO EDUCATIVA EM ESPAÇOS CULTURAIS: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DE UMA RETOMADA CONCEITUAL DA ARTE Giovana Bianca Darolt Hillesheim
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UN BOTÍN DE ALFABETOS Y CATÁSTROFES Irina Podgorny
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CAPA Laura Lima
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EDITORIAL
9 Ana Lúcia de Abreu Gomes
Os artigos reunidos na nona edição de Museologia & Interdisciplinaridade mantém o propósito de estimular o debate cientifico na área, trazendo um dossiê cujo tema ainda não fora abordado em nossos números anteriores, o das coleções vivas. A pesquisadora Alda Heizer gentilmente aceitou nosso convite para organizar o dossiê com esse tema desafiador. Nele, Heizer nos oferece 12 trabalhos de pesquisadores de diferentes procedências que se debruçaram sobre a tarefa de debater as Coleções em Jardins Botânicos e Museus. Sim, é isso; este dossiê que nossa pesquisadora convidada nos oferece generosamente se propõe e problematizar aquilo que muitas vezes pode parecer estar pacificado: a coleção. Especialmente quando o adjetivo que a acompanha “viva” pode, este sim, nos despertar curiosidade e trazer inquietações. Essa, aliás, é a provocação presente no artigo do Prof. João Pacheco de Oliveira: podem ser vivas as peças de um museu? Quantas vidas as peças de um museu comportam? No que tange a problematização do ato de colecionar, os artigos de Mara Miniati, Ermelinda Pataca, Aline Lubenow e Heloisa Barbuy abordam a problemática a partir de diferentes objetos; o papel das coleções vivas em Jardins Botânicos é a temática dos artigos de Nigel Taylor, de Esther Garcia e Rosário Noya assim como da equipe do Jardim Botânico do Rio de Janeiro composta por Rafaela Forzza, Anibal Carvalho Jr., Antonio Carlos Andrade, Luciana Franco, Luís Alexandre Estevão, Viviane Fonseca-Kruel, Marcus Nadruz Coelho, Neuza Tamaio e Daniela Zappi. Manuela da Silva e Magali Sá destacam o protagonismo do então Instituto Osvaldo Cruz que nos anos 1920 dá início à formação de suas coleções vivas de material microbiológico. Caterina Salvi destaca o papel dos instrumentos científicos no desenvolvimento das pesquisas desde o Oitocentos. Denis Digree nos aproxima da experiência de constituição da Escola de Botânica de Cingapura enquanto Valeria Mara enriquece as discussões sobre coleções e patrimônio por meio do estudo da flora brasileira, em especial, por meio das coleções de Orquídeas. Fechando nosso dossiê, a poética resenha de Irina Podgorny sobre os textos de Claudine Cohen. Para terminar, em nossos artigos avulsos, Daniela Schmidt debate o tratamento da informação por meio da coleção fotográfica no Museu Histórico de São Leopoldo. Priscila Chagas também traz a problemática da informação na interface das discussões acerca da memória individual e da memória coletiva. Janaina Xavier debate a questão da preservação da arte contemporânea nos museus. Por fim, a temática da ação educativa em espaços museais se faz presente por meio de uma abordagem conceitual.
APRESENTAÇÃO
MUSEOLOGIA & INTERDISCIPLINARIDADE Vol.9, nº5, Jan./ Jun. de 2016
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“A primeira coisa que guardei na memória foi um vaso de louça vidrada, cheio de pitombas, escondido atrás de uma porta. Ignoro onde o vi, quando o vi e se uma parte do caso remoto não desaguasse noutro posterior; julgá-lo-ia sonho. Talvez nem me recorde bem do vaso: é possível que a imagem, brilhante e esguia, permaneça por eu a ter comunicado a pessoas que a confirmaram. Assim, não conservo a lembrança de uma alfaia esquisita, mas a reprodução dela, corroborada por indivíduos que lhe fixaram o conteúdo e a forma. De qualquer modo a aparição deve ter sido real. Inculcaram-me nesse tempo a noção de pitombas – e as pitombas me serviram para designar todos os objetos esféricos. Depois me explicaram que a generalização era um erro, e isto me perturbou” ( Graciliano Ramos. Infância, 1998)
O tema das coleções e das práticas colecionistas em espaços como jardins botânicos e museus tem ocupado um lugar crescente na historiografia produzida em diferentes áreas do conhecimento. Com uma riqueza de possibilidades de análise, as pesquisas têm demonstrado o quão plenamente articuláveis são os interesses sobre a temática, demonstrável, inclusive, nas publicações e encontros acadêmicos. A Revista Museologia & Interdisciplinaridade apresenta ao leitor do Dossiê “coleções em jardins botânicos e museus” análises a partir de temas e abordagens que apresentam resultados de pesquisas recentes e que têm como protagonista: a coleção. Compreendidas como resultado de escolhas, sinais de autoridade, referências científicas, herança cultural, “lugares de memória”, especificidades dos trabalhos de campo, desafios para pensar os museus etnográficos, e de gabinete, recursos estratégicos diante das ameaças à biodiversidade; as coleções são parte constitutiva da circulação de objetos, plantas, homens, mulheres, informações; parte de processos de circulação das ciências. Os artigos aqui apresentados nos ajudam a refletir como um objeto da natureza torna-se ciência, sobre as possibilidades de pensarmos tais coleções como valiosos instrumentos de pesquisa para a história da Terra, porém sem perder de vista que as coleções, assim como os catálogos, inventários, ilustrações científicas e exposições revelam intenções de documentar, são frutos de escolhas, critérios e particularidades de quem as concebeu. Além disso, as coleções podem apresentar um conjunto revelador da reprodução de objetos circunstanciados “corroborada por indivíduos que lhe fixaram o conteúdo e a forma” para usar as palavras do escritor Graciliano Ramos, na epígrafe. Sendo assim, passemos aos artigos: O artigo de Mara Miniati centra-se na história das coleções científicas em Florença. A autora ressalta que no “período dos Médici, Florença foi um importante centro de pesquisa científica e de coleções. Este aspecto da cultura florentina é geralmente menos conhecido, mas a ciência e as coleções científicas formavam uma parte consistente da história da cidade. Ao mesmo tempo, que o recolhimento dos instrumentos científicos era um componente importante das estratégias políticas dos grão-duques florentinos, convencidos de que o conhecimento científico e o controle tecnológico sobre a natureza conferiria solidez , prestígio e poder político.” Para Caterina Salvi os “instrumentos científicos têm desempenhado papel fundamental para o desenvolvimento de pesquisas em ciências. Em 1890, os estudos de Hurter e Driffield sobre a sensitometria das emulsões fotográficas estabeleceram as bases científicas para a utilização da fotografia em trabalhos de pesquisa científica. A padronização do sistema fotográfico possibilitou utilizá-lo para observar, medir e calcular.
Desta forma a fotografia científica permitiu um avanço significativo nas pesquisas junto às coleções vivas. E, com desenvolvimento da fotografia digital associada à tecnologia digital, a definição de coleções vivas que, inicialmente, se referia somente às coleções vivas cultivadas ou domesticadas,como, por exemplo, às dos Jardins Botânicos, dos Jardins Zoológicos e das coleções de microrganismos, engloba atualmente também os ecossistemas e habitats naturais com o da a sua biodiversidade. Acervos fotográficos históricos e contemporâneos presentes em instituições de pesquisa e museus de ciência e tecnologia constituem importantes documentos para a pesquisa na elaboração de projetos de preservação de habitats naturais, de recuperação de áreas degradadas e de utilização sustentada dos recursos naturais”. Denis Diagre em seu artigo ressalta “a importância de novos estudos sobre as Escolas de Botânica e os diferentes tipos de jardins botânicos que foram incorporados. O artigo esboça a história da Escola de ( Sistemática ) Botânica que foi plantada no Jardim Botânico de Bruxelas desde a sua criação no início de 1797 aos nossos dias. Descreve as mudanças que foram trazidos para esta área, bem como a atenção evolução que sofreu sob a mira de vários fatores. Estes fatores não só incluiram novos paradigmas científicos , mas também mudanças políticas , mudanças nas mentalidades , entre outras coisas , que impactaram a sociedade belga”. Valeria Mara analisa “os debates acerca do colecionismo de orquídeas no Brasil a partir da década de 1930, utilizando para tanto os escritos de amadores e profissionais, publicados no periódico Orquídea. Abordamos as condições que deram maior evidência a essa atividade no cenário nacional, os sentidos atribuídos as orquídeas, bem como as práticas que visavam reconhecer a flora orquidácea como riqueza nacional e patrimônio.” Ermelinda Moutinho Pataca em seu artigo “Coleta, transporte e aclimatação de plantas no Império luso-brasileiro (1777-1822)”demonstra como, nas últimas décadas do século XVIII e primeiras do século seguinte, se materializou um complexo projeto científico de coleta, estudo e disseminação de plantas exóticas no Império português, dando especial ênfase ao Brasil destacando a colaboração de botânicos e académicos envolvidos no estudo da História Natural, engenheiros envolvidos nas Comissões Demarcadoras de Limites e, sobretudo, a população indígena”. Joao Pacheco de Oliveira propõe como perguntas chaves de seu artigo : “As peças que integram um museu podem ser “vivas”? Ou seja, elas podem ter uma outra vida, uma ordem de existência que não seja planificada, coordenada ou sequer conhecida pelos curadores, museólogos e dirigentes responsáveis pelas instituições que as administram e possuem?”(...) Para o autor, “esta ideia, que estaria na contra-corrente das sensações e sentidos que garantem a presença e expressão dos objetos na experiência museológica, implicaria na completa subversão daquilo que, seguindo Arjun Appadurai (1986), poderíamos chamar de a vida cotidiana dos objetos e a organização social das exposições. Relatar a experiência daí resultante, creio, poderia ser útil também para estimular os debates sobre uma reformulação de perspectiva nos museus etnográficos. Submeter ao olhar dos nativos a cultura objetificada reunida nos museus possibilita repensar algumas práticas e interpretações tanto sobre as populações colonizadas quanto sobre a própria natureza da ‘ilusão museal’”. João Pacheco pretende “debater as relações entre o sagrado e o profano, entre o racional e o imaginário, entre o solar e o noturno nos museus etnográficos.” Aline Lubenow discorre sobre a formação da coleção entomológica Fritz Plaumann. Tendo como entendimento que o ato de colecionar é uma prática cultural, buscamos compreender o caminho que a coleção levou até chegar ao Museu. Fritz Plaumnn apresenta-se como um colecionador-coletor, preocupado com as questões ambientais e com a produção de conhecimento, sua contribuição foi importante para o mapeamento da fauna entomológica do sul do Brasil. Nesse sentido, pretendemos discorrer sobre o colecionador, sua coleção e por fim, o museu. O artigo de Heloisa Barbuy tem como objetivo “evidenciar a presença de exposições itinerantes de animais selvagens na São Paulo do século XIX. Por terem se
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realizado, localmente, como uma entre outras atrações de circo, têm passado despercebidas como tipo específico de exposição popular, que conjuga funções de divertimento e instrução. Constituem objeto de interesse para estudos sobre a cultura de exposições do século XIX. Cultura material, história natural e a cidade de SãoPaulo , no século XIX,são alguns dos elementos importantes de sua investigação. O artigo de Manuela da Silva e Magali Romero Sá aborda “ as coleções microbiológicas da Fundação Oswaldo Cruz, tendo algumas delas sido formadas ainda nos primórdios dos anos de 1920. No Brasil, o Instituto Oswaldo Cruz (posteriormente Fundação Oswaldo Cruz) foi uma das primeiras instituições a formar coleções vivas de material microbiológico. Coleções biológicas faziam parte da política institucional já voltada ao combate de doenças parasitárias e infecciosas causadas por bactérias e protozoários e transmitidas por insetos, moluscos e outros vetores. Hoje a Instituição é detentora de 17 coleções microbiológicas que representam a biodiversidade genética de bactérias, arqueias, protozoários e fungos de importância médica e ambiental, a memória epidemiológica e o registro de variações ocorridas em agentes etiológicos ao longo do tempo; e as populações genéticas de organismos relacionados a pesquisas em saúde pública, além da potencialidade dessas coleções na produção de novos insumos de interesse biotecnológico”. Rafaela Forzza e colaboradores apontam para a importância das coleções biológicas que estão sob a gurada do Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) e afirmam que “ partir do final do século XX e início do século XXI, com a mudança de paradigma envolvendo a conservação e o uso racional da biodiversidade do planeta, as coleções biológicas e seus dados associados saíram de uma posição marginal para ocupar uma posição central na discussão que quantifica, qualifica, mapeia e estuda o potencial de uso da biodiversidade. Neste novo cenário, os jardins botânicos e suas coleções estão completamente inseridos nas tarefas relacionadas a atingir as metas da biodiversidade delineadas pela CDB/GSPC. Neste artigo descrevemos quais metas envolvem diretamente as coleções do JBRJ e analisamos tanto a participação como as limitações dos nossos acervos para apoiar o país no cumprimento das metas da GSPC 2020.” Nigel Taylor discorre como “o papel das coleções vivas dos Jardins Botânico de Cingapura é colocado no contexto de seu valor como herança cultural, através do qual elas contribuem para a inscrição destes Jardins como Patrimônio Mundial da Humanidade junto à UNESC”(...) além de ressaltar “a importância dessas coleções para apoiar a pesquisa científica, conservação da diversidade vegetal e educação pública é explorada e o assunto é contextualizado através de uma breve história dos Jardins.” Esther García Guillén e Rosario Noya Santos destacam o valor das coleções dos jardins botânicos como pedra angular sobre a qual devem convergir as pesquisas e apresenta “ la colección histórica de semillas, frutos y cortezas de distintas especies vegetales, colectados por la Real Expedición Botánica al Virreinato del Perú (1777-1815), en los territorios de Perú, Chile y Ecuador y conservados en el Real Jardín Botánico-CSIC, en Madrid. A través de la recuperación de esta colección científica, sus relaciones con otros materiales de la misma Expedición (herbarios, dibujos y manuscritos), y su reflejo en las colecciones de plantas vivas del Jardín, se destaca el papel de los jardines botánicos y sus colecciones en el estudio de la diversidad vegetal y fúngica.” A resenha de Irina Podgorny fecha o dossiê, entre outros, chamando a atenção do leitor sobre “ Como siempre, los libros de Claudine Cohen-La Méthode de Zadig. La Trace, le fossile, la preuve (Paris, Seuil, 2011) y Science, libertinage et clandestinité à l’aube des Lumières. Le transformisme de Telliamed (Paris, PUF, 2011)- combinan densidad con gusto por la escritura y un particular cuidado por la selección de las imágenes y por referirse a las tradiciones científicas de ambos lados del Atlántico norte y a varias lenguas de expresión de la ciencia – de las que curiosamente están ausentes el español y el portugués pero no el ruso ni el alemán.” Boa leitura!
PARECERISTAS
Pareceristas dos artigos do Dossiê: Coleções em jardins botânicos e museus -Revista UNB 2016 Alda Heizer.Desenvolve pesquisas no Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e é professora de História da Botânica na Escola Nacional de Botânica Tropical. Antonio Augusto Passos Videira - Professor do Departamento de filosofia da UERJ e pesquisador bolsista produtividade/ CNPq. Bernardo Jefferson de Oliveira.Professor deo Departamento de Educação/ UFMG. Cicero de Almeida-Professor do Depto. de Estudos e Processos Museológicos da UNIRIO. Assessor do Centro de Memória Institucional da Justiça Federal /RJ. Heloisa Gesteira- Pesquisadora Titular do MAST/MCTI e Professora Adjunta PUC-Rio. Luis Miguel Carolino - Professor do Departamento de História do ISCTE Instituto Universitário de Lisboa e pesquisador associado ao CIES-IUL. Maria Esther Valente-.Pesquisadora do MAST/MCTi e professora da UNI-RIO. Maria Margaret Lopes-Doutora em História das Ciências pela USP.
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BIRTH AND LIFE OF SCIENTIFIC COLLECTIONS IN FLORENCE
Mara Miniati 1
RESUMO: O artigo centra-se na história das coleções científicas em Florença. Na era dos Medici, Florença foi um importante centro de pesquisa científica e de coleções. Este aspecto da cultura florentina é geralmente menos conhecido, mas a ciência e coleções científicas foram uma parte consistente da história da cidade. O recolhimento de instrumentos científicos era um componente importante das estratégias políticas dos grão-duques florentinos, convencidos de que o conhecimento científico e controle tecnológico sobre a natureza conferiria solidez e prestígio ao seu poder político. De Cosimo I a Cosimo III, os grão-duques Médici concederam o seu patrocínio e comissões sobre gerações de engenheiros e cientistas, formando uma coleção de instrumentos matemáticos e astronômicos, os modelos científicos e produtos naturais, exibidos ao lado das mais famosas coleções de arte na Galleria Uffizi, no Palazzo Pitti, e em torno da cidade de Florença e outros lugares da Toscana. Esta coleção soberba, ainda existente, é uma expressão não só do “gosto” dos tempos, mas também dos interesses multifacetados do grão-duques. Após o fim da era Medici, no século 18, a dinastia Lorena Florence separou as coleções artísticas das coleções científicas e estas últimas foram colocados no novo Museu Imperial e Real de Física e História Natural, pelo Grão-Duque Pedro Leopoldo de Lorena e aberta ao público em 1775. A fundação deste museu pela dinastia Lorena representou um novo desenvolvimento e uma nova fase para esse material de interesse científico
em Florença. Este artigo descreve as transformações ocorridas entre os séculos 18 e 19 na vida cultural da capital da Toscana: as artes e ciências foram promovidos, e os florentinos cultivados estavam interessadas no desenvolvimento recente da física, na Itália e no exterior. Nesse período, numerosas coleções científicas privadas e públicas de Florença existentes, que eram menos famosas, mas não menos importantes do que as coleções Médici e Lorena se destacaram. Finalmente, o artigo descreve como as coleções florentinas se desenvolveram. A fundação do Instituto e Museu de História da Ciência deu nova atenção aos instrumentos científicos antigos. Sua intensa atividade de pesquisa teve um impacto sobre a organização do Museu. Novos estudos levaram a novas atribuições aos instrumentos científicos, as investigações de arquivamento contribuiram para um melhor conhecimento da coleção, e os contactos crescentes com instituições italianas e internacionais feitas do Museu tornaram-no cada vez mais ativo em uma ampla rede de empreendimentos cooperativos sobre temas específicos. A última alteração de sua denominação (Museo Galileo) e a reorganização moderna são a expressão de uma “continuidade” do patrimônio histórico-científico, preservado pelo Museu, e do “Inovação” para permiti-lo “falar” e torna-lo inteligível a um público contemporâneo.
PALAVRAS-CHAVE Coleções Científicas; história; Florença; Médici; Museu Galileu.
1Emeritus Curator Museo Galileo, Florence; President Scientific Committee Fondazione Scienza e Tecnica, Florence
BIRTH AND LIFE OF SCIENTIFIC COLLECTIONS IN FLORENCE
ABSTRACT The paper focuses on the history of the scientific collections in Florence. In the age of Medici, Florence was an important centre of scientific research and collections.This aspect of Florentine culture is generally less known, but science and scientific collections were a consistent part of the story of the city. At the same time, collecting scientific instruments was an important component of the political strategies of the Florentine Grand Dukes, convinced thats cientific knowledg and technological control over nature would confersolidity and prestige on political power. From Cosimo I to CosimoIII, the Medici Grand Dukes best owed their patronage and commissions on generations of engineers and scientists, for minga collection of mathematical and astronomical instruments, scientific models and natural products, displayed along side the more famous collections of art in the Galleria degli Uffizi, in Palazzo Pitti, and around the city of Florence and other places in Tuscany. This superb collection, still existing, is an expression not only of the ‘taste’ of the times but also of the multifaceted interests of the Grand Dukes. After the end of the Medici age, the 18th century Lorraine Florence separated the artistic collections from the scientific collections: the latter were placed in the new Imperial and Royal Museum of Physics and Natural History, wanted by the Grand Duke Peter Leopold of Lorraine and opened in 1775. The founding of this museum by the Lorraine dynasty represented the new development and the consideration of the material of scien-
tific interest in Florence. This paper describes the transformations between the 18th and 19th century and the cultural life in the Tuscan capital: the arts and sciences were promoted, and Florentine cultivated people were interested in the recent development in physics, in Italy and abroad. In that period numerous, private and public scientific collections in Florence existed, which were less famous, but not less important than the Medicean and Lorraine collections. Finally, the paper describes how the Florentine collections continue their life. The founding of the Istituto e Museo di Storia della Scienza gave new attention to the ancient instruments of science. Its intense research activity had an impact on the organization of the Museum. New studies led to new attributions for scientific instruments, archival investigations contributed to a better knowledge of the collection, and the growing contacts with Italian and international institutions made the Museum an increasingly active node in a wide network of cooperative ventures on specific topics. The last change of its name (Museo Galileo) and a new, modern reorganization are the expression of a ‘continuity’ of the historical scientific heritage preserved by the Museum, and of the ‘Innovation’ to make it “speak” and render it intelligible to a contemporary public. KEYWORDS Scientific Collections; history; Florence; Medici; Galileo Museum.
Birth And Life of Scientific Collections In Florence
MUSEOLOGIA & INTERDISCIPLINARIDADE Vol.9, nº5, Jan./ Jun. de 2016
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The relationship between Florence and science is very ancient. Particularly in the 14th and 15th centuries, the city was the theatre of a true Renaissance of science. Archimedes was the legendary figure of reference for generations of mechanical engineers: Filippo Brunelleschi (1377-1446), Mariano di Jacopo, known as Taccola (1382 - 1453 c.), Francesco di Giorgio Martini (1439-1501) and Leonardo da Vinci (1452-1519) remain inextricably linked to the invention of astonishing machines – for warfare, hydraulics, construction sites and entertainment – that anticipated the progress in mechanical science achieved in the following century by Guidobaldo del Monte (1545-1607) and Galileo Galilei (1564-1642). The myth of Archimedes favoured the affirmation of two new professional figures: the artist-engineer, not a simple ‘mechanic’, but an authority in ancient technology, author, and partner in a dialogue between literates and humanists; and the engineer-scientist, who operated in the major European universities in the sixteenth century, and contributed to make the ars mechanica a mathematical discipline. Florentines as Paolo dal Pozzo Toscanelli (1397-1482) and Amerigo Vespucci (1454-1512) contributed to. With the discovery of the New World, geographic works were compiled to update the information based on Ptolemaic science. Humanists’ libraries abounded in geographic books and many sumptuous, costly codices were produced by Florentine workshops in the 15th century. Lorenzo the Magnificent (1449-1492) owned numerous geographical maps and a superb codex of the Geografia ‘painted’ by Piero del Massaio (15th century), which then passed into the hands of Cosimo I (1519-1574). In the age of Medici, Florence was an important centre of scientific research and collections. This aspect of the Florentine culture is generally less known, but science and scientific collections were a consistent part of the story of the city. At the same time, collecting scientific instruments was an important component of the political strategies of the Florentine Grand Dukes, convinced that scientific knowledge and technological control over nature would confer solidity and prestige on political power. From Cosimo I (1519-1574) to Cosimo III (1642-1723), the Medici Grand Dukes bestowed their patronage and commissions on generations of engineers and scientists, forming a collection of mathematical and astronomical instruments, scientific models and natural products, displayed alongside the more famous collections of art in the Galleria degli Uffizi, in Palazzo Pitti, and around the city of Florence and other places in Tuscany. This superb collection, still existing, is an expression not only of the ‘taste’ of the times but also of the multifaceted interests that the Grand Dukes focused their attention on. The Florentine scientific museums preserve it: for instance, scientific instruments are now preserved in the Museo Galileo, stuffed animals in ‘La Specola’, herbaria in Museum of Botany and so on (CAMEROTA, MINIATI, 2008)2. Medicean scientific collections (1537-1734) The young Cosimo de Medici ascended to the throne in 1537, and managed to free himself from Imperial dominance, creating a modern territorial and patrimonial state controlled by the Medici dynasty. Cosimo I surrounded himself with ‘new men’, possessing the technical, artistic, scientific, administrative, strategic and organizational capabilities suited to the new requisites. He commissioned the scientist Luca Ghini, from Imola, to create the Botanical 2 This paper focuses, above all, the rich collection of measuring instruments, mathematical and astronomical, today preserved in the Museo Galileo in Florence.
Mara Miniati
Garden in Pisa (1544), and Niccolò, called “Il Tribolo”, to design the Botanical Garden in Florence, the so-called ‘Orto dei Semplici’ (1545). At the same time, Cosimo began to be concerned with the image of his power as well, launching a complex programme to renovate the ancient Palazzo dei Priori, known as Palazzo Vecchio. Conceived by Cosimo himself, the project included the arrangement of the Maps Room, where Cosimo I, playing on the words “Cosimo/Kosmos”, celebrated his own person through a grandiose decorative scheme that reproduced on the walls of the room the pages of the Cosmography by Ptolemy. Giorgio Vasari (1511-1574) was entrusted with the task of redesigning and enlarging the building. The 53 geographical charts “after Ptolemy” (originally 57), with represented both the ancient world and the recently discovered lands, were commissioned of the cosmographer Egnazio Danti (1536-1586) and carried out by his successor Stefano Buonsignori (?-1589). The Maps Room of Palazzo Vecchio was destined to house the most important, precious and beautiful things owned by the Grand Duke. The project, which remained unfinished, also provided for representations of animals and plants native to the countries depicted in the charts, a series of busts of emperors and princes of the various nations, three hundred portraits of illustrious men and, on the ceiling, a representation of the constellations. Two huge globes (a terrestrial and a celestial one) would descend from the ceiling at command, through a strikingly effective scenic artifice, a terrestrial one, displayed today in the hall, and a celestial one, perhaps never built (CAMEROTA, 2010).
Globo - Egnazio Danti – Palazzo Vecchio – Florence
In 1562 Cosimo created the role of cosmographer and Danti obtained this charge, and built splendid astronomical and mathematical instruments for the Medici collection. In 1569, Cosimo de’ Medici persuaded Pope Pius V (1504-1572) to work for a calendar reform that would eliminate the ten-day delay with which the spring equinox, established as March 21, occurred with respect to the true astronomical equinox. The liturgically exact date of Easter and the related movable feasts depended on the correct date of the equinox.
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Birth And Life of Scientific Collections In Florence
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Cosimo’s commitment consisted of transforming the church of Santa Maria Novella into a sort of astronomical observatory, and the cosmographer Egnazio Danti was commissioned to construct the instruments required for the observations and for measuring the movements of the Sun. Between 1572 and 1575, on the façade of the church, Danti installed three instruments specially constructed for observing the equinoxes and solstices, and still existing today. The project was interrupted by the death of Cosimo and by Danti’s departure from Florence in 1575 at the order of the new Grand Duke Francesco I (SETTLE, 2008). When Cosimo I died in 1574 the collection abounded in instruments made by Italian and Quadrant SMN particularly Florentine craftsmen and foreign authors: the inventories of the Guardaroba Medicea in Palazzo Vecchio record dividers and sundials, astrolabes and surveying instruments, nocturnals and quadrants, made also by German makers. Francesco I (1541-1587) built a sort of secular chapel in Palazzo Vecchio, the so-called “Studiolo”, which contained works of art, naturalistic objects and some of the most important products of the Medici Foundry. For this room, Vincenzo Borghini (1515-1580) designed a complex iconographic program: to trace the location of the objects in the cabinet, it was necessary to follow a mental itinerary of a mnemonic nature. The memory path for the objects started from their natural origin (one of the four elements represented on the ceiling), then went on to their Scena Studiolo mythological or historical significance and lastly, in many cases, to their technical features (cabinet doors and slates). The Olivetan monk Stefano Buonsignori was called as new cosmographer of the Grand Duke. The engineer, topographer and mathematician Antonio Lupicini also worked for Francesco: he supervised the “Teoricae planetarum”, that is four armillary spheres begun in 1570, completed in 1574, and realized by many different workers and artists, including the famous sculptor Valerio Cioli (1529-1599). The spheres were given to the Laurentian Library where they are still today (DEKKER, 2004, pp. 32-51; CAMEROTA, MINIATI, 2008, pp. 164-165).
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At the same time, Francesco I founded the Galleria degli Uffizi where the merits of the Medici family as private collectors were celebrated. In this perspective, the Tribuna built by Bernardo Buontalenti in the early 1580s had a peculiar importance. The new Grand Duke, Ferdinando I (1549-1609) inserted the Tribuna within a broader museum project, which included the Maps Room, the Room of Military Architecture and the four rooms of the Armoury. This ensemble was conceived to promote the relationship between art and science, and provide a symbolic tribute to the family genealogy. He resumed the cosmographic project promoted by his father, Cosimo I, in Palazzo Vecchio, with a new ‘Cosmography Room’ set up in the Galleria degli Uffizi. In this Room some frescoes represented the domains – the Florentine Domain and the Sienese Domain – which his father had acquired thanks to the annexation of Siena. In the same Room two important objects were also placed: the great terrestrial globe made by Egnazio Danti for the Palazzo Vecchio, and a monumental armillary sphere specially commissioned to the cosmographer Antonio Santucci (?-1613).
Santucci, sfera armillare
The Cosmography Room of the Uffizi Gallery emblematically exalted the name of Cosimo by evoking the three forms of representation of Ptolemaic cosmography, namely, “cosmography” proper, that is, the image of the sky, represented by Santucci’s armillary sphere; “geography”, represented by Danti’s terrestrial globe; and “chorography”, represented by the regional maps of grandducal Tuscany, painted by Ludovico Buti (1560-1611). on the basis of two maps drawn by Stefano Buonsignori to illustrate the Vita di Cosimo I (Life of Cosimo I), published by Aldo Manuzio the Younger in 1586.
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20 Topographic Compass
Objective Lens
Campani Lens
Another room, the Room of Military Architecture, better known as the Stanzino delle Matematiche, was the image of Medicean political and cultural power. Ferdinando I rearranged here at the end of the century the first group of scientific instruments collected by Cosimo I, together with books, drawings, navigation manuals and geographc maps. Son of Ferdinando and Cristina di Lorena, the young Cosimo (15901621) became Grand Duke in 1609. Before, he had been a student of Galileo Galilei (1564-1642) and, in 1606, had received the treatise on the new instrument invented by the scientist, and the instrument itself, the geometric and military sector. Both, treatise and sector, were put in the “Stanzino”, together with other mathematical instruments. In 1609, the “cosmographic” celebration of the Medici was further improved by Galileo’s astronomical discoveries. The satellites of Jupiter he had discovered, called Medicean Stars, could be used as an astronomical clock, and the lens he had employed in his astronomical enquiries was preserved as a relic. Galileo left the Medici a lodestone armed with iron, a presentation exemplar of the telescope and the objective lens with which he had discovered the satellites of Jupiter. This last piece was received only after the death of Galileo, under the initiative of Vincenzo Viviani, his last pupil. (GALLUZZI. In Museo Galileo, 2010, pp.153-165) The Galilean lesson was very fruitful and the attempts to develop the telescopes increased the Medicean collection in the years of Ferdinando II (1610-1670) and his brother Leopoldo (1617-1675): they organized optical competitions, acquired telescopes by the opticians Eustachio Divini and Giuseppe Campani, received lenses which were signed as works of art, and founded the first scientific academy, the Accademia del Cimento (1657-1667).
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Vetri Cimento
Infingardi thermometer
Between 1657 and 1667, the Accademia engaged in research and experiments that produced a number of remarkably elegant instruments of singular shape. Many were made of glass, blown by the highly skilled “Gonfia”, the glass-blowers who worked for the grand-ducal enterprises, mainly in the glassworks set up in the Boboli Gardens. Ferdinando II himself was, it seems, the inventor of the thermometers called “infingardi” (slow, lazy), the “gelosissimi” fifty-degree thermometers, and the sixty-degree thermometers used for cooking eggs. (GALLUZZI, 2001). We have to consider that Florentine seventeenth-century physical and mathematical research gave origin to four important instruments, which are the telescope, the ‘occhiale’, the microscope, the ‘occhialino’, both from Galilean research, the barometer, dated 1644, from the studies of Evangelista Torricelli, and the thermometer, born in the Accademia del Cimento.These four were then developed and perfected outside and neither in Florence nor in Italy.The Medici were aware of their importance: they sent their thermometers everywhere, organized competitions to verify the quality of the lenses and so on. Cosimo III (1639-1723) corresponded with the workshop of Blaeu to have globes and spheres, maps and books. In 1673 he received the important new calculating machine invented by the Englishman Samuel Morland and constructed by makers Henri Sutton and Samuel Knibb from London. He also ordered a very elegant and artistic frame for the Galilean objective lens owned by Prince Leopoldo, then Cardinal, until his death. In 1677, the artist Vittorio Crosten worked it in ebony and ivory: in the centre, like a relic, was the lens, surrounded by small sculptures of the mathematical instruments existing in the Medicean collection and of the Galilean telescopes. Viviani started the celebration of Galileo, and Gian Gastone (1671-1737) erected the funerary monument to the scientist in the Basilica of Santa Croce and made it possible to move the Galileo’s body to its mausoleum.
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Private collections in Italy
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Not only prince collections were known between 16th and 17th century and not only in Florence.We can recall the museum of the physician and botanist Francesco Calzolari (1522-1609), in Verona (CERUTI, CHIOCCO, 1622); the collection of Ferrante Imperato (1550-1631) in Naples (STENDARDO, 2001), both dispersed. In the seventeenth century, Ferdinando Cospi (1606-1686) created a museum in Bologna and gave it the Senate of Bologna.
Museo Calzolari
So, it became part of the collections of the Istituto delle Scienze in Bologna and still exists (LEGATI, 1677). Another famous (and still existing) private collection was created by Manfredo Settala (1600-1680) in Milan (Museo o Galeria, 1666), and he called it a “collected gallery of knowledge”. Finally, I would mention the collection created by the scientist (and Jesuit) Athanasius Kircher (1602-1680) in Rome (De Sepi, 1678; Bonanni, 1709; Enciclopedismo in Roma barocca, 1986; BARTOLA, 2004), placed in the Roman College, included archaeological and naturalistic, scientific instruments, and ethnographic material. Collections in Florence between 18th and 19th century Coming again in Florence. After the end of the Medici age, the 18th century Lorraine Florence separated the artistic collections from the scientific collections: the latter were placed in the new Imperial and Royal Museum of Physics and Natural History, wanted by the Grand Duke Peter Leopold of Lorraine and opened in 1775. The founding of this museum by the Lorraine dynasty represented the new development and the consideration of the material of scientific interest in Florence. In only a few years the new institution was to radically transform the order of the collections, regrouping the material of scientific interest and dividing it from the artistic in a definitive manner. From the end of the ‘60s we have detailed information about the preparation of this new museum. Felice Fontana, who had already been named director of the institution, received scientists visiting Florence in these years (CONTARDI, 2002; MAZZOLINI, 2005). He showed the famous visitors the
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new machines of physics, explained his own discoveries, and also described the research, which he was conducting. Fontana chose old instruments from the Medici collection to create a section dedicated to scientific instruments of the Renaissance. The celebrity of the Museum of Physics and Natural History was such that within only a few years, between the end of the 18th century and the beginning of the 19th, the references to it and descriptions of it are countless. Cited as one of the best in Europe, the Florentine Cabinet possessed an enviable collection of minerals and precious stones, of experimental apparatus, and a unique collection of wax anatomical models. (CONTARDI, 2002) 3.
Wax Model
Wax Venere
3 The natural history collections constitute today the nine sections of the Museo di Storia Naturale of the University of Florence. Located in various buldings in Florence, the museum preserves more than ten millions of specimens
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In any case, this museum was not a scientific island in Florence. In fact, the cultural life in the Tuscan capital was lively: in the first half of the 18th century the arts and sciences were cultivated, and Florentine cultivated people were interested in the recent development in physics, in Italy and abroad. In that period numerous, private and public scientific collections in Florence existed, which were less famous, but not less important than the Medicean and Lorraine collections. Private scientific collections were above all naturalistic: we can mention the large collection of shells realized by doctor Niccolò Gualtieri (Florence, 1688-1744), today dispersed, but very famous in that period; the collection of the Frenchman Jean François Baillou, Director of the Royal Florentine Gallery under Gian Gastone de’ Medici in 1730, who had gathered plants, herbaria, stones and minerals, dispersed when he became Director of the Imperial Museum in Wien. Another collector was the German Philipp Stosch (Küstrin 1691-Firenze 1757), informer for the English government, who lived in Florence from 1731, where he became attached to the Masonry. He collected engraved stones, medals and coins, and many manuscripts and printed books of geography, mathematics, physics and architecture. After the death of Stosch, his nephew, with the help of the archaeologist Johann Joachim Winckelmann, published the catalogues of the collection. The Vaticana Library in which they are still preserved acquired the 571 manuscripts, described in an Index codicum manuscriptorum. The marquis Riccardi bought most of the printed books, today preserved in the Riccardiana Library in Florence. The maps and plans are now at the Oesterreichische Nationalbibliothek and at the Albertina Graphische Sammlung in Wien; the precious stones in the Altes Museum in Berlin (TOTARO, 1993). In the second half of the 18th century, Bartolomeo Mesny, a doctor and director of the “Spezieria” of the Pitti Palace, collected, like most scholars of the same period, stones, herbaria, shells, bones and so on, today dispersed. The most important collector at that time was Giovanni Targioni Tozzetti, a great scientist and naturalist, to whom we owe very useful descriptions of Tuscany and who possessed the natural history Cabinet of the botanist Micheli. His collection was rich in herbaria, minerals and scientific manuscripts. Everything is still preserved in Florence. Giovanni Gaspero Menabuoni was another important collector. Former professor of Italian in Paris, librarian at Palazzo Pitti in Florence, he had collected paintings he had bought in Paris, and naturalistic collections. We find an important scientific attraction in Florence, in the second half of the 18th century: the cabinet of George Clavering, third Earl of Cowper. Lord Cowper organized his scientific laboratory, boasting some 400 instruments, physics machines and important books, in his house in via Ghibellina, near the church of Santa Croce, but he lived in a beautiful villa on the hill of Fiesole, now called Villa Palmieri. The curator of the scientific apparatus was Alfonso Guadagni (1722-1801), an experimental physicist, and Professor of Physics at Pisa University. After the death of Lord Cowper (1789), his collection was bought by the Cardinal Archbishop of Bologna, Andrea Gioannetti, for the Science Institute and Physics Museum of Bologna, where it is presently preserved. (DRAGONI, 1994) Public and private collections in Florence in 19th century The Imperial and Royal Museum of Physics and Natural History during the 19th century is crucial to understand the Florentine cultural and scientific context. The institution was one of the core areas of research and teaching activities aimed at the dissemination of the scientific knowledge.This knowledge, debates, publications and lectures came to be the scientific and cultural background not only the city but throughout the Grand Duchy.
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When Vincenzo Antinori became director of the Museum, it had more than 50 years of life, had become a reference point for specialists and scholars, known by illustrious visitors and amateurs (CONTARDI, 2002). Rich in collections of instruments either constructed inside the museum or acquired abroad, and in natural specimens from foreign countries, the museum had also a huge collection of wax anatomical models constructed in the workshop inside the museum, and was devoted to the preservation of the scientific patrimony before collected by the Medici family. After Pietro Leopoldo, who left Tuscany in 1790, after the period of the French dominance and difficult situations both political and social, the museum was less active and known. Braccio Leva Vincenzo Antinori found in 1829 an institution which needed a new impulse to afford a new development and confront the changes of the new century. A brilliant scholar of Physics and Mathematics, and a passionate popularizer of the work of Galileo, Antinori was in close contact with the leaders of the Tuscan moderates. He represents a figure of peculiar interest in the scientific context in Tuscany and his appointment is of particular significance. The new Grand Duke, Leopoldo II, together with the group of intellectuals living in Florence, favoured this program. These persons were: Gian Pietro Vieusseux, who had founded the Gabinetto Scientifico e Letterario in 1820 and, in the year after, the journal L’Antologia in which scientists, humanists, historians and so on published their essays; Cosimo Ridolfi, who founded in the same year 1829 the Cassa di Risparmio to preserve the money of the poor people, who created in his Villa of Meleto a school to prepare workers in agriculture, who directed the very important Accademia dei Georgofili, founded in 1753, and involved in modernizing the agricultural studies. Other important names and institutions in these same years of the 19th century were the Osservatorio Ximeniano, founded in 1756 by the Jesuit Leonardo Ximenes, and then directed by the Scolopi, among them Giovanni Inghirami, astronomer and cartographer, who wrote in 1830 the first geometric map of Tuscany (MINIATI, 2009). In this ‘Florence of science’ arrived the physicist Leopoldo Nobili who invented new and innovative magnetic instruments and allowed a big improvement of the studies on the electromagnetism. Also the astronomer and optician Giovan Battista Amici lived in Florence: he constructed microscopes and lenses and created a mechanical laboratory at the origin of the future Florentine industry of precision instruments Officine Galileo. Antinori himself wanted the talented scientists Nobili and Amici as part of the Museum of Physics. He urged the Florentine Court to the creation of
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courses and lessons, and in general to a didactical activity within the Museum. The project was successful, and in 1833 three chairs were assigned to as many teachers: Physics to Leopoldo Nobili, Comparative Anatomy and Zoology to Gaspero Mazzi, Mineralogy and Geology to Filippo Nesti.To improve the collections, the teachers report also either possible purchases, or obsolete instruments. Antinori emphasized the importance of the Museum and declared that its cultural heritage had to be available to all subjects. He endorsed the idea of a pedagogy capable of affecting the heart and mind of the pupils, and emphasized the educational value of science: thanks to it, young people can understand the relationships between different phenomena, and develop the spirit of observation. As scientist and director of the Museum, Antinori choose a behaviour coherent with his view of a public-minded science. He reorganized the galleries in the Museum of Physics: the objects were scientifically and historically arranged, according to his idea of an educational institution.(CONTARDI, MINIATI, 2011) Particularly interesting is the criterion proposed by Antinori in order to display the collections of scientific instruments and machines to visitors. His policy follows a precisely historical order: scientific instruments and machines should be arranged according to the historical periods in which those scientific theories were discovered.The historical order does not concern the date of the manufacture of instruments, because Antinori is not interested in the history of the collection. Rather, he resorts to instruments in order to illustrate the most relevant discoveries in the field of physics, and the development of the discipline. This is a very important point. According to Antinori, the history of science is the history of the discipline. Following the path created by the Florentine scientist, the visitors of the scientific museum must be enabled to grasp the several phases of physics. They can learn step by step the development of a science inasmuch as they become aware of the instruments employed in it. The concrete arrangement of scientific instruments in the Museum must be the mirror of the historical and conceptual path of the discipline, and the visitors can understand the progress of physics and its discoveries because they are chronologically and consecutively displayed. Obviously, the underpinning conviction was Antinori’s idea of the history of science: the idea of a progressive, continuous increase of knowledge, conductive to a full disclosure of the secrets of the natural world. In the twenties the Museum was rich in physics instruments, which amounted to over 900: scales and thermometers, barometers and pneumatics machines, instruments for experiments on electricity, telescopes and microscopes and various optical devices. Caduta Gravi Parabola There were also the very precious instruments coming from the
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Medici collections: astrolabes and quadrants, sectors and dividers, the Galileo’s relics and the glasses of the Accademia del Cimento.The collection is preserved now at the Museo Galileo-Istituto e Museo di Storia della Scienza in Florence (MINIATI, 1991; CAMEROTA, 2010). The astronomical observatory, constructed in the 18th century and completed in 1784, had important clocks and telescopes. And also the natural history collections were rich and important: as Fausto Barbagli writes, they were oriented toward the naturalistic analysis of Tuscany, and this analysis put the theoretical knowledge to good use via exploitation of the natural resources of the territory (BARBAGLI, 2009). Antinori tried to improve the collections, both physical and natural. Under the impulse of the Grand Duke Leopold II, new exploratory travels were promoted and new interesting specimens were collected. Modern machines were acquired for the Cabinet of Physics, above all thanks to the Physicist Leopoldo Nobili and to the astronomer and optician Giovan Battista Amici. Nobili (L’eredità scientifica,1984; Leopoldo Nobili,1984) was famous for his studies on electromagnetism and was well known by Antinori, who bought for the museum a galvanometer (an instruments invented by Nobili and offered during his visit to Florence in 1830). The year after he was involved in the riots in Reggio Emilia, was exiled in Marsiglia and then in Paris, and finally went in Tuscany. Nobili was strictly connected with Gian Pietro Vieusseux, and Antinori obtained his appointment as professor of Physics at the Museum, where the scientist worked actively and promoted an experimental activity. Amici (TAROZZI, 1988; MESCHIARI, 2014) from Modena was called in the same 1831 to be astronomer at the Florentine Specola, the observatory tower constructed by Peter Leopold. Amici worked for the museum, constructed telescopes and lenses, very precise and successful microscopes, and worked with the wax modeller Luigi Calamai to realize wax botanical models of specimens observed with his microscopes. The name of Galileo was often recalled in the years of Antinori direction. He, together with Amici, Ridolfi, and others, promoted the Meetings of Italian Scientists, based, as Barbagli says, on the national congresses held for several years in various northern European states. The idea of this kind of meetings comes from the Prince Carlo Luciano Bonaparte, who «recognized the Grand Duchy of Tuscany as the most suitable place to host such an event, aware of the personal scientific interests of the enlightened ruler, who had been conferred the title of Member of the Royal Academy of London» (BARBAGLI, 2009). The first Meeting was in Pisa in 1839, the third in Florence in 1841. For this third, the Tribune of Galileo was erected inside the Museum Nobili of Physics, as a temple to the memory of Galileo and his discoveries (Idem).
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Tribuna
Antinori conceived the iconographic project while the architect Giuseppe Martelli was entrusted to realize the architectural project. This temple was provided with frescoed lunettes showing various moments of the scientific activity of Galileo, of the Accademia del Cimento and, in general, of the scientific research from Leonardo da Vinci to Alessandro Volta.Various stuccos and bas-reliefs portray astronomical discoveries and scientific instruments, while medallions offer portraits of important persons in sciences and their developments. Everybody admired the Tribune, in which instruments from Galileo and from the Accademia del Cimento were on show in special display cases. Astrolabes and in general Renaissance instruments from the Medicean collection were also there, and the imposing statue of Galileo made by the sculptor Aristodemo Costoli was at the end of the Tribune. In some rooms around the Tribune Antinori settled the old Physics cabinet. The annexation of Tuscany to the Kingdom of Italy had an impact even on the Museum of Physics and its collections. Vincenzo Antinori, director since 1829, resigned in 1860 and was succeeded by Cosimo Ridolfi (1794-1865). At the same time, owing to Tuscany’s new status and the establishment of the new Institute for Higher Education (Istituto di Studi Superiori) in Florence, the Museum was incorporated into the Institute as its Physical and Natural Sciences Department and thus placed under ministerial authority and supervision, (CONTARDI, 2009, BARBAGLI, 2009). Ridolfi pursued the work begun by Antinori. The Museum compiled new inventories of its collections, gradually recording additions and new acquisitions. Ridolfi shared his predecessor’s belief in education as essential for training generations to act for the good of the State. He put this belief into practice not only in the Museum, but also by establishing schools that would produce knowledgeable farmers, emancipated from ignorance and poverty, thanks to the invention of modern farming machines. In Ridolfi’s five years as director, his scientific interests—focused on electromagnetism and the popularization of science—fostered the expansion of
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significant sections of the Museum. Gaps in the physics collection, for example, were filled by the acquisition of electromagnetic machines, tubes, and demonstration instruments, mostly obtained abroad (MINIATI, 2009). At Ridolfi’s death, Filippo Parlatore (1816-1877), a famous botanist and traveler, was appointed “Acting Director and Chairman of Physical and Natural Sciences Department of the Institute for Higher Education.” He occupied both positions for few months, when Carlo Matteucci (1811-1868), Minister of Education since 1862, also became Museum director (MINIATI, 2012). Although rather brief, Matteucci’s tenure was significant for the value he attached to the Museum as keeper of the glorious memories of the Italian scientific tradition. The conservation of Galileo’s instruments, the glass instruments of the Accademia del Cimento, and the Renaissance measuring devices “entitled” Florence to the privilege of hosting institutions dedicated to the history of science. At Matteucci’s death, Parlatore was reappointed director, and he remained at the head of the Museum until 1877, assisted by Ferdinando Meucci (1823-1893), who played a vital role in arranging and curating the collections. Meucci joined the Museum in 1844 as a contract worker in the Archive. In the 1870s, he recommended acquisitions, promoted restoration work, and kept constant watch over the Museum’s affairs and the condition of its collections. In 1872, officials decided to transfer some of the natural-history collections to Piazza San Marco, where the Institute’s administrative offices were located.The Schools of Physics, Chemistry, Physiology, and Anthropology, together with their laboratories, had already moved.The Museum’s former building continued to house the old physical and astronomical instruments and the zoological and botanical collections.The Museum was open to the public, with free entrance, only on Tuesdays, Thursdays, and Saturdays. Also in 1872, thanks to the efforts of the astronomer Giovanni Battista Donati, the Observatory moved to its new facility at Arcetri. From this hilltop location, one could perform astronomical observations without the inconvenience of restricted horizons and ground vibrations. In 1874, Parlatore decided the reorganization of the collections, with the distinction between teaching materials for the professorships and old artifacts unsuited for educational purposes. He defined the Museum’s new profile: the institution effectively became a Museum of Ancient Instruments, a repository clearly distinct from the scientific laboratory of the Lorraine period. This transformation was confirmed in 1875 by Parlatore himself, who suggested small labels for every object with the exact listing of its provenance and date, its inventory number, and all the information useful for its full identification. That same year, the astronomical observatory and the meteorological observatory, which had remained in the main building, were separated institutionally as well. Between 1876 and 1877, after an eleven-month restoration, Santucci’s large armillary sphere was added to the Museum’s holdings. The “battered” sphere had been cleaned with reagents, and only the stand and the external sphere had been “refurbished.” In his reports on the work performed, Meucci proudly described as a total novelty the fact that the armillae had not been repainted, but that the original had been recovered exclusively thanks to cleaning. Meucci also proposed the acquisition, immediately approved, of a very old Arab celestial globe, and of a small group of instruments by Giovan Battista Amici offered to the Museum. Over the years, the Museum often participated in shows in Italy and abroad, sending large numbers of precious objects every time. After Parlatore’s
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death, Meucci became effectively responsible for all of the Museum’s activities, although the official head was the Dean of the Physical and Natural Sciences Department of the Royal Institute of Higher Education. Meucci’s work at the Museum involved an intensive daily routine of curating the collections, commissioning restorations, proposing new acquisitions, and receiving gifts. These gifts, as well as other accessions and work programs completed, were often mentioned by Meucci in the letters and reports regularly submitted, in his capacity as curator of the collections, to the Institute for Higher Education, which had authority over the Museum. One of the operations that involved Meucci in delicate negotiations was the purchase of the Galilean clock built by Eustachio Porcellotti. The Florentine clock-maker copied the recently rediscovered drawing by Vincenzo Galilei and Vincenzo Viviani. In 1860, he built an iron model of the clock, which the Museum acquired. Porcellotti then continued to study the documents until he was able to produce an actual replica of the clock, complete in every detail. He offered it to the Museum.4 A few years later, the clock-maker’s services were requested again for the production of a second copy of the clock, which was delivered to the Museum and forwarded to the Science and Art Department in South Kensington, London, which had asked for it. In the same period, applying principles inconceivable today, Meucci sought to put ancient and disused devices in operation again, irrespective of the period to which they belonged and their status as “historical objects.” The Museum made a major addition to its holdings by purchasing the instruments formerly owned by the scientist Vincenzo Viviani, Galileo’s last disciple.Viviani had died in 1703, leaving his possessions to the Santa Maria Nuova Hospital (Arcispedale) in Florence. Meucci catalogued the material and picked the most significant items. Along with the Viviani instruments, the Museum accessioned globes and spheres preserved in the Hospital library, for which Antonio Roiti (1843-1921), professor of physics at the Royal Institute of Higher Education and Dean of the Science Department, had compiled a list in the wake of Meucci’s inventory5. Meucci did not live to see these new acquisitions, for he died in 1893. He had worked unstintingly until his final years, and the profile of the Museum of Ancient Instruments was unquestionably his creation. Despite the Museum’s strong commitment and its participation in national and international events where its instruments had been admired by many visitors, conditions at the Museum in the late nineteenth century were not ideal. Meucci had often lamented the fact that the Tribuna would flood “with every downpour,” the windows were dirty, and the air was so cold as to “cause shriveled visitors to flee.” He could rely on only one employee—and there were more than a thousand objects to preserve and curate. The truth is that interest in historical and obsolete instruments had faded considerably. By contrast to the visibility of the Medici and Lorraine collections achieved in the London and Paris exhibitions, the same objects in the Florence Museum were becoming ever more marginal. While natural-history collections were also serving an educational purpose in the relevant university-level 4 In November 1878, Meucci asked for permission to purchase it. In his request, he recounted the history of the instrument’s construction, explained its importance, and stressed its connection with the Museum’s collection of historic artifacts. It thus fell to Meucci to publicize the acquisition, both among specialists and through articles for the general public, which appeared in the Florence daily La Nazione. 5 To this day, the Museo Galileo’s current inventory identifies these instruments by their numbers in the Roiti list.
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institutions, the instruments remaining in the Specola seemed fated to slide into oblivion. The deterioration of so valuable a heritage would not become a public issue until the 1920s. In a report to the National Congress of the Society for the History of Medical and Natural Sciences in Bologna in 1922, Andrea Corsini (1875-1961) denounced the shabby condition of the collections of old instruments, hidden away in basements when no longer used, covered in dust and forgotten. His presentation triggered a revival of interest that shortly led to the formation of a “Group for the protection of the national scientific heritage” in Florence. Besides Corsini himself, members included leading cultural figures of the day such as the physicist Antonio Garbasso and Prince Piero Ginori Conti. The Group established the Institute for the History of Science, with offices at the School of Medicine in Via degli Alfani. Officially recognized in 1927 (BAROCELLI, BUCCIANTINI, 1990; BUCCIANTINI, 2012) the Institute was incorporated into the University with the task of gathering, cataloguing, and restoring hitherto scattered historical scientific apparatuses, which would then be collected and preserved. The Santa Maria Nuova Hospital—which had previously sold the objects from the Viviani bequest to the Museum of Ancient Instruments—immediately handed over a large part of its historical holdings to the newborn Institute. They included the set of eighteenth-century surgical instruments designed by Giovanni Alessandro Brambilla and fabricated by the cutler Joseph Malliard, and some eighteenth-century mortars and old microscopes no longer in use. These accessions constituted the first nucleus of material to which were gradually added the other objects that now form the Museo Galileo’s collections. Other collections in 19th century Florence and elsewhere in Italy In the middle of the 19th century, the Grand Duke Leopold II (17971870) inaugurated in Florence the technical School, which should provide a technical and scientific preparation to new professional figures in the fields of agriculture, arts, crafts and industry. The mathematician Filippo Corridi (18061877) was is Director until 1859. He acquired un enormous amount of didactic apparatus, natural specimen, and scientific books.The school became an efficient polytechnic institute, growing during the years, thanks to the high quality of the teachers, which increased the number of the students. The school exists today and the historical collections are preserved by the Fondazione Scienza e Tecnica, which was born in 1987 to promote scientific an technical culture, and preserve this unique patrimony (BRENNI, 2009; GIATTI, LOTTI, 2006). In the same second half of the 19th century other collectors lived in Florence: Herbert Percy Horne, who collected Renaissance paintings, furniture and scientific instruments, which were entailed to the Italian State, when he died in 1916 (BERTANI, 2001); Frederick Stibbert, painter and traveller, collected arms, ceramics, clocks and other objects, and his palace, with his complete collection is now a public museum (DI MARCO, 2008; FUCHS, DI MARCO, 2003); Jean Louis Carrand, from Lyon, had a large collection of ivories, fabrics, jewelleries and also of a small group of scientific instruments, and left it to the Florentine Museo Nazionale del Bargello. (Barocchi, Bertelà 1989; Miniati 1991).
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Cosmometro Bargello Recto
Orologio Solare Horne
Just a short mention to Italy: the brothers Fausto and Giuseppe Bagatti Valsecchi, in Milan, created in the nineteenth century a house-museum (which still exists) in the center of the city. The museum (now in public ownership) has a big quantity of furniture, paintings, and also precious scientific instruments (MINIATI, 2003). In Milan there is also the Museo Poldi Pezzoli, which originates from the collection of Gian Giacomo Poldi Pezzoli (1822-1879). It was enlarged in the years thanks to donations: Bruno Falck (1973) has endowed it with precious watches and clocks, and Piero Portaluppi (1978), with sundials (Brusa, Gregorietti, Tomba 1981). Let me add a short reference to Giorgio Roster (1843-1927), doctor and expert in meteorology, and famous for his research on photography and botany. Between 1895 and 1896 he created the Giardino dell’Ottonella, in the Island of Elba, with more than 700 exemplars of exotic plants, which is still existing6. (BERNARCCHINI, 2007) From the Istituto e Museo di Storia della Scienza to the Museo Galileo In 1930 the Institute for the History of science became Institute with museum, because it was moved to the new building not far from the Uffizi Gallery, in which it is located today. It received instruments from La Specola, that is the Medicis and Lorraine collections. Andrea Corsini was named its first director and he organized the galleries of the material. After few years, in 1942, Maria Luisa Bonelli (1917-1981) was named Keeper of the Institute and Museum of the History of Science. Her knowledge of the Museum and scientific instruments grew “on the job,” day after day, in step with her work in progress. She found crucial support—to which she repeatedly paid tribute—in Pietro Pagnini (1875-1955), an engineer deeply versed in scientific instruments and a close collaborator of the Museum.(BERETTA, 2012)7 After the war and the massive reconstruction effort, the catalogue prepared by Pagnini, who wrote the 6 Roster collected also minerals, and thousands of them are today preserved at the Museo di Mineralogia of the University of Florence. 7
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technical descriptions of the instruments, and by Bonelli, as Keeper, marked a milestone toward establishing the Museum’s visibility far beyond the city boundaries. Although Andrea Corsini was officially Director, Maria Luisa Bonelli personally conducted an intensive correspondence and maintained contacts at various levels with other Italian and international institutions, private collectors, specialists, scholars, and enthusiasts. She did not have a scientific background but was trained in the humanities. She saw the Museum as a treasure-house of memories to protect, showcase, and preserve. As a result, when she succeeded Corsini as Director in 1961, she set out to reorganize the exhibits in a less celebratory and more historical manner. She was convinced at the time—and would remain so all her life—that the Museum was unique and that its strength lay precisely in this status. The Museum was the world’s sole depository of the Medici and Lorraine collections, of the relics of Galileo and the Accademia del Cimento, of instruments that had always belonged to Florence. Every object had a history that could be reconstructed, each could be reconnected to the life of the Court, to episodes in the city’s history, and to the history of collecting. Her training in the humanities impelled her to study documentary sources and conduct archival research that would enable her to identify the objects and trace their history back to their origins. Appointed Honorary Inspector for the research and conservation of historical documents in science and technology, first for the Province of Florence, then for all of Italy, Bonelli scoured the country for material to salvage and restore. In some cases, she managed not only to recover instruments and artifacts, but also to transfer them to the Florence Museum. As Director, Maria Luisa Bonelli had her distinctive working method, imbued with uncommon energy and liveliness. She wrote many letters; she sent articles to local newspapers picking fights with journalists who did not hold the Museum in proper esteem; she published other articles in specialized journals, in a constant effort to raise awareness of her institution, to make it appreciated, and to advertise the wonders it contained. Her essays—at times just a few pages long, always easy to read— were designed to familiarize a rather diverse public with scientific instruments and their significance. The 1966 flood seemed to spell the end of the institution, which was so close to the Arno and so severely struck when the river overflowed. However, thanks to the Director’s network of contacts, and also thanks to the awareness of the Museum’s existence even abroad, significant help—both financial and physical—arrived from all over the world. People came to dig and to assist in other ways.They were soon inducted into the “Academy of the Muddied Ones,” which Bonelli herself, recently married to the astronomer Guglielmo Righini, had just founded. In her tireless manner, Bonelli Righini saw the catastrophe caused by the flood as an opportunity to revitalize the institution and establish further ties with specialists and technical experts. These contacts were aimed at launching a collective effort to salvage, restructure, and renovate the Museum that Corsini had created slightly over thirty years earlier. Thus, the event that could have terminated the Museum of the History of Science instead marked its new beginning and thorough transformation. The Museum reopened with a temporary layout in 1968, and the new installation was completed in 1976. The first floor still housed the Medici collection: cases from the previous installation were flanked by new cases with frames made of brass or other me-
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tals. The cases for the Cimento glassware were fitted with sliding glass doors to minimize vibrations and ensure a tighter closing. The new set-up also included the cases from the Lorraine period. One series, made of painted green wood, was placed along one of the walls in the cosmography room to display astrolabes and quadrants. Another series, made of elegant marbled wood, was installed in the optics room to house a large array of microscopes, kaleidoscopes, and stereoscopic viewers. In the large mechanics room, a reproduction of the lunette in the Tribuna di Galileo depicting the experiment of the inclined plane was placed above the model of that instrument and the entire space was filled with machines large and small, unprotected and ready to be set in motion so as to offer practical demonstrations to visitors. The second floor was entirely new in every way: visitors were greeted in the first room with the muted sound of classical music, the wall-to-wall beige carpeting of the entire second floor muffled the footsteps and, together with the warm diffuse light, immediately created an elegant, soothing, and captivating atmosphere. Just as the first floor was primarily devoted to the Medici collection, so the second floor housed the Lorraine collection, largely salvaged from the flood, restored, and made viewable again. But the first room of the second floor was different. Called the “Book-Instrument Room,” it exhibited instruments, mostly from the Medici collection, accompanied by early texts that illustrated their functions or recalled their original purpose. It was, in a sense, a presentation of the Institute and Museum of the History of Science: texts and objects interacted, because instruments did not “speak” without the texts that explained them, and because only bibliographical research—i.e., investigations of printed sources—allowed a full reading of the instruments on view. The room exemplified the “museum to browse” often mentioned by Bonelli, a museum that would resemble an early scientific book, offering the subtle and persistent pleasure that only original documents can give. (MINIATI, 2012) The ten rooms of the second floor were occupied not only by the salvaged Lorraine instruments, but also by the precious library of old books from the Istituto di Fisica (Physics Institute), deposited many years previously at the Museum. On the ground floor, where she had installed the secretarial office and the modern library, she had refurbished the modest pied-à-terre that she had been using even before the flood. The ground floor also housed the chemistry collections, the pharmaceutical jars, and the reconstruction of an alchemical laboratory complete with retorts, stills, and a crocodile suspended from the ceiling. Other objects included weights and measures from different periods, scales and steelyards, and a few clock mechanisms.The fine collection of vintage bicycles completed the ground-floor displays8. The third floor—partly occupied at the time by the Deputazione di Storia Patria per la Toscana (a Tuscan history commission)—was made accessible to visitors. In October 1977, a room was set up for screening slideshows on the history of the collections and documentaries on the most complex instruments. A second room was occupied by the planetarium built by Officine Galileo and 8 Over the years, the ground floor was enhanced with other exhibit themes. The basement housed the teatrini (mini-theaters) and a section on Leonardo. Other enhancements included a laser used for teaching purposes to demonstrate the calculation of the Earth-Moon distance, holograms produced by the Istituto Nazionale di Ottica (National Optics Institute), and some old looms, acquired by the Director from a nuns’ convent near Assisi.
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donated to the Museum by the Tourism Office in 1978. Here, astronomers from the Arcetri Observatory gave lectures on their field for classes from all grades. The roof terrace housed, since 1951, the Targioni Tozzetti mineral collection deposited by the Mineralogy Institute of the University of Florence. It was also used for temporary exhibits, congresses, and dinners held by societies that applied for permission—providing additional revenue for the Museum. In 1976, the Director founded Annali dell’Istituto e Museo di Storia della Scienza, a semi-annual journal primarily focused on scientific instruments, with contributions by Italian and foreign scholars. In the same years, the Museum prepared typewritten guides in four languages that visitors could borrow during their tour. It also issued a series of booklets on “book-instrument” topics. Each title was edited by a specialist and dedicated to a specific device, with a description of its history and use. Some booklets were even accompanied by replicas of the objects that were made with ordinary materials but worked perfectly.9 In the late 1970s, the large Medici exhibitions promoted by the Council of Europe under the title of “Florence and the Tuscany of the Medici in Sixteenth-Century Europe” offered a major opportunity for the Museum. Starting in March 1980, it hosted the section on “Astrology, Magic, and Alchemy in the Florentine and European Renaissance,” installed on the roof terrace. (ZAMBELLI, 1980)10 The many visitors who flocked to Florence in those months had occasion to discover the Museum, whose attendance rate began to rise significantly. In 1979, Maria Luisa Righini Bonelli was awarded by the Sarton Medal. She was the first Italian to receive the prestigious prize, which enhanced the worldwide status of studies and research on historical scientific instruments. Unfortunately in December 1981, she died after a long illness, and the Rector of the University of Florence, acting on the proposal of the Museum’s Board, appointed Paolo Galluzzi to succeed her as Director. A university lecturer, Galluzzi was already a member of the editorial board of Annali dell’Istituto e Museo di Storia della Scienza. There was no time to take a break. From one day to the next, we11 were all involved in organizing a major event in which the Museum was entrusted with a leading role: the 350th anniversary of Galileo’s Dialogue Concerning the Two Chief World Systems (1632).The Institute held an international conference that traveled between the three cities associated with Galileo: Pisa, Padua, and Florence (GALLUZZI, 1983).12 Various side events were arranged for scholars including, of course, a tour of the Museum, and special publications were produced. Not all the scholars—many of whom came from abroad—had already visited the Museum. The conference therefore offered a fresh opportunity to promote the Museum, rearranged for the occasion and chosen as the venue for several of the side events. Also in 1983, the Museum began to restructure some of its exhibition rooms. At the same time, the Museum started to hold temporary shows again. In 1985, with the help of specialists and scholars—often volunteering their ser9 For example, L’orologio solare; L’orologio notturno. Other booklets containing instrument models were devoted to Galileo’s astrolabe, Galileo’s drawing compass, anamorphoses, and the “slothful thermometer” (termometro infingardo) of the Accademia del Cimento. 10 The section was curated by the Professor Paola Zambelli. 11 I arrived at the museum in 1979 and remained there until retirement. My title at the time was Scientific Secretary in charge of research and studies on the documents preserved in the historical archive. Increasingly, however, I acted as Curator of the Museum’s scientific instruments until my eventual appointment as Deputy Director. 12 The volume of the proceedings opened with an “informal” reminiscence of Maria Luisa Righini Bonelli by I. Bernard Cohen on behalf of the community of historians of science.
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vices as friends—we launched what became an annual program of small exhibits on our premises devoted to instruments usually not on display, to restored items, or to collections from other museums. In parallel, we mounted larger and far more complex shows, often in locations other than the Museum13. One consistently important factor has been the varied contribution of specialists and scholars to the Institute’s research activities, often resulting in significant publications. Another such collaborative effort was the cataloguing of the instruments and the preparation of a special description form for historical instruments. Initially designed by the Museum, the form was gradually improved until its adoption as a national template with the cooperation of the Ministry of Culture’s Central Institute for Cataloguing and Documentation. Thanks to its growing ties with Italian and foreign institutions, the Museum has taken part in European projects focusing attention on museum issues and scientific instruments. One notable example is EPACT: Scientific Instruments of Medieval and Renaissance Europe,14 a pilot project for the compilation of a database on measuring instruments from the Middle Ages to 1600, in which the British Museum of London, the Museum Boerhaave of Leiden, the Museum of the History of Science of Oxford, and the Institute and Museum of the History of Science of Florence took part. The results are still accessible online. Another example is WorldView Network – Culture 2000, a partnership involving five institutions: Landskrona Kulturförvaltning och Tycho Brahe Museet in Ven (Sweden), the Muzeum Nikolaja Kopernica in Frombork (Poland), the Národní Technické Muzeum in Prague (Czech Republic), the National Trust of Woolsthorpe Manor (United Kingdom), and the Florentine Museum . Each of these institutions represented an astronomer: Tycho Brahe, Copernicus, Kepler, Newton and Galileo respectively.15 These projects have made it possible to study certain measuring instruments in greater depth, broaden research on scientists of the past, and intensify cooperation between specialists in various fields. They have produced congresses and exhibitions, as well as fostering ties that have strengthened over the years even beyond the boundaries of the projects and independently of them. The Institute’s intense research activity also had an impact on the organization of the Museum. New studies led to new attributions for certain instruments, archival investigations added to the information on our collection, and the growing contacts with Italian and international institutions made the Museum an increasingly active node in a wide network of cooperative ventures on specific topics. While research and scholarship forged ahead, however, the Museum was faced with ever more pressing practical issues. By the mid-1980s, the need for compliance with safety and fire-prevention standards obliged the Museum to refurbish the first floor, which was closed in 1986, while the second floor remained open to the public.The illustrated panels were a true novelty. Previously, the only information sources for visitors were self-guide cards. Now, panels placed in every room gave an introduction to the room theme and a detailed description of the types of instruments on view, with relevant illustrations. Information 13 Some of these events have been so successful that they have traveled to prestigious venues in Italy and abroad. 14 See http://www.mhs.ox.ac.uk/epact/. 15 The WorldView Network project culminated in the preparation of the show entitled “Machina Mundi: Images and Measures of the Cosmos from Copernicus to Newton,” which traveled in the five partner countries. See http://brunelleschi.imss.fi.it/machinamundi/index.html.
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technology was not yet available, and these images consisted simply of photographs pasted directly on the panels. The first floor thus refurbished was reopened in 1987 with the show entitled “The Age of Galileo.” (MINIATI, 1987) The next objective was the second floor. The most ambitious plan involved not just a basic modernization, but an entirely redesigned installation with display cases that would meet higher conservation standards and enhance the presentation of the objects. The second floor was completed in 1991. The new exhibition design resembled that of the first floor in graphic and educational terms, but differed in its physical layout and lighting systems. On the first floor, no two display cases were alike, as nearly all of them were inherited from the previous installation and simply refurbished—or, if new, they had been built to resemble the others as closely as possible. On the second floor, instead, all the cases were new and of uniform appearance.They were designed for the conservation of the objects. Some of the display units could actually serve as storage for items not on view. As on the first floor, each room of the second floor had been curated by a specialist who had selected the objects, prepared the panel and label texts, and written essays and descriptions for the new, complete catalogue of the Museum (MINIATI, 1991). This arrangement remained unchanged until a few years ago. The panels with pasted photographs did not hold up well over the years, and the lack of computer resources became an ever more glaring deficiency. Research allowed new attributions of objects, while the development of multimedia systems offered previously unthinkable communication opportunities, which had to be factored into future plans for the Museum. In 2010 the museum changed completely: new exhibitions galleries, new name, new multimedia applications.
Nuove Vetrine Cimento
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Let me conclude with some ‘museological’ consideration. I have always believed, and continue to believe, that the life of a museum revolves around three basic concepts: continuity, innovation, and “betrayal.” For us, ‘continuity’ means appreciating the historical scientific heritage preserved by the Museum, and the unique value of the Medici and Lorraine instruments. ‘Innovation’ focuses on the ways to exhibit and explain that heritage, to make it “speak” and render it intelligible to a contemporary public. “Betrayal” should be understood as the ability to alter a “nineteenth-century” vision of the Museum, transform it, and introduce seemingly discordant elements that break with the past. In my view, the Institute and Museum of the History of Science—now the Museo Galileo—has embodied all three concepts, and that is the reason why its collections are living. References Arti del Medio Evo e del Rinascimento. Omaggio ai Carrand 1889-1989, Firenze: SPES, 1989. BARBAGLI Fausto. “Firenze e le Riunioni preunitarie degli scienziati italiani.” In: MINIATI Mara (ed.), Firenze scienza. Le collezioni, i luoghi e i personaggi dell’Ottocento, Firenze: Edizioni Polistampa, 2009, pp.59-65. _______________ . “Il collezionismo naturalistico nel Museo di Fisica e Storia Naturale di Firenze di metà Ottocento.” In: MINIATI Mara (ed.), Firenze scienza. Le collezioni, i luoghi e i personaggi dell’Ottocento. Firenze: Edizioni Polistampa, 2009, pp.109-117. BAROCCHI, Paola, GAETA BERTELA’. I Carrand e il Collezionismo francese 1820-1888. Firenze: SPES, 1989. BARONCELLI Giovanna, BUCCIANTINI Massimo, “Per una storia delle istituzioni storico-scientifiche in Italia. L’Istituto di storia della scienza di Firenze,” Nuncius. Annali di Storia della Scienza, 1990, 5: 5-52. BARTOLA Alberto, “Alle origini del Museo del Collegio romano. Documenti e testimonianze.” In: Nuncius. Annali di storia della scienza, XIX (2004), fasc. 1, pp. 297-356. BERETTA Marco. “The Museum’s installations beteween 1930 and 1961.” In Displaying Scientific Instruments: from the Medici Wadrobe to the Museo Galileo. Milano, Goppion, Museo Galileo, 2012, pp. 109-115. BERNACCHINI Sabina.“La fotografia e le scienze botaniche.” In: Rivista di storia della fotografia. n.46, 2007, pp. 18-42. BERTANI, Licia, Il Museo Horne: una casa fiorentina del Rinascimento. Firenze: Edizioni della Meridiana, 2001. BONANNI Filippo, Musaeum Kircherianum sive Musaeum a p. Athanasio Kirchero incoeptum nuper restitutum, auctum, descriptum, et iconibus illustratum, Romae: Georg Plach, 1709. BRENNI, Paolo. Il Gabinetto di fisica dell’Istituto Tecnico Toscano. Guida alla visita, Firenze: Polistampa, 2009. BRUSA, Giuseppe, GREGORIETTI Guido, TOMBA, Tullio. Orologi-Oreficerie. Milano: Electa, 1981. BUCCIANTINI Massimo, “Before 1929”. In: F. Camerota (ed.), Displaying Scien-
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Artigo recebido em janeiro de 2016. Aprovado em abril de 2016
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THE SCHOOL OF BOTANY IN THE BRUSSELS BOTANIC GARDEN AND ITS SUCESSOR (1797-… : FROM CENTRE TO MARGINS
Dr Denis Diagre-Vanderpelen1 ABSTRACT This work sketches the history of the School of (Systematic) Botany that was planted in the Brussels Botanic Garden since its early establishment in 1797 to our days. It depicts the changes that were brought to this very peculiar areaas well as the evolving attention it underwent under the gun of several factors. These factors not only included switches in scientific paradigms, but political changes also, changes in mentalities, among other things, that impacted the Belgian society. As a case study, the following pages tend to focus on local situations and sources. In addition it intends to encourage further studies not merely on the Schools of Botany and the different kinds of botanic gardens they were embedded in, but on the other types of Schools that surfaced with time and the roles they were given too. KEYWORDS School of Systematic Botany; Brussels Botanic Garden; XVIII century; Botanic Gardens.
1 Chercheur de la Fédération Wallonie - Bruxelles, Nieuwlaan, 38, B - 1860, Meise, Belgique. Free University of Brussels (U.L.B.) ; Centre National d’Histoire des Sciences (Belgium).
