Universidade de Brasília
Faculdade de Ciência da Informação
Museologia & Interdisciplinaridade Publicação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação - UnB
nº 5 Vol. 3, 2014 ISSN 2238-5436
Museologia & Interdisciplinaridade Publicação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação - UnB PPGCINF/FCI/ UnB
REITORIA DA UNIVERSIDADE DE
COMISSÃO EDITORIAL
BRASÍLIA
Ana Lúcia de Abreu Gomes
Ivan Marques de Toledo Camargo
Andrea Fernandes Considera Celina Kuniyoshi
DIRETORIA DA FACULDADE DE
Deborah Silva Santos
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Elizângela Carrijo
Elmira Luzia Melo Soares Simeão
Luciana Sepúlveda Köptcke Monique Batista Magaldi
COODENADORIA DA PÓS-
Silmara Küster de Paula Carvalho
GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
EDITOR-CHEFE
Dulce Maria Baptista
Lillian Maria Araújo de Rezende Alvares Emerson Dionisio Gomes de Oliveira
CONSELHO CONSULTIVO Cecília Helena L. de Salles Oliveira
SECRETARIA
James Counts Early
Martha Silva Araujo
Lena Vânia Pinheiro Ribeiro Lillian Alvares
PROJETO GRÁFICO/ EDITORAÇÃO
Luiz Antonio Cruz Souza
ELETRONICA
Marcus Granato
Núcleo de Editoração e Comunicação/FCI
Maria Célia Teixeira Moura Santos
Cláudia Neves Lopes
Maria Cristina Oliveira Bruno
Mayara Feliz Pierre
Maria Margaret Lopes Marília Xavier Cury Mario de Souza Chagas Mário Moutinho Myrian Sepúlveda dos Santos Renato Monteiro Athias Tereza Cristina Moletta Scheiner
CAPA Mabe Bethônico
Universidade de Brasília
Faculdade de Ciência da Informação
Museologia & Interdisciplinaridade Publicação do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação - UnB
nº 5,Vol. 3, 2014 ISSN 2238-5436
Correspondências e contribuições devem ser enviadas para: M u s e o l o g i a & I n t e r d i s c i p l i n a r i d a d e Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCInf) Faculdade de Ciência da Informação (FCI) Universidade de Brasília Edifício da Biblioteca Central (BCE) Entrada Leste, Mezanino, Sala 211 Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, Brasília CEP: 70910-900 E-mail: revistami@unb.br
Todos os direitos reservados A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei no 9.610).
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Museologia e interdisciplinaridade: publicação eletrônica do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Universidade de Brasília. Faculdade de Ciência da Informação. – v.3, n.5 (2014) – Brasília: UnB/FCI, 2014v. Semestral Resumo em português e inglês. Disponível no SEER: http://seer.bce.unb.br/index.php/museologia ISSN 2238-5436 1. Museologia. Patrimônio e memória. Artes Visuais. Antropologia. História. Interdisciplinaridade em Museologia. I. Universidade de Brasília. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Faculdade de Ciência da Informação. CDU: 069.01(051)
SUMÁRIO EDITORIAL
PÁGINA 09
DOSSIÊ: HISTÓRIAS, MICROPOLÍTICAS, CIÊNCIAS Apresentação Margaret Lopes e Luciana Sepúlveda Köptcke
Página 13
Sobre la constitución de los objetos e tnológicos en los inicios del Siglo XX. Museos, falsificaciones y ciencia Irina Podgorny
Página 21
Interseções necessárias: história, museologia e museus de ciências e tecnologia Maria Esther Alvarez Valente
Página 37
Museologia e Conhecimento, Conhecimento Museológico – uma perspectiva dentre muitas Marília Xavier Cury
Página 55
Lecciones “objetivadas” y museos escolares en la Argentina del Centenario Susana V. García
Página 75
Património Industrial e Museologia em Portugal Página 95 Ana Cardoso de Matos e Maria da Luz Sampaio Mediação em Museus de Ciências: Contribuições da Teoria Histórico-Cultural Alessandra Bizerra e Martha Marandino
Página 113
LA MEMORIA DE LOS MARGINADOS María Isabel Orellana Rivera
PÁGINA 131
MUSEUS CIENTÍFICOS E SUA RELAÇÃO COM A SAÚDE Luciana Sepúlveda Köptcke
PÁGINA 141
ARTIGOS RELAÇÃO ENTRE ÍNDICES DE PRESERVAÇÃO E DEGRADAÇÃO DE AMOSTRAS DE PAPEL EXPOSTAS A CONDIÇÕES NATURAIS Eduardo L. Kruger e Clara Landim Fritoli
PÁGINA 159
UNA LECTURA DE LA COLECCIÓN DE GRABADOS DEL MUSEO DE ARTE MODERNO DE BUENOS AIRES Silvia Dolinko
PÁGINA 171
A DOCUMENTAÇÃO MUSEOLÓGICA E OS NOVOS PARADIGMAS DA ARTE CONTEMPORÂNEA Mariana Estellita Lins Silva
PÁGINA 185
FORMAÇÃO EM MUSEOLOGIA NO BRASIL: ANÁLISE DA INFLUÊNCIA ACADÊMICO-INSTITUCIONAL Gabrielle Francinne Tanus, Carlos Alberto Ávila Araújo, Letícia Julião
PÁGINA 193
ENTRE A CASA E O MUSEU: ITINERÁRIOS DA PRODUÇÃO DA CRENÇA NO ACERVO DE CORA CORALINA Clovis Carvalho Britto
PÁGINA 207
O MUSEU DE ARTES VISUAIS DA UNICAMP, SUA COLEÇÃO PÁGINA 223 E SEUS OBJETIVOS Maria de Fátima Morethy Couto MUSEOLOGIA E BIOLOGIA: INTERLOCUÇÕES PÁGINA 233 DISCIPLINARES Josiane Kunzler, Manuelina Maria Duarte Cândido, Cristina Paragó Musmann RESENHA UMA COLEÇÃO PARA HISTORIA VISUAL BRASILEIRA Emerson Dionisio Gomes de Oliveira
PÁGINA 243
CAPA Mabe Bethônico
PÁGINA 247
EDITORIAL DIÁLOGOS: HISTÓRIAS, CIÊNCIAS E OUTRAS ARTES Lillian Maria Araújo de Rezende Alvares Emerson Dionisio Gomes de Oliveira Editores Nas últimas décadas, museus de diferentes geografias acolheram mudanças para se adequar às novas demandas de suas comunidades. A Museologia, neste mesmo período, foi impelida ao mesmo movimento: revisitar suas bases epistemológicas, estimular novas práticas, abrir-se ao diálogo árduo com uma rede de especialistas de dezenas de outras áreas de conhecimento e ampliar as instituições de ensino e de pesquisa. Os artigos reunidos na quinta edição de Museologia & Interdisciplinaridade expressam essas mudanças, conferindo às questões abordadas uma perspectiva investigativa e crítica. Margaret Lopes e Luciana Sepúlveda Köptcke foram solicitadas a organizar o segundo dossiê da revista: “Histórias, Micropolíticas, Ciências”. Gentilmente as duas renomadas convidadas acolheram trabalhos de nove pesquisadoras de quatro países. Todas mulheres. Uma constatação que poderia ser deixada ao canto para preservar a objetividade do discurso, mas que, aqui, nos orgulha e expressa diretamente parte da brilhante carreira de ambas. Além de uma seleção cuidadosa e criteriosa, as duas organizadoras nos oferecem um texto de apresentação que merece atenção do leitor, por sua clareza sobre as filigranas da prática museológica, das políticas historiadoras e da arte da narrativa. A Ciência, sua historicidade e suas operações são o elemento essencial dos textos de Irina Podgorny, Eduardo Kruger, Clara Landim Fritoli, Maria Esther Alvarez Valente, Josiane Kunzler, Manuelina Maria Duarte Cândido, Cristina Paragó Musmann, Alessandra Bizerra, Martha Marandino e Luciana Sepúlveda Köptcke. Os trabalhos de Marília Xavier Cury, Gabrielle Francinne Tanus, Carlos Alberto Ávila Araújo e Letícia Julião tomaram a Museologia como problema científico e ampliam a abordagem, historicamente contextualizada, da própria área de conhecimento que nos guia. As colaborações de Susana García, Ana Cardoso de Matos, Maria da Luz Sampaio, María Isabel Orellana Rivera e Clovis Carvalho Britto guiam-nos pelas tênues fronteiras da preservação, educação patrimonial e os jogos de memória; são textos que se alimentam de registros históricos e arqueológicos, interpretando-os. Para terminar, as artes visuais, novamente, ganham relevo nas discussões das pesquisadoras Silvia Dolinko, Mariana Estellita Lins Silva e Maria de Fátima Morethy Couto e na entrevista da artista Mabe Bethônico, cuja prática poética confere complexidade as operações de arquivamento e de musealização. De alguma forma, as quatro pesquisadoras esbarram na questão da documentação museológica e seus impactos para as narrativas da história da arte. Mesmo com elos possíveis, os trabalhos publicados na quinta edição comprovam a vocação de Museologia & Interdisciplinaridade: divulgar pesquisas que possam auxiliar direta e indiretamente a Museologia e sua privilegiada relação com a Ciência da Informação. Esperamos ampliar cada vez mais nosso diálogo e contribuir sempre para o avanço dessa área do conhecimento.
Nossos Pareceristas
A publicação de revista Museologia e Interdisciplinariedade não seria possível sem a constituição de um corpo de pareceristas que atuam como avaliadores dos trabalhos submetidos à Revista. Um trabalho coletivo que agrega pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. Pesquisadores que gentilmente colaboraram de maneira voluntária. Agradecemos nominalmente aos colegas que atenderam a nossa solicitação e tornaram-se parte integrante da história dessa jovem publicação:
Adriana Mortara Almeida (Instituto Butantan) Ana Lúcia de Abreu Gomes (UnB) Ana Maria Dalla Zen (UFRGS) Andréa Fernades Considera (UnB) Carlos Alberto Ávila Araujo (UFMG) Elizabete de Castro Mendonça (UFS) Fabíola Andreá Silva (MAE-USP) José Cláudio Alves de Oliveira (UFBA) José Neves Bittencourt (IPHAN/UFOP) Karla Estelita Godoy (UFF) Lillian Maria Araújo de Rezende Alvares (UnB) Luciana Sepúlveda Köptcke (Fiocruz) Luiz Antonio Cruz Souza (UFMG) Maria Júlia Estefânia Chelini (UnB) Maria Margaret Lopes (UnB/Unicamp) Monique Bastista Magaldi (UnB) Silmara Küster de Paula Carvalho (UnB) Suzana Cesar Gouveia Fernandes (Instituto Butantan) Thérèse Hofmann Gatti Rodrigues da Costa (UnB) Valdir José Morigi (UFRGS)
HISTÓRIAS, MICROPOLÍTICAS, CIÊNCIAS
Margaret Lopes1* Luciana Sepúlveda Köptcke2** “Ainda não nos achamos suficientemente inter”. Com ironia e franqueza Emerson Dionisio Gomes de Oliveira chamava atenção desde o primeiro editorial dessa publicação para os desafios que a Museologia contemporânea coloca. Esperando contribuir para as perspectivas que estão na base da Museologia & Interdisciplinaridade, esse dossiê, mais do que se preocupar com uma temática especifica, privilegia contribuições diversificadas, diferentes olhares, leituras variadas, perspectivas de análises múltiplas - nem sempre coincidentes - sobre os processos e espaços museológicos e as ciências, que no nosso entender são todas humanas. Os artigos apresentados nesse dossiê foram reunidos com o propósito de incentivar a ousadia para que as ciências museológicas ampliem suas fronteiras. Partilhem suas competências específicas com demais áreas disciplinares que cada vez mais nas últimas décadas têm inserido os museus, as práticas expográficas, os processos educacionais e comunicacionais museológicos em seus quadros conceituais como ressaltam diversos dos artigos desse dossiê. E porque ‘as coisas não têm paz’, como argumenta Cristina Bruno (2013) os textos aqui reunidos discutem a necessidade de se estabelecerem novos olhares que contemplem as micropolíticas institucionais e as políticas públicas conformadoras de culturas, que desde os últimos séculos se tornaram tecno-científicas. Os artigos consideram a centralidade de objetos: falsificados, copiados, vivos ou industriais nos processos e metodologias que tornam diversos agentes atores igualmente fundamentais dos processos museológicos. Ainda discutem identidades e memórias na busca de caminhos renovadores para a Museologia. Continua imprescindível - alerta Néstor García Canclini - conhecer e continuar discutindo as revisões de historiadores e museólogos. Mas lembra ainda, que a situação atual dos museus implica em outras disciplinas. Aos sociólogos e educadores os museus pedem que estudem seus públicos. Solicitam aos arquitetos que deixem suas marcas em edifícios e exposições. Nos especialistas em marketing e gestão depositam suas expectativas para ampliação de seus recursos. Como valorar lo que vienen aportando quienes provienen de fuera de la museología clásica? (García Canclini, 2010, p.132). Ainda que os estudos sejam locais ou nacionais, as perguntas que se colocam são internacionais. São perguntas intermídias, em um contexto em que a comunicação cultural cada vez mais ocorre nas redes e nuvens. As temáticas relacionadas aos museus, políticas de ciências, saúde, técnicas, indústrias ganharam um lugar maior nesse dossiê. Impossível de ser ocupado sem que sejam consideradas as dimensões pedagógicas, históricas, das me1* Professora convidada dos Programas de Pós-graduação de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, de Ciência da Informação da UnB, Brasil e de História da Ciência/Museologia da Universidade de Évora, CEHFCi, Portugal. 2 ** Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz de Brasília. Docente do PPGCINF –UNB. Fellow Scholar no Smtihsonian Institution.