Denis Diagre-Vanderpelen
Introduction Comprehensive studies about the history of botanic gardens were uncommon a couple of decades ago. Since then,outstanding works have been written and have unveiled the long-lasting, yet overlooked, importance of scientific institutions and their collections not solely for the history of knowledge, science and what Pierre Bourdieu called the « champs », but for the history of mentalities, economic development, colonisation, universities and society in general as well2. The present contribution does not intend to depict the complete story of a European Capital botanic garden. Instead, it wishes to describe the evolution of a particular area that once embodied the botanic gardens and which is hardly visited today: the School of Systematics or School of Botany.We will suggest that the evolution of the roles and the symbolic place given to the School of Botany – and to other schools that gradually sided it – reflects the unfolding of botanical science, the emergence of new questions and research programmes, democratisation of society, changes in attitudes and, actually, the past an present of taxonomy. Our work was made possible thanks to the Botanic Garden Meise’s extensive collections of memoirs, pamphlets, journals, old printed catalogues and guides to worldwide botanic gardens. We read a considerable amount of them to taste the atmosphere and enter the world of botanic gardens as they were one or two centuries ago3. A huge amount of archives kept in the same institution, formerly known as the National Botanic Garden of Belgium, was another major and valuable source of information. In 1795, France annexed the soon-to-be Belgium. The history of this very institution began shortly after and extends to our days. In the long run, the Botanic Garden and its School of Botany made several turns and twists to adapt to the developments in science and science policies, to the institutional and political evolutions and to the problems and changing requirements of the Belgian society4. 2 See, for instance :Letouzey, Y., Le Jardin des plantes à la croisée des chemins avec André Thouin (17471824), Editions du Muséum de Paris, Paris, 1989, 678 p. ; Mickulas, P., Britton’s botanical empire : The New Botanical Garden and the American Botany, 1888-1929, NYBG Press, NY, 2007, 317 p. ; Spary, E., Le spectacle de la nature : contrôle du public et vision républicaine dans le Muséum jacobin in : Le Muséum au premier siècle de son histoire, Editions du Muséum National d’Histoire Naturelle, Paris, 1997, p. 457-479 ; Spary, E., Le jardin d’utopie, l’histoire naturelle en France de l’Ancien Régime à la Révolution, Editions du Muséum National d’Histoire Naturelle, Paris, 2005, 407 p. ; Mc Cracken, D.P., Gardens of Empire. 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Official Guide to the Royal Botanic Gardens and Arboretum, 29th Edition, London, 1885, 184 p.;Tableau de l’Ecole de Botanique du Jardin du Roi, par Monsieur Desfontaines, seconde édition, Paris, J.A. Brosson, 1815, 274 p. ; Tableau de l’Ecole de botanique systématique, Jardin botanique de l’Etat à Bruxelles, s.d. ; The Belgian State Botanical Garden, Brussels, Fred. Tilbury (English Printer), 1904, 30 p. ; The Montreal Botanical Garden, Montreal, s.d. (1947), 24 p. ; Trimen, H., Hand-Guide to the Royal Botanic Gardens, Péradeniya, 4th edition, Colombo, 1894, 40 p. ; Smith, H. H., Some European Botanical Gardens, 1924, p. 149-186. ;Van Heurck, H., Situation du Jardin botanique d’Anvers en 1878, Rapport présenté par le Directeur au Conseil communal, Anvers, 1878, 8 p. 4 Diagre-Vanderpelen, D., The Botanic Garden of Brussels (1826-1912) : Reflection of a changing nation, National Botanic Garden of Belgium, Meise, 2011, 312 p. Also in French : Le Jardin botanique de Bruxelles,
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The School Of Botany In The Brussels Botanic Garden (1797-…): From Centre To Margins
In a nutshell, we shall try to outline several pole shifts – or pole multiplications? – which occurred not just in the international scientific community but also on the Belgian political, social and botanical scene, giving by the way another perspective on the School of Botany.
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A garden for the brain or for the stomach ? Before the creation of the « Ecole centrale » of the Dyle Department by the French Directoire in 17975, there was no botanic garden in Brussels. The French Ecoles centrales were supposed to offer a good education in sciences, including botany.Thus, the capital cities of the Departments that would later make up Belgium all had their own small botanic garden.As places devoted to education, those botanic gardens were provided with a « Jardin des Plantes » which included a School of Systematic Botany, or « Ecole de Botanique ». In Brussels, it was planted by AdrienDekin6 as early as An VI, i.e. 1797 or 1798. Even though the Linnean system had been adopted by most Central Schools7, in Brussels the School followed the system of the natural families, at least from 18098. Anyway, too heavy costs caused the French administrations to abandon the Ecoles centrales as early as1802. As a consequence, in Brussels like in other cities of the French Empire, the botanic garden was then left to the care of the City administration9. Apparently with success since Bory de Saint Vincent (1778-1846), who visited it, wrote : « In Brussels, one must initially favour the School of Botany (…)10. » There is one important question to deal with : Who in this early XIXth Century walked down the beds of the Brussels botanic garden? It seems that the « teinturiers » (dyers) and « dessinateurs » (drawers and painters) of the local manufactures and the students of the Medical School of Brussels were the most committed visitors to the School of Botany11. While the first ones should pay attention to the attractive and exotic species for their creative and practical jobs, the students should walk down the beds of the School of Systematics in order to sharpen their knowledge in medicinal and poisonous plants. Yet, correspondences between the City administrators show that the so-called « Jardin des Plantes » was far from flawless and looked rather obsolete or inadequate. In 1818, for instance, Minister Repelaer van Driel claimed that the premises were too small « to change it into a garden of botany »12. Then three years later, due to severe lack of space in the school of botany, someone suggested to prioritise the needs of the students of the local Medical school13. Hence was it advised to keep genera and species only, while « varieties » would be rejected from the systematic collection. Shortly before 1820, the lack of space, the greenhouses’ fixing costs and the expansion of the City all made the situation of the small botanic garden very uncomfortable14and several people began to plead for a new, modern botanical 1826-1912. Reflet de la Belgique, enfant de l’Afrique, Académie Royale de Belgique. Classe des Sciences, Bruxelles, 2012, 296 p. 5 De Vreught, J., L’enseignement secondaire à Bruxelles sous le Régime français : l’Ecole centrale - le Lycée, in : Annales de la Société royale d’Archéologie de Bruxelles, 42, 1938, p. 5-134. 6 Bory de Saint-Vincent ; Drapiez, P.-A. ; Van Mons, Annales générales des Sciences physiques, Bruxelles, t. 1, 1819, p. XXXVI. 7Duris, Pascal, L’enseignement de l’histoire naturelle dans les écoles centrales (1795-1802), in Revue d’histoire des sciences, 1996, tome 49, n°1, p. 40-42. 8 Crocq, A.J., Tableau synoptique du Jardin des Plantes de Bruxelles, Bruxelles, s.d. 9 Diagre-Vanderpelen, The Botanic Garden… op. cit., p. 18-19. 10« A Bruxelles, on doit placer en première ligne l’école de botanique (…) ». See : Bory de Saint-Vincent ; Drapiez, P.-A. ;Van Mons, Annales générales des Sciences physiques, Bruxelles, t. 1, 1819, p. XXXVI. 11A.V.B. [Brussels City Archives, Brussels], IP, n° 103, 1ère série, D1, 22/12/1806. 12 A.V.B., IP, n°99, 25/03/1818. 13A.V.B., IP, n°99, Anonymous report on the Botanic Garden, s.d. 14 Bory de Saint-Vincent ; Drapiez, P.-A. ;Van Mons, Annales générales des Sciences physiques, Bruxelles, t.
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institution in Brussels15. At this occasion, one notices the importance given to botanic gardens, markers of modernity and civilisation. No such European city at that time would do without that tremendous place dedicated to both leisure and « instruction »16. To those who wanted a new Botanic Garden in Brussels, the next one should be able to educate people « in the art, a necessity by now, of cultivating food and medicinal plants as well as ornemental ones »17. It wasn’t long before a team of Brussels bourgeois decided to make the move towards what was regarded as modernity. In 1826 they released a prospectus to boast their project and gather the funds it required. This 7 pages pamphlet strategically unveiled the main aim of the soon-to-be created botanic garden : achieve economical independence from other nations by growing plants and products that should otherwise be imported18. This reflected the concerns of the leading-class of the Kingdom of Netherlands– manufacturers and merchants –, which then included Belgium. To succeed, the founders of the company – the Société royale d’Horticulture des Pays-Bas – enumerated the most important features of the next botanic garden.The creation of a « complete school of systematic botany, of a school of horticulture and of a school of forestry » came in first place19. While the school of systematics might be regarded as fully dedicated to pure science – the science of classification – historical sources tend to show that it was still mainly designed to support the students of the Brussels medical school. As such, the forthcoming School of Systematics was of the same « utilitarian » nature as the other schools the founders of the company intended to create (the School of Horticulture and the School of Forestry).The down-to-earth, very practical mentality of the founders, of the local and royal administrations that were expected to support the company, and of the expected shareholders as well, was materialised in these priorities. Then, to make the project even more appealing, the Botanic Garden would conduct trials to develop viticulture and silk industry in the country and, last but not least, to provide the social elites and the City of Brussels with a lovely place to mingle20. In a nutshell, the new botanic garden was created using new typical bourgeois means – a company – and fostered or embodied some of the most important bourgeois values of its time21. In 1826, the company was a reality. The Board had secured annual subsidies from national and local administrations. The royal family had bought shares, which led the local elites to follow the path the King had paved. Soon works began on the charming estate that the Board had purchased right next to the city limits.The following year though, one of the founders deplored that the School of botany had not yet been planted. A member of the Board and the head gardener were immediately asked to proceed22. One must notice that the circular pattern was chosen to echo the rotunda of the main building. Systematics and elegance walked hand in hand to make the Botanic Garden a place where reason and dream unite.The new institution was inaugurated in August1829, some weeks before the School of Botany was properly labelled23. 1, 1819, p. XXXVI. 15 Diagre-Vanderpelen, D., The Botanic Garden… op. cit., p. 18-19. 16 A.V.B., IP, n°99, 25/03/1818. 17« dans l’art devenu nécessaire de cultiver les plantes alimentaires et médicamenteuses comme celles d’agrément ». See : A.V.B.,TP, n°33419, Letter from Pollart de Canivris to the Brussels Regency, 29/09/1824. 18Société Royale d’Horticulture des Pays-Bas, à Bruxelles, s.d.[1826], p.3. 19Société Royale d’Horticulture des Pays-Bas, à Bruxelles, s.d.[1826], p.4. 20Société Royale d’Horticulture des Pays-Bas, à Bruxelles, s.d.[1826], p.5. 21 Diagre-Vanderpelen, D., The Botanic Garden… op. cit., p. 114-119. 22 A.S.R.H.[Archives of the Royal Horticultural Society], Minutes of the B.D., vol .1, 16/08/1827. 23 A.S.R.H., Minutes of the B.D., vol .1, 15/10/1829
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The Brussels Botanic Garden as it used to be in the 1830’s. The circular pattern of the School of Botany was meant to echo the elegant rotunda of the main buildings. From the collection of Maria “Mia” Grosjean, Sag Harbor, NY.
The « Belgian » school of systematics (1830-1870) The first botanic garden of Brussels was created under the French Regime (1795-1814).The second one was created under the reign of William of Orange (1814-1840), King of the Netherlands. But after the Belgian revolution of independence (1830-1831), the company that ran the botanic garden faced a couple of thorny issues. Firstly, its creators and administrators were regarded as supporters of King William of Orange – as « Orangists » – and therefore suspected of antipatriotic tendencies; secondly, due to the national revolution, the Belgian financial situation was rotten and the Chambers were not eager to support those institutions which activities did not seem to bring anything positive to the country as a whole24. And such was the case of the Botanic Garden. On the one hand, because they did not pay any entrance fee, the botanic garden only seemed to favour the shareholders of the company, that is to say the local social elites; on the other hand, the garden so far had never discovered anything that could boost the national economy or soothe the fear of starvation. In short, it was recognised as a mingling place for the local rich and famous, and the company seemed dedicated only to profit through plant sale25.The whole company life – it lasted until 1870 – was marked by suspicions. For that reason, the Board had no other choice but to spend considerable time and energy trying to show the city administration, the Chambers and the ministers that supported the Botanic Garden with mild reluctance, that the institution was helping the development of Belgian economy and science. Moreover, the Board strategically managed to lend or rent the attractive premises to the local elites to promote social life in the capital. Since the aforementioned financial supports were insufficient to 24 Diagre-Vanderpelen, D., The Botanic Garden… op. cit., p. 36-38. 25 Diagre-Vanderpelen, D., The Botanic Garden… op. cit., p. 36-38, 47-49.
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keep the company alive, fancy-fairs, concerts, exhibitions and other commercial activities were always welcomed by the administrators and the shareholders of the Botanic Garden26. But it was not enough : while the Botanic Garden sold thousands of expensive plants in its « Bazar », it must also pretend to experiment with plants (tobacco, barley, potatoes etc.) that could support the national industry or feed the growing Belgian population27. To make the ill-willed politicians less reluctant, the Board also decided to establish a « Museum of Botany ». Despite pure scientific shine, the Museum was mostly designed to inspire Belgian manufacturers. As for the pisciculture installed in the garden in the 1850s, it intended to show the policy makers that the company was a driving force against fish shortage and starvation. Another attraction was the set of aquariums built in the late 1850s. Twenty or so tanks were filled with plants and animals originating from the Belgian sea and rivers and, as such, were supposed to have both didactic and scientific purposes. They surely helped the company to survive the competition with the new Brussels Zoo created some hundreds meters away from the Botanic Garden28. However, to our knowledge this amazing new attraction never prompted any scientific research in the country. Like other creations of the company, the aquariums were established in the Botanic Garden to tease the curiosity of those who would pay to see them… and to please the Brussels City administrations by adding respectability and attractiveness to their City on the European scene. So what was the actual place given to the austere school of botany during the 45 years the company managed to survive ? Archives show that the School suffered serious damage during the battle that occured in Brussels in the early days of the Belgian national revolution and that, three years after the combats, the wounds had not yet healed. The School of botany had been trampled underfoot, leaving taxonomy in a complete mess; the School of Forestry (Arboretum) and the School of Horticulture were in bad shape too. A problematic situation indeed29. We know for a fact that the Prime Minister, who supported the Botanic Garden, was aware that the Chambers would not follow him unless the schools were resurrected. To them, it seemed clear that a Botanic Garden deprived from a good School of Botany would stand on one leg and could never be useful to the City and the nation30. This also appeared in the attempt to franchise the Botanic Garden, in 1835. At this occasion, it is found that one out of three head gardeners would have been entirely devoted to the School of Botany. Although this project was rejected, it tended to prove that, for the Board, the non profit oriented School of Botany really mattered31. In 1836, one founder of the Garden, P.-A. Drapiez (1778-1856) wrote to the City administration that the School of Botany was still lame and that it had been planted following a Linnean pattern. As for the School of Botany following the principles of the Natural Families, he added that it was nowhere to be seen. To him, the Botanic Garden had thus become a mere nursery and had nothing to offer to those who would need or wanted to study botany32. Drapiez’s disappointment also showed in the press: the very same year he published a des26 Diagre-Vanderpelen, D., The Botanic Garden… op. cit., p. 62-64. 27 Diagre-Vanderpelen, D., The Botanic Garden… op. cit., p. 64-68. 28 Diagre-Vanderpelen, D., The Botanic Garden… op. cit., p. 65-66. 29 A.S.R.H., Minutes of the B.D., vol .1, 14/02/1833 and 21/02/1833. 30 A.S.R.H., Minutes of the B.D., vol .1, 14/02/1833 and 21/02/1833. 31 A.S.R.H., Minutes of the B.D., vol .1, 17/12/1835. 32 A.V.B., TP, n°33418, Letter to the City Mayor, 29/06/1837.
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cription of the famous «Etablissement géographique de Bruxelles ». This private institution had recently been created by Philippe Vandermaelen (1765-1869) and extended its expertise to botany and horticulture. One could feel Drapiez’s bitterness and the weaknesses of the Botanic Garden in the way he protrayed the Etablissement géographique and in the mention of its two schools of botany. One followed the Linnean system and the other followed the order of the Natural Families33. But, Drapiez did not grieve alone. In 1838, Louis Van Houtte (1810-1876) the Director (head gardener) begged for plants, and wrote to the Director of the Botanic Garden of Liège « we have naught ». He added : « With your help, our School of Botany would be resurrected.You know too well how it looks : this former battlefield where the winds used to meet has now turned into a cemetery »34. Had the Board not signed an agreement with the City authorities allowing the local students to use the School of Botany freely, the problem might have been less dramatic. When in 1841 the Board asked the Government to double its annual subsidy, it wanted the Ministers to consider the hybrid institution as « public » and « national ». The Board had certainly learned from the past 10 years of recurring discussions in the Chambers about the Garden’s suspected uselessness. Although the School of Botany and the more practical schools were supposed to reveal the Botanic Garden’s attention for public interests, critics kept on hammering. In 1843, for instance, an association of Belgian nurserymen asked the Government to cease the financial support to the Garden. Arguing that they could not compete with a supported-by-the-State garden which also acted commercial, they pinpointed the lack of scientific drive in the institution and its frantic commercial activities. This drift was especially obvious when one looked at the School of Botany. The complainants insisted that this most crucial part of a scientific garden – according to them, at least – « looks, every summer, like a battlefield where lie the dead bodies of even the toughest plants (…) and where labels looks like gravestones erected by pious hands »35.The Board refuted vigourously… but, the very same year, it began to reorganise the School of Botany from top to bottom36. Despite ups and downs in the course of its chaotic life, criticism on the scientific weaknesses of the Company’s Botanic Garden never ceased. The Board, until the ultimate death of the Company in 1870, did its best to give the institution a scientific shine and lure the City administrations, the Ministers and the Chambers. Still, it never worked too well. The would-be National Botanic Garden only survived its poor scientific reputation thanks to the social role it played in the Capital and to the symbolic plus to the City37. As for the School of Botany, several documents reveal that it did not complete its mission assigned by the local University and the City administration. As soon as 1837, if not before, Professor George, from the University of Brussels, argued that Brussels lacked a sound School of Botany with a full-time gardener dedicated to it and able to provide him and his students with samples for the Botany and Plant Physiology lessons38. In 1845, he complained again that the 33 Drapiez, Lettre sur l’Etablissement géographique de Bruxelles fondé en 1830 par Philippe Vandermaelen, Bruxelles, 1836, p. 28-29. 34 A.R.S.H., n°253, Letter to Ch. Morren, 05/03/1838. 35 N°1 des publications de la Société des Horticulteurs belges, Gand, 1843, p. 13. 36 A.S.R.H., Minutes of the B.D., vol .2, 04/10/1843. 37 Diagre-Vanderpelen, D., The Botanic Garden… op. cit., p.109-119. 38 Archives of the Free University of Brussels (U.L.B.), Minutes of the B.D. , t.1, 1834-1840, n°168 (16/11/1837).
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short-on-time gardeners were not eager to give his students plant cuttings39. That is how, that year, the University of Brussels finally planted its own School of Botany. One should mention that, although the new school design was merely dedicated to the needs of the students in Medicine and Pharmacy, it would also fit the requirements of the students of the Faculty of sciences or anyone who followed the lessons in Botany40. To achieve this, the Professor suggested using the classification system adopted in Paris rather than the one of the Company’s Botanic Garden, unfit for the planned school41. Unfortunately, he did not specify which French institution he was referring to: the famous Museum of Natural History or the Faculty of Medicine? In 1846, the Board of the Company faced bad press once again about the poor labelling that made the School of Botany worthless to science42. Later correspondences tell us that in 1855 the Director of the collections, Henri Galeotti (1814-1858), eventually begged William Hooker (1785-1865) in Kew for « crumbs and surplus » to improve the collection of the Botanic Garden dedicated to instruction43. A similar kind of request was sent to the Director of the Faculty of Medicine in Paris44. In the mid 1860s, while the Company was facing bankruptcy and called the Brussels administration to the rescue, comments on its inadequate scientific collections echoed again. A Paris Head Gardener, Neumann (1800-1858), had been crystal clear on this point45. A new agreement between the City and the Company was finally reached in 1865. Interestingly enough, it insisted on the fact that the Botanic Garden should be open daily, that it must hire a scientific director as soon as possible and that the collections should be at the disposal of the public schools of Brussels46. All this pointed out severe deficiencies. The Botanic Garden was only readily accessible to those who would pay an entrance fee and it failed in scientific robustness for long. A year after the agreement was signed, the President of the University of the Brussels’ Board – also City Mayor – had to ask personally the Company to let the students walk down the School of Botany47, once more. The Company argued that, because it could not afford the costs of a janitor to accompany the students, it was reluctant to let them wander alone in the Garden48. As an important quality marker for the mid-XIXth Century botanic gardens, the School of botany of the Brussels Botanic Garden, as lame and poorly accessible as it were, did nothing to improve the institution’s reputation of unsatisfactory social return. When, in 1870, the shareholders accepted to sell the Botanic Garden to the Belgian State, a big herbarium had already been bought in Germany. This huge dried collection of plants was a priority to Barthélemy Dumortier (1799-1878), the politician and renowned botanist who had supported the project of a real State Botanic Garden in the Chambers. He drew his inspiration from the famous Kew Gardens and their extensive scientific collections, of which the herbarium was the cornerstone. What the future had in store for the School of Botany is unveiled in the second leg of this contribution. 39 A.S.R.H., Minutes of the B.D., vol .2, 15/05/1845. 40 Archives of the Free University of Brussels (U.L.B.), 01 BC-1845, Letter to the B.D., 07/04/1845. 41 Ibidem. 42 A.S.R.H., Minutes of the B.D., vol .2, 04/08/1846. 43 A.S.R.H., Correspondences, t.4, 23/06/1855. 44 A.S.R.H., Correspondences, t.4, Letter to L’Homme, 08/10/1855. 45A.S.R.H., n° 116, Letter from de B.D. to the City administration, 25/4/1865. 46 A.S.R.H., n°116, Text dated from 24/06/1865. 47 A.S.R.H., n°272, Letter to the B.D., 15/09/1866. 48 A.S.R.H., n°116, Letter from the B.D. to the City Mayor, 17/05/1864.
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In this 1873 project the School of Botany has been removed from its symbolic place to small rectangular beds. Due to the opposition from a famous botanist and politician, this project was never realized. Collection de l’Etat fédéral en prêt permanent au Jardin botanique Meise.
The State Botanic Garden The first steps The shareholders of the Company that ran the former botanic garden could have made much more money in selling the property for real estate. Thus, the creation of the State Botanic Garden was some kind of a miracle. From day one, the fledgling State institution was supposed to devote itself mostly to taxonomy and floristics. This tendency reveals itself in the acquisition of the big aforementioned herbarium by the Belgian Government in 1869, even before the place was bought from the shareholders. Dumortier had indeed persuaded his colleagues of the Chambers with the unexpected opportunity to grab the vast collection of the late Filip von Martius (1794-1868) from Munich. His plan was to lay the first stone of his kewesque project in Brussels. In less than 2 years, the dreams of the old fashioned Belgian botanist who paid attention mainly to floristics and taxonomy had come true: Belgium had a tremendous State herbarium, located in a nice building designed for botany in the Capital city of the country. Although the centre of gravity of the Botanic Garden was now the herbarium collections, the School of Botany was not neglected. The early rules of the State Botanic Garden proved it. In both the provisional rules of 1870 and the rules of 1871, the School of Botany, albeit mentioned after most of the other collections kept in the Institution, was dedicated to « grow all the plants necessary to the study of Botany »49. The Curator with the help of an « Assistant-Naturalist » should care for it, under the authority of the Board itself50. Although the School of Botany was supposed to be « open to the public and accessible to anyone who studied botany » from 10 to 12am, and from 2 to 4pm, a card signed by the Director was nevertheless requested for any visit. The rules also stated: « [the School of Botany] is not a place for promenading where ordinary visitors are allowed »51! The prominent status of the School of Botany in the eyes of the president of the Board, at least, was made very clear on several occasions. One of the most 49A.S.R.H., n°193, p.3. 50A.S.R.H., n°193, p.5. 51 A.S.R.H., n°193, p.10.
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significant of all occured in 1871 and lasted no less than 5 years. During an early meeting of the Board in 1871,President Dumortier thus claimed that the School had first been planted following a Linnean pattern, then following the system of de Candolle.To him, it was now scientificallyout of date and, as such, of no use to the students52.The Board agreed with him and the decision was made to enlarge and relocate it elsewhere in the garden. The circular School of Botany that had occupied since 1826 a central part of the Botanic Garden in front of the main neoclassical buildings and echoed the famous rotunda, was condemned to leave the place… This move, as it was then said, was supposed to give the School of Botany extra room and a much better soil.The place where the School used to be would become a « jardin à la française »53. Two years later, Edouard André (1840-1911), a famous French garden architect, came to visit the very place and discuss with the Board the new project he had designed for it. To them, the School of Botany with its patchwork of small beds was simply ugly, especially when viewed from the elegant boulevards surrounding the Botanic Garden54. Yet, someone protested – most probably Dumortier: « [moving the School] means that science will come second to the ornamental point of view in the Botanic Garden »55. As the tone of Dumortier and his contenders was rising, the Minister asked the botany professors of the Belgian universities to give him a scientifically square and fair opinion about what should be done with the School of Botany. They visited the institution, met some members of the Board, assessed the pros and cons of both parties and obtained a balanced opinion. Finally, they suggested to the Minister to transfer the School of Botany, that the ornamental displays of the garden should be changed as to become scattered parts of the School of Botany and to keep the same global appearance for the lovely plateau where the School used to be, yet without taxonomic patterns anymore. Just when one expected Dumortier to be tamed by the soft and academic tone of the survey, he went mad. On this occasion, he clearly expressed his views of a perfect botanic garden and his opinion on the importance of the School of Botany. He said to the Minister: « Why transfer the School of Botany? To please the whim of some hobbyist of the Board for whom the School is a disgrace, that’s all. (…) It is nothing but a whim (…) it is a crime against Science. »
He added : « the School is the open book where Science – the essence of a botanic garden – can be studied, and this is precisely what the hobbyists are unable to understand (…). Hobbyists and gardeners think that knowing the plants names is the sole meaning of botanical science, but they are wrong. Botany aims at sorting plants in classes, families, genera and species. This unveils the affinities between plants (…). The method, that is to say the coordination of the Vegetal Kingdom, is the true purpose of Science (…) »56.
Soon, Dumortier sent his own personal plan for the Botanic Garden to the Minister. The administration of the Home Office warned the Minister : should Dumortier’s project be approved, the central part of the Botanic Garden – the 52 A.J.B. [Archives of the Botanic Garden], n°1, Minutes of the Supervisory Board, 02/03/1871. 53 A.J.B., n°1, Minutes of the Supervisory Board, 16/03/1871. 54 A.J.B., n°1, Minutes of the Supervisory Board, 07/03/1873 and 04/06/1873. 55 A.J.B., n°1, Minutes of the Supervisory Board, 04/06/1873. 56 A.J.B., n°110, Letter to the Home Office, 15/09/1874.
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large and beautiful circular School of Botany – would look pretty much like a patched kitchen garden, and the population of Brussels would never admit it57. The confrontation between Dumortier and the other members of the Board lasted until 1875.The deeds were done, but the Minister did not want the argument to hinder any longer the development of the scientific institution. Nor did he want to cross swords with an old and influencial politician who belonged to the same party as he did, as revealed in a secret note from the Home Office58.That is why he implored the members of the Board to let Dumortier calm down and seized the hand offered by the State Architects: the Botanic Garden is a wonderful place where each and every detail keeps the aesthetic balance right; any change could ruin this house of cards59. Shortly after that, Dumortier began to supervise the workers busy ploughing the soil of the circular School of Botany, safe once again. In November 1875, 163 plant families, 1387 genera and 4500 plant species were selected for plantation. The old taxonomist had won the war against those he disdainfully called« the horticulturalists ». The victory was so complete that the very classification method Dumortier had brewed was now used in the iconic circular School of Botany. No one was familiar with this method and some of the most famous Belgian horticultural journals published articles about it in an attempt to make it popular. It never was. The new rules and the impact of the 1881 Decrees on education The rules were reformed afresh in 1876. This had no significant impact on the accessibility to the School of Botany and to the other parts of the scientific collections. The structure of the institution, though, changed dramatically. The collections were divided into 5 parts : Living Collection in open air ; Living collection under glass ; Herbaria ; Plant Fossils ; Carpology, Industrial and Medicinal Plants etc.The new Living Collection in open air had three divisions : the School of Botany, the Arboretum and the Open air plants. A new director, François Crépin (1830-1903), was appointed. He and Dumortier knew each other well, since they were the most influential Board members of the Société royale de Botanique de Belgique founded in 1862. Crépin would reign on the Botanic Garden for the next 25 years. Like many self taught botanists, floristics and taxonomy were his things, but mid 1870s his expertise had extended – evolved – to plant geography as well60. It would soon show in the Botanic Garden. Whatever the case, the Living Collection in open air had a two fold pattern: scientific collections and horticultural collections. The School of Botany, of course, belonged to the first category, but it now sided with a School of Medicinal and Poisonous Plants. Moreover, two schools were about to be created: the Horticultural School and the Food Plants School. These novelties originated in the awe-inspiring visit Elie Marchal (1839-1923), a scientific collaborator of the Garden, had made to Kew in 187561.Thanks to a pile of Marchal’s annual reports 57 A.J.B., n°110, Letter from Ronnberg to the Minister, 14/12/1874. 58 A.J.B., n°110, Letter from Bellefroid to Ronnberg, s.d. 59 A.J.B., n°110, Letter from two State Architects to the Minister of Public Works, 03/03/1875. 60 Diagre-Vanderpelen, D.,The Botanic Garden… op. cit., p. 150-152 ; Diagre-Vanderpelen & Hoste, I., « La Guerre des Roses. François Crépin (1831-1903) contre Paul Evariste Parmentier (1860-1941), un antique contre un moderne ?, in : Jahrbuch für Europäische Wissenschaftskultuur, Bd. 4 (2008), p. 117-159 ; Hoste, I. & Diagre-Vanderpelen, « Omgaan met flora-vervalsing en exoten in de 19de eeuw.Van natuurstudie naar natuurbehoud », in :Natuur.focus, September 2013, Jaargang 12, nummer 3, p. 103-108; Diagre-Vanderpelen, D., « Traces de fleurs et de floristes : ce que nous apprennent les correspondances de François Crépin (1830-1903), rhodologue, directeur du Jardin botanique de l’Etat belge », in : Actes du Colloque Traces du Végétal, Université d’Angers, juin 2012, in press. 61 Diagre-Vanderpelen, D., The Botanic Garden… op. cit., p.
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As can be seen on the upper section of this 1885 State Botanic Garden map, new schools have been created near the original School of (systematic) Botany. Collection de l’Etat fédéral en prêt permanent au Jardin botanique Meise.
to the Director62 and to reports sent by the latter to the Ministers, we are able to figure out the amount of consideration given to the schools in the State Botanic Garden. Crépin indeed boasted the schools and underlined their benefit to the Ministers. Steadily growing figures helped him out: in 1876, 313 cards were issued for students eager to visit the schools; in both 1877 and 1878 some 400 visitors came on a regular basis for the same reason, while they were 566 in 1880 and 627 in 188163. Unfortunately, one cannot tell which of the School of Botany or of the other schools was visited in priority. When in 1881 the Liberal Belgian Ministry of Education reformed the education programmes, natural sciences were given a very important role. In this new vision, the decrees not only insisted on observation and handling of botanic samples, but also on the fact that secundary schools should have collections in order to delineate the taxonomic groups64. As for primary schools, they were also urged to provide the pupils with fresh plants and, whenever possible, to visit the State Botanic Garden65.The schools for schoolteachers were each summoned to set up their own « small school of botany »66. This, for sure, spurred interest for botany and for the schools of the Botanic Garden, but it also brought a rather negative impact. According to the Director, it had no other choice but to grow plants by the thousands to honour the requests of the students, the pupils and the school teachers.The success of the schools had turned them into some sort 136 and p. 148-149. 62 A.J.B., n° 214-219, Reports to Director Crépin, 1871-1881. ������������������������������������������������������������������������������������������������������������ Moniteur Belge, n°108, 18/04/1877, p. 1140 ; Partie non officielle, n°37, 06/02/1879, p. 435-436 ; Partie non officielle, n°36, p. 491 ; n°102, 12/04/1882, p. 1343. 64 Pasinomie, Programmes de l’enseignement des écoles moyennes de l’Etat pour garçons, Bruxelles, t.XVI, 1881, n°223, 11/07/1881, p. 216. 65 Pasinomie, Enseignement primaire. Programme de l’enseignement à donner dans les écoles normales et les sections normales d’instituteurs et d’institutrices, t.XVI, 1881, n°234, 18/07/1881, p. 253. 66 Idem.
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of burden for the gardeners67.Yet, Director Crépin’s words in the report for the year 1881 were quite clear about the significant role played by the Schools (sic) of Botany in the early 1880s : « [they] are one of the most important sections of the Botanic Garden (…) »68. One must notice that the report was undoubtfully meant to adapt to the philosophical inclinations of politicians and that, more than ever, the Botanic Garden had to show its dedication to scientific education and popularisation, both cornerstones of the Liberal ideology. Whatever the case, in 1885 there were some 6.000 species in the School of Botany, some 250 in the Medicinal and Poisonous Plants School and 275 in the School of Crop, Food, Dye and Textile Plants69. The latter echoed almost word for word one of the Decrees of 1881 on education70.Crépin had provided the School of Botany with a feature of his own : boards illustrating the distribution of plants were placed in front of the botanical groups. In a sense, it illustrated the relatively recent rise of phytogeography within the ever specialising botanical science71. It also demonstrated Crépin’s own personal scientific maturing. The same comes for the Alpine Plants Collection – aka the Rockery. It also partly originated in the same scientific problems Crépin was dealing with: adaptation, variations within a species and their causes and, of course, how to delineate species72.That is why he had become an alpinist spending weeks in the European mountains in search of plants that would ultimately be grown in the Brussels Rockery. Not to mention that mountain hiking was very fashionable among social elites of this period73 and that the European mountains were home for countless Rosa species, the very group on which Crépin planned to write a monograph74. The aforementioned School of Floriculture was not forgotten. It was the third part of Crépin’s vision for the Botanic Garden. One, it must have sound scientific collections for the public (mostly for scientists, in fact); two, it must provide the Belgian schools and universities with plants and seeds; three, it must encourage the Belgian liking for gardening75. In the 1880s, Crépin stated that, thanks to its beauty and the novelties that were grown there, this school was a huge public success76. No such words could be used for the planned Arboretum. The Botanic Garden was too limited in space to grow any tree collection extensive enough to be mentioned77. The future had something more appealing in store… At the end of the XIXth Century, there nevertheless remained an unsolved problem in the School of Botany: Dumortier’s system of plant classification was unfamiliar to students and dedicated amateurs who visited the School of 67 A.J.B., n°214-219, Annual Report by E. Marchal, 31/02/1882. 68 Moniteur Belge,n°102, 12/04/1882, p.1343. 69 Petit Guide du Jardin botanique de Bruxelles, 2e édition, Bruxelles, 1885, p.23-25. 70 Pasinomie, Enseignement primaire. Programme de l’enseignement à donner dans les écoles normales et les sections normales d’instituteurs et d’institutrices, t.XVI, 1881, n°234, 18/07/1881, p.255. 71Matagne, P., Des jardins écoles aux jardins écologiques in : Le Jardin entre science et représentation, Editions du CTHS, Paris, 1999, p.311-315. ��������������������������������������������������������������������������������������������������������� Bange, Ch., « La culture et l’hybridation peuvent seules décider de la question de l’espèce » : une nouvelle fonction pour les jardins botaniques en 1850 in : Le Jardin entre science et représentation, Editions du CTHS, Paris, 1999, p. 317-329. ��������������������������������������������������������������������������������������������������������� Matagne, P., Des jardins écoles aux jardins écologiques in : Le Jardin entre science et représentation, Editions du CTHS, Paris, 1999, p.313. ����������������������������������������������������������������������������������������������������������� Crépin, F. Les excursions alpestres dans leurs rapports avec l’histoire naturelle, in : Bulletin du Club alpin belge, t.1, Bruxelles, 1886, p. 38-41 ; Diagre-Vanderpelen & Hoste, I., La Guerre des Roses… op cit., p. 117-159. 75 Moniteur Belge, n°108, 18/04/1877, p.4. 76 Idem. 77 A.J.B., n°214-219, Annual Report by E. Marchal to the Head of Department (?), 31/07/1875.
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The famous School of Botany pictured from the roof of the main buildings (early XXth Century). Collection de l’Etat fédéral en prêt permanent au Jardin botanique Meise.
Map of the State Botanic Garden after the 1902 reform : the School of Ethology and the School of Phylogeny show that evolutionism had stepped into the institution. As for the “Groupes géographiques”, they show that phytogeography had also found a home in the Botanic Garden. Collection de l’Etat fédéral en prêt permanent au Jardin botanique Meise.
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: On this early XXth Century picture, one can see the School of Ethology on the foreground. Right next to it a so-called Italian Garden has been created. Collection de l’Etat fédéral en prêt permanent au Jardin botanique Meise.
Botany. Despite insistence from some Board Members in the 1880s and despite the fact that Dumortier died in 1878, it remained unchanged until 1902. Howewer surprising, this fact seems understandable somehow: chosing taxa, purchasing, exchanging and sowing seeds, growing seedlings, planting the schools, containing excessive growth, erasing mislabelling and putting displaced labels back in place… were the painstaking and daily job of those in charge of the school ! Therefore, redesigning the School of Botany, again, would have been an enormous time and money consuming task. Elie Marchal was the man in charge of the schools.He was both a teacher in Botany and a Curator at the State Botanic Garden when he wrote a fascinating contribution entitled « Organisation des écoles de botanique destinées spécialement à l’enseignement » (1881). Not only did it reverberate the speech he had given at the International Congress of Botany and Horticulture held in Brussels in the summer of 1880, but it also echoed and warmly applauded the aforementioned decrees on education of the Liberal Government78. As expected, he pleaded that botanic gardens were of course useful to the would-be physician, druggist or school teacher, but also to the confirmed botanist, the gentleman and anyone in search of data about plant uses79. In a nutshell, botanic gardens had three missions: support education, development and popularisation of science80.To him there must be various types of schools of botany depending on the education or school level for which they were destined. Like many supporters of the Liberal Party, Marchal was convinced that the spirit of science would never spread in the Belgian population without proper programmes in 78 Marchal, E., Organisation des écoles de botanique destinées spécialement à l’enseignement, Congrès de Botanique et d’Horticulture de 1880, tenu à Bruxelles du 23 au 26 juillet 1880, Bruxelles, Jardin Botanique de l’Etat, p.19. ��������������������������������������������� Marchal, E., Organisation … op. cit., p.17. ������� Idem.
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No one was allowed to visit the schools without the duly signed « carte d’entrée ». Collection de l’Etat fédéral en prêt permanent au Jardin botanique Meise.
the primary and secundary school levels. To achieve this, he claimed that each school should harbor a school of botany.Without this, botany would stay a mere cohort of dry Latin names, as it used to be laimed. Marchal wanted botany to be a science of observation. As for the upper level schools of botany – like in the State Botanic Garden – he pleaded a three sight kind of strategy. For a start, taxonomy according to the « familles naturelles » must be easy to understand. Then, plants should be chosen not only according to morphological characteristics but also to reflect physiological phenomenons. Finally, useful plants should find a place in those highly didactic places81.When possible, one would chose taxa from the national flora, because they were less challenging to grow, of course, but also because beginners should preferably be acquainted with them before paying attention to exotic taxa82. As for the classification system to be used in the School of Botany, Marchal had a down-to-earth approach: any natural system would fit provided it followed the pattern of programmes in local schools and universities, or the pattern of the best guide to the national flora83. Although some botanic gardens tended to modify their schools in accordance with the last monographs, Marchal did not support that method. According to the Curator, it would definitely puzzle many students84. The Botanic Garden and its schools in a Catholic and democratising country In 1902, the Botanic Garden underwent a thorough reform. It originated in the victories of the Catholic Party in all polls since 1884 and in the next step towards democracy in the Belgian society. It did so because, on the one hand, the Catholic Party had an anti-urban ideology that favoured the countryside, the ����������������������������������������������� Marchal, E.,Organisation … op. cit., p.20-23. ��������������������������������������������� Marchal, E., Organisation … op. cit., p.23. ��������������������������������������������� Marchal, E., Organisation … op. cit., p.24. ������� Idem.
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A 1976 Project for the planting of the Herbacetum – soon to be renamed Herbetum – of the National Botanic Garden after it had been moved outside the Brussels city limits. Collection de l’Etat fédéral en prêt permanent au Jardin botanique Meise.
landowners and the farmers and, on the other hand, because the large amount of new voters created by a 1893 Decree, made changes in the propaganda strategies inevitable. Consequently, the Botanic Garden that had been discarded as a Liberal chauldron since 1884 became an opportunity for the Catholic Party85. As part of the Ministry of Agriculture since its establishment (1884), the State institution would then be asked to reform in order to target the new voters, while securing the old ones. Regarded as obsolete and static for three decades, it was now urged to hatch again in a form that would emphasize pure science and, above all, popularization of science and applied science, including forestry and horticulture86. And it did. While the Department of Herbaria remained untouched, the new Department of Museums and Palaeobotaby had two fold collections : each had one part dedicated to researchers and the other to laymen (collections de vulgarisation), so to speak, to new voters. A very attractive Museum of Botany was created, as well as aMuseum of Forestry.The latter was born in the wake of the deep concerns about the future of the Belgian wood production and wood imports.It was coupled with a huge suburban Arboretum where different types of temperate forests of the World were planted. It was, among other things, meant to document the growth of exotic trees of potential value for the Belgian industry87. The large Belgian landowners and manufacturers would love it. There was also an Experimental and Colonial Department that reflected both the presence of Belgians in the soon-to-be Belgian Congo and the applied sciences turn that was required from the Botanic Garden88. The School of Botany, among other things, belonged to that Department.In fact all « living 85 Diagre-Vanderpelen, The Botanic Garden… op. cit., p.165-171 & p. 191-204. 86 Diagre-Vanderpelen, The Botanic Garden… op. cit., p.165-171 & p. 191-194. 87 Diagre-Vanderpelen, The Botanic Garden… op. cit., p.198-200. 88 Diagre-Vanderpelen, The Botanic Garden… op. cit., p.192.
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collections devoted to education to Botany and to Horticulture » belonged to the new Department. Its Curator was a fascinating young botanist – Jean Massart (1865-1925) – who had visited Tropical countries, who supported the theory of evolution and was an early Belgian ecologist89. There were now four schools: the school formerly known as the School of Botany – now the School of Systematics –, the School of Ethology, the School of Phylogeny and the School of Horticulture. The latter was spread over the garden and trendy, tremendous flowers and plants were now distributed in its dispersed beds.Although it was mentioned and as it was supposed to make the Botanic Garden more beautiful than ever90, it is fair to say that the School of Horticulture did no longer formally exist. The School of Systematics stood several improvements. Firstly, the system of classification was changed to the system of Engler91. This was probably the most famous system at that time and it was adopted by many botanic gardens92. It requiredreproducing on a small scale numerous types of ecosystems. As a result, water tanks, shady places, rockeries etc., were added to the School and groups that were previously not grown at all – such asMosses, Algae, Mushrooms…– were there given a place93. It also reflected the growing scientific interest for the « biology » of plants. As for the Ethological School, it depicted adaptations of plants’ organs against cold, predators, dryness etc. It also included a quarter devoted to adaptations that secured the preservation of the species (propagation, pollination, seed dissemination through various means etc.). Two small greenhouses sided the aforementioned quarter. They housed epiphytic and creepingplants, plants protected by ants, etc94… The School of Phylogeny itselfwas meant to illustrate « the two factors of evolution that can be proved with living plants in a botanic garden, that is to say : variation and heredity »95. Since natural selection, although regarded as crucial, was impossible to illustrate, Massart lamented the new school having to drop this chapter of the evolutionary process96. The origins of the new varieties and species – mutation, artificial selection – were also illustrated with living plants97. The famous Succulent Plants Collection of the State Botanic Garden – inherited from a well known Belgian amateur98 – added a final touch to the School of Phylogeny. Thanks to potted Cacti, Massart portrayed the evolutionary tree of this family. It showed the anatomical transformations that were supposed to have happened in the course of geological times. One must notice that Karl 89 Diagre-Vanderpelen, The Botanic Garden… op. cit., p.96. 90Le Jardin botanique de l’Etat et la réorganisation de ses diverses sections. Notice publiée à l’occasion de l’ouverture du Musée Forestier par M. le Ministre de l’Agriculture, le 22 octobre 1902, Bruxelles, Hayez, 1902, p. 24. 91Le Jardin botanique de l’Etat et la réorganisation… op. cit., p. 22. 92 Among many others : Carlos L.Thays, El Jardin botanico municipal de la ciudad de Buenos Aires, Buenos Aires, 1928, p.21 ; K. Peters, Fürher zu einem Rundgang durch die Freiland-Anlagen des Königl. Botanischen Gartens zu Dahlem bei Berlin, mit einem Vorwort von A. Engler, Dahlem-Steglitz bei Berlin, 1908, p. 48 ; Guide to the Botanic Garden of the Faculty of science, Imperial University of Tokyo, Tokyo, 1923, p.11 ;H. Gilbert-Carter, Guide to the University Botanic Garden Cambridge, Cambridge Univ. Press, Cambridge, 1922, p.V ;Smith, H. H., Some European Botanical Gardens,1924, p. 173 ;Magnin-Gonze, J., Histoire de la Botanique, Delachaux et Niestlé, Paris, 2004, p.197-199. ��������������������������������������������������������������������� Le Jardin botanique de l’Etat et la réorganisation… op. cit., p. 22. ������������������������������������������������������������������������������������������������������������ Le Jardin botanique de l’Etat et la réorganisation… op. cit., p.25-26 ; Jardin botanique de l’Etat, Notice sur les collections éthologiques, Ministère de l’Agriculture, Bruxelles, 1904, p.1. 95Jardin botanique de l’Etat. Notice sur la collection phylogénique, Ministère de l’Agriculture, Bruxelles, 1905, p.1-2. 96Jardin botanique de l’Etat. Notice ���������������������������� sur… op. cit., p. 22. ������������������������������������������������������������ Jardin botanique de l’Etat. Notice sur… op. cit., p. 22-27. 98 Diagre-Vanderpelen, The Botanic Garden… op. cit., p.146.
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Schumann’s master work had guided the nomenclatural work in this collection99. Moreover, a Phytogeographical collection of plants was supposed to take shape100. In 1905, it only consisted in potted plants that were moved from a coldhouse to a couple of places in the Garden, but Massart hoped that it would soon develop further101. The education and popularization of sciencepurposes of all these collections were demonstrated in a set of 4 booklets that were published102. With the 1902 Reform, besides the applied science programme that was requested by the Catholic Ministry of Agriculture, emerging disciplines in botanical science had thus broken through in the State Botanic Garden. They made it through very visible means : the schools. The former School of Botany – now School of Systematics –presentlyneighboured the modern Schools of Ethology and Phylogeny. It was quite a paradox, since evolution had not been generally – at least not openly – accepted by the Catholic milieu.With this modern toolbox, the State Botanic Garden had hopped into the XXth Century and offered superb educational means to schools and universities… presenting the politicians with outstanding opportunities to seduce voters. The Post WWI period : a long way out of the Capital The decades that follow World War I and extend to the Eigthies are, as strange as it may seem, to be considered as one big and consistent time span. During this long period the Botanic Garden will beconfronted year after year with the necessity of moving out of the Capital. It will be a toilsome process with consequences felt until the Eighties, if not later. A bunch of topics continuously stressed the long decades : lack of gardeners, lack of space, lack of light, air pollution in the city, taxonomic revision, lame identifications of the collections, public access… public transports. Public transports plotted with air pollution, lack of light and lack of space to squeeze the Botanic Garden out of the Capital. It all began in the early XXth Century when the junction between two Brussels railway stations was planned. The junction would take decades to be completed.The matter was that a tunnel would have to pass right through the Botanic Garden, threatening greenhouses and open air collections. New public transports and collections able to attract more people in the Botanic Garden were part of the same social phenomenon : democratization of the Belgian society. It reveals itself in the way the Annual Reports of the institution insisted on the number of visitors who walked down the School of Botany and the other collections alongside103. The year before the Belgian State bought the new location for the Botanic Garden, Director W. Robyns (1901-1986) visited several botanic gardens in Europe (Kew, Berlin, Geneva, Paris…) and even in the United States to draw some 99Ministère de l’Agriculture. Jardin botanique de l’Etat. Notice sur la serre des plantes grasses, Bruxelles, 1905, p. 14-15. ������������������������������������������������������������������������������������� Jardin botanique de l’Etat, Notice sur les collections éthologiques… op. cit., p.1. 101 Idem 102Le Jardin botanique de l’Etat et la réorganisation de ses diverses sections. Notice publiée à l’occasion de l’ouverture du Musée Forestier par M. le Ministre de l’Agriculture, le 22 octobre 1902, Bruxelles, Hayez, 1902, 28 p. ; Jardin botanique de l’Etat à Bruxelles. Tableau de l’Ecole de botanique systématique, s.d. ( after1903), Bruxelles, Ministère de l’Agriculture, 22p. ; Jardin botanique de l’Etat. Notice sur la collection phylogénique, Ministère de l’Agriculture, Bruxelles, 1905, 27 p. ; Ministère de l’Agriculture. Jardin botanique de l’Etat. Notice sur la serre des plantes grasses, Bruxelles, 1905, 31 p. ; 103 A.J.B., n°10 ; A.J.B., n°13, p. 18 ; A.J.B., n°15 (1930, p.15 ; 1931, p.14 ; 1932, p.14 ; 1933, p.15 ; 1934, p.14 ; 1935, p.17 ; 1936, p.21 ; 1937, p.31).
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inspiration from the most famous counterparts104. In 1938 a park in the suburban locality of Meise was purchased105. It was so vast that the future Arboretum would have no problem to grow and expand freely. One also planned a collection that would show the various vegetation types of Belgium106. Sucha project was a consequence of a new scientific impulse given by two Curators of the Botanic Gardens in the early XXth Century, when Jean Massart and Charles Bommer (1866-1938) edited a master work entitled « Les Aspects de la Végétation en Belgique »107. A benchmark in history of ecology in Belgium108. Massart was also one of the most famous promoters, if not a forerunner, of plant preservation in Belgium109. Although the new project for Meise would never take shape,Massart’s and Bommer’s influences can be detected in itas well as in the introduction of native Belgian species in the scientific collections of the Botanic Garden. Native plant collecting began during the occupation by the German armies in 1917, as far as we know, and never ceased. Native plants were supposed to give an educational plus to the living collections and attract people to the Schools110. Since love for the Mother Country fed not only on cultural aspects like arts, but on national landscapes and national « nature », one may suggest that a complete collection of native plants played a role in reinforcing Belgian patriotism111. This trend was officially confirmed in 1921, when new rules of the State Botanic Garden stated that its mission was to pile up scientific collections mainly of native and Congolese plants in order to support research in botany112. While the School of Botany stayed in Brussels, the new School of Ecology and the School of Phylogeny had to move to Meise in 1942113. Reports do not say why the School of Botany’s name was changed for Herbacetum114. Nor do they say what happened to the old School of Ethology, or why its name was changed to « School of Ecology ». Whatever the case, the modern concept of ecology had finallymade its way to the Botanic Garden, a sign of the times. If one were to question the importance of the School of Botany during the six or seven decades we have covered here, one should focus on a couple of somewhat contradictory indicators. Time and energy dedicated to labelling, to improving the nomenclature, to polishing the taxonomy are just some of them. These pains taking processes were almost constant115and seemed to prove that the Herbacetum – today’s Herbetum – and the other schools were of some im104 A.J.B., n°15, Annual Report Year 1937, p.8. 105 Diagre-Vanderpelen, The Botanic Garden… op. cit., p. 263-272. 106 A.J.B., n°15, Annual Report Year 1937, p.6. ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� Massart, J. & Bommer, Ch., Les aspects de la végétation en Belgique : Les districts littoraux et alluviaux, Bruxelles, 1908 ; Massart, J. et Bommer, Ch., Les aspects de la végétation en Belgique : Les districts flandriens et campiniens, Bruxelles, 1912. 108Hoste, I. & Diagre-Vanderpelen, « Omgaan met flora-vervalsing … op. cit.,����������� p. 103-108. 109 Idem ; Massart, J., Pour la protection de la nature en Belgique, in : Bulletin de la Société Royale de Botanique de Belgique, t.LI, Bruxelles, 1912, 308 p. 110A.J.B., n°10, Annual Report for the Year 1917, n.p. ; A.J.B., n°12, Annual Report for the Year 1927, p.4 ; A.J.B., n°13, Annual Report for the Year 1928, p.17 ; A.J.B., n°15, Annual Report for the year 1930, p. 15. 111Stynen, A., Vaderlandse weelde op de kaart gezet. Belgische botanici, metenschappelijke ijver en nationale motieven, in : BMGN- Low Countries Historical Review, vol. 121, n°4 (2006), p. 710 ; Dias Duarte, L.-F., La nature nationale : entre l’universalisme scientifique et la particularité symbolique des nations in : Civilisations, vol. LII, n°2-Museums-Collections-Inperprétations, p. 21-44 ; Hoste, I. & Diagre-Vanderpelen, « Omgaan met flora-vervalsing… op. cit., p. 103-108; Mickulas, P., Britton’s botanical empire… op. cit., p. 204 ssq. ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������� Demaret, F., La structure et le rôle du Jardin botanique national de Belgique, in : Boissiera 14, 1969, p.120. 113 A.J.B., n°27, Annual Report for the Year 1942, p. 26. 114 A.J.B., n°27, Annual Report for the Year 1941, p. 30. 115 See, for instance : A.J.B., n°46, Annual Report for the Year 1955, p.50 ; A.J.B., n°54, Annual Report for the Year 1963, p.38 ; A.J.B., n°56, Annual Report for the Year 1965, p.29 ; Annual Report for the Year 1971, p.53-54 ; Annual Report for the Year 1978, p. 80 ssq.
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portance even in the second half of the XXth Century Botanic Garden. It definitely had something to do with the educational purposes of these places. Data about the number of visitors that the Botanic Garden never failed to mention in the Annual Reports ascertains it. From 1969, education – one could also call it « popularization of science » – wasindeed held as a main mission for the institution116. Another indicator is the time it took to complete the School of Systematics on its new location in Meise. In 1956, all the outdoor living collections were eventually established in Meise, while the Herbarium and most parts of the Botanic Garden stayed in Brussels117. Yet, inaccurate determinations of plants, the hard work it urged and a lack of gardeners postponed the project of a new Herbacetum to 1964118.Then, due to the same lack of gardeners once again, the grounds assigned to the Herbacetum and to the Schools of Phylogeny and Ecology were neglected119. In 1971, the School of Ecology was almost finished. Seven years later, only 50 percent of the species needed in the Herbetum had been planted120,the very same year the guide to the impressive Plant Palace was edited. It would take another eight long years to release the guide to the Herbetum121. It told a lot about the priorities of the existing Botanic Garden. The Plant Palace and its tremendous, exotic and above all attractive collections had really taken over the shy, austere in some regard, School of Botany. Conclusions : Botanic Gardens are no palimpsests. They are places whose past missions and roles are seldom erased. Those roles rather multiply, get upgraded or downgraded, depending on the relevance –sometimes symbolic and somewhat changing – of the scientific programme they embody. Not to mention the social factors, like politics, competition between institutions, fashion, etc. that also keep moulding these multi-purpose urban green patches. This is particularly obvious for the School of Botany, also known as School of Systematics. These peculiar beds planted in a geometrical way had at first no other function than supplying the students in medicine with medicinal plants. In fact, they should rather be considered as Schools of Drug Plants. They originate in the XVIth Century Italy and spreaded all over Europe in the wake of the creation of the universities122. It is relevant to claim that, at this point in time, the Schools of Drug Plantswere the Botanic Gardens, in a sense. Then, botany became more autonomous and taxomomy – that embodied it to a certain extent – became a scientific programme in its own right123. Yet, schools of botany stayed an intricate part of the local schools or faculties of medicine. This situation changed slowly and according to the tempos assigned by local conditions. The Brussels Botanic Garden and its School of Botany were born later, in the wake of the French Revolution, when a new vision of the State and the 116 Demaret, F., op. cit., p. 120-121. 117 A.J.B., n°47, Annual Report for the Year 1956, p. 4. 118 A.J.B., n°55,Annual Report for the Year 1964, p. 42. 119 Annual Report for the Year 1970, p. 58. 120 Annual Report for the Year 1978, p. 80. 121 Petit, E., Bref aperçu de 101 familles de plantes. Guide du Jardin systématique, Jardin botanique national de Belgique, Meise, 1986, 45 p. 122Morton, A.G., History of Botanical Science, Academic Press, London-Orlando-New York- San DiegoAustin- Boston- Tokyo-Sydney-Toronto, 1981, p. 115-148 ; Greene, E. L., Landmarks of Botanical History, 2 vol., Standford University Press, 1983, part.1, p. 702 ssq.& part.2, p. 967-974 ; Allain, Y.-M., Une histoire des jardins botaniques. Entre science et art paysager, Editions Quae,Versailles, 2012, p,15-33. ������������������������������������������������������������������������������������������������������������ Greene, E.L., Landmarks… op. cit., part.2, p. 967-974 ; Magnin-Gonze, J., Histoire… op. cit., p. 105 ssq.
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citizenship was created124. The Muséum National d’Histoire Naturelle, founded in 1793, had very important missions in the brand new society project: it must bring the core values of the Enlightments to all citizens125. Collections – and this is particularly true for the School of Botany that followed the « familles naturelles » pattern – not only became common national patrimony, but also highly edifying places that brought the Natural Order to light. The very one order the new regime wanted for France. The « Ecoles centrales » were supposed to bring the ideals and means brewed in Paris126. That is how an educational “Jardin des Plantes” was created in Brussels127. It will keep practical roles until the company’s– it had taken it over in 1826 – ultimate death in 1870. One must mention that the company’s School of Botany occupied a very special place in the Botanic Garden, at least symbolically: on the main plateau, right in front of the tremendous buildings. This might reveal that science – taxonomy, that is – stood high on the to-do list of the then Botanic Garden. Yet, it was mostly, if not only, visited by sporadic flocks of students in medicine who, unlike the laypersons, had free access to the four quarters. But « free » did not mean that they walked down the area alone. The School and the scientific collections, in general, were in the custody of employees and, like in many other botanic gardens, fenced. In these institutions, Schools were often regarded as a summary of the « Book of Nature », as some kind of sacred place dedicated to a moral elite, a place for studious persons. One might add that control on plants and labels was also a painstaking and costly job. Consequently, the Brussels company rather considered the School of Botany only as a non-profit area that had to be reluctantly polished for a bunch of students for the sake of a contract with the City of Brussels. In a nutshell, the Botanic Garden, while focusing on promenading, commercial and mingling oriented activities, just tended to mimic botanical science and practical science. New scientific trends, like phytogeography, were nowhere to be seen in its collections, for instance. Even good old taxonomy found no place in this Botanic Garden but in the School of Botany. To our knowledge no scientific work was ever based upon it. Everything changed in 1870, when the Botanic Garden became a real State institution, based on the model of Kew Gardens. Even though the herbarium, the very place where taxonomic and floristic work happened, became the centre of gravity of the new institution, special attention was paid to the School of Botany and, to a lesser extent, to the School of Medicinal Plants, the School of food plants and the School of horticulture. The last three schools only had practical purposes. The outstanding position of the School of Botany was clarified when some members of the Board wished to relocate it in the Garden. At this occasion, even politics jumped on the scene. When ashes and smoke of the quarrel cleared away, the School of Botany kept its central situation. It was certainly difficult to use because of Dumortier’s classification system, but its important place –maybe symbolic – for a national botanic garden was confirmed. Ideology and politics, again, showed in the 1881 Decrees on Education. Liberal politicians wanted to promote science programmes and Schools of Bo124Spary, E., Le spectacle de la nature : contrôle du public et vision républicaine dans le Muséum jacobin in : Le Museum au premier siècle de son histoire, Editions du Muséum National d’Histoire Naturelle, Paris, 1997, p. 457-479 ; Spary, E., Le jardin d’utopie, l’histoire naturelle en France de l’Ancien Régime à la Révolution, Editions du Muséum National d’Histoire Naturelle, Paris, 2005, 407 p. ������������������������������������������������������ Spary, Le spectacle… op. cit., p. 457-459, 468-478. �������������������������������������������������������������������������������������������������������� Duris, Pascal, L’enseignement de l’histoire naturelle dans les écoles centrales (1795-1802), in Revue d’histoire des sciences, 1996, tome 49, n°1, p. 23-52. ����������������������������������������������������������������� De Vreught, J., L’enseignement secondaire… op. cit., p. 5-134.
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tany were therefore promoted at various levels of education. Observationwas a keyword in this vision. In the Botanic Garden, the Curator in charge of the School of Botany followed this path with enthusiasm. He also suggested that the School should not only be planted with taxa of taxonomic relevance, but also with indigenous plants and plants illustrating physiology. This shift paved the way for the next developments in the Botanic Garden supply in Schools. While Curator Marchal devised new ideas for the School of Botany, Director François Crépin managed to create a trendy Alpinetum in the Garden. This rockery was a limited illustration of Crépin’s taste for mountain climbing… and for phytogeography, a discipline never shown in the institution until that moment. Democratisation of the Belgian society is an underlying cause of the big reform the Botanic Garden underwent with the Catholic Governements that extended from 1884 to 1914. This period was stamped with a dramatic increase of the voters that urged new propaganda strategies. Popularisation of science, this time, became a major concern in the eyes of the Ministers. New people were hired and collections were restructured. At this occasion, Jean Massart provided the Botanic Garden with a handful of novelties, like the School of Ethology and the School of Phylogeny. Not to mention a major turn in the School of Botany : it finally followed the most famous system of classification of the time. In the School of Ethology and the School of Phylogeny surfaced the paradigms of evolution and ecology. New trends in science had eventually found a place in the State Botanic Garden. It even created some experimental plots in the country. They represented the most typical Belgian plant associations. From that moment, the School of Botany seemed to step back in the shadow of more promising Schools, fashioned by exciting new scientific programmes. Yet, in 1909, the new statuses of the Botanic Garden claimed that research in those new fields would be forbidden. Even theexperimental plots were abandoned and some were turned into nature reservations. Such was the price of competition with the Belgian universities that the State Institution ended up as a mere databank128. Nature conservation was next to impact the Botanic Garden and the School of Systematics. Massart and Bommer, both Curators in the Botanic Garden, were among the first to draw attention on the decaying Belgian flora and landscapes. This concern led the institution to collect Belgian species in priority. One must mention that this very impulse might also have been spurred by vivid patriotism. Whatever the case, while the 1921 statuses of the Botanic Garden confirmed this special interest given to Belgian (and Congolese) plants – including in the living collections – , those of 1965 confirmed that nature conservation – including the Belgian one – was now part of the missions of the State institution129. At that point in time, the School of Botany was far from being completed in the Botanic Garden’s new location in Meise. It is obvious that completion of the tremendous Plant Palace, among other things, was more important than austere taxonomic beds planted with humble taxa from the temperate regions of the world, including Belgium… Once again, the School of Botany had taken a step back, while the Schools of Ecology and Economical Plants were erased in the late Seventies130. What the future holds for the good old Schools of Botany remains a mystery. Missions of today’s Botanic Garden Meise stillinclude research – in taxonomy, floristics and conservation of biodiversity –education, but tourism 128 Diagre-Vanderpelen, D., The Botanic Garden… op. cit., p.230-232. �������������������������������� Demaret, F., Op. cit., p.122. ���������������������������������������������������������� De Meyere, D., Ontwikkelingsperspectieven… op. cit.,p. 6
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as well131. The two latter activities tend to strongly develop and the Herbetum is part of the toolbox of the Service dedicated to education in a broader sense. Since it now follows the old system of Cronquist and Takhtajan132, one may suggest that the APG (Angiosperm Phylogeny Group) should quite severelyinfluence the beds based on morphologic similarities. What will happen to those beds if groups, with sometimes veryelusive morphological similarities, are plantedside by side because of molecular data? This might be the next challenge for the School of Botany... Or, just like for any national institution, wouldn’t it be the convergence of science and new forms of patriotic narcissism, as suggested by Duarte133 ? Howewer, with Slézec, Allain and Lemarquand, it seems right to claim that « La mise en scène des végétaux dans leur présentation reflète l’époque historique et culturelle » (« How plants are exposed mirrors history and culture”)134… and that historians are not supposed to know what the future may bring.
Artigo recebido em janeiro de 2016. Aprovado em abril de 2016
��������������������������������������������������� Jardin botanique Meise. Rapport annuel 2014, p.3. ���������������������������������� De Meyere, D., Op. cit., p. 18. ����������������������������������������������������������� Dias Duarte, L.-F., La nature nationale… op. cit., p. 39. ��������������������������������������������������������������������������������������������������� Slézec, A.-M., Allain,Y.-M., Lemarquand, B., Qu’est-ce qu’un jardin botanique… op. cit., p. 331.
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EXPOSIÇÕES ITINERANTES DE ANIMAIS SELVAGENS, EM SÃO PAULO, NO SÉCULO XIX
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RESUMO
ABSTRACT
Este artigo tem como objetivo evidenciar a presença de exposições itinerantes de animais selvagens na São Paulo do século XIX. Por terem se realizado, localmente, como uma entre outras atrações de circo, têm passado despercebidas como tipo específico de exposição popular, que conjuga funções de divertimento e instrução. Constituem objeto de interesse para estudos sobre a cultura de exposições do século XIX.
This article aims to highlight the presence of traveling exhibitions of wildlife in São Paulo of the nineteenth century. For having done locally as one among other circus attractions, they have been overlooked as a specific type of popular exhibition, which combines fun and education functions. Are object of interest for studies on the exhibition culture of the nineteenth century.
PALAVRAS-CHAVE
KEYWORDS
cultura material – exposições – história natural – São Paulo (cidade) – século XIX.
material culture - exhibitions - natural history - Sao Paulo (city) - nineteenth century.
1 Professora e curadora do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Na mesma Universidade, é professora do Programa de Pós-Graduação em História Social-FFLCH, do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Museologia e Pesquisadora Associada da Biblioteca Brasiliana “Guita e José Mindlin”.
Heloisa Barbuy
Em nossas pesquisas sobre uma cultura de exposições que se dissemina no século XIX e tendo São Paulo como campo empírico de investigação, deparamo-nos com um tipo de ocorrência, que eram as exposições de animais exóticos e selvagens – as feras, como estes eram então usualmente designados –, que se realizavam na cidade, incorporadas aos atrativos de circos que passavam pela capital da província paulista. Em anúncios e notícias publicados no jornal Correio Paulistano(CP), localizamos duas companhias circenses que apresentaram esse tipo de exposição na cidade, uma em 1866 e em 1867 e outra em 1876.2 Examinaremos registros jornalísticos que deixaram suas passagens pela cidade, procurando, a partir deles, responder a algumas questões: quem eram, o que apresentavam (variedade de animais e formas de apresentação), como se anunciavam (publicidade), a que público(s) se dirigiam e como se dava a recepção de suas exibições, isto é, como se pode entender os significados que adquiriam no ambiente local. Formas mais simples de expor animais já existiam nas práticas locais, como no caso de uma onça pintada que apareceu nos arredores da cidade e foi atacada e vencida, após duas horas de luta, por quatro tropeiros. Em seguida, o animal foi exibido ao público (já sem vida, supõe-se): “Acha-se este feroz animal hoje à exposição do público debaixo das figueiras do Arouche”(CP, 1862,n.1771: 4). Tratava-se de uma forma de oferecer à observação animais que normalmente não se poderiam ver detidamente, por habitarem as matas e por deles não se poder aproximar sem risco. Estas exposições tinham, assim, um sentido de atender à curiosidade popular, leiga. Ao mesmo tempo, porém, podiam responder também a um anseio por conhecimento científico, já que o interesse pela história natural se mostrava presente em diferentes esferas da vida social, considerando-se, inicialmente, o público letrado. Uma dessas esferas era, por exemplo, a existência de coleções particulares na cidade (GROLA et alii, 2015). Na cultura de exposições, necessariamente vinculada às coleções, animais vivos ou o espécimes zoológicos preparados para serem conservados e exibidos são o cerne das práticas aí envolvidas. No Museu Sertório, que, nos anos de 1880, reunia a coleção particular mais notória da cidade e que viria a ser o núcleo inicial de acervo do Museu Paulista, os espécimes zoológicos taxidermizados já tinham presença pronunciada (CARVALHO, 2015, 2014). Assim também o Museu Paulista, aberto ao público em 1895, em sua fase inicial era um museu de história natural com clara ênfase na zoologia (LOPES, 1997; GROLA, 2014). Na busca dos elementos que possam sutilmente ter se conjugado na formação de uma cultura de exposições e de umaprática colecionista em São Paulo, no século XIX, encontramos aspectos que vão em direção a uma valorização da ciência pela idéia de instituições voltadas ao estudo da natureza, em especial da zoologia, que se disseminava pela imprensa. De forma esparsa mas constante, desde pelo menos 1858, começa a haver notícias a respeitos de jardins zoológicos europeus. Mesmo tendo uma tônica anedótica (quando não trágica), estas notícias, por trás dos fatos que relatam, introduzem, na imaginação do leitor, uma realidade – os cenários nos quais esses fatos se desenrolam. Ao narrar episódios como o nascimento de um camelo no Zoológico de Manchester (CP, 1866, n.2409: 3), a fuga de um crocodilo, morto por um elefante, no de Marselha (CP, 2734: 2) ou uma revolta de macacos no de Antuérpia (CP, 1866, n.2785: 2), levam subjacentemente o leitor a imaginar aquele tipo de lugar que podia ser 2 Outros circos passaram pela cidade e traziam espetáculos com animais, sendo comuns os números eqüestres. Entretanto, não consta que oferecessem ao público exposições de animais selvagens do tipo que estamos examinando.
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percorrido por caminhos pontuados por grandes jaulas ou recintos em que se encontrariam animais selvagens, em seus movimentos e ações cotidianos, ao alcance da observação do visitante. O Jardim Zoológico assim evocado é uma forma de coleção que ganha, no século XIX, uma nova conformação para se abrir ao grande público como museu vivo. No campo da história dos museus, segundo Alexander (1979: 110-116), as antigas ménageries,3 coleções de animais exóticos vivos, reunidos, na Europa, por reis e nobres, passam a ser franqueadas ao público. Serviam tanto à observação estudiosa como apenas ao deleite. Desde a segunda metade do século XVIII registram-se alguns casos precursores desta prática (Viena, Madri, Paris) e aos poucos as coleções de animais vivos vão ocupando espaços maiores. Duas iniciativas, segundo Alexander, marcam mudanças que levam das antigas ménageries em direção àquele tipo de estrutura que ficou conhecido como jardim zoológico: a criação, em 1828, em Londres, pela Zoological Royal Society, de um zoológico para fins científicos, que só mais tarde iria se abrir ao público, e um zoológico aberto em Hamburgo, em 1907, que, ainda segundo Alexander, se torna o protótipo do jardim zoológico que conhecemos. Entre um e outro, na segunda metade do século XIX,houve a criação de muitos zoológicos na Europa e nos Estados Unidos. Próximo de nós, em Buenos Aires, um zoológico foi inaugurado em 1875 e no Brasil, o primeiro jardim zoológico, na capital do Rio de Janeiro, data de 1888.4Em São Paulo, o Jardim da Aclimação, cuja formação se iniciou em 1892,5 comportava um zoológico mas durou somente cerca de três décadas. Em 1935, o cronista Jorge Americano, em uma de suas crônicas-memória comenta a falta de um zoológico em São Paulo e refere-se a uma iniciativa de um particular que tinha uma coleção de animais em Santo Amaro (AMERICANO, 1962: 7475). O Jardim Zoológico de São Paulo, hoje existente, só viria a ser inaugurado em 1958.6 Portanto, na capital paulista de meados do século XIX, a possibilidade de instalação de um jardim zoológico era algo ainda distante. Naquele contexto, porém, um tipo de espetáculo que, aos olhos de hoje, parece totalmente dissociado do mundo dos jardins zoológicos e sua base científica, podia, na verdade, ser tomado como um seu substitutivo: o circo. Com suas exibições de feras podia de fato pretender não apenas a diversão sem compromisso que dele se esperaria mas também suprir a curiosidade e o interesse de inclinação científica que havia em poder observar de perto os animais selvagens. Ao promover espetáculos que exibiam feras, o circo podia exercer também esta função. Foi o caso do circo do americano James Pedro Adams,7 que chegou à cidade, em meados de 1866, como “museu zoológico ambulante” e “companhia equestre” (CP, 1866, n.3039: 1).
3 O termo em francês é incorporado a várias línguas. 4 Trata-se do Jardim Zoológico de Vila Isabel, criado por iniciativa do Barão de Drummond e fechado nos anos 1940, conforme informação disponível no site oficial do atual Zoológico do Rio, inaugurado em 1945 e mantido pela Fundação Jardim Zoológico da Cidade do Rio de Janeiro – RIOZOO. Numa relação de zoológicos e aquários ativos em todo o mundo, publicada em 2001, consta que o mais antigo zoológico brasileiro em atividade é o Jardim Zoológico Museu Paraense Emílio Goeldi, inaugurado em Belém em 1895 (KISLING JR., 2001: 388). 5 Iniciativa de Carlos José de Arruda Botelho, médico e secretário da Agricultura, que criou o Jardim da Aclimação em gleba de sua propriedade. 6 Cf. site oficial da Fundação Parque Zoológico de São Paulo. 7 Em sua origem o nome seria James Peter Adams, lembrando que no Brasil do século XIX era habitual a tradução dos nomes para o português.
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69 Figura 1 – Notícia sobre a chegada, a São Paulo, da companhia de James Pedro Adams, publicada no jornal Correio Paulistano (1866, n.3039: 1). http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=090972_02&pasta=ano%20186&pesq=correio
Diplomático, Adams logo ofereceu a renda (“benefício”) de um de seus espetáculos para ajudar nas despesas da Guerra do Paraguai, conseguindo que o Vice-Presidente da Província, que naquele momento era Joaquim Floriano de Toledo, nomeasse uma comissão para organizar a arrecadação (CP, 1866, n.3035: 1). Apenas por este fato já se pode dimensionar a repercussão que esse empreendimento lograva ter na capital paulista. A compra de bilhetes para o espetáculo contou com lista subscrita por figuras proeminentes da cidade, que saiu publicada no jornal (CP, 1866, n.3101: 3). Não se pode garantir que estas tenham comparecido ao espetáculo mas que o prestigiaram, sim. Com a verba doada por Adams, quantidades consideráveis de café, açúcar e cigarros foram compradas e remetidas pelo Governo aos feridos de guerra (CP, 1866, n.3082: 2). No início de agosto, prestes a partir, a companhia anunciava: “Ultimo dia da exposição das feras / O diretor James Pedro Adams tem a honra de participar ao respeitável público que hoje 12 do corrente apresenta pela última vez a sua exposição zoológica nesta cidade” (CP, 1866, n.3068: 3).
Figura 2 – Anúncio da companhia de James Pedro Adams publicado no jornal Correio Paulistano (1866, n.3068: 3).
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=090972_02&pasta=ano%20 186&pesq=correio
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Ao comentar um período de calmaria em São Paulo, em razão da partida de espetáculos itinerantes que tinham animado a cidade, entre eles os de James Adams, um cronista, que usou o pseudônimo de Smarra, dava suas impressões sobre o dono da companhia, comparando-o a Noé8 e demonstrando assim que o mais marcante no circo de Adams seria, de fato, a variedade de animais que ele apresentava: O Adams, o velho americano que, para viver, equilibra cartuchos incendiados na ponta do nariz, o homem que traz às costas uma ambulância zoológica, o Noé do século XIX, pois que tem numa arca todos os animais conhecidos na superfície da terra, também deixou a cidade. Foi-se também ele, em busca de outros curiosos e amadores mais ferventes. / Que as águas do dilúvio (é meu desejo) lhe sejam propícias, e, breve, mostrem-lhe algures as verdes e floridas encostas do Ararat, nas extensas solidões do indiferentismo público (CP, 1866, n.3079: 1).
Sobre o público que recebeu, observamos que os bilhetes custavam 1$000 e que havia meia entrada para escravos e para crianças menores de seis anos (CP, 1866, n.3079: 1). Podemos depreender, assim, que seu público era amplo, podendo ir desde os figurões da elite paulistana que subscreveram a lista em prol dos soldados da Guerra do Paraguai até escravos; desde adultos até crianças. Podemos supor que os resultados de público tenham sido satisfatórios pois este circo voltou à cidade em fevereiro do ano seguinte (CP, 1867, n.3228: 2). Desta vez houve apenas duas notas no Correio Paulistano sobre sua presença na cidade e por uma delas ficamos sabendo que os espetáculos circenses ocorriam à noite e que, durante o dia, a companhia conseguia arrecadação específica “expondo ao público algumas feras e outros animais que têm sido apreciados, mediante uma razoável contribuição pecuniária” (CP, 1867, n.3215: 2). Quanto à itinerância da companhia de James Pedro Adams, pudemos acompanhar, pelo jornal Correio Paulistano, que ao sair de São Paulo, em agosto de 1866, foi se apresentar em Santos (CP, 1866, n.3068: 3) e depois de sua segunda passagem por São Paulo, em fevereiro de 1867, dirigiu-se ao interior da província, mencionando, em anúncio, as cidades de Sorocaba, Tatuí, São Roque, Itapetininga e Pirapora (CP, 1867, n.3275: 3). Atenta ao contexto latino-americano, Irina PODGORNY (2013) já apontou o quanto museus e coleções itinerantes constituem um universo ainda inexplorado de pesquisa e tem investigado alguns daqueles que passaram por Buenos Aires. Ao buscarmos melhor compreender o que seriam estas companhias itinerantes que apresentavam coleções de animais exóticos e selvagens, encontramos um referencial muito rico na obra de Helen COWIE (2014), da Universidade de York, que realizou extensa pesquisa sobre exposições de animais na Inglaterra do século XIX. Em especial no capítulo 3 (COWIE, 2014: 52-76), assim como em artigo de síntese sobre este tema (COWIE, 2013), a autora aborda as várias coleçõesitinerantes de animais que circulavam pela Inglaterra, com caráter de empreendimentos comerciais, com base em abundante documentação, incluindo até mesmo um livro de registros do principal empreendimento inglês desse tipo, aquele de “George Wombwell, cujo nome logo se tornou sinônimo de coleções zoológicas itinerantes” (COWIE, 2014: 57). A partir desta obra pudemos identificar, de fato, alguns elementos presentes nas práticas da compa8 A associação entre coleções zoológicas e a Arca de Noé era algo corrente, mostrando a permanência de um referencial bíblico nas explicações sobre as origens do mundo, mesmo que pudesse haver uma conotação de humor. Essa frequente associação serviu, inclusive, para o título de uma obra publicada por ocasião do sesquicentenário da Zoological Society of London, The Ark in the Park (BLUNT, 1976).
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nhia Adams, como sua presença em Sorocaba, no interior da província de São Paulo, justamente por ocasião da feira que se realizava tradicionalmente naquela cidade. Diz o anúncio: ... O diretor desta companhia participa ao respeitável público sorocabano que pela ocasião da feira apresentar-lhe-á uma grande diversidade de trabalhos (...). / Além disso porá também à apreciação pública um grande quadro zoológico das mais raras e indomáveis feras da Europa, Ásia, África e América, e bem assim a maior serpente que se pode imaginar, pesando 10 a 11 arrobas – Sucuri. O preço para qualquer divertimento será – 1$000. ... (CP, 1867, n.3275: 3).
Esclarece Cowie, quanto a isso, que embora mais assíduas nas cidades maiores, as coleções zoológicas itinerantes usualmente incluíam, em seus roteiros, as cidades nas quais se realizavam as principais feiras anuais tradicionais do interior da Inglaterra (COWIE, 2014: 57-58), tal como eram tradicionais, aqui, as feiras de Sorocaba, tendo servido, assim, àquele tipo de estratégia comercial já estabelecido.As empresas inglesas criavam preços mais baixos para trabalhadores e crianças (COWIE, 2014: 60), assim como, vimos acima, também se fazia nas apresentações de Adams em São Paulo, com meia-entrada para escravos e crianças. O sentido geral dessas exposições itinerantes, casando a função de divertir com aquela de instruir – binômio característico do século XIX (BARBUY, 1999: passim) –, também foi constatado por Helen Cowie e, de fato, torna-se evidente pela simples observação dos anúncios. Fica explícito em publicidade da Companhia Chiarini, que se apresentou na cidade em maio de 1876, com circo instalado no Largo de São Bento.9 Entre as diferentes atrações que anunciava, sublinhamos algumas indicações: “Grande Circo Chiarini / Coleção zoológica” (CP, 1876, n.5858:4); “uma coleção de feras muito rara e nunca vista neste país, dignas do mais minucioso estudo zoológico, harmonizando assim o recreativo com o instrutivo” (CP, 1876, n.5866: 3); “haverá espetáculo equestre, acrobático e agregação zoológica às 8 horas da noite” (CP, 1876, n.5869: 4). O cronista anônimo do jornal ratificou: “além de grande pessoal artístico, traz a companhia uma coleção de feras, digna de ser vista e admirada”. Havia grande afluência de público a esses espetáculos, segundo as narrativas do jornal. O dono do circo, Giovanni Chiarini, pelo nome, presume-se, era italiano mas em sua companhia viam-se nomes de nacionalidades diversas. Tinha um administrador, Lourenço Maia e um agente, F.E. Picard, que assinaram, alternadamente, alguns de seus anúncios. Para cada tipo de animal, havia um domador como Lengel e Silvestre. Pelo que se encontra nos registros do jornal, diferentemente da companhia de James Adams, o circo Chiarini não praticava a simples exposição de animais para serem vistos nas jaulas. No circo Chiarini, as feras eram mencionadas como dignas de interesse em si mas, ao que tudo indica, somente eram apresentadas em números circenses, sempre conduzidos por domadores. Destacava-se, porém, a oportunidade instrutiva que o circo representava pelo contato com as feras: O diretor tem a honra de anunciar a todas as excelentíssimas famílias que não têm assistido as exibições dos raros animais ferozes e domesticados que possui (...), que aproveitem estas duas últimas funções, dando assim a conhecer às crianças estes animais não comuns neste país, dando-lhes o primeiro passo no conhecimento 9 O Largo de São Bento era o local destinado aos circos nos anos de 1840 a 1860, segundo Ernani Silva BRUNO, em História e tradições da cidade de São Paulo, citado por Ricardo MENDES (2015).
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da zoologia. / Os corpos municipais de Londres, Paris, New-York, Berlim, Hamburgo e outras grandes capitais conservam seus agentes nos países remotos para comprar animais raros, a fim de reforçar as coleções dos jardins zoológicos. / Nas exibições ambulantes é raro encontrar-se espetáculos no pé do presente, que se torna recomendável por seus elementos meritórios. (CP, 1876, n.5885: 4)
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Quanto à itinerância dessa companhia, os registros do jornal permitem recompô-la, ao menos parcialmente. Em abril de 1876, anunciava o início, em breve, dos espetáculos em São Paulo (CP, 1876, n.5858:4). Depois de informado que entraria pelo Porto de Santos (CP, 1876, n.5859: 2), em 1º de maio chegava à cidade (CP, 5864: 2) e fazia várias apresentações. Em junho estaria em Campinas (CP, 1876, n.5896: 2), em outubro em Niterói (CP, 1876, n.6004: 2), em julho de 1877 em Montevidéu (CP, 1877, n.6199: 3) e em outubro daquele ano em Buenos Aires (CP, 1877, n.6285: 2). Note-se que o fato de o jornal paulistano noticiar, seguidamente, a presença do Circo Chiarini em diferentes cidades, mostra que os seus leitores poderiam continuar interessados em ter notícias da companhia. Anos antes, em 1870, uma pequena nota isolada havia informado que a companhia Chiarini tinha seguido da Côrte do Rio de Janeiro para a região do rio da Prata (CP, 1870, n.4159: 2), o que confirma uma prática já estabelecida de itinerância internacional na América do Sul. Um outro indicador de aferição sobre a popularidade da Companhia Chiarini é o fato de que no mesmo ano de 1876 em que esta havia se apresentado em São Paulo, pouco depois de sua partida, o jornal humorístico O Polichinello, redigido por Luiz Gama e ilustrado por Nicolau Huascar de Vergara (CAMARGO, 1981: 10), publicou uma charge com menção a Chiarini (O POLICHINELLO, 1876, n.13: 4-5)
Figura 3 – Charge publicada no jornal humorístico O Polichinello (1876, n.13: 4-5). Na parte superior da gravura, referência à Companhia Chiarini.
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A charge fazia referência às obras ferroviárias que visavam à ligação da Província de São Paulo ao Rio de Janeiro. A figura masculina central, como pudemos deduzir, representa Clemente Falcão de Souza Filho – o Dr. Falcão Filho10 -, naquele momento superintendente da Companhia S. Paulo e Rio de Janeiro; as figuras femininas representam as duas províncias. De acordo com esta charge, por trem terão sido transportadas as feras do Chiarini, conforme pormenores na parte superior da gravura, sob a legenda “Desembarque das feras / Para o circo Chiarini”. Podemos identificar parte dos animais como aqueles elencados nos anúncios da companhia. Da esquerda para a direita: um lobo, uma onça, um camelo (animais não mencionados nos anúncios que encontramos), uma zebra – “lindas zebras, as mais bonitas e melhor pintadas de sua raça, exibidas pelo artista inglês Frederico Silvestre” (CP, 1876, n.5858: 4), que eram “zebras da Mauritânia” (CP, 1876, n.5876: 4); um búfalo – “um grande búfalo norte-americano, o primeiro exibido no Brasil; de combinação com o qual se representarão ações intrépidas e seguidas pelos índios do Norte da América” (CP, 1876, n.5858: 4); um grupo de tigres – “quatro belos e imponentes tigres reais de Bengala, os mais formosos de sua raça, domados pela inteligência do arrojado e intrépido domador de feras Her E. Lengel” – era destacada também “a grande jaula dos Tigres Reais” (CP, 1876, n.5858: 4) ou “Uma senhora na gaiola dos tigres! / Incalculável atrevimento! / Grande força de abnegação pessoal / A Sra. Emily Rowland, esta insigne artista equestre (...) penetrando no interior da jaula dos sanguinários tigres de Bengala, demonstrando o poder da inteligência humana sobre a força bruta, e imortalizando o seu nome nos anais desta cidade, com um acontecimento memorável” (CP, 1876, n.5858: 4).
A única ilustração presente nos anúncios da companhia representam o búfalo, que se vê, na gravura, montado por um índio (CP, 1876, n.5866: 3) Fatos ocorridos depois com esse búfalo, em outras cidades, também foram acompanhados pelo jornal: em Niterói, esse animal (também chamado de bizonte) havia causado grande confusão, em consequência da qual um homem tinha fraturado uma perna (CP, 1876, n.6004: 2); em Buenos Aires, nova confusão: o búfalo ter-se-ia enfurecido e escapado, infundindo grande medo e tendo sido caçado durante sete horas. O caso foi relatado com detalhes (CP, 1877, n.6285: 2).Tudo isso pode ser visto como reverberações da passagem, em São Paulo, do circo e seus animais, que, presume-se, continuariam assim presentes no imaginário coletivo.
10 Esta dedução baseou-se, primeiramente, nas informações sobre esta companhia que constam dos relatórios do Presidente da Província, Sebastião José Pereira, de fevereiro e em fevereiro de 1877 RELATORIO apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de S. Paulo pelo presidente da provincia, exm. sr. dr. Sebastião José Pereira, em 2 de fevereiro de 1876. S. Paulo,Typ. do "Diario," 1876. p.26-28. e RELATORIO apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de S. Paulo pelo presidente da provincia, o exm. sr. dr. Sebastião José Pereira em fevereiro de 1877. S. Paulo, Typ. do "Diario," 1877. p.72-73). Nesses relatórios são informados o trajeto, a realização dos diferentes trechos e a infraestrutura da ferrovia, e consta como superintendente da Companhia S. Paulo e Rio de Janeiro, responsável pelo empreendimento, o Dr. Falcão Filho. Em 2 de julho de 1876, a seção de Jacareí tinha sido inaugurada, sendo este o provável motivo de uma charge aparecer n’O Polichinello no dia 7 de julho daquele ano. O nome do Dr. Falcão Filho aparece também nos constantes avisos da companhia ferroviária publicados no Correio Paulistano. A hipótese de que a figura masculina central na gravura represente o Dr. Falcão Filho é confirmada por sua semelhança com o retrato a óleo dele existente no acervo da Faculdade de Direito, onde foi professor, obra do pintor Almeida Junior, datada de 1888. Apenas na charge, feita mais de 10 anos antes da pintura, o rosto está um pouco mais fino e em vez dos óculos, um monóculo. Os traços, porém, são os mesmos, o implante do cabelo, o nariz, os lábios e já o uso de barba e bigodes.
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Figura 4 – Anúncio da Companhia Chiarini publicado no jornal Correio Paulistano (1876, n.5866: 3). A ilustração retrata o búfalo norte-americano que participava das apresentações, montado por um índio.
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Artigo recebido em janeiro de 2016. Aprovado em abril de 2016
A EPIFANIA DAS MÁSCARAS: UMA EXPERIÊNCIA DE ESCUTA E ENCONTRO DIALÓGICO
João Pacheco de Oliveira1
RESUMO Durante suas viagens pela Amazônia (1783 a 1792) o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira recolheu e fez desenhos e pinturas sobre muitas máscaras de povos indígenas da região entre o Alto Solimões e o rio Negro. Por muito tempo esse material esteve guardado em arquivos portugueses, só vindo a ser indexado e exposto no final do século XX. O artigo relata a experiência de reencontro entre, de um lado, as imagens e descrições constantes nas fichas deste material e, de outro, as interpretações e narrativas feitas na atualidade por intelectuais, líderes e estudantes do povo Ticuna. No diálogo, promovido pelo etnógrafo, as noções convencionais de tribo, grupo étnico e cultura revelam-se como extremamente limitadas, apontando a necessidade de novas concepções relativas ao tempo e as comunicações transculturais. PALAVRAS-CHAVE Viajantes naturalistas; Alexandre Rodrigues Ferreira; máscaras; ticunas; século XVIII.
The Epiphany Of Masks: A Dialogical Experience About Transcultural Communications ABSTRACT During his travels through Amazonia (17831792) the naturalist Alexandre Rodrigues Ferreira collected and made drawings and paintings of many masks of indigenous peoples of the region between the upper Amazon and the Rio Negro. For a long time this material was stored in Portuguese archives. It has been indexed and exposed only in the late twentieth century. The article reports the experience to bring together, on the one hand, the images and descriptions contained in the records of this material and, on the other, interpretations and narratives made today by intellectuals, leaders and students of Ticuna people. In the dialogue, articulated by the ethnographer, conventional notions of tribe, ethnicity and culture are revealed as extremely limited, highlighting the need for new concepts related to time and transcultural communications. KEYWORDS Travelers naturalists; Alexandre Rodrigues Ferreira; masks; Ticuna; XVIII century.
1 Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Curador de coleções etnológicas do Museu Nacional/UFRJ.
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As peças que integram um museu podem ser “vivas”? Ou seja, elas podem ter uma outra vida, uma ordem de existência que não seja planificada, coordenada ou sequer conhecida pelos curadores, museólogos e dirigentes responsáveis pelas instituições que as administram e possuem? Esta ideia, que estaria na contra-corrente das sensações e sentidos que garantem a presença e expressão dos objetos na experiência museológica, implicaria na completa subversão daquilo que, seguindo Arjun Appadurai (1986), poderíamos chamar de a vida cotidiana dos objetos e a organização social das exposições. Os temores que suscitam, apesar de sua raridade e de sua aparente esquizofrenia, foram algumas vezes expressados em diferentes contextos e em abordagens para diferentes públicos. Um dos campeões de bilheteria do cinema americano, A night at the museum, relata em termos tragicômicos, as agruras de um vigia noturno de um dos grandes museus da cidade de Nova York, o Natural History Museum, para, uma vez fechadas as bilheterias e encerradas as visitas, evitar que a ordem racional e diurna fosse definitivamente afetada pelas profundas e desconhecidas tensões e relações tecidas entre os objetos e imagens ali encerradas. Um consagrado mestre na ficção literária, o escritor e crítico inglês George Orwell (1945), escreveu uma pequena e fascinante novela, hoje já clássica, que tem como tema uma inédita e imprevisível revolta dos animais, elaborando uma contundente (mas divertida) metáfora política.A noção de “agência”, aplicada por A. Gell (1998) ao estudo das artes, também parece integrar-se a mesma genealogia. Neste artigo eu me dedico a relatar resumidamente um conjunto de interlocuções ocorridas durante um período de trabalho de campo entre os Ticunas, povo indígena em que desenvolvo pesquisa há cerca de quatro décadas. Em um dos mais famosos livros de viagem, Viagem Philosophica pelas Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá, o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, nascido na Bahia no período colonial mas com acurada formação científica realizada na Universidade de Coimbra dentro da perspectiva de um iluminismo português, descreveu as suas viagens pela Amazônia entre 1783 e 1792 e os contatos que manteve com dezenas de povos indígenas desta região. Ele esteve também na região do Alto Solimões e Rio Negro, apresentando informações sobre os Ticunas bem como sobre outros povos dessa área, alguns dados como extintos desde o século XIX. O livro contem também pranchas e desenhos, elaborados pelos dois auxiliares que o acompanhavam ou por ele mesmo, onde aparecem algumas cenas e pessoas destas etnias. Duzentos anos depois, o antropólogo português José Antônio Fernandes Dias localizou a grande coleção de peças etnográficas formada por Alexandre Rodrigues Ferreira, e as reapresentou, sob sua curadoria, em uma belíssima exposição na cidade do Porto em 1994. O catálogo, intitulado Memória da Amazônia, foi editado no mesmo ano pelo Museu Antropológico da Universidade de Coimbra (MAUC). Posteriormente, em 1997, a exposição foi exibida em Manaus, no Palácio Rio Negro (antigo palácio de governo), também sob a sua curadoria, apoiada pelo Museu Amazônico da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com uma boa afluência de público e um forte impacto na cidade. As máscaras apresentadas naquelas exposições, fotografadas e organizadas pelo Museu e Laboratório Antropológico da Universidade de Coimbra, me propiciaram uma modalidade de investigação pouco usual no trabalho antropológico - atividade que em geral é fortemente marcada pela sincronia. Prestar atenção às interpretações e aos argumentos que dela resultaram pode a meu ver conduzir à outras chaves de análise e recuperação de sentidos, revalorizando o papel da reflexividade na produção de etnografias2. 2 Ver Bourdieu, 1966; Stocking, 1992; Thomas, 1991; Barth, 1995.
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Relatar a experiência daí resultante, creio, poderia ser útil também para estimular os debates sobre uma reformulação de perspectiva nos museus etnográficos. Submeter ao olhar dos nativos a cultura objetificada reunida nos museus possibilita repensar algumas práticas e interpretações tanto sobre as populações colonizadas quanto sobre a própria natureza da “ilusão museal” (Pacheco de Oliveira & Santos, 2015). Em suma, debater as relações entre o sagrado e o profano, entre o racional e o imaginário, entre o solar e o noturno nos museus etnográficos. *** Alguns anos atrás (1999) fiz uma viagem aos Ticunas com a finalidade de produzir, conjuntamente com uma equipe do LACED/Museu Nacional, um documentário sobre as novas formas de organização indígena. Paralelamente, munido de fotografias reproduzidas via scanner das peças exibidas na exposição Memória da Amazônia (acima mencionada) e em outra intitulada Os Índios, Nós, realizada no Museu Nacional de Etnologia (MNE), em Lisboa, em 2000, com curadoria do antropólogo Joaquim Paes de Britto, bem como das descrições e comentários contidos nos livros de registro das duas instituições (MAUC e MNE), pude envolver-me em um fascinante exercício dialógico – promover um encontro dos índios contemporâneos com a Amazônia do século XVIII, ouvindo, dialogando e registrando as reflexões e argumentos dos Ticunas atuais sobre tal material. É deste encontro que resultam as anotações, comentários, hipóteses e interpretações a seguir aqui apresentadas. Segundo os registros feitos por Alexandre Rodrigues Ferreira, as máscaras seriam de origem Jurupixana, tribo dada como extinta nos inventários etnológicos e lingüísticos, bem como em levantamentos bibliográficos desde o século XIX. Os Jurupixuna habitariam os afluentes dos rios Negro e Japurá (também chamado de Putumayo). Através de outros viajantes do século XIX, como Spix e Martius e Bates, há notícias sobre a existência de índios chamados Juris no rio Içá (Caquetá) e Japurá. Em seu rigoroso trabalho de revisão da literatura sobre os indígenas do Brasil, Herbert Baldus (1954) menciona esta tribo, registrando também para ela igualmente a referência de Juripixuna. Os Ticunas, por sua vez, ocuparam no passado uma região mais a oriente, tendo o rio Içá e seus afluente como o seu limite. Esta situação se modificará ao longo do século XX, com a convivência com famílias de indígenas Cocamas, provenientes do Peru, e de grupos locais Caixana. Por outro lado durante levantamentos de população indígena no Alto Solimões, pude obter indicações sobre a presença passada de famílias e grupos locais Juris em terras do atual município de São Paulo de Olivença (Pacheco de Oliveira, 1988, 2012 e 2015). Os dois povos participavam de todo modo de uma mesma área cultural, caracterizada, entre outros elementos, por uma cosmologia complexa e dualista, pelo uso de máscaras, de tabaco forte e bebidas fermentadas. *** Ao apresentar as reproduções xerográficas das máscaras aos Ticunas atuais logo surpreendeu-me o contraste face as atitudes que em geral mantinham frente a situações de variação cultural entre subgrupos de distintas localizações territoriais. Enquanto naquelas ocasiões, em relação a estoques de nomes individuais e dos patriclans, de motivos de pintura, mitos, e tecnologias diversas, eles marcaram os limites estritos de seu conhecimento, referenciando-se sempre a sua própria comunidade, e afirmando não saber informar sobre costumes e aspectos de seus vizinhos, agora os Ticunas estabeleceram de imediato um diálogo
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com aquelas fotos, praticando um exercício de reconhecimento e refletindo sobre os significados que traziam. Comparavam-nas com aquelas que costumavam ver e recordavam-se de relatos que ouviram sobre “festas de moça nova” (como são chamados os rituais de iniciação feminina, worécu, onde aparecem as máscaras) em que todavia não estiveram presentes. O ato mais extremado de estranhamento que os meus interlocutores realizaram foi de afirmar que nunca haviam visto tal ou tal máscara. Consideravam possível no entanto encontrá-las em outras aldeias ou entre moradores de igarapés mais distantes, ou ainda referiam-se a relatos de terceiros. Em momento algum um dos entrevistados disse que essa máscara não era “nossa” (Ticuna), que era de “outros índios”, pretendendo assim demarcar os limites de sua própria cultura. Mesmo quando admitiam não saber o que algumas daquelas máscaras significavam, isso era explicado apenas como um reflexo da sua experiência singular - individual e limitada – de sua própria cultura. Ao apresenta-las aos meus interlocutores (de diferentes aldeias, idades e gênero), não afirmei nem sugeri jamais tratar-se de “máscaras dos antigos Ticunas”, mas apenas perguntei se aquelas máscaras podiam ter algum significado para eles. Bem mais tarde, antes de encerrar as conversas, mencionava sempre que as máscaras eram de 200 anos atrás e que os registros dos museus portugueses atribuíam-nas a um outro povo indígena (Jurupixuna), embora pudessem estar equivocados. Isso porém em nada os fez alterar ou expressar dúvidas quanto a identificação que haviam feito. Evidenciavam assim que sentidos podiam ser construídos não apenas para os materiais de sua cultura, mas que máscaras produzidas por outros povos podiam ser apropriadas, semantizadas e consideradas gramaticais por eles. O que permite lançar dúvidas quanto à etnificação das coleções dos museus, que frequentemente correspondem mais à classificações feitas pelos brancos (comerciantes, administradores, indigenistas e antropólogos) do que a limites na geração de sentido para o próprio pensamento dos indígenas. *** Como um expectador privilegiado desse contexto, pude ver como desmoronavam as interpretações e analogias conferidas àquelas máscaras pelos especialistas em cultura material e etnologia, justamente aqueles que propiciavam (e regulavam) o acesso do público aos seus possíveis significados. O primeiro choque sobreveio das conversas relativas a máscara BR – 136 e de outras ditas pelos Ticunas como similares (ACI. 317/300 e BR – 138). Para Alexandre Rodrigues Ferreira, um viajante filósofo e cientista inspirado nas classificações de Linneu e na ideia de uma história natural universal, assim como para muitos naturalistas viajantes que o sucederam, certas máscaras eram aludidas claramente como representações personalizadas da natureza (principalmente de espécies animais. Quando tais analogias não eram aplicáveis a algumas máscaras, a tendência era de apoiar-se no imaginário religioso do cristianismo (mencionando “ídolos” ou “demônios”) ou de expressar seu desconforto e distanciamento analítico frente às “superstições” ali materializadas. É o que Alexandre Rodrigues Ferreira nos diz da máscara BR – 136, explicada como “hum mero capricho de seu enthusiasmo, sem objecto real, a que se ella possa aplicar”. Os especialistas sediados nos museus, por sua vez, utilizavam frequentemente o autor ou o coletor como a sua fonte básica de informação, acrescentando-lhe informações advindas da comparação de diferentes materiais e tecnologias encontradas nas coleções de que dispõem.
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Imagem 1 – máscara 136
Imagem 2 - mascara 141
Imagem 3 – màscara 147
Vários Ticunas, no entanto, demonstraram um grande temor diante da figura desse mascarado, que representaria um espírito muito perigoso, o “tchatchacuna”, com o qual só os mais poderosos pajés poderiam comunicar-se. Contaram-me então que tal personagem “mora embaixo da terra, é muito branco e sabe onde tem festa; quando as pessoas já estão dançando e bêbadas, ele entra na festa e sopra em cima de algumas delas, que ficam doidas e começam a brigar entre si e a cortar-se (i.e., esfaquear-se) mutuamente”. Também casos de suicídios são atribuídos ao “tchatchacuna”. Os meus interlocutores observaram ainda que toda vez que o “tchatchacuna” manda alguém para a morte, os fios de cabelos que saem de seu nariz transformam-se em uma corrente de sangue. A descrição neutra da matéria vegetal de que se comporiam estes aparentes “bigodes” contrasta totalmente com este assustador relato - não da peça em si, mas da intervenção real, como se esta estivesse sendo vista agora, praticada pelo personagem a que a máscara alude. Até mesmo a identificação de espécies naturais revela grandes divergências entre as descrições dos etnógrafos e museólogos e aquelas dos nativos. Assim ocorre, por exemplo, na máscara BR – 141, onde os registros museológicos identificam um morcego, enquanto os Ticunas descrevem um mamífero (felino) de grande ou médio porte (respectivamente a onça e o cachorro do mato); na xerox referente à peça BR – 142, os registros mencionam uma onça ou macaco, enquanto os Ticunas falam em uma figura humana (“uma bonequinha”). As tentativas de desvendar as impressões ou sentimentos inspirados pelas máscaras incorrem por sua vez em distorções ainda maiores. Um exemplo chocante disso é a máscara BR – 147, descrita nos catálogos como
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um “animal maior” (com “fauces cheias de dentes”), o qual por sua vez devora um animal menor (“um jacaré”). Na leitura praticada pelos Ticunas, esta peça não estaria de modo algum replicando processos naturais de predação de uns animais por outros, mas mostraria um outro tipo de espírito malfazejo que habita o mundo subterrâneo, o “ucaé. Tal personagem estaria “vomitando alguma coisa que tem dentro de si, para que ela fosse atacar outra pessoa”. No caso, dizem os Ticunas, o “ucaé” estaria expelindo uma cobra, mas poderia lançar igualmente outros “bichos” (“como aranha, vespa, morcego”) que iriam a seguir instalar-se no corpo das vítimas e promover a sua morte por feitiçaria. *** Não é correto também supor que os indígenas estejam sempre de acordo quanto à identificação dos personagens e ações representados nas máscaras. As interpretações que apresentam podem estar referidas a estoques locais de conhecimentos sobre as máscaras, tanto quanto as narrativas míticas ou ainda a referências às práticas e a linguagem do xamanismo (todas elas distribuídas de maneira bem diversa entre a população Ticuna, obedecendo a fatores de especialização, idade, gênero e localidade). Isso é recorrente, p. ex., nas análises sobre as máscaras BR – 147 e 136, ambas já mostradas anteriormente). Para um exemplo de leituras divergentes realizadas a partir de uma narrativa ou da observação direta da natureza, podemos reportar-nos a Imagem 2 (Máscara BR – 141). Enquanto um dos analistas indígenas identificou tal máscara a um tipo de cachorro do mato muito bravo, similar quase a uma onça, um outro realizou uma exegese a partir de uma narrativa tradicional sobre um menino órfão criado pela avó. *** A avó teria em seu poder uma máscara de onça, que secretamente colocava e saia à noite para caçar animais de vários tipos. Ela proibia à criança de tocar naquela máscara. Um dia o menino encontrou no tapiri um fígado humano – que fazia um som muito peculiar (“taca taca taca”) – dentro de uma panela de barro. Curioso, voltou a indagar de sua avó sobre aquela máscara, ao que ela nada lhe respondeu e renovou a proibição. No dia seguinte, a criança encontrou outra vez a máscara, resolveu brincar com ela e a colocou em seu corpo. O menino nunca mais conseguiu retirá-la e ficou para sempre transformado em onça. Ao invés de um registro neutro de memória, de uma simples decifração de um objeto em sua forma atual e observada, o que pudemos notar aqui (como no relato da imagem BR-136) é algo bem diverso. Os interlocutores indígenas se envolveram em uma “démarche” interpretativa, incorporando o visto (a máscara) enquanto componente metonímico de uma performance maior (a ação dos personagens envolvidos). Isso os leva a dramatizar “in extremis” o relato e a atualizar para si mesmos, assim como para os que os ouvem, toda a dimensão aterrorizante dos significados aludidos naquela peça. Assim o narrador, com visível sentimento de pena e temor, observou que a máscara tem a boca aberta (por causa “do choro do menino”) e por trás da figura da onça se pode perceber “uma cabeça de gente” (da criança tentando desesperadamente arrancar a máscara). Aos Ticunas não causa qualquer desconforto o fato de que haja discordâncias quanto à identificação dos personagens representados pelas máscaras. Os conhecimentos e experiências que os indivíduos têm da cultura são muito diferentes, dependendo da localidade e do circuito de parentesco a que pertencem,
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das diferentes faixas de idade, das religiões oficiais que adotam e dos conhecimentos que possuem sobre o mundo dos brancos. Enquanto um “capitão” (líder local) de 64 anos observava a imagem 1 e falava sobre o “tchatchacuna”, um rapaz de 22, solteiro e estudante, embora captando perfeitamente o teor ameaçador da máscara, classificou aquele personagem como “um extra–terreno, um ET” (sic!), todos rindo muito (inclusive o etnógrafo) daquela surpreendente sobreposição de significados. Um curto circuito temporal reunia o saber xamanístico à ficção científica holywoodiana, o viajante filósofo aos imaginário atual da televisão. *** Por que os indígenas jamais falam das máscaras friamente, como se as estivessem observando à distância? Segundo as tradições Ticuna as máscaras surgem apenas no contexto do ritual de iniciação feminino (worecu), chamado em português de “festa da moça nova”, sempre protagonizando cenas de agressão contra à jovem e as pessoas presentes na festa (em especial as crianças e mulheres). Longe de verem os mascarados como artefatos admirados na vitrine, os participantes deste ritual (em especial os parentes mais próximos da “moça nova”) envolvem-se em , jogos de confronto corporal com elesde modo a evitar que atinjam o local onde está a moça (que querem violar e matar). Ao cabo, depois de parecerem desistir desse intento, recebem comida e bebida, sendo enquadrados na festa e passando a dançar com os participantes. Os mascarados são objeto de sentimentos permanentes de medo, raiva e desconfiança, não deixando jamais de serem perigosos, pois a qualquer momento podem voltar a serem agressivos e perseguirem os seus intentos iniciais. Algumas vezes os participantes da festa conseguem individuar quem seria, naquele caso, o indígena que usa aquela específica máscara. Contudo como nessas ocasiões é comum um grande o afluxo de visitantes de outros grupos locais, a tendência mais usual é preservar-se o segredo de quem é o portador da máscara. Há sempre, claro, a virtual ameaça de que dentro da máscara não exista um homem, mas sim o próprio espírito agressor, notoriamente no caso de alguns personagens mais assustadores ou de mascarados com uma conduta mais agressiva. Os limites entre a farsa e a tragédia, entre a jocosidade e o arbítrio de seres sobrenaturais malévolos, não são claramente delimitados nem podem portanto serem antecipados em sua totalidade pelos que participam de tal jogo. Ao término do ritual as máscaras são retiradas pelos visitantes e entregues ao dono da festa, em geral o pai ou o irmão do pai da jovem iniciada, sendo guardadas em um jirau para serem queimadas em outra festa a ser realizada um ano depois. Indiscutivelmente os momentos mais calmos da festa são justamente aqueles em que as máscaras estão ausentes. O processo cultural de investimento e atribuição de sentido3 às máscaras permite que interpretações ambíguas e contraditórias sejam entendidas como normais. Não existe um inventário rígido de personagens representados pelas máscaras. Cada máscara é inteiramente concebida e criada por quem irá vesti-la, correspondendo em geral a uma revelação ocorrida em sonho a um xamã. Alguns dos mascarados servem-se de identificações adicionais para dar a conhecer aos integrantes da festa a sua verdadeira “natureza” (usando para isso certos padrões adornativos – a roda ou a estrela, por exemplo -, portando objetos específicos ou entoando certas músicas). Outros utilizam-se para isso de talos de bambu como flautas e por aí “cantam”, com uma voz fina e de falsete, explicando para as pessoas “quem são” e “o que desejam”. *** 3 Ver Bourdieu, 1966.
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Concluindo, alguns pontos merecem ser destacados nesse processo de interlocução, de construção de sentido e de atualização de memórias dentro de uma “situação etnográfica” (noção sugerida por Pacheco de Oliveira, 1999, para o estudo das múltiplas dimensões do encontro entre o antropólogo e as pessoas e grupos que constituem o seu objeto de investigação). À diferença das sociedades ocidentais e modernas, que dispõem de tipografias, jornais, bibliotecas, universidades e seminários para sistematizar conhecimentos, imagens e símbolos, e inculcar corpos doutrinários (Goody, 1977), o imaginário religioso dos indígenas não se cristaliza e se reproduz de forma tão mecânica e repetitiva. Enquanto as imagens de santos são expostas nas igrejas e rotinizadas em retratos e publicações diversas, as máscaras Ticunas são regularmente destruídas e todo o seu patrimônio simbólico relativo ao sobrenatural precisa ser permanentemente refeito e atualizado. Também ao longo da história moderna do ocidente, a vivida e diversificada representação do inferno e da variada legião de males e dos demônios possíveis (tal como figura nas alegorias de Boccacio e no quadros de Hieronymus Bosch) é progressivamente substituída por elaborações estereotipadas e de componentes fortemente maniqueístas. Por não dispor de um padrão exterior fixo, de uma representação do sobrenatural sedimentada em monumentos e arquivos, as sociedades indígenas vivem um processo de incessante atualização de seu imaginário. Santos e demônios podem ser representados sob formas distintas e contrastantes, as relações que mantem entre si frequentemente contendo muito maior variedade e ambiguidade do que nas galerias das chamadas religiões universais. Segundo, há que destacar o gosto e interesse que os indígenas, em certos contextos, manifestaram em refletir e especular sobre saberes e sentimentos que estavam além dos limites de sua experiência cotidiana. Tal como os admiradores de uma obra de arte, os Ticunas aproveitaram-se das máscaras para dizer o indizível, para explorar o misterioso, para estabelecer pontes com o extraordinário, com o sagrado e com as origens. Esse movimento de reflexão e especulação, que se configura como um ato de mediação não circunscrito a fronteiras limitadas, é por vocação universalista, e não paroquial ou étnico. A etnificação imposta pelas agências coloniais e investigadas pelos etnólogos não pode nem deve se constituir em limites infranqueáveis à criação de sentido. O terceiro ponto a ressaltar é quanto à supressão da temporalidade. O diálogo de nossos interlocutores com as máscaras colocavam em relação direta a sua contemporaneidade com um passado bem pretérito, o contexto do presente dialogava e interagia diretamente com o de dois séculos atrás. No momento em que as máscaras foram produzidas e tiveram o seu ciclo social interrompido, o Brasil como nação não existia (a Independência foi em 1822), o Amazonas (criado em 1852) também não, a Etnografia não estava sequer distinguida como um domínio separado de investigação nos documentos da Société des Observateurs de L’Homme, de Paris, ea Antropologia aguardaria mais de um século para ser reconhecida como uma cátedra e disciplina universitária. Ao invés de termos das sociedades indígenas uma visão estática e simplista, refém de um essencialismo que não foi por elas engendrado nem mais lhes convém nos dias atuais, como se devessem ser sempre testemunhas exclusivas do passado ou leitores somente de suas próprias tradições, deveríamos buscar outros modelos, em que prevaleça o dinamismo, a variabilidade, a complexidade e a permanente recriação (Pacheco de Oliveira, 1999 e 2005). ***
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O que anima os visitantes em seus movimentos aparentemente livres pelo espaço museográfico é uma pergunta geral e sedutora – o que nos dizem as máscaras? Mas por trás dessa sugestão de liberdade e inesgotável criação, há um sistema subjacente de orientações que organiza uma hierarquia de significados. Um museu ou exposição etnográfica ao apresentar as máscaras promete aos visitantes algo mais – uma racionalidade ordenadora, um sentido único e claro, um segredo capturado e partilhado com o visitante.Em algum lugar do planeta, ou em outro tempo, alguém deveria ser capaz de dizer com precisão o que aquelas máscaras representam, decodificar os sinais confusos e contraditórios, superar o “non sense” e resgatar em sua plenitude um significado essencial que ali apareceria perdido. É o que tais museus coloniais prometem fornecer ao visitante.No jogo de encantamentos e expectativas, há um enorme risco de que tal mostra etnográfica exiba os objetos enquanto emblemas de uma humanidade partida em segmentos, como testemunhos (expressivos e consistentes) de uma cultura, de um povo, de uma época.Descontextualizadas, reificadas, desprovidas de dinamismo, as formas de pensamento e de vida de outros coletivos humanos, para que façam algum sentido, terminam por ser agrupadas e legitimadas através da imposição de carimbos étnicos. Em uma outra sintonia, os museus modernos e de inspiração estetizante, oferecem ao visitante o poder ilimitado de olhar e devassar os objetos e imagens ali colocados. Ao novo e exigente soberano dos tempos atuais, o consumidor, se anuncia o jardim das delícias, nada se pode ocultar ou negar. Uma vez quites com a bilheteria, ao visitante a ao seu olhar absolutamente livre são dispostos como oferendas os objetos e imagens, que aludem a valores, sentimentos e segredos de um outro, subalternizado à vontade deste novo deus ex-machina, o consumidor cultural. Em ambas as formas de construção da ilusão museal se reproduzem as assimetrias sociais, de um museu que não se volta para o futuro e para novas formas de cidadania, mas apenas reproduz o status quo. Os seus dirigentes e conselhos, frequentemente articulados apenas com as instâncias de poder político e econômico, impõem limites e restrições ao corpo técnico. Ainda que estes pareçam os representantes de uma espécie de classe sacerdotal, que regula e dirige o acesso àquela modalidade de sagrado: os etnógrafos – que selecionam as máscaras, recolhem, fornecem dados e interpretam – e os museólogos – que as ordenam, classificam e expõem – as suas possibilidades e inovar são limitadas. Há também os rigorosamente excluídos, os selvagens, os primitivos, os iletrados, cujas vozes e argumentações não podem ser acessíveis senão via o universo de palavras e inserções dos objetos engendradas por intérpretes autorizados ou pelo olhar do consumidor soberano. A busca do sentido é conduzida por um fio invisível, não a perspectiva dos fiéis ou praticantes, nem a dos agentes históricos que foram objeto da colonização. Trata-se de uma abordagem do sagrado e do sobrenatural em termos racionalistas, com uma intenção redutora e domesticadora. Os primitivos tornam-se apenas evidências de uma ficção construída pelo ocidente, indícios em si mesmos pouco importantes de formas de pensamento de uma modernidade que os objetifica e exclui. Ao contrário o que aqui procuramos realizar é abordar as máscaras não enquanto obras artísticas, que se configuram enquanto retrato, que congelam a duração em uma forma específica (o sorriso da Gioconda), cuja perfeição é ser continuamente um gesto que não se completa jamais, um simulacro de vida, mas enquanto rosto (Levinas), que nos traz a altura, a espessura e o desejo de um outro, ambos mergulhados no tempo e na duração .
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A capacidade que os indígenas demonstram de retomar e reconstruir ininterruptamente partes estratégicas de seu patrimônio cultural apresenta aos museus etnográficos um novo e interessante desafio e programa de trabalho, uma nova modalidade de produção da “ilusão museal”. Ou seja, resgatar o sentido latente dos objetos de cultura indígena armazenados em prateleiras, armários, vitrines e reservas técnicas, sistematicamente destilados de vida e realidade, soterrados por vontades alheias. Para que possam renascer e outra vez florescer é necessário antes de tudo que sejam novamente expostos aos olhares, à memória e a narratividade das sociedades indígenas atuais, suscitando narrativas múltiplas e sempre renovadas. Referências bibliográficas: APPADURAI, Arjun. The social life of things. Cambridge, Cambridge University Press, 1986. BALDUS, Herbert. Bibliografia Crítica da Etnologia Brasileira. São Paulo, Comissão do IV Centenário de São Paulo, 1954. BATES, Henry Walter – The naturalist on the river Amazons. London, Murray, 1863. BARTH, Fredrik, “Toward a greater “naturalism” in anthropology”, In Conceptualizing Society, Adam Kuper (ed.),London e New York, Routledge, 1995. BOURDIEU, Pierre, “Champ intellectual et projet créateur”, in Temps Modernes, nº246: 865 – 906, 1966. BRITO, Joaquim Paes de – Os índios, Nós. Lisboa, Museu Nacional de Etnologia, 2001. CANCLINI, Nestor Garcia, “El porvenir del pasado”, In Culturas Híbridas, Estrategias para entrar y salir de la modernidad, Buenos Aires, Editorial Sudamericana. 1992 CLIFFORD, James, “Museum as contact zones” In: Routes: Travel and translation in late twentieth century, Cambridge & London, Harvard University Press. 1997. DIAS, José Antonio Fernandes - Memória da Amazônia. Coimbra, Museu de Antropologia da Univrsidade de Coimbra, 1994. FERREIRA, Alexandre Rodrigues - Viagem Philosophica pelas Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá (1783-1792). Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1978. GELL, Alfred – Art and Agency: An Anthropological Theory. Oxford, Clarendon Press, 1998. GOODY, Jack – The domestication of the savage mind. ��������������� Cambridge, Cambridge University Press, 1977. LÉVINAS, Emmanuel – La realidad y su sombra. Madrid, Editorial Trotta, 2001. MARTIUS, C. F. P.. & SPIX, J. B. – Viagem ao Brasil (1917-1921). São Paulo, Melhoramentos, 1968. ORWELL, GEORGE – Animal Farm: A Fairly Story. London, Secker and Warburg, 1945. PACHECO DE OLIVEIRA, João - O ‘nosso governo’. Os Ticunas e o regime tutelar. São Paulo/Brasília, Marco Zero/CNPq, 1988.
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COLETA,TRANSPORTE E ACLIMATAÇÃO DE PLANTAS NO IMPÉRIO LUSOBRASILEIRO (1777-1822)
Ermelinda Moutinho Pataca
RESUMO No período ilustrado luso-brasileiro, o fluxo de vegetais no Império Português foi bastante fomentado e criou-se uma série de ações que viabilizassem a coleta, o transporte e a aclimatação das plantas exóticas nas capitanias brasileiras. Neste artigo analisaremos o conjunto de práticas botânicas, como a observação, a experiência e a experimentação, realizadas em diversos locais, como as matas, hortas, quintais, roças, jardins botânicos e os próprios navios para transporte vegetal. Para a execução deste projeto mobilizou-se um conjunto de profissionais envolvidos nas Viagens Filosóficas, em academias científicas, em Jardins Botânicos, que contaram com a colaboração da população local, com ênfase especial para o conhecimento indígena sobre as plantas.
ABSTRACT In the Luso-Brazilian Enlightenment, the circulation of plants in the Portuguese Empire was quite emphasised and created by a series of actions that would enabled the collection, transportation and acclimatization of exotic plants in the Brazilian captaincies. In this paper, we analyze the set of botanical practices, such as observation, experience and experimentation, carried out in several places, such as forests, vegetable gardens, backyards, botanical gardens and the ships for vegetable transportation. For the implementation of this project, was mobilized a group of professionals involved in the Philosophical Travels, in scientific academies, in Botanical Gardens, with the colabotion of local population, specially on the indigenous knowledge of plants.
PALAVRAS-CHAVES coleções de plantas vivas, botânica, viagens filosóficas, jardins botânicos, hortas e quintais
KEY-WORDS collections of living plants, botany, philosophical travel, botanical gardens, vegetable gardens and backyards
Ermelinda Moutinho Pataca
Introdução Durante o iluminismo luso-brasileiro, os estudos de botânica receberam destaque. Como recursos naturais, os vegetais apresentavam amplo potencial para o desenvolvimento da agricultura, da medicina, da marinha e da nascente indústria implementada em Portugal e no Brasil. Para a implementação da botânica foram criados espaços institucionais, como jardins botânicos e museus de história natural, que centralizaram a investigação vegetal com finalidade de desenvolvimento econômico em Portugal e suas colônias. A constituição das coleções botânicas, tanto de espécies vivas, quanto de sementes, herbários e produtos vegetais, esteve intrinsecamente associada ao complexo de práticas e representações de História Natural, assim como à dinâmica política e econômica do Império Português na transição do século XVIII para o século XIX. Para a execução de um projeto iniciado por Domingos Vandelli de elaboração da História Natural das Colônias, foi mobilizada ampla rede de colaboração investigativa, envolvendo naturalistas, desenhistas, governadores, boticários, cirurgiões, arquitetos e engenheiros, atuantes nas Viagens Filosóficas, nas Comissões Demarcadoras de Limites e nos projetos de urbanização (DOMINGUES, 2001; SANJAD; PATACA, 2007; PATACA, 2001; 2006). Durante o exercício das viagens no conjunto do Império Português, abrangendo a metrópole e as colônias americanas, africanas e asiáticas, os viajantes concentraram-se em vários temas concernentes à Filosofia Natural. Em consonância com o pensamento fisiocrático setecentista, as temáticas abordadas com maior ênfase nas reflexões de alguns dos naturalistas foram a agricultura e a botânica, expressas no conjunto de representações resultantes das viagens, numa associação intrínseca entre imagens, textos e coleções, como instruções, correspondências, memórias, diários, relações de remessas, desenhos, mapas, herbários, coleções de sementes e plantas vivas (PATACA, 2001; 2006; 2011). Analisaremos neste artigo a constituição das coleções botânicas preparadas no Império Português, com foco especial para as plantas vivas e as sementes. Inserimos a preparação das plantas no conjunto de práticas botânicas, compreendendo essencialmente a observação, a experiência e a experimentação. Para assegurar o transplante e a aclimatação das plantas, os ambientes deveriam ser muito semelhantes, o que demandou observações detalhadas sobre o tipo de solo, o clima, a disponibilidade de água, a época do ano para coleta e plantio. O processo de transplante e aclimatação de plantas vivas pode ser compreendido em três fases essenciais: coleta e preparação das plantas durante as viagens filosóficas; o transporte das plantas vivas e sementes por mar, e por fim, o plantio das plantas no destino, tanto nos jardins botânicos, ou em quintais, hortas e roças particulares. A fase da coleta foi designada aos naturalistas-viajantes em suas investigações pelo território colonial durante as Viagens Filosóficas. Eles contaram com a colaboração da população local, como uma elite ilustrada e os indígenas por seu amplo conhecimento das plantas. Analisaremos alguns textos resultantes das Viagens Filosóficas, especialmente as comandadas por Alexandre Rodrigues Ferreira no Grão-Pará e por Frei José Mariano da Conceição Veloso no Rio de Janeiro, em associação aos desenhos de botânica, no contexto de sua produção, ou seja, no exercício das viagens e nas atividades de gabinete. O transporte marítimo das plantas vivas, sementes e estacas, envolveu a criação de técnicas e dispositivos nas embarcações e no cotidiano das travessias oceânicas, assegurando a sobrevivência dos vegetais até o seu destino e prote-
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gendo as sementes da degradação ou germinação. Desta forma, os navios transformaram-se em laboratórios flutuantes, como espaços de experimentação e de cuidados especiais com as plantas. Nesta fase foram envolvidos marinheiros e comandantes das naus que experimentaram novas técnicas. A terceira fase compreende a aclimatação das espécies em seus novos destinos e ocorreu em espaços urbanos como os jardins botânicos metropolitanos e coloniais, assim como em roças, hortos e quintais. As paisagens agrícolas e a disposição dos vegetais cultivados em áreas urbanas e rurais aparecem em detalhes em alguns prospectos de cidades e vilas, constituindo excelente fonte de informação para compreendermos o processo de aclimatação e cultivo de gêneros agrícolas, da utilização dos vegetais em projetos paisagísticos e da criação de coleções de plantas medicinais. Todo esse processo de coleta, transporte e aclimatação de plantas foi desenvolvido em escala mundial sob preceitos de dominação colonial. As trocas intercoloniais de plantas não eram recentes. Ao longo de todo o processo de expansão territorial, desenvolvido pelos portugueses desde o século XV, tornou-se trivial o transplante de espécies, especialmente as plantas com potencial de exploração agrícola através do cultivo extensivo, como por exemplo a cana-de-açúcar. Os vegetais asiáticos sofreram restrições de cultivo no século XVII, mas vale assinalar que muitos deles continuaram a ser cultivados (DEAN, 1991; RUSSEL-WOOD, 1992). Durante o período ilustrado os portugueses valeram-se de ampla experiência desenvolvida em seu movimento colonizador. No entanto, no final do século XVIII essas práticas de transplante e aclimatação de espécies foram realizadas através de uma metodologia científica baseada na experimentação e na síntese de conhecimentos expressos em tratados e manuais sobre botânica, agricultura, viagens, exploração vegetal. A universalização do conhecimento tornou-se um preceito básico e a experiência colonial portuguesa foi associada às práticas desenvolvidas pelos ingleses e franceses no trânsito de vegetais entre suas colônias e os jardins metropolitanos. Frei Veloso sistematizou suas experiências e pesquisas sobre a coleta, transporte e aclimatação de plantas nas Instrucções para o transporte por mar de arvores, plantas vivas, sementes, e de outras diversas curiosidades naturaes (1805). Muitas das metodologias descritas nestas instruções foram desenvolvidas pelo próprio frade naturalista no exercício de suas viagens pelo Rio de Janeiro e por São Paulo, demonstrando a criação de novos conhecimentos publicados no período e que provavelmente foram utilizados por alguns dos naturalistas viajantes. Esta obra nos revela questões interessantes sobre os trânsitos de vegetais entre regiões tropicais e temperadas, e vice-versa, assim como de todos os cuidados implicados desde a coleta, passando pelo transporte até o plantio das espécies em ambientes distintos. Para a elaboração dessas instruções, provavelmente Veloso consultou algumas obras sobre o transporte de plantas vivas, mas não as citou, dificultando a identificação destas referências. A identificação destas obras seria útil para nos revelar em quais experiências o naturalista se apoiou para elaboração de suas instruções, e também de como elas fundamentaram as próprias práticas desenvolvidas pelo naturalista, quando comandava a Expedição Botânica no Rio de Janeiro, quanto em suas pesquisas realizadas em Lisboa. Provavelmente suas fontes consistiram de alguma obra francesa compreendendo as técnicas de transplante de vegetais entre as colônias e os jardins franceses, pois em vários momentos Frei Veloso cita alguns exemplos de Quebec no Canadá, ou do jardim botânico de Caiena na Guiana Francesa.
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Em escala planetária, o reconhecimento natural foi designado às quatro partes do Império Português, mas com um foco principal no Brasil. O fluxo de plantas entre as diversas regiões coloniais, assim como, entre as capitanias brasileiras foi uma marca imprescindível para a criação de novas práticas culturais, expressas na culinária, no consumo dos vegetais e em todo o processo de ocupação territorial e configuração geográfica do Império. Manuel Arruda Câmara (1810) sintetiza todo o processo de investigação botânica através do reconhecimento dos vegetais das diversas regiões do Império Português visando a aclimatação de plantas tropicais no Brasil e consequentemente a diversificação agrícola. Na primeira parte da obra o naturalista defendia a instituição de jardins botânicos para o desenvolvimento das práticas de botânica e da aclimatação de espécies, visando a produção de mudas e sementes a serem distribuídas entre os agricultores para a diversificação da agricultura. Na segunda parte, há uma lista com espécies com interesse agrícolas, provenientes da Ásia, da África, da Europa e das capitanias do Grão-Pará, do Maranhão, do Ceará e de Pernambuco, cujas descrições são baseadas em algumas das Floras produzidas no Império Português. Nesta obra Câmara (1810: 200) justifica a necessidade de transplante e aclimatação das plantas, rompendo as fronteiras geográficas e possibilitando a exploração vegetal, aproximando as plantas úteis à população: Debalde separou na Natureza as terras, intempondo-lhes longas extensões de mares; pois que os homens, impelidos das necessidades ou verdadeiras ou fictícias, romperam essas barreiras, e vão buscar de uma para outra parte ou os produtos dos vegetais para com eles trafegarem, ou os mesmos vegetais para os naturalizarem e possuírem; poupando-se desta sorte ao trabalho de os irem procurar e transportar de mais longe todas as vezes que deles há mister, e obrigando a outras nações a mudarem o Comércio para os seus portos, donde lhes provém uma riqueza imensa (Câmara, 1810: 200).
No discurso de Câmara a tônica principal incide no esforço humano para a apropriação dos recursos naturais de acordo com suas necessidades. Desta forma, o que ele chamou de naturalização dos vegetais foram técnicas criadas sob uma ótica antropocêntrica com objetivo de ampliar as possibilidades de exploração vegetal, diminuindo as distâncias de transporte e aumentando as possibilidades de consumo humano. O imperialismo configurado pela troca de espécies entre as diversas regiões coloniais formou-se através das condições de mobilidade e permanência dos viajantes pelo Império Português. O movimento dos viajantes entre as diversas regiões do Império Português ampliou suas experiências e direcionou o olhar dos naturalistas para objetos já vivenciados anteriormente, descritos na linguagem construída neste movimento. Por outro lado, durante as viagens encontramos situações de permanência dos naturalistas em determinados locais, viabilizando a preparação e sistematização das coleções. A fixidez também ocorreu na constituição de residências fixas para o exercício de cargos administrativos pelos naturalistas, ou mesmo por questões pessoais (PATACA, 2015). As mobilidades dos naturalistas ocorreram especialmente no exercício das viagens, assim como no transporte de plantas vivas e sementes, resultando na transferência natural e cultural pelo império português. Já as permanências se deram pela fixação dos vegetais à determinados ambientes geográficos, o que demandou a experimentação em longa duração em ambientes urbanos como jardins, hortas e quintais (PATACA, 2015). Analisaremos a constituição de coleções de plantas vivas e sementes pela dinâmica dos estudos de história natural, avaliando a alternância de momentos de mobilidade e permanência pelo Império Português.
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Coleta e observação das plantas nas Viagens Filosóficas
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Como expresso nas instruções de Vandelli aos viajantes naturalistas, o estudo da botânica compreendia a coleta, identificação, classificação e nomenclatura dos vegetais segundo o sistema Lineano e o nome popular. As práticas botânicas ainda compreendiam minuciosas descrições sobre a utilidade do vegetal e as experiências que potencializassem sua exploração como recurso natural. Percebemos como Vandelli concebia o estudo da botânica num intrincado entre observação, experiência e experimentação: Achada alguma planta (isto se deve estender do mais rasteiro musgo até a maior árvore) deve a recolher e por lhe o nome da Arte, reduzindo-a pela sua classe e ordem ao gênero, e espécie, se a tiver, se for um gênero, ou uma espécie nova, como há de ser infinitas do Brasil, formará um novo gênero, ou uma espécie nova usando das prudentes cautelas indicadas por Lineo: ao nome artificial do Sistema deve ajuntar o dos nacionais e inquirir juntamente o seu préstimo, tanto nos usos domésticos, como nas artes, fazendo experiências, ou com a maceração para ver se dão fios, ou se com o cozimento subministram alguma tinta (VANDELLI, 1779: p. 53).
O trabalho de coleta ocorreu predominantemente durante as Viagens Filosóficas empreendidas nas colônias portuguesas. O próprio conceito sobre as viagens, já demonstra as relações com a observação: “a viagem nenhuma outra cousa he mais que huma exacta observação dos paizes” (SÁ, 1783: p. 1). A observação compreendia um complexo de práticas de viagem, como a coleta de vegetais, a preparação de coleções acompanhadas de descrições em textos e imagens, o transporte das coleções até os museus, a síntese das informações nos museus através da comparação entre espécies e por fim, a publicação dos dados. Como percebemos os trabalhos de botânica eram muito extensos, abrangentes e minuciosos, demandando a mobilização de diversos profissionais (PATACA, 2011). O início da preparação sistemática das viagens para a América Portuguesa ocorreu após a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso em 1777. Neste mesmo ano, Martinho de Melo e Castro assumiu como Ministro da Marinha e Negócios Ultramarinos, exercendo grande controle nas viagens em completa associação às políticas coloniais. No contexto português de demarcação de fronteiras, as Viagens Filosóficas se configuraram numa forte associação entre o reconhecimento geográfico e o estudo dos produtos dos três Reinos da Natureza (DOMINGUES, 1991). As viagens realizaram-se concomitantemente à criação dos Jardins Botânicos para a constituição de coleções de espécies vivas. O planejamento das Viagens Filosóficas às colônias portuguesas remonta à construção do Jardim Botânico do Palácio Real da Ajuda em 1768. No local posteriormente foram construídas outras instituições, como um Gabinete de História Natural, a Casa do Risco e a Casa da Gravura, conjunto de estabelecimentos designado por Brigola (2000) como Complexo Museológico da Ajuda e que centralizou o amplo projeto de Vandelli de elaboração de sua História Natural das Colônias. O Jardim Botânico da Ajuda constituiu locus de estudo da botânica e de experimentação com os vegetais para sua aplicação na agricultura, na medicina e na indústria emergente em Portugal. A investigação colonial ao mesmo tempo que assumiu uma dimensão local na investigação minuciosa dos produtos naturais, também revelou dimensões imperiais nas ligações entre as colônias, através do movimento das viagens no
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espaço colonial; da troca de animais e vegetais pelas práticas de aclimatação de espécies; pela criação de novas técnicas de transportar as coleções de produtos naturais pelas vias fluviais, marítimas e terrestres. No movimento e no direcionamento do olhar dos naturalistas através das instruções metropolitanas, destacaram-se os vegetais úteis, suas características e práticas de cultivo e utilização. Nesta perspectiva utilitarista e antropocêntrica, foi criado um direcionamento sobre os locais a serem percorridos nas viagens que possibilitassem a investigação dos vegetais com real potencial de exploração e utilização. As investigações não deveriam ser realizadas apenas nas áreas florestais, mas os naturalistas que partiram dos principais núcleos urbanos, investigaram as áreas de cultivo urbanas, peri-urbanas e rurais, compreendendo as matas circunvizinhas e já exploradas pelas práticas extrativistas de madeiras e vegetais comercializáveis, especialmente as drogas do sertão. A centralização dos estudos botânicos nas grandes cidades facilitou a coleta, preparação, transporte, aclimatação e cultivo das plantas. Obedecendo à bipolaridade administrativa da América Portuguesa entre o Estado do Grão-Pará e o Estado do Brasil, Domingos Vandelli imaginava que um naturalista deveria empreender estudos de História Natural próximas à cidade do Rio de Janeiro, complementares aos estudos de um naturalista que acompanharia a Comissão Demarcadora de Fronteiras no Estado do Grão-Pará, revelando destaque especial ao Rio de Janeiro e à Amazônia. Concretizando este projeto, Alexandre Rodrigues Ferreira durante suas viagens pela Amazônia investigou os vegetais úteis, inventariando-os em algumas memórias com detalhadas descrições sobre suas propriedades, aplicações e características. Os desenhos botânicos possuem relações implícitas com as memórias, porém a explicação e a descrição de cada espécie provavelmente constavam nos diários botânicos, desaparecidos desde 1833. Muitos dos desenhos de plantas da Viagem Filosófica são assinados e têm anotações concernentes à data e ao local de coleta, ao período de florescência da planta, ao seu nome, etc, informações essenciais para uma análise pormenorizada dos significados dessas imagens. Inicialmente Vandelli ressaltava a comodidade de enviar um naturalista com Júlio Mattiazzi ao Rio de Janeiro, pela conveniência na facilidade de transporte dos produtos naturais que sairiam do porto do Rio de Janeiro direto para Lisboa: (…) me parecia conveniente, que alem daquelles naturalistas, que devem acompanhar os Matemáticos, ficasse Júlio [Mattiazzi] em companhia de hum Natª [naturalista] no Rio Janeiro de onde poderiam examinar uma grande parte da Costa internando-se até 40, ou 50 léguas, e deste modo se descobrissem coisas uteis, mais fácil seria o transporte, e maior quantidade de produções naturais se poderiam obter, o que tão facilmente não se pode esperar dos interiores sertões, de onde o Naturalista se pode carregar de muitas produções da Natureza.1
O Rio de Janeiro constituía um importante centro para pesquisas de história natural devido à sua importância econômica no equilíbrio do império português. Durante os exames de história natural realizados nesta capitania, os naturalistas acompanhariam a costa em incursões ao interior numa faixa de território compreendida entre 300 e 400 Km de largura. Como capital do Estado do Brasil, o estudo botânico ocorreu no Rio de Janeiro através de uma rede de colaboradores. A ênfase recaiu na Expedição Botânica, comandada por Frei José Mariano da Conceição Veloso. Não encon1 Carta de Domingos Vandelli a Martinho de Mello e Castro. Coimbra, 22/6/1778. In: Simon, 1983. p. 133.
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tramos instruções de viagem enviadas a Frei Veloso, mas em alguns momentos Luís de Vasconcelos e Sousa perguntava algumas questões específicas aos naturalistas do Museu, nos revelando as práticas construídas no cotidiano da viagem. Entre 1783 e 1784 foram enviadas plantas vivas do Rio de Janeiro para Lisboa, cujos desenhos e descrições seriam mandados posteriormente:
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Destas, e das mais plantas, que se forem seguindo, se estão fazendo as descrições com suas Estampas, cuja coleçaõ hei de remeter a seu tempo. O que participo a V. Ex.ca [Vossa Excelência] pª [para] que mandando pôr em lembrança as marcas dos sobreditos caixões com as plantas, que transportarão, a todo o tempo se possa saber prontamente a que plantas pertencem as referidas descrições e estampas.2
Assinalamos ainda a importância da descrição e desenho dos vegetais remetidos para Lisboa. A complementaridade intrínseca entre textos, desenhos e coleções, era essencial para a identificação e posterior classificação da espécie. A utilização dos desenhos e descrições para as práticas constantes de coletas dos vegetais podem ser constatados na Expedição Botânica em que os desenhos serviram como instrumento de investigação botânica no processo da pesquisa. Nas relações de remessas há sempre a referência “as quaes plantas são das compreendidas na coleção das descrições, que hei de remeter”3,o que indica que as descrições e os desenhos estavam em preparação para posteriormente serem enviados para a Corte. Pela documentação, parece-nos que nunca foram remetidos os desenhos prometidos pelo Vice-Rei, pois eram necessários ao Frei Veloso no trabalho de classificação e sistematização dos vegetais. É muito provável que elas foram para Lisboa com Frei Veloso em junho de 1790, quando passaram por um processo editorial para a publicação da Flora Fluminensis. Para a preparação das coleções e a realização das investigações botânicas, durante as viagens os naturalistas mantiveram contato com uma comunidade ilustrada residente na colônia. Ressaltamos a colaboração dos boticários, militares, cirurgiões, comerciantes e médicos associados à Sociedade Científica do Rio de Janeiro na coleta de produtos naturais das colônias para serem remetidas para o Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda. No Rio de Janeiro estes coletores foram explicitamente citados pelo Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Souza: “Quanto a remessa das plantas, athe agora me tinha servido de diversas pessoas, como João Hopman, Jeronimo Vieira de Abreo, o Cirurgião Mor Ildefonso José da Costa &ª”4. Como residiam no Rio de Janeiro e não foram preparados e instruídos diretamente por Vandelli em Lisboa, seu referencial de observação e experimentação difere-se dos discípulos do mestre italiano designados a viagens pelo Rio de Janeiro. A produção intelectual da Academia Científica do Rio de Janeiro caracterizou-se como um conjunto de memórias e textos críticos, cuja preocupação pontual era o conhecimento dos recursos da natureza brasileira e sua aplicação em benefício desta sociedade. Foram apresentadas memórias sobre vegetais úteis à medicina, métodos para o incremento das culturas nativas (arroz, anil, cacau, café, cochonilha), a criação de hortos-botânicos e sobre questões médicas. (FONSECA, 1996). Nos estatutos da Academia Científica havia citações às remessas de plantas vivas de outras capitanias para o Rio de Janeiro, onde eram aclimatados para posterior remessa para Lisboa: 2 Carta Luis de Vasconcellos e Souza para Martinho de Melo e Castro. Rio de Janeiro, 24 de maio de 1783. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 4,4,5, n. XVII. 3 Relações de plantas enviadas do Rio de Janeiro entre 28 de Maio de 1783 e 18 de Janeiro de 1784. Arquivo Histórico do Museu Bocage, Rem. 568-577 4 Carta Luís de Vasconcellos e Souza para Martinho de Melo e Castro sobre os exames de história natural. Rio de Janeiro, 17 de junho de 1783. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 4,4,5, n. XXIV.
Ermelinda Moutinho Pataca
Os Acadêmicos que se nomearem de outras terras, como v.g. Bahia, Minas, Colônia, Santa Catarina &ª serão obrigados a comunicarem as notícias e observações notáveis do país, remetendo plantas, pedras, animais, excrescências, fungos, sementes e todas as coisas pertencentes aos três Reinos, declarando nomes, virtudes, sítios e descrevendo-as com todas as suas propriedades, e podendo se remeterem algumas plantas em caixões com terra: serão também obrigados a responderem às censuras e pareceres que se lhes pedirem nas dúvidas correntes. (Apud: FONSECA, 1996, p. 62)
Nestes estatutos foi expressa a necessidade de troca de coleções entre as capitanias brasileiras, dentre elas, plantas vivas, com objetivo de reconhecimento e exploração da flora desconhecida entre as regiões brasileiras. Destacamos a construção de uma metodologia que visasse a máxima produtividade durante as viagens. A centralização na cidade do Rio de Janeiro, possibilitaria através de pequenas viagens a coleta de um número maior de espécies, através do apoio da infra-estrutura da capital. Neste sentido, os deslocamentos dos naturalistas pelas matas desconhecidas ocorreram de forma alternada às permanências na capital, onde os vegetais eram preparados para serem posteriormente remetidos à Lisboa. Nas instruções de Frei Veloso sobre o transporte de plantas vivas por mar há orientações sobre a escolha das plantas a serem transplantadas, assim como à sua coleta e posterior aclimatação em um viveiro durante dois anos, ampliando as possibilidades de sua sobrevivência durante a travessia oceânica: São muito melhores as mudas de arvores, que estiveram dois, ou três anos em um viveiro, para serem transportadas, do que aquelas mudas que imediatamente se arrancárão dos matos... sem embargo disto; ainda que as das matas sejão menos seguras, em quanto se esperão por aquellas, se enviem estas (VELOSO, 1805: p. 11).
Provavelmente este procedimento foi experimentado pelo próprio Veloso em suas viagens, o que justifica momentos de permanência da Expedição Botânica no Rio de Janeiro para a preparação de espécies vivas em um viveiro. O conjunto de práticas desenvolvidas pelos naturalistas no exercício das viagens, configurou sua experiência botânica, cujos resultados principais relacionam-se ao amplo processo de aclimatação das plantas. Experiências sobre as plantas O que foi denominado como experiência referente aos vegetais, relacionava-se ao conhecimento acumulado pela população local sobre as propriedades, os usos e o cultivo dos vegetais. A experiência dependia de todo o referencial construído ao longo da vivência dos viajantes e variou muito de acordo com a origem e a formação dos mesmos. No caso dos alunos de Vandelli, formados na Universidade de Coimbra após a reforma do ensino de 1772, os referenciais e a experiência foram construídos a partir de suas aulas práticas nos jardins botânicos metropolitanos de Coimbra e Lisboa e em excursões didáticas realizadas nos arredores de Coimbra (PATACA, 2006). Assim, apesar de terem nascido no Brasil, o conhecimento Botânico dos naturalistas viajantes constituiu-se essencialmente sobre espécies já aclimatadas ou pela Flora Lusitana, permanecendo a flora brasileira praticamente desconhecida, como advertiu Vandelli. No caso de José Mariano da Conceição Veloso a situação torna-se muito peculiar. Nascido em Minas Gerais e com formação nos conventos franciscanos, o frade naturalista construiu sua experiência a partir de suas vivências na
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colônia americana, distante dos referenciais de Vandelli. Para aproximar-se dos objetivos de constituição das coleções botânicas na metrópole, após as primeiras remessas de plantas do Rio de Janeiro para Lisboa, os naturalistas do Jardim Botânico da Ajuda orientavam Frei Veloso sobre a coleta de produtos naturais e de novas remessas de espécies que ao frade parecessem triviais, mas que seriam raridade na Europa: O que se preciza é que o diligente profesor, que remeteu tão belas, e bonitas produções, se lembre que para um Gabinete tudo é estimavel, ainda os mesmos produtos ordinários do paiz, de que menos caso se faz, como são cebolas, sementes, e plantas, ainda que sejam ordinárias, também se dezejam as plantas raras, mas estimando sempre as ordinárias, porque estas para a Europa vêm a ser as particulares5.
Assim, notamos uma homogeneização do direcionamento sobre o que deveria ser investigado e da atenção dos viajantes para o que era considerado “desconhecido” na Europa. A mediação entre os naturalistas do Museu da Ajuda, especialmente Júlio Mattiazzi, com os viajantes direcionou completamente o trabalho de coleta e seleção do que deveria ser enviado à Corte, determinando a constituição das coleções. As práticas de coleta vegetal dependeram da experiência local sobre as plantas. As relações com a população, especialmente com os indígenas, ocorreram nas Viagens Filosóficas para a nomeação e identificação das espécies dos três Reinos da natureza, assim como para o reconhecimento geográfico em territórios amplamente explorados pelos índios. O conhecimento indígena sobre os produtos naturais foi sempre ressaltado nas instruções de viagens como valiosa fonte de informações e há um incentivo ao registro das mesmas, como destacado por Vandelli: Os índios, como são os mais inteligentes práticos daquele continente [América], são também os melhores mestres para nos ensinar os nomes das plantas e o seu uso, principalmente das que se pode extrair cores e das que servem nas doenças próprias daquela parte da América onde eles morarem (VANDELLI, 1779, p. 53).
Os viajantes valeram-se do trabalho indígena nas investigações de história natural através da coleta, preparação, descrição e transporte das coleções. No caso da Expedição Botânica de Frei Veloso a colaboração indígena ocorreu em total consonância com as atividades missionárias do franciscano que “alternava aos trabalhos Filosoficos os Apostolicos na conversão dos Indios da Nação denominada Arari, que, segundo João de Laet, eram os antigos Tamoios Senhores do Paiz denomiando resentemente Rio de Janeiro” (SOUSA, 1801). Antes de comandar a Expedição Botânica, Frei Veloso atuou como missionário em algumas aldeias administradas pela Ordem dos Franciscanos em São Paulo. Em 1773 esteve alguns meses como superior na Aldeia de N. S. dos Prazeres de Itapecerica da Serra, onde exerceu o cargo de cura, deixando com bela caligrafia os seus assentos. Em 1781 já estava há bastante tempo na Aldeia de São Miguel, onde trabalhava como missionário e na reconstrução da aldeia (ROWER, 1941: p. 19). Neste período o frade já criava novas técnicas de história natural, resultantes de suas atividades missionárias e concomitantes aos estudos em História Natural. Na capitania de São Paulo colecionava “toda qualidade de plantas raras e todas as mais curiosidades pertencentes à História Natural” a pedido do Governador de São Paulo, Martim Lopes Lobo de Saldanha, que pos5 Parecer dos naturalistas do Jardim Botânico da Ajuda sobre as coleções recebidas do Rio de Janeiro, em anexo a uma Carta de Martinho de Melo e Castro a Luís de Vasconcelos e Souza. 1784. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 4,4,6, n. IX.
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teriormente enviava-as a Lisboa. Até o fim de sua permanência na aldeia de São Miguel,Veloso já tinha aprontado 12 caixas de produtos, dentre os quais, podem ter sido remetidas plantas vivas (ELLEBRACHT, 1990). É provável que parte dos vegetais coletados por Frei Veloso na capitania de São Paulo tenham sido plantadas nas hortas do convento de São Francisco, onde o sábio naturalista residia e era professor de Gramática Latina e Geometria. No momento de criação da Faculdade de Direito, este convento, em 1827, a horta foi citada, onde devia ser cultivada desde o período colonial. A construção do conhecimento botânico de Frei Veloso esteve completamente associada às suas atividades missionárias e do contato com os índios, proporcionando intenso aprendizado sobre as propriedades e aplicações das plantas. O interrogatório com os indígenas sobre a história natural não era tão trivial quanto parece. A língua seria o maior empecilho, o que requisitava a presença de tradutores ou de dicionários e vocabulários das línguas "brasílicas". Neste sentido, Frei Veloso publicou em Lisboa, em 1795, o Dicionário Português e Brasiliano, cuja dedicatória demonstra a necessidade da colaboração dos indígenas nos estudos de história natural e geografia, em associação aos trabalhos missionários. “A todos os que se empregarem no estudo da Historia natural, e Geografia daquelle paiz; pois conserva constantemente os seus nomes originarios, e primitivos” (VELOSO, 1795, folha de rosto). A associação entre o conhecimento dos indígenas e os estudos de botânica aparece na iconografia da Expedição Botânica, como apresentado no frontispício alegórico do Mapa Botânico elaborado por José Correa Rangel de Bulhões, desenhista da Expedição Botânica. Nesta imagem a função didática foi ressaltada ao apresentar ao Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa modelos esquemáticos e resumidos dos elementos visuais para a classificação botânica, acentuando a importância concedida ao indígena na sustentação da Flora brasileira expressa nos dois ramos com flores, representantes brasileiras das classes do Sistema de Linneu. No caso da Viagem Filosófica ao Pará, Alexandre Rodrigues Ferreira contou com a colaboração de dois índios aldeados para a preparação das espécies animais e vegetais. Após percorrerem toda a extensão do território explorada durante a viagem e de prepararem inúmeras coleções, os dois indígenas acompanharam Ferreira a Lisboa, onde passaram a atuar como preparadores de História Natural no Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda. Sua colaboração ultrapassou somete a preparação das espécies, mas o conhecimento sobre as plantas e animais foram extremamente úteis durante a viagem. Após esse complexo de coleta, descrição e preparação das plantas no Brasil elas foram submetidas a outros Frontispício Alegórico de José Correa Rangel, Maprocessos experimentais: o transporte ppa Botanico para uzo do Il.mo e Ex.mo S.r Luis de Vasconcellos e Soiza, Vice Rey do Estº do Brazil. In: até a metrópole e às demais colônias. Flora Fluminensis, 1999.