Histórias, Micropolíticas, Ciências
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diações, inclusões e falsificações que conformam partes expressivas das diversas perspectivas dos conhecimentos museológicos. Com franqueza e sem ironia a História das ciências e tecnologias e as políticas orientaram a busca de contribuições para esse volume. Outros critérios: as mais variadas formações profissionais, pesquisadoras brasileiras e estrangeiras de diferentes lugares e áreas de conhecimento aparentemente díspares. Algumas especialistas, entre muitas outras e outros, mais próximas no Brasil e mais distantes no Chile, na Argentina e em Portugal, que puderam aceitar nosso convite e cujos trabalhos conhecemos, respeitamos e consideramos relevantes para serem divulgados. Reconhecemos com diversos autores interessados pela geografia das práticas científicas que em cada diferente sítio específico de conhecimento, práticas, discursos e objetos têm sido analisados sob diferentes quadros teóricos e diferentes tradições disciplinares têm sido construídas (Livingstone, 2003). Temas complexos, a exemplo ‘das conseqüências para a cidadania da violência política de Estado’ emergem das avaliações da proposta da Memória dos Marginalizados desenvolvida no Museo de la Educación Gabriela Mistral de Santiago do Chile. Protagonizando a ação de ‘segmentos aos quais em algum momento da história do Chile lhes foi negado o direito à memória’, o artigo de María Isabel Orellana Rivera se insere em uma tradição museológica que se consolidou particularmente em diversos países latino-americanos, como na Colombia, ‘em que a memória está atada ao mais espinhoso dos presentes’, como argumenta López Rosas (2010). María Isabel Orellana Rivera discorre sobre sua opção pela nova museologia crítica e participativa para ‘incorporar os relatos dos visitantes na produção do conhecimento que se gera no museu’. Ações que a auxiliam a abordar não tão novos temas, mas que possibilitam ‘otras miradas sobre nuestras colecciones y nuestra trama narrativa’. Tais concepções e práticas talvez possam apresentar pontos de contato com aquelas das propostas que caminham no sentido dos ‘museus em transição’ para os ‘museus emergentes’ com que Marília Xavier Cury, interessada na idéia de transição e apoiada em ampla literatura museológica, revisita definições centrais da Museologia, em seu artigo Museologia e conhecimento, conhecimento museológico. O artigo avança em suas proposições de que o museu se faz nas relações comunicacionais e problematiza as pesquisas ações desenvolvidas em conjunto com comunidades indígenas no Museu Histórico Pedagógico Índia Vanuíre, de Tupã no interior de São Paulo – que só por sua denominação nos propõe desafios históricos, educacionais, antropológicos, de cidadania e de relações de gênero. Em defesa das memórias e identidades circunstanciais, Marília Cury se insurge contra a literatura tradicional que nos legou visões sobre os museus do século XIX apenas como sustentáculos de idéias de nações, há muito desmistificadas, embora continuem presentes em muitos discursos. Diversos estudos questionaram também essas visões dos emblemáticos museus nacionais como representação e construção de identidades, explicitados em uma frase brilhante de Luis Fernando Duarte reproduzida por Jaime Aranha (2010, p. 6):‘comunidades imaginadas como dupla articulação de nação naturalizada e natureza nacionalizada’. Como já reafirmou Irina Podgorny (2014), também em seu artigo Sobre la constitución de los objetos etnológicos en los inicios del Siglo XX: Museos, falsificaciones y ciencia não mais há lugar para o positivismo, o nacionalismo, a construção da nação, da periferia ou da identidade. Aqui também, a autora propõe ‘un modelo menos heroico, menos sufriente, menos glorioso, bastante más gris pero abundante en esas pequeñeces que rigen los debates más sublimes’. Entre essas pequeñeces, objetos inusitados, temáticas pouco familiares às nossas reflexões sobre os museus de ciências, propostas expográficas, desafios
Margaret Lopes, Luciana Sepúlveda Köptcke
ainda atuais dos trabalhos de campo afloram do texto de Irina Podgorny. Para autora as coleções dos museus se colocam como cruciais a luz de discussões atuais sobre a História das ciências e tecnologias. Objetos inusitados são os armários e os manuais sobre falsificações que proliferaram no início do século XX. Os manuais retroalimentando a circulação de objetos arqueológicos e etnográficos, no comércio, no turismo, nos laboratórios de criminalística nos museus europeus ou latino-americanos: ‘al señalar los caracteres indiciarios de una falsificación y los métodos para descubrirla, daban también la receta para mejorarla’, argumenta Irina Podgorny.A expografia de vitrines especiais de peças falsas organizadas nos museus atuava como poderosos testemunhos do engano e advertência aos incautos. As falsificações e/ou cópias e os critérios para definí-las nunca foram privilégio apenas dos museus de arte. Incentivando a nos determos nos detalhes dessas abordagens teórico metodológicas, Dominique Poulot (2013) também sugere recolocar os objetos no centro dos significados e valores a se investigar nos museus. Mesmo se chegados ao azar, a conservação de quaisquer objetos reflete circunstâncias fortuitas a serem investigadas simetricamente a escolhas políticas mais ou menos planejadas de diferentes atores (Lopes, 2008). Tratá-los como fronteiriços, como objetos que assumem diferentes significados em diferentes culturas privilegiando suas interações sociais ou historicizá-los pode significar como sugere Lorraine Daston em muitos de seus trabalhos, estratégias instigantes para o questionamento das visões que por longo tempo, por considerarem os objetos científicos como inexoráveis e universais como a própria natureza, narraram a história desses objetos – a história da ciência – também como inexorável e universal. As novas abordagens da História das ciências desde meados dos anos de 1980 (Secord, 2004), fizeram os museus retornarem a cena de seus quadros conceituais. Muitos desses estudos inovadores como privilegiam, por exemplo, os textos do Colecionismos de Margaret Lopes e Alda Heizer (2011) ou do Museos al Detalle de Irina Podgorny e Miruan Achin (2014), se apoiaram na literatura emergente sobre o colecionismo e circulação e formas de conhecimento onde a microhistória e a micropolítica institucional jogavam papéis fundamentais (Bennet, 1995). Incorporando perspectivas trazidas pelo artigo de Irina Podgorny, o ‘museu emergente’ pode vir a se constituir, ‘enfaticamente determinado pelas transformações recentes e em vias de acontecer (esperamos) nas Ciências Sociais’, e se Marília Cury nos permite ampliar suas formulações, nas ciências e tecnologias como um todo. Há alguns anos Dominique Pestre - historiador das ciências também mencionado em outro texto por Maria Esther Valente em suas ‘Interseções necessárias: história, museologia e museus de ciências e tecnologia’ – destacava em uma análise das ciências na sociedade e da sociedade nas ciências que: ‘Os grandes sistemas do final do século XIX à maioria da tecno-ciência do século XX abragem toda a química e a farmácia, a bio e eletro tecnologias, a análise de sistemas, os sistemas computacionais etc… Mudanças que transformaram o terreno científico. O sistema universitário e suas disciplinas bem estabelecidas perderam centralidade. Interdisciplinaridade, adaptação rápida e capital especulativo viraram atores principais nos negócios da ciência’ que se ampliaram para incorporar controversas novas ‘parcerias’ entre públicos, organizações sem fins lucrativos e iniciativas privadas (Pestre, 2007, p. 57 - 59). Nesses novos sistemas a preocupação com a ordem característica do XIX, expressa nas coleções e arranjos de museus, há muito desapareceu, nos termos de Simon Knell (1999). Como afirma Esther Valente em sua análise sobre as contribuições da História das Ciências e Tecnologia para a reflexão sobre
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Histórias, Micropolíticas, Ciências
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os museus, ‘outros olhares sobre diferentes objetos de investigação jogam luz sobre o que parece invisível. Novos estudos conduzem à reconsideração dos projetos e práticas das instituições, inter-relacionando-os a circunstâncias políticas, econômicas e sociais, (pessoais, ocasionais, acrescentaríamos) que promovem mudanças relativas à suas funções, perfil e missão’. E citando Cristina Bruno, avança: o questionamento da complexidade dos museus de ciências pode levar a compreender melhor como as ciências se reposicionam no tempo em relação à economia, à cultura e aos espaços de produção intelectual e de difusão. A ‘convivência de museus de diversos tempos na contemporaneidade’ outra contribuição de validade ‘atemporal’ de Cristina Bruno (1993) é de um valor inestimável para o entendimento de diversas concepções e propostas de micro e macro políticas museológicas e de ciências e tecnologias contemporâneas. Como argumentam Lorraine Daston e Peter Galison (2007) em suas nas análises sobre os ‘working objects’ das ciências, os modos com que os cientistas concebem e apresentam visualmente os objetos de suas pesquisas refletem suas concepções epistemológicas implícitas. Em sua capacidade de transformar radicalmente um mundo que diluí suas fronteiras ‘naturais e humanas’, que a tecno-ciência industrial tem agora, torna-se fundamental nos familiarizarmos com trajetórias de museus de ciências, tecnologias e indústrias. O artigo de Ana Cardoso de Matos e Maria da Luz Sampaio Património Industrial e Museologia em Portugal vai muito além da avaliação do quadro português. Retomando amplo panorama histórico, o artigo problematiza uma reflexão sobre o processo de desindustrialização das cidades europeias e reconversão de áreas industriais em megaprojetos urbanísticos ou mais frequentemente ‘fazendo tábua rasa das identidades dos lugares’ como já sugeriu Alice Semedo e colaboradores (2003, p. 5). Mesmo ‘reféns das suas instalações e das próprias máquinas, reluzentes ou enferrujadas’ como destacam as autoras, tais espaços que exigem novos processos educativos, abrem inúmeras perspectivas para se considerar as mudanças de regulação relacionadas às tecnociências industriais, sobre as quais a participação e o controle de novos agentes não necessariamente especialistas passam a ser exigidos como justos e legítimos, normais e necessários (Pestre, p.63). Explorando um outro tipo de historicidade de processos industriais, Susana García em suas Lecciones “objetivadas” y museos escolares en la Argentina del Centenario discute nos detalhes de diversos projetos de museus escolares e pedagógicos na Argentina das primeiras décadas do século XX como as ‘colecciones de los museos del sistema educativo testimoniaron el extraordinario desarrollo de la industria escolar durante ese período’. Em abordagem inserida nos estudos das Histórias das ciências, o artigo mobiliza nas diferentes propostas em análise, desde casas de materiais didáticos a ministros da Guerra, aficcionados e professoras a deputados socialistas, circulando entre exposições de “muñecos” y figuras en cera, cópias de antiguidades e esqueletos fósseis. As Lecciones “objetivadas” problematizam a partir da análise da materialidade e dos questionamentos constantes das exposições, os ‘múltiples modos de ver e interpretar de los visitantes’. Enfrentando esse desafio de que fala Susana Garcia - ‘talvez os aspectos mais difíceis e controvertidos ao se analisar a história dos museus’ - os modos de ver também são discutidos a partir das teorias psico-pedagógicas da teoria histórico-cultural no artigo Mediação em Museus de Ciências. Alessandra Bizerra e Martha Marandino em suas análises sobre a visitação familiar do Museu Biológico do Instituto Butantan, suscitam discussões que vão além dos próprios
Margaret Lopes, Luciana Sepúlveda Köptcke
conceitos utilizados. Há um mundo invisibilizado, para utilizarmos a abordagem de Manuel Franco-Avellaneda (2013) em que apenas os estágios finais das ‘cadeias de produção’, são disponíveis para os públicos. No caso, etiquetas a serem re-criadas nas ‘zonas de desenvolvimento proximal’, ou os inúmeros processos tecno-científicos envolvidos nas não menos complexas e atualíssimas polêmicas sobre situações de conservação de organismos vivos em cativeiros. Se a História, as políticas, as ciências e tecnologias estão presentes de uma forma ou de outra nos textos desse dossiê, emergiram com força no artigo de Luciana Sepúlveda Köptcke. O artigo Museus científicos e sua relação com a saúde, socializando as etapas de uma pesquisa em andamento, já analisa levantamentos exploratórios, que evidenciam o potencial das relações pouco trabalhadas ainda no Brasil das mais diversas práticas museológicas e da saúde em seu sentido mais pleno. O artigo ainda articula diversos dos atores centrais que hoje compõem o quadro complexo das relações das políticas públicas de cultura e saúde, envolvendo as diferentes políticas e práticas de instâncias de governos, gestores, especialistas de conhecimentos, públicos. Mais do que tratar de saúde e museus científicos o artigo de Luciana Sepúlveda Köptcke alerta e propõe uma postura de entendimento inclusive para as definições de museus em loci formuladores de políticas públicas. Abrangentes, ‘as definições devem ser compreendidas não só como reflexos de projetos políticos ou como marcadores de mudanças no âmbito da gestão, mas como resultados de processos de disputa simbólica onde se enfrentam usos e expectativas sociais construídos historicamente’. Como lembram Irina Podgorny e Margaret Lopes (2013), há que se considerar que em todas as instituições, portanto nos museus também, as contingências dos acontecimentos mais do que as macropolíticas regem as políticas de poder das relações construídas nos contextos específicos das próprias instituições. A incorporação dos agentes humanos e não humanos e um conjunto de acontecimentos e circunstâncias que sustentam seus êxitos e fracassos constituem ainda desafios para as novas gerações pensarem histórias de museus, micro e macropolíticas, ciências e tecnologias. Últimos comentários Foram vários os nossos prazeres na organização desse dossiê. Receber a confiança de primeira hora dos editores incansáveis da Museologia e Interdisciplinaridade Emerson Dionisio Gomes de Oliveira e Lillian Maria Araújo de Rezende Alvares. Partilhar sua elaboração entre nós duas, as organizadoras do dossiê. E mais, uma enorme satisfação renovada à chegada de cada novo artigo: constatar o quanto a literatura museológica internacional e nacional se ampliou enormemente nas últimas décadas. A diversidade de autores referenciados em cada artigo, que praticamente não se repetem, é uma pequena e parcial amostragem desse imenso volume de produção, que hoje caracteriza a interdisciplinaridade dos estudos museológicos, embora “ainda não nos achemos suficientemente inter”. Nossos agradecimentos a todas e todos que colaboraram para a concretização desse dossiê. Estamos certas de que o site da Museologia e Interdisciplinaridade continua aberto à colaboração das e dos colegas que não puderam enviar seus artigos em tempo.