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As investigações sobre as condições de transporte de plantas vivas e sementes em travessias oceânicas foram determinantes em todo o processo de transplante intercolonial. As condições de transporte de plantas vivas e sementes nas longas travessias oceânicas eram das mais adversas possíveis: escassez de água doce, grande quantidade de ratos e clima insalubre vivenciado nas grandes variações de temperatura, nas tempestades, na intensa exposição ao sol. As travessias de plantas vivas nos navios trouxeram novos desafios impulsionando a criação de novos métodos desenvolvidos através da experimentação e que ampliassem as possibilidades de sobrevivência das plantas. A experimentação foi realizada nas travessias oceânicas das Viagens Filosóficas para a resolução de diversas questões, como a formação do fundo oceânico, a coleta de conchas, a medida da temperatura das águas, a localização dos polos, etc. (PATACA, 2006). No movimento das viagens, o Oceano Atlântico conectou as diversas colônias portuguesas e serviu como espaço de investigação e reflexão. Neste contexto os navios tornaram-se, então, laboratórios flutuantes, configurando-se como instrumentos de descoberta geográfica e de investigação dos viajantes (SORRENSON, 1996). O transplante das espécies de vegetais entre as diversas regiões coloniais tornou-se objeto de investigação durante as travessias oceânicas, encontrando nos navios os lugares de experimentação e de colaboração de um corpo técnico de tripulantes, formados em novos quadros da Marinha através do fomento ao desenvolvimento técnico e científico. No programa científico implementado por de D. Rodrigo de Sousa Coutinho como ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801), criou-se a necessidade de desenvolver a Marinha portuguesa, inclusive a navegação mercantil. Para implementar seu projeto político e econômico de construção de um Império em que o Brasil desempenhava um papel centralizador, a Marinha assumiu papel de destaque, como adverte Luís Miguel Carolino (2014: 193): “essas posições governativas implicavam pensar o problema da marinha enquanto instituição que potencialmente fornecia os quadros técnicos do Estado, bem como a questão da direção administrativa e da governação política e econômica das colônias”. Apesar de não ter atravessado o Atlântico até os quarenta anos, Frei Veloso durante suas investigações na capitania do Rio de Janeiro desenvolveu um conjunto de metodologias de preparação de sementes e plantas vivas, experimentando técnicas de transporte marítimo para as plantas preservarem-se nas travessias. As experiências com o envio de sementes eram preocupações permanentes de Frei Veloso remetendo amostras preparadas especificamente para os testes com o transporte: O que tudo me remeteu o mesmo Religioso, dizendo juntamente que as preparava por estes diversos modos, para se experimentar por qual deles chegavam mais bem conservadas as mesmas sementes, o que ele desejava saber, para se poder regular no modo, porque devia preparar semilhantes remesas, para chegarem bem acondicionadas6.
Neste caso, a experimentação consistiu no teste sobre as melhores acomodações para as sementes, acondicionadas com diversos materiais: em areia, em papéis com terebentina e em “seus próprios cazulos”. As coleções de se6 Carta Luis de Vasconcellos e Souza para Martinho de Melo e Castro. Rio de Janeiro, 1 de agosto de 1783. BNRJ, 4,4,5, n. XXXII.
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mentes chegaram todas em perfeito estado em Lisboa, de acordo com parecer dado pelos naturalistas do Museu da Ajuda:
As sementes q. vierão do Rio de Janeiro se tinhão vindo bem acondicionadas: eu creio que melhor não podiam vir, porque tanto as que vieram nos papeis invernizados com agua Rás, como as que vieram nas caixinhas com areia, e sem ela, vinham com tal cautela, e distribuição, que nasceram a maior parte delas7.
Percebemos aqui a criação de uma prática experimental desenvolvida com a colaboração recíproca entre os naturalistas do Jardim Botânico da ajuda e Frei Veloso, demonstrando as atribuições dos navios como “laboratórios flutuantes”. As práticas da botânica ultrapassavam, portanto, somente a coleta de espécies e preparação dos herbários, mas compreendia um trabalho minucioso envolvendo os jardins botânicos, as práticas de aclimatação das espécies, a coleta, preparação e transporte de produtos vegetais, como sementes, ou mesmo plantas vivas. A experimentação iniciada durante suas viagens, como os exemplos sobre o transporte de sementes e o desenvolvimento de técnicas de acondicionamento dos grãos em terebintina ou água rás, foram sintetizadas por Veloso em suas Instrucções para o transporte por mar, num item relativo aos “grãos que se transportão dos países quentes para os climas frios” (VELOSO, 1805, p. 81). Isso nos revela que parte da obra se constitui com inovações técnicas advindas da prática do próprio naturalista que experimentou durante 8 anos em suas viagens o transporte de plantas dos sertões das capitanias de Rio de Janeiro e São Paulo à cidade do Rio de Janeiro e posteriormente à Lisboa. Sobre o transporte de sementes, o naturalista ainda advertiu sobre a necessidade de remeter várias amostras, utilizando técnicas diversas, assegurando que ao final da viagem algumas sementes chegassem intactas: “Recomenda-se aos que remetem grãos, de enviar muitos, e em diversas ocasiões, e preparados por diferentes methodos. Estão expostos a tantos riscos que, apesar de todas as precauções, que se tomem, se não aproveita a centésima parte” (VELOSO, 1805: p. 59)
Nas instruções há recomendações sobre a época do ano mais apropriada à coleta e ao transplante de vegetais das colônias à metrópole, e do caminho oposto dos climas temperados aos tropicais, as técnicas de transporte que acondicionassem os vegetais para abrigá-los das alterações climáticas através da criação de mecanismos que remediassem as diferenças bruscas de temperatura durante as travessias (VELOSO, 1805). Ao final das instruções, há referências a uma imagem com uma legenda explicativa muito bem detalhada, que nos permite apreender algumas questões sobre as técnicas de transporte dos vegetais por mar. Apesar da imagem não ter sido publicado, suas legendas permitem compreendermos sobre o que se tratava. A estampa teria 5 figuras de caixas utilizadas no transporte das plantas, que tinham vidros e mecanismos que cobrissem as plantas das intempéries de variação do clima, da água salgada e dos movimentos dos navios, que poderiam ser retiradas para que as plantas pudessem ficar ao ar livre durante os dias de tempo bom. Assim que chegavam ao seu destino, as plantas vivas deveriam ser plantadas com urgência, assegurando sua sobrevivência. Segundo as instruções de Veloso, as plantas viajaram em dois caminhos possíveis: ou saíram do clima tropical das colônias para adaptarem-se ao clima temperado da metrópole, ou percorreram o caminho inverso. Para ambos os casos, foram criadas diferentes 7 Parecer dos naturalistas do Jardim Botânico da Ajuda sobre as coleções recebidas do Rio de Janeiro, e anexo a uma Carta de Martinho de Melo e Castro a Luís de Vasconcelos e Souza. 1784. BNRJ, 4,4,6, n. IX.
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situações que simulassem o ambiente de origem, num processo de aclimatação vegetal (VELOSO, 1805). No entanto, há pesquisas que nos mostram que houve outros caminhos possíveis dos vegetais, numa troca entre as regiões coloniais sem passarem pela metrópole, especialmente anteriormente à investigação sistemática realizada durante as Viagens Filosóficas (RUSSEL-WOOD, 1992).
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Aclimatação dos vegetais Após percorreram os dois caminhos, da metrópole à colônia, ou vice-versa, ao desembarcarem nos portos as plantas foram despachadas para locais diversos assim como sofreram processos distintos de distribuição, dispersão e experimentação. No caso das plantas coloniais que desembarcaram na Europa, os principais destinos foram os jardins botânicos da Ajuda e de Coimbra, onde seriam aclimatadas para posterior distribuição à população local. Neste sentido, o maior desafio seria de criação das condições ideais para manter o calor e a umidade do clima tropical, reproduzido em estufas ou abrigos para a plantas, construídos nos jardins botânicos. Nestes locais as condições ambientais como tipos de solo, clima e disponibilidade de água eram alteradas visando a adaptação das espécies. As plantas que seguiram o caminho inverso, saindo de outras colônias ou de Portugal em direção ao Brasil, na ausência de jardins botânicos até 1796, foram aclimatadas em áreas públicas ou privadas, como em hortos experimentais, jardins, hortas, quintais. Algumas possibilidades de transplante dos vegetais já tinham sido experimentadas no período, de acordo com as correspondências e as documentações, e foram todas questionadas por Manuel Arruda Câmara (1810: 202): Mas qual será o meio mais fácil de se pôr em execução essas transplantações, e de as fazer prosperar? Será porventura o deixar esta obra à discrição e vontade dos povos? Será o excitá-los por meio de escritos, que exponham as suas utilidades? Será o mandar o ministério vir de diversas partes as plantas, fazendo-as entregar aos Governadores das Capitanias para serem distribuídas pelos agricultores?
As iniciativas citadas fizeram parte de ações fomentadas por D. Rodrigo, como a publicação de manuais de botânica e agricultura na Tipografia do Arco do Cego, visando a introdução de espécies exóticas; a distribuição de sementes e mudas entre os agricultores centralizada pelos governadores das capitanias. Para Arruda Câmara todas essas alternativas seriam ineficazes, como já fora experimentado na prática, e a solução seria a construção de jardins botânicos coloniais. Neste sentido, Câmara defende um processo de profissionalização da história natural nas colônias, na qual os naturalistas atuariam como funcionários do Estado na implementação da política agrícola e colonial desenvolvida no período. O projeto elaborado inicialmente por Vandelli de criação de uma História Natural das Colônias ampliou-se durante a administração de D. Rodrigo de Sousa Coutinho como ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos. Como defendido por Arruda Câmara, foi constituídos Jardins Botânicos nas capitais brasileiras como Belém, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Vila Rica e Olinda. Estes jardins coordenavam os trabalhos de coleta de vegetais no “sertão” e de sistematização das plantas nativas para serem enviadas à metrópole, assim como recebiam sementes, mudas e estacas de vegetais asiáticos, africanos e europeus para aclimatação no Brasil. O projeto civilizacional implementado no período pressupunha a introdução de espécies exóticas, em associação à organização espacial do território através da implementação de vilas e lugares com a introdução da cultura europeia,
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incluindo alterações na alimentação consolidada na aclimatação de animais e vegetais consumidos em Portugal. Durante as Viagens Filosóficas a investigação nos jardins e quintais privados tornou-se um catalisador deste processo de aculturação. As hortas e quintais têm sido objeto de investigação em estudos recentes, especialmente em estudos no campo do urbanismo, na compreensão do traçado urbano e da apropriação territorial (DOURADO, 2004; LOUREIRO, 2012). Mas eles também são investigados no campo da história ambiental, explicitando as relações entre o homem e o mundo natural no período colonial, assim como das práticas cotidianas em âmbito privado, como locusde sociabilidade, de convívio familiar e de formação cultural (MENESES, 2015). Como ampla extensão das casas, tanto à frente nos jardins, ou aos fundos nas hortas, o cultivo da mandioca e os pomares com árvores frutíferas, consistiram nas principais áreas verdes urbanas e em locais de experimentação, tanto para o cultivo de espécies transplantadas do sertão, quanto hortaliças que vinham de Lisboa ou de outras regiões do Império português (DOURADO, 2004). As hortas e quintais, de certa forma, cumpriam funções de experimentação botânica, atribuições dedicadas aos jardins botânicos. A introdução das espécies exóticas nestes espaços ocorreu através do envolvimento da população local em práticas experimentais. Neste sentido, o projeto de diversificação vegetal poderia implementar-se de forma mais efetiva, pois cumpriria duas funções: ao mesmo tempo em que seriam criadas condições de aclimatação das espécies provenientes de climas temperados ou de outras colônias tropicais, os vegetais seriam incorporados às práticas culturais da população, tornando-se novos objetos de consumo na culinária, como medicamentos ou em usos diversos. As relações entre as políticas públicas e os espaços privados de convívio e sociabilidade encontraram um canal de interconexão, viabilizando a implementação das políticas coloniais. Enquanto esteve em Belém, Ferreira observou pessoalmente alguns dos quintais de casas e do seminário dos jesuítas, onde eram cultivadas hortaliças como repolho, couve, alface, quiabo e a Berinjela. O naturalista destaca a Horta do Abrantes, visitada inclusive pelo próprio Governador do Estado que pôde observar pessoalmente os experimentos realizados pelo morador de Belém, e serviria como modelo para o cultivo mais extensivo: “em quanto experimenta em pequeno o tratamento que lhes conviera nas plantações em grande” (FERREIRA, 1784: folha 18). No prospecto de Belém podemos ver algumas casas com os quintais com árvores virados para o rio. No Plano geral da cidade do Pará, copiado por Codina em 1791 a partir de um plano de Theodosio Constantino de Chermont (Figura 3), vemos que o naturalista desenhou as áreas verdes da cidade, especialmente de praças, hortas e quintais. O desenhista usou diferentes padrões para a representação dos quintais, cuja ausência de legendas explicativas não permitem detalharmos do que se trata, mas percebemos claramente distinções elaboradas pelo desenhista. Destacamos aqui algumas áreas verdes, explicadas por Ferreira em seus textos. Algumas das plantas de interesse comercial eram cultivadas nos jardins dos palácios dos governadores, tanto em Belém, quanto em Barcelos. No caso de Belém, provavelmente os jardins coincidem com as descrições de Ferreira sobre um parque reservado à elite paraense: “As casas do parque sim accomódão o trém que tem dentro, muito bem conservado, e acondicionado pela industria do Sargento-mór João Vasco Manoel de Braun, mas não são obras de prospecto” (FERREIRA, 1784: 19). O parque foi construído nos antigos quintais das três casas compradas para o estabelecimento da construção, que serviram
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Plano Geral da cidade do Pará. Cópia de Freire ou Codina em 1792. In:Viagem Filosófica. Iconografia.Volume 1 – Antropologia e Geografia. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1971.V. 1, p. 1.
Plano geral da Cidade do Pará. Original confeccionado por Theodozio Constantino de Chermont em 1791. In: REIS FILHO, Nestor Goulart. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo: EDUSP: Imprensa Oficial do Estado: FAPESP, 2000, p. 278.
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como residência dos Governadores enquanto se construía o novo Palácio (FERREIRA,1784: 81). As referências aos jardins do palácio apareceram na Memória sobre a agricultura (1784), com descrições sobre a baunilha cultivada no local. Destacamos aqui a criação de áreas verdes na cidade, como espaços de lazer e sociabilidade da elite política da cidade, que posteriormente se ampliará ainda mais com a influência de Ferreira sobre a importância da arborização urbana, consolidando a construção do Jardim de São José, primeiro jardim botânico da América Portuguesa. No jardim situado atrás do palácio do governador em Belém, representado no Plano (Figura 4), eram cultivadas árvores e drogas do sertão, como a baunilha: “Vio [o governador], que se creava a baonilha no Jardim do Palacio da Residencia de V. Exª medrando ali tanto, quanto he possível a esta planta que tanto custa a cultivar nos jardins, quando há arvores frondosas, a cuja sombra se abrigue dos raios do sol, abraçada com os seos troncos, firmada nelles”. (FERREIRA, 1784: folha 13)
Prospecto da frontaria exterior do palácio de residência dos excelentíssimos generais da cidade e capitania do Pará. Original confeccionado por Codina em Janeiro de 1784. In: In:Viagem Filosófica. Iconografia. Volume 1 – Antropologia e Geografia. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1971.V. 1, p. 18.
A baunilha apresentava grande interesse comercial, coincidindo com as tentativas de cultivo do vegetal nas cidades. No caso do palácio do governador, as descrições de Ferreira demonstram as árvores frondosas no jardim revelando que já tinham sido plantadas há mais tempo, talvez por supervisão de Landi após as obras no jardim. Aventamos a possibilidade das árvores terem permanecido no local como remanescentes dos quintais de três casas compradas para a construção do palácio (FERREIRA,1784, folha 35).
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Os jardins dos seminários também constituíam locais de experimentação e cultivo agrícola. Percebemos no Plano copiado por Codina (Figura 2) que os conventos de Santo Antônio, o Seminário dos Jesuítas e a Igreja do Carmo tinham quintais bem extensos e cultivados. Além das hortas e quintas, destacamos a criação de alguns hortos experimentais criados e administrados por médicos, cirurgiões, boticários, residentes na colônia e que colaboraram efetivamente com os naturalistas envolvidos nas Viagens Filosóficas. Nestes locais já eram realizados experimentos sobre a troca de vegetais entre as colônias e mantinham-se coleções de plantas medicinais ou com aplicação na agricultura, na náutica e na indústria. No caso da vila de Barcelos, capital de São José do Rio Negro, há indicações de um horto nos fundos do quartel general onde eram cultivadas plantas coletadas no sertão e transplantadas para lá. Como centro de experimentação, esses hortos eram essenciais para a disseminação de plantas para outras regiões e para o fomento ao cultivo da agricultura de subsistência. O horto era cultivado pelo cirurgião Antônio José de Araújo Braga, “benemérito alumno do hospital real de Lisbôa, porque aos seus profundos conhecimentos da cirurgia medica e anatômica ajunta a curiosidade de cultivar as plantas úteis do paiz, e eu por isso lhe commetti o cuidado de tratar dos pés da salsa, que eu troxe da boca do rio Maturacá, quando subi ao Cauaburís, no intuito de tentar a sua cultura. De outros pés da mesma salsa, como também da piassaba, que transportei de dentro do rio Padauiri, se encarregou o citado tentente-coronel” (FERREIRA, ed. 1983: 128).
Percebemos aqui uma colaboração entre os engenheiros das Comissões Demarcadoras de Limites e Alexandre Rodrigues Ferreira, que trazia plantas do sertão para serem domesticadas e cultivadas nos centros urbanos criados ou reformados durante a administração pombalina. A coleção de plantas medicinais cultivada pelo cirurgião em Barcelos serviria tanto ao uso dos medicamentos pela população local e pelos engenheiros das Comissões Demarcadoras de Limites, como também seria utilizado em experiências farmacológicas desenvolvidas na colônia. As colaborações entre Ferreira e o cirurgião concretizaram-se ainda nas reflexões do naturalista sobre as enfermidades endêmicas do Mato Grosso (FERREIRA, 1789, ed. 2008). No Rio de Janeiro foram criados alguns hortos para a experimentação vegetal. Nos estatutos da Academia Científica do Rio de Janeiro havia a previsão de criação de um horto botânico, inspecionado pelo coletor Antônio José Castrioto, onde procedia-se à aclimatação e ao cultivo dos vegetais:
“Terá a Academia um Horto Botânico para nele se tratarem, e recolherem todas as plantas notáveis, e terá cada acadêmico obrigação de o ir ver para observar a diferença e crescimento delas”, (Estatutos da Academia Científica do Rio de Janeiro. Apud: FONSECA, 1996, p. 62).
Este horto foi construído na Cerca do Colégio dos Jesuítas, local que constituía uma espécie de Jardim na cidade (BRIGOLA, 2003: 286). Joaquim Veloso de Miranda quando chegou ao Rio de Janeiro em janeiro de 1780 se referiu aos vegetais cultivados na cerca dos “barbadinhos italianos”, como o cacau, revelando a prática de aclimatação de espécies e a experimentação com gêneros agrícolas, nos estudos de história natural realizados pelos franciscanos. O Rio de Janeiro centralizou a recepção, o estudo e a preparação de espécies enviadas de outras regiões do Brasil. No Rio de Janeiro e em Belém foram criados os primeiros jardins botânicos: em 1783 foi instituído o Jardim Público no Rio de Janeiros (SEGAWA, 1996)
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e em 1796 foi criado o Jardim de São José, primeiro jardim botânico colonial, seguido de uma série instalada nas principais capitais brasileiras. Nos jardins botânicos seriam criados ambientes artificiais para a aclimatação das plantas, alterando a distribuição geográfica natural. De acordo com Arruda Câmara (1810: 203), o Jardim Botânico deveria ser estabelecido em local com a criação de diferentes paisagens numa composição natural e artificial de vários tipos de solo, de exposição ao sol e de disponibilidade de água: Cumpre, pois, que o lugar que se destinar para o jardim, inclua várzea, mais e menos fresca, terra argilosa, areisca, altos expostos ao vento e ao sol; e será ainda mais necessário, que pelo jardim passe algum arroio ou fonte corrente, com a qual se possam facilmente regar as plantas.
Não aprofundaremos aqui as investigações sobre os jardins botânicos coloniais, uma vez que eles têm sido objeto de pesquisas consistentes (SANJAD, 2001; JOBIM, 1996), apenas citaremos sua criação como um momento importante da institucionalização da botânica no Brasil e como reflexo da permanência de alguns viajantes, como Manuel Arruda Câmara em Pernambuco e Joaquim Veloso de Miranda em Minas Gerais, possibilitando a observação e a experimentação sobre os vegetais em períodos de tempo mais longos. A botânica, praticada através da experimentação com a criação de hortos e de jardins botânicos, encontrou no Rio de Janeiro e em Belém ambientes propícios para seu desenvolvimento, através da criação de infraestrutura essencial ao desenvolvimento dos estudos locais em história natural, assim como no estabelecimento de uma comunidade científica própria que colaborava com as coletas, a preparação de coleções e uma sistematização de dados para os estudos em história natural. Considerações Finais A observação e a experimentação botânica constituíram um complexo de práticas envolvendo um conjunto muito amplo de representações, em trabalhos muito lentos e minuciosos. No período entre 1760 e 1808, foram implementados em Portugal e no Brasil uma série de ações envolvidas para a elaboração da História Natural das Colônias, como a criação de museus, jardins botânicos, constituição de herbários, o transporte de plantas vivas, a descrição de vegetais, a elaboração das Floras e a criação de projetos tipográficos. Para o desenvolvimento de todas essas práticas em dimensões planetárias, foram resgatados conhecimentos desenvolvidos ao longo da colonização, assim como mobilizou-se amplo corpo técnico científico e a população local, envolvendo espaços públicos e privados, no Reino e nas colônias. Neste processo precisamos ultrapassar alguns estudos sobre a história da ciência na no Brasil colonial, que ao privilegiarem as fontes impressas, percebem apenas a ausência de publicações e desconsideram toda a criação de práticas científicas no período. Ao ampliarmos nossas investigações podemos compreender a constituição de coleções de plantas vivas, envolvendo a criação de técnicas de coleta, acondicionamento e transporte das mudas, sementes e estacas entre as quatro partes do Império. O transplante e a aclimatação de plantas ocorreram em diversos espaços de investigação e experimentação, especialmente nos núcleos urbanos, nas florestas, em áreas rurais e nos navios durante as travessias oceânicas. Como núcleos modais deste processo, os núcleos urbanos centralizaram a chegada e a partida dos vegetais, assim como transformaram-se em espaço experimental,
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na criação de novas áreas verdes públicas, como os jardins e hortos experimentais; atingiram áreas privadas, como hortas e quintais. Este intenso processo de transformação natural e cultural, através da introdução de novas espécies vegetais nas paisagens urbanas domesticadas e de consumo de novos produtos vegetais, consolidou-se na cultura brasileira, constituindo um saber prático desenvolvido na realidade colonial e nos fluxos entre as colônias e a metrópole. Referências bibliográficas BRIGOLA, João Carlos Pires. “Viagem, Ciência, Administração – o complexo museológico da Ajuda (1768-1808)”. In: 1o. Congresso Luso-Brasileiro de História da Ciência e da Técnica – Livro de Resumos. Évora: Universidade de Évora, 2000. p. 49-50. BRIGOLA, João Carlos Pires. Colecções, gabinetes e museus em Portugal no século XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. CÂMARA, Manuel Arruda da. Discurso sobre a utilidade da instituição de Jardins nas principais províncias do Brasil. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. In: MELLO, José Antonio Gonsalves de. Manuel Arruda Câmara: Obras reunidas. Recife, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1982. CAROLINO, Luís Miguel. “Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, a ciência e a construção do império Luso-Brasileiro: a arqueologia de um programa científico”. In: In: GESTEIRA, Heloísa Meireles (et Alli, org). Formas do Império. Ciência, tecnologia e política em Portugal e no Brasil. Séculos XVI a XIX. São Paulo: Paz e Terra, 2014. p. 191-225. DEAN, Warren. A Botânica e a política Imperial: a introdução e a domesticação de plantas no Brasil. Estudos Históricos, v. 4 (8), p. 216-228, 1991. DOMINGUES, Ângela, “Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição de redes de informação no Império português em finais de setecentos”. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. 8 (suplemento): 823-838, 2001. DOURADO, G. M. “Vegetação e quintais na casa brasileira”. Paisagem e Ambiente: ensaios. Nº 19, p. 83-102, 2004 ELLEBRACHT, Fr. Sebastião. Religiosos franciscanos da província da imaculada conceição do Brasil na colônia e no Império. 1990. FERREIRA, Alexandre. Rodrigues. “Estado presente da Agricultura no Pará”.1784. Manuscrito da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 21, 1, 6. FERREIRA, A. R. Miscelânea histórica para servir de explicação ao prospecto da cidade de Belém do Grão-Pará. 8 de setembro de 1784. Cópia manuscrita do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Lata 282, livro 7. FERREIRA, Alexandre. Rodrigues. Viagem filosófica ao Rio Negro. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1983. FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Enfermidades Endêmicas da Capitania de Mato Grosso (1791). P. 25-105.In: PÔRTO, Ângela. Enfermidades Endêmicas da Capitania de Mato Grosso. A Memória de Alexandre Rodrigues Ferreira. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008. FONSECA, Maria Rachel Fróes da. A única ciência é a pátria: O discurso científico na construção do Brasil e do México (1770-1815). Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH-USP, 1996.
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Artigo recebido em janeiro de 2016. Aprovado em abril de 2016
UM ALEMÃO EM SANTA CATARINA: A COLEÇÃO ENTOMOLÓGICA FRITZ PLAUMANN
Aline Maisa Lubenow1
RESUMO O presente trabalho visa discorrer sobre a formação da coleção entomológica Fritz Plaumann. Tendo como entendimento que o ato de colecionar é uma prática cultural, buscamos compreender o caminho que a coleção levou até chegar ao Museu. Fritz Plaumnn apresenta-se como um colecionador-coletor, preocupado com as questões ambientais e com a produção de conhecimento, sua contribuição foi importante para o mapeamento da fauna entomológica do sul do Brasil. Nesse sentido, pretendemos discorrer sobre o colecionador, sua coleção e por fim, o museu.
ABSTRACT This work aims to discuss the formation of entomological collection Fritz Plaumann.With the understanding that the act of collecting is a cultural practice, we try to understand the way that the collection took to get to the Museum. Fritz Plaumann presents itself as a collector-collector concerned with environmental issues and with the production of knowledge as well. His contribution was important for mapping the insect fauna in southern Brazil. We intend to discuss on the collector, the collection and finally the museum.
PALAVRAS-CHAVE: Fritz Plaumann; coleção entomológica; coleções científicas; Museu Entomológico Fritz Plaumann; ato de colecionar.
KEYWORDS Fritz Plaumann; Entomological collection; scientific collections; Museu Entomológico Fritz Plaumann; act of collecting.
1Mestre em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz. Atualmente é pesquisadora no Centro de Memória Alfa/MaxiCrédito-CEMAC. E-mail: alinemaisaa21@gmail. com.
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Introdução O presente trabalho objetiva discorrer sobre a formação da coleção entomológica Fritz Plaumann, a partir da década de 1930 até a chegada da coleção no Museu Entomológico Fritz Plaumann, permeando aspectos da vida do colecionador/coletor, destacando a atividade de coletor, além dos contatos científicos estabelecidos com a finalidade de identificar espécimes ou então comercializá-las. A coleção conta atualmente com aproximadamente 80 mil exemplares, 17 mil espécies dentre essas 1.500 descobertas pelo colecionador e descritas por pesquisadores tanto brasileiros como estrangeiros, foram mais de 60 anos coletando espécimes na região do Alto Uruguai Catarinense. Fritz Plaumann é um imigrante alemão que chegou ao Brasil, juntamente com seus pais, em 1924 e se instalou na então colônia alemã de Nova Teutônia localizada na região oeste de Santa Catarina, hoje distrito de Nova Teutônia, Seara –SC.2 A vinda da família para o Brasil foi motivada pela grave crise econômica em que se encontrava a Alemanha no período pós-primeira Guerra Mundial. Logo após sua chegada dá início a planejada coleção entomológica, no período conturbado de colonização e imigração do início do século XX. É inserido nesse contexto, ao qual o próprio Plaumann chamou de região remota, que deu início seu empreendimento como colecionador e coletor de insetos na “mata virgem” do chamado sertão catarinense.3 O colecionador Ainda na Alemanha, Fritz Plaumann já havia iniciado uma pequena coleção entomológica, no qual teve que abandonar devido à mudança para o Brasil, iniciativa que foi estimulada pelo pai e seus professores da escola secundária. As narrativas que permeiam o período de sua vida na Alemanha estão cheias de referências que apontam a tradição de colecionar material de história natural na Alemanha no início do século XX. Sua família tinha o hábito de realizar passeios em florestas ou então em áreas ambientais. Plaumann pensava, desde a década de 1910, em seguir a “carreira de oficial florestal” (PLAUMANN in SPESSATO, 2001:21). Esse interesse pela flora e fauna tinha como influência direta a escola, os professores e os pais. Plaumann descreve, em seu diário, que desde pequeno, ao ingressar na escola com seis anos, que seu interesse pela natureza era grande e evidencia que já tinha preferência pelo universo da fauna. O trecho abaixo permite observamos seu encantamento pelo mundo dos insetos. 4 Pelo Museu do Instituto recebi o primeiro impulso para fazer uma pequena coleção de insetos. E, assim, certo dia, quando tínhamos aula ao ar livre no grande parque do Instituto, achei no tronco de uma árvore uma espécie de “sphingidae”, antes nunca encontrada. Recebi licença do professor para leva-la para casa, onde pude incorporá-la á minha coleção (PLAUMANN, in SPESSATO, 2001:19).
Já no Brasil, os primeiros anos dos Plaumann são de adaptação e observação da nova terra, pois tudo era novo e estranho: o espaço, o clima, a vege2 A cidade de Seara-SC é considerada a capital estadual da borboleta devido à coleção entomológica Fritz Plaumann. 3 O início do século XX é marcado pela intensa onda de imigração na região oeste de Santa Catarina, e também pelo processo de colonização da região. Tanto para o governo federal como estadual a região era considerada um grande vazio demográfico, desconsiderando a existência de caboclos e indígenas. Para mais informações ver em:RADIN, Carlos José. Representações da colonização. Chapecó: Argos, 2009. RENK, Arlene. O conhecimento do território: A Bandeira de Konder. In. A viagem de 1929: Oeste de Santa Catarina: documentos e leituras - Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina. Chapecó: Argos, 2005. 4 As narrativas aqui apresentadas estão no diário de Fritz Plaumann, escrito pelo colecionar desde o ano de 1919até a década de 1990, relatos de sua vida na Alemanha e posteriormente no Brasil.
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tação, a nova língua, bem como a região longínqua de grandes centros urbanos, a escassez de recursos como alimentos, remédios, o atendimento médico e os mantimentos para a produção agrícola. É nessa região estranha e tão diferente, com flora e fauna exuberante e totalmente distante da sua Deutschland que Fritz Plaumann irá desenvolver o interesse cultivado ainda quando criança que era o de colecionar espécimes de história natural. Durante a década de 1920 até meados da década de 1930, Plaumann trabalhava na agricultura, foi professor da colônia alemã de Nova Teutônia e ainda trabalhou como fotografo. Mesmo assim, associava às suas diferentes atividades ao interesse pela história natural. Mantinha registrado em seu diário, desde a sua chegada ao Brasil, os registros dos animais que encontrava e preparava para sua coleção particular, fazia o mesmo sobre aqueles que caçava para a subsistência da família, informando o peso, o tamanho, o nome vulgar e o científico, como registra “Há alguns dias eu havia atirado em um veado pardo (Mazama americana), com altura de 60 cm, comprimento de 100 cm, e peso de 40 kg. Somente o couro valia 12,00. No outro dia matei um biguá (carbovigua), que se alimentava de peixes”(PLAUMANN in SPESSATO, 2001: 74). Além disso, realizava, ainda, um resumo da caça anual com a quantidade de animais abatidos. Os registros deixados por Plaumann, em seu diário, entre os anos de 1924 até meados da década de 1930, possibilitam a realização de um mapeamento da diversidade faunística encontrada nesse período no oeste de Santa Catarina. O ano de 1925 foi muito importante para Plaumann, pois foi considerado pelo naturalista como o “lançamento da pedra fundamental” para suas pesquisas científicas, no Brasil, através das suas anotações meteorológicas: “Anotava três vezes por dia as indicações do barômetro, a temperatura, tipos e percentagem das nuvens, direção, e força do vento, trovoadas e precipitações, e outras observações de importância” (PLAUMANN in SPESSATO, 2001:53-56). Pode-se se dizer que o início da vida de Fritz Plaumann, no novo país, foi uma mistura de estranhamento com fascínio. O estranhamento com o clima, o lugar, as pessoas, com a língua e os costumes.A adaptação foi um longo processo, o qual perdurou durante anos. Mas, ao mesmo tempo, tinha o sentimento de fascínio pela diversidade de espécies, tanto pela fauna como flora, encontradas na região. Plaumannse constrói como um sujeito singular numa região que, para muitos, era isolada, um sinônimo de atraso, na qual a modernidade e a civilização ainda não haviam chegado. Região que, para o governo, deveria ser colonizada e explorada. Mesmo morando no denominado “sertão catarinense”, chamado por ele de “região remota”, o colecionador não se encontrava isolado, ao contrário, seus contatos científicos com inúmeros pesquisadores demostram sua conexão com diversos lugares do mundo, uma vez que Plaumann constituiu uma relevante e expressiva coleção de insetos, tornando-se conhecido no Brasil e no exterior. Os seus contatos com diferentes entomólogos e instituições nacionais e estrangeiras, podem ser considerados elementos fundamentais para compreendermos a constituição de sua coleção entomológica. Fritz Plaumann era autodidata, após sua chegada ao Brasil seu estudo ocorreu somente através do autodidatismo. Entretanto, cabe pontuarmos a importância que os contatos científicos tiveram durante sua trajetória científica, pois em decorrência dessas relações que Plaumann adquiriu literatura específica para dar continuidade a seus estudos, além disso, adquiriu equipamentos para a coleta de espécimes. Pelo meio dos contatos científicos entre pesquisadores, coletores e colecionadores é que ocorreu a troca de material e a comercialização de espécimes. No caso de Plaumann algo essencial, pois o comércio de
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espécies foi sua principal fonte de renda desde meados da década de 1930. Podemos considerar que sua atividade de coleta, principalmente entomológica, não se restringiu somente à formação de uma coleção particular, mas também realiza trocas de espécimes e fornece exemplares para coletores particulares, pesquisadores e instituições científicas no Brasil e no exterior. A rede formada por instituições e atores, da qual Plaumann é o elemento-chave transcendem as fronteiras nacionais.5 Segundo Findlen (1996, apud LOPES, 2001), as coleções não começam nos museus, uma vez que os objetos considerados colecionáveis passam por uma longa viagem do campo até tornarem-se objetos de exposição nos museus. É o que observamos na coleção Fritz Plaumann. É no campo que a coleção começa a se formar, através da habilidade e das técnicas usadas pelo coletar, seja na captura dos insetos ou por meio dos conhecimentos sobre os locais de coleta. Segundo Lopes (2001), o ato de coletar implicava em conhecer o local a ser explorado, buscando compreender os contextos locais para seguir com as práticas científicas. Além disso, “coletar implicou viajar, seguir instruções, construir redes de coletores” (LOPES, 2001:885). Porém, não ficando restritas aos coletores, as conexões abrangeram outras redes como de colecionadores e comerciantes. Ao longo do século XIX, a América Latina torna-se o campo preferido dos colecionadores, principalmente da Europa Ocidental, muitas foram as amostras de animais e vegetais coletadas e enviadas para a Europa, sendo que seu destino era garantido nas exposições de museus.A coleta foi vista por naturalistas como uma ótima fonte de renda e a América do Sul um excelente lugar para suas coletas, pesquisas e encontrar novos espécimes (PODGORNY, 2012). No caso da coleção entomológica de Fritz Plaumann, todos os insetos foram coletados por ele mesmo. Além da montagem, etiquetagem e acondicionamento, tudo fora planejado por ele. A zona montanhosa do Alto Uruguai Catarinense foi o local de sua investigação, o espaço físico do fazer científico, o campo6. [...] no campo científico da entomologia, saí da parcela de estudos e observações preliminares, passando para a investigação intensa, tanto nas pesquisas quanto na formação da coleção regional, planejada por mim, assim precisando fazer mudanças. Em primeiro lugar foi preciso arrumar madeira de cedro bem seca, caso contrário a coleção pegaria mofo e se estragaria. Planejei importar um tipo especial de turfa, para o fundo das gavetas. O problema era encontrar alguém que fornecesse tal material em troca de material entomológico fornecido por mim.Visto que não havia capital necessário para essa obra que tinha em mente, até os alfinetes inoxidáveis eu tinha que importar. E para a aquisição da literatura necessária para poder levar avante os meus estudos, só me restava o mesmo caminho. Para essa finalidade pretendia entrar em contato com universidades da Alemanha, esperando ter êxito. Nessa esperança comecei a colecionar material entomológico para tal permuta. Já dispunha do conhecimento necessário para separar as espécies raras dos montes comuns. Já previa que esse labor exigiria uma assiduidade, se possível sem descanso, que seria dura (PLAUMANN in SPESSATO, 2001:88). 5Para mais detalhes sobre para as relações científicas de Fritz Plaumann e a comercialização de espécimes ver em: LUBENOW, Aline Maisa. Enveredando pelas matas do sertão catarinense: a coleção entomológica Fritz Plaumann. (Dissertação de mestrado) Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rio de Janeiro, 2015. 6 LOPES, M. M. Viajando pelo campo e pelas coleções: aspectos de uma controvérsia paleontológica. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, vol.VIII (suplemento): 881-97 2001.
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Na imagem abaixo podemos visualizar um pouco do trabalho de coleta de insetos, observamos uma das principais áreas de coleta, a beira dos rios
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Foto 01: Fritz Plaumann coletando insetos, década de 1930, na Região do Alto Uruguai Catarinense. Fonte: Casa de Fritz Plaumann.
No ano de 1933 o colecionador relata os resultados positivos de suas atividades de coleta, com a homenagem recebida pela coleta de nova espécie ao afirmar “Já recebia de especialistas as primeiras identificações. O especialista da família Gyrinidae, senhor Ochs, escrevia-me contando que encontrara uma espécie nova, em homenagem ao coletor: Gyretesplaumanni” (PLAUMANN, IN SPESSATTO, 2001:95). Episódios como este se tornaram comuns nos mais de 60 anos como coletor, pois, muitas espécies descobertas por Plaumann foram descritas e publicadas por entomólogos ou zoólogos que, por sua vez, homenagearam o coletor ao nomear o novo inseto. Ainda no começo da década de 1930, sua coleção contava com números expressivos e Plaumann começava a pensar em criar insetos:
A minha coleção contém agora 800 espécies de borboletas, entre essas raridades algumas como “Preponaprocheon, Preponaeugenes, Opsiphanesasorsa, Papiliolysithous”, ssp nova, etc. dava para criar algumas espécies raras de “Lepidópteros noturnos. [...] No meu grande porão (10X14), instalava repartições para a criação de Lepidopteras, besouros, Hymenoptera, percevejos, dípteros e outros insetos interessantes (PLAUMANN in SPESSATTO, 2001:95- 101).
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No ano de 1949 Plaumann constrói uma casa 5m x 6, com o objetivo de ampliar a criação de besouros e borboletas, se pressupõem que esse empreendimento visasse à comercialização ou então estudos sobre os insetos.A prática cultural de coletar foi a principal fonte de renda de Fritz Plaumann durante toda sua vida a partir da intensa comercialização de espécimes e outros materiais biológicos, sustentando, dessa maneira, a planejada coleção entomológica. Plaumann também fotografava sua coleção, na imagem a seguir visualizamos parte da coleção de coleópteros.
Foto 02: Exemplares da coleção de coleópteros fotografados por Fritz Plaumann em dezembro de 1979. Fonte: Casa de Fritz Plaumann.
O Museu Entomológico Fritz Plaumann No ano de 1967 entra em vigência no Brasil a lei N° 5.197 de 03 de janeiro de 1967, conhecida como Lei de proteção à fauna, a qual restringiu o ato de coletar espécimes. Desde então, as atividades de coleta e comercialização foram duramente afetadas, pois perante a legislação ambiental brasileira Plaumann era considerado um amador, e somente podia coletar espécimes os chamados profissionais, quem estivesse vinculado a instituições científicas. A partir desse período Plaumann permaneceu em pleno contato com o IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) com a finalidade de obter licença para suas coletas e a comercialização de espécimes. Entretanto, em decorrência dos
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problemas em conseguir autorização para coletar insetos e encaminhar remessas para o exterior, e também devido à idade avançada, Fritz Plaumann decide vender sua coleção para a Prefeitura Municipal de Seara, culminando em seguida na construção do Museu Entomológico Fritz Plaumann.
A situação financeira para minha velhice exigia uma rápida melhora, visto que a aposentadoria que recebo do INPS nem alcança um salário mínimo. A única possibilidade seria a venda da minha Coleção Entomológica, na qual a Prefeitura de Seara estava interessada. Depois de acertados os pormenores, o Contrato de Compra e venda foi assinado pelo prefeito Aurélio Nardi, vice-prefeito Flávio Ragagnin e por mim, em 26.11.1982. Em dito contrato consta a cláusula: considerando o imenso valor científico da Coleção, a compradora assume o compromisso de que a mesma permanecerá como um todo sobre a denominação de “COLEÇÃO FRITZ PLAUMANN”, devendo ser utilizada apenas para fins científicos, educativos, intelectuais e como comprovante de uma fauna regional em extinção. Contendo 60.000 exemplares, montados, rotulados e identificados. (PLAUMANN in SPESSATO, 2001: 233).
Com a grande divulgação por parte da prefeitura sobre a compra da coleção, inúmeros foram os visitantes que foram visitar a casa de Plaumann para conhecer a coleção entomológica. Em outras palavras, a coleção torna-se o museu.
Foto 03: Fritz Plaumann mostra sua coleção em sua casa. Ele guardava a coleção em armários de 3 portas, sendo que cada repartição possui 16 gavetas com tampas de vidro, tamanho 52 x 48cm. Fonte: Casa de Fritz Plaumann.
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Mesmo após a venda da coleção, Plaumann não se afastou de sua “obra”, ao contrário, continuou trabalhando para a ampliação da coleção através das licenças expedidas pelo IBDF. Além disso, foi contratado pela prefeitura de Seara para ser o responsável pelo museu. O colecionador e a coleção não se separaram. No momento, o Museu Entomológico Fritz Plaumann conta com duas salas que abrigam a coleção entomológica, denominadas de “Obra”. Dentro das caixas há um pequeno pote de vidro contendo naftalina, elemento auxiliar na conservação dos insetos. No museu também encontramos duas salas nas quais estão expostos diversos objetos utilizados para a coleta, manejo e pesquisas dos insetos, como por exemplo, as redes entomológicas, as pinças, o microscópio, um par de luvas, as lanternas, a máquina fotográfica, as amostras de desenhos feitas por Plaumann e algumas cópias de cartas de pesquisadores.Para Anna Larsen, a entomologia foi a área da história natural que desenvolveu o maior arsenal de equipamentos de campo, pois são muitos os materiais usados na coleta de insetos, processo complexo que exige cuidados, inclusive na maneira de matar, uma vez que uma técnica que funciona bem para besouros pode acabar com a asa de uma borboleta e, assim, afetar a classificação. Na imagem abaixo podemos visualizar uma das salas que abrigam a coleção entomológica.
Foto 04: Sala que abriga a coleção entomológica no Museu Entomológico Fritz Plaumann. Fonte: Arquivo pessoal da autora.
A coleçãoconta com aproximadamente 73.036 mil exemplares, sendo que 9.601 são de espécies inseridas em 19 ordens de insetos 318 famílias e 2.219 gêneros. A partir destes números podemos afirmar que Plaumann catalogou e coletou aproximadamente 80% da fauna entomológica encontrada na Floresta Estacional semi-decidual e Floresta Ombrófila Mista do oeste de Santa Catarina. Além da beleza que rodeia o museu com seu espaço arborizado, é possível visitar o túmulo de Fritz Plaumann, localizado ao lado do Museu Entomológico Fritz Plaumann. 7 Outro fator importante, é que o museu foi construiu na comunidade de Nova Teutônia, SILVA, da Rogério Rosa. A coleção entomológica do museu Fritz Plaumann. In. Biotemas, 11 (2): 157-164, 1998. 7
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erguido na frente da residência de Fritz Plaumann, a coleção permaneceu na localidade onde foi formada. Há no museu uma terceira sala chamada de sala da “curiosidade”, na qual estão abrigados alguns achados de Plaumann durante suas idas ao campo coletar insetos, como, por exemplo, ossos de animais, pele de cobra, aranhas e, também, doações de outras regiões do Brasil, como um ovo de Ema e conchas. Abaixo imagem da coleção de lepidópteros. No caso da coleção entomológica de Plaumann, foram erguidas paredes
Foto 05: Coleção de lepidópteros do Museu Entomológico Fritz Plaumann. Fonte: Acervo pessoal da autora.
para ali repousá-la. Nesse espaço, a coleção está rodeada de cuidados, submetida a uma proteção especial, exposta de uma maneira que somente seja possível observá-la. Isso, para Pomian, significa que “Ao colocar objetos nos museus expõem-se ao olhar não só do presente, mas também das gerações futuras, como dantes se expunham outros ao dos deuses” (POMIAN, 1984: 84). A formação dos Museus de História Natural encontrava-se muito ligada ao colecionismo e era vista como a instituição de pesquisa e da divulgação da ciência, com coleções específicas, com o intuito de ordenar e classificar os objetos naturais (POSSAS, 2005). No Brasil do século XIX é evidente a amplitude que tomou as atividades científicas oriundas da emergência da História Natural e da institucionalização das Ciências Naturais no país. Sobre o assunto, Lopes (1997: 323) enfatiza que os Museus atuavam como instituições que abrigavam “coleções de ciências naturais, arqueológicas e etnográficas”. Os Museus eram espaços em que os naturalistas se profissionalizavam e onde ocorria a especialização de diversos campos do conhecimento. O século XVIII é o palco das mudanças no sentido da especialização das coleções. “Os museus específicos tendem a reproduzir em seus arranjos uma ordem que
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acompanha as novas concepções científicas e as novas exigências metodológicas das Ciências da Natureza” (KURY; CAMENIETZKI, 1997, p. 57). Além disso, as exposições das coleções abrigadas nos Museus serviam para divulgar e levar para a população o conhecimento sobre o mundo natural. Este é o cenário do Museu Real, posteriormente denominado Imperial e Nacional, nas primeiras décadas do século XIX, e que acabou por se disseminar através do país, com a criação do Museu Paranaense Emilio Goeldi em 1866, Museu Botânico do Amazonas em 1883, Museu Paulista em 1894, o Museu Rocha, por iniciativa particular, criado no Ceará em 1887. No século XX, com a criação das universidades, cada vez mais foram surgindo iniciativas de criação de museus de história natural.
Foto 06: Museu Entomológico Fritz Plaumann. Fonte: Arquivo pessoal da autora.
A prática de colecionismos esteve presente na vida de Fritz Plaumann durante quase toda sua vida, desde a pequena coleção de insetos, ainda quando morava na Alemanha e, posteriormente, dando seguimento a essa prática cultural no Alto Uruguai Catarinense. Além disso, mesmo após a venda da coleção, devido ao trabalho que continuou a desenvolver no museu, ficou responsável pelos cuidados com a coleção, que continuou crescendo, principalmente com as coletas que continuou a realizar até o início da década de 1990, milhares foram às amostras que saíram da região do Alto Uruguai Catarinense para serem abrigadas em museus, universidades e coleções particulares, tanto brasileiras como para a Europa Ocidental, Estados Unidos e América Latina. O Museu Entomológico Fritz Plaumann é um dos museus mais visitados da região oeste de Santa Catarina, com um público anual de aproximadamente 5 mil visitantes,8 em sua maioria são estudantes do ensino fundamental, médio e superior. Deste modo, consideramos a respectiva coleção uma ferramenta para o ensino de Ciências Naturais e diversas áreas, pois é fonte direta de informações sobre a biodiversidade. Além disso, as coleções entomológicas são 8No ano de 2014 o museu recebeu 4.711 visitantes e no ano de 2015 4.530, dados coletados com a direção do museu.
Aline Maisa Lubenow
consideradas excelentes fontes de conhecimento taxonômico, sendo de grande utilização para a comunidade científica e para acadêmicos de várias áreas do conhecimento. Nesse sentido, as coleções são excelentes bancos de dados para a entomológica médica, que objetiva o estudo dos insetos transmissores de doenças aos homens e também para a entomológica agrícola, que direciona suas pesquisas aos insetos causadores de doenças nas lavouras. Plaumann julgava sua atividade científica sempre em prol do conhecimento da fauna entomológica do Brasil. “Tão logo que o tempo permita, vou recomeçar com os meus trabalhos em prol da fauna brasileira e aumentar a coleção zoogeográfica regional a qual, afinal, vai trazer vantagens para outros cientistas de hoje e no futuro” (PLAUMANN in SPESSATO, 2001: 206). Em suas narrativas fica evidente a preocupação com a classificação dos insetos, a identificação e a conservação. Para isso sempre utilizava de materiais e produtos adequados, com a finalidade dos insetos não se deteriorarem, preocupação essencial que fez com que a coleção entomológica perdurasse até os dias atuais em ótimo estado de conservação, permitindo a visitação de inúmeras pessoas, principalmente de estudantes, público alvo do Museu Entomológico Fritz Plaumann. Referências bibliográficas KURY, Lorelai; CAMENIETZKI, Carlos Ziller. Ordem e Natureza: coleções e cultura científica na Europa Moderna. Anais do Museu Histórico Nacional, vol. 29, 1997. LARSEN, Anne. Equipment for the field. In. JARDINE, N.; SECORD, J.A. e SPARY, E.C. (eds). Cultures of natural history. Cambridge: Cambridge University Press, 1997 (1996). LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997. LOPES, M. M. Viajando pelo campo e pelas coleções: aspectos de uma controvérsia paleontológica. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, vol. VIII (suplemento): 881-97 2001. LUBENOW, Aline Maisa. Enveredando pelas matas do sertão catarinense: a coleção entomológica Fritz Plaumann. (Dissertação de mestrado) Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rio de Janeiro, 2015. PODGORNY, Irina. De cómoMylodonrobustussurgió de loshuesos de Glyptodon El comercio de huesosconelRío de la Plata y la sistemática de los mamíferos fósilesen 1840. In.Rev. Museo La Plata, 2012, SecciónPaleontología 12 (67): 43-64. POMIAN, K. Enciclopédia Einaudi.V. 1. Porto: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984. POSSAS Helga Cristina Gonçalves. Classificar e ordenar: os gabinetes de curiosidades e a história natural. FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves; VIDAL, Diana Gonçalves (Org) Museus: dos Gabinetes de Curiosidade à Museologia Moderna. Belo Horizonte: Editora Argvmentvm, 2005. SPESSATTO, Mary, Bortolanza. (org). O diário de Fritz Plaumann. Chapecó: Argos, 2001.
Artigo recebido em janeiro de 2016. Aprovado em abril de 2016
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LIVING COLLECTIONS AT THE SINGAPORE BOTANIC GARDENS – HISTORIC AND MODERN RELEVANCE
Nigel P. Taylor, PhD1
RESUMO O papel das coleções vivas no Jardim Botânico de Singapura é descrito nos termos de seu valor no campo do patrimônio, contribuindo com as inscrições dos Jardins Botânicos na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, e sua importância em termos de pesquisa científica, manutenção da diversidade da flora e em termos de educação. Um resumo das mais relevantes coleções é apresentado e o tema é introduzido e trabalhado no context de uma breve história dos Jardins Botânicos.
ABSTRACT The role of the living collections at the Singapore Botanic Gardens is described in terms of their heritage value, contributing to the Gardens’ inscription on UNESCO’s World Heritage List, and their importance in support of scientific research, conservation of plant diversity and public education. A summary of the most significant taxonomic collections is appended and the subject is introduced and placed in context with a brief history of the Gardens.
PALAVRAS-CHAVE Patrimônio Cultural, conservação,
KEY-WORDS cultural heritage, economic botany, conservation
1 Group Director, Singapore Botanic Gardens (National Parks Board), 1 Cluny Road, Singapore 259569 (nigel_taylor@nparks.gov.sg)
Nigel P. Taylor
Introduction This essay will describe the relevance and significance of the living collections held at the Singapore Botanic Gardens (SBG), which was founded in 1859. In July 2015, SBG was inscribed on to the UNESCO World Heritage List as a Cultural Landscape, being only the third botanic garden to be listed as such and the first located in the tropics (TAYLOR, 2015: 2–5). The living collections at SBG made a most important contribution to gaining this international accolade, as the following notes hope to explain. They are what primarily define the Gardens’ historic landscape and purpose; they include 59 Heritage Trees, many other heritage specimens and 6 hectares of primary rain forest; they support the scientific research of the institution and its public education role; and, critically, they are vital ex situ and in situ resources for the conservation of biological diversity in the SE Asian region. Before describing these aspects, however, it is necessary to give a brief history of the Gardens in order to place its living collections in a proper context. This and subsequent sections will frequently draw on the work by Taylor & Davis (2015). Brief history of SBG The Singapore Botanic Gardens was founded at the close of 1859 through a gift of 22.4 hectares of land in the Tanglin District, given to the Agri-Horticultural Society by the Governor of the Straits Settlements (an eastern outpost of the British Empire). The Society was funded by the subscriptions of its members and consequently SBG was not freely open to the public for the first 15 years of its existence. In 1860, the Society appointed a Scotsman, Lawrence Niven, as Manager (later called Superintendent), who laid out the site in the style of the English Landscape Movement (TAYLOR, 2013). At the start, the undulating land comprised a large expanse of secondary vegetation, smaller areas of freshwater swamp and 6 hectares of virgin forest, the latter being retained and still surviving today. Over the following 15 years Niven developed a system of roads and paths, with grassed over lawns between, created a band parade area for musical concerts, dammed up the outlet of the southernmost swamp to fill an extensive lake (now called Swan Lake), and planted up flowerbeds from which the Society’s members could cut flowers for their homes. A further 12 hectares of land was purchased in 1866 and during 1867–68 a plantation style Anglo-Malay residence was built for Niven on the newly acquired land. This residence, however, was constructed with borrowed funds and by the close of 1874 the Society had still not repaid the loan and found itself bankrupt. It petitioned the government to settle its debts, in return offering the Gardens to the authorities, which offer was accepted. This resulted in the appointment of a new Superintendent, James Murton, who had been trained at the Royal Botanic Gardens, Kew (England) and was botanically qualified, whereas Niven was primarily a gardener (who died while on home leave in Scotland in 1876). From the arrival of Murton in 1875 the Gardens became truly botanical in nature, whereas under the Agri-Horticultural Society it was best described as a pleasure garden, lacking a botanical focus. Murton set about acquiring many plant species from both the region and farther afield. The public were now free to enter this attraction, but soon there was also an emphasis on economic botany, as indeed there was in nearly all of the 100+ colonial gardens across the British Empire (CRANE, 2001: 5–6). By 1879 much of the land available to Murton was fully utilised and so the government generously gifted a further 41 hectares to the north of the original site and this exclusively for the trialling of economic plants (the Economic Garden). These trials included Pará Rubber (Hevea brasiliensis), which had been introduced from the Brazilian Amazon via Kew Gardens in 1877. Later, under the influence of its first Director, Henry Ridley (in office
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1888–1912), this plantation crop would transform the economy of SE Asia and cause the concomitant collapse of the serengueiro extractive industry based in Manaus, Brazil (ANON., 2006: 74). In parallel with the study of economic botany, the Gardens began its herbarium and library, eventually amassing reference collections that now form the basis for understanding the botany of SE Asia (TINSLEY, 2009: 211–217). Economic botany at SBG appeared to be coming to a close when, in the mid-1920s, most of the Economic Garden’s land was annexed for the construction of Singapore’s first university, Raffles College. However, the arrival of a new Director, Eric Holttum, took this aspect of science and horticulture in a new direction, using the extensive living collection of orchids that had been assembled over the previous half century. Holttum employed a little-known in vitro laboratory technique for raising orchid hybrids from seed and soon founded a new industry and, indeed, a craze for breeding orchids, which soon took root in the region, involving amateurs and commercial nurseries alike. This remains a key activity at SBG, where the orchid team currently includes five orchid breeders, whose successes are regularly displayed in the National Orchid Garden (within SBG itself) and have made the Republic of Singapore synonymous with orchids. These spectacular hybrids have also been the focus of a high profile VIP Orchid Naming programme over the past 60 years, during which the heads of more than 90 nations have been awarded these plants, exclusively named in their honour, during state visits to Singapore. The next phase in SBG’s history was what is popularly called ‘The Greening of Singapore’. This began in 1963 when founding Prime Minister Lee Kuan Yew began developing his vision of Singapore as a green city in which outsiders would want to invest, in preference to the ‘concrete jungles’ that other cities might offer. The Botanic Gardens was the obvious source of both plants and expertise as indeed it had been in the 1880s, when an earlier movement to repair the island’s forests was launched by the colonial government. Today the Gardens holds more than 8500 species of vascular plants and increasingly focuses on acquiring species from the SE Asian region for both ‘greening’ purposes and ex situ conservation. Many species of orchids and ginger relatives have been reintroduced to external habitats from the Gardens’ living collections in an attempt to reverse the damage done when the island was extensively deforested during the 19th century. Living collections with heritage value While SBG’s living collections include various ancient trees that were growing on the site before its foundation, whether planted or naturally-occurring, the oldest surviving planting post-1859 is actually a remarkable herbaceous plant that we claim to be the World’s oldest and largest specimen of an orchid species (TAYLOR, 2015: 8–11). In 1861, Lawrence Niven planted the giant Tiger Orchid (Grammatophyllum speciosum) beside the north end of Office Gate Road, which later became the junction with the Main Gate Road. A photographic archive dating from the 1870s until the present time shows this orchid plant gradually increasing in size. It is now 5 metres in diameter and must weigh several tonnes. We have recently placed a fence (or ‘tiger cage’) around it as protection, because its immense age and pedigree makes it exceptionally valuable. I use the word pedigree because its date of planting was well before this species officially went ‘Extinct-in-the-Wild’ in Singapore early in the 20th century, so it is most likely, genetically speaking, a surviving element of Singapore’s island flora. Seedlings raised from this specimen will be used to reintroduce this local genotype into Singapore habitats. Further heritage specimens, also not to be regarded as trees, include various ancient palms, some of which almost certainly antedate the Gardens foun-
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dation. A massive clump of Nibung (Oncosperma tigillarium) growing in the remains of a freshwater swamp, between the National Orchid Garden’s nursery and Symphony Lake, must be many centuries old when its size is compared with another large clump planted in 1878 by Murton in his first Palmetum near Office Gate Road. Also growing in the swamp remnant is a clump of the East Malesian Sago Palm (Metroxylon sagu), and there is another near the Tanglin Gate adjacent to Holland Road. These are recorded as planted before 1859 and were almost certainly being cultivated for their abundant edible starch, which was used long before rice came to dominate the local diet. A third palm represented by large, old specimens is the native, but now very rare, Ibul (Orania sylvicola), found in the Gardens’ Rain Forest as well as near Corner House Gate, where its progeny are also thriving. These represent important genetic resources for a species that is rated as Critically Endangered in Singapore (Loo et al., 2014: 84). In the former Economic Garden seven very old African Oil Palms (Elaeis guineensis) are a reminder that SBG was one of the earliest suppliers of seed for what has latterly become one of the World’s largest and environmentally most destructive agro-industries. These specimens were planted in 1920, so are now more than 95 years old. They surprise visitors who are familiar with the modern plantations of the species, because with age their trunks have lost the characteristic scalelike leaf bases that are usually home to many epiphytes and thus are quite bald. The largest of these specimens exceeds 10 metres in height. Last, but not least, with its striking red crown shafts, is the attractive Sealing Wax Palm (Cyrtostachys renda), which is the Botanic Gardens’ brand symbol, seen on everything from staff corporate clothing to SBG branded merchandise and our official letterhead. It is planted in many places in the Gardens, but most prominently as an avenue established by Henry Ridley in 1905. Its choice as the Gardens’ brand symbol is also ecologically appropriate, because it is a native of freshwater swamp forest, which used to exist along the western edge of SBG. Many other majestic palms representing over 200 species can be seen in Palm Valley, established in 1879 and the most sublime piece of SBG’s landscape, besides being the setting for weekend concerts on the Shaw Symphony Stage. As already noted, SBG has 59 officially endorsed Heritage Trees, part of a scheme launched in 2002 to encourage Singaporean residents to cherish the island’s finest arboreal specimens. As of October 2015, SBG’s tally amounts to more than 25% of all such trees recognised in Singapore. Here, space does not permit us to describe or illustrate all of these, but some examples will give a flavour of their significance in terms of Singapore’s environmental history and the Gardens’ former economic purpose (SHEE et al., 2014; TAYLOR, 2014). One category of Heritage Tree at SBG is that of native survivors that pre-date the Gardens foundation, i.e. trees that were not planted, but formed a part of the original natural vegetation, or had regenerated after that wild forest was removed. These are important reminders of the first half of the 19th century when much of Singapore was still clothed in a dense tropical forest, and some represent significant genetic resources for what are now very rare species amongst the island’s fragile flora. Most famous amongst these is the so-called ‘$5-tree’, the Tembusu (Cyrtophyllum fragrans) that is illustrated on the reverse of Singapore’s $5 banknote. This tree, which stands within a protective fence on Lawn E, is unmistakeable for its long low branch. This branch tells us clearly that the tree grew up in an open setting, not in forest, since in a forest such a branch would be shaded out by the dense canopy and would not have survived. Thus, this tree almost certainly regenerated from the time when the land had been deforested for the cultivation of gambier (Uncaria gambir) and black pepper (Piper nigrum), crops indicated on maps drawn up in the 1830s/40s (TAYLOR & VELAUTHAM, 2014). Indeed, the Botanic Gardens has many other Tembusu trees of similar size and age, doubtless originating in the same way, and it seems that this
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tropical forest species is one of the very few trees that was able to regenerate within the poor grade secondary scrub (or ‘belukar’) that followed deforestation. The image of the ‘$5-tree’ on the banknote is, however, symbolic of the place where it grows rather than just the tree itself. It symbolises the fact that for more than 150 years the Botanic Gardens has been a meeting place for residents and even the site where arranged marriages were brokered. Moreover, it was the place from which the Garden City movement took off (nowadays rebranded as the City-in-a-Garden vision). A much rarer native tree found nearby on Lawn H is the Pulai Basong (Alstonia pneumatophora). This Heritage Tree is typical of freshwater swamp and is believed to have been growing naturally in the Gardens before its habitat was converted into Swan Lake in 1866. Certainly, there is no record of it ever having been planted and it appears as a mature tree in an historic photograph dating from before 1927. It is one of less than 20 individuals of the species remaining in Singapore and is quite isolated from its brethren. However, it recently produced viable seed and its offspring will be used in the recreation of a swamp forest in the Gardens’ soon-to-be-opened Tyersall Learning Forest. This will be an opportunity for public education as well as conservation of the tree’s germ plasm. Seven Heritage Trees are found in SBG’s surviving tract of rain forest and all are native there as well as being huge examples of their species. Three belong to the Meranti genus of Dipterocarps (Shorea gratissima, S. macroptera & S. pauciflora). This genus and its family, Dipterocarpaceae, is one of the most important components of tropical forest in SE Asia, much of which has been cleared for other purposes, such as the cultivation of African Oil Palm. Together with the Rain Forest’s Jelawai (Terminalia subspathulata), Jelutong (Dyera costulata), Antoi (Cyathocalyx sumatranus) and gigantic strangling Johor Fig (Ficus kerkhovenii), these trees enable the Gardens’ visitor to have some understanding of the great forest that once clothed the island of Singapore. To be able to observe such huge trees just 15 minutes’ walk from Singapore City’s famous Orchard Road shopping district is truly remarkable and probably unrivalled anywhere else in the World! The largest category of Heritage Trees is those introduced and planted for their economic potential, primarily as sources of timber, latex, nuts/seeds, medicinal benefits or dyestuffs. Some of these are in the former Economic Garden in the northern half of the site, which was not open to the public until relatively recent times, but many are planted in the historic Tanglin Core of the Gardens and have always been on public display. Timber trees tend to dominate, such as the 1884 Burmese Teak (Tectona grandis) at Botany Centre, the similar-aged Andiroba (Carapa guianensis) on Lawn E, the true Mahogani (Swietenia mahogani) beside the entrance to the National Orchid Garden, the West Indian Locust beside Corner House Lawn (Hymenaea courbaril) and two tropical conifers, the 1882 Mountain Teak (Podocarpus neriifolius) and Malayan Yellow-wood (Dacrycarpus imbricatus), both to the east of Swan Lake. Besides Pará Rubber, of which only third generation descendants survive, the latex producers include two White Gutta trees (Palaquium obovatum) located in the former Economic Garden where they were planted in 1897 as part of an early ex situ conservation effort. Gutta is a tree that literally changed worldwide communications in the second half of the 19th century. Its latex was used to insulate the first undersea copper cables, reducing the months it took for letters to arrive on board sailing ships to messages received in seconds. The unsustainable over-exploitation of native stands of the tree in SE Asia nearly drove species of the genus to extinction – hence examples were conserved in the Gardens. Heritage Trees introduced for their nuts and seeds include three very fine Monkey Pots (Lecythis pisonis), which arrived via Kew Gardens from Brazil in the 1920s; a SE Asian species of Petai or Stink Bean (Parkia timoriana) and the Keluak (Pangium edule) produce seeds that are important ingredients in local cuisine; then there is the 1897 Candle Butter Tree (Pen-
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tadesma butyracea) in the Healing Garden, whose seeds contain more than 40% fat, and the 1890 Tahitian Chestnut (Inocarpus fagifer), a very peculiar member of the legume family. Heritage Trees with medicinal properties include the 1926 Copaiba (Copaifera officinalis) on Lawn H and the huge Penaga Laut (Calophyllum inophyllum) that dominates Botany Centre and caused the adjacent Cluny Road to be moved c. 100 metres further east so that adequate space for the building could be granted and the tree preserved – a powerful tree indeed! Research & Conservation Collections In terms of SBG’s history, we know that prior to Superintendent James Murton’s arrival in 1875 there was already an orchid house in the Gardens, orchids probably being the first taxonomic group to be focused on. After the orchids, perhaps the second and third groups were the conifers and cycads, which Murton concentrated in plantings between the Main (Tanglin) Gate and Swan Lake, on the north side of Main Gate Road. Next in order he established a fernery, then a collection of Bromeliads (Bromeliaceae), these being situated between the Bandstand area and Cluny Road to the east. In 1878, he planted up Office Gate Road with palms and the following year was beginning to develop Palm Valley, which today holds one of the world’s most important collections of tropical palms. A decade then passed before another taxonomic group was planted in a defined area. This was the legumes, on Lawn F, to the west side of Swan Lake. From 1890, a collection of ginger relatives (“Scitamineae”, nowadays Zingiberales) was begun around what is now the Potting Yard. During the administrations of Directors Henry Ridley and Henry Burkill (1888–1925) the living collections were heavily focused on economic botany and no new major taxonomic groups appear to have been established. However, with the succession of Eric Holttum as Director in 1925 a renewed interest in plants of scientific and horticultural merit ensued. Bougainvillea (Nyctaginaceae) and Plumeria (Apocynaceae) were notable foci and in modern times have resulted in large collections of species and especially hybrids. In the 1950s a collection of trees from the Nutmeg family (Myristicaceae) was established in the area between the present Healing Garden and NParks Headquarters, this in furtherance of the botanical studies of J F Sinclair, Curator of the SING Herbarium from 1948–1965. The remaining taxonomic collections identified in Appendix I (below) have been established in more modern times, from the 1970s onwards. Some of these are nowadays of primary significance for the purposes of ex situ conservation, rather than for traditional taxonomic studies, e.g. Dipterocarpaceae. However, it is true to say that most of the earliest established taxonomic living collections remain important today, whether for research or public display, such as orchids, palms, gingers, Bougainvillea, Bromeliaceae and frangipani. The conifers and cycads play an important role in public education, being key elements in SBG’s Evolution Garden, which traces the history of plants on land from 470 million years before present until today. Of the groups supporting taxonomic and conservation research, the largest in order of numbers of species are the gingers and relatives (1300 species), orchids (c. 1000 spp.) and palms (300 spp.), the first two supporting the Gardens’ own research teams, with high outputs of publications. Both are also increasingly focused on the reintroduction and reinforcement of native species in Singapore, which, in the case of the orchids has been on-going for more than 20 years (YAM, 2013). Amongst gingers and the unrelated monocotyledons from the genus Hanguana, Singapore has recently described, rare, endemic species, which are being propagated at SBG for reintroduction and reinforcement of the populations in the island’s nature reserves and other protected areas (LEONG-
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ŠKORNIČKOVA, 2015: 20; 2015: 29). For other ginger relatives an alternative or addition to planting in reserves is their use along roadside ‘Nature Ways’, which are manmade wildlife corridors linking parks and reserves via the road network. Thus, the role of SBG’s living collections in the conservation of plant diversity is an increasingly significant one and is the institution’s determined response to the environmental crises that face all of us. References ANON. Portrait of the global Rubber industry. Driving the wheel of the World economy. International Rubber Research and Development Board (IRRDB). Malaysia: Kuala Lumpur. 190pp. ISBN 983-2088-27-5. 2006 CRANE, P. Botanic Gardens for the 21st Century. Gardenwise 16: 4–7. 2001 LEONG-ŠKORNIČKOVA, J. A Ginger for Singapore. Gardenwise 44: 17–20. 2015 LEONG-ŠKORNIČKOVA, J. Hanguana in Singapore Demystified. Gardenwise 45: 24–29. 2015 LOO, A.H.B., ANG, A.W., BAKER, W.J. & TAN, H.T.W. A Guide to the Native Palms of Singapore. Singapore: Science Centre. 174pp. ISBN 978-981-07-8878-0. 2014 SHEE, Z.Q., ANG, X.Q., WIJEDASA, L. &TAYLOR, N. Tall Tales. Singapore Botanic Gardens Heritage Trees Trail Guide. Singapore: National Parks Board. 96pp. ISBN 978-981-09-0224-7. 2014 TAYLOR, N. What do we know about Lawrence Niven, the man who first developed SBG? Gardenwise 41: 2–3. 2013 TAYLOR, N. The Environmental Relevance of the Singapore Botanic Gardens. In: BARNARD, T. (Ed.), Nature Contained. Environmental Histories of Singapore. Pp. 115–137. Singapore: National University of Singapore Press. ISBN 978-997169-790-7. 2014 TAYLOR, N. The UNESCO journey. Gardenwise 45: 2–5. 2015 TAYLOR, N. An old tiger caged. Gardenwise 45: 8–11. 2015 TAYLOR, N. & DAVIS, A. A Walk Through History. A Guide to the Singapore Botanic Gardens. Singapore: National Parks Board. ISBN 978-981-09-6277-7. 88pp. 2015 TAYLOR, N. &VELAUTHAM, E. How old are the Singapore Botanic Gardens’ great Tembusus? Gardenwise 42: 9–11. 2014 TINSLEY, B. Gardens of Perpetual Summer. The Singapore Botanic Gardens. Singapore: National Parks Board. 260pp. ISBN 978-981-07-0026-3. 2009 YAM, T.W. Native Orchids of Singapore. Diversity, Identification and Conservation. Singapore: National Parks Board. 121pp. 2013 Appendix I:Taxonomic plantings at SBG 1. Palms (Arecaceae), Palm Valley, established 1879, Lawns W, Y, XA and area of Heliconia Walk (c. 220 species) and under-storey species south side of Maranta Ave, Lawn S; avenues of Sealing Wax Palms (Cyrtostachys renda), 1905, and Caribbean Royal Palms (Roystonea oleracea), 1950, Lawns J (Lower Ring Road) and K, respectively. Office Gate Road was historically planted up with a palm collection in 1878, but only a large clump of Nibung Palm (Oncosperma tigillarium) remains from this time at the north end of Lawn D. Notable palms are also found on Lawn A (sago), Lawn D (Double Coconut/Coco-de-Mer etc.) and Lawn T (Johannesteijsmannia spp.). Overall SBG has one of the largest palm collections in the world. 2. Gingers & relatives (Zingiberales), Ginger Garden and surroundings, est. 2003, Lawns P, R & S; also Heliconia Walk in Palm Valley where, besides the Heliconia spp., a comprehensive collection of Strelitziaceae has been planted from 2013. Including behind-the-scenes material in SBG’s nurseries, probably the largest
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collection of this order in the world. 3. Orchids (Orchidaceae), National Orchid Garden, est. 1995, Lawns T, X & Z; also 20,000 stems of Singapore’s National Flower, Vanda ‘Miss Joachim’ west of the Bandstand, Lawn O. 4. Bromeliads (Bromeliaceae), Lady MacNeice collection inside the National Orchid Garden, est. c. 1995. 5. Legumes (Fabaceae/Leguminosae), est. 1889, Lawn F. Note that leguminous species are found in many other parts of the Gardens, but Lawn F is the only area originally designated for this family. 6. Conifers (Coniferales), Tanglin Gate area, est. 19thC, Lawns B, C & D; Evolution Garden area; National Orchid Garden around Cool House (Araucaria). Whilst historically conifers were planted near the Tanglin (Main) Gate, the tall Araucaria specimens seen in early pictures of this area have gone. These trees are particularly susceptible to termite attack. 7. Cycads (Cycadales), Evolution Garden, est. 2005, and in front of the adjacent National Parks Headquarters, beside the above ground car park. 8. Ferns and allies (Monilophytes), Fernery, c. 1970s, Lawn M (incl. Plant House extension formerly an orchid house), recently expanded northwards into former Shade Rockery, 2010/11; Evolution Garden (tree ferns and Selaginella); a former fernery was sited at The Dell (c. 1882), Lawn G, which still includes a number of Selaginella species. 9. Nutmegs (Myristicaceae), est. 1950s, area between Healing Garden and road to NParks Headquarters. 10. Aroids (Araceae), north-east of The Bandstand, Lawns O/M. 11. Dipterocarps (Dipterocarpaceae), Tanglin Gate area, Lawns A, B & D; other Dipterocarp plantings (timber trees) are located above the road to Corner House Gate, adjacent to the Evolution Garden; many young examples of the family have been planted over the past decade in the northern end of the Bukit Timah Core and as reinforcements in SBG’s Rainforest, Lawns Q, U & V. A new Dipterocarp Arboretum is being established in the Gallop Road extension to SBG, where it is planned to plant more than 200 species from SE Asia. 12. Bamboo (Poaceae-Bambusoideae), est. 1990s, Bukit Timah Core between Melati and Bukit Timah station gates; the bamboo collection was formerly on Lawns B & E, where two clumps remain as they are home to a rare species of bat; another notable bamboo planted outside of the Bukit Timah Core collection is the century old clump of Gigantochloa ridleyi on Lawn Y. 13. Fig/Mulberry Family (Moraceae), est. c. 1970s, Lawn J near Swiss Granite Ball Fountain 14. Myrtle Family (Myrtaceae), est. 2010, in front (east) of Raffles Building. 15. Frangipani (Plumeria) collection (Apocynaceae), Lawn J. 16. Bougainvillea collection (Nyctaginaceae), est. 1996, Bukit Timah Core, east of Melati Gate. 17. Ebony/Persimmon (Diospyros) collection (fam. Ebenaceae), Lawns C & D, behind Ridley Hall. 18. Hoya (Apocynaceae). A large collection of this genus (c. 300spp.) in support of monographic studies by Dr. Michele Rodda, but almost entirely kept in behind-the-scenes nursery facilities at present, so not on public display. Artigo recebido em janeiro de 2016. Aprovado em abril de 2016
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Figura 1. Aerial view of Palm Valley. Credit: NParks Board, Singapore
Figura 2. Figura 5. The ‘$5 tree”, Cyrtophyllum fragrans, on Lawn E of the Singapore Botanic Gardens. This image was made before a fence was placed around the tree to protect it from soil compaction. Credit: N. Taylor.