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Histórias, Micropolíticas, Ciências
Referências
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Margaret Lopes, Luciana Sepúlveda Köptcke
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SOBRE LA CONSTITUCIÓN DE LOS OBJETOS ETNOLÓGICOS EN LOS INICIOS DEL SIGLO XX: MUSEOS, FALSIFICACIONES Y CIENCIA
Irina Podgorny1*
ResumEM: Este trabajo analiza algunos aspectos de las falsificaciones en relación al espacio de la colección y del museo y la conformación del saber etnológico de inicios del siglo XX. Primeramente, se dedica a la autoridad de los objetos como testimonio o evidencia y a la distinción entre las piezas verdaderas y falsas en los museos en la época de delimitación de una “geografía de la autenticidad”. La falsificación, puede afirmarse, genera un saber cruzado por las formas de la pericia policial, la crítica de los testimonios y las colecciones. Finalmente, nos referiremos a una controvertida “falsificación arqueológica” en los museos argentinos de la década de 1930.
Abstract: This paper analyzes some aspects connected to archaeological and ethnological fakes incorporated into the museum collections. In that sense, it explores how the study and the controversies over fkes and falsehood shaped ethnological knowledge and the way of dealing with the materiality of the objects. The last part of the paper is devoted to a particular episode: the pottery found in the 1930s in Arroyo Leyes, Santa Fe, Argentina.
Key-words: Fakes. Archaeology. Argentina. 19th Century.
PalaBras-CLaves: Falsificaciones. Arqueología. Arroyo leyes. Siglo XX.
1 * Archivo Histórico y Fotográfico na Facultad de Ciencias Naturales y Museo da Universidad Nacional de la Plata/ Consejo Nacional de In-vestigaciones Científicas y Técnicas.
Sobre la Constitución de los Objetos Etnológicos en los Inicios del Siglo XX: Museos, Falsificaciones y Ciencia
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En 1907, la Sociedad Etnológica de Berlín publicaba un corto informe de Richard Andrée (1835-1912) sobre su visita a los talleres de pulido de piedras semipreciosas de Idar-Oberstein (RICHARD, 1907, p. 943), entre los que se contaban los de la familia Wild, establecidos en 1840, cuyos miembros se habían perfeccionado como orfebres en Hannover y San Petersburgo. Desde 1850 el artesanado joyero de Idar-Oberstein se había expandido, comprando materias primas y vendiendo productos en distintas partes de mundo. Reemplazaron las piedras locales con otras llegadas del Brasil, el Índico y Australia y participaron en las exposiciones universales de Filadelfia (1876), Sydney (1879) y Melbourne (1880, donde los Wild obtuvieron varios premios. Rápidamente la joyería de Idar, encontró buena comercialización en Europa y en América. Para 1907, cada rama de los Wild se había especializado en alguna materia prima exótica, como las perlas o el jade verde de Nueva Zelanda, objetos con los que incrementaron el comercio, a través de representantes en París, Birmingham y Glasgow. Andrée se concentró en las réplicas en jade verde de armas, tikis, meres y otras piezas maoríes, vendidas en la calle principal de la ciudad. No se trataba de imitaciones secretas, muy por el contrario, el fabricante se exhibía orgulloso, así como su trabajo basado en modelos verdaderos. Para Richard (1907), editor de la popular revista Globus, la industria de Idar, más que una manifestación genuina de la historia del Siglo XIX, revelaba algo peculiar: si bien no había intenciones fraudulentas, estos objetos eran encargos ingleses que luego iban hacia Nueva Zelanda para ser vendidos como elementos de la “verdadera cultura maorí”. El comercio y el turismo, probablemente, los haría regresar a Alemania, donde se los podría volver a observar en las vitrinas de los museos etnográficos. El circuito era el siguiente: los Wild recibían los nódulos de jade a través de Inglaterra o Nueva Zelanda. De allí llegaban también los patrones, algunos en piedra, otros en madera. Para Richard (1907), las copias de Idar no se distinguían en nada de estos prototipos, por lo que resumía: el material es verdadero, las formas, exactamente como las originales, el pulido, igual de bello. ¿Qué valor tenían esos objetos para la etnología del siglo que se iniciaba? El informe de Richard (1907) constituye un tópico de la literatura etnológica y arqueológica del cambio de siglo, expresando una preocupación nacional y denunciando los casos locales. En distintas ciudades del mundo, allí donde hubiera un museo, colecciones y sociedades eruditas o un corresponsal, se alertaba: “cuidado con incorporar imitaciones en las colecciones de nuestros museos” (BATRES, [19--?], EDGE-PARTINGTON, 1909; 1910; LEHMANN-NISTCHE, 1905; MUNRO, 1905; OLDMAN, 1910). Los manuales para distinguir lo verdadero de lo falso proliferaron al ritmo de la fabricación y el consumo de objetos exóticos en la ciudad moderna. Si bien los especialistas creían contar con más herramientas para distinguir lo genuino de lo apócrifo, todos, aficionados y profesionales, compartían la obsesión por “la cosa real y auténtica” (cf. GUMBRECHT, 1997; ORVELL, 1989), como sinónimo de un objeto representativo de una cultura congelada en un momento histórico, y la paradoja creada por ese mismo requisito. En efecto, cuanto más raro, el objeto adquiriría mayor valor científico y comercial, pero asimismo, llegaba a los límites de lo sospechoso. Así, el etnólogo alemán Graebner (1940, p. 25) diría: “La fantasía creadora opera más desenfrenadamente, como es natural, allí donde se trata de echar al mercado tipos completamente nuevos de regiones poco conocidas”. Por otro lado, los objetos exóticos, una vez reconocidas sus técnicas de elaboración, podían ser sometidos al proceso de producción seriada. En ese proceso, como decía Richard (1907), forma, materia y técnicas eran verdaderas, pero el objeto resultante, una “copia,”
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perdiendo valor como pieza de museo. Este trabajo analiza algunos aspectos de las falsificaciones en relación al espacio de la colección y del museo y la conformación del saber etnológico de inicios del siglo XX. Primeramente, se dedica a la autoridad de los objetos como testimonio o evidencia y a la distinción entre las piezas verdaderas y falsas en los museos en la época de delimitación de una “geografía de la autenticidad” (GUMBRECHT, 1997). La falsificación, puede afirmarse, genera un saber cruzado por las formas de la pericia policial, la crítica de los testimonios y las colecciones. Finalmente, nos referiremos a una controvertida “falsificación arqueológica” en los museos argentinos de la década de 1930. La autoridad de las piedras en las humanas y divinas Letras A principios del Siglo XX se trataría de hacer hablar a las piedras y objetos despojados de signos descifrables. Los objetos prehistóricos o etnológicos serían definidos por su “carácter inmediato”: comprobada su autenticidad, podían constituirse en el testimonio directo de sí mismos, es decir un seguro comprobante objetivo, cuando menos de la existencia del fenómeno cultural que representa en el lugar y tiempo que pertenece. Un interrogante puede solamente formularse respecto de si el objeto que pretende ser testimonio directo lo es o no lo es. En otras palabras: ¿el objeto, es auténtico o es una imitación, una falsificación? (GRAEBNER, 1940, p. 16).
Los hechos etnológicos de principio del Siglo XIX resultarían de un testimonio colocado en el mero objeto, índice de la existencia de otra cultura. A diferencia de las relaciones, donde “los hechos siempre han pasado a través de un espíritu humano, por lo menos” (GRAEBNER, 1940, p. 15), el objeto llegaba sin mediaciones, trayendo al museo el testimonio de la vida de los pueblos de otros espacios y tiempos. Si los “hechos” científicos resultan de ciertas convenciones (SHAPIN; SCHAFFER, 1985), la pregunta por la autenticidad de las cosas se tornaría el mecanismo para definir el “testimonio directo” del objeto etnológico del Siglo XX. Retomando una preocupación de los curadores de los museos y de los turistas del tardío siglo XIX, los etnólogos debieron cimentar su autoridad y erigirse en los únicos capacitados en ejercer la crítica de las fuentes. Por eso, la “falsificación” fue percibida como una amenaza a la misma credibilidad de esta disciplina que, a fines del siglo XIX, quería consolidar su carácter científico. El problema de cómo distinguir las falsificaciones se había planteado antes en los círculos de la industria de alimentos y en relación a la circulación de la moneda. El fin de siglo XIX y los inicios del XX presencian la proliferación de manuales sobre falsificaciones referidas a los productos alimenticios, las bebidas alcohólicas, los remedios, el café, el té, el chocolate y las especias. Los análisis químicos y físicos de los componentes del producto “real” mostraban el camino a seguir. Estos manuales generales trataban también las falsificaciones de objetos de arte. Se trataban de iniciativas individuales, donde el Estado no intervenía y donde la solución del problema permanecía en el círculo de los damnificados. Por ello, a mitad del siglo XX, puede decirse: “lo más notable en la historia de las falsificaciones, que es poco menos que infinita, resulta el tiempo que hubo de transcurrir hasta que la policía les hiciera frente con todo el poder de que está dotada” (MENDAZ 1959, p. 19). En 1932, A. Vayson de Pradenne, ingeniero de minas y antiguo presidente de la Société Préhistorique Française, presentaba los fraudes más notorios en el marco de la arqueología prehistórica, repitiendo una serie conocida por otros
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estudiosos (Mortillet, Munro y Eudel): “Flint Jack” en las islas británicas (18411862); las antigüedades lacustres de Concise (1859); la mandíbula de Moulin-Quignon (1863-64…); los huesos grabados de las grutas del Chaffaud (1863-5); el oso y el zorro de Thayngen (1873-7); la era del hueso en Pollina (1880-5); la edad del cuerno en Suiza (1882-7); los sílex de Breonio y el hacha de Cumarola, Italia (1881-1906); la tiara de Saïtapharnès (1896-1903). Las noticias de estos fraudes circulaban internacionalmente a través de los periódicos: los diarios de La Plata publicaban crónicas de los tribunales de Friburgo sobre “un fraude que va a echar por tierra muchas teorías arqueológicas”, refiriéndose al descubrimiento del hombre neolítico de la “edad del cuerno” de los palafitos de los lagos suizos. Estas noticias transmitían, además, la burla hacia los “harto crédulos sabios”, autores de “ingeniosas verdades que corren como verdades de a puño por todos los libros de ciencia del mundo”, subrayando que en lo futuro habría que escuchar “con desconfianza las interesantes conferencias de D. Juan Vilanova”2. Estos fraudes mostraban la fragilidad de la evidencia: los museos europeos habían comprado falsos cacharros mexicanos, joyería colombiana prehistórica hecha en París, ídolos hawaianos fabricados en China. Consumidos con cierta inocencia por los sabios, conducían a gastos inservibles, como el del museo de Berlín, que había gastado “13000 duros en cacharrería moabita de un par de años de antigüedad” (FALSOS…, 1888). La creación de nuevos tipos cerámicos y de nuevas culturas podía resultar del trabajo del arqueólogo pero también de las artes de un falsificador. La falsificación era un problema complejo y hacía dudar de la legitimidad de algunas disciplinas y saberes. En el marco del surgimiento y la consolidación de la prehistoria, Mortillet (1885, p. 525) recordaba que los móviles de las falsificaciones podían ser varios: el deseo de vender y hacer ganancia; el amor propio ligado al descubrimiento y publicación de algo notoriamente novedoso; el orgullo nacional o local vinculado a la posesión de algo notorio; los prejuicios religiosos y filosóficos; “la vendetta” contra alguien cuyo prestigio se quiere arruinar y, finalmente, el puro placer o amor por la mistificación. Peor lejos de ser algo que ocurre por fuera de la práctica de las ciencias, muchos arqueólogos participaron de las mismas. Pero en casi todos los países se repetía el fenómeno de Idar-Oberstein: el emporio de la falsificación se concentraba en algunas zonas y barrios, que reunían dinastías de artesanos. En México, desde el Siglo XVII hasta mediados del XIX las antigüedades mexicanas procedían de Tlatelolco, un barrio de la ciudad capital, especializado en alfarería negra, copia de la de los antiguos aztecas3. Oaxaca era la fuente de ídolos zapotecas y el pueblo de San Sebastián de vasos teotihuacanos. A partir de 1830 se incorporaron falsificaciones en alabastro italiano y en huesos humanos tomados de los osarios de la ciudad, donde se grababan signos copiados de las piezas exhibidas en el Museo Nacional de México (BATRES, [19--?], p. 9). Muchos falsificadores entraron al mercado legal del turismo declarando que sus piezas eran falsas y vendiéndolas como manifiesta imitación. Batres relata el caso de los alfareros de San Sebastián de Teotihuacan, quienes al realizar sus producciones, advierten al comprador que ellos la han hecho.Antiguamente estos mismos hicieron pasar por buenas las 2 Sobre Vilanova, ver Pelayo López e Gozalo Gutiérrez (2012). 3 Batres ([19--¿], p. 24) destacaba que las falsificaciones se originaron por la demanda de jarros y figuras de barro usadas por los indianos y que los españoles remitían a sus amigos y familias. A raíz de ello, los conquistadores obligaron a los indios alfareros del barrio de Tlatelolco a que fabricasen ollas rodeadas de dioses, jarras con las asas de serpiente, esculturas humanas sentadas. Esas alfarerías estaban determinadas por la forma europea, “no teniendo de indio más que alguna que otra aplicación moldeada en originales”. Según el mismo Batres, esta industria perduró en Tlatelolco hasta 1860, cuando empezó a desaparecer esta parcialidad india y a transformarse en un barrio de México habitado por mestizos y europeos.
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piezas de su fábrica pero los convencía de que hacían mal en engañar y que les tenía más en cuenta ofrecer sus piezas como una industria de la localidad (BATRES, [19--?], p. 14).
Esta información revela también la novedad del problema: en 1830 los coleccionistas europeos y estadounidenses señalaban que en México el fenómeno de la falsificación todavía no se había desarrollado (FRANCK, 1831). Paradójicamente, los manuales sobre falsificaciones crearon una literatura que se reproducía y copiaba a sí misma, relatando los mismos casos y, en todo caso, sumando los nuevos o abundando en aquellos específicos de la zona de donde era oriundo el desmitificador (BATRES, [19--?], MUNRO, 1905,VAYSON DE PRADENNE, 1932). Los manuales retroalimentaban el circuito que iba de lo verdadero a lo falso y viceversa: al señalar los caracteres indiciarios de una falsificación y los métodos para descubrirla, daban también la receta para mejorarla. La química y la física al alcance de la policía y del burgués medio, incluía al falsificador. La pregunta acerca de cómo distinguir lo falso daba también la respuesta a cómo lograr falsificaciones cada vez más sofisticadas: las fórmulas químicas también servían como detalladas recetas. Si estas fueron usadas por los falsificadores, queda por probarse: los autores de los mismos descansaban demasiado en la certeza de moverse círculo que no se cruzaban. En efecto, todos comparten el tópico de la desconfianza hacia el obrero que se aprovecha de los descuidos del “profesor” (EUDEL, 1884; SIEGFRIED, 1927; MUNRO, 1905; PODGORNY, 2013). A muchos falsificadores, los perseguía el estigma del alcohol y su origen proletario (BATRES, [19--?]; MUNRO, 1905). Sin embargo, la relación entre falsificadores y profesionales no se agotaba en los manuales: Batres ([19--?], p. 6) varias veces empleó a los artífices oaxaqueños que estafaban a los profesores de la Universidad de Columbia y del Museo de Historia Natural de Nueva York para ejecutar dibujos de las copias de monolitos. Munro (1905) también recuerda que el famoso “Flint Jack” dio clases y demostraciones de tallado del sílex a la usanza prehistórica ante varias sociedades de anticuarios británicos. Por el lado de los copistas, los dibujantes empleados por los arqueólogos profesionales aprovechaban el conocimiento y habilidades adquiridas en el manejo de los originales para lanzar al mercado un objeto producido por sus manos. Batres denunciaba, por ejemplo, al dibujante empleado para copiar las láminas de la obra histórica de Sahagún que en Europa daba golpes certeros con copias espurias de las mismas (BATRES, [19--?], p. 14). El problema era universal: franceses, ingleses y alemanes compartían la posibilidad de ser estafados por los obreros. Las exposiciones universales no solo promovían los modelos y las materias primas, paralelamente exhibían, en sus secciones científicas, series de piezas destinadas a poner en guardia a los aficionados y a los directores de museos. Entre las exposiciones que tomaron estas medidas se cuenta la de París de 1878, donde Ernest Hamy, conservador de la exposición Etnográfica del Trocadero y promotor del museo (DIAS, 1991), instaló armarios especiales piezas falsas para que el público las estudiara de cerca (BATRES, [19--?]; EUDEL, 1884). Los museos siguieron esta costumbre y, desde ciudad de México a Graz, conservaron y exhibieron las piezas “falsas” adquiridas o donadas como pudoroso testimonio del engaño y advertencia para los inexpertos. Asimismo, los datos de los manuales para alertar sobre el tráfico de falsificaciones se usaron en la literatura etnológica: Batres y Graebner recurrirían a la traducción de la segunda edición de Eudel, donde, a su vez, se habían recopilado los testimonios de los prehistoriadores y curadores de algunos de los museos franceses de la época. A pesar de las incontables falsificaciones, se concluía que en la etnografía como
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en la prehistoria las falsificaciones no eran de preocupar (cf. GRAEBNER, 1940; SIEGFRIED, 1927). En etnología, los centros principales de falsificación remitían a los dominios de la arqueología de las altas culturas asiáticas y americanas (GRAEBNER, 1940, p. 17), donde se podían obtener beneficios económicos. A pesar de ello, en 1927, el Laboratorio Criminalista de la Dirección de Policía de Viena realizaba una encuesta entre prehistoriadotes, etnógrafos, geólogos y expertos en mineralogía, tecnólogos, físicos y químicos; las falsificaciones de objetos prehistóricos, aunque muy frecuentes, no habían merecido estudios por parte de los profesionales, a pesar de merecer más de una monografía criminalista. Sin embargo, la literatura criminalista carecía de trabajos teóricos o casuísticos sobre falsificaciones de objetos prehistóricos. Las encuestas arrojabas resultados contradictorios: los prehistoriadores y curadores de los museos vieneses confiaban en su experiencia de observación como garantía absoluta para impedir el engaño. Apelaban a la química y a las recetas dadas por Eudel y otros manuales ya aparecidos como el de Neuburger (1998). Pero en los laboratorios dudaban, aportando una mayor sutileza sobre la variabilidad humana que los humanistas: un análisis químico podía dar la composición de las cosas, pero no decir si eso representaba la composición verdadera: la referencia europea no siempre servía para juzgar objetos de otras épocas y lugares. Lo mismo ocurría con las pátinas: la descripción química no alcanzaba para juzgar su antigüedad. Así, los técnicos de los análisis químico o microscópico de la materia, relativizaban, en ciertos casos, la eficacia de estos métodos. Otra huella de la falsificación surgía de las huellas de fabricación: los rastros de cuchillos de acero, del papel de lija o de un molde galvanoplástico, llevaban al diagnóstico seguro. Por ello, los manuales insistían en la casuística, manteniendo los viejos hechos y sumando nuevos, algunos tan notorios como la tiara de Saïtapharnés (VAYSON DE PRADENNE, 1932), comprada por el Museo del Louvre, adjudicada luego a un falsificador ruso de Montmartre. Otro elemento empeoraba la capacidad de diagnóstico: las cosas antiguas aparecían de manera muy distinta a cómo se mostraban o guardaban en los museos. Cuando se hallaban, los objetos aparecía oxidados o en pedazos; su recomposición en los museos, poco se asemejaba a ese estado: era ¿verdadera o falsa? Quizás las similitudes entre civilizaciones distantes se deban más a los modelos de reconstrucción que a las piedras tapadas por la selva y los años (PODGORNY, 2007; 2008). Sumado a todo ello, existía aquello que Graebner llamaba “hipercrítica”: considerar falsas a cosas luego declarados auténticas, como las pinturas rupestres del Cantábrico (cf. SIEGFRIED, 1927) y los bronces de Benin (GRAEBNER, 1940). Los objetos de los pueblos primitivos del presente planteaban el límite entre objetos etnográficos y prehistóricos verdaderos o puros. Como destacaba el criminalista vienés, citando a Buschan “aquello que hace interesante los hallazgos prehistóricos de África desde un punto de vista etnográfico, consiste en la larga supervivencia de instrumentos de piedra aún en tiempos históricos tardíos”. Así se comentaba: “en Berlín hace poco se vieron Patagones que ante los ojos de los visitantes de una exposición tallaban de las astillas de botellas de vidrio y con instrumentos de hueso las más hermosas puntas de flechas” (SIEGFRIED, 1927, p. 33). Como en el caso de la industria de jade maorí-alemana, por más que estas fueran utilizadas por los maoríes, se las trataba como copia o, en el mejor de los casos, una intromisión en el núcleo de la cultura primitiva. Sahlins (2000, p. 159) ha afirmado que la antropología -o la etnología- puede considerarse la única disciplina fundada sobre el principio del búho de Minerva: sus inicios como disciplina profesional coinciden con la desaparición de su
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materia de estudio. Aunque los llamados “pueblos primitivos” no se estuvieran extinguiendo, sus “culturas”, sin dudas, desaparecían (o “aculturaban”) bajo la presión del orden capitalista mundial. En esa posición, la práctica de la etnología se acercaba a la arqueología prehistórica y los objetos etnológicos solo podían ser testimonios de estados pasados. Parafraseando a Rheinberger (2003), el objeto etnológico de las primeras décadas del Siglo XX aparece como representación de sí mismo. La etnología transformaba a las cosas en testimonios directos a sabiendas que aún en los niveles microscópicos, no tenían un único significado. Graebner concedía: Toda falsificación es también un producto cultural, salvo que no procede del piso cultural (Kulturboden) o tiempo cultural (Kulturzeit), al cual pretende pertenecer4. En este sentido la pregunta sobre la autenticidad sería, en verdad, un requisito especial para la determinación de la historia cultural del objeto. Sin embargo, la obsesión por saber si las cosas debían ser vistas como objeto “verdadero” o auténtico sobreviviría en todo el siglo XX. En ello está en juego la dimensión fetichista de los objetos de la etnología (MAYER, 2002) y también la idea de un “mapa de la autenticidad” (GUMBRECHT, 1997, p. 267). En el siglo XX, la autenticidad significó la opción por la tradición y el pasado, mientras que el opuesto, la “artificialidad”, aparece en dirección contraria con lo “auténtico”. América del Norte (excluyendo a México) y algunas ciudades de Europa simbolizaron el mundo de lo artificial y la anticipación del futuro, mientras que Ibero-América, la periferia geográfica de Europa y algunos puntos del continente africano se consolidan como los espacios donde sobrevivía la “autenticidad” (GUMBRECHT, 1997, p. 267), en una geografía que se superpone con distinciones binarias tales como “centro” y “periferia”. Singularmente, las amenazas a la comodidad de estas oposiciones procede, precisamente, de los espacios paradigmáticos de la tradición y el pasado: los obreros y peones, rusos, españoles o ingleses, los comerciantes y los ilustradores mexicanos cruzan permanentemente estas fronteras, desafiando cualquier intento de una geografía simbólica basada en la creencia de un estado prístino de la cultura y la naturaleza. Los “falsificadores” cuestionan la ilusión de comunicarse directamente con el pasado. A continuación nos referiremos a las cerámicas del Arroyo de Leyes, provincia de Santa Fe, Argentina, una historia donde se entremezclan geografías y personajes “marginales” y los conflictos entre distintos grupos por definir lo verdadero y lo falso en el marco de los museos argentinos. El arroyo Leyes En 1935, el director del Museo Antropológico y Etnográfico de la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires escribía: “en un lugar próximo a la ciudad de Santa Fe, que las condiciones regionales mantuvieron aislado hasta hace poco –en el arroyo Leyes-, acaban de realizarse hallazgos arqueológicos que pueden considerarse como los más trascendentes verificados en el País en los últimos tiempos” (OUTES, 1935, p. 9). Siempre según Outes (1935, p. 10), el ambiente del Leyes conservaba por entonces: “el aspecto natural primitivo”: los bosquecillos, el arbolado ribereño; los grandes embalses de ‘irupés’, la población que traicionaba su raigambre aborigen y los pequeños caseríos, conservaban “la fisonomía evocadora, lugareña y agreste, de los primeros años de su existencia.” El Leyes, en la periferia de la ciudad de Santa Fe, emergía para los arqueólogos como 4 “Toda falsificación no deja de ser el producto de una cultura; solo que no procede del medio cultural al cual pretende pertenecer” (GRAEBNER, 1940, p. 36).