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Figura 3.SBG logo featuring the Sealing Wax Palm, Cyrtostachys renda. Credit: NParks Board, Singapore
Figura 4.The Giant Tiger Orchid (Grammatophyllum speciosum) planted by Lawrence Niven in 1861, here seen flowering in 2014 before a fence was placed around to protect it. Credit: T. Yam
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5. Pulai Basong (Alstonia pneumatophora) Heritage Tree on Lawn H of SBG. Credit: D. Zappi.
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6. Jelawai (Terminalia subspathulata) Heritage Tree, c. 50 metres tall, at entrance to SBG’s Rain Forest. Credit: N. Taylor.
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7. 95 years old African Oil Palm (Elaeis guineensis) in former Economic Garden, with bald trunk. Credit: N. Taylor
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8. White Gutta (Palaquium obovatum) Heritage Tree, planted 1897, in former Economic Garden. Credit: N. Taylor
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9. Torch Ginger (Etlingera elatior) in SBG’s Ginger Garden. Credit: Mrs Simon Longman
COLEÇÕES BIOLÓGICAS DO JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO À LUZ DAS METAS DA GSPC/CDB: ONDE ESTAREMOS EM 2020? Rafaela Campostrini Forzza1,2, Anibal Carvalho Jr.1, Antônio Carlos S. Andrade1, Luciana Franco1, Luís Alexandre Estevão1, Viviane S. Fonseca-Kruel1, Marcus A. Nadruz Coelho1, Neusa Tamaio1, Daniela Zappi1 RESUMO O conjunto de coleções biológicas sob a guarda do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) vai além das exsicatas do herbário e plantas vivas do arboreto, e inclui também coleções em estufas, xiloteca, carpoteca, bancos de sementes e de DNA, cultura de fungos e coleção etnobotânica. Juntas estas diferentes coleções contabilizam cerca de 665 mil espécimes, que contribuem para ampliar o conhecimento da flora neotropical. A partir do final do século XX e início do século XXI, com a mudança de paradigma envolvendo a conservação e o uso racional da biodiversidade do planeta, as coleções biológicas e seus dados associados saíram de uma posição marginal para ocupar uma posição central na discussão que quantifica, qualifica, mapeia e estuda o potencial de uso da biodiversidade. Neste novo cenário, os jardins botânicos e suas coleções estão completamente inseridos nas tarefas relacionadas a atingir as metas da biodiversidade delineadas pela CDB/GSPC. Neste artigo descrevemos quais metas envolvem diretamente as coleções do JBRJ e analisamos tanto a participação como as limitações dos nossos acervos para apoiar o país no cumprimento das metas da GSPC 2020. PALAVRAS-CHAVE Conservação da Flora, Documentação da Biodiversidade, Informação Taxonômica, Sistemas de Curadoria
ABSTRACT The biologic collections housed at the Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) go beyond herbarium exsiccatae and the arboretum, comprising also a wood-collection, carpological collection, greenhouse collection, seed and DNA baks, fungal culture and ethnobotany collections. Together the different collections add up to 665 thousand specimens, contributing substantially towards the neotropical flora knowledge. From the end of the 20th century and the beginning of the 21st, the paradigm regarding conservation and rational use of the world’s biodiversity changed, and the biological collections and their data moved from a marginal position to occupy a central role in the discussion that quantifies, qualifies, maps and studies the potential of use of biodiversity. Within this new scene, botanical gardens and their collections are totally inserted in accomplishing the tasks regarding the biodiversity targets proposed by the CBD/GSPC. In this article we map the targets that involve directly the collections of the JBRJ and analyse the contributions and limitations of our holdings in supporting the country to reach the targets of the GSPC 2020. KEYWORDS Biodiversity Documentation, Conservation of the Flora, Curation Systems, Taxonomic Information
1 Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Pacheco Leão 915, CEP 22460-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2 Autor para correspondência: rafaela@jbrj.gov.br
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Introdução
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A Convenção da Diversidade Biológica (CDB 1992) e a Systematics Agenda 2000 (1994) impulsionaram a mudança de paradigma no cenário mundial no que diz respeito ao papel das coleções biológicas, destacando a importância da publicação de seus dados primários no fluxo de informações sobre a biodiversidade. Como parte de sua inserção neste cenário, o Brasil definiu as coleções biológicas como componentes básicos de suporte ao desenvolvimento científico e inovação tecnológica, afirmando que o fortalecimento da ciência em benefício da sociedade depende da promoção do amplo acesso a dados e informações sobre a biodiversidade brasileira (KURY et al. 2006). O Jardim Botânico do Rio de Janeiro se inseriu completamente neste novo paradigma, com os dados primários de seus acervos digitalizados e disponíveis via web a partir 2005 (FORZZA et al. 2008, GONZALEZ, 2009). Durante a reunião da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) realizada em Nagoya em outubro de 2010, representantes dos diversos governos assinaram uma nova versão modificada e atualizada da Estratégia Global para a Conservação das Plantas (GSPC). A nova estratégia tem uma visão centrada no seguinte raciocínio: “Sem plantas não há vida. O funcionamento do planeta e nossa sobrevivência dependem das plantas. Esta estratégia tem como objetivo deter a perda contínua da diversidade vegetal mundial”. Dentro desta visão, foram estabelecidos cinco objetivos, subdivididos em 16 metas, a serem atingidas até 2020 (https://www.cbd.int/gspc/strategy.shtml). Neste cenário, as coleções biológicas desempenham um papel central, com impacto direto sobre cinco das 16 metas, e afetam indiretamente a maioria das outras em maior ou menor grau. Hoje, tanto a infraestrutura de pesquisa do Jardim Botânico do Rio de Janeiro como suas coleções estão ativamente envolvidas na coordenação e realização da flora on-line (Meta 1); na avaliação do status de conservação das espécies (Meta 2); na conservação ex situ de espécies ameaçadas (Meta 8); na conservação da diversidade genética de plantas cultivadas de importância socioeconômica (Meta 9); e na manutenção ou aumento do conhecimento e de inovações das práticas indígenas e locais (Meta 13) (https://www.cbd.int/gspc/strategy.shtml). O presente artigo tem como objetivo apresentar as coleções do JBRJ e expor o papel e as limitações destas no que diz respeito ao atendimento das metas da GSPC/CDB 2011-2020 pelo Brasil. Coleções botânicas do JBRJ: histórico e cenário atual A história do herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e de suas coleções correlatas se iniciou no dia 25 de março de 1890, no momento em que o naturalista João Barbosa Rodrigues assumiu a direção do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e com suas próprias palavras descreveu: “O local conhecido como Jardim Botânico não é atualmente mais que um mero parque de recreio, não se encontrando ahi a menor base para estudo, quando justamente esses estabelecimentos não são creados senão para escolas práticas de historia natural, no ramo a que se destinam.” (Relatório apresentado em 12 de junho de 1890 – Fonte: Rodrigues 1893) (VALENTE et al. 2001, FORZZA et al. 2008, 2015a). Com o apoio do chefe do governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, o general Manoel Deodoro da Fonseca, Barbosa Rodrigues criou, em 1892, o Museu Botânico (hoje Museu do Meio Ambiente), a Biblioteca (que hoje leva o seu nome) e o herbário. O acervo inicial deste herbário foi constituído por 25.000 amostras doadas por D. Pedro II (VALENTE et al. 2001). O visionário Barbosa Rodrigues ia além, vislumbrando a vocação deste
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herbário como guardião de espécimes vegetais e, principalmente, concebendo que esta coleção de plantas seria ampliada e utilizada através dos séculos para consolidar o estudo da flora brasileira. Com este objetivo definido, ele próprio realizou diversas expedições científicas e contratou profissionais denominados “naturalistas viajantes” para coletar em várias localidades, de norte a sul do Brasil. Também criou o cargo não remunerado de “correspondentes do Jardim Botânico” que era ocupado por pessoas indicadas pelo diretor com a finalidade de remeterem plantas vivas e secas ao JBRJ, enriquecendo expressivamente os acervos (VALENTE et al. 2001, FORZZA et al. 2008). Barbosa Rodrigues também mantinha vasta correspondência com diretores de jardins botânicos de outros países, obtendo sementes, amostras vivas e espécimes por intercâmbio para enriquecer as coleções. Ao longo do século XX ocorreram muitas transformações no herbário, constituindo mudanças relacionadas à estrutura administrativa do Jardim Botânico e mesmo do país. Entre 1915 e 1931, sob a direção de Antônio Pacheco Leão, o herbário e as coleções vivas receberam novo impulso graças à dedicada atuação de vários botânicos, dentre estes Adolpho Ducke, Johan Löfgren, João Geraldo Kuhlmann e Paulo Campos Porto e, em 1933, recebeu o reforço de Alexander Curt Brade (Bediaga et al. 2008). Em 1938 o herbário do Jardim Botânico foi registrado na International Association for Plant Taxonomy (IAPT), recebendo o acrônimo RB, (VALENTE et al. 2001). Durante as décadas seguintes os pesquisadores do JBRJ organizaram inúmeras expedições para coleta de plantas em diferentes regiões do país. Da mesma forma, o intercâmbio com herbários nacionais e internacionais foi incrementado e novas amostras incorporadas. Todo este trabalho propiciou o enriquecimento do acervo, ampliando assim sua importância científica para o conhecimento da flora do Brasil, sendo reconhecido como uma coleção estratégica do país (KURY et al. 2006, VALENTE et al. 2001, FORZZA et al. 2008). Atualmente, o herbário conta com cerca de 620.000 exsicatas, sendo 7.500 tipos nomenclaturais, e entre 15 e 20 mil novas amostras são incorporadas anualmente (FORZZA et al. 2015a). Uma grande parte da área do JBRJ está destinada à manutenção de suas coleções vivas. A fundação destas coleções remonta à fundação do próprio JBRJ, sendo a primeira a ser estabelecida com a chegada da família real ao Brasil, em 1808, quando D. João VI fundou uma fábrica de pólvora na antiga propriedade de Rodrigo de Freitas (antigo engenho de cana-de-açúcar). Em junho daquele mesmo ano criaria o Real Horto Botânico, onde as primeiras espécies foram introduzidas. Tratava-se de plantas produtoras de especiarias, tais como baunilha, pimenta e canela. A partir daí várias outras foram ofertadas como doação ao príncipe regente, oriundas de várias partes do mundo, dentre elas o chá e a cana-de-açúcar. Nas décadas de 1820 e 1830 eram colhidas anualmente cerca de 340 kg de folhas de chá no Real Horto (COELHO, 2008, BEDIAGA et al. 2008). Em 1890, Joaquim de Campos Porto ficou à frente do Real Jardim conferindo um cunho cultural e científico à coleção existente, reorganizando os viveiros, aumentando o número das plantas vivas e refazendo a classificação dos exemplares cultivados. De 1890 a 1909, João Barbosa Rodrigues resolveu reunir as plantas por afinidades e dividiu o Jardim Botânico por seções. Barbosa Rodrigues contabilizou a época 71 famílias, 411 gêneros e 838 espécies nativas e exóticas no arboreto. Depreende-se que, até essa época, o acervo de plantas vivas vinha sendo cultivado sem registros. Somente após esse período os dados sobre as plantas vivas foram reunidos no fichário das “Plantas Cultivadas do Jardim Botânico” (COELHO 2008).
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Atualmente, a coleção viva, ou arboreto, ocupa uma área de 54 hectares, dos quais 38,8 hectares pertencem à área verde que compreende 40 seções, distribuídas em 194 canteiros e 122 aléias, batizadas com nomes da espécie predominante, dos antigos diretores ou naturalistas de renome internacional, e seis coleções temáticas (Cactário, Orquidário, Bromeliário, Insetívoras, Plantas Medicinais e Coleção de Sombra). Na área do arboreto também estão representados alguns dos diferentes domínios fitogeográficos do Brasil (Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga), além de exemplares dos continentes Africano, Americano, Europeu, Asiático e Oceania, sendo que os países com maior presença em espécies cultivadas são China, Índia, Madagascar, Malásia e México. O acervo atual é de 15.815 espécimes que correspondem a 2.941 espécies (JBRJ 2016). Ao longo dos séculos XX e XXI outras coleções botânicas foram sendo estabelecidas, sendo elas: carpoteca, xiloteca, bancos de DNA e de sementes, coleção em meio líquido, cultura de fungos e etnobotânica. A xiloteca, criada em 1942, abriga um conjunto de amostras preparadas, registradas e incorporadas segundo técnicas específicas. Seguindo normas internacionais, possui registro próprio e é reconhecida pelo acrônimo RBw. Seu uso é destinado à pesquisa científica (anatomia, taxonomia, ecologia, etc.) e também como instrumento de consulta e referência para identificação de amostras comerciais. Neste campo a coleção é fundamental para a correta identificação das diversas espécies madeireiras, auxiliando profissionais envolvidos com a fiscalização, extração e comercialização de madeiras e também solucionando conflitos que porventura surjam entre clientes, fornecedores e fiscais (BARROS et al. 2001). Atualmente, há 37 xilotecas no Brasil (BARROS & CORADIN, 2015) e a do Jardim Botânico do Rio de Janeiro é uma das mais importantes, com um acervo de cerca de 10.200 amostras e uma coleção de lâminas com 26 mil unidades. O banco de sementes foi criado na década de 1980 e tem como objetivo a conservação ex situ de sementes de espécies nativas como recurso natural, permitindo o seu uso futuro em programas de recuperação e reintrodução de espécies ameaçadas, atendendo ao cumprimento de metas da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).Também é uma ferramenta fundamental no desenvolvimento de pesquisas e no fomento de sementes para produção de mudas no Horto Florestal do Jardim Botânico. Conta atualmente com cerca de 3.000 acessos de espécies nativas e exóticas e realiza intercâmbio com instituições científicas nacionais através do Index Seminum (http://www.jbrj.gov.br/pesquisa/ banco_sem/ Index_seminum.pdf). O banco de DNA, criado em 2004, conta atualmente com 5.776 amostras de espécies da flora brasileira. As amostras de DNA armazenadas vêm sendo utilizadas em pesquisas taxonômicas, de estrutura genética de populações, filogenia e filogeografia, gerando dados, que somados a informações ecológicas, subsidiam a proposição de medidas conservacionistas de espécies e ecossistemas ameaçados. Bancos de DNA representam também uma nova abordagem para a preservação da diversidade genética das espécies, que pode ser explorada hoje, ou futuramente, para a bioprospecção de genes envolvidos na produção de substâncias e/ou processos de importância biotecnológica. A coleção de cultura de fungos, iniciada em 2010, visa conservar um dos grupos de organismos mais promissores em projetos de bioremediação ambiental, os quais exercem importante papel nos ciclos biogeoquímicos. Também são amplamente utilizados na alimentação, além de participarem da maioria dos processos biotecnológicos empregados na produção de compostos comerciais ou para transformação de substratos em produtos de maior valor agregado e
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constituem importantes patógenos de plantas de importância econômica. O acervo preserva estes organismos para estudos atuais e futuros assim como para eventual utilização na recomposição de ambientes, na indústria ou em atividades relacionadas. Atualmente o acervo conta com cerca de 270 fungos em cultura, mantidos por repicagens periódicas, das quais 120 pelo método de água destilada (Castellani) e 22 pelo método de liofilização. A maioria das amostras de fungos foi isolada a partir de plantas com sintomas de doenças fúngicas coletadas em diversos viveiros de mudas utilizadas em reflorestamento. A mais recente coleção correlata ao herbário é a Etnobotânica, registrada em 2012 no Index Herbariorum. Atualmente, esta possui um acervo de 187 itens que representam materiais de plantas selecionados pela sua importância de uso, tanto na forma de matéria-prima quanto em parte ou em produtos processados e/ou artefatos. Acreditamos que esses espécimes têm uma longa história de uso, fato que pode ser eficaz na transmissão do conhecimento, não apenas sobre a parte da planta utilizada, mas também da maneira como vem sendo processada e/ou utilizada. O principal objetivo desta coleção é garantir o registro e a preservação do conhecimento relacionado ao uso dos vegetais por grupos humanos. Neste sentido, os espécimes vêm sendo adquiridos e incorporados como testemunho do conhecimento local relacionado à história e uso das espécies. Considerando as peculiaridades deste acervo, as amostras são reconhecidas pelo acrônimo RBetno e seguem as regras estabelecidas pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e a Lei sobre Acesso a Recursos Genéticos (Brasil 2001), especialmente relacionadas à conservação de recursos genéticos e seu conhecimento tradicional associado. A RBetno é regida também pelos códigos de ética das sociedades profissionais (Declaração de Belém 2004; International Society of Ethnobiology 2006), que tratam da proteção das informações etnobotânicas relacionadas, especialmente aos dados sensíveis dos materiais. A RBetno visa construir uma ponte entre a diversidade biológica e cultural, e pode vir a ser um recurso valioso para o estudo das plantas utilizadas no passado, presente e no futuro. Publicação de dados e imagens via web Considerando a necessidade de tornar mais acessíveis as informações associadas aos seus acervos biológicos, 2005 marcou o início no JBRJ de uma iniciativa ambiciosa para a época, visando capturar em uma base de dados todas as informações contidas nas amostras botânicas da instituição. A equipe de Tecnologia da Informação do JBRJ desenvolveu um Sistema de Informação (JABOT) capaz de armazenar e tornar disponível de maneira eficiente e ágil as informações contidas nas amostras (GONZALEZ 2009). Hoje, após 10 anos de trabalho e investimentos oriundos de diferentes fontes quase 100% dos dados primários contidos nas coleções botânicas do JBRJ estão disponíveis através do sitewww.jbrj.gov.br/jabot. O processo de captura de imagens do acervo teve início em 2008, com a digitalização dos tipos nomenclaturais através do projeto GPI (Global Plants Initiative), onde cerca de 15.000 imagens foram produzidas. Também através desta iniciativa, toda a coleção histórica do botânico francês Antoine-Laurent Apollinaire Fée, doada por Pedro II para a fundação do herbário, foi digitalizada. Em 2010, através do financiamento do programa Reflora/CNPq, teve início a captura de imagens dos demais espécimes do acervo RB, hoje praticamente concluído e com todas as imagens podendo ser consultadas via web. Os dados
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e/ou imagens também são publicados no Herbário Virtual Reflora (http://reflora.jbrj.gov.br), no SiBBr (http://www.sibbr.gov.br) e no GBIF (http://www.gbif. org). Exceção é a coleção etnobotânica, que por motivos de proteção ao conhecimento tradicional pela legislação vigente, possui limitação quanto à publicação dos dados (FORZZA et al. 2015a,b). Um total de 8.665 mil indivíduos da coleção viva também podem ser acessados pelo endereço http://aplicacoes.jbrj.gov.br/jabot/v2/arboreto.php, onde cada um deles pode ser localizado no mapa do arboreto, alguns com fotos. A busca dos indivíduos, pode ser realizada pelo nome científico, nome popular, coletor, localização e número de tombo. O recurso “minha localização”(street view) também está disponível. Além publicados para a comunidade em geral, todos os dados podem ser consumidos máquina-máquina através do Portal de Dados (http://dados.jbrj.gov. br). Esse conjunto de informações é atualizado diariamente, uma vez que novas amostras, novas determinações e novas imagens são incorporadas todos os dias. Delineamento das Metas da GSPC sobre a atual situação das coleções Um dos grandes desafios enfrentados pelo JBRJ durante os próximos anos será contribuir para que o Brasil alcance as metas estabelecidas pela GSPC/CDB até 2020. Neste sentido, as coleções biológicas possuem um papel central, estando diretamente relacionadas com cinco das 16 metas que serão abordadas a seguir. Meta 1 - Flora on-line de todas as plantas conhecidas O JBRJ, através do Herbário Virtual Reflora (http://reflora.jbrj.gov.br), disponibiliza on-line tanto as mais de 600 mil imagens de seu herbário, quanto aquelas provenientes do repatriamento das amostras depositadas nos herbários europeus e americanos e de outros importantes acervos nacionais (FORZZA et al. 2015b). Esses dados e imagens são indispensáveis para embasar a taxonomia e a nomenclatura da Flora do Brasil 2020 (www.floradobrasil.jbrj.gov.br). Por outro lado, apesar dos esforços dos botânicos realizados nas últimas décadas, os dados disponíveis no momento indicam que o número de coletas oriundas das Regiões Norte e Centro-Oeste está muito aquém do necessário para o conhecimento de toda a diversidade vegetal destas regiões (SHEPHERD 2005; HOPKINS 2007; FORZZA et al. 2010, 2012, BFG 2015). Considerando que os sistemas atuais somam as duplicatas de cada acervo, o número real de amostras por km2 é, possivelmente, muito menor do que aquele necessário para conhecer a ocorrência e real distribuição das espécies (para maiores detalhes vide SHEPHERD, 2005; SOBRAL & STEHMANN, 2009; MORIM & LUGHADHA, 2015). Desse modo, a ampliação do número de espécimes por km2 depositados em coleções biológicas provenientes de regiões pouco amostradas é uma necessidade premente para atingir de modo satisfatório a Meta 1. O JBRJ, com seu dinamismo, contatos e reputação, encontra-se numa posição estratégica para aumentar a cobertura de coletas no território nacional, devendo contribuir para que isto ocorra na próxima década. Meta 2 – Avaliação de risco de extinção de todas as espécies da flora e, até onde for possível, guiar ações de conservação Até o momento, das 34.826 mil espécies de plantas vasculares e briófitas ocorrentes no território brasileiro (BFG 2015, PRADO et al. 2015, COSTA &
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PERALTA 2015), 6.050 (17%) foram avaliadas quanto ao risco de extinção pelo Centro Nacional de Conservação da Flora (http://cncflora.jbrj.gov.br/portal). Grande parte das informações passíveis de serem utilizadas atualmente para avaliação de risco de extinção, seguindo os critérios da IUCN (2001), é proveniente dos dados associados aos espécimes das coleções biológicas (para maiores detalhes vide MARTINELLI & MORAES 2013). Desse modo, publicar acervos on-line e ampliar o número de amostras coletadas nos diferentes domínios brasileiros é uma das principais formas de gerar dados primários para embasar as futuras avaliações de risco. Além disto, as avaliações precisam contar com uma taxonomia e nomenclatura acuradas oriundas da Flora do Brasil 2020 (Meta 1). Meta 8 – Pelo menos 75% das espécies ameaçadas preservadas em coleções ex situ e 20% destas incluídas em programas de restauração e recuperação Nos últimos anos a missão dos jardins botânicos expandiu-se para além do foco tradicional em horticultura e vem assumindo um papel central e proativo na conservação ex situ de plantas (HAVENS et al. 2006, COSTA 2014). Define-se por ex situ a conservação dos componentes da diversidade biológica fora de seus habitats naturais, por meio de coleções de plantas vivas, armazenamento de sementes ou coleções de plântulas em bancos in vitro, tanto para uso imediato como para potencial uso futuro (GROSS et al. 2005). Métodos de conservação ex situ são prioritários para espécies endêmicas e em perigo iminente de extinção. Esse tipo de conservação inclui métodos economicamente viáveis e que podem ser aplicados por longo prazo (WALTERS & ENGELS 1998, HAVENS et al. 2006). O método mais tradicional de conservação ex situ, através de coleções vivas, é mais dispendioso, necessitando não apenas de espaço físico, como de capacidade de cultivo sob condições climáticas adequadas para espécies de distintos biomas, e capacidade humana especializada no cuidado de plantas vivas. Apesar dessas desvantagens, as vantagens de contar com grande diversidade plantas vivas num jardim botânico são muitas e superam, em muito, as dificuldades. Plantas vivas tem um papel educativo crucial, sendo possível traçar ligações históricas, estéticas e até mesmo emocionais entre elas e os visitantes do jardim (HAVENS et al. 2006). A presença de exemplares de espécies raras e/ou ameaçadas ao alcance do público é um recurso educativo valioso que deve ser explorado por jardins botânicos (COSTA 2014). Uma das finalidades do acervo de espécimes vivos do JBRJ é representar tanto a flora brasileira como abrigar espécies exóticas, destinadas a estudos científicos constituindo um santuário botânico onde pesquisadores de diversas áreas encontram meios para adquirir e repassar conhecimento sobre diferentes grupos vegetais (Coelho 2008). Comparando as espécies contidas na base de dados do JBRJ (www.jbrj.gov.br/ jabot) com a atual lista de espécies ameaçadas do Brasil (MMA 2014), podemos afirmar que a coleção de plantas vivas (estufas e arboreto) abrigam 188 espécies ameaçadas de extinção, sendo Bromeliaceae e Orchidaceae as famílias como maior número de espécies. Um dos métodos mais seguros, convenientes e práticos para preservação da diversidade biológica vegetal é o armazenamento de sementes, principalmente quando a espécie se reproduz de forma sexuada, quando suas sementes são tolerantes a desidratação e a integridade das amostras armazenadas pode ser garantida por longo tempo (WALTERS & ENGELS 1998, HAVENS et al. 2006,
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ANDRADE 2007). Essa técnica é frequentemente usada como complemento aos métodos de conservação in situ, mas pode ser a única opção de conservação para algumas espécies raras e ameaçadas de extinção e visa conservar a diversidade genética contida nas populações (ENGELS et al. 2008). A atual Lista Oficial de Espécies Ameaçadas do Brasil (MMA 2014) considera 2.113 espécies em uma das três categorias da IUCN (Vulnerável, Em Perigo e Criticamente em Perigo). Considerando que a Meta 8 estabelece que 75% destas estejam conservadas até 2020 em coleções ex situ, é esperado que 1.585 espécies sejam conservadas em bancos de sementes ou por meio de técnicas de coleções vivas ou conservação in vitro, em instituições de ensino e pesquisa nacionais. Das 600 espécies armazenadas no banco de sementes do JBRJ, 30 constam na lista oficial de ameaçadas. O banco de DNA do JBRJ também tem muito a contribuir no âmbito da Meta 8. Árvores filogenéticas, baseadas em sequências de DNA de amostras depositadas, podem ser usadas para descobrir áreas de endemismo excepcional, para orientar atividades de coleta de germoplasma para conservação ex situ ou para estabelecer áreas prioritárias para conservação insitu.Tambémvale destacar que caracterizar a variabilidade genética contida dentro e entre as populações é essencial para o manejo adequado e conservação de espécies, em especial aquelas sob risco de extinção. Assim, o banco de DNA também vem armazenando amostras no nível de população, permitindo que perguntas importantes sejam respondidas. Meta 9 – Pelo menos 70% da diversidade genética de plantas cultivadas, incluindo seus parentes silvestres e outras espécies de plantas de importância socioeconômica conservadas respeitando, preservando e mantendo o conhecimento indígena e local associado. Espécies vegetais de valor econômico atual ou potencial vêm sendo objeto de estudos através da iniciativa “Plantas para o Futuro”, visando oferecer à sociedade novas opções para suprir a crescente demanda por espécies de interesse alimentício, medicinal, cosmético, aromático, entre outros. Apesar da existência, no Brasil, de um número considerável de espécies nativas já domesticadas, a utilização de recursos genéticos autóctones em escala comercial é ainda incipiente quando comparada ao seu potencial (CORADIN et al. 2011). Ainda não é possível contabilizar o número de espécies implicadas nesta meta, e será necessário realizar estudos genéticos das populações para estabelecer a variabilidade a ser conservada. Porém, acreditamos que tanto a coleção viva como os bancos de sementes e de DNA do JBRJ encontram-se na posição de contribuir para o alcance da Meta 9, podendo também utilizar as facilidades educativas da instituição para interpretar e manter viva a informação sobre o uso das mesmas. Meta 13 – Manutenção ou aumento, conforme o caso, do conhecimento e as inovações das práticas indígenas e locais associados com os recursos vegetais, para apoiar o uso habitual, meios de vida sustentáveis, segurança alimentar local e saúde. Esta meta está centrada em respeitar e assegurar que os conhecimentos das comunidades locais e indígenas sobre os recursos vegetais utilizados sejam mantidos, perpetuados e valorizados pelas gerações futuras. Estes conhecimentos vêm sendo desenvolvidos a partir da experiência adquirida ao longo dos séculos e adaptados à cultura e ambiente locais, geralmente transmiti-
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dos oralmente de geração em geração na forma de histórias, canções, folclore, provérbios, valores culturais, crenças, rituais, idioma local e práticas agrícolas (CDB 2012; IIED 2015). O conhecimento tradicional associado inclui métodos de manejo e usos que comunidades locais e/ou tradicionais possuem sobre suas plantas (silvestres ou domesticadas), variedades ou sistemas de cultivo nos centros de origem e difusão. A riqueza deste conhecimento enumera práticas importantes para a conservação da diversidade de cultivares, assim como de espécies de importância sócioeconomica e/ou cultural. Atualmente, o conhecimento tradicional está diretamente relacionado à Herança Biocultural, que se refere ao conhecimento e às práticas das comunidades indígenas e tradicionais sobre o uso de seus recursos, a partir das variedades genéticas de culturas que se desenvolvem e às paisagens que estas criam (IIED 2015). Estas comunidades se adaptaram a determinados climas ao longo de muitas gerações, assim, esta herança é importante para assegurar a alimentação tanto de pessoas como de animais, especificamente frente às mudanças climáticas. As pesquisas etnobotânicas geram dados e coleções de espécimes (material vegetal testemunho, artefatos, fotografias, registros de narrativas orais, vídeos, mapas) que fundamentam a identificação e registro de indicadores das rotas de conhecimentos locais e das culturas para o desenvolvimento de cultivares, manejo comunitário da biodiversidade, critérios de seleção de espécies e a compreensão da classificação para o uso das plantas de valor sociocultural. Propiciam também a ampliação e valorização do conhecimento sobre espécies de uso medicinal e/ou alimentar relacionadas às comunidades locais que vivem nas proximidades de áreas prioritárias para conservação. Com isso, a Meta 13 ressalta a importância dos recursos vegetais associados ao conhecimento local e/ou tradicional nas práticas tradicionais e inovadoras, como nos modos de vida, quanto à segurança alimentar e de saúde para que as gerações futuras possam se beneficiar do uso sustentável destes recursos. É complementar à Convenção da Diversidade Biológica (Artigo 8j), assim como à Meta 9 (GSPC), ao Plano de Ação Global para a Conservação e Utilização Sustentável dos Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura (GPA), o Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais para Alimentação e Agricultura, Convenção Mundial do Patrimônio da UNESCO (Artigo 5a), bem como as políticas de proteção sobre a herança natural e cultural mundial através do sistema internacional de cooperação e assistência, para apoiar a longo prazo as comunidades locais e indígenas nos desafios ambientais e adaptações às mudanças climáticas (CDB 2012; FAO 2014; FAO 2015). A Coleção Etnobotânica do JBRJ contribui com a Meta 13, pois possui registros de conhecimentos etnobotânicos gerados tanto por pesquisas atuais, relacionadas as plantas medicinais e/ou medicamentos comercializados em mercados públicos no Brasil, bem como com o mapeamento de recursos vegetais úteis, especificamente do litoral fluminense. Conta ainda com pesquisas em acervos e coleções históricas internacionais para repatriamento de dados sobre a história do uso de plantas do Brasil. Nesse sentido, esta coleção agrega informações que podem auxiliar nas atividades de coleta de germoplasma, conservação ex situ, além de mapear a disponibilidade de recursos vegetais úteis, subsidiando no estabelecimento de áreas prioritárias para conservação insitu. Esta coleção apresenta registros, como: narrativas orais, vídeos, fotografias e fragmentos de madeiras (identificados a partir das técnicas de anatomia vegetal) relacionados à história das canoas artesanais contadas pelos mestres canoeiros no litoral dos estados do Rio de Janeiro e Santa Catarina. As pesquisas etnobotânicas, a par-
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tir das canoas, buscam estabelecer a rota do conhecimento tradicional desses mestres canoeiros que ainda detém a história sobre os recursos madeireiros da mata atlântica, ou seja, aborda a história ecológica da mata atlântica a partir do uso das madeiras relacionadas à pesca artesanal e os modos de vida. Com estas informações reunidas torna-se possível apoiar ações educativas, de documentação e de conservação que visam à transmissão do conteúdo contido no acervo. Perspectivas e limitações das coleções para alinhar-se às metas da GSPC 2020 Desde 2008, o JBRJ foi incumbido de um papel central no sentido de atingir as Metas 1 e 2 da GSPC. A primeira através dos esforços que levaram à publicação do Catálogo de Plantas e Fungos do Brasil (FORZZA et al. 2010, Meta 1 de 2010) e a segunda através da criação do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), que em 2013 lançou o primeiro Livro Vermelho da flora brasileira (Martinelli & Moraes 2013). A manutenção e avanço da Lista de espécies da Flora do Brasil (http://floradobrasil.jbrj.gov.br) e de sua conclusão em 2015 (MAIA et al. 2015, MENEZES et al. 2015, COSTA & PERALTA 2015, PRADO et al. 2015, BFG 2015) trouxe vantagens imediatas como a possibilidade de reconhecer com maior rapidez novas espécies a serem descritas, novos registros para o país e a diversidade específica de cada domínio fitogeográfico. Além disto, esse trabalho foi a base taxonômica para as avaliações de risco e elaboração da lista de espécies ameaçadas do Brasil. No início de 2016, o sistema de informação que hospedou o projeto Lista de Espécies da Flora do Brasil foi modificada e ampliada para ser capaz de acomodar a Flora do Brasil 2020, visando o atingimento da Meta 1 da GSPC. Tanto herbário RB como os demais reunidos sob o Herbário Virtual Reflora constituem uma importante base para o projeto Flora do Brasil 2020, e sua ampliação é de extrema importância para a elaboração de uma flora nacional de qualidade, que reflita a real biodiversidade das plantas, algas e fungos. Da mesma forma, estas amostras têm impacto direto na avaliação de risco de ameaça das espécies. Como demonstrado por (MARTINELLI & MORAES 2013), o número de espécies ameaçadas por região é claramente vinculado ao esforço amostral (= presença de um número representativo de exsicatas em herbários). Grande parte das coleções desidratadas do JBRJ está acondicionada adequadamente para a preservação a longo prazo (e.g. xiloteca, carpoteca, etnobotânica, herbário). Porém, mesmo tendo boa parte da infraestrutura necessária, tanto a manutenção e ampliação quanto a melhoria da capacidade instalada são um constante desafio para coleções como as do JBRJ, que incorporam anualmente grande número de novos exemplares, recebem cerca de 600 visitantes presenciais e mais de 2 milhões de consultas on-line/ano. O incremento necessário, tanto do acervo físico quanto do virtual, abrange diversas facetas: inclusão do maior número possível de materiais históricos depositados nos grandes herbários do mundo e dos acervos nacionais através de digitalização de espécimes; aumento do acesso de botânicos a essas coleções, seja remotamente ou presencialmente; e, principalmente, o incremento de novas coletas em áreas pouco amostradas e com lacunas de conhecimento. Porém, ampliar a disponibilidade de amostras, seja através de novas coletas, seja a partir da digitalização de espécimes já incluídos nos acervos, implica na necessidade de expansão de espaços físicos e na ampliação da capacidade de armazenamento para as amostras digitais. Ambas iniciativas demandam alto nível de investimento.
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Porém, o aporte financeiro necessário para a digitalização dos acervos possibilita a geração de conhecimento de um modo muito mais rápido, além de poder gerar economia de recursos orientando que as excursões de campo sejam realizadas em locais como baixo número de amostras. Apesar das dimensões dos compromissos assumidos pelo JBRJ, da efetividade e sucesso dos projetos supracitados, e da importância do cumprimento das Metas 1 e 2 para o Brasil, estes continuam sendo custeados em grande parte a partir de recursos inconstantes. Além disto, os recursos humanos altamente especializados e treinados para desempenhar as funções vitais que garantam o andamento dos projetos e manutenção dos sistemas, integrando vasta quantidade de dados e de pesquisadores, não são servidores do JBRJ. Vemos isto como um grande risco para o futuro dos projetos de digitalização, avaliação de risco das espécies e para a Flora do Brasil 2020. Diante das ameaças sofridas atualmente pelos habitats naturais, provocadas principalmente pela destruição e deterioração mundial em larga escala (PIMM et al. 1995), verificou-se o aumento de esforços de vários países para proteger espécies vegetais silvestres em coleções vivas e bancos de sementes. Em termos da devastação dos biomas brasileiros, devido principalmente a expansão das fronteiras urbanas-agrícolas, a situação é alarmante e o número de espécies ameaçadas bastante preocupante (MARTINELLI & MORAES 2013, MARTINELLI et al. 2014). Neste cenário a conservação ex situ é estratégica, especialmente para espécies ameaçadas. Avaliamos que o número de espécies mantidas em coleções vivas no Brasil ainda precisa ser melhor quantificado emapeada de acordo com as espécies prioritárias tanto para o cumprimento da Meta 8 como da Meta 9. Porém, é possível afirmar, neste momento, que a cobertura oferecida pelos acervos vivos dos jardins botânicos brasileiros poderia ser em muito ampliada (para maiores detalhes vide COSTA 2014). No âmbito desses mesmos jardins nacionais, apenas 5% destes conservam espécies prioritárias em bancos de sementes (PEREIRA & COSTA, 2010). A situação das coleções vivas do JBRJ está aquém do necessário para causar um impacto significativo sobre as Metas 8, 9 e 13 da GSPC. Para o banco de sementes, coleção de fungos e arboreto, a prioridade ainda está na definição de um foco institucional que guie o planejamento da ampliação do número de espécimes e na melhoria da infraestrutura necessária para a conservação ex situ. Apesar da existência de uma boa infraestrutura básica do banco de sementes do JBRJ, esta coleção necessita de aporte de recursos para ampliar as coletas de espécies prioritárias para conservação. Também há necessidade de obter recursos para ampliação da equipe de coleta de sementes, de novos equipamentos e para a manutenção dos mesmos, visando atender tanto a expansão como o monitoramento da coleção, especialmente com o aumento previsto na atividade de aquisição e conservação de novas amostras, à medida que mais avaliações de risco sejam realizadas (Meta 2). Apesar da recente pequena ampliação da área “cultivada” do JBRJ, que foi utilizada para construção de estufas, o crescimento da coleção viva encontra-se extremamente limitado pela falta de espaço físico. Da mesma forma, a carência de mão de obra qualificada para o cultivo e manutenção das plantas vivas é uma limitação bastante preocupante. Um outro desafio é a atualização dos nomes científicos e identificação precisa dos espécimes com determinação incompleta, juntamente com a construção de um banco de imagens e mapeamento das plantas cultivadas, indicando claramente quais são espécies ameadas de extinção. Muito se avançou neste sentido na última década, mas ainda é preciso mais esforço.
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A manutenção e ampliação da coleção de fungos por repicagens periódicas em água destilada seria melhorada se as amostras fossem acondicionadas em câmara fria a 10oC. Isso permitiria maior espaçamento entre as repicagens, atualmente feitas trimestralmente, para intervalos semestrais. O método de preservação em água destilada também poderia ser melhorado através de acondicionamento em ambiente com temperaturas mais baixas. A ultrarefrigeração é um método recomendado mundialmente para este grupo de organismos (WOLFE & BRYANT 2001) e com este método seria possível acondicionar maior número de amostras para efetuar pesquisas e garantir o uso tanto atual como futuro das mesmas. Assim, avaliamos que esta coleção não tem crescido significativamente por falta de técnicos e limitação de espaço físico adequado. A coleção Etnobotânica possui infraestrutura básica para conservar um acervo com informações que transmitem memórias e saberes relacionados ao conhecimento tradicional e ao uso de plantas (artefatos, fragmentos de plantas úteis, produtos de origem vegetal, vídeos, narrativas, imagens). Para tal foi instituída a uma “Política da Coleção Etnobotânica/RBetno”, que define as normas e diretrizes para consulta, assim como protocolo para inclusão de novos espécimes, levando em consideração as normas estabelecidas pela CDB e Lei sobre Acesso a Recursos Genéticos. Esta política visa salvaguardar o acervo utilizando um conjunto de ações variadas e interdependentes. Ações educativas, de documentação e de conservação reunidas visam garantir o futuro da coleção, melhorando as condições para o acondicionamento, exposição ou mesmo de transmissão do conteúdo contido no acervo. No momento pretendesse fortalecer esta coleção dentro de instituições e organizações da comunidade brasileira através do projeto “Mobilização sobre a importância de Coleções Bioculturais”, que busca facilitar a transmissão multidirecional de informação sobre plantas utilizadas, assim como o registro do conhecimento a partir de coleções históricas e contemporâneas. No entanto, um dos pontos fracos deste acervo diz respeito à ausência de conservadores especializados e de ações suficientes de conservação para sua manutenção e principalmente ampliação. A coleção Etnobotânica pretende ser uma ponte entre coleções etnográficas, etnobotânicas e de botânica econômica, integrando tanto informações geradas por pesquisas etnobotânicas do JBRJ, quanto por informações repatriadas e já existentes em instituições nacionais e internacionais sobre os recursos vegetais e/ou potenciais do Brasil. Nesta perspectiva, a atuação de uma equipe interdisciplinar se faz necessária e trará benefícios aos envolvidos para o fortalecimento e ampliação desta coleção, que requer além de uma abordagem integrada, uma base mais equitativa para as coleções de pesquisa, e a capacidade de desenvolver plataformas para a transmissão de informações para uma ampla gama de usuários finais. Apesar do grande volume de dados armazenado hoje no sistema Jabot, uma significativa quantidade desses dados não possui valores de coordenadas geográficas. Podemos melhor entender esse número a partir de uma visão histórica, pois o Sistema de Posicionamento Global (GPS) foi considerado completo apenas em 1995 e, 376.000 espécimes foram coletados anteriormente ao referido ano. Em termos percentuais, aproximadamente 80% das amostras dos acervos botânicos do JBRJ não possuem coordenadas. Essa lacuna limita diversos estudos como, por exemplo, a modelagem de distribuição de espécies e análises de conservação da vegetação (KAMINO et al. 2012, MARTINELLI & MORAES 2013). Assim, acreditamos que a aplicação de uma metodologia para o georreferenciamento das coleções é necessária para recuperar ou validar a qualidade das coordenadas das amostras, mesmo que de forma aproximada, mas suficiente para viabilizar pesquisas e tomadas de decisão.
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O enriquecimento dos acervos, tanto preservados como vivos, só pode ser concretizado através de novas coletas. O custo da realização de expedições de campo continua sendo um desafio para atingir todas as metas direta e indiretamente servidas pelas coleções e sistemas atualmente implantados no JBRJ. A integração dos profissionais responsáveis pelas coleções através de uma estratégia englobando todas as unidades é importante tanto para diminuir custos como para garantir melhor qualidade e intercâmbio de dados, economizando tempo e esforço dispendidos em digitalizar, limpar e organizar dados semelhantes para diferentes coleções. Vale relembrar que, ao passo que o cumprimento das Metas 1 e 2 são uma responsabilidade repassada pelo Ministério do Meio Ambiente para esta instituição, as metas restantes não são de responsabilidade direta ou exclusiva do JBRJ, estando dispersas em diferentes projetos de outros institutos de pesquisa, jardins botânicos e universidades. Seria interessante contabilizar essas metas em termos nacionais para avaliar a situação do país no que diz respeito ao cumprimento das mesmas, e tomar medidas emergenciais que possibilitem seu incremento. Conclusões Acreditamos que, em função dos fatos expostos acima, temos grande possibilidade de chegar ao ano de 2020 com as Metas 1 e 2 cumpridas, mas para isso necessitamos que a infraestrutura desenvolvida para atender as demandas governamentais receba o apoio permanente de recursos, possibilitando assim a continuidade dos programas criados em resposta a esses objetivos. Outrossim, é necessário ampliar significativamente as coletas botânicas na Amazônia e em outros estados com lacunas de conhecimento através de grandes projetos de coleta que subsidiem com informações recentes o grande número de dúvidas a respeito de identidade e circunscrição de espécies. Essas coletas são tanto fundamentais como urgentes num país que, apesar de ser detentor da maior diversidade de plantas do planeta (FORZZA et al. 2012), destrói seus ambientes de maneira acelerada. Precisamos também desenvolver uma estratégia institucional de atividades que focalizem e incrementem a contribuição direta do JBRJ para as Metas 8, 9 e 13, além de esclarecer e incrementar a participação indireta da instituição no contexto das metas restantes. Agradecimentos Aos tecnologistas, técnicos e herborizadores das coleções botânicas do JBRJ por todo auxilio na preservação e ampliação dos acervos; ao programador Rafael Lima por todo seu empenho em construir e aprimorar um sistema que atendesse as necessidades das diferentes curadorias; a equipe de TI do JBRJ pelo dedicado trabalho para publicar e manter dados e imagens online. Ao CNPq, Faperj, Petrobras, SiBBr, Mellon Foundation, Natura, MCTI, MMA e pelo aporte financeiro. Rafaela C. Forzza é bolsista de produtividade do CNPq. Bibliografia Andrade, A.C.S. 2007. Identificação do comportamento de armazenamento no banco de sementes do Jardim Botânico do Rio de Janeiro: uma ferramenta estratégica para conservação vegetal. In:. Pereira, T.S ; Costa, M.L.M.N. & Jackson, P.W. (Orgs.), Recuperando o verde para as cidades – a experiência dos jardins bo-
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Artigo recebido em janeiro de 2016. Aprovado em abril de 2016
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Figura 1: Uma das exsicatas coletadas por João Barbosa Rodrigues, fundador do herbário RB.
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Figura 2: Amostras da coleção de madeiras (xiloteca).
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Figura 3: Processo de digitalização dos espécimes.
Figura 4: Coleta, embalagem e conservação de sementes de espécies ameaçadas de extinção.
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Figura 5: Uma das amostras depositada no banco de DNA.
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Figuras 6 e 7: Espécimes do acervo etnobotânico.
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Figura 8: Espécime da coleção de fungos. Isolamento em meio de Agar Batata (BDA) de Alternaria tomatophila E.G. Simmons a partir de sintomas de Solanum lycopersicum L.
Figura 9: Nova estufa construída na área ampliada do JBRJ para abrigar a coleção de orquídeas. Foto: M. Nadruz.
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Figuras 10 e 11: Merianthera pulchra Kuhlm. (Melastomataceae), uma das espécies brasileiras ameaçadas de extinção cultivada no JBRJ. Foto 9: M. Nadruz; 10 C.N. Fraga.
Rafaela Campostrini Forzza, Anibal Carvalho Jr., Antônio Carlos S. Andrade, Luciana Franco, Luís Alexandre Estevão,Viviane S. Fonseca-Kruel, Marcus A. Nadruz Coelho, Neusa Tamaio, Daniela Zappi
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Figura 12: Imagem de exsicatas do RB e da xiloteca (RBw) publicadas no Herbário Virtual Reflora.
COLECCIONES ESPECIALES DE LA REAL EXPEDICIÓN BOTÁNICA AL VIRREINATO DEL PERÚ (1777-1815). RECUPERACIÓN DE UNA COLECCIÓN HISTÓRICA1 Esther García Guillén2 Real Jardín Botánico, CSIC (RJB-CSIC) Rosario Noya Santos3 Real Jardín Botánico, CSIC (RJB-CSIC)
RESUMO: Este artículo presenta la colección histórica de semillas, frutos y cortezas de distintas especies vegetales, colectados por la Real Expedición Botánica al Virreinato del Perú (1777-1815), en los territorios de Perú, Chile y Ecuador y conservados en el Real Jardín Botánico-CSIC, en Madrid. A través de la recuperación de esta colección científica, sus relaciones con otros materiales de la misma Expedición (herbarios, dibujos y manuscritos), y su reflejo en las colecciones de plantas vivas del Jardín, se destaca el papel de los jardines botánicos y sus colecciones en el estudio de la diversidad vegetal y fúngica. PALABRAS CLAVE: Colecciones científicas, Jardín botánico, Expediciones científicas, Real Expedición Botánica al Virreinato del Perú
1 Este trabajo ha podido ser realizado gracias a la financiación de Andrew Mellon Foundation en el marco de la Global Plants Initiative (GPI) 2 Conservadora del Archivo del RJB y Jefa de la Unidad Biblioteca y Archivo. esther@rjb.csic.es 3 Coordinadora del Herbario del RJB (MA). noya@rjb.csic.es
Esther García Guillén, Rosario Noya Santos
Uno de los valores a destacar de las colecciones que atesoran los jardines botánicos, es su condición de registros de la diversidad vegetal y fúngica del planeta, y por tanto, constituir un referente ineludible para su estudio y conservación. Las colecciones científicas compuestas por herbarios, archivos, bibliotecas, plantas vivas y bancos de semillas, distribuidas en los jardines botánicos de todo el mundo, forman un formidable banco de datos que aglutina el conocimiento científico acerca de plantas y hongos a lo largo de la historia. En un momento en que la crisis de la biodiversidad es cada vez más patente, las colecciones científicas de los jardines botánicos son un eje fundamental sobre el que apoyar los trabajos de investigación, conservación, restauración y de puesta en valor de la diversidad vegetal (VOBIDES: 2013). En el caso de los jardines botánicos más antiguos, como el del Real Jardín Botánico de Madrid fundado en 1755, sus colecciones reflejan el trabajo de sus científicos a lo largo de sus más de dos siglos de existencia. Dichas colecciones forman un conjunto de inventarios biológicos que, por sus características y calidad, constituyen un patrimonio muy relevante para el estudio de la diversidad vegetal y fúngica, dedicado fundamentalmente a la Península Ibérica. Pero también conserva colecciones de otras partes del mundo, como las acopiadas durante los siglos XVIII y XIX por las expediciones científicas españolas a las colonias americanas. Un ejemplo es la colección que presentamos aquí, que hemos denominado “Colecciones especiales del Perú y Chile”, recuperando el nombre con la cual se las distinguía en el siglo XIX. Se trata de un pequeño conjunto de semillas, frutos, raíces y cortezas, recolectadas por los botánicos de la Real Expedición Botánica al Virreinato del Perú entre los años 1788 y 1815 en los territorios de Perú, Chile y Ecuador. Esta colección, que se conserva en el Herbario del Real Jardín Botánico de Madrid, por diversas circunstancias, ha llegado prácticamente intacta hasta nuestros días. Detenidos en el tiempo, a modo de foto fija del siglo XVIII, sus ejemplares nos permiten acercarnos el trabajo de estos botánicos, y nos aproximan a la diversidad vegetal que descubrieron en estas tierras americanas. La formación de una colección sistemática adquiere sentido cuando incluye entre sus propósitos la investigación. Con este objetivo, los botánicos de la Expedición recolectaron durante sus excursiones en tierras americanas los ejemplares que la componen: para estudiar las especies a su vuelta a Madrid y publicar los resultados. Pero es necesario precisar que, en realidad, esta colección es sólo una pequeña parte de la formada por los expedicionarios. La parte más importante correspondería a los ejemplares de plantas secas conservados en el herbario, material indispensable para el estudio del botánico. A ésta se unen los dibujos de las plantas realizados bajo la dirección de los científicos, que eran, un siglo antes de la invención de la fotografía, el único medio de obtener una imagen del ejemplar al natural. También hay que añadir las descripciones y cuadernos de campo vinculados al material colectado. Todos estos materiales están conectados y se trabajaron en conjunto tras el regreso a Madrid de parte de los miembros de la Expedición en 1788. Los ejemplares acopiados tras diez años de exploraciones se reunieron en la así llamada Oficina de la “Flora Peruana y Chilense”, creada al objeto de publicar la Flora del mismo nombre. No obstante, los expedicionarios continuaron recibiendo ejemplares enviados por los comisionados que permanecieron en Perú hasta 1815. A esto añadieron, las planchas calcográficas y estampas realizadas para la publicación de la Flora. En 1831, la parte principal del material relacionado con la Botánica que albergaba la Oficina, ingresó en el Real Jardín Botánico de Madrid y en 1835 se integró definitivamente en sus colecciones (RODRIGUEZ NOZAL, 1993: 93).
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Colecciones Especiales de La Real Expedición Botánica Al Virreinato Del Perú (1777-1815). Recuparación de Una Colección Histórica
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Semillas de Phytelephasmacrocarpa, vulgo Pullipuntu colectadas en Perú, 1785. Real Expedión Botánica al Virreinato del Perú. Herbario del Real Jardín Botánico, CSIC MA-Carpo, n.º 100134
1. La formación de la Colección Cuando el 4 de Mayo de 1778 los expedicionarios, Hipólito Ruiz, José Antonio Pavón y Joseph Dombey4, acompañados por los dibujantes Joseph Brunete e Isidro Gálvez, iniciaron sus exploraciones por los territorios del Virreinato del Perú, llevaban consigo una Instrucción redactada por el primer catedrático del Jardín, Casimiro Gómez Ortega, donde se les especificaba que el objetivo principal del viaje era “no tanto la pura noticia teórica de nuevos vegetales útiles, como su adquisición para que se introduzca y propague su uso en España”5. Este objetivo estaba directamente vinculado al programa económico del reformismo borbónico, cuya tendencia a promover el estudio de la Naturaleza de las colonias, estaba relacionada con la explotación de las posibilidades económicas de las mismas. En este interés redunda la propia instrucción dada a los expedicionarios en 1777, cuando especificaba que una de sus obligaciones principales era la de remitir plantas vivas y semillas al Real Jardín Botánico de Madrid (GARCIA GUILLÉN; MUÑOZ, 2003: 192): Independientemente de las remesas de plantas vivas y semillas recientes, formarán una coleccion de semillas y frutos secos, de gomas, resinas, balsamos y demás productos o partes de las plantas que tuvieren algun uso o merecieren tenerle; no solo con el fin de suplir lo que faltase en el Gavinete de Historia Natural, sino también en los Archivos de semillas, que se han dispuesto de or.n de S.M. en el Real Jardín Botánico y sirven de escuela de Botánica y de materia médica en el Invierno6.
Así, por un lado, debían enviar semillas y plantas vivas para cultivarlas en el Jardín con la intención de estudiar sus propiedades, principalmente sus posibles usos medicinales y, en caso de demostrarse su utilidad, naturalizarlas; y por otro, 4 Dombey abandonaría la Expedición en 1784 (STEEL, 1982:128) 5 Ynstrucción a que deberán arreglarse los sujetos destinados por S.M. para pasar à la America Meridional en compañía del Medico D.n Josef Dombey a fin de reconocer las plantas y yerbas y de hacer observaciones Botanicas en aquellos Paises. Archivo del Real Jardín Botánico (en adelante AJB), Div. IV, 7, 1, 2, f. 5 6 AJB. Div. IV, 7, 1, 2, f. 7
Esther García Guillén, Rosario Noya Santos
debían formar colecciones con una intención docente, bien para exponerlas en el Gabinete de Historia Natural, bien para el semillero del Jardín que nutría las siembras de los parterres, donde se impartían los cursos de botánica y plantas medicinales (PUERTO SARMIENTO, 1992: 95). De ahí la preocupación de los expedicionarios y de los responsables del Jardín para que los envíos de semillas y plantones llegaran en buen estado, y los intentos por naturalizar y multiplicar las nuevas especies en el Real Jardín Botánico, primer destinatario de las mismas. Aquel interés dio lugar a la colección de especies americanas, que junto a las enviadas por otras expediciones y correspondientes, se fue formando en los parterres del Jardín, y cuya tradición se mantiene hasta hoy en día. La remisión de semillas, no fue cometido sólo de esta expedición, sino común a la mayoría de ellas, e incluso se generalizó al crearse toda una red de corresponsalías en los territorios coloniales y peninsulares, para enviar estos materiales a Madrid y a los distintos jardines de aclimatación creados con éste propósito (PUERTO SARMIENTO: 2002). Casimiro Gómez Ortega, Primer catedrático del Jardín Botánico y director de las expediciones científicas españolas a América, publicó en 1779 una “Instrucción sobre el modo más seguro y económico de transportar plantas vivas”7. Su objetivo, en la misma línea que la instrucción de 1777, era potenciar el papel del Jardín Botánico de Madrid en el estudio y la naturalización de las especies útiles de la vegetación americana: Los Guayabos, y los Papayos,frutales de América, que nunca se habían visto en nuestra Península, nos han nacido últimamente en el Invernadero del Real Jardín Botánico de Madrid, y desde él los hemos comunicado á los Correspondientes que residen en territorios más templados, donde no hay duda que prosperarán. De esta forma viene á ser un Jardín Botánico el centro de las correspondencias de su clase, de los experimentos útiles en punto de Botánica y Agricultura, y de la propagación de las plantas dignas de multiplicarse (GÓMEZ ORTEGA, 1779: 9).
Grabado de la Instrucción para transportar plantas y semillas. Casimiro Gómez Ortega, 1779. Biblioteca del Real Jardín Botánico, CSIC
7 La “Instrucción” y los diseños de Ortega, se inspiraron en los trabajos de John Ellis publicados entre 1770 y 1779
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Colecciones Especiales de La Real Expedición Botánica Al Virreinato Del Perú (1777-1815). Recuparación de Una Colección Histórica
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La actividad quedó reflejada en los libros de siembra del Jardín Botánico de Madrid, donde existen numerosas referencias a los envíos de semillas realizados por corresponsales y aficionados (GONZÁLEZ BUENO; MUÑOZ GARMENDIA: 1994), y por expediciones científicas españolas, como la Expedición Botánica a Nueva España (1787-1803), la Comisión de Guantánamo (17961799) y la Expedición Marítima alrededor del Mundo de Alejandro Malaspina (1789-1794), que enviaron remesas de forma más o menos regular a través de la Secretaría de Gracia y Justicia de Indias (CAMPO, 1993: 16) En cuanto a la Expedición del Virreinato del Perú, Hipólito Ruiz y José Pavón durante los diez años en que recorrieron los territorios de Perú y Chile hicieron numerosas remesas de materiales hasta 1788, año en que regresaron a Madrid. Juan José Tafalla, agregado a la Expedición en 1784, y Agustín Manzanilla, que lo fue en 1793, continuaron su labor en Perú y Ecuador, hasta la muerte de Tafalla en 1811. Manzanilla aún enviaría una última remesa en 1815 (STEEL, 1982: 247). Los envíos estaban formados, principalmente por plantas secas, dibujos y descripciones, pero también cascarillas –cortezas de quina–, maderas, frutos, semillas y plantas vivas8 como consta en los listados de las remesas de la Expedición que se conservan en el archivo del Real Jardín Botánico y en el del Museo Nacional de Ciencias Naturales (CALATAYUD ARINERO: 1984). En lo que se refiere a las semillas, en el diario de Hipólito Ruiz existen numerosas referencias a estos envíos, lo que refleja la preocupación de los expedicionarios por cumplir las indicaciones de la Instrucción de 1777: El 12 di parte al Ministerio de Indias de los descubrimientos hechos en Pozuzo y sus Montañas, remitiendo al mismo tiempo un buen Paquete de Semillas para el Real Jardin Botánico cuya diligencia repetí en los tres correos de los meses siguientes... (RUIZ, 2007: 262).
Bignonia alba. Pozuzo, 1784. Real Expedión Botánica al Virreinato del Perú. Herbario del Real Jardín Botánico, CSIC MA-Carpo, n.º 100134
8 Además de este material también enviaron colecciones etnográficas, mineralógicas y arqueológicas (RODRIGUEZ NOZAL, 1993: 349)
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Su cultivo en el Jardín sería prioritario para servir de material de estudio a los expedicionarios cuando estuvieran instalados en la Oficina de la Flora. De acuerdo con los libros de siembra y con la documentación de la Oficina9, entre 1783 y 1817, se cultivaron en el Jardín un total de 2.774 semillas procedentes de la Expedición10, que alcanzarían el número de 3.337 si tenemos en cuenta las resembradas a lo largo de esos años.
Libro de siembra de 1800 que recoge las semillas remitidas por la Expedición. Archivo del Real Jardín Botánico, CSIC, AJB, DIV, I, LS-20
Algunas especies se consiguieron naturalizar en el Jardín y fueron utilizadas en las clases prácticas de profesores y catedráticos.
Fotografía del cuadro de siembra del Real Jardín Botánico en 1934. Archivo del Real Jardín Botánico, CSIC 9 Catálogo de las siembras hechas por los Botánicos del Perú en el mes de Marzo de 1789.AJB, Div. IV, 7, 3, 13 10 La serie de libros de siembra conservada en el Archivo del Jardín se inicia en 1782, por lo que no se conservan los datos de las siembras realizadas con anterioridad. La última siembra realizada con semillas procedentes directamente de la Expedición se realizó en mayo de 1817. AJB, Div. I, L.S.3 (1782)- AJB, Div. I, L.S. 47 (1817).
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Fotografía del ejemplar de Porlieria hygrometrica Ruiz & Pav. cultivado en el Jardín. 1866. Archivo del Real Jardín Botánico, CSIC, AJB, Div, I, 96
Sin embargo, una parte importante de las plantas nacidas de aquéllas semillas sufrieron grandes menoscabos con la Guerra de la Independencia española (1808-1814) y la ruina posterior del país. También, las vicisitudes que han acompañado la historia del Jardín11 han impedido que la tradición de su cultivo llegara hasta nuestros días. Aún así, casos como el de Schinus polygamus, Annona muricata, Cassia tomentosa, Cestrum parqui, Fabiana imbricata, Porlieria hygrometrica12y Galinsoga parviflora entre muchos otros, aparecen en los Elenchus plantarum del Jardín Botánico desde 1796 y siguientes, y hasta hoy en día. De acuerdo con las órdenes contenidas en la Instrucción de 1777, no todas las semillas tuvieron como destino los parterres del Jardín. Parte de este material se retuvo en la misma Oficina de la Flora, al objeto de servir en el estudio que realizaban los expedicionarios, junto al resto de los ejemplares de las colecciones. La Oficina, creada en 1790, no dispondrá de sede física hasta 1793 y será la receptora de todos los materiales a excepción de las semillas, al menos la mayor parte, que se enviaban directamente al Jardín. Su inicial adscripción a la Secretaría de Estado y del Despacho de Gracia y Justicia de Indias y su ubicación en una sede independiente, permitió que Hipólito Ruiz y José Pavón pudieran trabajar con autonomía respecto del Real Jardín Botánico, aunque siguieran muy vinculados a su director Casimiro Gómez Ortega (RODRIGUEZ NOZAL, 80: 2002). Mientras las colecciones de la Expedición se acumulaban en la Oficina, seguían llegando las remesas de los agregados Tafalla y Manzanilla. La instalación de los materiales no debió de ser la más adecuada, lo que unido a los continuos cambios de residencia, al menos siete entre 1793 y 1831 (TAFALLA; ESTRELLA, 1989: 61) y de adscripción administrativa, seguramente afectó a su conservación e integridad. A estas posibles pérdidas, y antes de la orden de entrega de los materiales en el Real Jardín en 183713, se añadieron las 11 A los momentos de ruina económica o abandono que sufrió el Jardín en la primera mitad del siglo XIX y segundo tercio del siglo XX, se añadieron las graves pérdidas en las plantaciones producidas durante la Guerra Civil Española (1936-1939). 12 Según el director del Jardín, en 1866 existían cinco pies: El huayacán de Chile o Juracara del Perú que se conserva en el Jardín Botánico de Madrid. AJB, Div. I, 96, 2, 4 13 Antes de ingresar físicamente en el Jardín en 1837, los materiales estuvieron en la Oficina de la Flora de Santa Fe de Bogotá adscrita al Real Jardín Botánico y situada, en ese momento, en un desván del actual Museo del Prado. (GARCÍA GUILLEN; MUÑOZ, 2003: 176)
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que se produjeron con las ventas a diversos botánicos extranjeros efectuadas por José Pavón, director de la Oficina a la muerte de Hipólito Ruiz en 1815 (RODRIGUEZ NOZAL, 2002), entre ellos a Filippo Barker Webb14. En ese momento, según el inventario realizado al efecto, ingresaron en el Real Jardín 12 cajones con semillas, frutos y otros productos relacionados, procedentes de la Oficina de la Flora15. 2.Las Colecciones Especiales Una vez que las colecciones especiales del Perú y Chile ingresaron en el Real Jardín Botánico, nos han llegado escasas noticias sobre las mismas. Posiblemente, una vez trasladadas al Jardín, se mantuvieron separadas del resto. En 1844 recibieron un nuevo aporte, cuando por orden de la Junta Gubernativa del Museo Nacional de Ciencias Naturales de Madrid se trasladaron desde el propio museo, veintinueve cajones con maderas, resinas, frutos y esqueletos de plantas, que se guardaban en los almacenes del mismo16 y que incluyen muchas especies de Ruiz y Pavón. En 1870 el director Miguel Colmeiro, traslada la colección a la sala de colecciones del Real Jardín y realiza un inventario que luego reflejará en su publicación sobre el Jardín Botánico (COLMEIRO, 1875: 90). Bajo el nombre de Colecciones especiales del Perú y Chile contabilizaba 586 ejemplares en la colección compuesta por "raíces, maderas, tallos, cascarillas o quinas, cortezas diversas, hojas, yerbas, amentos, frutos y semillas, gomas, resinas y productos diversos". Un poco más tarde, el mismo director hizo la presentación oficial de la colección de semillas y frutos en el Congreso de Americanistas celebrado en Madrid en 1881 (PÉREZ GUZMÁN, 1881: 307), coincidiendo con el primer centenario del traslado del Jardín al paseo del Prado. A diferencia del resto, estos materiales continuaron sufriendo menoscabos a lo largo de la segunda mitad del siglo XIX y del siglo XX. Posiblemente contribuiría la falta de recursos y su condición de material complementario. Algunos ejemplares fueron regalados, como los utilizados por Mariano de la Paz Graells, director del Museo Nacional de Ciencias Naturales y en ese momento también del Jardín, como obsequio a sus hijos17. En ocasiones, se utilizaron como material para representar al Jardín en distintas exposiciones, como los ejemplares enviados a la Exposición Universal de Chicago de 189318. En 1910, el director del Jardín, Federico Gredilla comentaba en relación con estas colecciones “Entre las colecciones especiales del Perú y Chile figura en primer término la de cascarillas o quinas que fueron objeto especial de los estudios de Ruiz y Pavón” (GREDILLA, 1910, 1). Con motivo de la Exposición Retrospectiva de Historia Natural que se realizó en el Real Jardín Botánico, en 1929, parte de los frutos, semillas y maderas de ésta y otras expediciones se expusieron en las vitrinas instaladas en el Pabellón Villanueva; posteriormente con la celebración de la Exposición en 1954 para conmemorar el nacimiento de Hipólito Ruiz, parte del material se desenvolvió y se rotuló de nuevo, desechando los embalajes originales, con lo que se perdieron los datos que permitirían adscribirlas con seguridad a ésta u otra expedición. 14 Correspondencia F. Webb. Biblioteca di Scienze. Università degli Studi di Firenze, n.º 272.13.2 15 AJB, IV, 15, 2, 14 16 Ynventario de las maderas, resinas y frutos que de orden de la Junta Gubernativa del museo de ciencas naturales, su fecha 11 de junio de 1844 deben trasladarse al Jardín Botánico de esta Corte desde el Gabinete de Historia Natural, donde en la actualidad se hallan. Archivo del Museo Nacional de Ciencias Naturales (AMNCN). Fondo Jardín Botánico, caja 29. 17 Archivo del Museo Nacional de Ciencias Naturales. AMNCN, Fondo Jardín Botánico, caja 3, carpeta 10 18 En la lista de Frutos enviados a la Exposición americana (1893) constan 60 ejemplares de los que 18 proceden de Perú y Ecuador, algunos descritos por Ruiz y Pavón, como Tabernaemontana arcuata,Spondias fragans, etc. AJB, Div. III, Caja inventarios, 1
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Fotografía de la Cátedra del Pabellón Villanueva durante la Exposición Retrospectiva de Historia Natural. 1929. Archivo del Real Jardín Botánico CSIC
Estos materiales debieron permanecer así diez años más, en los que la situación económica del Jardín fue deteriorándose. En los años 1970, el director del Jardín, Francisco Bellot se lamentaba:
Las colecciones de cortezas, quinas y canelas, etc., de las expediciones a nuestras colonias eran cobijo de ratas y cucarachas (...). Así estaban y así quedaron por falta de medios y personal las colecciones de lianas de los bosques ecuatoriales de América y Filipinas, en el viejo Pabellón Villanueva (...). Se había perdido casi totalmente la Exposición Retrospectiva de Historia Natural (...), se habían perdido las etiquetas y las referencias por abandono desde 1939 (1979: 41).
A finales de los años 1960, las colecciones se trasladaron al nuevo edificio de investigación. En 1984, Paz Cabello Carro, subdirectora en ese momento del Museo de América de Madrid19, realizó algunas fotografías y un ligero examen de los cajones que se conservaban en los almacenes del herbario para localizar posible material etnográfico.En su informe, apuntaba que algunos paquetes que había reconocido podrían pertenecer a la Expedición de Perú y Chile20. No sería hasta 2002 cuando se iniciaría su recuperación (GARCIA GUILLÉN; MUÑOZ, 2003)21.
Cajón con cortezas de Quina procedente de la Oficina de la Flora Peruviana. Herbario del Real Jardín Botánico, CSIC. Foto Esther García 19 El Museo de América fue la institución que recogió en 1941 la colección de objetos etnográficos y antropológicos de esta Expedición, que estuvo depositada primero en el Gabinete de Historia Natural, y a partir de 1867 en el Museo Arqueológico Nacional. 20 CABELLO, P. Informe relativo al inventario de los cajones y cajas que se guardan en el sótano del Jardín Botánico de Madrid. 1984. AJB. Div. I, 205 21 En este trabajo se presentaba también un primer inventario de la colección.
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3.Características De La Colección Las denominadas colecciones especiales del Perú y Chile del Herbario consisten en un material muy variado formado por semillas, frutos, raíces, cascarillas o cortezas de quina y tallos. Como se reseñaba anteriormente, mientras que el resto de materiales de la Expedición ha sido estudiado en distintos momentos por los especialistas, estos ejemplares permanecieron sin alteraciones, prácticamente como llegaron de la Oficina de la Flora en 1831, lo que ha permitido establecer su relación con el resto de materiales que se conservan en el Real Jardín Botánico, como manuscritos, dibujos y pliegos de herbario, y otras fuentes de la época, esto es, diarios de viaje de la Expedición, libros de siembra del jardín, inventarios, publicaciones de los expedicionarios, etc. En la medida de lo posible, se ha intentado establecer las relaciones con materiales depositados en otras instituciones.
Ejemplo de relación entre materiales.Vitex leucoxylon, Ecuador, 1799. Herbario del Real Jardín Botánico, CSIC. MA-Carpo 1002050 y MA815603
Se trata de una colección de cincuenta y nueve paquetes de cascarillas de quina, unos en sus envoltorios originales y otros de finales del XIX, dos cajones originales con cortezas, tallos, raíces y plantas secas, y doscientos sesenta y ocho de frutos y/o semillas. En lo que se refiere a éstos últimos, la mayoría conservaba las inscripciones originales José Pavón, Hipólito Ruiz, Juan José Tafalla y Juan Manzanilla, por lo que se han podido adscribir con seguridad a la Expedición. En ellas consta en muchos casos la localidad, especie, fecha de recolección y, en casos poco frecuentes, el número original de lámina y descripción, e incluso datos etnobotánicos, que permiten relacionarlos con el resto de los materiales. El papel de treinta y nueve paquetes tiene trazas de haber sido reutilizado, seguramente en la propia Oficina de la Flora. No hay un patrón en cuanto a cantidades, y algunos paquetes, sobre todo de cortezas de quina, son muy voluminosos y otros apenas contienen unas cuantas semillas, que pueden aparecer sueltas, empaquetadas e incluso atadas, como suele ser el caso de los frutos que incluyen semillas aladas. En cuanto a su procedencia, ciento ochenta y siete paquetes se adscriben a localidades de Perú, como Lima, Muña, Cúchero, Pampahermosa, Pozuzo, Pillao, Huanuco, etc, diez a Chile (principalmente de Concepción) y treinta y nueve a Ecuador. Estas últimas corresponderían con los trabajos de herborización realizados por los agregados Juan José Tafalla y Juan Manzanilla en la Audiencia de Quito entre 1799 y 1808, con el objetivo de realizar la Flora Huayaquilen-
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Bombax pentandrum, Pozuzo (Perú), 1784. Herbario del Real Jardín Botánico, CSIC, MA-Carpo 100021
sis22. El resto (aproximadamente 42 paquetes)no tiene datos de localidad ni se ha podido deducir la misma de los materiales complementarios. Las fechas de recopilación de estas semillas y frutos oscilan entre 1782 y 1808, si bien doce paquetes carecen de este dato y tampoco se ha podido deducir. Se conservan sesenta y nueve paquetes de cortezas de quina o cascarillas, que responden a los esfuerzos de los expedicionarios por establecer una taxonomía de Cinchona que respondiera a las demandas de la sociedad de la época y por ello fue objeto de estudios individualizados23. En total, sesenta y cuatro especies vegetales contenidas en los paquetes fueron descritas por Ruiz y Pavón en sus trabajos sobre la Flora Peruviana. Parte de los ejemplares estaban reseñados en los diferentes inventarios de la Oficina de la Flora Peruviana realizados por José Pavón, el de 180924, en el que hay sesenta y tres nombres de especies que coinciden con los de la colección, y en los confeccionados en 182125", también el inventario de 1831 ya citado. Las especies se ajustan a las que se publicaron en la bibliografía producida por los dos expedicionarios sobre la Flora Peruviana y Chilense26y en el diario de Hipólito Ruiz, donde referencia las localidades por donde pasaron y las especies que recogieron27. Los datos que figuran en los paquetes los relacionan con el resto de los materiales, así ciento veintisiete se han podido hacer corresponder 22 Eduardo Estrella dió a conocer los trabajos de recolección y estudio que realizaron los comisionados Tafalla y Manzanilla en Ecuador y cuyas colecciones se encuentran integradas en el herbario y archivo del Jardín, dentro de las formadas por Ruiz y Pavón (ESTRELLA:1991) para la Flora del Perú y Ecuador. 23 El estudio botánico de Cinchona fue uno de los objetivos de la Expedición. Los resultados fueron publicados por Hipólito Ruiz (1792). 24 Catalogo de todas las semillas y frutos contenidos en los 12 Caxones inclusos en el Estante de Cedro de las Semillas. ARJB, IV, 14, 3, 11. Parte de las que no figuran podrían haberse incluido en el “Caxon 12 Contiene semillas ignotas y dudosas”. ARJB, IV, 14, 3, 11, fol. 6 25 Lista de todo lo que contienen los caxones numerados de la Flora Peruana y Chilense. ARJB, IV, 14, 2, 16 e Inventario general de todos los enseres pertenecientes al Rl. establecimiento de la Oficina de la Flora Peruana y Chilense. ARJB, IV, 15, 2, 14 26 RUIZ ; PAVÓN: 1789-1802. RUIZ ; PAVÓN: 1794; RUIZ: PAVÓN: 1798.; RUIZ: PAVÓN: 1989 27 Sesenta y cuatro paquetes coinciden en nombre, localidad y fecha con especies que figuran del diario de Ruiz.
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Ejemplo de conexión entre las colecciones de la Expedición: semillas, dibujo, descripción manuscrita y pliego de herbario de Convolvulus phoeniceus 1789-1815. Archivo y Herbario del Real Jardín Botánico CSIC. MA-Carpo, 100170, AJB, Div. IV, 1817, AJB, Div. IV, 5,4 y MA-818859.
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con los dibujos originales y noventa y siete con la descripción manuscrita original que realizaron los expedicionarios para la publicación de la Flora, y cincuenta y uno con los pliegos de la Expedición custodiados en el herbario del Jardín y el herbario del Instituto Botánico de Barcelona28 (IBAÑEZ I CORTINA: 2006). Otros materiales utilizados son los libros de siembra del Jardín, donde coinciden 141 de las especies de la colección, y las relaciones de los envíos realizados por la Expedición entre 1777 y 1815, que se encuentran repartidas entre el archivo del Museo Nacional de Ciencias Naturales y el archivo del Jardín29. En la actualidad gracias a su digitalización y publicación en línea a través de la plataforma Jstor Global Plants (https://plants.jstor.org/), se han puesto a disposición de investigadores e interesados un total de 9.619 pliegos de herbario, 2.353 dibujos y, en lo que respecta a estas colecciones especiales, 329 ejemplares adscritos a la Real Expedición Botánica al Virreinato del Perú, que pueden ser consultados a través de esta plataforma. Queda pendiente establecer las correspondencias con las colecciones de otros herbarios donde hay material disperso de esta Expedición debido a las ventas de Pavón, como el deldel Museo de Berlin-Dahlem, el Museo de Historia Natural de Londres, el del Museo Botánico de Florencia, y el Herbario de la Universidad de Oxford, entre otros. Conclusiones Si bien existen otras colecciones científicas históricas de semillas, frutos y cortezas en otros herbarios, el interés de ésta reside, en primer lugar en su antigüedad, en segundo en su estado de conservación.Ademástiene gran importancia por formar un conjunto individualizado que se ha mantenido unido a lo largo del tiempo, la calidad de los datos de época que contiene, y por conservar la conexión con el resto de los materiales de las colecciones de la Expedición. Por otro lado, complementa al material tipo de especies descritas por los expedicionarios, por lo que su recuperación pone a disposición de los investigadores un material hasta ahora desconocido. Posiblemente no toda la colección proceda de la Oficina de la Flora, ya que parte de los ejemplares no están reflejados en los inventarios de la época, y puede que provengan de los envíos de material que realizaron Ruiz y Pavón para su siembra en el propio Jardín. Se trata de una colección muy singular, al ser difícil de encontrar material original del siglo XVIII y XIX en tan buen estado de conservación y tal y como lo entregaron sus propietarios. También es una colección única que contiene material colectado hace más de 200 años procedente de una de las zonas más biodiversas del mundo,. A esto se une la importancia que tienen los materiales de Ruiz y Pavón para la Flora de Perú, Chile y Ecuador: son las primeras colectas y descripciones realizadas de forma sistemática, que supusieron un importante impulso para el conocimiento de la diversidad vegetal del Virreinato del Perú. Agradecimientos Este trabajo no hubiera podido realizarse sin la ayuda y colaboración del personal del Real Jardín Botánico, en especial Mauricio Velayos, Félix Muñoz y María Bellet.
28 Para ello se ha seguido los trabajos de Ibáñez i Cortina (IBAÑEZ I CORTINA: 2006) 29 Principalmente las relaciones: ARJB IV, 7, 3, 8, ARJB, 12, I,6 y ARJB, IV, 13, 5, 1
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Colecciones Especiales de La Real Expedición Botánica Al Virreinato Del Perú (1777-1815). Recuparación de Una Colección Histórica
dromus, sive novorum generum plantarum peruvianarum, et chilensium descriptiones, et icones. 1794.
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Artigo recebido em janeiro de 2016. Aprovado em abril de 2016
COLEÇÕES VIVAS: AS COLEÇÕES MICROBIOLÓGICAS DA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
Manuela da Silva1 Magali Romero Sá2
RESUMO: O presente artigo aborda as coleções microbiológicas da Fundação Oswaldo Cruz, tendo algumas delas sido formadas ainda nos primórdios dos anos de 1920. No Brasil, o Instituto Oswaldo Cruz (posteriormente Fundação Oswaldo Cruz) foi uma das primeiras instituições a formar coleções vivas de material microbiológico. Coleções biológicas faziam parte da política institucional já voltada ao combate de doenças parasitárias e infecciosas causadas por bactérias e protozoários e transmitidas por insetos, moluscos e outros vetores. Hoje a Instituição é detentora de 17 coleções microbiológicas que representam a biodiversidade genética de bactérias, arqueias, protozoários e fungos de importância médica e ambiental, a memória epidemiológica e o registro de variações ocorridas em agentes etiológicos ao longo do tempo; e as populações genéticas de organismos relacionados a pesquisas em saúde pública, além da potencialidade dessas coleções na produção de novos insumos de interesse biotecnológico. PALAVRAS-CHAVE: coleções microbiológicas; Fundação Oswaldo Cruz; biodiversidade; saúde pública.
ABSTRACT: This article discusses the microbiological collections of the Oswaldo Cruz Foundation, many of them formed in the beginning of the 1920´s. In Brazil, the Instituto Oswaldo Cruz (Oswaldo Cruz Foundation later) was one of the first institutions to form living collections of microbiological material. Biological collections were part of the institutional policy already dedicated to fighting parasitic and infectious diseases caused by bacteria and protozoa and transmitted by insects, molluscs, and other vectors. Today, the Institution holds 17 Microbiological collections representing the genetic diversity of bacteria, archaea, protozoa, medical and environmental fungi, epidemiological memory and record of variations in etiological agents over time; and genetic populations related to organisms for research in public health. These collections also represent the production capability of new inputs of biotechnological interest. KEYWORDS: Microbiological collections; Oswaldo Cruz Foundation; biodiversity; public health.
1 Assessora da Vice-Presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência e Coordenadora das Coleções Biológicas – Fundação Oswaldo Cruz. 2 Pesquisadora titular da Fiocruz. Vice-diretora de Ensino, Pesquisa e Divulgação Científica da Casa de Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz.
Coleções Vivas: As Coleções Microbiológicas da Fundação Oswaldo Cruz
Introdução
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O Brasil destaca-se por ser detentor de uma das maiores biodiversidades do planeta. Essa tamanha variabilidade genética pode ganhar ainda mais valor quando devidamente organizada, identificada, classificada, documentada e disponível para acesso, sempre que houver demanda, seja ela para pesquisa ou aplicações tecnológicas (da Silva et al, 2011).As coleções biológicas são recursos estratégicos, que podem fazer parte da infraestrutura de pesquisa e inovação do país. As informações contidas nestas coleções são recursos-chave que o país precisa para o estabelecimento de estratégias rápidas e eficientes para o desenvolvimento científico e tecnológico (DiEuliis et al. 2016)3. No Brasil, uma das primeiras instituições a formar coleções vivas de material microbiológico foi o Instituto Oswaldo Cruz (posteriormente Fundação Oswaldo Cruz)4no início do século 20. Coleções biológicas faziam parte da política institucional já voltada ao combate de doenças parasitárias causadas por bactérias e protozoários e transmitidas por insetos, moluscos e outros vetores. Foi durante as expedições científicas e de ações de combates à essas doenças que pesquisadores da instituição coletaram, analisaram e depositaram material biológico de diferentes regiões do Brasil na Instituição5. Fundamentais hoje para o conhecimento e preservação da biodiversidade, essas coleções foram sendo ampliadas com o tempo e novos grupos taxonômicos incorporados às coleções já existentes ou dando início a uma nova coleção. As coleções institucionais, além de atuarem muitas vezes como testemunho da diversidade biológica de ecossistemas muitas vezes já completamente degradados, prestam serviços de manutenção, depósito, fornecimento, caracterização e identificação taxonômica de material biológico para o desenvolvimento de pesquisa em ciência, tecnologia e inovação, e em vigilância epidemiológica, em conformidade com as normas e legislações nacionais e internacionais vigentes.A política institucional de coleções biológicas da Fundação Oswaldo Cruz tem como meta garantir as condições para que os serviços, os materiais biológicos e informações associadas que são ofertados pelas coleções à rede de vigilância epidemiológica, academia e indústria, sejam de excelente qualidade. Para isso osprocedimentos têm sido padronizados, com foco principal na gestão da qualidade e de dados e informações destas coleções, e assim garantir que elas também cumpram seu objetivo primário, o de repositórios da biodiversidade brasileira.6 Em relação às coleções microbiológicas elas têm como principal função a aquisição, preservação, identificação, catalogação e distribuição de micro-organismos autenticados para dar suporte à pesquisa científica, estudos epidemiológicos, bem como ao desenvolvimento e produção de bioprodutos para diagnóstico, vacina e medicamentos, atuando também como provedores de serviços especializados7. Nas 17 coleções microbiológicas da Instituição estão representadas a biodiversidade genética de bactérias, arqueias, protozoários e fungos de importân3 Ver http://www.oecd.org/science/sci-tech/42237442.pdf.Ver DiEuliis et al. 2016. 4 O Instituto Oswaldo Cruz (IOC) originou-se no Instituto Soroterápico Federal, criado em 1900, no bairro de Manguinhos, no Rio de Janeiro, com o objetivo imediato de produzir soros e vacinas contra a peste bubônica. Sob a direção de Oswaldo Cruz, em 1903, o Instituto transformou-se numa instituição voltada para a pesquisa científica. Em 1970, o IOC passou a integrar a Fundação Oswaldo Cruz como um dos seus órgãos centrais. Para a história do IOC ver Benchimol, 1991; Fonseca, 1974. 5 Ver Sá.2010; Costa et al., 2008. 6 Ver http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/gestao-estrategica-das-colecoes, da Silva et al., 2011. 7 Ver http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/cole%C3%A7%C3%B5es-biol%C3%B3gicas, da Silva et al., 2011.
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cia médica e ambiental8; a memória epidemiológica e o registro de variações ocorridas em agentes etiológicos ao longo do tempo; e as populações genéticas de organismos relacionados a pesquisas em saúde pública, além da potencialidade dessas coleções na produção de novos insumos de interesse biotecnológico. Como fontes de recursos genéticos, as coleções biológicas da Fiocruz oferecem produtos e serviços qualificados para aplicações em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D & I), que incluem, entre outros, a produção de insumos para diagnóstico, vacinas e medicamentos9. Uma das mais novas coleções microbiológicas na Fiocruz é a Coleção de Bactérias do Ambiente e Saúde, (CBAS). Criada em 2007 com o objetivo de isolar, identificar e preservar bactérias do solo da Mata Atlântica, teve seu escopo ampliado e outros acervos de bactérias foram gradualmente sendo incorporadas. Atualmente a CBAS possui cinco subcoleções: Coleção de Bactérias da Mata Atlântica (CBMA), Coleção de Bactérias da Amazônia Azul (CBAA), Coleção de Vibrio do Ambiente e Saúde (CVAS), Coleção de Bactérias de Impacto na Saúde (CBIS) e Coleção Geral de Bactérias do Ambiente (CGBA)e fornece bactérias para instituições, sejam de pesquisa, serviços, ensino ou indústrias. A subcoleção CBMA é formada por bactérias representantes da microbiota do solo da Mata Atlântica, um dos ecossistemas mais biodiverso do mundo, com somente 10% da sua cobertura original preservada. A subcoleção CBAA é constituída por bactérias representantes da microbiota do ecossistema que compreende a plataforma continental brasileira conhecida como Amazônia Azul. A temática da biodiversidade microbiana marinha é central para o melhor entendimento de processos biológicos do meio marinho, mas também, devido a dinâmica dos oceanos e pode servir como observatório da dispersão de patógenos importantes para humanos, via oceanos. A subcoleção CVAS abrange espécies do gênero Vibrio isolados de infecções humanas e de diferentes nichos ambientais de diversos países. Esta subcoleção foi originada nos anos 90, em ocasião da epidemia de cólera na América Latina e vem sendo expandida com a realização de vários projetos de pesquisa relacionados ao estudo deste gênero bacteriano, principalmente, no Laboratório de Genética Molecular de Microrganismos (LGMM).A subcoleção CBIS dá suporte a vários projetos de pesquisa relacionados a determinação da diversidade de bactérias cultiváveis de diferentes nichos que podem ter impacto na saúde. Esta subcoleção também contempla bactérias pertencentes a vários gêneros isoladas de infecções humanas, tais como: Klebsiella, Pseudomonas, Acinetobacter, Bordetella entre outros. Enquanto que a subcoleção CGBA abrange espécies bacterianas de outros nichos ambientais não contemplados nas demais subcoleções que vem sendo depositadas na CBAS.10 Historicamente, uma coleção que merece ser destacada é a Coleção de Cultura de Fungos Filamentosos do Instituto Oswaldo Cruz11(CCFF). Criada 8 Coleção de Bactérias da Amazônia (CBAM); Coleção de Bactérias do Ambiente e Saúde (CBAS); Coleção de Campylobacter (CCAMP); Coleção de Culturas de Bactérias de Origem Hospitalar (CCBH); Coleção de Culturas de Fungos Filamentosos (CCFF); Coleção de Culturas do Gênero Bacillus e Gêneros Correlatos (CCGB); Coleção de Enterobactérias (CENT); Coleção de Fungos da Amazônia (CFAM); Coleção de Fungos Patogênicos (CFP); Coleção de Leptospira (CLEP); Coleção de Leishmania (CLIOC); Coleção de Listeria (CLIST); Coleção de Micro-organismos de Referência em Vigilância Sanitária (CMRVS); Coleção Micológica de Trichocomaceae (CMT); Coleção de Protozoários (COLPROT); Coleção de Trypanosoma de Mamíferos Silvestres, Domésticos e Vetores (COLTRYP); Coleção de Yersinia pestis (CYP). 9 Ver http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/cole%C3%A7%C3%B5es-biol%C3%B3gicas 10 Ver http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/cole%C3%A7%C3%B5es-biol%C3%B3gicas. Coleção de Bactérias do Ambiente e Saúde (CBAS) 11 O Instituto Oswaldo Cruz (IOC) originou-se no Instituto Soroterápico Federal, criado em 1900, no bairro de Manguinhos, no Rio de Janeiro, com o objetivo imediato de produzir soros e vacinas contra a
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em 1922, durante a gestão de Carlos Chagas (1879-1934), sucessor na direção do Instituto após a morte de Oswaldo Cruz (1872-1917) em 1917, foi formada por exemplares de fungos adquiridos durante viagem do pesquisador do Instituto, Olympio da Fonseca filho (1895-1978), entre 1919 e 1922, em diversos centros de pesquisas norte-americano e europeu12. Segundo relato de Olympio da Fonseca Filho (1974, p. 82): “...ao terminarmos nosso estágio nosEstados Unidos já dispúnhamos de uma micoteca de várias centenas de amostras, a qual na Europa nos veio a servir de “cartão de visita” abrindo-nos as portas de todos os centros de estudos micológicos, onde sempre há quem esteja interessado em obter amostras de cogumelos.” Ainda segundo Fonseca, a criação do laboratório de micologia com a coleção de fungos tinha como uma das suas principiais atividades do laboratório a manutenção das culturas vivas, com a replantação constante: “Os transplantes dessas culturas eram fornecidos, sem qualquer ônus, a todos laboratórios e especialistas que os solicitassem. Na verdade, esse serviço começou a ser prestado antes mesmo de chegarmos de volta ao Brasil, pois nossa coleção serviu de base para a reconstituição, por Magrou e seus colaboradores, da micoteca do instituto Pasteur de Paris, que durante a primeira guerra mundial tinha desaparecido por falta de quem transplantasse as amostras por lá conservadas, uma vez que todo o pessoal havia então sido mobilizado”. (FONSECA FILHO, 1974, p.82 apud Câmara, 2008, p. 51). Essa coleçãotambém contribuiu com mais de cem culturas dos gêneros Penicillium e Aspergillus para o acervo da Coleção do Bureau of Chemistry, do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América. Parte deste material foi utilizado por Charles Thom (1872-1956)13 para escrever seu clássico The Penicillium (1930), no qual por várias vezes encontram-se referências à CCFF. Anos mais tarde, parte deste mesmo material foi usado por Charles Thom e Kenneth B. Raper (1908—1987)14 para escrever o clássico A Manual of the Aspergilli (1945). Atualmente a CCFF é composta por um acervo de 1575 cepas de fungos de diferentes grupos taxonômicos, isolados de diversos substratos, incluindo cepas tipo, com as linhagens preservadas, desde a sua criação, sob óleo mineral estéril à temperatura ambiente. Hoje, também são empregadas as técnicas de liofilização, congelamento a -30ºC e criopreservação em nitrogênio líquido. Além de ser uma Coleção de serviços, a CCFF é também um centro de investigação científica, participando de vários projetos científicos em níveis nacional e internacional.15 Dentre as coleções de protozoários destaca-se a Coleção de Leishma16 nia do Instituto Oswaldo Cruz, CLIOC. Criada em 1980 com o apoio da Organização Mundial da Saúde, a Coleção de Leishmania dedica-se à preservapeste bubônica. Sob a direção de Oswaldo Cruz, em 1903, o Instituto transformou-se numa instituição voltada para a pesquisa científica. Em 1970, o IOC passou a integrar a Fundação Oswaldo Cruz como um dos seus órgãos centrais. Para a história do IOC ver Benchimol, 1991; Fonseca, 1974. 12 Ver Câmara, 2008; Câmara et al., 2009. 13 Microbiologista e micologista norte-americano descreveu pela primeira vez Penicillium roqueforti e P. camemberti, ingredientes ativos de dois queijos populares. Contribuiu com seus estudos para o estabelecimento de padrões rigorosos no manuseio e processamento de alimentos nos Estados Unidos. http://sciweb.nybg.org/science2/libr/finding_guide/thom3.asp.html 14 Micologista, microbiologista, e botânico cujas contribuições para as aplicações médicas e industriais de fungos dos gêneros Aspergillus e Penicillium estão entre as realizações de destaque da ciência do século 20. http://www.nybg.org/library/finding_guide/archv/raper_ppb.html 15 Ver http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/cole%C3%A7%C3%B5es-biol%C3%B3gicas. Coleção de Culturas de Fungos Filamentosos (CCFF). 16 Os protozoários do gênero Leishmania, família Trypanosomatidae, são responsáveis pelas leishmanioses. Transmitida por insetos vetores flebotomíneos ao homem e outras espécies de mamíferos, as espécies de Leishmania podem atacar a pele e as mucosas causando a doença conhecida como Leishmaniose tegumentar americana, ou os órgãos internos, causando a leishmaniose visceral ou calazar.
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ção, armazenamento, distribuição, caracterização taxonômica e identificação de Leishmania e informação associada, contribuindo assim para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. Além de desenvolver projetos de pesquisa específicos, a Coleção atende à demanda de instituições públicas de pesquisa e ensino ou setores da indústria, prestando serviços especializados como aquisição, identificação específica ou sub-específica de isolados originais depositados ou não no banco; distribuição de cepas de referência, com a finalidade de desenvolver pesquisas científicas ou como apoio aos órgãos responsáveis pela vigilância epidemiológica das leishmanioses no país e no exterior; e treinamento de recursos humanos e consultoria técnico-científica em suas áreas de atuação. Hoje possui um acervo com um pouco mais de 1.000 cepas, divididas em 3 subgêneros e 30 espécies, representando os principais grupos taxonômicos de Leishmania do Mundo. Estas cepas são provenientes de diversas localidades e diferentes hospedeiros, sendo a maior parte da América do Sul. Dentre as diversas atividades realizadas pela Coleção estão a aquisição, identificação específica e genotípica de isolados originais depositados ou não na Coleção; distribuição de cepas de referência, com a finalidade de desenvolver pesquisas científicas e produção de insumos ou como apoio aos órgãos responsáveis pela vigilância epidemiológica das leishmanioses no país e no exterior; e treinamento de recursos humanos e consultoria técnico-científica em suas áreas de atuação.17 Atualmente as coleções microbiológicas da Fiocruz cobrem todos os agentes patogênicos pesquisados na Fiocruz, com exceção dos vírus. Para preencher essa lacuna, a Instituição tem apoiado a estruturação da primeira coleção de vírus da Fiocruz no Instituto Carlos Chagas/Fiocruz-PR, a Coleção de Vírus de Anticorpos Monoclonais (CVAM). Ela está em processo de reconhecimento institucional e ainda no primeiro semestre de 2016 se tornará a 18º Coleção Microbiológica da Fiocruz. Gestão de qualidade e informação nas coleções biológicas Existe um grande esforço institucional para a implementação do sistema de gestão da qualidade nas coleções biológicas da Fiocruz, seguindo a Norma NBR ISO/IEC 17025:2005 e o Guia de Boas Práticas para Centro de Recursos Biológicos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que inclui a Bioproteção (conjunto de medidas de segurança institucional e pessoal e de procedimentos desenvolvidos para evitar a perda, roubo, uso indevido, desvio ou liberação intencional de patógenos ou partes deles, toxinas e seus organismos produtores). Como um dos resultados deste esforço, uma das coleções da Fiocruz, a Coleção de Micro-organismos de Referência em Vigilância Sanitária (CMRVS) – Acervo de Fungos, em 2012 foi a primeira no Brasil a ter ensaios acreditados pelo Inmetro de acordo com a Norma NBR ISO/IEC 17025:2005. Em seguida foi realizada a avaliação do Acervo de Fungos da CMRVS de acordo com os critérios da ABNT ISO GUIA 34: 2012 correlacionados com a ABNT NBR ISO / IEC 17025: 2005, assim como sua avaliação como um Centro de Recursos Biológicos (CRB) de acordo com os requisitos da norma brasileira NIT-DICLA-061, que também tem como base o Guia de Boas Práticas para CRBs da OCDE e ABNT ISO GUIA 34: 2012. Esta experiência foi relatada em Forti et al. (2016)18. 17 Ver http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/cole%C3%A7%C3%B5es-biol%C3%B3gicas. Coleção de Leishmania(CLIOC) 18 Ver da Silva et al. 2011; Forti et al. 2016.
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Outro aspecto importante dentro deste esforço institucional é a implementação de sistema de gerenciamento de coleções biológicas. No caso das coleções microbiológicas, o Sistema de Informação de Coleções de Interesse Biotecnológico (SICol) foi implantado em todas as 17 coleções microbiológicas para a gestão de dados e informação. Além disso, todas as coleções microbiológicas e zoológicas da Fiocruz estão integradas ao speciesLink e estão sendo integradas ao Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr) SiBBr e Sistema Global de Informação sobre a Biodiversidade (GBIF).19 Conclusão Com base nas experiências com suas coleções microbiológicas, a Fiocruz tem se dedicado fortemente à criação do Centro de Recursos Biológicos em Saúde (CRB-Saúde), que será constituído por acervos de micro-organismos patogênicos, relacionados principalmente a doenças tropicais, ou com potencial biotecnológico na área da saúde, incluindo arqueias, bactérias, fungos, protozoários e vírus, material microbiológico diverso com valor agregado (ex. diversidade taxonômica e/ou potencial biotecnológico e/ou epidemiológico) e informação associada de qualidade. O CRB-Saúde Fiocruz oferecerá insumos estratégicos e serviços com padrões de eficiência e qualidade reconhecidos internacionalmente para a comunidade científica, indústria e o Sistema Único de Saúde (SUS), de forma a propiciar sustentabilidade para inovações biotecnológicas na área da saúde, permitindo desenvolvimento tecnológico e produção de biocompostos para diagnóstico, vacinas e medicamentos, além de garantir a preservação da diversidade microbiana do país.20 O CRB-Saúde Fiocruz vem preencher uma lacuna fundamental para que o Brasil se posicione de forma competitiva no mercado mundial de recursos biológicos e que tenha maior autonomia para desenvolver suas políticas relacionadas à saúde. A sua implantação se coaduna com a atual política do Governo (Plano Brasil Maior – PBM e Política para o Desenvolvimento Competitivo – PDC) de estruturação de uma rede de coleções de culturas e de CRB (Decreto nº 6041 de 8 de fevereiro de 2007). Este CRB fará parte da Rede Brasileira de CRBs (Rede CRB-Br) que está sendo estruturada no âmbito do Ministério de Ciência,Tecnologia e Inovação, sendo financiada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Este projeto é coordenado pela Fiocruz com a participação da Embrapa, Unicamp, Banco de Células do Rio de Janeiro, Inmetro, INPI, CRIA, SBM. Tem como objetivo a consolidação da infraestrutura da Rede CRB-Br, visando atender as demandas por material biológico autenticado e certificado e serviços especializados de forma a promover a inovação tecnológica no país. 21
19 Ver http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/gestao-estrategica-das-colecoes, da Silva et al. 2011. 20 Ver http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/gestao-estrategica-das-colecoes,. da Silva et al. 2011. 21 Ver http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/gestao-estrategica-das-colecoes. Holanda et al, 2012.
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Fotografias
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CBAS – Bactérias preservadas em freezer – 80ºC Autoria – João Flavio Veras
CBAS - Lâmina de bactéria sendo observada ao microscópio. Autoria: João Flavio Veras
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CBAS – Manipulação de bactéria para preservação. Autor: João Flavio Veras
CBAS – Nocardia Cyriarigeorgica CBAS 559 – Imagem Microscópica aumento de 100x Autor: João Flavio Veras
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CCFF – Armários da coleção onde fungos são preservados em óleo. Autor: Fernanda da Silva Santos
CCFF – Colônia de Penicillium waksmanii IOC 4675 Autor: Ingrid dos Santos da Silva
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CCFF – Fungos preservados em óleo mantidos em armário. Autor: Fernanda da Silva Santos
CCFF – Penicillium waksmanii IOC 4675 – Imagem microscópica – aumento de 100x Autor: Ingrid dos Santos Silva
Manuela da Silva, Magali Romero Sá
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CLIOC – Retirada de Cultura de leishmania da criopreservação. Autor: Rosane Maria Temporal
CLIOC - coleção mantida com controle de acesso. Autor: Rosane Maria Temporal
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CLIOC – Culturas de leishmanias em tubos durante incubação. Autor: Rosane Maria Temporal
CLIOC – Culturas sendo retiradas do tanque de nitrogênio líquido onde são preservadas. Autor: Rosane Maria Temporal
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Bibliografia BENCHIMOL, Jaime. Manguinhos, do Sonho à Vida: a Ciência na Belle Époque. Rio de Janeiro, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, 1990, 248 pp. CÂMARA, Roberta Nobrega da. A patrimonialização de material genético brasileiro: o estudo de caso da coleção de cultura de fungos filamentosos do Instituto Oswaldo Cruz. Dissertação de Mestrado apresentada à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio. UNIRIO/MAST - RJ, 2008. CÂMARA, Roberta Nobre da, GRANATO, Marcus e SÁ, Magali Romero. As Coleções Microbiológicas e sua Importância como patrimônio cientifico: o Caso das Coleções da FIOCRUZ. In: Granato, M. & Rangel, M. Cultura Material e Patrimônio da Ciência e Tecnologia. Rio de Janeiro: MAST, p. 303-314. COSTA, Jane, CERI, Danielle, SÁ, Magali Romero & LAMAS, Carlos José Einicker. Coleção entomológica do Instituto Oswaldo Cruz: resgate de acervo científico-histórico disperso pelo Massacre de Manguinhos. História, Ciência, Saúde, Manguinhos [online]. 2008, vol.15, n.2, pp. 401-410. DA SILVA, Manuela, CUPOLILLO, Elisa, PIRMEZ, Claude. Fiocruz microbial collections: the impact of biodiversity to public health.WFCC Newsletter. 2011;51:7-8. Disponível em:http://www.wfcc.info/pdf/newsletter/Newsletter%20No.50%20 (Sep.%202011).pdf DIEULIISA, Diane, JOHNSONB, Kirk R., MORSEC,Stephen S. and SCHINDEL, David E. Specimen collections should have a much bigger role in infectious disease research and response. PNAS, vol. 113, 4–7. 2016 FONSECA FIHO, Olympio da. A Escola de Manguinhos: contribuição para o estudo do desenvolvimento da medicina experimental no Brasil. Separata do Tomo II de “Oswaldo Cruz Monumenta Histórica”. São Paulo, Fundação ABIF; Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz, 1974. FORTI, Tatiana, SOUTO, Aline da S. S., NASCIMENTO, Carlos Roberto S. do, NISHIKAWAA, Marilia M., HUBNER, Marise T. W., SABAGH, Fernanda P., TEMPORAL, Rosane Maria, RODRIGUES, Janaína M. andDA SILVA, Manuela Evaluation of a fungal collection as certified reference material producer and as a biological resource center. Brazilian journal of Microbiology, vol. volume 47, n. 2, 2016. In press. HOLANDA, Paulo, CAVALCANTI E, BORGES RMH, SOUZA WS. Conformity assessment for biological resource centres (BRC): The Brazilian approach. WFCC Newsletter 2012; 52:8-10. Disponível em: http://www.wfcc.info/pdf/WFCC-NL-DECEMBER-2012-5.pdf SÁ, M. R., A ciência, as viagens de coleta e as coleções: medicina tropical e o inventário da história natural na Primeira República. In: Heizer, A. & Videira, A. G. (org.) Ciência, Civilização e Repúblicanos Trópicos. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2010, p. 227-243. Artigo recebido em janeiro de 2016. Aprovado em abril de 2016
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COLECIONANDO ORQUÍDEAS, COLECIONANDO O BRASIL (1930-1950)
Valéria Mara da Silva1
RESUMO: Este artigo analisa os debates acerca do colecionismo de orquídeas no Brasil a partir da década de 1930, utilizando para tanto os escritos de amadores e profissionais, publicados no periódico Orquídea. Abordamos as condições que deram maior evidência a essa atividade no cenário nacional, os sentidos atribuídos as orquídeas, bem como as práticas que visavam reconhecer a flora orquidácea como riqueza nacional e patrimônio. PALAVRAS-CHAVE: orquídeas, colecionismo, amadores, Orquídea, Brasil.
Collecting orchids, collecting Brasil (1930-1950) ABSTRACT: This article analyzes the debates about the orchid collecting in Brazil from the 1930s, using both the writings of amateurs and professionals, published in the journal Orchid.We approach the conditions that gave greater evidence of this activity on the national scene, the meanings attributed to orchids, as well as practices aimed at recognizing the Orchidaceae flora as national wealth and heritage. KEYWORDS: orchids, collecting, amateur, Orchid, Brazil.
1 Pós-doutoranda PNPD/Capes, Programa de Pós-graduação em História na Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Valéria Mara da Silva
A elaboração de um discurso de defesa da flora orquidácea nacional fundamentou a criação de várias sociedades de amadores de orquídeas pelo Brasil em fins da década de 1930. Impulsionadas pelo ideário difundido pela Sociedade Brasileira de Orquidófilos (SBO)2, as estratégias adotadas eram noticiadas em jornais correntes e no periódico que tornou-se porta-voz do movimento: a revista Orquídea(1938-1974)3. Seu principal objetivo, nas palavras do editor Luys de Mendonça e Silva (1903-1974), era de “vulgarizar” os conhecimentos sobre a vida das orquidáceas, especialmente as brasileiras e suprir a escassez bibliográfica. Se por um lado, as questões do trato cultural das espécies eram parte do conhecimento necessário ao amador; por outro, um tipo de colecionismo “ideal” e a manutenção das coleções vivas eram tema de debate. Esse artigo analisa como tais homens exploraram espaços científicos, políticos e da impressa para consolidar seu gosto pelas orquídeas; dos projetos que viabilizaram sua emergência para a cultura. O ato de exibir as coleções de orquídeas implicava na educação dos sentidos; instruir a população quanto a biologia das espécies e ainda a questões que povoam o imaginário; a primeira delas era, certamente, a má sorte associada as orquídeas. O botânico Frederico Carlos Hoehne (1882-1959), estudioso da família Orchidaceae e diretor do Instituto de Botânica de São Paulo, produziu dezenas de artigos de divulgação científica ministrando tais ensinamentos: O Brasil é a terra das mais belas e raras orquidáceas. Mas, bem escassos são os patrícios que sabem tirar proveito delas. Digamos, sem rebuços, a grande maioria de nossa gente nem ao menos sabe o que vem a ser uma orquidácea. As “Rainhas das Selvas”, que, na Europa, América do Norte e Índia e outros países, são cultivadas com o maior desvelo e carinho, recebem, em nosso país, de nossos patrícios, o apelido de “parasitas”. Pelo fato de viverem sobre as árvores são consideradas parasitas. E, como os parasitas, gozam má fama, as Orchidaceas são tidas como portadoras de azar. Isso está errado. Para honra de nossa cultura intelectual, essa maneira de classificar precisa desaparecer. Ela depõe contra nosso adiantamento. Vamos abolir tamanho absurdo. Se a Orquidácea é parasita porque vive sobre uma árvore, então também o homem que monta um cavalo é parasita. Aprendamos a chamar essas belas plantas pelo seu verdadeiro nome, para o estrangeiro que nos ouve, não nos considere tão ignorantes, a ponto de não sabermos distinguir entre uma parasita e uma simples epífita. (Hoehne, 1928: 03)
Além dos aspectos didáticos referentes ao tema, uma grande multiplicidade de sentidos e valores eram atribuídos às orquídeas. Vista como “moda patriótica”, flor de formas aristocráticas e singulares, eram dignas de representar o país, a exemplo da “Exposição Internacional de Flores Tropicais”, evento anual ocorrido na cidade de Miami (USA). Nos anos de 1933 e 1934, a empresa aérea Panair4 explorou longamente sua expertise no transporte de orquídeas. Segundo uma matéria publicada na Revista da Semana, o transporte seria gratuito para os expositores brasileiros 2 A Sociedade foi fundada em 11 de setembro de 1937 com o nome de Sociedade Fluminense de Orquídeas. Uma reformulação nos estatutos, em 1948, alterou a denominação para Sociedade Brasileira de Orquidófilos. 3 Ver um histórico mais detalhado da SBO e da revista Orquídea em: SILVA, Valéria Mara da. Educando homens para educar plantas: orquidofilia e ciência no Brasil (1937-1949). Tese (Doutorado), Programa de Pós-graduação em História, Fafich/UFMG, 2013. 4 Panair do Brasil S.A., subsidiária da Pan American World Airways.
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Colecionando Orquídeas, Colecionando o Brasil (1930-1950)
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destacando o armazenamento adequado em tubos de vidro “especialmente adequados para a remessa”, bem como as perfeitas condições nas quais as flores chegavam para “deliciar milhares de curiosos”, a despeito das longas distâncias (Revista da Semana, 1933: 27). O Correio da Manhã, destacou a participação do “Estabelecimentos Binot, de Petrópolis; Alfredo Urpia, da Bahia; e C.M. Holmes de Rezende” e referiu-se à ausência das instituições brasileiras, a exemplo do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e o Orquidário de São Paulo (Correio da Manhã, 1934: 05). Noticiada largamente, a Exposição de Orquídeas Brasileiras, realizada em Buenos Aires no ano 1936, partiu da iniciativa do então Ministro da Agricultura, Odilon Braga; e organizada por Paulo de Campos Porto (1889-1968), botânico e diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Colecionadores particulares, beneméritos de diversas partes e instituições realizaram doações, com destaque para a vultosa contribuição do Parque Indígena (Santos/SP) e seu administrador, Júlio Conceição (1861-1938). O evento foi uma resposta diplomática do Brasil para com o governo argentino. Na IX Feira Internacional de Amostras, realizada no Rio de Janeiro, o Pavilhão da Argentina vendeu todos os laticínios e doou a renda para as instituições de caridade da cidade; o mesmo seria feito com as orquídeas levadas a Buenos Aires. A meu ver, é possível conjecturar um interesse comercial por parte do governo brasileiro, pois a Argentina já era um grande mercado consumidor de flores nesse período, especialmente de corte. Entretanto, não havia tradição no cultivo de orquídeas. Os jornais do Espírito Santo publicavam com frequência artigos sobre a exportação de orquídeas, sua importância para a economia do Estado e as oportunidades abertas pela expansão da aviação comercial, especialmente os projetos de comércio com os Estados Unidos (Diário da Manhã, 1937:01). Em várias ocasiões, a imprensa reforçou o papel das orquídeas como símbolo de projeção nacional no exterior. 5 Entre as outras perspectivas, estava a ênfase no colecionismo como atividade democrática e acessível. Assim, a orquidofilia mostrava-se como aptidão natural dos brasileiros, pois esses tinham uma enorme diversidade de espécies para formar coleções vivas. Essa visão territorialista, pautava-se no conhecimento de determinadas regiões e na convivência dos indivíduos com espécies endêmicas, forjar através das relações estabelecidas com um lugar o reconhecimento de uma herança natural e patrimônio a ser preservado. É importante ressalvar que tais sentidos coexistem nos discursos. Ao mesmo tempo em que a pujança vegetal era louvada, o longo processo de espoliação da flora por parte de estrangeiros e nativos era exposto. O Brasil, destino frequente de colecionadores, coletores e estudiosos, principalmente ao longo do século XIX, supriu coleções vivas e científicas de vários países. Mesmo que os orquidófilos envolvidos nesses debates obviamente possuíssem suas coleções privadas, os usos e a defesa de um pretenso “território das orquídeas” resultou em propostas mais amplas de conservação das matas e criação de parques nacionais. Nesse sentido, a SBO buscava uma atuação mais próxima da administração colaborando com os Conselhos Florestais. Tomando como exemplo o artigo sobre “colheita, trânsito e comércio de orquídeas” do Estado do Rio de Janeiro, a Orquídea convocou todas as sociedades do país para debater o assunto e criar uma regulamentação comum para todos os estados, 5 Privilegio nesse artigo eventos da década de 1930, mas existiram iniciativas esparsas de divulgação das orquídeas em outros momentos, como na Exposição Nacional (1908) no pavilhão da Sociedade Nacional de Agricultura.
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pois, salvas as características regionais da flora epífita, uma padronização das normas seria mais “proveitosa à coletividade”. As orquídeas, como outros recursos naturais, foram pauta das políticas governamentais da década de 1930. Em 1934, o Código Florestal, Código de Águas e Minas e a Lei de Expedições Científicas foram promulgados. Acrescenta-se ainda o Código de Caça e Pesca formulado pelos cientistas do Museu Nacional, Candido Mello Leitão (1886-1948), Alberto José de Sampaio (1881-1946), Edgard Roquete-Pinto (1884-1954). No ano seguinte, 1935, por designação do Conselho Florestal Federal, o botânico Campos Porto foi indicado para participar da elaboração do anteprojeto da lei relativa à exportação de orquídeas. De acordo com artigo único do decreto de 14 de novembro: O Ministério da Agricultura mandará fazer, com urgência, um estudo sobre a exportação para o estrangeiro das plantas orquidáceas, a fim de propor à Câmara dos Deputados, nas sessões de 1936, um projeto de lei contendo medidas que regulem a referida exportação e evitem a devastação que está sendo feita, com grandes prejuízos para o país (RODRIGUESIA, 1935:88).
A circulação interna de orquídeas já era normatizada pelo Código Florestal Federal. Segundo o artigo 30, “o comércio de exemplares da flora epífita, não será exercido sem autorização prévia da autoridade florestal, que fiscalizará a origem dos exemplares à venda” (Código Florestal, 1934, art.30). A disposição se referia aos espécimes colhidos em florestasparticulares e de domínio público, destacando ainda que uma tributação especial para o comércio de exemplares considerados raros. O jornalista e secretário da Presidência do Governo Getúlio Vargas, Otto Prazeres (1887-?)6, escreveu um artigo onde “elucidava e justificava” o projeto de regulamentação. Seus argumentos buscavam inserir as orquídeas no rol das riquezas nacionais: “as orquídeas são ouros de todas as cores, ouro que maravilha, ouro que encanta, ouro único perfumado” (PRAZERES, 1935: 05). Todavia, a recepção do projeto não foi positiva. O mesmo jornalista retornara ao periódico para defender a intervenção do Estado. Na ocasião, indicava as vozes autorizadas a se pronunciarem sobre o assunto, ou seja, os cientistas: Porque todos quantos conhecem um pouco do assunto, como quantos a estas horas se encontram à frente de orquidários criados em São Paulo, Minas, Pernambuco e Espírito Santo, verificam que foi feita, no Brasil, uma verdadeira devastação e que algumas espécies, antigamente encontradas com abundância são hoje raríssimas. [...] A lei não visava proibir a exportação, nem continha, repitamos, nenhuma medida concreta, limitando-se apenas a criar uma comissão que estudasse um meio de resguardar algumas espécies brasileiras, únicas no mundo, outrora muito abundantes no nosso país e hoje dificilmente encontradas. Não poderiam proceder com maior cautela os que há dezenas de anos conhecem o assunto- orquídea; e frequentemente, leem o que se passa no mundo em relação à cultura dessa flor, acompanhando com carinho as publicações brasileiras e as queixas constantes dos que conhecem, por experiência própria, quanto o Brasil foi e continua a ser prejudicado (PRAZERES, 1939: 05).
As relações e o apoio de instâncias do governo aos amadores pode ser percebido nas páginas da Orquídea. Além dos agradecimentos aos interventores de Estado pelo uso da Imprensa Oficial (RJ), colaborava como desenhista do 6 Otto Prazeres foi secretário interino da Presidência da República, colaborador da revista Cultura Política e membro da Comissão de Estudos dos Negócios Estaduais do Ministério da Justiça.
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periódico o pintor e cartofilista português Manuel Mora (1884-1956), conhecido pelas capas e ilustrações da Revista da Semana, O Cruzeiro, Parc Royal e como colaborador do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), durante o período do Estado Novo, ilustrando grande parte do material de propaganda do governo Getúlio Vargas.7Em 1948, a revista obteve o apoio do Ministério da Agricultura e do Serviço de Informação Agrícola que passaria a editá-la. O órgão também cedeu um técnico para prestar serviços à SBO.
Imagem 1: capas da revista Orquídea 1938 (vol.1,n.1) e 1947 (vol.10, n.2)
Imagem 2: orquidário Silva Pinto, SP. 7 A Orquídea agradeceu ao DIP por autorizar Manuel Mora a confeccionar a arte para os cartazes da 2ª e 4ª Exposição Nacional de Orquídeas (RJ, 1943 e 1946, respectivamente).No biênio 1950-1951, o artista consta como membro da diretoria da SBO na função de desenhista.
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Não há dúvida de que as opiniões de amadores, cientistas e do governo convergissem em alguns pontos, ou seja, o estímulo ao colecionismo traria benefícios à nação. Para os amadores, as coleções e seus guardiões seriam os particulares e instituições científicas. No caso das coleções privadas (Imagem 2), argumentava-se serem o “melhor abrigo” para as espécies nacionais, devido a uma “incorporação racional”, em conformidade com métodos preestabelecidos. Esse tributo diferenciava os verdadeiros orquidófilos dos colhedores de orquídeas para fins comerciais – chamados genericamente de tiradores – que procediam tiradas contínuas e desorganizadas. Os recursos utilizados pelos brasileiros,“machado e fogo”, verdadeiras ameaças, eram mencionados, constituindo-se em razão para as demandas junto aos poderes públicos a preservação da flora por meio da criação de reservas, parques florestais ou orquidários. Diversos números da Orquídea traziam o mote “todo bom brasileiro e verdadeiro orquidófilo, deve lutar com todas as suas forças para impedir a devastação criminosa e sistemática das nossas reservas florestais”. Em 1940, um grupo de amadores percorreu os municípios Campos, São Fidélis, Madalena, São Sebastião do Alto, Trajano de Morais e Macaé no Rio Janeiro. Embora, o discurso da racionalidade tentasse respaldar a coleta, não deixa de causar impacto o total de 7989 touceiras de diversas espécies. Esse volume previa os insucessos decorrentes da mudança de ambiente. Colhidas sem flor, as orquídeas precisavam florescer para serem determinadas. Divulgada em um artigo, a coleta diferenciava-se por seus objetivos; realizada por homens atrelados a um ideal cientifico, cujo produto seria entregue ao Horto Botânico de Niterói. Por outro lado, é preciso ponderar que a classificação é norteada pela abundância de material coletado necessário para comparação. Conforme aponta o botânico alemão Rudolf Schlechter (1872-1925): “seria desejável que os amadores e colecionadores do Brasil enviassem material bem abundante das diversas espécies, pois, é indubitável que ainda existem muitos tipos novos para descobrir” (Schlechter, 1945:92). Em contato com colecionadores brasileiros, como Albino Hatschbach (1890-1974)8, Schlechter se referiu aos exemplares bem preparados e abundantes, quase todos permitindo identificações. Nesse sentido, a coletas realizadas por um amador pressupunham a confiança por parte do botânico na recolha de dados. A confluências de olhares sobre a flora orquidácea nem sempre resultou em contribuições coletivas da parte dos amadores para instituições científicas. Em 1939, a SBO almejava “trabalho preparatório para o levantamento de uma carta relativa a distribuição geográfica das nossas orquidáceas” (Orquídea, 1939:05). Por vezes, as atividades de campos - caçadas de orquídeas, no vocabulário dos amadores - tinham seu produto destinado a hortos botânicos. Contudo, não identificamos continuidade nas ações de orquidófilos cujo produto de recolha fosse submetido a um profissional. O mais comum eram empréstimos de exemplares de coleções particulares para estudiosos, o que pode ser observado em agradecimentos e homenagens. Porém, como lembra Anne Secord, decisões baseadas em agradecimentos dificultam para os historiadores superar o papel de amadores apenas como fornecedores de informações locais para os botânicos (Secord, 1996). A necessidade de mapear a flora do país era um problema central para Hoehne e Sampaio, ambos os botânicos eram membros honorários da SBO e 8 Schlechter mantinha contato com Albino Hatschbach Sobrinho (1890-1974), residente em Curitiba (PR) que atuou como seu correspondente e coletor. O material de herbário fornecido resultou em uma lista de espécies publicada em 1925 pelo botânico.
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colaboradores da Orquídea. Conjecturavam os fins práticos de tal conhecimento para a agricultura e outros setores da economia nacional. Hoehne afirma que as orquidáceas mereciam pesquisas econômicas, pois, essas plantas se encontravam no centro de jogos de interesses econômicos e científicos. Com disposição semelhante para os trabalhos de divulgação,Alberto Sampaio publicou na Orquídea, a partir de junho de 1939, um curso de Iniciação em Sistemática de Orquídeas. Ao longo dos números posteriores, o botânico escreveu artigos em “linguagem corrente”. Entre suas indicações, que orquidófilos fizessem desenhos das plantas, pois, “o desenho de uma planta é a melhor forma de análise e registro dos caracteres morfológicos, entre os quais figuram os chamados caracteres diferenciais” (SAMPAIO, 1939:156).9 A confecção dos desenhos não necessitava do apuro artístico, valia por seu caráter analítico, um “memorial de comparação”. Embora, acredite que uma significativa parcela dos orquidófilos não se interessassem por sistemática, devido à preferência por espécies ornamentais, o botânico incentivava o exercício da ilustração, pois, adquirida a habilidade de desenhar e ler os desenhos esse serviço seria compartilhado com outros iniciandos. Os profissionais buscavam imprimir nos amadores tanto uma sensibilidade quanto os recursos para lerem, mesmo que sutilmente, a paisagem e, especialmente, as orquídeas que os cercavam.Em artigo publicado na Orquídea, Hoehne descrevia a diversidade e o consequente equilíbrio biológico das orquídeas: A dispersão geográfica das orquidáceas não escapou aos citados propósitos e planos da natureza. Ela as distribuiu justamente como precisam ficar para atender as suas necessidades. Dissemos que elas aparecem no solo seco das caatingas e cerrados, com aprestos para vencer as imposições do clima e carência de chuvas, bem como a ação dos incêndios que tudo devastam anualmente. Elas surgem igualmente nos alagados sem se afogarem no excesso de água que cobre parte dos seus órgãos vegetativos; e aparecem nas escarpas rochosas como sobre as árvores. (HOEHNE, 1940: 160)
Nesse trecho, traduz aspectos fisiológicos das plantas, ou seja, como as orquídeas eram encontradas em formações xerófilas e subxerófilas (caatingas e cerrados), higrófilas (com umidade e precipitações abundantes, por exemplo, a Serra do Mar). O botânico cogitava um mapa fitofisionômico do país conjuntamente com o estabelecimento de reservas florestais. Do mesmo modo, recomendava que o conhecimento sobre as orquídeas carecia da instalação de orquidários padrões para cada região (em MG na região serrana, em SP na região litorânea e no interior, etc). A questão mais acirrada foi em torno dos híbridos em relação as espécies nativas. Os motivos das críticas eram dos mais variados, além dos preços elevados de alguns espécimes, outros simplesmente não eram considerados belos.10 Ministrando conselhos aos novatos, um editorial alertava a mística em torno dos híbridos, alguns de comprovada beleza e outros inferiores em relação às espécies cruzadas. Advertia que as orquídeas nacionais mereciam cuidados pre9 Exemplo semelhante de divulgação, é Phytogeografia do Brasil, resultado de um curso dado, em 1932, no Museu Nacional e publicado no Suplemento Ilustrado do Correio da Manhã em 1933. Embora fosse repleta de referências a autores estrangeiros e nacionais, a composição dos textos primava por exemplos de plantas úteis, referências a artigos publicados em jornais diários e outros periódicos como a revista Chácaras e Quintais. 10 O processo de hibridação também ocorre de forma natural. Na natureza, os agentes polinizadores ao transportarem pólen podem levar esse material de uma espécie para outra, quando ocorre a fertilização de uma espécie pelo pólen de outra, o resultado são híbridos naturais. De acordo com o botânico neerlandês, Johannes Paulus Lotsy (1867-1931) os cruzamentos naturais seriam a principal causa da variação das espécies.
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ferenciais em detrimento às híbridas e exóticas. Nossas plantas “trazidas do mato” competiam em igualdade com espécies de todo o mundo. Em outro momento, um editorial intitulado “Protejamos as nossas espécies” sugere que a relação cotidiana com as orquídeas nativas paradoxalmente “vulgarizava” a beleza. Como resultado, um interesse exagerado pelas formas híbridas, em detrimento das espécies brasileiras (Orquídea, 1948:99). No caso específico da importação de espécies exóticas, os dados são escassos. Em 1941, a Orquídea publicou as estatísticas fornecidas pelo Serviço de Defesa Sanitária Vegetal de São Paulo. No período de cinco anos (1936-1941), 5.885 plantas entraram no capital do Estado. Os dados dispostos em um quadro continham: a procedência e o destino, se para um amador ou profissional, sendo a maioria dos exemplares procedentes da Colômbia e Índia. Devido à oferta de híbridas no mercado, as práticas de campo, valorizadas por seu apelo de aventura, descoberta e observação in loco das espécies, estavam ameaçadas. Sua difusão imprimiu uma mudança na educação dos gostos: Atualmente estamos acostumados a ver quase que somente híbridos e assim nunca observamos uma espécie como deveria ser observada. As flores simples, como as gentes simples, devem ser vistas tais quais se apresentam e não devemos exigir delas o que não podem dar. Coletores de planta de todos os tempos ficavam extasiados diante do que viam nas matas e estas orquidáceas que hoje são olhadas com pouco caso, merecem deles, páginas de verdadeiro entusiasmo. Há certas qualidades padrões que podem ser usadas, para determinar a extensão em que o auxílio visual é de valor na apreciação do que se olha. É preciso mais do que ver; é preciso observar (GROTA, 1958:99).
Se por um lado, os híbridos se tornaram a vanguarda da indústria de orquídeas; por outro, representavam a espoliação da nossa flora que lhe cedeu dezenas de exemplares ao comércio mundial por meio de uma rede de “caçadores” de orquídeas, intermediários e exploradores. Episódio resumido na imagem de um país “mudo como Jeca-Tatu, do conto simbólico de Monteiro Lobato, assuntando, espiando e nada a clamar” (Orquídea, 1941:180). Na tese de alguns, sob a ótica de mercado: “tendo todas as vantagens naturais, ficamos a importar híbridas, quando, na realidade, nós é que as devíamos exportar”. Tais julgamentos eram amenizados quando argumentava-se que esse tipo de cultura poderia salvar espécies nativas do desaparecimento. Ou ainda, em considerações nas quais a hibridação era vista como desdobramento natural do amadorismo. O cenário iniciado na década de 1930 colocou as orquídeas no centro de discussões científicas, políticas e do associativismo amador. As orquídeas, antes marcadas pelo estigma do azar, passaram a ser vistas como símbolos de nacionalidade, progresso científico e para a economia. No centro das atenções, as orquídeas, agora verdadeiramente nossas porque reconhecidas, passaram a mostrar que era possível e desejável colecionar o Brasil. Referências bibliográficas: 2ª Exposição Nacional de Orquídeas. Orquídea, vol.06, n.02, dez., 1943, p.58-87. A ponte de flores entre os povos americanos. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 24, jan., 1933, p.03. Código Florestal Federal, Capítulo III – Da exploração das florestas, art. 30, De-
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creto nº 23.793 de 23 de janeiro de 1934. Colaboradores de “Cultura Política” até o número 30. Cultura Política, Rio de Janeiro,vol.3, n.33, out., 1943, p.07-22.
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Exposição de Flores Tropicais em Miami. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 24, fev., 1934, p.04. Exposição Panamericana de Flores. Revista da Semana, Rio de Janeiro, 28, jan., 1933, p.27. GROTA, A. S. Saber ver. Boletim da SBO, jul., vol.01, n.06, 1958, p.98-99. HOEHNE, F. C. Algo sobre Orchidaceas. O Estado de São Paulo, São Paulo, 05, out., 1928, p.03. HOEHNE, F. C. As Orchidaceas do Brasil, seu valor e sábio aproveitamento. Orquídea, vol.02, n.04, jun., 1940, p.152-171. HOEHNE, F.C. Álbum da Seção de Botânica do Museu Paulista e suas dependências. São Paulo: Editora Livraria Liberdade, 1925. HOEHNE, F.C. O Mapa Fitofisionômico do Brasil. Relatório Anual do Departamento de Botânica referente a 1940, mar., 1941. Notas sobre o comércio de orquídeas. Orquídea, vol.03, n.04, jun., 1941, p.180. O comércio de orchideas nos Estados Unidos. Diário da Manhã,Vitória, 31, jan., 1937, p.0. Orchideas Brasileiras premiadas em Miami. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 30, set., 1933. PRAZERES, O. A exportação de orquídeas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12, mar., 1939, p.05. PRAZERES, O. As orquídeas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27, set., 1935, p.05. Protejamos as nossas espécies. Orquídea, vol.10, n.03, mar., 1948, p.99. Regulando a exportação de orquídeas. Rodriguesia, Rio de Janeiro, ano 01, n.03, 1935, p.88. REINNIKA, M.A.; ROMERO, G.A. A History of the Orchid. Portland: Timber Press, 1995. SAMPAIO, A. J. de. Phytogeografia do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934. SAMPAIO, A. J. Iniciação em Sistemática de Orchideas. Orquídea, vol.01, n.04, jun., 1939, p.142-158. SAMPAIO, A. J. Iniciação em Sistemática de Orchideas II. Orquídea, vol.02, n.01, set., 1939, p.20-32. SAMPAIO, A. J. Iniciação em Sistemática de Orchideas III. Orquídea, v.02, n.02, dez., 1939, p.54-62. SCHLECHTER, R. Contribuição ao conhecimento da flora orquidácea do Paraná Orchidaceae Hatschbachianae, Orquídea, vol.07, b.03, mar., 1945. SECORD, A. Artisan Botany. In: JARDINE, N; SECORD, A; SPARY, C. Cultures of natural history. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, p.378-393.
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SILVA, Valéria Mara da. Educando homens para educar plantas: orquidofilia e ciência no Brasil (1937-1949). Tese (Doutorado), Programa de Pós-graduação em História, Fafich/UFMG, 2013. Sociedade Fluminense de Orquídeas. Orquídea, vol. 2, n.01, set., 1939, p.05. Uma exposição de orchideas em Buenos Aires. Diário da Noite, Rio de Janeiro, 20, out., 1936, p.05. Artigo recebido em janeiro de 2016. Aprovado em abril de 2016
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A FOTOGRAFIA CIENTÍFICA E AS COLEÇÕES VIVAS: MEMÓRIA E CIÊNCIA
Caterina Susana Salvi1
RESUMO: Instrumentos científicos têm desempenhado papel fundamental para o desenvolvimento de pesquisas em ciências. Em 1890, os estudos de Hurter e Driffield sobre a sensitometria das emulsões fotográficas estabeleceram as bases científicas para a utilização da fotografia em trabalhos de pesquisa científica. A padronização do sistema fotográfico possibilitou utilizá-lo para observar, medir e calcular. Desta forma a fotografia científica permitiu um avanço significativo nas pesquisas junto às coleções vivas. E, com o desenvolvimento da fotografia digital associada à tecnologia digital, a definição de coleções vivas que, inicialmente, se referia somente às coleções vivas cultivadas ou domesticadas, como, por exemplo, às dos Jardins Botânicos, dos Jardins Zoológicos e das coleções de microrganismos, engloba atualmente também os ecossistemas e habitats naturais com toda a sua biodiversidade. Acervos fotográficos históricos e contemporâneos presentes em instituições de pesquisa e museus de ciência e tecnologia constituem importantes documentos para a pesquisa na elaboração de projetos de preservação de habitats naturais, de recuperação de áreas degradadas e de utilização sustentada dos recursos naturais. PALAVRAS-CHAVE: Coleções vivas; fotografia científica; memória; ciência.
Scientific Photography And Living Collections: Memory And Science ABSTRACT: Scientific instruments have been very important for the development of scientific research. In 1890, the researches of Hurter and Driffield on the sensitometric characteristics of photographic emulsions established the scientific bases for the uses and application of photography in scientific research. The methodical use of the photographic system provides scientific results, and we can refer to this system as Scientific Photography. Images that are produced through a controlled photographic system provide data capable of measurement, calculation and observation. Scientific photography has a very significant role in the research on living collections. The development of digital photography together with digital technology can amplify the definition for living collections in biology studies. Living collections, consequently, can refer not only to those colletions preserved in Botanical Gardens, Zoo Parks or Scientific Institutions, but also to natural habitats and ecosystems of living species. Historical and contemporary photographic archives that are preserved at scientific research institutions and at museums for science and technology contains very important documents to be used during scientific research works for preserving natural habitats, for recovering damaged ecosystems and for sustainable use of natural resources. KEYWORDS: living collections; scientific photography; memory; science
1 Mestranda do PPACT-MAST 2016. Programa de Mestrado Profissional em Preservação de Acervos de Ciências e Tecnologia do Museu de Astronomia e Ciências Afins do Rio de Janeiro/RJ Brasil caterina@br.inter.net
Caterina Susana Salvi
Fotografia científica e coleções vivas: história e documentação A Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB (1992)2, tornou imprescindível tanto a ampliação de estudos e a implantação de medidas práticas para a conservação da biodiversidade e utilização sustentável dos recursos naturais, quanto o compartilhamento a nível nacional e internacional do conhecimento resultante destes estudos e práticas. Este compartilhamento impôs a necessidade de definição de termos e conceitos para que as informações pudessem ser entendidas por todos os pares. Destaco abaixo alguns termos definidos no artigo 2 da CDB3 e que são importantes para entendermos o que podemos considerar como coleções vivas. Condições in situ significam as condições em que recursos genéticos existem em ecossistemas e hábitats naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características. Conservação ex situ significa a conservação de componentes da diversidade biológica fora de seus hábitats naturais. Conservação in situ significa a conservação de ecossistemas e hábitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características. Diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas. Ecossistema significa um complexo dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microorganismos e o seu meio inorgânico que interagem como uma unidade funcional. Espécie domesticada ou cultivada significa espécie em cujo processo de evolução influiu o ser humano para atender suas necessidades. Hábitat significa o lugar ou tipo de local onde um organismo ou população ocorre naturalmente.
Entende-se a partir da definição acima que a “Conservação in situ” abrange tanto o meio ambiente natural e os seres vivos que nele são identificados, ou ainda a recuperação de seres vivos que nela habitavam, como os seres vivos domesticados ou cultivados no meio ambiente onde se desenvolveram. Ao mesmo tempo a CDB (1992) define “Conservação exsitu” como aquela que abrange a conservação dos seres vivos que compõe a diversidade biológica fora de seus habitats naturais. De acordo com o Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), criado em dezembro de 2008 e integrado à infraestrutura do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (ambas instituições também ligadas ao Ministério do Meio Ambiente do Brasil),responsável pela coordenação dos trabalhos para a avaliação de risco de extinção das espécies da flora brasileira, o termo coleções vivas é empregado para a conservação de exemplares da flora brasileira fora de seu ambiente natural, especialmente em jardins botânicos, 2 A Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB – Copia do Decreto Legislativo no. 2, de 5 de junho de 1992. Brasília – DF. MMA. 2000. 3 CDB = Convenção da Biodiversidade Biológica – 1992.
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A fotografia científica e as coleções vivas: memória e ciência
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como por exemplo, os espécimes dos arboretos. Os trabalhos que vem sendo desenvolvidos pelo CNCFlora, com a participação de uma rede de instituições nacionais e internacionais e com a adoção de metodologias científicas também estabelecidas pela International Union for Conservation of Nature (IUCN), permitiram o alcance de resultados práticos como os publicados no Livro Vermelho da Flora do Brasil e do Livro Vermelho da Flora do Brasil – Plantas Raras do Cerrado. (MARTINELLI,G. &MORAES, M.A.(orgs.),2013). A importância destes trabalhos está diretamente voltada para atingir as metas estabelecidas pela Convenção da Diversidade Biológica (CDB) bem como a meta estabelecida na Estratégia Global para aConservação das Plantas (GSPC4), onde a conservação ex-situ tem papel importante na preservação do patrimônio genético da biodiversidade brasileira. De acordo com Mariante (MARIANTE et al., 2008: 34), “a conservação ex-situ de plantas no Brasil é rotineiramente realizada pela conservação de sementes em câmaras frias, pela conservação in vitro e pela conservação a campo”. De acordo também com Mariante (MARIANTE et al., 2008: 32) os jardins botânicos vem desempenhando papel importante na conservação ex-situ, pois apesar de não conservarem os vegetais em base populacional, tem priorizado a conservação de espécies com risco de extinção, contribuindo para os trabalhos da conservação in-situ. Desta forma, na conservação das plantas, o termo “coleções vivas” se refere à conservação de exemplares de espécimes, em condições ambientais adequadas à conservação de seu patrimônio genético. Adicionalmente à priorização de cultivo de espécies com risco de extinção, o cultivo de plantas em jardins botânicos permite o desenvolvimento de estudos de fatores físico-químicos e ambientais relacionados ao desenvolvimento vegetal, diminuindo a necessidade de interferências nas condições ambientais in-situ para esta finalidade. (COSTA, 2010:12). Na conservação da diversidade biológica de animais, plantas e microrganismos, seja em habitats naturais, domesticados ou cultivados, considera-se como patrimônio a ser preservado todos os recursos genéticos presentes nos diversos seres vivos. Igualmente, de acordo com o Centro de Referência em Informação Ambiental (CRIA), podemos considerar como coleções vivas aquelas compostas por animais, vegetais e microrganismos, cultivados e mantidos vivos para garantir a preservação do patrimônio genético que constitui a base para o desenvolvimento científico e tecnológico nas áreas de saúde, agricultura, meio ambiente e indústria. Jardins Botânicos, Jardins Zoológicos, Reservas Naturais e Coleções Científicas são exemplos de coleções vivas mantidas e cultivadas para a pesquisa científica de campo e de laboratório. O conjunto de todas as coleções vivas e coleções mortas desempenham um papel fundamental para os estudos de identificação, de anatomia e de fisiologia dos seres vivos. No entanto, para a compreensão da importância do patrimônio genético contido nestas coleções, é necessário considerar a trajetória científica que proporcionou sua formação. Tanto ao longo dos importantes trabalhos que vem sendo desenvolvidos pelo CNCFlora, para levantamentos de dados a respeito da flora brasileira, como dos trabalhos que vem sendo realizados pelo ICMBio5 (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, vinculado ao Ministério do meio Ambiente) para a conservação da biodiversidade brasileira, a interpretação de imagens obtida através da utilização de diversas técnicas de registro são importantes. Estas imagens permitem a obtenção de dados tanto para a compreensão 4 GSPC = Global Strategy for Plant Conservation – 2002. 5 ICMBio = Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – 2007.
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do estado de preservação em que se encontra um determinado ecossistema quanto para o planejamento de ações necessárias à sua conservação. Os estudos nas diversas áreas de ciências biológicas não podem ser conduzidos sem a interpretação de imagens. Os instrumentos científicos têm sido desenvolvidos com a finalidade de ampliar nossa capacidade de observação. O microscópio e o telescópio são exemplos de instrumentos científicos que foram desenvolvidos durante o século XVI com a finalidade de possibilitarem a observação e o estudo em detalhe de fenômenos da natureza impossíveis de serem analisados a olho nu. No final do século XIX, o termo “instrumento” foi utilizado para designar aparato que permitisse a medição, observação ou cálculo de algum objeto ou fenômeno e o termo “máquina” foi empregado para designar aparato que possibilitasse a produção de energia, calor ou eletricidade. Por outro lado, o termo “científico” teria sido usado pela primeira vez em 1830, como expressão da transição da filosofia amadora dos iluministas para a do cientista profissional moderno. (HEIZER, 2005:147-152). Em biologia, os estudos foram significativamente intensificados com o auxílio do microscópio. O microscópio óptico foi desenvolvido no final do século XVI por Hans e Zacarias Jansen. Robert Hooke, em 1665, publicou o primeiro livro com desenhos de imagens de secções observadas ao microscópio, Micrographia. (JARDIM & PERES, 2014;299-318). O microscópio possibilitou a observação de estruturas e fenômenos característicos dos seres vivos em escala muito reduzida. Com o auxílio de referências métricas que podiam ser visualizadas junto às preparações dos espécimes que eram observados com o microscópio óptico, era possível identificá-los, medi-los e quantificá-los. A magnificação das lentes do microscópio também permitiu calcular as dimensões das estruturas e fenômenos observados. Todas estas observações, efetuadas a olho nu ou com o auxílio do microscópio, precisam ser registradas. O registro foi inicialmente realizado somente através de desenho a mão livre, copiando-se as estruturas e fenômenos observados. A realização destes desenhos demandava habilidade e tempo. Ao longo dos séculos XVIII e XIX, pesquisas foram realizadas visando à obtenção de um processo que possibilitasse a captura ou o registro, diretamente em uma superfície, das imagens projetadas através dos instrumentos ópticos de observação. Paralelamente, também desde o século XVIII, realizaram-se estudos das características da luz solar e dos fenômenos químicos dos materiais que se alteravam quando expostos à luz. Buscava-se a possibilidade de fixar diretamente no papel, com a utilização de uma substância fotossensível, a imagem projetada pelo microscópio. É importante salientar que em outras áreas da ciência, como a astronomia, também se almejava poder registrar diretamente em uma superfície a imagem observada através do telescópio. O anúncio da fotografia em agosto de 1839, confirmando e divulgando o processo fotoquímico desenvolvido por Louis Jacques Mandé Daguerre e Joseph Nicephóre Niépce para fixação da imagem sobre superfície sensível – o daguerreótipo -, deu partida a uma série de pesquisas para utilização do processo fotográfico no desenvolvimento de pesquisas científicas. O processo fotográfico acoplado aos instrumentos científicos já existentes foi largamente utilizado desde o anúncio da fotografia em 1839. William Henry Fox Talbot, em 1837, já havia experimentado obter registros de imagens de secções de plantas projetadas pelo microscópio. No entanto, os resultados obtidos através de seu processo negativo/positivo em suporte papel não tinham definição significativa.
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O processo positivo direto da daguerreotipia resultava em imagens muito bem definidas sobre placas metálicas. Os primeiros daguerreótipos de seções de plantas foram obtidos pelo cientista vienense, o físico Andreas Ritter von Ettingshausen. Em 1844-45 os médicos Alfred Donné e Léon Foucault produziram o primeiro livro de biomedicina ilustrado com gravuras realizadas a partir de daguerreótipos produzidos com imagens projetadas pelo microscópio. No entanto, os daguerreótipos não eram facilmente reproduzidos, sua reprodução dependia das habilidades de um desenhista que os copiava para a produção de uma matriz a fim de poderem ser impressos como gravuras. O desenvolvimento posterior do processo de colódio úmido para obtenção de imagens fotográficas permitiu a produção de registros que podiam ser reproduzidos com maior facilidade, através do processo de negativos em vidro. Maddox, médico inglês, que na década de 1870 foi o primeiro a desenvolver emulsões fotográficas a base de gelatina e de brometo de prata, também se dedicava à fotografia através do microscópio e se empenhou em divulgar e aprimorar esta técnica. Em 1877, em Berlin na Alemanha, o médico e bacteriologista Robert Koch obteve as primeiras fotomicrografias de bactérias e, durante os quatro anos seguintes, apresentava estas fotomicrografias nas palestras conferidas junto ao Congresso Internacional de Medicina para dar suporte às considerações de sua teoria sobre doenças causadas por estes microrganismos. (JARDIM & PERES, 2014;299-318). Paralelamente a estas experiências, se desenvolviam estudos sobre os fatores físico-químicos envolvidos no processo fotográfico. O comportamento dos sais de prata sob a ação de diversas intensidades e comprimentos de onda das radiações eletromagnéticas da luz solar, a ação do vapor de mercúrio e de outros químicos na fixação da imagem produzida pela luz, deram continuidade ao desenvolvimento das bases científicas da fotografia. No entanto, para que o processo fotográfico pudesse ser aplicado em pesquisas científicas, fazia-se necessário a padronização dos parâmetros envolvidos nos processos de produção dos registros fotográficos, para que estes pudessem ser corretamente interpretados e comparados. Em 1890, os estudos de Hurter e Driffield sobre a sensitometria das emulsões fotográficas estabeleceram as bases científicas para a utilização da fotografia em trabalhos de pesquisa científica (EDER, 1978, p.453-454). Com base nestes estudos, o sistema fotográfico pôde ser padronizado desde o momento da exposição e processamento químico do filme até sua reprodução em papel fotográfico. Considerando como exemplo o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, criado em 1808, a importância da utiFotografia 1: Vochysia oppugnata nas Laranjeiras, 27 de dezembro de 1940. (L0044_N0698) - Acervo lização da fotografia nas atividades de Museu do Meio Ambiente/JBRJ. pesquisa científica é confirmada em 1890, logo após a proclamação da república, quando o decreto n. 518 de 23
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de junho de 1890 determina, entre outros atos, a criação de um museu onde deveriam ser guardados desenhos e fotografias relativos ao reino vegetal (LAMARÃO, et.al., 2008:41-86). Os espécimes das coleções vivas presentes no arboreto foram amplamente fotografados durante a segunda metade do século XIX por fotógrafos como George Leuzinger, Albert Henschel, Marc Ferrez, Henrique Klumb e Juan Gutierrez (TURAZZI, 1995:145). Estes fotógrafos tanto documentaram o Jardim Botânico como parte integrante dos locais de interesse da cidade, como também realizaram, em alguns casos, trabalhos de documentação científica. Nestas fotografias podemos verificar que o registro era realizado de modo a evidenciar não somente as características morfológicas externas do espécime ou espécimes retratados, mas também foram acrescentadas informações, como sua identificação, incluindo o letreiro com sua nomenclatura, e, às vezes também, incluindo uma figura humana para conferir escala ao espécime documentado. (Fotografia 1). Desta forma, é preciso diferenciar claramente dois termos quando consideramos a fotografia em estudos de ciências: o primeiro se refere à ciência fotográfica, isto é, o estudo da ciência da fotografia e o segundo à fotografia científica, isto é, a utilização do processo fotográfico aplicado à pesquisa científica. O acervo fotográfico histórico do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio Janeiro, criado em 1910 (ROCHA, 2008:131-143), contém registros que evidenciam estudos para padronização dos registros fotográficos aplicados às pesquisas da instituição. Como, por exemplo, o registro que retrata tiras de papel com diversas cores. Provavelmente, trata-se, de um estudo de reprodução de cores, para uma possível identificação das mesmas nas fotografias preto-e-branco da época. Verificamos também em outros registros a utilização de iluminação específica para evidenciar a textura externa do espécime ou de
Fotografia 2: Limão. Citrus communis. Autor: R. Delforge. Data: 24/02/1942. (CLE_E163_F001) Acervo Museu do Meio Ambiente/JBRJ.
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composições na cena com segundo plano homogêneo a fim de evidenciar no registro as características específicas de uma determinada espécie em estudo. (SALVI; 2012: 27). (Fotografia 2). Registros em meio aquático realizados em meados do século XIX também evidenciaram a necessidade de aprimoramento do processo fotográfico a fim de registrar com maior precisão as características da biodiversidade que eram observadas durante as pesquisas científicas desenvolvidas nestes habitats (MARTÍNEZ, 2014: 1029-1047). O autor relata os ensaios fotográficos submarinos empreendidos por biólogos durante experiências realizadas em estações marinhas no final do século XIX, evidenciando as adaptações que se faziam necessárias a fim de obter registros os mais precisos possíveis. Também em registros de campo, nos diversos habitats naturais ou cultivados, é necessário compreender o processo fotográfico e o equipamento em uso a fim de controlar devidamente os parâmetros para obtenção de uma imagem que evidencie o que se observa. O mesmo ocorre quando se utiliza o microscópio óptico, ou seja, desde a preparação do espécime, que necessita ser delgado o suficiente e corado adequadamente para que a iluminação do microscópio seja eficaz, até o estabelecimento da iluminação que também necessita ser direcionada corretamente (iluminação Kölher) a fim de não produzir artefatos falsos. A iluminação, ao atravessar o objeto em estudo, deve evidenciar com precisão as estruturas e fenômenos em observação. (Figuras 3 e 4).
Fotografia 3: Corte transversal de folha, fotomicrografia. (Caterina Salvi, 1983).
Fotografia 4: Câmera fotográfica acoplada ao microscópio. Autor e data não identificados. (L161_N0312) – Acervo Museu do Meio Ambiente / JBRJ.