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un contexto no contaminado, olvidado de la historia, refugio de la naturaleza original y las costumbres de épocas pasadas. La polémica por venir se plantearía alrededor de la “contaminación” de esa geografía al margen de la historia. El ‘paradero’ arqueológico había sido descubierto en 1930 por el viajante Fernando R. Mántaras, de la ciudad de Santa Fe quien, en uno de sus viajes, detuvo el auto en una parte que se acercaba al agua, descendiendo hasta la orilla, donde notó la abundancia de restos de alfarería. Al no encontrar “ninguna pieza de valor”, siguió viaje. Pero, a partir de entonces, se dedicó a buscar “más prolijamente”. En una de esas ocasiones halló una media vasija de forma cónica y dimensiones reducidas, “pero con una perfección de líneas, uniformidad y poco espesor de pasta, etc. que le dan valor”5. Este interés llamó la atención de un poblador de apellido Pérez, quien desde su rancho, veía a Mántaras juntando cosas. Cuando se enteró que buscaba vasijas, puso a sus disposición a toda la familia. Mántaras cambió su rutina, para empezar a detenerse en el rancho del Sr. Pérez, y llevarse un sinnúmero de cacharros. Esta cosecha duró varios meses y alcanzó la extensión de una hectárea. En carta a Joaquín Frenguelli6, director del Instituto del Museo de La Plata, Mántaras aclaraba: jamás había aparecido “no digo una vasija entera, ni siquiera una fracción o un trozo de un rostro humano como los que tanto abundan en los objetos que han vendido por ahí”7 Mántaras, solo o en compañía de Amelia Larguía de Crouzeilles, también de la ciudad de Santa Fe, realizó excavaciones con el concurso de familiares. La Sra. de Crouzeilles, miembro de la sección local de la Sociedad Científica Argentina, informaría de sus investigaciones en agosto de 1934, reconociendo la deuda con Mántaras e informando de los hallazgos en el marco de los últimos descubrimientos en la zona de Santa Fe. En 1931, en una de sus excursiones, había encontrado ocasionalmente “la mitad de una pieza de pasta y decoración; dando lugar este hallazgo a búsquedas empeñosas con resultados ampliamente satisfactorios” (LARGUÍA DE CROUZEILLES, 1934). Como resultado de esta comunicación, el Museo Etnográfico y Antropológico de la Faculta de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires envió una misión de estudio, integrada por Francisco de Aparicio, jefe de la sección Arqueología de dicha institución, el profesor de geografía Federico Daus –adscripto a la sección de Antropogeografía de dicho museo- y Joaquín Frenguelli, del Museo de La Plata, linstituciones que estaban a cargo del cuidado de la Ley Nacional 9080 de ruinas y yacimientos arqueológicos y paleontológicos. La comunicación tuvo otras repercusiones: los entonces muy populares hermanos Wagner de Santiago del Estero, comparaban algunos de los hallazgos del Leyes con cerámicas de Hissarlik y de la Civilización Chaco-Santiagueña (cf. PODGORNY, 2004; WAGNER et al., 1934). Para Larguía de Crouzeilles (1936) la tipología del Leyes evidenciaba el contacto con otras civilizaciones y, citando al Director del Museo Nacional de Lima, proclamaba: “Cada pueblo, cada época, cada cultura, ha producido su propia obra inconfundible, peculiarísima. Un tipo le corresponde. Seriándolos, se observa su evolución y las ajenas influencias, así como se fija su módulo. Hay por lo tanto una tipología que sirve a los mismos fines de una determinación cronológica”. Pero antes, en octubre de 1933, al Leyes había llegado el agente de seguros Manuel A. Bousquet, a la sazón residente en Santa Fe, que emprendió una serie 5 Mántaras [carta], 1936 ago. 31, Santa Fe [para] Frenguelli [manuscrito]. 6 Joaquín Frenguelli, médico graduado en la Universidad de Roma, había nacido en esa ciudad en 1883. En la Argentina actuó desde 1920 como profesor de Geología y Paleontología en la Facultad de Ciencias de la Educación de la Universidad del Litoral (Santa Fe). especializado en invertebrados y paleobotánica, fue desde 1934, secretario, luego director, del Instituto del Museo de la Universidad de La Plata. 7 Mántaras [carta], 1936 ago. 31, Santa Fe [para] Frenguelli [manuscrito].
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de recolecciones con activa participación de otro poblador del terraplén del Leyes. Con la intervención de este último, ubicado en el rancho de un pescador criollo de apellido Quiroga, “de nacionalidad extranjera”, empezaron a comparecer vasijas y cacharros enteros, y un sinnúmero de representaciones plásticas antropomorfas, zoomorfas y fitomorfas, que el poblador vendía a buen precio. Bousquet presentaba su yacimiento como un paraje de gran extensión, situado en la propiedad del señor Manuel Irigoyen, quien, contrariamente a lo que les sucedería a los viajeros de los museos platense y porteño, apoyaba las exploraciones del agente de seguros8. Bousquet, uno de los ocho socios adherentes de la Sociedad Argentina de Antropología desde su fundación en 1936, era presentado como “un arqueólogo silencioso, un estudioso de la arqueología argentina que ha rehuido siempre –podríamos decir sistemáticamente-, el brillo a veces falso, que dan los círculos científicos” (VIGLIANI, 1938). Bousquet atesoraba, en su casa de la ciudad de Santa Fe (FURLONG, 1935) y luego en su casa del barrio de Palermo, en Buenos Aires, “un verdadero museo de cosas nuestras” (piezas arqueológicas, armas y documentos de los próceres del panteón nacional). “Adorador de la Patria, cultor de los elementos útiles para el estudio de su desarrollo como pueblo culto”, realizó excavaciones y estudios en los territorios del sur, La Pampa, Córdoba y Santa Fe. Bousquet, como todos, se apropiaba de los hallazgos de pescadores y pobladores locales, pretendiendo haber descubierto y excavado el “cementerio” de donde extrajo “más de dos mil piezas enteras y muchos cajones de fragmentos, compuestos de gran variedad de asas y fragmentos grabados” (VIGLIANI, 1938; BOUSQUET, 1936)9. Las colecciones privadas como las de Bousquet abundaban en la Argentina. Precisamente en 1930 el Museo Antropológico y Etnográfico había adoptado una política de reconocimiento y publicidad de las colecciones particulares para su uso como material científico. En ese marco debe entenderse la difusión de la Colección Breyer de antigüedades del noroeste argentino10 (APARICIO, 1930-1931) y de la misma colección Bousquet, a través de una exposición sobre el arte de los aborígenes de Santa Fe, cuyo catálogo era prologado por Félix Outes, director del museo etnográfico de Buenos Aires (Amigos del Arte 1935). Aparentemente, Bousquet se enteró de la ubicación de los hallazgos de Mántaras e hizo un viaje de ex profeso, poniéndose al habla con Pérez al que le adquirió lo reservado para el viajante, ofreciéndole en adelante, pagar tan bien que más le convenía dejar de sembrar y sus otros quehaceres y dedicarse a buscar ‘cacharros’ según 8 Aparicio (1937, p. 8) diría en “Los Zapallos el campo donde se han efectuado últimamente numerosos hallazgos, se encuentra en su casi totalidad cultivado, y sus pobladores prohíben todo trabajo de excavación”. Para obtener la colaboración de los mismos en 1936 hubo de invitar a Bousquet (APARICIO, 1937, p. 12). 9 En carta a Martín Doello Jurado, director del Museo Argentino de Ciencias Naturales, afirmaba: “Conocidos son al Sr. Director, los antecedentes de este yacimiento descubierto por mí, y que a (sic) sido considerado, como uno de los más valiosos hallazgos efectuados en los últimos años” (Bousquet [carta], 1937 oct. 29, Buenos Aires [para] Martín Doello Jurado). 10 Aparicio (1930-1931, p. 349-50) comentaba: “El número y calidad de las colecciones particulares de gran valor científico o artístico que existen en Buenos Aires, es muy superior a lo que el público en general puede suponer. Parte de esas colecciones han sido reunidas, obedeciendo a impulsos subalternos de notoriedad o snobismo, por simples acaudalados que procuran dar interés a su persona o a su residencia rodeándose de buena copia de objetos exóticos o de reconocido valor intrínseco. Otras, en cambio, so la obra de espíritus selectos que, a los medios adquisitivos materiales, unen condiciones de cultura y de inteligencia que les permiten reunir y sistematizar colecciones, sino con la preparación de un especialista, al menos con la competencia de un aficionado erudito y capaz. Esta serie constituye un riquísimo acervo de material científico, ignorado –por estar en manos de particulares- no sólo del público sino aún de los estudiosos y especialistas para quienes resulta un venero inutilizable. Ordinariamente las colecciones privadas no reportan ningún beneficio para la investigación científica, más por la ignorancia de su existencia que por egoísmo de sus propietarios.”
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propia manifestación de Pérez. Recalco esto porque fue el comienzo de la comercialización que por desgracia se generalizó e hizo dudar sobre la autenticidad de todas las piezas de ese paradero (MÁNTARAS, 1936).
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En mayo de 1936, se presentó el “vendedor” que vivía en el rancho de Quiroga, ofreciendo varias piezas que guardaba para Bousquet, pero que en vista de su tardanza, necesitando dinero, resolvió ofrecerlas a la Sra. de Crouzeilles y a un Padre Profesor de Historia en el Colegio de la Inmaculada Concepción de Santa Fe. Se le adquirieron varias piezas enteras, entre las cuales figuran tres donde fácilmente se ha individualizado el objeto con que han sido hechas las impresiones que forman el dibujo que las adornan (tapa de hojalata de bordes ondeados, objeto de hierro en forma de cuña y una moneda o pieza circular que lleva un número dos de imprenta en su centro (MÁNTARAS, 1936).
De tal manera, en el Museo de La Plata estaban convencidos que “el Señor Bousquet, en el deseo de acrecentar sus colecciones con piezas extraordinarias, había casi monopolizado la adquisición de los materiales ofrecidos en venta”, sugiriendo también que con ello, habría fomentado la falsificación (FRENGUELLI, 1937, p. 62-63), con tal tono que se lo acusa de abogado de otro coleccionista. Efectivamente, Antonio Serrano11 en Paraná, se manifestaba a favor de Bousquet (SERRANO, 1934), quien le encomendó el estudio de su colección, donde reconoció tres manifestaciones culturales distintas, una típicamente guaraní; otra con representaciones plásticas de psitácidos (loros); y una tercera, – la que generaba dudas y polémicas- muy reciente, atribuida a las tribus chaqueñas reducidas durante el siglo XIX en las inmediaciones de Santa Fe. En esta, la fauna representada consistía en vacunos y caballos. Aparecía también un disco de barro –sol o escarapela- que Serrano emparentaba con la liturgia cristiana y una posible representación de la eucaristía. Desechaba la posibilidad de falsificación e insistía en la manufactura indígenas. Serrano recalcaba: el arte y los objetos no eras “chaqueños” en sentido estricto, de este carácter solo quedarían las ideas plasmadas en los objetos. La polémica, a partir de ese momento, se centró en dos personajes: Serrano y Frenguelli. Frenguelli hizo tres visitas al yacimiento del Leyes: una vez solo, otra, con Larguía y la última entre el 28 de agosto y el 8 de septiembre de 193412, la ya citada con de Aparicio13, cuando tuvo a su cargo las observaciones geológicas y geográficas.También inspeccionó la colección Bousquet, considerando que entre centenares de piezas, al lado de materiales realmente valiosos, observaba objetos groseramente falsificados. El 31 de marzo de 1935 Frenguelli denuncia en el periódico El Litoral de Santa Fe “las falsificaciones del Leyes” como “intromisión de incompetentes y especuladores en los dominios de los problemas arqueológicos americanos”. Bousquet, inmediatamente, empezó a tejer alianzas: en abril regalaba dos piezas al sacerdote jesuita Miguel Ramognino, quien a su vez las donaba al “Museo de Antigüedades” del Colegio del Salvador de Buenos Aires (FURLONG, 11 Antonio Serrano (Paraná, 1899), era profesor de enseñanza secundaria graduado en la Escuela Normal de Paraná. Profesor suplente de Arqueología Americana de la Universidad del Litoral, y titular de la misma materia en la Escuela de Paraná. Dirigió el Museo de Entre Ríos desde su establecimiento en 1924. 12 “Al Sr. Presidente de la UNLP, en ejercicio de la Dirección del Instituto del Museo, Dr. Ricardo Levene”, Informe de Campaña de Frenguelli, AHMLP, Carpeta 17, expediente F 179. 13 Aparicio (Buenos Aires, 1892) actuó como profesor de Introducción a los Estudios Históricos y de Arqueología Americana en la Facultad de Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional del Litoral y más tarde en la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires. En esos años se desempeñaba como jefe de la sección arqueológica del Museo Etnográfico.