A fotografia também permitiu evidenciar o registro de fenômenos que, apesar de visíveis, não conseguimos detalhar. As experiências fotográficas de Eadweard Muybridge, em 1860, no estudo do movimento de animais revelaram as potencialidades que a câmera fotográfica teria como instrumento para estas pesquisas. (BROOKMAN, 2010). Desta forma, podemos considerar que a máquina fotográfica é tanto capaz de produzir registros essencialmente figurativos, como também, de acordo com sua utilização, ser empregada como instrumento estritamente científico, possibilitando cálculo, medição e observação.
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Em vegetais, por exemplo, o desabrochar de flores pode ser visualizado de forma continua através da técnica denominada em inglês como “Time Lapse Photography”. Neste caso as fotografias são realizadas em intervalos de tempos determinados. Quando estes registros são visualizados em projeções sobrepostas, em intervalos de tempo significativamente menores do que aqueles utilizados para o registro do fenômeno, podemos visualizar o movimento realizado pelas estruturas da flor ao longo do processo de desabrochar de maneira continua e com maiores detalhes. Por outro lado, mantendo a câmera fotográfica sempre no mesmo local e realizando as anotações referentes aos intervalos de tempo em que os registros forem efetuados, podemos entender o desenvolvimento das várias fases deste processo. Outra aplicação da fotografia que pode ser utilizada em projetos para o levantamento da fauna existente em ecossistemas ou habitats naturais como parques e reservas florestais, se refere a utilização de câmeras “trap”. Estas câmeras tem um sensor de presença que realiza o registro quando animais se deslocam dentro da área de alcance do sensor. Esta metodologia também denominada “armadilhamento fotográfico” foi utilizada, por exemplo, no Projeto de Manejo da RPPN Leão da Montanha – SC. Neste projeto esta técnica fotográfica foi utilizada para identificação dos mamíferos de médio e grande porte (CASTILHO et al., 2010). A constatação quanto a sensibilidade das emulsões fotográficas aos raios-X e as experiências que resultaram neste campo, possibilitaram também o desenvolvimento dos estudos na área de genética, alcançando os avanços que são aplicados em estudos de taxonomia, em estudos de biotecnologia e de engenharia genética. O desenvolvimento dos microscópios eletrônicos, por sua vez, permitiu análises de estruturas e fenômenos com maior precisão de detalhes. O desenvolvimento da fotografia digital também possibilitou registros com maior precisão de detalhes e processamento das imagens em menor tempo. Na fotografia digital a luz incidente atinge uma superfície tênue de silício, com os fótons incidentes excitando os elétrons desta superfície. A medição de todas as cargas elétricas recebidas permite reconstruir a imagem registrada. Este dispositivo denominado Charge Coupled Device (CCD) é um detector eletrônico de imagens (MOURÃO, 2004: 66-67). Com o desenvolvimento da fotografia digital, associada à tecnologia digital, podemos hoje estudar os seres vivos obtendo uma quantidade maior de informações em menor tempo. A fotografia digital torna mais eficiente o estudo e monitoramento de ecossistemas e de áreas cultivadas. A tecnologia digital possibilita a transferência on line das informações captadas por uma câmera digital acoplada a um determinado indivíduo de uma espécie, permitindo a visualização do registro praticamente em tempo real. Desta forma, o estudo dos hábitos dos indivíduos pode ser conduzido com maior quantidade e qualidade de informações, obtidas em tempo mais curto.Todos estes avanços nas técnicas de pesquisa e registro de imagens propiciam também uma maior troca de informações entre os pesquisadores. Mesmo com a possibilidade que a tecnologia digital nos propicia quanto ao monitoramento à distância de ecossistemas e de alguns de seus indivíduos, as coleções vivas cultivadas, como Jardins Botânicos, Jardins Zoológicos e Coleções de Micro-organismos, são imprescindíveis para o estudo científico, por permitir um conhecimento aprofundado e detalhado das características anatômicas, fisiológicas e genéticas das espécies.
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A criação e a preservação de coleções vivas nativas ou cultivadas, esteve relacionada, num primeiro momento, às necessidades de conhecermos as características e fenômenos dos seres vivos, com a finalidade de podermos nos beneficiar de seus recursos. As coleções vivas cultivadas desempenham, para a pesquisa científica, a possibilidade de acompanhar o desenvolvimento e realizar pesquisas com espécies individualizadas. Ao longo dos estudos científicos que se desenvolvem nestas instituições mantenedoras de coleções vivas, outras coleções são formadas, como, por exemplo, coleções de lâminas com amostras para observação no microscópio, de cadernos com anotações de trabalhos de laboratório e de campo, de animais taxidermizados, de animais conservados em meio líquido, de plantas secas – exsicatas – em herbários e de registros fotográficos realizados nos trabalhos de laboratório e de campo. A fotografia científica de campo se refere à fotografia realizada nos ecossistemas ou habitats naturais e no meio ambiente onde as espécies são cultivadas ou domesticadas. Nestes registros, o interesse pode estar tanto no conjunto das espécies presentes em determinada área do ecossistema, como em algumas espécies determinadas. Vimos nas considerações acima que a técnica fotográfica a ser aplicada está relacionada à(s) característica(s) ou fenômeno(s) que se deseja registrar. Vimos também que a técnica está relacionada ao controle dos parâmetros envolvidos no ato de fotografar, a fim de que os registros possam ser corretamente interpretados, para que seus conteúdos possam ser estudados, comparados, compartilhados e divulgados.Tanto na fotografia analógica quanto na fotografia digital é necessário considerar as características ópticas das lentes, a iluminação da cena e as características físicas ou físico-químicas do material sensível a ser utilizado.. A contribuição da fotografia de campo para o estudo do desenvolvimento morfológico e comportamental das espécies que compõe determinado ecossistema natural ou meio ambiente onde são cultivadas se deve ao fato de permitir o acompanhamento das transformações dos seres vivos, isoladamente e em seu conjunto. O posicionamento, por exemplo, da câmera fotográfica em coordenadas pré-estabelecidas, visando efetuar registros em intervalos de tempo determinado, resulta em fotografias que evidenciam as transformações que ocorrem no ecossistema ou meio ambiente em estudo. Neste caso, quanto mais antigos forem os registros de ecossistemas naturais ou cultivados, haverá a possibilidade de realizar estudos quanto às transformações ocorridas em um intervalo de tempo mais longo. Se neste intervalo de tempo forem também realizadas anotações e estudos dos fatores ambientais presentes no ecossistema ou meio ambiente, o entendimento com relação às transformações ocorridas será ampliado. O entendimento destas transformações nos auxiliará não só na preservação do ecossistema ou meio ambiente, mas também no estudo de nossa relação com a natureza para torna-la mais equilibrada e sustentável. Como exemplo, podemos citar o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, conforme analisado por Rocha (ROCHA, 2008: 141). A autora discute a potencialidade de análise que pode resultar quando diferentes olhares são propostos para os registros do acervo fotográfico histórico do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Quando pesquisadores internos
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e externos da instituição observaram as fotografias do acervo histórico que retratavam determinada espécie de bambu, verificaram que seu estado atual no arboreto evidenciava a ocorrência de certa involução nesta espécie. Estas análises a partir das fotografias do acervo resultaram na elaboração de um projeto de revitalização e manejo para esta família de vegetais. Outro exemplo de importância da pesquisa em biologia, auxiliada pelos registros fotográficos, foi a criação da primeira Reserva de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Os estudos iniciados em 1980 pelo biólogo José Marcio Ayres na região dos rios do Médio Solimões identificaram a presença do primata Uacari-branco (Cacajao calvus calvus). Luiz Claudio Marigo, fotógrafo especializado em registros da natureza, realizou extenso trabalho fotográfico na região onde se desenvolviam os estudos de José Marcio Ayres contribuindo para a criação em 1986 da Estação Ecológica Mamirauá (EEM) pela então Secretaria do Meio Ambiente. Em 1990 o grupo de pesquisadores da Sociedade Civil Mamirauá elabora um plano de manejo da Reserva Mamirauá para a permanência das populações ribeirinhas que habitavam em sua área protegida. Em 1996 a Estação Ecológica Mamirauá passou à categoria de Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, (RDSM). A Reserva Mamirauá é a primeira unidade de conservação criada na categoria de uso sustentado. A Sociedade Civil Mamirauá publica, em 1996, o primeiro plano de manejo da Reserva Mamirauá e coordena o Projeto Corredores Ecológicos do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7). As experiências desenvolvidas na Reserva Mamirauá trazem resultados importantes quanto aos aspectos que devem ser considerados para o desenvolvimento de modelos que porventura possam ser aplicados em outras unidades de conservação do tipo sustentado na região Amazônica. Em 1999 com os objetivos de perpetuar a unidade de conservação e incrementar suas atividades institucionais e administrativas, a Sociedade Civil Mamirauá propõe a criação do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. (QUEIROZ, 2005). (Fotografia 5).
Fotografia 5: Sapucaia (Lecythis pisonis) na cheia, na comunidade de Boca do Mamirauá. Foto de Luiz Claudio Marigo (MELLO, 2002: 18-19).
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Fotografias em acervos históricos de ecossistemas naturais e cultivados constituem documentos importantes para o estudo das transformações que ocorrem na biodiversidade destes ecossistemas face à ocupação humana. O Projeto “Recolleting Landscapes” que se desenvolve na Bélgica utiliza a fotografia como meio de documentação para identificação e discussão das transformações que vem ocorrendo na paisagem de diversas localidades da região dos Flandres, a partir de um extenso registro fotográfico realizado entre 1904 e 1911 por Jean Massart. Jean Massart (1865-1925), professor e diretor do Instituto Botânico Léo Errera da Universidade de Bruxelas, foi o coordenador da Missão Massart ao Brasil – Missão Biológica Belga ao Brasil, realizada entre 1922-1923. (HEIZER, A.L., 2008: 849-864). Os registros fotográficos realizados entre 1904 e 1911 se relacionam a um trabalho sobre criação de reservas naturais na Bélgica para a publicação do livro “Pour la Protection de la Nature em Belgique”de autoria de Jean Massart em 1912, conforme já analisado por HEIZER, A.L., (2011: 13-22). O projeto “Recolleting Landscapes” propõe a re-fotografia de 60 localidades fotografadas por Jean Massart entre 1904 e 1911. A re-fotografia (termo utilizado pelos criadores do projeto) a partir dos mesmos locais e pontos de vista utilizados por Jean Massart, foi realizada em 1980, em 2004 e em 2014. Através da exposição comparativa destas fotografias são conduzidas discussões com profissionais de diversas áreas (cultura, história, arquitetura e sociologia), com alunos em atividades de ensino, e com o público em geral para identificar e refletir sobre os fatores que causaram as transformações dos ecossistemas e das paisagens registradas nestas imagens ao longo destes anos. As fotografias expostas lado a lado permitem a identificação imediata das transformações ocorridas, remetendo tanto às reflexões sobre as causas destas modificações como às reflexões quanto às possíveis ações futuras. Conclusão O conceito de coleções vivas, tradicionalmente, esteve relacionado ao cultivo ou domesticação de espécies vegetais, animais e de micro-organismos com o objetivo de estudar suas características morfológicas, anatômicas, fisiológicas, citológicas e genéticas com a finalidade de utilização de seus recursos para fins econômicos e sociais. O desenvolvimento de instrumentos científicos desde o século XVI teve papel fundamental para aumentar a capacidade de visualização de estruturas e fenômenos impossíveis de serem observados a olho nu. A partir do anúncio da fotografia, seu desenvolvimento, como ciência e instrumento científico de documentação e de pesquisa, tem contribuído na ampliação do conhecimento de coleções vivas, na preservação de ecossistemas não somente possibilitando o registro dos fenômenos observados com maior precisão e em menor tempo, como também possibilitando a visualização e o registro de fenômenos não visíveis. O desenvolvimento da fotografia digital e da tecnologia digital permite a coleta de maior quantidade e qualidade de informações e, em tempo ainda menor do que é possível com a fotografia analógica. Ao mesmo tempo a tecnologia digital aliada a fotografia digital permitiu estudar à distância o comportamento de seres vivos em seus ecossistemas naturais. Desta forma, o conceito de coleções vivas ampliou-se para incluir os ecossistemas e habitats naturais e não somente as coleções cultivadas e domesticadas. A tecnologia digital, por exemplo, através da utilização de instrumentos como o GPS e de câmeras fotográficas, permite acompanhar o deslocamento de animais registrando suas características ambientais.
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Ao longo das reflexões apresentadas, o termo “coleções vivas” tem sido utilizado para o grupo de organismos mantidos vivos fora de seu habitat natural, tendo o papel importante de participar na preservação do patrimônio genético da biodiversidade, ora pela manutenção do cultivo de espécies com risco de extinção, ora por possibilitar o estudo científico de características anatômicas e fisiológicas de espécies sem a necessidade de intervenção em seus habitats naturais. Em jardins botânicos e jardins zoológicos a coleção de plantas e animais também se encontra exposta para a apreciação pelo público. Fazendo uma analogia com a definição de coleção conforme apresentada por POMIAN, (1984: 53): “qualquer conjunto de objetos naturais ou artificiais mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito das atividades econômicas, sujeitos a uma proteção especial num local fechado preparado para este fim, e expostos ao olhar do público”, verificamos que o termo “coleções vivas” se adequa a esta definição, com exceção do fato de que sua manutenção tem também importância fundamental na preservação de atividades econômicas, pois tem a função de conservação ex-situ do patrimônio genético.Este patrimônio contribui, por exemplo,para a manutenção de atividades agrícolas, e, consequentemente, a manutençãodeatividades econômicas. Por outro lado, as atribuições de arquivo necessárias ao controle dos indivíduos (ou itens) pertencentes às coleções como, identificação, catalogação e descrição, também são necessárias para a manutenção e estudo das coleções vivas. No entanto, com o desenvolvimento da ciência fotográfica, da aplicação da fotografia no estudo dos seres vivos, e com o desenvolvimento da tecnologia digital, como, por exemplo, o uso de marcadores do tipo GPS em seres vivos e do uso da tecnologia de geoprocessamento, é possível realizar o mapeamento e cadastro de seres vivos em seus habitats naturais. Podemos assim considerar a ampliação da definição de coleções vivas para abranger também o grupo de seres vivos, animais, vegetais e microorganismos em seus habitats naturais, uma vez que o desenvolvimento tecnológico tem possibilitado a identificação, cadastro e acompanhamento de espécimes vivos diretamente nos seus habitats naturais. Se considerarmos os acervos fotográficos históricos, presentes em instituições de ciência e tecnologia, compostos por conjuntos de registros de imagens de ambientes naturais, na maioria das vezes, não mais existentes, verificaremos que estas coleções de imagens fotográficas têm função análoga às das coleções vivas ex-situ. Pois através do estudo destes registros é possível identificar espécies que se encontram em risco de extinção ou se extinguiram, e com as anotações dos registros de campo efetuadas no momento da tomada do registro fotográfico é possível também a obter informações adicionais sobre os espécimes. Desta forma, podemos concluir que coleções vivas em jardins botânicos, jardins zoológicos e em centros e instituições de pesquisa,conjuntamente com os acervos fotográficos históricos ai preservados,reúnem informações importantes para o desenvolvimento de trabalhos relativos à compreensão das transformações ambientais e à preservação da biodiversidade. Coleções vivas e coleções de fotografias são partes integrantes de condições necessárias à conservação in-situ. Os acervos fotográficos históricos e as coleções vivas presentes em instituições de pesquisa e ensino em biologia contem registros de espécies isoladas e de ecossistemas que podem ser comparados com registros atuais, auxiliando na elaboração de projetos de preservação de habitats naturais, de recuperação de áreas degradadas e de utilização sustentada dos recursos naturais.
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Artigo recebido em janeiro de 2016. Aprovado em abril de 2016
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OS MUSEUS E A PRESERVAÇÃO DA ARTE CONTEMPORÂNEA: PARTICULARIDADES E PROCESSOS
Janaina Silva Xavier1* Centro Universitário Adventista de São Paulo Universidade Estadual de Campinas
RESUMO: Este artigo destaca algumas particularidades e processos da preservação e do restauro de obras de arte contemporâneas nos museus brasileiros com o intuito de tensionar a discussão e provocar novas reflexões, a partir da crítica de teóricos do campo e da análise de exemplos de objetos artísticos contemporâneos musealizados, seus processos de deterioração e as intervenções sofridas. PALAVRAS-CHAVE: Arte Contemporânea; Museus; Preservação; Brasil.
ABSTRACT: This article emphasize some particularities and processes of preservation and restoration of contemporary works of art in Brazilian museums in order to tension the discussion and provoke new thinking from the criticism of theoretic area and analysis of examples of contemporary art objects musealized, their deterioration processes and suffered interventions. KEYWORDS: Contemporary Art; Museums; Preservation; Brazil.
1 *Licenciada em Artes Visuais, Especialista em Patrimônio Cultural, Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural (UFPEL), Mestre em Museologia (USP), Doutoranda em Artes Visuais (UNICAMP). Museóloga e Professora do Centro Universitário Adventista de São Paulo.
Janaina Silva Xavier
Introdução Os museus, desde a sua gênese no século XVIII, tem sido o meio mais utilizado para a preservação e a exposição das artes visuais. Ao longo desse período, vemos o museu como um agente discursivo, que escolhe, descarta, conserva, pesquisa, expõe e comunica as obras de arte, legitimando o fazer artístico. Mesmo considerando as inúmeras críticas às práticas da instituição museal como um instrumento de dominação, hierarquização, segregação e disciplinamento do campo artístico, o fato é que até hoje, são as coleções musealizadas que formam o principal conjunto referencial da produção e das manifestações artísticas da sociedade. No entanto, as produções artísticas, que tem como principal característica a representação simbólica da experiência humana, tem se apresentando de forma cada vez mais subjetiva e plural, isto porque, na contemporaneidade, elas não estão apenas interessadas em reproduzir sensibilidades, mas procuram singularidades interpretativas, afastando-se de um discurso acessível e invariável e, consequentemente, do entendimento universal. Essa criação artística, voltada para a experimentação, problematizadora das continuidades e rupturas sociais e questionadora da trajetória da humanidade, tem sido evidenciada desde o início do século XX, mas é a partir da década de 1960 que essa tendência se acentua e por isso os estudiosos e críticos consideram esse como sendo o momento de ruptura entre o período moderno e o contemporâneo. Para Nascimento (2014) os movimentos da pop art, do novo realismo, a op art e a arte cinética, a minimal art, os happenings, a arte conceitual, a arte povera, a land art e a body art, que se utilizaram de todo tipo de processos e materiais e também do corpo do artista, marcam o início da fase contemporânea. A autora acrescenta também, que a arte contemporânea desafia os museus “a desenvolver novas formas de expor, de colecionar, de conservar, a criar novos conceitos e categorias, a estabelecer outro tipo de mediações, de contato com o seu público e com outras instituições” (NASCIMENTO, 2014: 7). Diante dessa realidade conflituosa, esse artigo pretende destacar algumas particularidades e processos da preservação de obras de arte contemporâneas nos museus brasileiros com o intuito de tensionar a discussão e provocar novas reflexões. Museus de arte contemporânea no contexto brasileiro Quando pensamos em museus, devemos ter em mente o seu papel na sociedade como equipamento de promoção social que deve ter como principal fundamento proporcionar o que Chauí (1995) chama de “cidadania cultural”, que é o direito ao acesso, produção e participação cultural. Para o Governo Federal brasileiro, são considerados museus as: [...] instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento (LEI FEDERAL nº 11.904/2009).
A partir dessa definição percebemos a complexidade envolvida nos processos da chamada cadeia operatória museológica, que vão muito além do simples “depósito de coleções”. A Declaração de Santiago do Chile (1972), marco da chamada nova museologia na América Latina, traz em discussão a função social dos museus. O museu deixa de estar centrado nos objetos para se colocar a serviço do homem e deve atuar como um agente de desenvolvimento da
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comunidade, tendo como foco as questões da atualidade e, para isso, ele precisa valer-se de criativas abordagens a fim de estabelecer e potencializar suas ações, por meio de seu acervo. Segundo Julião (2006: 96) as atividades museais devem estar fundamentadas no tripé preservação, investigação e comunicação. De acordo com a autora, a preservação prolonga a vida dos bens culturais, a investigação amplia o potencial comunicacional do objeto que no museu se torna um documento, e a comunicação são as ações expográficas, educativas e socioculturais desenvolvidas pelo museu para o seu público. Com relação à preservação de acervos artísticos contemporâneos, é preciso considerar que as operações de incorporação de obras pelo museu representam a legitimação da arte que será fruída pela sociedade e o recorte da produção atual que comporá a história da arte de nosso período histórico. A musealização acrescenta ao objeto artístico novas interpretações e, no caso particular de obras recentes, há uma distância temporal muito próxima entre a produção e o ingresso na coleção, o que não permite um período de julgamento e compreensão completa dos processos e trajetórias artísticas. A arte contemporânea também inquieta os museus produzindo obras que causam dilemas na hora de sua musealização, não permitindo ser estabilizadas, classificadas, reproduzidas no espaço expositivo ou conservadas nos acervos. Esses desafios questionam os consolidados parâmetros de documentação, preservação e exibição das coleções, impulsionando os museus a repensarem e dinamizarem seus procedimentos preservacionistas. A materialidade da arte contemporânea é construída com uma multiplicidade de materiais e técnicas. Os artistas exploram novos materiais em diferentes combinações, sem se preocupar com a compatibilidade e durabilidade dessas experiências. Ao serem adquiridas pelos museus, essas obras representam um desafio para os conservadores. No entanto, antes dos museus e conservadores se lançarem sobre essa complicada tarefa de conservar a arte contemporânea, é preciso que eles tenham bem claro que, de acordo com os princípios da nova museologia, essa discussão só é válida, se o museu de arte contemporânea for percebido como um espaço “criador de valores e percepções”, ou seja, todo esforço de preservação só é pertinente no intuito de proporcionar fruição significativa (FREIRE, 2006: 31). Essa conclusão pode parecer óbvia, pois que museu se daria o trabalho de conservar objetos que não pretende expor? Porém, é sempre apropriado lembrar que, conforme apontado anteriormente, as ações de um museu só se efetivam se houver um equilíbrio entre a preservação, a investigação e a comunicação. O pleno desenvolvimento desses três campos distintos e complementares, é que darão sentido e relevância a instituição museal. Portanto, antes de qualquer coisa, o museu deve avaliar o seu desempenho nessas três áreas e corrigir possíveis problemas diagnosticados, harmonizando a cadeia operatória. Refletindo sobre essas discussões, passamos a considerar a realidade museológica da arte contemporânea no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), foram cadastrados 3.025 museus no país. Destes, 53,4% tem coleções de artes visuais, ou seja, 1.615 museus, mas, apenas 18 têm no nome da instituição a expressão arte contemporânea, 15 deles estão abertos e 3 em implantação, 7 são municipais, 5 estaduais, 1 estadual universitário, 2 federais e 3 privados. Três museus foram criados na década de 1960, dois na década de 1970, quatro na década de 1980 e seis na década de 1990 (Museus em Números, vol. 1, 2011, p. 75; Guia dos Museus Brasileiros) (TABELA 1):
Janaina Silva Xavier
TABELA 1: Museus de Arte Contemporânea do Brasil
MUSEU
CIDADE
ESFERA
CRIAÇÃO
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Abertos Museu de Arte Contemporânea / Goiânia (GO) AGEPEL
Estadual
1988
Museu de Arte Contemporânea
Jataí (GO)
Municipal
1995
Museu de Arte Contemporânea
Campo Grande (MS)
Federal
1991
Museu de Arte Contemporânea
Niterói (RJ)
Municipal
1993
Museu Bispo do Rosário - Arte Contemporânea
Rio de Janeiro (RJ)
Municipal
1982
Museu de Arte Contemporânea
Americana (SP)
Municipal
1982
Museu de Arte Contemporânea Itajahy Martins
Botucatu (SP)
Municipal
1986
Museu de Arte Contemporânea José Pancetti
Campinas (SP)
Municipal
1965
Museu de Arte Contemporânea da USP (Universitário)
São Paulo (SP)
Estadual
1963
Museu de Arte Contemporânea do Paraná
Curitiba (PR)
Estadual
1970
Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul
Porto Alegre (RS)
Estadual
1992
Museu de Arte Contemporânea Raimundo de Oliveira
Feira de Santana (BA)
Municipal
1996
Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
Fortaleza (CE)
Estadual
1999
Núcleo de Arte Contemporânea
João Pessoa (PB)
Federal
1978
Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco
Olinda (PE)
Estadual
1965
Museu de Arte Contemporânea
Sorocaba (SP)
Privado
2004
Museu de Arte Contemporânea
Senhor do Bonfim (BA)
ONG
2009
Museu de Arte Contemporânea Luiz Henrique Schwanke
Joinville (SC)
Privado
2002
Em Implantação
Fonte: Guia dos Museus Brasileiros. Brasília: IBRAM, 2011 Dados compilados pela autora.
Os Museus e a Preservação da Arte Contemporânea: particularidades e processos
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Existem ainda diversos outros museus de arte, que embora não sejam específicos de arte contemporânea, conservam acervos desse período. Mesmo assim, percebemos que a musealização da arte contemporânea é acanhada no país, no entanto, as discussões sobre suas particularidades e processos têm permeado os debates entre artistas, pesquisadores, críticos de arte, museólogos e conservadores. Particularidades da arte contemporânea e os museus A primeira distinção que devemos fazer quando pensamos nas especificidades da arte contemporânea é que ela “opera não com objetos ou formas, mas com ideias e conceitos” (FREIRE, 2006, p. 8). Portanto, os museus “têm a responsabilidade de preservar a intencionalidade e a concepção da criação”, o que implica em preservar para muito além da materialidade (CARVALHO; OLIVEIRA, 2014: 635). A salvaguarda do contemporâneo sugere ainda, a renovação dessas ideias e conceitos e isso significa “a atualização constante do conhecimento do que há de mais significativo na produção artística” (WILDER, 1997: 52). Essa premissa é até mesmo contraditória para a lógica da preservação que tem seu pensamento voltado para o passado. Nesse sentido, para o museu se manter contemporâneo é preciso acompanhar e adquirir a produção atual. Segundo Freire (2006) essa preponderância da ideia, a transitoriedade dos meios e a precariedade dos materiais utilizados, aliado a uma atitude crítica as políticas dos museus, provocaram um estranhamento entre os artistas e as instituições na década de 1970, fazendo com que algumas manifestações fossem praticadas e expostas em circuitos alternativos. O rompimento entre artistas e museus fez com que muito da produção desse período esteja ausente das coleções musealizadas. Nesse caso, será preciso recorrer às pesquisas, principalmente nos registros dos artistas e nos seus depoimentos, a fim de compor uma memória da arte. Vemos então, o museu de arte contemporânea atuando também como um espaço de memória que conservará registros, fotografias, vídeos, entrevistas, catálogos, publicações e até mesmo vestígios de obras, não para apresentação expográfica como objeto artístico, mas para documentação, investigação e produção de conhecimento do campo artístico. Alguns movimentos, como o da arte postal, por exemplo, não foram pensados para exposições em museus, o artista desejava que sua obra circulasse por meio dos correios e que fosse manipulada pelo maior número de pessoas. Muitos desses impressos, contrariando a intencionalidade do artista, foram recolhidos pelos museus e hoje são expostos em vitrines. Nesses casos, a ideia original se perdeu, mas o objeto artístico ganhou uma ressignificação nesse processo que ainda é válida, ou seja, nem sempre é possível harmonizar a conservação com o intuito do artista. Nessa categoria poderíamos também incluir as “Inserções em Circuitos Ideológicos”, de Cildo Meireles, os “Bichos”, da Lygia Clark, os “Parangolés”, de Hélio Oiticica, que são experiências artísticas feitas para circular ou ser manuseadas pelo público e que hoje tem exemplares espalhados pelos museus, protegidos em expositores. Nessas situações, é possível o museu construir uma réplica dos objetos para manipulação dos visitantes, trazendo novamente a possibilidade da experiência estética planejada pelo artista. Em outros casos, as obras foram pensadas pelo artista para serem temporárias ou mesmo do instante, como uma performance, por exemplo, e eles ma-
Janaina Silva Xavier
nifestam o desejo de que o seu trabalho não seja conservado. Nessas situações, então, a decisão do artista deve ser respeitada, podendo-se recorrer apenas ao registro da expressão para memória artística, caso ele assim o permita. No pensamento de Neto (1999: 27), que foi diretor do MAC USP, a arte contemporânea “não foi feita necessariamente para durar, [...] para ser guardada e mostrada. A arte contemporânea quis acabar com a ideia de que arte é patrimônio, que deve ser retirada de circulação e preservada”. Nessa concepção, o autor fala de algo que não foi planejado com a intenção da permanência e que, insistir na sua continuidade é, segundo ele, “inviável”. A concepção de patrimônio, por sua vez, traz atrelado o sentido de um bem com valor intrínseco ou extrínseco e que por isso deve ser legado as futuras gerações. O moderno conceito de patrimônio, desenvolvido no surgimento dos Estados Nacionais, no século XVIII, surgiu da necessidade de construir uma identidade comum, a partir de valores, expressões culturais, uma língua, uma história de origem e um território. Com essa intenção, os países recém-formados passaram a investir na constituição de patrimônios nacionais, calcados na formação de acervos artísticos e históricos. Pensando por esse prisma, de fato, alguns artistas contemporâneos não estão mesmo comprometidos com essa ideologia de uma arte a serviço da identidade coletiva e podem mesmo desejar que sua obra não seja abrigada em museus. Para fins práticos proponho classificarmos os movimentos da arte contemporânea em categorias, tomando como base a técnica empregada pelo artista e a forma mais conveniente de preservá-la no acervo museológico. Poderíamos, dessa forma, dividir as obras em cinco grupos: a) Obras Bidimensionais – seriam os objetos artísticos que ainda preservam a estrutura predominantemente bidimensional, entre eles estariam às pinturas em diferentes tipos de suporte e com o uso de variados pigmentos (tintas, corantes, materiais orgânicos, etc.), podendo ter ainda aplicados diversos tipos de objetos por meio de colagens e outras formas de fixação (jornais, fotografias, pedaços de madeira, arame, etc.). b) Obras em Papel – seriam as obras de arte sobre suporte em papel, como as técnicas tradicionais de gravura (xilogravura, litografia, calcografia), fotografia, impressos (serigrafia, offset), desenhos, aquarelas. c) Objetos Artísticos – constituiriam uma grande variedade de obras feitas a partir de composições por meio de estruturas com predomínio da forma tridimensional. Podem ser esculturas feitas a partir de novos materiais (chapas metálicas, tijolos, etc.), arranjos com objetos industrializados e objetos midiáticos. d) Arte do Corpo - comporiam as obras que tem como suporte o corpo do artista ou necessitam de sua ação para se realizar. e) Arte Pública – seriam as obras que são expostas ou apresentadas fora do museu e que não são possíveis de ser incorporadas posteriormente ao acervo das instituições, seja por suas dimensões, materiais extremamente efêmeros (orgânicos) ou questões conceituais. A partir dessa classificação poderíamos conservar em acervo museológico como obras de arte as três primeiras categorias, observando sempre os aspectos da durabilidade e estabilidade dos materiais, mediante uma documentação museológica o mais rigorosa possível. Nesses grupos, as técnicas de conservação seriam próximas as tradicionais, monitorando os agentes de degradação e as determinações do artista. Essas obras estariam sujeitas a substituição de partes desgastadas e a sua extinção em diferentes períodos de tempo, de acordo com as características de cada obra.
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Nas duas últimas categorias, a preservação seria no arquivo de memória da arte contemporânea, por meio do registro da obra: fotografias, vídeos, textos, depoimentos, pesquisas acadêmicas, projetos do artista. Essas obras não seriam indicadas para serem adquiridas pelo museu, pois, no caso das obras de arte do corpo, não se constituem de uma materialidade, ou na arte pública, possuem uma materialidade inadequada à conservação museológica ou que fogem a proposta conceitual do artista. As obras de Arte do Corpo podem ser apresentadas em exposições temporárias pelo museu. Partindo dessa configuração, teríamos os movimentos artísticos classificados conforme a tabela abaixo (TABELA 2): TABELA 2: Categorias dos Movimentos Artísticos Contemporâneos OBRAS BIDI-
OBRAS EM
OBJETOS
ARTE DO
ARTE
MENSIONAIS
PAPEL
ARTÍSTICOS
CORPO
PÚBLICA
Arte Cinética
Fotografia
Arte Conceptual
Body Art
Arte Digital
Arte Informal
Gravura
Arte Povera
Happening
Arte Marginal
Assemblage
Impressos
Assemblage
Performance
Arte Postal
Hiper-realismo
Livro do
Instalação
Grafite
Neoconcretismo
Artista
Minimalismo
Land Art
Neoexpressionismo
Neoconcretismo
Op art
Novo Realismo
Pop art
Videoarte
Fonte: ARCHER, 2001. Proposta organizada pela autora.
Alguns movimentos, como a Assemblage e o Neoconcretismo, se enquadram em mais de uma categoria, conforme a sua apresentação plástica. Apesar dessas classificações, é preciso salientar que a arte contemporânea foge a padronizações, assim essa seria uma proposta que teria muitas exceções e que precisariam ser analisadas caso a caso. Enfim, de todas as muitas particularidades que a arte contemporânea possa apresentar é preciso ter consciência de que por mais competências e recursos que o conservador tenha, ela tem sua finitude. Umas obras terão uma materialidade mais perene e durarão mais e outras nem sequer deixarão vestígios, são apenas o gesto e a ação do artista, permanecendo o tempo de um momento. Ficará sempre uma sensação de incompletude e de perda, que é comum às outras produções culturais, históricas, arquitetônicas, arqueológicas, etc., afinal não é possível e nem mesmo desejável conservar tudo. As experiências nos mostram que o caminho mais apropriado tem sido o do diálogo. Por ser a arte contemporânea a arte dos artistas vivos, ela tem uma vantagem em relação aos períodos anteriores, a possibilidade do museu manter permanente contato com o artista e sua produção. O museu pode abrir suas portas para ser o ateliê do artista, e dessa forma, os curadores e conservadores poderão acompanhar as criações, observando os materiais, as técnicas, os conceitos e as intenções envolvidas nos objetos artísticos, registrando todos esses procedimentos. Essa transformação do museu como um espaço também do fazer artístico, permite a organização de exposições “em torno da figura do artista, e já não apenas da obra de arte isolada e deslocada do seu local de criação” (AZEVEDO,
Janaina Silva Xavier
2014: 6). O artista pode ter um contato mais próximo com o seu público e o museu pode observar todo esse processo, tornando-se mais apto a cumprir o seu papel na mediação entre o artista, a obra e o visitante. Além disso, o artista pode planejar sua obra tendo como referência o espaço expositivo, evitando incompatibilidades e inadequações difíceis de solucionar depois que o objeto está pronto. Nessa relação entre o artista e o museu está implicado o desejo do artista de que sua obra seja exposta e preservada pela instituição. Assim, haverá um entendimento entre todas as partes envolvidas. O artista se aproxima da lógica museológica, compreendendo melhor suas rotinas e aquilo que a instituição pode lhe oferecer como espaço para visibilidade de sua criação. Chegar a esse entrosamento pode ser muito produtivo para ele, pois, “sem o museu, a arte atual estaria não apenas sem pátria, mas sem voz e mesmo invisível” (BELTING, 2006: 137). Processos de preservação de obras de arte contemporânea A obra Pele, da artista Anna Barros, produzida em 1990 e pertencente ao acervo do MAC USP, é um exemplo interessante dos dilemas que envolvem a preservação da arte contemporânea. A obra trata-se de uma manta de látex que pretendia imitar a pele humana e que com o tempo tornou-se manchada e ressecada. Os restauradores e conservadores foram desafiados pelo tipo diferente de material envolvido, que exigiria tratamentos especiais e específicos e, para tanto, consultaram a artista sobre a melhor forma de intervir na obra (Figura 1). O conflito, no entanto, surgiu quando a artista Anna Barros decidiu não restaurar e nem preservar a peça artística, segundo ela, as perdas sofridas faziam com que não houvesse mais motivo de salvá-la. Em uma carta oficial ao MAC, Anna exigiu a morte da obra com a realização de uma performance de cortejo fúnebre, que deveria ser filmada para documentação. O evento ocorreu em julho de 2011, e a partir de então, uma série de medidas burocráticas vem sendo tomadas para de fato dar um ponto final à existência da obra. Segundo Michelle Alencar2, documentalista do acervo do Museu, o Conselho Deliberativo do MAC admitiu o “enterro” da obra, no entanto, a Procuradoria Geral da USP exigiu a aprovação de outros órgãos competentes. Deste modo, foram encaminhadas consultas ao Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura (DPH/SMC) que já se manifestou favoravelmente ao procedimento tomado, e a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) que ainda não deram seu parecer. O Museu conserva, desde a morte da obra, o número do protocolo do processo aberto na USP e apenas depois que este for encerrado, será encaminhado para o arquivo permanente. No acervo da Biblioteca do Museu está disponível o vídeo da entrevista com a artista Anna Barros, onde ela apresenta os motivos de sua determinação. Segundo Shafer (2014), a decisão suscita diversos questionamentos, por exemplo: a aquisição da obra foi feita com recursos públicos e a mesma se constitui um patrimônio artístico do museu, que se responsabiliza pela guarda do bem até a sua baixa quando isso for permitido. A documentação da performance serviria para atestar a baixa da obra original? Ou esse registro da morte da obra seria uma nova obra? Qual a definição de documentação museológica nesse contexto? Essa discussão perpassa, também, pela autonomia do artista sobre sua obra depois que ela é adquirida pelo museu. 2 Informações fornecidas por e-mail pela documentalista do acervo do MAC USP, Michelle Alencar, em 07 de outubro de 2015.
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Figura 1: Obra Pele, artista Anna Barros, em 1990 e em 2011. Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/139035_UMA+PELE+BEM+TRATADA Acesso em: 07 out. 2015
Outro caso que pode ser analisado é a obra “Vaso Ruim” do artista Nuno Ramos, pertencente ao MAM SP3. Trata-se de vasos cerâmicos de diferentes dimensões e formatos que são cheios de parafina. No espaço expositivo os vasos são golpeados com tacos de madeira, a fim de deixar o conteúdo escorrer pelas frestas e buracos até adquirirem certa estabilidade, parando de fluir. A obra precisa ser refeita a cada exposição e, para tanto, é necessário adquirir novos vasos, enchê-los com parafina e quebrá-los. Os materiais adequados, a distribuição dos vasos no espaço expositivo e o processo de quebra foram definidos pelo artista no projeto e constam nos registros da obra no acervo. Entre os procedimentos para a montagem da obra estão o de que é necessário expor mais de um vaso, sendo um deles alto e outro baixo, a parafina deve ser adquirida de uma empresa específica, o que abre a possibilidade da empresa parar de comercializar o produto ou vir a fechar, deve-se cobrir os vasos com plástico, evitando derramar parafina no seu exterior, é preciso colocar parte da parafina sólida e completar com parafina líquida até que o vaso fique bem cheio. O ato de quebrar o vaso é simbólico e tem de ser feito pelos profissionais do MAM SP, seguindo as regras estabelecidas pelo artista. Nesse caso, os valores da originalidade da obra são questionados, visto que ela é refeita sempre a partir de novos materiais. O cuidado com o manuseio do objeto artístico também é discutido, pois ao quebrar o vaso, os funcionários se opõem a lógica museológica da conservação. A ação da quebra abre espaço ainda para a imprevisibilidade, já que não é possível controlar o aspecto final e nem os seus limites físicos no espaço expositivo, fazendo com que em cada reapresentação tenhamos uma estética diferente. Nessa obra, o constante “refazer” é em si o ato de preservar, pois o que está em discussão não é a materialidade, mas a ação, o gesto, a intencionalidade, a proposta conceitual do artista, e esta se mantem em cada exposição. 3 Nuno Ramos, Vaso Ruim, 1998, cerâmica e vaselina. Disponível em: http://mam.org.br/acervo/2000-036-000-ramos-nuno/ Acesso em: 22 out. 2015.
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Figura 2: Obra Vaso Ruim, Nuno Ramos Fonte: http://www.nunoramos.com.br/ Acesso em: 22 out. 2015.
Desfeita a exposição, o que fica da obra até que ela seja exibida novamente, são o manual de instruções do artista e os registros fotográficos, textuais ou em vídeo que tenham sido produzidos para a memória desse objeto artístico e que são passíveis de análise e estudo. A intenção do artista Nuno Ramos é esse processo contínuo de refazer a obra e caso o museu não o respeite e decida conservar e apresentar a mesma materialidade, a intenção do artista se perde. O mesmo se daria na obra de Anna Barros se o museu tivesse optado por restaurar o seu trabalho artístico. Isso nos leva a pensar que a lógica da preservação da arte contemporânea deve ser dada a partir das teorias da arte contemporânea e não dos princípios de conservação. É a arte contemporânea que irá determinar os caminhos para a sua salvaguarda. Ao ser adquirida pelo museu, a obra de arte passa pelo procedimento de incorporação ao acervo por meio da documentação museológica. Um dos primeiros procedimentos para facilitar o trabalho do conservador é registrar na documentação, da forma mais completa e detalhada, os materiais e técnicas que o artista utilizou. Essas informações permitem inferir possíveis patologias e fatores de degradação. Os artistas tem utilizado uma variedade muito grande de materiais: tecidos, compostos orgânicos, polímeros sintéticos, resinas, borracha, plásticos, madeira, metais, tintas a base de diferentes solventes, etc. Devem ser registradas, ainda, na documentação museológica todas as informações necessárias para a reapresentação da obra, preservando o projeto do artista. Essas indefinições e dificuldades podem acabar por fazer com que os museus optem por não adquirir obras efêmeras e que se desmaterializam num curto espaço de tempo, o que restringe as manifestações de interesse das instituições. Por outro lado, ao documentar, por meio de fotografias e vídeos, a deterioração e extinção das obras, vemos os museus exercendo a função de arquivo da arte contemporânea, o que é um paradoxo para uma instituição que se propõe operar no presente, ter que pensar também, no passado. É nesse sentido que Ferrari (2006) propõe que o museu de arte contemporânea opere paralelamente na conservação da memória artística, na reflexão crítica e na produção de arte. Poderíamos continuar citando inúmeros outros exemplos de obras de arte e suas particularidades para a conservação, como o trabalho “Cinecromá-
Os Museus e a Preservação da Arte Contemporânea: particularidades e processos
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ticos”, do artista Abraham Palatnik, feito com lâmpadas leitosas que estão cada vez mais raras no mercado e a substituição por outras lâmpadas alteram significativamente a aparência da obra, “uma vez que a opacidade é determinante para a percepção das sequências cromáticas” (SEHN, 2012: 139). Esse arranjo, no entanto, só nos levaria a perceber que não há um padrão metodológico para a conservação da arte contemporânea, e que cada obra deverá ser analisada particularmente. Considerações Finais A arte contemporânea e os museus são duas áreas conflituosas, que por si sós já causam inúmeras discussões e cruzamento de olhares. Na união de ambas, a problemática se amplia, a ponto de ser considerado por alguns, impossível conciliar o modelo museológico atual com a arte contemporânea. Apesar desse niilismo, precisamos avançar rumo a novos olhares e proposições, partindo sempre de uma base verdadeira, ou seja, a realidade que ora temos, que se constitui de museus. Esse texto tocou apenas de forma tênue as muitas problematizações que podem ser depreendidas da preservação da arte contemporânea, começando pelo próprio entendimento do significado da palavra preservação em um universo permeado pelo efêmero e o imaterial. Nesse sentido, podemos considerar o que foi afirmado por Crimp (2005: 122) ao dizer que quando “os agentes determinantes de uma área do discurso começam a ruir, abre-se para o conhecimento toda uma gama de novas possibilidades, as quais não poderiam ter sido vislumbradas do lado de dentro do antigo campo”. Concluímos então, partindo dessa convicção, de que necessitamos sim pensar os caminhos da arte contemporânea e dos museus, porém, enquanto esses conflitos são problematizados e tensionados, há a necessidade de darmos continuidade à preservação dos acervos, à investigação e à comunicação por meio das ações museológicas, pois uma das maiores carências da sociedade brasileira é o acesso à cultura, e essa não pode esperar até que essas dicotomias sejam resolvidas. Referências ARCHER, Michel. Arte Contemporânea, uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. AZEVEDO, Teresa. Entre a criação e a exposição: o museu como ateliê do artista. Portugal: Revista Midas [online], nº 3, 2014. BELTING, Hans. O fim da história da arte. São Paulo: Cosac e Naify, 2006. CARVALHO, Silmara Küster de Paula; OLIVEIRA, Emerson Dionisio Gomes de. Documentação em museus de arte contemporânea e a relação com a preservação de acervos. In: Anais do 1º Seminário Brasileiro de Museologia. Belo Horizonte: UFMG, 2014, p. 634-645. CHAUÍ, Marilena. Cultura política e política cultural. Revista Estudos Avançados. São Paulo: USP, v. 9, n. 23, 1995. CRIMP, Douglas. Sobre as ruínas do museu. São Paulo: Martins Fontes 2005. DECLARAÇÃO DE SANTIAGO. Chile, Santiago, 1972. FERRARI, Federico. Post-produzione della memória: Il museo tra committenza e
Janaina Silva Xavier
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Artigo recebido em novembro de 2015. Aprovado em janeiro de 2016
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FRAGMENTOS DO PRETÉRITO: REFLEXÕES ACERCA DA MEMÓRIA INDIVIDUAL E COLETIVA
Priscila Chagas Oliveira1* Universidade Federal de Pelotas
RESUMO: Este artigo realiza revisão de literatura sobre a temática da memória e seus complexos processos de seleção, armazenamento e evocação, que influem, a nível individual e coletivo, na construção das identidades. Apresenta pesquisas sobre o cérebro explorando a memória como faculdade e fenômeno. Problematiza o conceito de memória coletiva, sugerindo reflexão à noção de compartilhamento e salienta o papel do esquecimento nos processos mnemônicos. Considera o estatuto da memória na era das redes e reconhece a superabundância de informações que caracteriza a contemporaneidade, onde a rede ora é vista como potência à construção colaborativa do conhecimento, ora é vista como risco, podendo vir a tornar-se a era do esquecimento. PALAVRAS-CHAVE: memória individual; metamemória coletiva; lugares de memória, esquecimento, redes computacionais.
Preterite Fragments: reflections about individual and collective memory ABSTRACT: This paper presents a literature review of the theme of memory and its complex processes of selection, storage and recall that affect the individual and collective level, the construction of identities. It presents brain research, exploring memory as faculty and phenomenon. Discusses the concept of collective memory, suggesting a reflection of notion of sharing and emphasizes the forgetting in the memory process. Proposes a reflection about memory status in the network age and recognizes the overabundance of information that characterizes the contemporary time, where the network sometimes is seen as a potential for collective and collaborative knowledge building, and sometimes is seen as a risk, may become the era of forgetfulness. KEYWORDS: individual memory; collective metamemory; places of memory; forgetfulness; computer networks.
1 *Museóloga pela UFRGS e Mestranda (bolsista Capes) do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da UFPel.
Priscila Chagas Oliveira
Aproximações acerca da (s) memória (s) Temas que envolvem a memória e a complexa capacidade do cérebro de selecionar, armazenar, esquecer e até “fantasiar” lembranças, sempre causaram grande curiosidade e permanecem instigando inúmeras pesquisas em diversas áreas da ciência. Esse fato se deve talvez, pelo lugar privilegiado, se não exclusivo, ocupado pelo cérebro como núcleo, origem da mente, dos comportamentos, das escolhas, dos desejos, enfim, da memória e da constituição da identidade dos indivíduos (LISBOA; ZORZANELLI, 2014). Nesse sentido, o último século se deparou com um substancial desenvolvimento de pesquisas sobre o cérebro, tendo como ênfase a faculdade/fenômeno da memória, na sua dimensão fisiológica e psicológica, com as neurociências, e com as abordagens antropológicas e sociológicas com as ciências humanas e sociais. As neurociências dedicam-se aos estudos do sistema nervoso, sua estrutura e processos de funcionamento, entendendo a memória como uma faculdade “que decorre de uma organização neurobiológica muito complexa” (CANDAU, 2012: 21). As ciências humanas e sociais trabalham a memória como construção social, e têm nos estudos sobre a memória social e os processos de compartilhamento de representações sociais um amplo campo de discussão e desenvolvimento conceitual. Para o médico e cientista Ivan Izquierdo (1989), coordenador do Centro de Memória e Altos Estudos do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul2, estudar de forma conjunta os processos nervosos, celulares, cognitivos e comportamentais parece ser a melhor estratégia para a compreensão do alto grau de complexidade inerente à cognição humana e nomeadamente aos processos memoriais. No entanto, a codificação das memórias é em grande parte influenciada pelas condições sociais de transmissão (CANDAU, 2008; HALBWACHS, 1990), e, portanto, uma abordagem transdisciplinar é indispensável quando se busca aproximação com tal tema de estudo. No geral, qualquer aproximação dos processos mnemônicos buscará compreender de antemão a seguinte questão: o que é a memória? Izquierdo (1989) sintetiza: “Desde um ponto de vista prático, a memória dos homens e dos animais é o armazenamento e evocação de informação adquirida através de experiências” (IZQUIERDO, 1989: 89) e completa: Memória são as ruínas de Roma e as ruínas de nosso passado; memória tem o sistema imunológico, uma mola e um computador [...]. Há algo em comum entre todas essas memórias: a conservação do passado através de imagens ou representações que podem ser evocadas. Representações, mas não realidades. (IZQUIERDO, 1989: 89)
A partir do mesmo argumento, o professor responsável pelo Laboratório de Antropologia e Sociologia da Memória: memória, identidade e cognição social da Universidade Nice Sophia Antipolis3, Joel Candau (2012) reconhece que a memória é “uma reconstrução continuamente atualizada do passado” (CANDAU, 2012: 09) e, desta forma, nunca será uma restituição fiel destas mesmas experiências. Por outro lado, Henri Bergson, filósofo francês e autor da obra Matéria e Memória defende que não podemos reduzir a matéria – conjunto de imagens que nos cercam – à representação que temos dela, nem como aquilo que produz em nós representações (ANDRADE, 2012). Para o autor a memória é um fenômeno que prolonga o passado no presente e está relacionada com o corpo, com as 2 Para saber mais acesse InsCer http://inscer.pucrs.br/centro-de-memoria/ 3 Para saber mais acesse: LASMIC http://lasmic.unice.fr/homepage-candau.html
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Fragmentos do pretérito: reflexões acerca da memória individual e coletiva
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imagens que lhe são exteriores e com as percepções por ele captadas.A categoria tempo é fundamental em sua obra e por isso o autor vale-se do conceito de duração, que não se trata de um instante sucedido por outro, mas de um progresso contínuo do passado que rói o porvir e avança sobre ele (BERGSON, 1999). Bergson distingue dois tipos de memória que vale destacar: a memória-hábito, que se encontra inscrita no corpo e não é reconhecida como passado e a memória- regressiva, responsável pelas imagens-lembranças. Na relação da matéria com a memória, Bergson reconhece as imagens-lembranças como a memória que permite o reconhecimento inteligível de uma percepção já experienciada, de um passado que é retomado no presente, justamente pela sua utilidade prática. Para ele, uma percepção presente tem poder de evocar percepções passadas que se igualam a ela e, assim, a memória nos lança imagens-lembranças do objeto ausente, como momentos múltiplos da duração (BERGSON, 1999). Podemos então pensar a memória como uma faculdade inerente aos indivíduos dotados de um sistema nervoso do qual é atividade básica, mas ela também pode ser vista como objeto de construção social, constituindo-se de uma reconstrução continuada do passado a partir do presente, mas com vistas a um futuro. Encontra-se aí a relevância da afirmação da professora do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas, Maria Letícia Mazzucchi Ferreira: “É já recorrente dizer que não é tanto o passado, esse da memória retrógrada ou do sentimento nostálgico, que mais interessaria e sim o uso desse passado na construção de um futuro” (FERREIRA, 2011: 103). A complexidade dos processos memoriais incita ainda mais dúvidas: como explicar o funcionamento das memórias? Onde elas se localizam? Podemos compartilhar memórias e lembranças com outros indivíduos? Se somos quem lembramos ser, como muito sabiamente nos diz Ivan Izquierdo (1989), quem seríamos se perdêssemos nossas memórias? Se não podemos lembrar de tudo, como selecionamos? Que mecanismos selecionam o que deve ser lembrado? A partir destes questionamentos ficam claros dois aspectos que merecem destaque: o primeiro, tanto a memória como a identidade estão intrinsecamente imbricadas, e o segundo, lembrança e esquecimento são as duas caras da mesma moeda (HUYSSEN, 2002). Diante disto, esse artigo buscará realizar uma revisão de literatura a fim de refletirmos sobre como passamos das formas individuais às formas coletivas da memória, tendo em vista que não há como estudar sua dimensão social desvinculada da sua dimensão individual. A partir dos autores Izquierdo, Milner, Squire e Kandel discutiremos a área da fisiologia da memória, reconhecendo seus principais tipos e processos de formação. Com os autores Henri Bergson, Maurice Halbwachs, Joel Candau, Pablo Colacrai, Paul Ricoeur, Paul Cornneton e Pierre Nora, buscaremos discutir a memória através de uma abordagem antropológica e sociológica, entendendo-a como representação do passado, ancorada em quadros sociais, indissociavelmente ligada às estratégias sociais e políticas de lembrança e de esquecimento e, da formação de identidades individuais ou, coletivas. Em tempos de mnemotropismo e exacerbada exteriorização da memória (CANDAU, 2012) e constante aceleração das trocas e o estreitamento dos horizontes de tempo e espaço (HUYSSEN, 2002), Joel Candau, Andreas Huyssen, Vera Dodebei e Pierre Lévy poderão nos dar algumas pistas sobre o estatuto contemporâneo da memória na era das redes e tecnologias intelectuais computacionais. O atual desenvolvimento tecnológico pós-internet nos impõem uma relação diferente com a temporalidade: o passado (já findo), o presente (real) e o futuro (horizonte de expectativas) dão lugar ao tempo real, online, acrônico que, para Candau (2012), encerra uma ação sem memória.
Priscila Chagas Oliveira
A memória individual e as redes neurais De acordo com Milner, Squire e Kandel (1998), as neurociências cresceram e se desenvolveram rapidamente no último século, tanto em função das novas descobertas na área da neurobiologia celular quanto pela emergência da neurociência cognitiva como disciplina única (unindo as diversas áreas que de forma individualizada estudavam a cognição) dedicada ao estudo do cérebro e da cognição. Ainda conforme os autores, a neurociência cognitiva se originou a partir de duas disciplinas: a Psicologia e a Neurobiologia de Sistemas, possibilitando assim, uma abordagem interdisciplinar coerente do sistema nervoso, que incentivou a ideia de que as técnicas e os conceitos da neurobiologia e da neurociência de sistemas podiam ser aplicadas à análise de cognição. A compreensão de tão elaboradas ações relacionadas à aquisição de conhecimento, como a fala, o raciocínio, a percepção, a imaginação e a memória, tomaram grande impulso a partir da década de 1990, quando foi proclamada a Década do Cérebro pelo então presidente norte-americano George W. Bush, levando a um aumento considerável do interesse pelos estudos neurocientíficos, sobretudo aos de imageamento cerebral4 (LISBOA; ZORZANELLI, 2014). A necessidade de investimentos na área do cérebro é compreensível, uma vez que inúmeras pessoas ao redor do mundo são afetadas por distúrbios cerebrais tais como doenças neurogenéticas e distúrbios degenerativos: doença de Alzheimer, isquemia cerebral hemorrágica (derrame), esquizofrenia, autismo, déficits da fala, audição, abuso de drogas, epilepsia, entre outros. Milner, Squire e Kandel (1998) reconhecem que a ciência computacional fez uma contribuição distinta à neurociência cognitiva. A computação tornou possível modelar a atividade de grandes populações de neurônios para começar a testar determinadas ideias sobre como regiões específicas do cérebro contribuem para determinados processos cognitivos. Muitos mistérios ainda cercam nosso conhecimento sobre os processos cognitivos, em especial os relacionados à memória, mas o que podemos afirmar é que para se compreender a organização neural de um comportamento complexo como, por exemplo, a seleção, a consolidação, a incorporação, a retenção e a evocação/recordação de lembranças, devemos entender não só as propriedades das células individuais e os caminhos, mas também as propriedades de rede de circuitos funcionais no cérebro. Diante disto Ivan Izquierdo (1989) afirma que não podemos falar de uma memória, mas de várias, complexas e interligadas: [...] não é possível encaixar a enorme variedade de memórias possíveis dentro de um número limitado de esquemas ou modelos, nem reduzir seu alto grau de complexidade a mecanismos bioquímicos ou processos psicológicos únicos ou simples [...] A variedade de memórias possíveis é tão grande, que é evidente que a capacidade de adquirir, armazenar e evocar informações é inerente a muitas áreas ou subsistemas cerebrais, e não é função exclusiva de nenhuma delas. (IZQUIERDO, 1989: 90-91)
As várias memórias reconhecidas por Izquierdo (1989) podem ser classificadas quanto a sua função, conteúdo ou duração. Os dois principais grupos ou classificações conhecidas são: memórias tipo “saber como”, trata-se da me4 Imageamento cerebral são exames que formam imagens do cérebro. As técnicas de imageamento cerebral “oferecem belas imagens das estruturas nervosas, fluxo de sangue, e metabolismo energético no cérebro, bem como das mudanças na atividade neural que ocorrem quando realizamos diferentes tarefas [...]”. O exame mais comum de imageamento cerebral funcional é o PET (tomografia por emissão de pósitron), outros incluem a Imagiologia de Ressonância Magnética (MRI), Imagiologia de Tensores de Difusão (DTI) entre outros. (LOGOTHETIS, 2014).
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mória não-declarativa, de procedimentos ou procedural, que não é verdadeira nem falsa pois trata-se da memória de atos motores, de concatenações de atos motores, como por exemplo, saber dirigir, saber nadar. Ela é a base das mudanças do comportamento hábil, a capacidade de responder adequadamente aos estímulos através da prática (IZQUIERDO, 1989; MILNER, SQUIRE e KANDEL,1998). Para Candau (2012), este tipo refere-se ao que ele reconhece como protomemória ou memória de baixo nível, um dos três níveis taxonômicos da proposta do antropólogo para as diferentes manifestações da memória. A protomemória: “constitui os saberes e as experiências mais resistentes e mais bem compartilhadas pelos membros de uma sociedade” (CANDAU, 2012: 22).Trata-se da memória-hábito de Bergson (1999), que replica o passado no presente e está inscrita no corpo. O segundo grupo, trata-se da memória tipo “saber que”, memóriadeclarativa ou explícita, que comumente chamamos de memórias, referem-se às lembranças dos fatos, eventos, sequencias de fatos, pessoas, conceitos e ideias. Já que está envolvida em modelar o mundo externo e armazenar representações sobre fatos e episódios, ela pode ser verdadeira ou falsa (IZQUIERDO, 1989; MILNER, SQUIRE E KANDEL,1998). Ela ainda pode subdividir-se em episódica (eventos ou episódios) ou semântica (linguagem). Candau (2012) chama de memória de recordação ou de reconhecimento, a memória propriamente dita, ou a memória de alto nível, que se trata da evocação deliberada ou invocação involuntária de lembranças autobiográficas ou pertencentes uma memória enciclopédica, feita igualmente de esquecimento, pode beneficiar-se de extensões artificiais (CANDAU, 2012). Diante do exposto, conclui-se que a transmissão memorial será possível através das extensões da memória que, para Pierre Lévy, constituem-se nas tecnologias da inteligência: [as tecnologias da inteligência] quase sempre, exteriorizam e reificam uma função cognitiva, uma atividade mental. Assim fazendo, elas reorganizam a economia ou a ecologia intelectual em seu conjunto e modificam em retorno a função cognitiva a qual pressupunha-se somente assistir e reforçar. (LEVY, 2015, documento eletrônico).
Para o sociólogo a cada período histórico determinada tecnologia intelectual torna-se proeminente na construção e transmissão do conhecimento. Assim, Lévy (1993) indica os três tempos do espírito: a oralidade primária ou mítica, a escrita e a informática ou imagética. Da linguagem oral e do próprio corpo enquanto tecnologia intelectual, passamos à escrita e seus diversos suportes, para contemporaneamente transpomo-nos as tecnologias computacionais contemporâneas. Enfim, tanto a protomemória quanto a memória dependerão da faculdade da memória e, consequentemente, da integridade de todo o sistema nervoso. Outras classificações da memória ainda podem incluir as seguintes tipologias: memória operacional, de trabalho, e de longo ou curto prazo. Quanto ao processo de aquisição e recuperação das memórias, Izquierdo (1989) afirma que existem certas estruturas e vias (o hipocampo, a amígdala, e suas conexões com o hipotálamo e o tálamo) que são responsáveis pela gravação e evocação da maioria das memórias, para ele: “Este conjunto de estruturas constitui um sistema modulador que influi na decisão, pelo sistema nervoso, ante cada experiência, de que deve ser gravado e de que deve ou pode ser evocado” (IZQUIERDO, 1989: 92). A fixação de determinadas informações (memórias) através dos sentidos ocorre seletivamente e depende basicamente do envolvimento emocional do indivíduo ante cada situação. A nível celular, os
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neurotransmissores5 funcionam como mediadores físico-químicos que regulam a transmissão de informação entre os neurônios. Quanto à retenção das informações, o mais provável é a existência de um armazenamento de memórias em circuitos múltiplos e redundantes, de forma distribuída, onde células trabalham em conjunto para representar informações e que estes conjuntos são distribuídos em grandes áreas do córtex (MILNER, SQUIRE E KANDEL, 1998). Para Izquierdo (1989) não há um único sítio de armazenamento de cada tipo de memória ou de todas, mas é provável que certas variedades de registros se conservem em regiões separadas. Por fim, inúmeros pesquisadores ainda buscam entender, de fato, do que são feitas as memórias? Que áreas do cérebro estão diretamente envolvidas com cada tipo de memória? Como as interferências físico-químicas podem alterar as memórias ou causar determinadas amnésias? Atualmente, trabalha-se na perspectiva de funcionamento cerebral do ponto de vista de redes neurais, que podem se interligar, modificar uma a outra a partir da incorporação de novas memórias, da retirada de informações de memórias antigas ou da simulação de memórias. Não guardamos todas as memórias que fazemos e, da maioria delas, conservamos só fragmentos. Sem poder esquecer, selecionar e classificar as lembranças, não poderíamos efetuar generalizações e, assim como o personagem do conto Funes, o memorioso de Jorge Luís Borges, não poderíamos nem pensar. Tamanha é a abstração necessária para a compreensão da intangibilidade que cerca os processos mnemônicos, que a ciência faz uso de metáforas. Para Rodney Brookes, especialista em inteligência artificial do Massachussetts Institute of Tecnology (MIT): [...] o cérebro sempre parece ser a mais avançada tecnologia que nós, humanos, dispomos em determinado momento [...] Quando eu era criança, nos anos 50, li que o cérebro humano era uma central telefônica. Depois, ele se tornou um computador. Recentemente, alguém me fez a pergunta que eu esperava havia anos: “O cérebro humano é como a internet?”. (BROOKES, 19916, apud LISBOA; ZORZANELLI, 2014: 364).
Para Lisboa e Zorzanelli (2014), a metáfora da máquina e do computador, utilizadas, por exemplo, por Izquierdo quando ele diz: “memória tem o sistema imunológico, uma mola e um computador [...]” (IZQUIERDO, 1989: 89), se viram incompletas para explicar a complexidade do cérebro humano, no entanto, contemporaneamente o uso da metáfora da internet e a apropriação da lógica das redes computacionais tem proporcionado um entendimento mais abrangente do cérebro e dos processos de aprendizado, que, a partir de agora, começam a ser vistos de forma cada vez mais associativa e menos estoquista e localizacionista. A memória coletiva: lembrar, compartilhar A noção de que a memória não é apenas a faculdade individual da recordação, mas também um fenômeno influenciado pelo contexto social surgiu com os estudos do sociólogo francês Maurice Halbwachs (1976; 1990). Para Pablo 5 Os neurotransmissores são substâncias liberadas pelas terminações dos prolongamentos da célula nervosa, os axônios, que enviam informações aos dentritos de outro neurônio. “O neurotransmissor excitatório mais importante é o glutamato, para o qual existem diversos tipos de receptores. O principal é o ácido gama-amino butírico (GABA, em inglês). Outros neurotransmissores são a acetilcolina, a noradrenalina, a dopamina e a serotonina, quase todos com funções modulatórias. Dependendo de qual seja o neurotransmissor envolvido as sinapses se denominam glutamatérgicas, GABAérgicas, colinérgicas, dopaminérgicas, noradrenérgicas ou serotonérgicas.” (IZQUIERDO, 2014, documento eletrônico) 6 BROOKS, R.A. Intelligence without representations. Artificial Intelligence, n. 47, p. 139-159, 1991.
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Colacrai (2010), Halbwachs foi o primeiro a empossar a existência de uma memória coletiva, conceito por ele cunhado, e a intentar outorgar-lhe um estatuto epistemológico. Sua importância também é ressaltada pelo fato de ter reunido o pensamento essencialista do filósofo Henri Bergson e a sociologia de Émile Durkheim, ambos intelectuais muito influentes na constituição de suas concepções, defendidas primeiramente na obra Les Cadres Sociaux de la Mémoire de 1927, e postumamente na obraA Memória Coletiva, publicada em 1950. A principal contribuição de Halbwachs (1976) se relaciona com a noção dos “quadros sociais da memória”. Para o sociólogo, a memória se funda/constrói a partir das relações com os outros, através das seguintes categorias, que ele denomina quadros sociais: linguagem, espaço, tempo, família, religião, classes sociais e tradições. Portanto: “todo recuerdo está entonces condicionado por el recuerdo de los otros” (COLACRAI, 2010: 65). Halbwachs induz à compreensão da memória sob a perspectiva de que o sentido/significado dado às recordações e às experiências cotidianas advém dos ensinamentos e das relações que os indivíduos mantêm entre si e com sociedade. Os grupos dos quais estes fazem parte acabam por inspirar suas ideias, reflexões, sentimentos e emoções. Assim, os “quadros sociais da memória” são instrumentos que a memória coletiva utiliza para reconstruir uma imagem do acontecimento ocorrido no passado, de acordo com os valores e pensamentos da sociedade do presente, no tempo e espaço em que ocorre a recordação (HALBWACHS, 1976). A sua obra mais icônica, A Memória Coletiva, foi elaborada postumamente, a partir dos manuscritos deixados pelo autor. Desde então, o conceito memória coletiva foi amplamente apropriado e utilizado pelas ciências humanas e sociais. Na obra o sociólogo reconhece a existência de uma memória individual, somente estabelecida/ancorada na memória coletiva, bem como procura fazer distinção entre a memória coletiva, que é a vivida e a memória histórica, que é aprendida. À categoria tempo é dedicado um capítulo, pois é ele que possibilita ordenamento à vida social, quando classificado e datado. É do reconhecimento coletivo de um tempo passado, um presente e um tempo futuro que se identificam as lembranças e que se mede a duração (HALBWACHS, 1990), tal qual reconhecido por Bergson (1999). Candau (2012) completa: “a memória nos dará esta ilusão: o que passou [no tempo] não está definitivamente inacessível, pois é possível fazê-lo reviver graças à lembrança” (CANDAU, 2012:15). O espaço como categoria também é trabalhado, já que nos fornece referenciais materiais de ancoragem das recordações e “nos oferecem uma imagem de permanência e estabilidade” (HALBWACHS, 1990: 131). Halbwachs (1990) reconhece a existência da memória individual, mas estabelecida a partir das referências e lembranças próprias do grupo: Consideramos agora a memória individual. Ela não está inteiramente isolada e fechada. Um homem, para evocar seu próprio passado, tem frequentemente necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele se reporta a pontos de referência que existem fora dele, e que são fixados pela sociedade. (HALBWACHS, 1990: 54)
Ao afirmar que a memória é objeto de construção, o autor em vez de apresentá-la como reprodução fiel da realidade, assinala que as lembranças podem, por meio da vivência em grupo, ser, reconstruídas, esquecidas ou até mesmo simuladas. A recordação e o testemunho do outro servirão para afirmar e reconhecer a lembrança de si. Halbwachs (1990) também alega que o lugar ocupado pelo sujeito dentro do grupo será crucial para a formação das suas memórias. O autor utiliza como exemplo a relação do professor com os alu-
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nos dentro de uma sala de aula. Para os alunos, a lembrança do professor será mais forte, o vínculo estabelecido entre aluno/professor será mais profundo em função do lugar de destaque ocupado pelo professor, e em função do grupo de alunos permanecer quase o mesmo durante anos, constituindo-se em uma comunidade afetiva. Já sob o ponto de vista do professor, será mais difícil recordar de cada aluno ou de cada acontecimento vivenciado em determinada situação. São tantos os alunos que passam aos seus olhos, são tantas situações similares em grupos de alunos diferentes que o impacto afetivo é menor e os acontecimentos recordados acabam por mesclar-se. No entanto, Joel Candau (2012) atenta para a utilização exacerbada do caráter coletivo da memória, que para ele se constitui nas “retóricas holistas”. A existência de uma memória fundada apenas dentro de um grupo, que acaba por compartilhá-la integralmente no coletivo deve ser relativizada. Para o antropólogo, a protomemória e a memória de alto nível dependem da faculdade da memória, e são aquelas lembranças que individualmente evocamos, a nossa maneira pessoal. O único nível da memória que é atestado – como um possível - compartilhamento é a metamemória, que se trata de uma representação relativa a essa faculdade, e incorpora o terceiro nível da taxonomia proposta por Candau (2012): A existência de um discurso metamemorial é um indicador precioso, revelador de uma relação particular que os membros de um grupo considerado mantêm com a representação que eles fazem da memória desse grupo, e, de outro lado, esse discurso pode ter efeitos performáticos sobre essa memória, pois, retomado por outros membros, esse discurso pode reuni-los em um sentimento de que a memória coletiva existe e, por esse mesmo movimento, conferir um fundamento realista a esse sentimento. (CANDAU, 2012: 34).
Assumindo a existência de uma metamemória coletiva, Candau (2012) destaca a importância das representações e, assim, propõem a distinção entre as “representações factuais” (relativas à existência de fatos) e “representações semânticas” (relativas ao sentido atribuído aos fatos). Será sempre mais fácil atestar a existência de uma memória coletiva no primeiro caso, principalmente na presença de um grupo pequeno onde ocorra a repetição das representações, levando a uma homogeneização parcial destas. Em quaisquer dos casos, a memória será forte quando for organizadora dos laços sociais, massiva e compartilhada pela maioria dos membros do grupo. A memória será fraca quando for difusa e superficial e, por ser desorganizadora, pode desestruturar o grupo. Portanto, a metamemória coletiva é possível quando reconhecemos que tanto a lembrança quanto as evocações (as lembranças que são verbalizadas nas narrativas, por exemplo) são múltiplas e idiossincráticas e que os indivíduos, podem, por adesão voluntária, entender-se integrantes de um mesmo grupo que compartilha as mesmas memórias, reunidos em uma mesma noção de identidade. O compartilhamento é verificável quando da existência de “atos de memória coletiva” (CANDAU, 2009), tais como os mitos fundadores, as narrativas museais, as comemorações, entre outros. Os lugares de memória: guardar, esquecer Quando a dimensão da memória enquanto experiência vivida parece se esvair, é comum que se criem lugares, suportes permanentes e estáveis da memória. A memória que organiza grupos e sociedades, funda identidades e mascara a efemeridade da existência. Pierre Nora, historiador francês, lançou mão de
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outra noção amplamente disseminada no campo dos estudos sociais: a noção de Lugares de Memória (1993). Tal concepção surgiu no texto Entre Memória e História: a problemática dos lugares, que abre o volume inicial da obra Les Lieux de Mémoire?7datado de 1992. Para o historiador, as grandes transformações dos processos históricos e a exacerbada atenção dada à memória e aos seus suportes no tempo presente, geraram uma crise na identidade francesa – foco de análise do seu estudo -, que só poderia ser superada à medida que se identificassem lugares onde a memória se cristalizasse e a identidade pudesse então voltar a ter bases fundadoras: Os lugares de memória são, antes de tudo, restos. [...] São os rituais de uma sociedade sem ritual; sacralizações passageiras numa sociedade que dessacraliza [...] nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais. [...]. Se vivêssemos verdadeiramente as lembranças que elas envolvem, eles seriam inúteis. E se, em compensação, a história não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los eles não se tornariam lugares de memória. É este vai-e-vem que os constitui momentos de história arrancados do movimento da história, mas que lhe são devolvidos. Não mais inteiramente há vida, quando o mar se retira da memória viva. (NORA, 1993: 12-13)
Nesses lugares, onde a memória viva, espontânea e verdadeira não mais habita, não há diferença rígida entre história e memória e o que se percebe é um jogo entre ambas, levando a sobredeterminação recíproca. Jogo esse que supõe um componente político, uma “vontade de memória”, uma “intenção de memória” (NORA, 1993). Os lugares de memória funcionam como poderosos sóciotransmissores (CANDAU, 2012) que encadeiam os três níveis de memória (protomemória, memória de alto nível e metamemória), promovendo a conexão entre as memórias dos indivíduos e potencializando a metamemória coletiva. Mas nem só de memórias se constituem esses lugares, assim como nenhum indivíduo é capaz de armazenar e evocar toda a sua existência. É da demarcação seletiva de acontecimentos que “são representados como marcos de uma trajetória individual ou coletiva que encontra sua lógica e sua coerência nessa demarcação” (CANDAU, 2012: 98), que os indivíduos organizam suas narrativas, constroem a ideia de si próprios e reforçam seus laços sociais. O esquecimento está intrínseco a qualquer processo memorial. Lembrar e esquecer e seus múltiplos mecanismos de exclusão operam igualmente em cada processo (HUYSSEN, 2002). Paul Connerton (2008) em seu artigo: Seven types of forgetting8 afirma que o esquecimento é por vezes entendido como uma falha à capacidade e à obrigação da memória, mas que, além de ser útil, o esquecimento também se constituí em estratégia social e política. A negação e eliminação repressiva de determinados períodos históricos ou grupos sociais, o esquecimento como ruptura, a fim de se construir nova identidade, ou a anistia, esquecimento institucionalizado, com o objetivo de minimizar danos (ou não permitir a vingança em meio a conflitos), são exemplos de estratégias de memória e identidade utilizadas pelos indivíduos, estados e nações. A eleição de determinadas fotografias que irão compor um álbum fotográfico pessoal, a escolha dos patrimônios e monumentos representativos de uma nação e a política de aquisição e descarte de objetos nos museus são exemplos de esquecimento 7 Lugares de Memória. 8 Sete tipos de esquecimento.