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1935). Guillermo Furlong14, partidario de la unidad cultural de las piezas de la colección Bousquet, las asignaba a “manifestaciones de la cultura mocobí” de mediados del siglo XVIII, apoyándose en “la poca profundidad de los yacimientos, la escasa pátina y, sobre todo, los objetos mismos y sus manifestaciones” (FURLONG, 1935, p. 20). Asimismo recurría a un manuscrito del sacerdote jesuita Florián Paucke o Baucke, donde se relataba e ilustraba la afición a la elaboración de la cerámica de los indígenas reducidos en San Javier. Este documento, según Furlong, alejaba “sino es que deshecha enteramente, la posibilidad de una falsificación moderna, como alguien ha supuesto. Con satisfacción, y sin temores, puede el Colegio del Salvador exhibir en las vitrinas de su Museo de Antigüedades las preciosas piezas de alfarería mocobí con que, gracias al Sr. Bousquet, acaba de ser honrado” (FURLONG, 1935, p. 21). En 1937 Bousquet entregó piezas en depósito al Museo Argentino de Ciencias Naturales de Buenos Aires y vendió una veintena de piezas de su colección al Ministerio de Justicia e Instrucción Pública de la Nación con destino al Museo Antropológico y Etnográfico de la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires15. Contrariamente a Serrano y Furlong, Frenguelli insistiría en el aislamiento del Leyes y que las piezas “verdaderamente” indígenas estaban desconectadas de todo intercambio histórico. Sin indicios materiales de la cultura europea, concluía “allí la vida indígena se desarrolló completamente al margen de la extranjera y con absoluta independencia de ella”16. Las piezas enteras y raras se adjudicaban a las manos e intereses lucrativos de “algunos pobladores extranjeros, que viven en ranchos próximos al puente sobre el arroyo Leyes”17. Según Frenguelli las piezas “no respondían a la técnica ni a la ideología de los alfareros indígenas ni de estas regiones ni otras regiones conocidas de América”. Los objetos diferían de “los auténticos” por su cocción, el carácter de la pasta y la naturaleza de sus grabados. Se trataba de “composiciones incompatibles con la sobriedad y la elegancia de las ornamentaciones indígenas”, que los falsificadores habían variado con demasiada exuberancia, “no reparando que en el acervo indígena local, ellas están reducidas a pocos sujetos. La fantasía de los falsificadores no ha tenido límites, llegando a un colmo bastante grotesco” (FRENGUELLI, 1937, p. 65). Contrariamente a la actitud que se fomentaba desde los museos de Buenos Aires, rompía lanzas, recurriendo a un tópico muy abundante en la segunda mitad del Siglo XX: la relación directa entre coleccionismo privado y la corrupción de los pobladores locales, causa principal de la destrucción de la evidencia procedente del pasado:“Para desgracia para la ciencia pura, la avidez de los coleccionistas desconocedores de la arqueología o guiados por fines subalternos, ha despertado en los lugareños la industria de los seudocacharros, que constituye para ellos un verdadero ‘modus vivendi’ y que ocultan diligentemente. En nuestros días, puede cualquiera obtener todos los seudocacharros que desee, con tal que los pague18” (FRENGUELLI, 1937, p. 69). 14 El sacerdote jesuita y doctor en Filosofía Guillermo Furlong Cardiff (Santa Fe, 1889) se graduó en Georgetown (Washington) y el Colegio Máximo de Sarria de Barcelona (1914), actuaba como profesor de inglés en el Colegio del Salvador de Buenos Aires. Se había especializado en historia colonial, bibliografía rioplatense y cartografía histórica. 15 Bousquet (1937). Más tarde se incorporarían algunas piezas al Museo de Córdoba.Varios objetos de la llamada Colección Bousquet de Córdoba fueron ingresados el 18 de junio de 1945. Proceden de Arroyo de Leyes, provincia de Santa Fe. La ficha de inventario de cada pieza tiene un precio asignado que va desde 20, 50, 150 a 200 pesos. Debo estos datos a la generosidad de Mirta Bonnin. 16 “Al Sr. Presidente de la UNLP, en ejercicio de la Dirección del Instituto del Museo, Dr. Ricardo Levene”, Informe de Campaña de Frenguelli, AHMLP, Carpeta 17, expediente F 179. 17 “Al Sr. Presidente de la UNLP, en ejercicio de la Dirección del Instituto del Museo, Dr. Ricardo Levene”, Informe de Campaña de Frenguelli, AHMLP, Carpeta 17, expediente F 179. 18 Aparicio (1937, p. 12, nota 1) destacaría que la costa del Leyes en 1936 estaba totalmente removida, presentando “el aspecto de los campos que han soportado un intenso bombardeo, efecto que, por fortuna,
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Frenguelli contrastaba la pureza de la autenticidad con la inconsistencia surgida de la intromisión de comerciantes, coleccionistas y “extranjeros”: los indios locales, arrasados de la región alrededor de 1650, se caracterizaban por condiciones de vida primitiva, indemnes de influencias hispánicas, “tal como se deducen del contenido arqueológico auténtico de los paraderos del Leyes”. De alguna manera, aquello que se presentaba con “mezclas” de otras sociedades solo podía deberse a la mala fe de quienes quisieran lucrar con lo seudo real. Frenguelli se aprovechaba de algunos indicios para cuestionar todo el conjunto, refiriéndose a una vasija denunciaba: “cada impresión lleva en el centro un pequeño número 2, de dos milímetros de lado, invertido, en relieve y de contornos bastante nítidos y bien marcados”, hechos con un dedal de coser número 2. Otras decoraciones igual de sospechosas estaban hechas con tapitas metálicas “made in England”, características de las botellas de agua mineral de marca Villavicencio. Aparicio, por su parte, publicaría un informe en 1937, donde resumía las exploraciones realizadas bajo los auspicios del Museo Antropológico de Buenos Aires en 1935 y 1936. Allí repetía –pero con un tono moderado- el supuesto carácter de superchería de algunas piezas, pero recalcaba que la colección Bousquet generaba un efecto “desconcertante”, ya que algunos objetos abrían un interrogante “que aún no tiene respuesta satisfactoria”. Estas cerámicas eran un hecho nuevo en “nuestras investigaciones arqueológicas” (APARICIO, 1937, p. 8). En su informe, de Aparicio insistía en los cuidados tomados para constatar las condiciones del hallazgo para protegerse de las versiones de engaño que circulaban sobre el paradero, no quedándole otra opción que admitir que los mismos estaban in situ. Esta cerámica –llamada “tipo Leyes”- se describía en los siguientes términos: grotesca, deforme, reveladora de un espíritu mezquino que llega a ser repelente (APARICIO, 1937, p. 11, nota 1). Se la comparaba con la cerámica del Paraná “de tipo corriente”, excelente, de superior factura, valor artístico y cocción y de alto mérito escultórico, en parangón con la del Leyes. La obsesión con la autenticidad de las culturas indígenas, llevaba a la descalificación de los objetos resultantes de la historia, de la mezcla y la “aculturación”. Mientras Frenguelli los descartaba, adjudicándolo a interferencias comerciales y extranjeras, Aparicio los aceptaba como objetos etnológicos, sin ocultar que le provocaban cierto rechazo. A pesar de esta trayectoria de “aceptación conflictiva”, como objeto científico las cerámicas y la cultura del Leyes tuvieron una vida muy corta: en la década de 1940 desaparecen de la arqueología y se refugian en las colecciones de los museos. Recién en 1980 Alberto Rex González le dedicaría dos páginas de su monumental obra: las primeras luego de cuarenta años. Allí arriesgaba la idea que ahora cobra vigor: estas cerámicas, desacreditadas por las denuncias de Frenguelli, podrían ser, en parte “la obra de indígenas post-hispánicos, entre los que no habrían faltado grupos de africanos mezclados con aquellos” (GONZÁLEZ, 1980, p. 427). González (1980, p. 426) hablaba de un problema “difícil y complejo, planteado hace años y aún no resuelto definitivamente, pero de indudable interés arqueológico y estético”. En el siglo XXI, las cerámicas del Leyes están reingresando al dominio científico como objetos de esclavos o libertos negros radicados en la zona de Colastiné (CERUTI, 2004, SCHAVELZON, 2003). sólo conocemos a través del cinematógrafo”. Asimismo volvía a recordar que los pobladores del lugar habían hecho de la búsqueda de material arqueológico su principal actividad. Aprovechaban la consistencia arenosa del terreno para cavar pozos más o menos circulares de un medio metro de profundidad y luego, con una vara de acero, sondeaban en todas direcciones.
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Mora (1988, p. 346) ha recordado: Una falsificación, sea del tipo que sea, casi nunca es producto exclusivo de la imaginación de su autor, sino que se basa en documentos reales o ficticios ya existentes, sea para ratificarlos, para complementarlos o, simplemente, para conferirles mayor autoridad.
La historia del Leyes nos muestra que la falsificación podría adjudicarse a Bousquet, a los extranjeros del Leyes pero también por la hipercrítica de Frenguelli. No dispuestos a admitir lo extraño, estos objetos, al compararlos con “lo real” y “lo auténtico”, no podían ser otra cosa que una ficción fraudulenta de un elemento extraño a esa historia y paisaje prístinos, detenidos en el siglo XVII. Todavía está por verse si las cerámicas del Arroyo Leyes renacerán para la ciencia en una geografía liberada de la periferia y de la autenticidad. Las colecciones de los museos serán cruciales para ello. Agradecimientos: Este trabajo forma parte del PIP 0116. Otras versiones fueron consideradas en el Congreso de Filosofía e historia de la Ciencia, Universidad de La Laguna (2005) y el I Simpósio de Filosofia da Ciencia, CEADS-UERJ, Ilha Grande (2006). Agradezco la ayuda y comentarios de Susana García, Máximo Farro, Carlos Ceruti, Andrea Pegoraro y de los bibliotecarios del Museo Etnográfico (UBA), Museo de La Plata y Museo de Ciencias Naturales Bernardino Rivadavia (AMCN). Referencias AMIGOS DEL ARTE. El arte de los aborígenes de Santa Fe. Buenos Aires: [s.n.], 1935. APARICIO, Francisco de. Colecciones particulares: la colección Adolfo Breyer. Solar, v. 1, p. 349-355, 1930-1931. APARICIO, Francisco de. Colecciones privadas: la colección Adolfo Breyer. Solar, v. 1, p. 349-355, 1931. APARICIO, Francisco de. El Paraná y sus tributarios. Historia de la Nación Argentina, v. 1, p. 473-506, 1936. APARICIO, Francisco de. Excavaciones en los paraderos del arroyo de leyes. Relaciones de la Sociedad Argentina de Antropología, v. 1, n. 7, 1937. BATRES, Leopoldo. Antigüedades mejicanas falsificadas: falsificación y falsificadores. México, D.F.: Soria, [19--?]. BOUSQUET [carta], 1937 oct. 29, Buenos Aires [para] Martín Doello Jurado. BOUSQUET, Manuel. Habla para “El Pueblo”. El Pueblo, 29 jul. 1936. BOUSQUET, Manuel. Investigaciones arqueológicas en el arroyo Leyes, Santa Fe. Revista Geográfica Americana, v. 8, p. 161-174, 1937. CERUTI, Carlos. Aporte al conocimiento de la ‘Cultura del Leyes’: la colección del museo de Ciencias Naturales y Antropológicas ‘Prof. Antonio Serrano’, Paraná, Entre Ríos, Argentina. In: CONGRESO DE ARQUEOLOGÍA ARGENTINA, 15., 2004, Argentina. Actas… Río Cuarto: [s.n.], 2004. DIAS, Nélia. Le musee d’ethnographie du Trocadéro (1878-1908): anthropologie et museologie en France. París: CNRS, 1991. EDGE-PARTINGTON, J. Maori forgeries. Man, v. 10, p. 54-55, 1910. EDGE-PARTINGTON, J. Maori forgeries. Man, v. 9, p. 56, 1909. EUDEL, Paul. La falsificación de antigüedades y objetos de arte: alteraciones, fraudes y adulteraciones descubiertas. Buenos Aires: Centurión, 1947. EUDEL, Paul. Le truquage: alterations, fraudes: contrefaçons dévoilées. París: Molière, 1884.
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Artigo recebido em novembro de 2013. Aprovado em janeiro de 2014
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INTERSEÇÕES NECESSÁRIAS: HISTÓRIA, MUSEOLOGIA E MUSEUS DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
Maria Esther Alvarez Valente 1*
ResumO: Ao acompanhar o movimento do fortalecimento da disciplina da museologia, o presente artigo se inscreve no universo das pesquisas que seguem especialmente a história dos museus, tomando parte na consolidação da museologia, com o foco voltado aos museus de ciências e tecnologia. A intenção é a de apresentar uma reflexão sobre um viés, inspirado na perspectiva da história da ciência, utilizada nesse caso para o conhecimento da criação de museus de ciências e tecnologia, no sentido de discorrer sobre um caminho que pode ser tomado para explorar o tema e que já tem adensado a reflexão em torno dessa categoria de museu.