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controlado, que permeiam a gestão da memória que individual ou socialmente realizamos. Para o filósofo e historiador francês Paul Ricoeur (2007) “O esquecimento é o desafio por excelência oposto à ambição de confiabilidade da memória” (RICOEUR, 2007: 424), e juntamente com as lembranças encobertas e os atos falhos, os esquecimentos “assumem na escala da memória coletiva, proporções gigantescas, que apenas a história, e mais precisamente, a história da memória é capaz de trazer a luz” (RICOEUR, 2007: 455). Aqui Paul Ricoeur (2007) se refere ao dever de memória, a fim de que se haja uma justa memória. A memória e a era das redes computacionais Após esse percurso interdisciplinar pelos estudos das dimensões individuais e sociais da memória, proponho neste artigo refletirmos sobre o estatuto contemporâneo da memória na era das tecnologias da informação e comunicação e das redes computacionais. Quer a nível individual, o da cognição humana ou à nível coletivo, o da transmissão de representações sociais, como características do paradigma tecnológico contemporâneo da cultura digital, as relações sociais (cíbridas9), os saberes (inteligências) distribuídos eletronicamente, a construção do conhecimento (colaborativa e em rede) e, os processos memoriais e identitários são reconfigurados com o surgimento do ciberespaço10. De acordo com o pesquisador alemão Andreas Huyssen (2002) os meios tecnológicos pós-internet afetaram a estrutura da memória e a maneira como percebemos o tempo e o espaço. Aliado a isso, Huyssen (2002) irá resgatar a terminologia “musealização”, primeiramente cunhada por Hermann Lubbe11 para afirmar que, como característica central de uma mudança de sensibilidade temporal do nosso tempo, o passado mesmo é que se manifesta como efêmero. Encontra-se aí a necessidade de dar-lhe um valor como passado, musealizado. O historiador reconhece que os “futuros presentes” da cultura moderna estão transformando-se em “pretéritos presentes” no pós-modernismo. Joel Candau (2009) identifica a compulsão memorial atual, que se evidencia nos excessos decriação de museus, paixão pelas genealogias, busca pelas origens, comemorações e aniversários, o que ele chama de “mnemotropismo contemporâneo”. O campo midiático, social e político é invadido por essa paixão memorial, e aliada ao surgimento das tecnologias de informação e comunicação e o acesso à rede mundial de computadores, a exteriorização da memória toma proporções inimagináveis. Candau (2012) chama de “iconorréia” midiática, o fenômeno contemporâneo da exteriorização da memória que se exprime através da profusão de imagens que são estocadas, tratadas e difundidas continuamente. Pierre Lévy (1993) sinaliza que inauguramos uma nova forma de ser e pensar com o surgimento das tecnologias intelectuais da era computacional. A partir delas o sociólogo reconhece um potencial ainda maior para nossa inteligência, que tem como base o hipertexto, a comunicação em rede, a escrita colaborativa e interativa. Na mesma linha de raciocínio, Vera Dodebei (2006), 9 Termo cunhado pela pesquisadora e artista digial Giselle Beiguelman (2003). Refere-se ao estar online e offline ao mesmo tempo. 10 Ciberespaço: palavra de origem americana, empregada pela primeira vez pelo autor de ficção científica William Gibson, em 1984, no romance Neuromancien. O Ciberespaço designa ali o universo das redes digitais como lugar de encontro e de aventuras, terreno de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural. Existe no mundo, hoje, um fervilhar de correntes literárias, musicais, artísticas, quando não políticas, que falam em nome da Cibercultura. (LÉVY, 2010: 104). 11 LÜBBE, Hermann. Im Zug der Zeit. Springer-Verlag 1992.
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importante pesquisadora brasileira da memória social reafirma o potencial de preservação e de socialização do patrimônio e da construção coletiva da memória no ciberespaço. Para ela:
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A acumulação do conhecimento se dá no domínio coletivo no qual a informação é permanentemente construída e reconstruída. Mas, se o processamento contínuo de novas informações gera uma economia de espaço de armazenamento, ele causa em reverso, a sua reformatação. Essa reformatação, representada pela fusão, complementação e descarte de informações da memória que as está processando impede a recuperação dos formatos originais de ingresso. Daí dizer-se que as memórias informacionais geridas e gerenciadas em ambiente virtual não são mais bancos de dados, nem bases de dados mas, centros de conhecimento. (DODEBEI, 2006, documento eletrônico)
Vera Dodebei (2006) destaca o conhecimento construído coletivamente, num processo contínuo de inserção e exclusão, que leva o ciberespaço a tornar-se, atualmente, o principal centro de (armazenamento) conhecimento disponível. Cabe ressaltar que, ao mesmo tempo em que a ciência utiliza a metáfora da internet para explicar a atuais descobertas da complexidade das redes sinápticas do cérebro, é da lógica da cognição humana, das memórias estruturadas de forma associativa e compreendidas para além de uma perspectiva estoquista, que a rede mundial de computadores vai procurar um modelo de funcionamento. O engenheiro e inventor Vannevar Bush no seu artigo As we may think12 projetou em 1945 o Memex, um dispositivo de armazenamento, busca, seleção e retenção de informações que se assemelha as conexões, a rapidez e a complexidade da mente humana, que se tornaria a base para a criação do hiperlink e da própria internet. A cognição humana será então base para a constituição do ciberespaço, suporte e extensão das nossas memórias atuais, fragmentadas, efêmeras, distribuídas e associadas. Considerações Finais Portanto, na rede a memória da humanidade se armazena em constante processo (acelerado) de reformatação. É no tempo real que os acontecimentos são percebidos, no tempo do novo constante, e do eterno retorno, online, e à distância de um click. Enquanto Pierre Lévy (1993, 2010) e Vera Dodebei (2006) trabalham sob a perspectiva do retorno da memória viva e da lógica da oralidade (primeiro dos três tempos do espírito) na constituição das memórias coletivas na rede, Candau (2012) afirma que “a compulsão memorial contemporânea e o que denominamos crises identitárias se explicariam por uma expanção descontrolada da memória” (CANDAU, 2012: 116) advinda da midiatização das experiências. Os clássicos lugares de memória transcrevem-se para o meio digital e sobre a superabundância informacional disponível na web, que caracteriza a era das redes, Huyssen (2002) Candau (2012) e Connerton (2008) atentam para dois perigos: o esquecimento pela obsolescência das mídias, que a todo momento se atualizam, deixando em desuso tecnologias anteriores num ínfimo espaço de tempo; e o esquecimento pelo excesso de informações produzidas, armazenadas e em circulação, que causam nos indivíduos imensas sobrecargas memoriais, deixando-os incapazes de conferí-las algum sentido. Como já frizamos antes nesse artigo, não podemos lembrar de tudo, a seleção, a classificação e a generalização são necessárias para qualquer processo de aprendizado. 12 Como nós podemos pensar.
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De qualquer maneira, devemos concordar com Huyssen (2002), quando o ele diz que se não descobrimos métodos eficáses para a preservação dos registros eletrônicos, novos suportes e extensões da memória, a fim de oganizá-los, mantendo-os de certa forma protegidos para o futuro, a era da informação pode vir a tornar-se a era do esquecimento. Referências ANDRADE, Bruno Oliveira de. Imagem e memória - Henri Bergson e Paul Ricoeur. Revista Estudos Filosóficos, São João Del Rei, n. 9, p. 136-150, 2012. BERGSON, Henri. Matéria e Memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. 2.ed. São Paulo: Martins e Fontes, 1999. (Coleção Tópicos) CANDAU, Joel. Bases antropológicas e expressões mundanas da busca patrimonial: memória, tradição e identidade. Revista Memória em Rede, Pelotas, v. 1, n. 1, p. 43-58, jan./jul. 2009. ______. Mémoire collective et mémoire individuelle fonctionnent-elles selon le même modèle?.Archives, n.25, abr. 2008. PDF. ______. Memória e Identidade. São Paulo: Contexto, 2011. COLACRAI, Pablo. Releyendo a Maurice Halbwachs: una revisión del concepto de memoria colectiva. La Trama de la Comunicación, v.14, p. 63-73, 2010. CONNERTON, Paul. Seven types of forgetting. Memory Studies, v. 1, p. 59-71, 2008; DODEBEI, Vera. Patrimônio e Memória Digital. Revista Eletrônica em Ciências Humanas, Rio de Janeiro, ano 04, n. 08, 2006. Disponível em: <http://www.unirio.br/morpheusonline/numero08-2006/veradodebei.htm> Acesso em 25 mai. 2013. FERREIRA, Maria Letícia Mazzucchi. Políticas da Memória e Políticas do Esquecimento. Aurora. n. 10, p. 102-118, 2011. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Rio de Janeiro,Vertice, 1990. HALBWACHS, Maurice. Les cadres sociaux de la mémoire. Paris: Mouton, 1976 HUYSSEN, Andreas. En busca del futuro perdido. Cultura y memoria en tiempos de globalización, México, FCE-Instituto Goethe, 2002, 285 p. IZQUIERDO, Ivan. Mecanismos da Memória. Methodus. Disponível em: http:// www.methodus.com.br/artigo/18/mecanismos-da-memoria.html. Acesso em 10 ago. 2015. IZQUIERDO. Ivan. Memórias. Estudos Históricos. São Paulo, v. 3, n. 6, p. 89-112. Mai/Ago 1989 Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S0103-40141989000200006 Acesso em 30 jul. 2015. LÉVY, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 6.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2010. ______. As Tecnologias da Inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. (Tradução Carlos Irineu da Costa). Rio de Janeiro: Editora 34, 1993
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Artigo recebido em novembro de 2015. Aprovado em março de 2016
O TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO NO ESPAÇO MUSEAL: O MUSEU HISTÓRICO VISCONDE DE SÃO LEOPOLDO/RS E A COLEÇÃO FOTOGRÁFICA SESQUICENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO ALEMÃ Daniela Schmitt1* Universidade Feevale RESUMO: O estudo se dá no espaço do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo/MHVSL. Verifica-se a importância da manifestação cultural referente às comemorações do Sesquicentenário da Imigração Alemã no país, em especial na cidade de São Leopoldo/RS. Estuda-se a coleção fotográfica que demonstra a dimensão do mesmo, além disso, examina-se a utilização da metodologia de documentação museológica durante o tratamento da informação nas fotografias. PALAVRAS - CHAVE: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, Sesquicentenário da Imigração Alemã, coleção fotográfica, memória, documentação museológica.
ABSTRACT: The study occurs in Historical Museum Visconde of São Leopoldo.There is the importance of cultural expression referring to the celebration of the Sesquicentenary German Immigration in the country, especially in the city of São Leopoldo / RS. Studies to photographic collection which shows the dimension of the same, furthermore, it is examined whether the methodology of museum documentation is used during the systemization of photographs. KEY-WORDS: Historical Museum Visconde of São Leopoldo, Sesquicentenary German Immigration, photographic collection, memory, museum documentation.
1 *Museóloga, mestranda em Processos e Manifestações Culturais pela Universidade Feevale.
O tratamento da informação no espaço museal: o Museu Histórico Visconde de São Leopoldo/RS e a coleção fotográfica Sesquicentenário da Imigração Alemã
Introdução
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A fotografia é uma importante fonte de pesquisa nas instituições museológicas. Visto a sua proeminência de interlocução entre museu e manifestação cultural, optou-se em abordar sua relevância como suporte de memória. O trabalho se propõe a verificar a importância da coleção fotográfica intitulada “Sesquicentenário” relacionada às comemorações da imigração alemã no país. Analisa-se o tratamento que é dado ao acervo fotográfico do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo a partir desta coleção, bem como acessar e interpretar o evento do Sesquicentenário na cidade de São Leopoldo. Analisa-se o tratamento que é realizado pelo MHVSL e de que forma a documentação museológica é utilizada na coleção fotográfica e a forma como o Instituto Martius-Staden/SP, parceiro do Museu Histórico na digitalização das fotografias, participa do processo. A proposta é corroborar as ações da instituição e divulgar o seu espaço e acervo. Outros aspectos a serem considerados são: colocar em evidência o conjunto fotográfico e perceber a importância da sistematização da coleção. Além disso, evidencia-se a disponibilização do acervo como processo fundamental para o acesso à pesquisa. A interação entre pesquisador e museu precisa ser incentivada, pois o museu deve ser explorado como fonte de pesquisa sobre os diferentes processos e manifestações culturais no contexto histórico-social do lugar em que esta inserido. Este artigo tem como objetivo também uma reflexão sobre a metodologia utilizada pelos profissionais do Museu diante das ações de documentação museológica voltadas para a coleção fotográfica. Considera-se que o estudo de uma coleção específica mostre as possibilidades para adequarmos as estratégias de tratamento para as outras coleções fotográficas do Museu. Para o desenvolvimento deste trabalho, o procedimento metodológico utilizado foi a pesquisa descritiva, com suporte bibliográfico. Parte-se do pressuposto teórico de Kossoy (2009) e Ferrez (1994), bem como de Catroga (2001). Acredita-se que os três autores fundamentem as reflexões aqui realizadas. O estudo foi dividido em três momentos. No primeiro, apresenta-se a instituição museológica e a coleção fotográfica selecionada para a pesquisa. No segundo momento são discutidos os teóricos Borys Kosoy (2009), Fernado Catroga (2001) e Helena D. Ferrez (1994), no cruzamento com o objeto em questão: faz-se, portanto, uma leitura dos conceitos de fotografia, memória e documentação museológica, trabalhados pelos autores. Por fim, verifica-se na coleção fotográfica a maneira como é realizada a documentação museológica. Não tendo a pretensão de dar uma fórmula ideal para a sistematização das coleções, este artigo almeja incentivar o diálogo entre os profissionais do Museu com o intuito de oferecer o tratamento ideal às suas coleções. O Museu Histórico Visconde de São Leopoldo e os festejos do Sesquicentenário da Imigração Alemã O Museu Histórico Visconde de São Leopoldo resguarda importantes vestígios museológicos da imigração alemã. É uma entidade cultural privada, sem fins lucrativos, sustentado por sócios mantenedores. A instituição possui sede na cidade de São Leopoldo/RS2 onde desembarcaram 39 imigrantes vindos da 2 O primeiro núcleo de colonização alemã deu origem à Colônia de São Leopoldo, que recebeu este nome em homenagem à Imperatriz Leopoldina.
Daniela Schmitt
Alemanha, no dia 25 de julho de 1824, contratados pelo Governo Imperial de D. Pedro I, dando início ao processo de imigração no país. Segundo o historiador e idealizador do Museu, Thelmo Lauro Müller, os primeiros imigrantes passaram pelo Rio de Janeiro e chegaram a Porto Alegre em 18 de julho de 1824. Estes foram recepcionados pelo Presidente da Província, José Feliciano Fernandes Pinheiro, que os encaminhou para a antiga Real Feitoria do Linho-Cânhamo desativada, à margem esquerda do Rio dos Sinos. Pinheiro recebeu o título nobiliárquico de Visconde de São Leopoldo, dado por D. Pedro I. O Visconde de São Leopoldo escreveu um livro intitulado Memórias no ano de 1840, onde descreve que um dos fatos mais importantes de sua administração foi à fundação da Colônia Alemã, por ser a primeira no Brasil. Por isso o Museu leva este nome, pois pertencera à pessoa que tornou possível a instalação da então colônia. Em 1º de abril de 1846, atendendo aos pedidos da população, São Leopoldo foi elevada à categoria de vila e desmembrada de Porto Alegre. Já em 12 de abril de 1864 a Lei nº563 a vila tornou-se cidade. A cidade recebeu o título de Berço da Imigração Alemã no Brasil no ano de 2011 por meio da Lei 12.394, por ser considerada a primeira cidade a abrigar os imigrantes que em São Leopoldo/ RS se instalaram. A criação do museu se deu pela vontade de construir um espaço onde fosse possível contar a história da imigração alemã. Além da comunidade, foram convidados os municípios que tiveram ligação com a Colônia Alemã de São Leopoldo: Campo Bom, Feliz, Montenegro, Nova Petrópolis, Novo Hamburgo, Rolante, Sapiranga, São Sebastião do Caí e Taquara. A sessão solene da fundação foi realizada na Prefeitura Municipal de São Leopoldo em 20 de setembro de 1959, criando-se o primeiro museu dedicado à imigração alemã no país. Desde sua fundação o Museu Histórico Visconde de São Leopoldo vem recebendo doações de diferentes objetos e documentos. Devido ao trabalho realizado por mais de cinquenta anos, o Museu possui um dos acervos mais importante sobre a imigração alemã no Brasil. O acervo tridimensional ultrapassa 35 mil peças; as fotografias somam em torno de 20 mil; os jornais totalizam cerca 360 títulos; grande parte em alemão, compreendidos num período de mais de cem anos. O Museu possui, ainda, uma biblioteca que supera 20 mil livros - referentes à história do Rio Grande do Sul, da imigração alemã e de publicações da área dos museus entre outras. Conta com mais de 250 mil documentos. O MHVSL recebe a colaboração de voluntários para a organização do seu acervo. Sua equipe é formada por três funcionários administrativos, um diretor, uma recepcionista, uma funcionária para serviços gerais e, ao longo dos anos, foram inúmeros os voluntários de diferentes instituições de pesquisa e ensino. Nos limites deste artigo, no entanto e como sublinhado na introdução, a análise recairá sobre o acervo fotográfico do Sesquicentenário da Imigração Alemã. Além de ter sob sua guarda o acervo relacionado à imigração alemã e a história da cidade e da região, o Museu participa ativamente dos eventos relacionados a essas temáticas. O presidente e diretor do Museu, Germano Moehlecke e Thelmo Lauro Müller, respectivamente, foram membros, na cidade de São Leopoldo, da Comissão Executiva criada especialmente para os festejos que foram marcados por diversas comemorações sendo o 25 de julho o dia principal de festividades.
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Por ocasião da realização do Sesquicentenário da Imigração Alemã em 1974 e do Primeiro Centenário da Imigração Italiana em 1975, o Governo do Estado, por meio do decreto n°22.410, tomou a iniciativa de instituir o Biênio da Colonização e Imigração. O texto do então Deputado Victor Faccioni, Presidente da Comissão Coordenadora do Biênio da Colonização e Imigração, lembra que os imigrantes alemães por meio de sua personalidade e trabalho marcaram de forma positiva diversos setores da vida rio-grandense. A contribuição para o crescimento do Estado resultou na homenagem por meio de comemorações que visavam a exaltar o passado e projetar o futuro. Um dos acontecimentos marcantes das comemorações foi a presença do Presidente da República, Gen. Ernesto Geisel, bem como de figuras de relevo da vida administrativa, cultural e social do Estado e do País, e personalidades vindas da República Federal da Alemanha, na data magna da imigração, 25 de julho. Estiveram nas cidades de Porto Alegre, São Leopoldo e Novo Hamburgo. Foram inúmeras as reportagens de jornais e publicações referentes ao evento. No mesmo ano foi lançado o I Simpósio de História da Imigração e Colonização Alemã no Rio Grande do Sul, que ocorreu de 12 a 15 de setembro na cidade de São Leopoldo. De acordo com a historiadora Roswithia Weber (2013, p.11) “a retomada das festas, publicações e edições especiais sobre a imigração caracterizam um novo cenário, propício à reformulação identitária, em que o Museu atua de forma militante”. A compreensão e o conhecimento referente aos acontecimentos ligados ao Sesquicentenário da Imigração Alemã demonstram que ele foi uma forma de evocação das memórias, a partir das apresentações que fizeram parte da programação. A participação do Museu e de seus membros nos festejos confirma a busca da memória e da identidade vinculada aos antepassados. Segundo Rockenbach e Flores, Em 1974 ocorreu o Sesquicentenário da Imigração Alemã, uma oportunidade de retomada de valores esquecidos. Em meio às comemorações oficiais, surgiu uma dúzia de publicações relativas ao tema imigratório, entre eles o belo Álbum oficial do sesquicentenário da imigração alemã, bilíngue e em cores. (ROCKENBACH; FLORES, 2004, p. 61)
O MHVSL tem sob sua guarda alguns exemplares do Álbum oficial do sesquicentenário da imigração alemã e grande parte das publicações relacionadas ao evento. Nesta, através de textos e fotografias a questão da presença germânica fica evidente. Lembra Weber, que “o fortalecimento de vínculos étnicos e a demarcação da identidade étnica de imigrantes e descendentes de alemães são dados pela organização da festa, pelas histórias narradas, pelas vitrines montadas e por outros exemplos (WEBER, 2004, p. 46)
A criação de um lugar de memória e suas representações nos festejos do Sesquicentenário foram analisados através do “manifesto por imagens e discursos” (Pesavento, 1994) – fotografias – que permitiram uma definição da relevância da sistematização de uma coleção fotográfica relacionada ao maior evento já realizado relacionado à imigração alemã no país.
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Fotografia, memória e documentação museológica Podemos dizer que a transmissão da memória de uma geração à outra pode ocorrer por meio dos chamados objetos culturais que se constituem como suportes de memória, neste caso, a fotografia.Assim, a partir de uma coleção fotográfica a pesquisa irá estudar a importância da informação no meio museal a fim de analisar o acervo do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo. De acordo com Ferrez (1994), os museus se preocupam com questões preservacionistas, de pesquisa e de comunicação, com as evidências materiais do homem e do seu meio ambiente, ou seja, seu patrimônio cultural e natural. Ferrez destaca que os objetos são veículos de informação, e que a partir da conservação e documentação é possível transformá-los em fontes para pesquisa científica e comunicação. Por meio de fotografias é possível acessar um determinado contexto histórico-social em que as mesmas foram produzidas. Segundo Kossoy (2009) a sua existência é marcada por três estágios: a intenção, o ato do registro que trouxe à sua materialização e os caminhos percorridos por essa fotografia. Entende-se a fotografia como suporte de memória, onde é possível, por meio da documentação museológica, estudar suas informações intrínsecas e extrínsecas, bem como toda sua dimensão como objeto/documento. De acordo com Kossoy, [...] as imagens representam um meio de conhecimento da cena passada e, portanto, uma possibilidade de resgate da memória visual do homem e do seu entorno sociocultural. Trata-se da fotografia enquanto instrumento de pesquisa, prestando-se à descoberta, análise e interpretação da vida histórica (KOSSOY, 2009, p. 55).
A imagem deve ser estudada e comparada, porém Kossoy (2009) salienta que ela é apenas um fragmento da realidade. Ou seja, ela é a percepção de quem registrou o momento. apesar de ser a fotografia a própria “memória cristalizada”, sua objetividade reside apenas nas aparências. Ocorre que essas imagens pouco ou nada informam ou emocionam àqueles que nada sabem do contexto histórico particular em que tais documentos se originaram (KOSSOY, 2009, p. 158)
Para isso, a documentação museológica é essencial para a recuperação da informação. É preciso extrair os símbolos do registro; só assim a imagem poderá contribuir para o desenvolvimento do conhecimento histórico. Fotografia é memória e com ela se confunde. Fonte inesgotável de informação e emoção. Memória visual do mundo físico e natural, da vida individual e social. Registro que cristaliza, enquanto dura, a imagem – escolhida e refletida – de uma ínfima porção de espaço do mundo exterior (KOSSOY, 2009, p. 162).
Catroga (2001) trabalha com o conceito de metamemória. Ela “define as representações que o indivíduo faz da sua própria memória e o conhecimento que tem e afirma ter desse facto”(CATROGA, 2001, p.43). Com isso, cabe à metamemória “o papel de acentuar as características inerentes à chamada memória social ou coletiva e às modalidades de sua construção e reprodução” (CATROGA, 2001, p. 44). Ainda, segundo, Catroga: A memória só poderá desempenhar a sua função social através de liturgias próprias, centradas em reavivamentos, que só os traços-vestígios do pretérito são capazes de provocar. Portanto, o seu conteúdo é inseparável dos seus campos de objectivação e de
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transmissão – linguagem, imagens, relíquias, lugares, escrita, monumentos – e dos ritos que o reproduzem. O que mostra que, nos indivíduos, não haverá memória colectiva sem suportes de memória ritualisticamente compartilhados. (CATROGA, 2001, p. 48)
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Assim, como é colocado pelo autor, para haver memória coletiva é preciso que se tenham os suportes de memória, no caso do museu, o objeto/documento. Já a pesquisa no museu amplia a possibilidade de comunicação dos bens culturais. Sendo focada na produção de conhecimento, ela garante uma visão crítica sobre determinados contextos e fatos dos quais o objeto é testemunho, ou seja, suporte de memória. “A pesquisa e a comunicação conferem sentido e atribuem uso social aos objetos, justificando, inclusive, a sua preservação” (JULIÃO, 2002, p.94). Os museus permitem a mediação entre pesquisa e sociedade, oferecendo elementos à interpretação e a memória. Julião diz que o objetivo maior da pesquisa no museu: [...] é preservar a possibilidade de acesso futuro às informações das quais os objetos são portadores. Para que o acesso a essas informações se efetive, é necessário que ocorra um processo de comunicação, no qual se estabelece uma relação entre o homem, sujeito que conhece, e o bem cultural, testemunho de uma dada realidade. (JULIÃO, 2006, p. 94)
Para que ocorra o desenvolvimento da pesquisa é preciso que os profissionais de museu tenham clara a importância da documentação museológica, pois será por meio dela que as informações do objeto/documento serão recuperadas “com o intuito de transformar o acervo museológico em fontes de informação em fontes de pesquisa científica ou em instrumentos de transmissão de conhecimento” (FERREZ, 1994, p. 64). A documentação museológica consiste, ainda, no processo de seleção, pesquisa, interpretação, organização, armazenamento, disseminação e disponibilização. Segundo Novaes (2000, p. 44) “um museu que não possui suas coleções devidamente documentadas não poderá cumprir suas funções de gerador, comunicador e dinamizador de conhecimento junto ao patrimônio e à sociedade, enfim não será útil ao seu público”. Sendo assim, afirma-se novamente que é fundamental que exista a recuperação e o tratamento da informação relacionada aos objetos/documentos. De acordo com Padilha (2014, p. 10) “gerir e documentar o acervo museológico é o modo de legitimar a informação contida nos objetos e nas práticas da instituição. Essas atividades contribuem diretamente para as funções social, cultural e de pesquisa dos museus”. Ou seja, o documento é a base que afirma algo a alguém, “ele é o meio que nos traz a informação e, assim, permite que o indivíduo produza conhecimentos diversos” (PADILHA, 2014, p. 11) Desta forma, ao considerarmos a teoria, partiremos para a coleção fotográfica “Sesquicentenário” do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo. A ideia é a de verificar como está o processo de sistematização e, onde for necessário, sugerir adaptações no intuito de melhorar o acesso as informações. Sistematização da coleção fotográfica: Sesquicentenário da Imigração Alemã Entende-se que a salvaguarda e organização da coleção fotográfica relativa a imigração alemã no MHVSL é fundamental para a comunidade da região. O acervo fotográfico do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo se constitui em um pa-
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trimônio documental a ser preservado e consultado, na medida em que permite diferentes estudos sobre a história e a memória da imigração alemã no país, bem como da cidade de São Leopoldo. O acervo fotográfico contém em torno de 20 mil fotografias divididas em diferentes coleções. A coleção intitulada “Sesquicentenário” possui 25 fotografias3; além dessas imagens encontramos no acervo tridimensional objetos relacionados ao Sesquicentenário da Imigração Alemã. O Museu Visconde firmou parceria com o Instituto Martius-Staden/SP4 para o processo de digitalização. Desta forma as fotografias foram digitalizadas com o intuito de compartilhar as imagens entre as instituições de memória. Já a identificação foi realizada no espaço do Museu de forma voluntária por um estudante que na época cursava História. A ação ocorreu sob orientação dos responsáveis pelo Museu. Não foi possível identificar a adoção de uma metodologia específica com relação ao tratamento da informação. Os dados estão disponibilizados por meio de uma folha impressa, como mostra a Figura 1, junto a uma caixa de polionda onde ficam armazenadas as fotografias, bem como por meio digital, CD-ROMou computador disponível para consulentes, em arquivo word. Percebe-se que as informações são sucintas; apenas se descreve a imagem e é adotada uma numeração para cada fotografia. Além disso, apresenta o responsável pelo registro e a data. Porém a numeração que é marcada no verso da fotografia difere do que esta no registro, como apresentado abaixo na Figura 2. A ausência de uma padronização pode atrapalhar a exatidão dos dados. É preciso estabelecer uma metodologia e adotar uma numeração padrão para todas as coleções. O ideal é que exista uma identificação onde o objeto/documento em caso de roubo ou perda possa ser recuperado por meio da identificação relacionada ao nome da instituição a que pertence. Um exemplo seria a adoção do registro alfanumérico, em que é adotada a sigla do museu, neste caso MHVSL. Percebe-se que a informação na ficha da Figura 1 é, em alguns casos, na verdade a inscrição contida no verso de cada fotografia, pois algumas contêm o dado “não há descrição”. Não há uma diferenciação do que seriam descrição e o que seria inscrição. Neste caso, houve um equívoco na metodologia empregada. As fotografias foram marcadas no canto inferior direito com lápis 6B, apresentado na Figura 2, e armazenadas em uma caixa de polionda. As inscrições no verso de cada fotografia não foram removidas. Isso facilitará a continuidade da recuperação das informações e da adoção da documentação museológica no espaço do Museu. Mesmo após a inserção das informações em ficha catalográfica e em banco de dados, será essencial que as informações permaneçam inscritas nas fotografias. Além da digitalização, o trabalho de higienização também foi desenvolvido pelo Instituto Martius-Staden. Ficou evidente a preocupação com a segurança da coleção ao ser realizado o seu deslocamento até São Paulo. Entretanto, verifica-se a importância dessa ação ser realizada na própria instituição museal, pois o processo de documentação museológica é, ou deveria ser, responsabilidade do próprio Museu. Cópias das fotografias digitalizadas se encontram na instituição e no Instituto Martius-Staden. Ao todo, até o momento, são 25 fotografias, além de outras coleções que totalizam em torno de 5 mil fotografias digitalizadas. Ao sistematizar a coleção é possível uma pequena análise da fotografia. 3 Acredita-se que a coleção ultrapassa este número, porém é preciso organização dos processos de documentação, bem como de qualificação, a nível de gestão, da própria instituição. 4 O Instituto Martius-Staden de Ciências, Letras e Intercâmbio Cultural Brasileiro-Alemão é uma entidade de utilidade pública SM fins lucrativos, mantida pela Fundação Visconde de Porto Seguro. Foi criado em 1916, como uma associação de professores alemães.
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Figura 1: Ficha para a descrição das fotografias digitalizadas. Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo.
Fig. 02:Verso da fotografia com inscrições, no canto inferior direito esta a marcação com o número de registro FD.87.46. Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo.
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Figura 3: Germano Moehlecke, presidente do Museu e membro dos festejos do Sesquicentenário; o então presidente General Ernesto Geisel e o então governador do Rio Grande do Sul, Euclides Triches. Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo.
Figura 4: Palco para as apresentações das comemorações do Sesquicentenário da Imigração Alemã. Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo.
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Porém, o processo de documentação museológica possibilitaria observações mais detalhadas das imagens e a percepção da enfática narrativa de uma manifestação cultural que marcou a história da cidade de São Leopoldo, como apontam as Figuras 3 e 4. Verifica-se que a documentação museológica deve ser replicada em todas as coleções do Museu visto que é dever das instituições de memória manter seus acervos disponíveis ao público e aos pesquisadores. Percebe-se na coleção fotográfica “Sesquicentenário” a dimensão de uma manifestação cultural que ocorreu no ano de 1974, uma coleção pequena comparada à dimensão do acervo fotográfico do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo. Muitos historiadores desenvolveram e desenvolvem distintos estudos referentes ao evento comemorativo aos 150 anos da imigração alemã. Porém, a partir da adoção de uma metodologia e da disponibilização de diferentes coleções o Museu poderá ampliar o número de pesquisas que contribuam para a ressignificação do seu acervo museológico. Considerações finais A Política Nacional de Museus (BRASIL, 2003) apresenta o museu como ferramenta estratégica de aprimoramento dos processos democráticos para a valorização do patrimônio cultural. Estas considerações são pensadas no campo de políticas públicas de caráter mais amplo, onde os museus aparecem como instituições atreladas ao processo histórico e a serviço da sociedade. A partir da orientação da Política Nacional de Museus, pode-se verificar a importância da criação do MHVSL na cidade de São Leopoldo e o seu papel importante na valorização do patrimônio cultural ao celebrar os 150 anos da Imigração Alemã. Assim, a coleção fotográfica intitulada “Sesquicentenário” necessita passar por um processo de identificação. Os personagens que estiveram presentes nas comemorações devem ser contatados a fim de complementar as informações referentes a cada fotografia. É preciso, ainda, definir a sistematização padrão das coleções fotográficas sempre buscando o maior número de dados que auxiliem na pesquisa. Para isso, é essencial um trabalho voltado para a capacitação da equipe do Museu com ênfase na documentação museológica. O Museu Histórico Visconde de São Leopoldo não possui um quadro técnico de funcionários que esteja direcionado para um programa de acervo. O trabalho que é realizado se dá por meio de voluntários, não técnicos, justificando a ausência de procedimentos direcionados a documentação museológica, bem como da falta de continuidade das ações. Porém, a instituição tem potencial para ampliar seu quadro técnico e possibilitar o melhor armazenamento das informações. Está sendo executado pelo Museu um projeto que foi contemplado pelo Fundo Municipal de Cultura da Prefeitura Municipal de São Leopoldo e que almeja colaborar a padronização e adoção da documentação museológica na instituição. O mesmo foi elaborado para uma coleção específica, com o intuito de replicá-lo nas demais. A partir disso, será adotado um banco de dados a fim de disponibilizar o acervo aos pesquisadores e ao público em geral. Acredita-se que a adoção de um banco de dados será fundamental para a otimização do trabalho, bem como para a pesquisa. O banco de dados assegurará a preservação do acervo fotográfico e de suas informações, além de contribuir com a alimentação contínua de informações.
Daniela Schmitt
Referências BRASIL. Ministério da Cultura. Política Nacional de Museus. Brasília, 2003. CATROGA, Fernando. Memória e História. Fronteiras do milênio/ organizado por Sandra Jatay Pesavento. – Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 2001. FERREZ, Helena D. Documentação museológica: teoria para uma boa prática. In: Cadernos de ensaios, n. 2. Estudos de Museologia. Rio de Janeiro, Minc/Iphan, 1994, p.64-73. JULIÃO, Letícia. Pesquisa Histórica no museu. In: Caderno de Diretrizes Museológicas. Belo Horizonte: Secretaria do Estado da Cultura/Superintendência de Museus, 2002, p.93-105. KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. NOVAES, Lourdes R. Da organização do Patrimônio Museológico: refletindo sobre documentação museológica. In: Museologia Social, SMC, Porto Alegre, 2000. PADILHA, Renata C. Documentação Museológica e Gestão de Acervo. In: Coleção Estudos Museológicos, v.2. Florianópolis, FCC, 2014. 71 p. PESAVENTO, Sandra J. Um Novo Olhar Sobre a Cidade: a nova história cultural e as representações do urbano. In: MAUCH, Cláudia et al. Porto Alegre na virada do século 19: cultura e sociedade. Porto Alegre/Canoas/São Leopoldo: Ed. Da Universidade/ UFRGS/Ed. ULBRA/ Ed. UNISINOS, 1994, 136 p. ROCKENBACH, Sílvio A.; FLORES, Hilda A, H. Imigração alemã: 180 anos-história e cultura. Porto Alegre: CORAG, 2004. WEBER, Roswithia. A CRIAÇÃO DE UM MUSEU DE IMIGRAÇÃO ALEMÃ NO PÓSNACIONALIZAÇÃO.Revista Memória em Rede, Pelotas, v.3, n.9.dez.2013.
Artigo recebido em setembro de 2015. Aprovado em fevereiro de 2016
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AÇÃO EDUCATIVA EM ESPAÇOS CULTURAIS: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DE UMA RETOMADA CONCEITUAL DA ARTE
Giovana Bianca Darolt Hillesheim1* Universidade do Estado de Santa Catarina RESUMO: Apresenta-se uma reflexão sobre a ação educativa em espaços culturais considerando as influências do mercado de arte na atualidade. Para tanto, parte-se da conceituação de três elementos centrais à discussão - cultura, educação e arte - objetivando dar consistência às suas derivações - espaços culturais, ação educativa e mercado de arte. A ligação entre estes elementos é pensada a partir da categoria trabalho levando em consideração a mercantilização da cultura, a crescente vinculação entre educação e responsabilização social e a especificidade do contexto brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: Ação educativa; Espaços culturais; Arte; Mercado de arte; Trabalho.
Educational action in cultural spaces: considerations from a conceptual resumption of art ABSTRACT: It presents a reflection on the educational activity in cultural spaces considering the influences of the art market today. For this, the article begins with the concept of three central elements to the discussion - culture, education and art - in order to give consistency to their lead - cultural spaces, educational activities and the art market. The link between these elements is thought from the category work in view of the commodification of culture, the growing links between education and social accountability and specificity of the Brazilian context. KEYWORDS: Educational activity; Cultural spaces; Art; Art market; Work.
1 *Mestra e doutoranda em Artes Visuais no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC. Membro do Grupo de Pesquisa Educação, Arte e Inclusão e do Projeto Observatório da Formação de Professores em Artes Visuais: Estudos Comparados entre Brasil e Argentina (CAPES, MINCYT). Professora de Metodologia de Ensino da Arte na Universidade do Alto Vale do Itajaí.
Giovana Bianca Darolt Hillesheim
1. Cultura, educação e arte. Se partirmos do pressuposto que a cultura se dá a partir do momento em que o ser humano transforma a natureza a fim de satisfazer suas necessidades e incorporar processos naturais à vida social, concordaremos que a cultura é condição necessária para o desenvolvimento humano. Por extensão, assentiremos que o ser humano configura-se como um ser capaz de criar e transformar a realidade a sua volta. Nesta perspectiva, conceituaremos cultura como uma produção humana que envolve um relacionamento transformador com a natureza e que acaba resultando em processos, fenômenos e objetos outros, para além do que já existe no mundo natural. Segundo Duarte (2004:47), dentre as principais características da cultura, está o fato de que ela resulta da atividade humana, portanto o adjetivo cultural remete à atividade humana acumulada no decorrer dos tempos, seja na estrutura semântica de um romance, no cultivo de rosas, num castiçal de prata, numa mesa de madeira, na melodia de uma sonata ou numa estratégia de marketing. A atividade humana ao longo da história se condensa nos objetos e nas experiências culturais. Na medida em que nos apropriamos daquilo que outros seres humanos produziram, nos apropriamos da atividade condensada e acumulada, ou seja, da cultura. Se isso não acontecesse seria necessário que cada ser humano reinventasse cotidianamente maneiras de satisfazer suas necessidades mais elementares, tais como armazenar comida, por exemplo, o que certamente minaria a atenção dada às necessidades consideradas menos rudimentares, como a leitura de um poema. Sob esta perspectiva podemos pressupor que quanto maior for o acesso à cultura historicamente construída e acumulada, mais ricas e diversas serão nossas necessidades, mais ampliada será nossa capacidade de criação e transformação da realidade, uma vez que já não precisamos dispender energias para criar maneiras de satisfazer necessidades corriqueiras, bastando acessar os conhecimentos desenvolvidos pelos sujeitos que nos antecederam. Assim, da mesma forma que a cultura envolve uma espécie de repositório da atividade humana, envolve também sua perpetuação- aqui entendida como o movimento de possibilitar aos sujeitos conhecer o que foi construído historicamente por outros sujeitos a fim de, a partir deste conhecimento, reelaborar e criar novas formas de interação com o mundo em que vivem. Ou seja, a cultura não pode prescindir da socialização de saberes entre os sujeitos, processo este possibilitado pela educação. Não há transferência da atividade humana condensada na cultura se não houver um processo educativo com vistas à incorporação da cultura acumulada. Todo processo educativo, por sua vez, tem por objetivo a alteração dos níveis de apropriação cultural de um sujeito. Esse processo em que o sujeito caminha em direção àquilo que ele pouco ou nada conhece raramente se dá de maneira direta. Na maioria das vezes se faz necessária uma mediação facilitadora do acesso para que este seja, ao mesmo tempo, crítico (a fim de avaliar a pertinência desse saber e reelaborá-lo se assim o quiser) e assertivo (a fim de poupar tempo e lhe permitir resolver outros problemas que lhe surjam). A ação mediadora, portanto, é composta por formas de ligação entre o sujeito e a cultura intermediadas por outras pessoas, instrumentos ou experiências. A cultura, todavia, reúne um leque amplo e complexo de coisas e saberes decorrentes da atividade humana, de forma que tanto um sapato, quanto uma pintura agrupam-se nessa extensa e genérica categoria. Em razão disso, muitos são os teóricos a problematizar tal conceito. Dentre as infindáveis interpreta-
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ções que acompanham o termo cultura, Eagleton (2005:205) elenca, além da atividade humana acumulada, o conjunto de hábitos e costumes de um grupo de pessoas, as manifestações de erudição e espiritualização e a noção antropológica clássica de que a cultura agrupa uma dimensão transformadora, pois envolve a reelaboração da matéria-prima pelo trabalho humano. Como elo comum entre tantas concepções, Eagleton considera que o adjetivo “cultural” refere-se a algo que podemos mudar, embora não de forma aleatória, pois a mudança envolve regras e acordos coletivos. Uma língua, por exemplo, é um elemento cultural vivo e que se modifica com o passar do tempo. Estas mudanças são, via de regra, consensuais entre os usuários. Para além desta concepção básica, Eagleton lembra que a cultura pode ser compreendida como uma divisão dentro de nós entre nossa “matéria-prima original”, nossa natureza, e a parte que cultivamos e refinamos intermediados pelo desejo. Este desejo, segundo o teórico, não é neutro e, sendo assim, a cultura pode ser encarada como a maneira como nossas crenças se ajustam umas às outras, reprimindo nossas contradições internas. É a cultura, portanto, que nos ajuda a lidar simultaneamente com a repressão de eventuais desejos que não coincidem com os desejos das pessoas a nossa volta e que poderiam causar grande desconforto social se externalizados. Há, portanto, uma dimensão apaziguadora na cultura. A arte, na condição de atividade humana, faz parte da cultura. Porém, a especificidade da arte dentro do universo cultural se dá na medida em que ela consegue captar os aspectos contraditórios da vida humana, indo além das circunstâncias de sua gênese. A movimentação em torno dos diversos estilos artísticos através dos tempos não se caracteriza por acordos consensuais entre os artistas. Ao contrário, a arte desaloja certezas, balança estruturas que pareciam firmes e socialmente consensuadas, de tal forma que não podemos falar em evolução da arte, no sentido de melhoramento, uma vez que o conhecimento artístico transita entre os tempos. Para Kosik (apud KONDER, 2013:67), a durabilidade do conhecimento artístico decorre da interação entre passado, presente e futuro: o futuro como possibilidade (vislumbrando que a realidade poderia se manifestar de um jeito diferente) e o passado como agente vivo na constituição do presente (a realidade é assim porque algo aconteceu anteriormente). Desta forma, a arte nos permite perceber uma condição histórica particular da humanidade e estabelecer relações com nossa própria consciência individual. Este ato de encarar a arte e, a partir dela, perceber aspectos da condição humana outrora negligenciados, não de dá instantaneamente. Na arte, tal como nas demais manifestações culturais, a capacidade de apreensão mental e sensorial, se constrói a partir do contato frequente com a arte, favorecido pela mediação realizada por outras pessoas, instrumentos ou experiências. Com o passar do tempo, nossa sociedade organizou espaços culturais destinados a armazenar e possibilitar o acesso à arte, assim como, paulatinamente, vem criando ações educativas voltadas para a mediação entre os sujeitos e o conhecimento artístico historicamente acumulado. 2. Espaços culturais e ação educativa Espaços culturais são locais institucionalizados que conservam, difundem e expõem as artes e outras formas de produção humana de maneira ampla. Há múltiplos usos aos quais se destinam os espaços culturais: pesquisa e leitura, exposição de obras de arte e outros acervos museológicos, oferta de cursos, palestras e oficinas, audição musical, exibição de filmes, apresentações teatrais e demais ações que propiciem a circulação da cultura.
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Fig.1. Centro Cultural George Pompidou. França. Fonte: http://www.parisprimetour.com/museu-george-pompidou/
Segundo Teixeira Coelho (1997:33), o conceito atual, amplo e heterogêneo de espaço cultural surgiu no século XIX com os ingleses, sendo pouco a pouco propagado na segunda metade do século XX, na França, através da construção do Centro Cultural George Pompidou, inaugurado em 1977. Sua construção desencadeou uma explosão de centros culturais no mundo objetivando, entre outras coisas, dar uma identidade visual para as cidades e democratizar a cultura para além das tendências da cultura de massa. Paralelo à propagação dos espaços culturais, surgiu o entendimento contemporâneo de ação cultural para nomear o processo de favorecimento da socialização do universo da cultura. Ação cultural é o conjunto de procedimentos envolvendo recursos humanos e materiais, que visa pôr em prática os objetivos de uma determinada política cultural. Para efetivar-se, a ação cultural conta com agentes culturais previamente preparados e leva em conta públicos determinados, procurando fazer uma ponte entre esse público e uma obra de cultura ou arte. (COELHO, 1997: 32).
Ao tratar do desenvolvimento da ação cultural no percurso do século XX, Teixeira Coelho identifica três momentos distintos. O primeiro deles focado na obra de arte, com ação cultural enfatizando a transmissão de informações formais das obras de arte. O segundo voltado para a abordagem social da arte, onde o foco da ação cultural é abrir espaço para que o visitante reforce os vínculos com a comunidade em que está inserido. Por fim, o terceiro momento destina-se às ações culturais que se preocupam com o indivíduo e são entendidas como instrumento de criação de projetos individuais, investindo na subjetividade dos sujeitos. De forma geral, as ações culturais se voltam para a educação estética, promovendo a mediação entre o público e a obra de arte e, além de facilitar a apreensão da linguagem artística, instigam o público a se relacionar com a obra, produzindo sentidos e abrindo espaço para intervenções poéticas. O rol de estratégias utilizadas para que se efetive tal mediação é, portanto, parte inerente à ação educativa dos espaços culturais. Tais ações pressupõem a contratação de profissionais preparados para realizar da maneira mais plena possível esta mediação; são educadores que, concomitantemente ao desenvolvimento da ação
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educativa, vem constantemente refletindo e reconfigurando sua atuação. A dinâmica destas mudanças se reflete nas diferentes nomenclaturas atribuídas a estes profissionais: educadores, monitores, mediadores, arte-educadores, curadores pedagógicos, cada uma delas carregando expectativas diferentes em relação à atuação destes profissionais. Assim como a caminhada das ações educativas nas instituições culturais é multiforme, convivendo inclusive com a ausência de educadores em muitos espaços, como campo de pesquisa também há diferentes maneiras de abordar o assunto. Todavia, podemos afirmar que vem se construindo uma epistemologia para a área calcada na premissa da participação dos educadores em todas as etapas necessárias à organização dos espaços culturais: editais, curadoria, expografia, mediação, catálogos, etc. Ao discorrer sobre as reais possibilidades de mediação nos espaços culturais e sobre o entrelaçamento dos diversos aspectos que contribuem com a ação dos profissionais que trabalham nestes espaços Vergara salienta: Entende-se como espaço de mediação o envolvimento de todo museu, todos os profissionais da instituição, buscando formar uma política única de construção de sentidos; do cuidado com o acolhimento de diversos olhares, públicos e temporalidades; do estado de compartilhamentos comunicativos como a visão utópicado abrigo poético de Lygia Clark; a arquitetura, seus elementos semânticos, formais e históricos; a concepção dos folders, cartazes; a iluminação e montagem das exposições; todo esse sistema de sentidos deve formar uma experiência de síntese e sinergia estética e ética da participação sensível. (VERGARA, 2011).
Ao preocupar-se com a construção de sentidos, Vergara propõe pensar a ética das mediações e seu caráter político, pois sugere a mediação como um encontro. Desta forma, pensada como encontro entre sujeitos, a mediação passa a ter um papel multilateral e pressupor uma troca de saberes, uma vez que parte do entendimento que ambos os sujeitos envolvidos no encontro carregam consigo saberes, formas de entender e conviver com a cultura. Uma mediação ética, nesta perspectiva, não pressupõe hierarquias, ao contrário, deposita suas intenções maiores no que resulta da cambialidade entre os sujeitos. De forma semelhante, Mônica Hoff (2011:122), ao tratar da ação educativa desenvolvida nas diversas edições da Bienal do Mercosul, ressalta a importância de uma ação educativa disposta a realizar permutas de experiências e impressões entre os sujeitos envolvidos no processo. É importante perceber que, tanto para Hoff quanto para Vergara, a finalidade da mediação é a experiência que se dá entre os sujeitos.Vergara e Hoff atribuem à arte o papel de elemento mediador entre os sujeitos. Para eles o que está em questão neste processo não necessariamente é o acesso à cultura, como atividade humana historicamente acumulada, e sim as impressões e as formas de lidar que cada sujeito tem das materializações culturais. Portanto, podemos dizer que, ao tratar a arte como um instrumento de mediação entre sujeitos, adotam o pressuposto de que estes sujeitos trazem consigo apropriações culturais diversas e particulares. No âmbito deste paradigma, a arte é vista como uma experiência ontologicamente diferente das outras experiências de trabalho. “O compromisso com a arte é menos um compromisso e mais uma modo de pensar e fazer. É menos matéria de proposição e mais condição inerente àquele que propõe.” (HOFF, 2011:19). Acontece que ao se atribuir tal autonomia à obra de arte, faz-se necessário admitir concomitantemente sua desvinculação da categoria trabalho, buscando a salvaguarda de um valor imanente, uma pretensa liberdade criadora
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desvinculada daquilo que a caracteriza como atividade especificamente humana. Para a pesquisadora Chin-Tao Wu (2006:147), conceber manifestações culturais como intervenção educativa com vistas à transformação social, meio e fim da cidadania, é uma concepção relativamente recente (a partir dos anos 1980), carregada de questões ideológicas que resultam no fortalecimento do mercado de arte. Nos dedicaremos a seguir a buscar elementos para entender como este embricamento sugerido por Chin-Tao Wu acontece. 3. Ação educativa em espaços culturais dominados pelo mercado de arte Muito se tentou resistir aos ditames do mercado de arte. Alguns continuam tentando. Porém, na visão de Luiz Renato Martins, hoje em dia quase não há mais resistência, tudo parece ser possível no campo simbólico, a permissividade se amplia a cada dia. Para ele, “todos os espaços estão administrados. A rua também faz parte do mesmo espaço que o museu faz, que é o espaço do mercado. Tudo é mercado hoje em dia.” (MARTINS, 2013). Como realizar a mediação artística nestas condições? A quem, ou a quê, servem estas mediações? Como selecionar o que deve ser mediado? O que se espera destas mediações? Espera-se que as pessoas se apropriem da arte no intuito de captar as contradições da realidade para tentar mudá-la? Ou que as pessoas troquem percepções sobre a realidade a fim de mudar a si próprias? Tudo isto junto? Acreditamos que isto seja possível? Há que se refletir sobre as consequências decorrentes do rompimento entre arte e trabalho, pois dificilmente uma ação educativa ficará imune a esta ruptura. A obra de arte convertida em mercadoria convive com mudanças nas relações entre produção e controle, produção e consumo, produção e circulação, competição e monopólio. Desta feita, o desafio imposto pelo modo de produção capitalista atinge também a socialização da arte. Ao transformar a arte em mercadoria com valor imanente, ela é reduzida a um meio para seu próprio consumo. A arte encarada como mercadoria irradia um ser independente de suas qualidades extrínsecas e passa a ser apenas um instrumento de satisfação mercantil. Conhecer o sistema econômico da arte é, portanto, passo importante para propor ações educativas conscientes, uma vez que operações de marketing, agenciamentos culturais, encomendas, patrocínios, pré-contratos de circulação e exposição midiática tornam o cenário da arte menos imune ao sistema capitalista do que se possa ingenuamente pensar. Se retornarmos à ideia primeira de que a cultura é fundamental para o pleno desenvolvimento humano e que a amplitude do acesso à cultura historicamente construída e acumulada amplia nossa capacidade de criação e transformação da realidade, assumiremos a arte como bem indispensável vinculada à materialidade e à ontologia do ser social. Como disse Vigotsky (1999), “a arte é o social em nós”. Sendo a arte a materialização do social em nós, o acesso à produção artística historicamente elaborada é condição sine qua non para que continuemos a desenvolver nossa condição humana em concomitância com nossa época. Embora reconheçamos as inúmeras possibilidades que a arte possui para atuar como elemento mediador entre sujeitos, advogamos, em face do momento histórico em que nos encontramos e principalmente, em face às diminutas oportunidades de contato com a arte presentes no contexto brasileiro, pela ação educativa em espaços culturais que leve em conta a mediação do sujeito para com a arte, propriamente dita. Logicamente, acreditamos que os saberes
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que cada sujeito traz consigo precisam fazer parte desta mediação e que é necessário que os sujeitos se sintam encorajados a trazê-los a tona. De fato, é salutar que todos saiam culturalmente enriquecidos da ação educativa: tanto o público quanto o profissional que realiza a mediação. O que não pode acontecer, defendemos, é que uma das partes tenha posse de elementos significativos do conhecimento artístico historicamente acumulado e negligencie o direito de saber da outra. A não facilitação ao outro do conhecimento artístico, em prol de uma pretensa, bem intencionada e democrática valorização dos saberes que este já possua e de sua subjetividade, não nos parece uma solução pertinente para a realidade brasileira2, onde a carência de serviços e políticas públicas integradas reforça, conforme nos alerta Marcellino (2002), a visão da arte como uma simples prática de atividades prazerosas, destituídas da sua dimensão contestadora crítica, propositiva e inventiva que envolve as pessoas e os coletivos como produtores de cultura, intervindo no protagonismo da vida cotidiana. Além das questões específicas do contexto brasileiro em relação à escassez no acesso aos bens culturais, há duas outras problemáticas bastante atuais que merecem atenção: a crescente mercantilização da cultura e a igualmente crescente vinculação entre educação e responsabilização social. Iniciemos pela mercantilização da cultura. Podemos entender os espaços culturais como microcosmos dos eventos realizados em escalas internacionais. Na condição de microcosmos, os espaços que se dedicam às artes visuais buscam, em maior ou menor grau, acompanhar as ações realizadas em grandes museus e bienais. Este acompanhamento pode ser percebido através de adaptações em relação aos horários de funcionamento, localização espacial, características arquitetônicas, formas de registro e contabilização de visitantes, estratégias de marketing, características da expografia, perfil dos trabalhos artísticos expostos, estratégias de ação educativa, produtos disponibilizados nas lojinhas, duração das exposições, etc. Neste sentido, podemos afirmar que o fenômeno da bienalização3 repercute a curto ou médio prazo nos espaços culturais distribuídos pelo globo. Paralelo ao crescimento do número de bienais, cresce o número de visitantes levados por grandes campanhas de marketing a estes megaeventos. Em comum entre as bienais, além dos números em expansão, estão os discursos selecionados para compor as mostras artísticas: • Ênfase às produções com caráter democrático e visão não hierarquizante entre público e artista; • Visibilidade e reconhecimento das identidades culturais periféricas e tradicionalmente excluídas; • Valorização, simultaneamente, da subjetividade e dos agrupamentos que constituem redes de trabalho; • Reconhecimento e respeito às particularidades culturais regionais. A maioria das bienais dispersas pelo mundo acompanha tais pressupostos, ao mesmo tempo em que luta bravamente para construir uma marca, uma 2 Pesquisas da UNESCO apontam que a maioria dos brasileiros nunca frequentou museus ou exposições de arte. Grande parte dos municípios não possui salas de cinema, teatro, museus e espaços culturais; ainda temos municípios sem biblioteca. (Maiores informações sobre estes dadospodem ser obtidas no site da UNESCO http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/culture-and-development/access-to-culture/ ). Acesso em 04 de junho de 2015. 3 O termo bienalização foi cunhado por Gerhard Haupt ao publicar na revista Art Nexus nº 53 (2004) o artigo “The Berlin Biennale: a model for anti-biennialization?" e faz referência ao significativo aumento no número de bienais internacionais de arte contemporânea nas duas últimas décadas, as estratégias mercadológica e turísticas envolvidas, assim como os discursos ideológicos veiculados nestes eventos. Disponível em https://www.artnexus.com/Notice_View.aspx?DocumentID=13784
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identidade específica que as distingua uma da outra a fim de torná-la única, competitiva e prestigiada, pois, em tempos de globalização, a singularidade de cada cultura, cada país, passa pelo capital simbólico que nele circula. O curador e crítico dinamarquês Simon Sheikh analisa as razões que levam à busca pela diferenciação: As bienais têm que marcar presença de forma diferenciada e específica, para poderem não apenas atingir hegemonia cultural, mas também usufruir renda de monopólio, tanto em termos de capital simbólico quanto de capital real. Por um lado, elas têm que se tornar reconhecíveis como possuindo um determinado formato, como um festival de arte, e, por outro lado, têm que ser específicas, esta bienal, não aquela outra. [...] A marca da bienal tem, portanto, duplo sentido. Em parte é a cidade, como atração e sedução, conferindo contexto e valor à bienal, e em parte é o glamour e o prestígio da marca da bienal, melhorando a imagem neutra ou até mesmo negativa de uma cidade, de uma região ou de um país. (SHEIKH, 2011).
Em meio às sucessivas bienais os discursos que aludem à democracia, periferia, trabalho em rede e particularidades regionais soam uníssonos e sem qualquer sombra de contradição. Arte, artistas, curadores, patrocinadores e público concordam: é preciso aceitar e conviver com as diferenças. Conviver com as diferenças é uma oportunidade de engrandecimento pessoal e coletivo. Que mal pode haver em algo tão edificante? Que tipo de desconforto pode existir quando a arte faz a mediação de um sujeito com outro sujeito, evidenciando a partilha e apaziguando as diferenças? Pensemos no desconforto atrelado à perda do estatuto da arte, àquilo que, na acepção gramsciana, diferencia a arte das demais manifestações culturais: sua capacidade de captar contradições, transitar entre os tempos, sugerir desconfiança diante do consenso. Sem estes elementos a arte não é mais arte, a arte se torna apenas mais um produto da cultura. Além desta questão, que nos parece fundamental, resta ainda a pergunta: apaziguar o quê? para quem? A quem interessa o apaziguamento? A fim de buscar possíveis respostas a estes questionamentos passemos à próxima questão: a vinculação entre educação e responsabilização social. Segundo Honorato (2007), pelo menos três importantes bienais tem sinalizado para uma redefinição da mediação educacional: Bienal do Mercosul, Documenta e Manifesta. Entre os discursos veiculados nos sites destes eventos há menções contundentes em relação ao papel do processo educativo: • 6ª Bienal do Mercosul: entende a educação como uma atividade artística e transformadora e advoga pelo título de bienal pedagógica; • Documenta 12: pretende que a educação apareça como advogada da arte e alternativa ao didatismo da academia e o fetichismo da mercadoria; • Manifesta 6 Scholl: propõe, em vez de uma exposição de arte, uma escola de arte. O projeto, porém, não chegou a ser realizado, resultando apenas numa coletânea de artigos. Nestas, e em outras bienais e museus, os programas de mediação têm passado por significativas modificações calcadas na defesa do uso social da produção cultural e na construção de uma visão de arte que promova a partilha de experiências entre as pessoas, num aparente progressismo cultural. Na visão de Honorato (2007), a suposta abertura destas instituições a todas as ideologias é uma forma disfarçada de controle cultural, “um instrumento para o crescimento sustentável de quem as professa” (HONORATO, 2007: 21). Ou seja, trata-se de uma abertura estratégica que diz ao sujeito que, diante de situações ambíguas ele não precisa, necessariamente, fazer escolhas, basta aceitar o pluralismo de valores.
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Nestes termos, diante de uma possível cooptação da mediação educacional, corremos o risco de nos deparar com uma ação neutralizada, mesmo diante das boas intenções do mediador. No lugar de oportunizar ao público o acesso a um bem cultural que colocará em xeque sua realidade, a mediação confirmará a posição de cada um: de uma lado o artista com suas convicções, do outro lado o público com suas convicções. E assim cada um seguirá seu caminho, pois o mundo é composto de diferenças e é preciso aprender a conviver com elas. Todavia, necessitamos ficar atentos para não incorrer em uma despolitização da mediação. Talvez seja oportuno nos perguntarmos: houve de fato uma troca? Evidentemente, essa reciprocidade nada tem a ver com a troca, como partilha formal de experiências – um mito prevalecente da mediação. Em sentido estruturante, como conformação das relações sociais e interpessoais pela lógica corporativa, sabemos que a troca suprime as possíveis singularidades, que por sua vez são reduzidas a coisas equivalentes, permutáveis entre si. Sob o regime da troca, porque ela desconhece a contradição como princípio vivificante, não é possível haver a potencialização recíproca das singularidades. (HONORATO, 2007: 121).
Não pretendemos, logicamente, propor uma abdicação da mediação educacional nos espaços culturais. Pelo contrário, acreditamos que a mesma seja indispensável no intuito não somente de facilitar o acesso, mas de oportunizar um acesso crítico aos bens culturais. Não obstante, concordamos com Honorato quando ele afirma que os educadores não podem ignorar que programas educativos podem ser lugares de disputas ideológicas. Somente o acesso frequente aliado ao aprimoramento da capacidade estética dos sujeitos vai oportunizar as condições necessárias para a formação de um público autônomo e capaz de inferir transformações na realidade. Se a arte nos aponta as contradições da realidade, é a educação que nos possibilita enxergá-las. Referências CHIN-TAO WU. Privatização da cultura - a intervenção corporativa nas artes desde os anos 80.Trad. Paulo Cezar Castanheira. Co-edição: Sesc e Boitempo Editorial, 2006. COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997. DUARTE, Newton. Formação do indivíduo, consciência e alienação: o ser humano na psicologia de a. N. Leontiev. Cad. Cedes, Campinas, vol. 24, n. 62, p. 44-63, abril 2004. EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. HONORATO, Cayo. Expondo a mediação educacional: questões sobre educação, arte contemporânea e política. Revista ARS.V.5. Nº9. São Paulo: 2007. HOFF, Monica. Curadoria pedagógica, metodologias artísticas, formação e permanência: a virada educativa da Bienal do Mercosul. IN HELGUERA, Pablo e HOFF, Monica (Org.). Pedagogia no Campo Expandido. Porto Alegre: Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, 2011. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do Lazer: uma introdução. 3ed. Campinas: Autores Associados, 2002. MARTINS, Luiz Renato. Entrevista concedida à Revista Permanente.V2, Nº 4. 2013. KONDER, Leandro. Os Marxistas e a Arte.2ª Ed. Coleção Arte e Sociedade. São Paulo: Expressão Popular, 2013. SHEIKH, Simon. Notas sobre a mediação cultural das finanças globais e sobre
Giovana Bianca Darolt Hillesheim
a produção de capital cultural global. Revista Eletrônica do Humboldt Institute. 2011. http://goethe.de/wis/bib/prj/hmb/the/156/pt8622843.html VERGARA, Luiz Guilherme. Espaços de mediações entre utopias – escrita e inscrições labirínticas de temporalidade.IN. ARANHA, Carmen; CANTON, Katia. Espaço da Mediação. I Simpósio Internacional Estratégias do Ensino da Arte Contemporânea em Museus e Instituições Culturais. São Paulo: EDUSP, 2011. VIGOTSKY, L. S. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Artigo recebido em novembro de 2015. Aprovado em abril de 2016
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UN BOTÍN DE ALFABETOS Y CATÁSTROFES
A propósito de los libros de Claudine Cohen, La Méthode de Zadig. La Trace, le fossile, la preuve (Paris, Seuil, 2011) y Science, libertinage et clandestinité à l‘aube des Lumières. Le transformisme de Telliamed (Paris, PUF, 2011).
I. PRIMERA LAGUNA No fue en Sicilia, no fue aquí I Los hombres dormían. Los niños cabeceaban. Las jóvenes muchachas conversaban y sus risas iban a la brisa única de la laguna. ...no fue aquí, no fue en Sicilia. La huella del pie de un niño que “paseó” con su madre antes que ella durmiera, fue lamida apenas por la espuma de los bordes... Los perros del anochecer, furiosos, se mordían. La misma brisa alza ahora la misma huella, la nervadura quejumbrosa de la reminiscencia como un paso en los sueños. Dos niñas en la arena del mar construyen su propio circo mínimo, allá, donde un botín de alfabetos y catástrofes parecen delatar: “Nosotros somos ese botín de alfabetos y catástrofes”. No es en Sicilia, no es aquí. |…| Las huellas de niños que paseaban con sus madres al atardecer están intactas todavía, como azúcar amarilla, como miel olvidada que un arqueólogo supo probar y fijar: o atender, como el pájaro de los Upanishads (mientras el otro pájaro gemelo no se contenta sólo con mirar...); él mira, calca la huella, le saca fotos la detiene en otra sospechosa memoria, ¿pero no es ése también el signo de la connivencia, de los amores, de las uniones caligráficas? Arturo Carrera, El vespertillo de las parcas; 1997
Irina Podgorny
En 1997, el poeta argentino Arturo Carrera publicaba El vespertillo de las parcas. En este largo poema, el carácter mítico de sus tías y sus recuerdos de infancia en las playas de Monte Hermoso se superponían con las pisadas humanas prehistóricas, recientemente descubiertas en las orillas del mar por el geólogo Ricardo González. Según los arqueólogos Gustavo Politis y Cristina Bayón, se trataba de las huellas dejadas hace siete mil años por un grupo de cazadores que llegaba a esta laguna de agua salobre, cercana al mar, donde se podían cazar lobos marinos, recoger rocas para confeccionar instrumentos o recolectar conchas de caracoles. “Las pisadas humanas de Monte Hermoso –decían Bayón y Politis- muestran que las orillas de la laguna eran recorridas por niños, jóvenes y, tal vez, mujeres que deambulaban sin una dirección definida. El hecho de que sólo este segmento de la población esté representado, es consistente con una actividad de recolección en las márgenes de la laguna para proveerse de los típicos recursos lacustres: plantas, aves, huevos y peces. Entre los cazadores-recolectores esa actividad la desempeñan, precisamente, mujeres y niños. Hasta ahora no se ha podido determinar el emplazamiento del campamento, aunque la gran cantidad de huellas de niño indica que este debía estar próximo pues en esas sociedades los niños no suelen alejarse solos a grandes distancias de la vivienda. Estas evidencias arqueológicas de la costa atlántica han permitido reconstruir algunos aspectos poco conocidos de las antiguas sociedades indígenas de la región pampeana.” Pero para Carrera –lejos de la seguridad inestable de las hipótesis científicas- las huellas marcaban la ausencia, la “sospechosa” memoria de la traza y de los medios inventados por la ciencia para evitar que el mar de la historia se las trague. O las tape, con las huellas de las generaciones futuras. Porque, a fin de cuentas, allí donde él y tantos otros niños habían corrido y seguirán corriendo, al lado de madres, tías y abuelas, se estaba componiendo ese “botín de alfabetos y catástrofes”, esos mundos del pasado que dejaron constancia de su existencia a través de estas frágiles improntas en la arena.Y con ello, con sutileza de poeta, Carrera reflexionaba, nada más y nada menos, sobre el problema del conocimiento del pasado, el tema que explora Claudine Cohen en El método de Zadig y en su Telliamed. En estos dos libros que es recomendable leer en conjunto, Cohen, investigadora y profesora en la EHESS de París, historiadora de las ciencias de la Tierra y de la Vida, directora del programa de investigación “Biología y Sociedad”, trabaja largamente sobre dos ejes: por un lado, el problema de la evidencia fragmentaria, elusiva, elidida, en la prehistoria y la paleontología (Zadig); por otro, cómo reflexionar sobre el pasado sin transformarlo en un antecedente de lo que va a venir pero sabiendo que pasado y presente se mezclan como las huellas de la playa de Carrera (Telliamed). En ambos –como en El Vespertillo de las Parcas-, la orilla es protagonista: no olvidemos que Telliamed, ou Entretiens d’un philosophe indien avec un missionnaire français, la obra clandestina –y anagrama- del diplomático francés Benoît de Maillet (1656-1738), propone que todos los seres proceden del mar y que todos los habitantes de la Tierra descienden de esos peces que salieron de las aguas. La orilla de lagos, lagunas, ríos y mares, el límite y articulación de dos mundos, ese borde donde caminaron animales, humanos y proto-humanos, representa, asimismo, la superficie donde la historia de los animales y de la humanidad se escribió con patas y pies. La estructura aparentemente simple que Claudine Cohen propone para leer el Telliamed se sustenta en una compleja red de lecturas que ponen en contexto esta obra que, antes de imprimirse en 1748, había circulado como copia manuscrita entre un circuito o comunidad de lectores que comulgaba con
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Un Botín De Alfabetos Y Catástrofes
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la visión no religiosa del autor. Claudine Cohen escapa de la tentación de ver en Benoît de Maillet a un antepasado de los pensadores transformistas del siglo XIX, pero despliega una enorme batería erudita para explicar el itinerario de ideas y prácticas que de Maillet puso en juego para explicar lo que sería conocido como el género de las “Teorías de la Tierra”. El materialismo antirreligioso de Benoît de Maillet y la hipótesis de la lenta regresión o reducción del mar se combinan con su intento de reconstruir la historia del mundo natural a partir de vestigios de carácter fragmentario, escasos, dispersos, incompletos, de esos tiempos profundos que, escapándose de la cronología bíblica, se están inventando precisamente en esos años. La última parte del libro se destina a la historia del manuscrito, cerrando el círculo que lleva de la reflexión acerca de cómo por pensar la historia de la vida de las épocas sin testigos humanos a los de la historia del siglo XVIII, sus textos y las huellas dejadas a conciencia como mensajes escritos para la posteridad. Los mismos problemas: circulación, datación, indicios incompletos, el centro y nudo que Claudine desarrolla en El método de Zadig, es decir, el procedimiento de reconocer el todo a partir de la traza, de las lagunas, de las huellas en la arena, quizás esas mismas que –parafraseando a Foucault del fin de Las palabras y las cosas- crearon la ilusión de la realidad del sujeto. ¿Qué son las huellas, las trazas a las que apela el método de Zadig? Más allá de las metáforas, tomadas como la marca literal, material sobre un sustrato del tipo que sea, la traza puede ser el vestigio fósil de algo pero también una impronta, una marca de algo que ya no está. Ambos, sea como presencia o como ausencia, constituyen las evidencias de la paleontología y la prehistoria. ¿Cómo se constituyó un saber a partir de la colección de estas huellas y, al revés, cómo fue que algunas cosas empezaron a transformarse en huellas, en evidencia de la historia y de la vida del pasado? Para resolver esas preguntas, Claudine Cohen armó el libro en tres partes: “Improntas y pistas” (en su doble sentido de circuitos y evidencia); “Pruebas y reconstitución”, “Falsificación y autenticidad”. En ellas, revisita algunos de los temas recurrentes en su obra pero ahora con énfasis en la historia de las pruebas utilizadas en estas disciplinas que, por supuesto, han ido modificándose según los sistemas de visualización y medios técnicos disponibles y las concepciones filosóficas en acción. De particular interés, por lo menos para esta lectora, resultan los capítulos sobre “Los pájaros de Hitchcock” (referido a la colección de huellas de “aves antidiluvianas” coleccionadas por Edward Hitchcock /1793-1864/ en Connecticut) y el dedicado al estudio de las huellas de uso en el instrumental lítico prehistórico desarrollado por el arqueólogo soviético Sergei Semenov en la década de 1950. Icnología, traceología son los nombres que adoptarán las nuevas disciplinas dedicadas al estudio de las huellas, tratando de identificar las realidades –pequeñas o enormes pero desconocidas- que les dieron forma. Microscopios, aparatos fotográficos, experimentaciones, darán origen a series de hechos observados y surgidos de estas constelaciones. La pregunta: ¿Es posible que las marcas dejadas en los materiales –piedra, arena, arenisca- puedan, como evoca el cuento de Zadig- remitir a una única cosa, a una fuente de origen? ¿Es posible que la marca nos lleve a la cosa en sí? Los prehistoriadores y los paleontólogos no solo han creído en ello sino que han llevado esa pregunta a los elementos constitutivos de la vida: el ADN. Como siempre, los libros de Claudine Cohen combinan densidad con gusto por la escritura, un particular cuidado por la selección de las imágenes y por las tradiciones científicas de ambos lados del Atlántico norte y a las lenguas de expresión de la ciencia – de las que curiosamente están ausentes el español y el portugués pero no el ruso ni el alemán.
Irina Podgorny
Volviendo a las huellas de Monte Hermoso después de leer las reflexiones sobre Zadig y Telliamed y sabiendo que, además de las tías del poeta de Coronel Pringles, por allí habían pasado, sin verlas, Charles Darwin y los hermanos Ameghino, uno no puede más que señalar uno de los argumentos principales de los libros de Claudine Cohen: la historia y la evolución, a fin de cuentas, no son más que la suma –o la colección no deliberada- de sucesos contingentes. Y con ello, de devela también el objetivo militante de estos libros: cuestionar la proliferación de las distintas posturas creacionistas que abundan en los Estados Unidos pero también alertar contra toda tentación de caer en el llamado “diseño inteligente”. Irina Podgorny Investigadora Principal del CONICET Museo de La Plata-Argentina https://arqueologialaplata.academia.edu/IrinaPodgorny Resenha recebida em janeiro de 2016. Aprovada em abril de 2016
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Comida 2012 Laura Lima
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LAURA LIMA Comida, 2012. Laura Lima e José Barattino Encontros de arte e gastronomia, MAM – SP. Curadoria Felipe Chaimovich e Laurent Suaudeau Fotos: Edouard Fraipont
Comida é uma ação realizada pela artista Laura Lima, em parceria com o chef de cozinha José Barattino. Ações, proposições, happenings, performances, ocupações estão entre as práticas poéticas da artista brasileira. Comida foi realizada dentro dos “Encontros de arte e gastronomia”, patrocinado pelo Museu de Arte de São Paulo, em 2012. Há muito a arte contemporânea abriu-se para experiências que comutam o visual com outros sentidos, do mesmo modo há algumas décadas artistas visuais tem se associado a diferentes profissionais para produzir seus trabalhos, que nem sempre são de fácil compreensão do público. De fato, a artista brasileira é uma das referências quando o assunto é associar práticas visuais e outros sentidos. Comida (2012), Gelatina (1996), Jantar mudo (1999) e Faisões com comida (2005) são obras distintas que lidam com o alimento enquanto matéria em trânsito, em transformação. Em especial Comida incorpora o arquivamento ao produzir alimentos que serão consumidos em 2042. Essa é a questão-provocação: cozinhar e empacotar a vácuo um jantar que será servido às 17 horas do dia 20 de setembro de 2042. Comida cria uma (im)possibilidade, uma promessa, portanto, uma suspensão temporal guiada pelo arquivamento. A obra (projetar, planejar, selecionar, cozinhar, embalar, guardar, servir, consumir etc.) foi doada ao MAM-SP. Desta forma o acervamento tornou-se chave na provocação da artista. A seu modo, Lima testa a longevidade da instituição, sua capacidade de avaliar, assimilar e salvaguardar a ação-produto. Testa, enfim, o sentido de “excepcionalidade” da obra de arte. Observadas de perto, as obras de Lima instigam as instituições. Polemica, ela frequentemente usa “seres vivos” para constituir suas obras. Desde a Vaca da montanha (1994), a artista enfrenta os desafios impostos pelas instituições museológicas, incluindo o público que as frequenta, diante de suas obras “vivas” como Galinhas de Gala (2004). Para história da Museologia brasileira sua obra é
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um marco ao ter sido a primeira artista a possuir, na falta de um termo melhor, uma “performance” comprada por um acervo museológico no final dos anos de 1990. Estas são questões peculiares de sua poética. Parte considerável de seu trabalho constitui em desafio para o sistema de registros, de exposições, de documentação, para os protocolos de arquivamento (coleções, acervos etc.) e classificação. Comida é uma dessas ações partilhadas que suspendem o entendimento de obra de arte e sua relação com as instituições museológicas. Emerson Dionisio Gomes de Oliveira Colaborador