Abstract: Accompanying the movement of strengthening the discipline of museology, this paper falls within the universe of research that specifically follows the history of museums, taking part in the consolidation of the museology, with the focus turned to museums of science and technology. The intention is to present a reflection on a bias, inspired by the history of science perspective. Knowledge used, in this case, to understand the creation of museums of science and technology in order to discuss a way, which can be taken to explore the topic, which already has been density planting reflection on this category of museum.
PalaVras-CHaves: Museus de Ciência e Tecnologia. História da ciência. Museologia e produção de conhecimento.
Key-words: Museums of Science and Technology . History of science. Museology and knowledge production
1 * Museu de Astronomia e Ciências Afins <esther@mast.br>
Interseções Necessárias: História, Museologia e Museus de Ciências e Tecnologia
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A produção de conhecimento no museu se dá sobre o conjunto de seus domínios, instituído pelas atividades intelectuais acadêmicas e por suas ações de organização de trabalho, procurando um aprofundamento, seja da compreensão da complexidade das diferentes dimensões da instituição, seja da constituição de um corpo disciplinar de saberes que atendem as especificidades do campo museal. Cumpre sublinhar que, embora as discussões sobre esse campo de saber se tencionem no que diz respeito à separação da instituição museu da área disciplinar da museologia, os dois aspectos estão imbricados em suas origens. Cabe, ainda, ressaltar que, as funções fundamentais do Museu, incorporadas à instituição desde sua constituição renascentista, guardadas as consequentes atualizações, ao longo do tempo, continuam sendo de pesquisar, preservar e difundir conhecimentos e, são elas em suas diferentes dimensões (social, educacional, comunicacional, econômica, política, cultural etc.), que vêm sendo estudadas por diferentes pontos de vista (histórico, antropológico, sociológico etc.). Nesse sentido a definição formal de museu, proposta pelo Conselho Internacional de Museus - ICOM2, que tem sido parâmetro para a criação de museus pelo mundo e base dos estudos da área da museologia, é discutida sistematicamente desde 1946. Durante a 21ª Conferencia Geral do ICOM em Viena, em 2007, a definição sofreu uma importante atualização e nela o termo ‘pesquisa’ foi substituído por ‘estudo’3. A mudança não visou suprimir essa função do museu, mas visou deslocar a concepção de pesquisa sobre os testemunhos materiais do homem e da sociedade adquiridos, preservados e expostos no museu, para outra concepção a que se refere ao processo de desenvolvimento do conhecimento e, que permite o espírito de compreensão da formação de seu campo de atuação museal, em diferentes setores culturais (BERGERON; DAVALLON, 2011, p. 527). A realização de pesquisas acadêmicas sobre a natureza da museologia vem ocorrendo ao longo dos últimos 60 anos, por meio de instituições acadêmicas dedicadas aos estudos de museus (museums studies), principalmente na Europa e nos Estados Unidos. Na atualidade, entretanto, o museu conquistou uma importância destacada enquanto objeto de estudo. O fato de maior intensidade de pesquisas, ocorridas nas últimas três décadas, tem sido observado em diferentes disciplinas das ciências sociais e humanas que escolhem como objeto de análise a instituição. Tendência refletida nos inúmeros cursos4 de graduação e pós-graduação, de museologia, que foram implantados em diferentes universidades espalhadas no território brasileiro a partir da primeira década deste século. Disposição que já vinha sendo anunciada pelas pesquisas produzidas em diferentes departamentos disciplinares das universidades brasileiras e em outros fóruns independentes. Ao acompanhar esse movimento, o presente artigo se inscreve no universo dos trabalhos que seguem especialmente a história dos museus na consolidação da área da museologia, com foco voltado aos museus de ciências e tecnologia. O artigo tem por intenção apresentar uma reflexão sobre uma perspectiva utilizada para o conhecimento da criação de museus de ciências e tecnologia, no sentido de discorrer sobre um caminho que pode ser tomado para explorar 2 Para saber sobre o ICOM consulte: <http://icom.museum/the-organisation/icom-in-brief/>. 3 A definição mais atualizada de Museu é de 2007. Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e seu desenvolvimento, aberto ao público, que adquire, conserva, estuda, expõe e comunica o património material e imaterial da humanidade e de seu ambiente para fins de estudo, educação e lazer. De acordo com: Bergeron e Davallon (2011). 4 Para saber sobre os Cursos de Museologia em graduação e pós-graduação acesse: <http://www.concursosmuseologia.com.br/p/onde-estudar.html>.
Maria Esther Alvarez Valente
o tema e que já tem adensado a reflexão em torno dessa categoria de museu. A partir da motivação por esse interesse, o que muda inicialmente é o foco do conhecimento, bastante frequente, de caráter personalista para abordar a história de determinadas instituições. No que concerne aos tópicos de perspectiva histórica das instituições museológicas, as pesquisas pouco se dedicam a observar seus contextos mais amplos e, com certa constância, estão desconectadas das circunstâncias de criação, indo pouco além de uma descrição interna da instituição. O conhecimento sobre o museu fica, em alguns casos, circunscrito a iniciativas pessoais isoladas. Análises pouco aprofundadas podem reforçar uma percepção do senso comum, que confere ao esforço individual a prerrogativa da responsabilidade pelo empreendimento museológico. Sem dúvida alguma, as personalidades que estiveram à frente dos projetos de museu tem seu lugar registrado, mas estes não estavam sozinhos e lidaram com outros condicionantes e diferentes atores que ora deram sustentação, ora atuaram no sentido oposto de adiamento, ou mesmo de obliteração da iniciativa da criação de um museu. A proposta desse desvio visa, sobretudo, evitar o risco da idealização de pessoas e disciplinas ou saberes, procurando penetrar de maneira mais consciente e crítica sobre a investigação das relações entre atores e contextos na produção de um conhecimento institucional. Além, das concepções que são construídas para a criação e desenvolvimento dos museus. Uma linha de interpretação para conhecer o museu de ciência e tecnologia A apresentação desta reflexão parte do entendimento que investigar o museu do limite de uma museologia restrita ao interesse particular de suas práticas (preservação, pesquisa das coleções e comunicação) não é suficiente para se conhecer a instituição e para se construir um arcabouço teórico do campo da museololgia. Seus inúmeros aspectos só podem ser desvelados se examinados também por outras perspectivas, face à característica intrínseca da multidisciplinaridade da museologia. No horizonte da história dos museus de ciências e tecnologia, o museológico tem sua prioridade, mas para pensar sobre essa categoria de museu é importante considerar a história da ciência e as visões críticas relacionadas a seus desdobramentos, como o entendimento público da ciência (public understanding of science); os estudos sociais da ciência; a história social e cultural, a cultura científica e a comunicação social da ciência, entre outros. Sendo assim, é imprescindível a interseção de diferentes disciplinas, além da museologia, para a compreensão da atualidade dessa instituição e de seu campo disciplinar. A aproximação com outros caminhos de interpretação em uma proposta de pesquisa que tem os museus de ciência e tecnologia como foco vem aprofundar e fortalecer, efetivamente, o conhecimento e entendendimento desses museus. Com esse propósito, procura-se levantar as condições de produção e incorporação de modelos institucionais de museu que guardam conceitos a partir de representações e significados forjados nesse processo, não só pela museologia, como por outras áreas de conhecimento. Procura-se ainda compreender os meandros desse movimento, relacionando as circunstâncias que viabilizaram a ocorrência do surgimento desses espaços museológicos, com os próprios museus investigados. Os estudos, de caráter interdisciplinar, com ênfase no eixo de pesquisa da história da museologia devem, nesse caso, privilegiar a abordagem de investigação inserida na área disciplinar da história da ciência. Essa perspectiva reno-
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vadora dos estudos da ciência trouxe, a partir dos anos 1970, um enfoque que vai explorar a História da ciência como parte intrínseca da sociedade. “Não é mais localmente, apenas no espaço dos laboratórios, que o segredo dos saberes (científicos) e de sua validação é buscado, mas nas retomadas das traduções que operam no conjunto do corpo social” (PESTRE, 1996, p. 12). As produções científicas passam a ser tratadas igualmente como todas as outras produções culturais geradas pelos indivíduos. “Tudo que o homem propõe são construções que por sua vez são inseparáveis da cultura mais vasta. Aceitar o intrincado cultural das relações é fundamental para entender como se desenvolvem os homens no fazer da ciência” (PESTRE, 1996, p. 18). Esse entendimento foi básico para o desenvolvimento de projetos de pesquisa na área dos museus de ciências, entre os quais dois serão citados. O estudo de Handfas (2013) que tratou das relações entre as políticas públicas de ciência e tecnologia, e os museus de ciência, a preservação do patrimônio da ciência e tecnologia brasileira e o campo da museologia. Nessa articulação procurou conhecer os conceitos museológicos adotados durante a trajetória do Museu de Astronomia e Ciências Afins. A pesquisa de Valente (2009) teve como objetivo central compreender o processo que ‘pavimentou’ o ambiente no qual foram forjados os projetos que impulsionaram o surgimento dos museus de ciências e tecnologia nos anos de 1980 no Brasil e para tal investiu em atores e instituições de ciência e tecnologia fora dos museus. A análise da questão da proliferação de museus de ciências e tecnologia no Brasil, por exemplo, implica não só na aproximação com uma das possibilidades abertas pela história da ciência como também vem contribuir na ampliação de fontes para as áreas disciplinares envolvidas no estudo. Adicionalmente, vem colaborar com uma melhor compreensão da própria instituição, sugerindo um aperfeiçoamento de sua existência, ponto de vista sublinhado pelo historiador da ciência, Bennett (2005, p. 605). Ele se refere, aqui, às análises críticas sobre museus produzidas pela pesquisadora da mesma área de conhecimento Kohlstedt (2005): Examinando a riqueza do recente material, ela (Sally G. Kohlstedt) demonstra, ainda mais enfaticamente do que antes, a importância e produtividade do foco atual nas atividades dos museus. A intensidade e precisão desse foco e a sutileza da introspecção resultante podem dar aos museus autônomos em sua própria disciplina, que trabalham com coleções de ciência, uma pausa para reflexão. Visto que decidem sobre suas aquisições, planejam suas exposições, e negociam os temas e conteúdos de exposições especiais com gerentes, designers, conservadores, educadores, contabilistas, profissionais das relações públicas, segurança, peritos, carpinteiros, eletricistas, e todo um número de outros especialistas do museu (KOHLSTEDT, 2005 apud BENNETT, 2005, p. 605).
As referências usadas para explorar o tema da história dos museus de ciência são inspiradas em reflexões de diferentes historiadores da ciência. Entre eles destacam-se os trabalhos realizados por Maria Margaret Lopes, cuja vasta produção tem dedicado inúmeros estudos à temática da história da museologia5. A perspectiva está alinhada com a tendência da historiografia das ciências que questiona o status epistemológico superior atribuído à ciência, e por isso abandona a noção da existência de uma única forma de conhecimento e rompe com a prática da excepcionalidade dos personagens e teorias. Consoante com esse plano está também a rejeição à dicotomia entre os aspectos do contexto 5 Ver: Lopes (1988; 1991; 1992; 1996; 1997; 2001; 2002; 2003b; 2004; 2005; 2006a; 2006b; 2009); Lopes e Valente (2009); Lopes e Murriello (2000); Lopes e Murriello (2005); Lopes e Figueirôa (2003).
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e do processo intelectual, na construção do conhecimento. Assume-se, portanto, a interpretação das atividades de cunho científico pelo viés sociocultural, incorporando as dimensões temporal, espacial e social. Essa posição, também, tem sido bem recebida nos estudos sociais da ciência realizados nos países da América Latina, e não somente os provenientes do bloco geográfico das regiões localizadas no hemisfério norte. Baseados nessa percepção serão aqui destacados aspectos importantes para subsidiar o desenvolvimento da análise crítica sobre os museus de ciências e tecnologia. Aspectos de uma linha de interpretação A orientação de reflexão a ser seguida, sobre um material destacado para análise, por exemplo, da história de um museu de ciências (documentos institucionais, de diferentes esferas governamentais, entrevistas, relatórios, manuais, catálogos etc.), considera três elementos básicos no entendimento do movimento da museologia das ciências6. São eles a linguagem, o tempo e o contexto de produção do discurso integrado ao aspecto da cognição. Esses elementos, carregados de seus correspondentes limites, combinam-se das mais diversas maneiras e deixam entrever diferentes marcas na constituição do que foi produzido no museu. A compreensão da existência da pluralidade de modos de fazer ciência auxilia o olhar do pesquisador/historiador na detecção de várias direções e concepções de ciência, trazidos pelos sujeitos envolvidos no processo de discussão dos equipamentos museológicos. Uma análise das concepções de ciências, em museus dessa temática, foi recentemente realizada por Aragão (2013), ao investigar três instituições museológicas, para a autora: [...] fica evidente que onde há ciência há também concepções de ciência pré-estabelecidas e, sendo assim, em museus e centros de ciência não poderia ser diferente. Nesses espaços, a ciência e suas concepções emergem de diferentes formas e também a possibilidade de haver diferentes concepções interagindo no mesmo ambiente não é pequena. Contudo, devido às suas características específicas, outros fatores devem ainda ser considerados para pensar a forma como a ciência é vista e trabalhada nessas instituições de educação não formal (ARAGÃO, 2013, p. 36).
Ao contemplar o universo da construção da ciência, marca dessas instituições, sublinha-se sua importância para o desenvolvimento de programas de caráter sociocientifico dos museus. Muitas vezes os instrumentos científicos, assim como a organização dos espaços arquitetônicos de um patrimônio museológico de natureza científica e tecnológica só fazem sentido, vistos em um determinado conjunto e/ou pelas circunstâncias de aquisição dos objetos e construção dos espaços para a produção da ciência.Vistos isoladamente, por exemplo, muito frequentemente, dificultam ou mascaram a compreensão sobre um determinado conhecimento científico. A partir dessa orientação, a identificação de diferentes atitudes (ausências, inclusões, exclusões, permanências) reconhecidas como representantes do dito e do não dito e que imprimem significados, podem ser mais bem percebidas no processo de construção do movimento museológico. Entretanto, essas atitudes devem ser observadas sem se perder de vista que o observador traz em si outro contexto e outro tempo na produção de suas formas de interpretar e dizer. Seguindo o proposto pela nova historiografia das ciências, identificam-se pistas que revelam o que não está explícito. Os documentos e falas em torno da 6 Termo usado para caracterizar as atividades e estudos referentes aos museus de ciência e tecnologia. Esta denominação é usada pelo pesquisador da área Schiele e Koster (1998).
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criação de museus aproximam a visualização dos diferentes elementos, divergências, coerências e relações internas e externas ocorrendo, com ênfases e ritmos diversos, abrindo, ao mesmo tempo, caminho para inúmeras especulações e ajudando a compreender os projetos desses empreendimentos. Trata-se, portanto, de analisar diferentes aspectos levando em conta o que se refere à linguagem do material explorado, às aproximações e usos de representações que cada comunidade faz de seus textos. Esse exame cuidadoso, considerando as interferências, impossíveis de controlar, permite observar como a cada época os diferentes atores envolvidos em criações/debates/discussões selecionam e fazem uso de determinadas ideias, conceitos e concepções científicas, na realização de suas produções, que estão sublinhadas nos museus. Segundo Van Praët (1996), pesquisador do Museu de História Natural de Paris, em um estudo sobre a transformação dos museus de história natural em França, evidenciou a estreita ligação da evolução da ciência com a apresentação das ciências nessas instituições. Para o autor a “evolução da ciência, de seus objetivos e métodos, parece assim ter determinado do século XV ao XIX a transformação dos museus científicos e a forma de suas exposições” (VAN PRAËT, 1996, p. 143). No entanto, ele sublinha que as ciências, ainda hoje, continuam influenciando os museus científicos, mas a combinação vai além da apresentação dos objetos de coleção, que representavam, no passado, as pesquisas científicas. Atualmente, por vezes as apresentações do museu, prescindem dos objetos de coleção e combinam cada vez mais, outros e muito diversos fatores socioculturais, onde estão incluídos o lazer, a profissionalização dos ofícios da exposição e da cultura, e as novas tecnologias de comunicação. A leitura contextualizada no tempo e no espaço da produção dos textos ajuda a desenredar diferentes elementos contidos nos discursos: questões formuladas e soluções; opções de escolha e decisões; ideias predominantes ou não, argumentos rejeitados ou ignorados; níveis de aceitação, apropriação e contestação; além de diferentes atores e lugares e suas maiores ou menores atuações. Os historiadores Cardoso e Vainfas (1997) auxiliam na articulação e na leitura dos diferentes aspectos quando se contrapõem àqueles que negam a ausência de história fora do texto. Para esses autores Pelo contrário, trata-se, antes, de relacionar texto e contexto: buscar os nexos entre as ideias contidas nos discursos, as formas pelas quais elas se exprimem e o conjunto de determinação extratextuais que presidem a produção, a circulação e o consumo dos discursos. Em uma palavra, o historiador deve sempre, sem negligenciar a forma do discurso, relacioná-lo ao social (CARDOSO;VAINFAS, 1997, p. 378).
A escolha por uma análise contextualizada justifica-se na medida em que o texto é produto de intencionalidades. Entre sua produção e recepção existe um emaranhado de tempos, contextos e intenções, introduzidos pelo autor e pelo leitor nas suas respectivas ações de escrever e de ler. A consciência dessa construção favorece o distanciamento no momento da interpretação. Portanto, é a intenção do texto interagindo com a intenção do leitor que vai definir as margens de interpretabilidade. O importante é saber ao que se visa com as intenções e estar atento para elas ao interpretar. A observação do historiador da ciência Pestre (1996, p. 13) sobre o entendimento dos enunciados científicos vale como uma aproximação para o exercício da interpretação sobre a história de um museu. Para o autor, a ciência é um dispositivo que produz uma ordem e não um dispositivo que ‘desvela’ a ordem; nesse sentido, seria equivocado querer ‘descontextualizar’ seus enunciados, uma
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vez que estes são definidos no interior de uma determinada ordem capaz de se impor socialmente. Os enunciados não são independentes, com existência própria, eles estarão sempre vinculados àqueles que os detêm, seja o produtor ou o que dele se apropria. Usando ainda a produção ou posse dos enunciados científicos, o autor acrescenta que todo fechamento de um debate ou todo consenso é ‘local’ por natureza e é apenas compreendido no contexto preciso de sua elaboração. A lógica de um argumento redefine permanentemente a dinâmica dos demais (PESTRE, 1996, p. 20). Por outro lado, como mencionado anteriormente, no campo do intérprete do texto, ocorre o mesmo processo de localidade no tempo e no espaço. Nesse sentido, compreende-se que a interpretação do conteúdo do texto documental, escrito ou falado, vem de um lugar e de um tempo moldados por uma intenção, que se associam às perguntas (quando?; onde?; quem?; como?; para que?; o que? e por que?) que lhe são feitas e às respostas relativas às fontes, usadas para o desenvolvimento de um estudo. Na abordagem contextualizada cabe considerar a importância de um movimento mais amplo relacionado à circulação das ideias de um lugar para outro. Aspecto ressaltado por Lopes (2004) ao se referir à forma de abordar as propostas de investigação: [...] os intercâmbios mantidos pelas instituições museológicas latino-americanas do século XIX, foram aspectos constitutivos do próprio processo de consolidação da cultura científica no Brasil como a ampliação do alcance de tais exposições (Exposições Universais) através de seus relatos nos periódicos científicos e de divulgação da época (LOPES, 2004, p. 3).
A aproximação com essa visão orienta as interpretações e deve ser destacada quando se explora os museus (HEIZER, 2005). A circulação de ideias é um fator constitutivo da construção dos museus de ciências. Essa instituição de origem ocidental foi disseminada pelo mundo de tal maneira que pode ser encontrada nos lugares mais inusitados. Sem negligenciar a forma de apropriação de cada cultura, até hoje as unidades recém-criadas em geral se inspiram, em princípio, nos modelos originalmente europeus e norte-americanos. Os estudos sociais da cultura científica oferecem uma base promissora de investigação. Se focalizada na instituição museu e, particularmente no museu de ciências e tecnologia, este se torna um universo a ser descoberto. Nessa perspectiva, o conhecimento sobre a instituição traz uma contribuição importante ao entendimento do seu papel na produção científica, na difusão do saber, assim como na preservação de objetos e na promoção de práticas sociais que procuram aproximar o leigo de um mundo considerado distante do seu cotidiano e entender o fenômeno complexo da apropriação social dessa instituição.
Sublinhando o ponto de vista da história da ciência sobre a museologia Guardadas as devidas ressalvas, mesmo percebendo que o desenvolvimento do setor da ciência e a constituição de museus tenham se dado em grande medida por fortes ligações entre eles, são recentes as pesquisas que se preocupam em investigar os meandros dessa ligação sob um olhar crítico da história da ciência7. Os trabalhos realizados a partir de um viés da história social e cultural, e do ponto de vista dos estudos de museus (museums studies) são pouco frequentes, deixando um amplo campo a ser explorado no Brasil e mesmo no exterior8. 7 Alguns artigos com esse caráter podem ser encontrados na publicação Anais do Museu Histórico Nacional, v. 29, 1997. Edição comemorativa dos 75 anos da fundação do Museu Histórico Nacional. Entre eles o de Munteal Filho (1997), Kury e Camenietzki (1997). Um estudo exemplar é o de Lopes (1997). 8 Uma reflexão sobre o assunto ver Lopes e Valente (2009).
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A evidência da ampliação dessa possibilidade tem ficado mais explícita a partir de produções localizadas na última década e em recentes artigos9, que chamam atenção para o fato. Bennett, em um desses trabalhos, destaca dois importantes impulsos na articulação museu de ciências e história da ciência.
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Primeiro, ela (a articulação) procura situar o recente interesse dos historiadores da ciência nos museus com um estudo mais amplo sobre museus em geral e aponta para o valor do amplo contexto para localizar a prática científica. Segundo, lembra aos historiadores da ciência que os museus não são somente objetos de estudo, mas também recursos vivos para a comunicação pública […] (BENNETT, 2005, p. 602).
Segundo o mesmo autor, a história dos museus e de suas coleções pode ser uma importante fonte de pesquisa. Além disso, Bennett (2005) acrescenta que uma iniciativa propulsora desse movimento já havia sido manifestada com a criação da publicação Journal of the History of Collections, fruto do empenho de Arthur MacGregor, lançada em 1985. Admite nesse sentido, a criação de uma área de interseção entre história da ciência e museologia. Anunciando essa orientação deve-se acrescentar o lançamento em 2008 do primeiro número do periódico Museum History Journal10, com saída de dois volumes por ano. A publicação conta com importantes pesquisadores da história da ciência entre os membros do seu comitê editorial e foi dedicada à difusão de análises críticas relativas à história de museus. A área assim se consolida, abrangendo diferentes formas institucionais e atividades museológicas. Entre elas podem ser citados: o museu do Iluminismo, classificatório, de pretensões enciclopedistas do século XVIII; os museus formados pela herança das grandes exposições universais que seguiram os moldes da era tecnológica, dos projetos nacionalistas e os museus de natureza popular e de forte cunho educacional. Como diz Bennett, os museus de ciências do século passado possuíam uma característica marcante, por seu turno, segundo o autor: “As instituições do século XX mantiveram uma agenda educacional, entretanto com um perfil mais forte para a ciência e com maior especialização: como havia museus de ciência, e até mesmo da história da ciência.” (BENNETT, 2005, p. 604) Os museus registram e preservam coisas e concepções, mas também são poderosos instrumentos para traçar atitudes com relação à arte, à história e à ciência. No museu, as ações de coletar e colecionar imprimem um significado à ciência ali produzida. Suas intenções promovem uma ordem para as coisas do mundo. Este lugar será um espaço privilegiado, em que os historiadores podem ter acesso e situar as práticas científicas: “Os museus refletem a ordem intelectual e social do seu tempo, sobretudo novos museus, uma vez que não foram feitos em vão, mas concebidos, estruturados e organizados como novos” (BENNETT, 2005, p. 603). Ao enfrentar o desafio de análise dos museus pela perspectiva da história da ciência cumpre acrescentar o que Pestre (1996) em seu artigo, Por uma Nova História Social e Cultural das Ciências: novas definições, novos objetos, novas abordagens, procura, analogamente ao movimento da disciplina da história mais ampla, propor sobre novas possibilidades de investigação pelo viés da história da ciência. Meu desejo é o de fazer aparecer, por de trás da aparência de trivialidade ou de não pertinência, aqueles objetos escondidos que, no entanto, são essenciais para uma boa compreensão das práticas científicas, obje9 A publicação ISIS, v. 96, de 2005 dedicou em sua seção “FOCUS” cinco artigos sobre a abordagem dos Museus pela ótica da História da Ciência. 10 O periódico Museum History Journal é editado pela LeftCoast Press. Disponível em: <http://www. lcoastpress.com>.
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tos dotados de uma historicidade que permite fortemente à disciplina não ficar fechada em si mesma e se ligar à História cultural, à História industrial ou à dos instrumentos, em suma, objetos que permitem à história das ciências reintegrar o conjunto dos questionamentos históricos, sem nenhuma exceção (PESTRE, 1996, p. 23).
O quadro estimulador de um novo olhar, sobre o que procurar e como procurar deriva de um momento de renovação que já conta, aproximadamente, com pouco mais de 40 anos, caracterizado pela prática da investigação interdisciplinar e que contempla abordagens problematizadoras, visando a redefinir a natureza das práticas científicas. É bom lembrar que os novos estudos sobre a natureza das práticas científicas ocorriam ao mesmo tempo em que eram travadas discussões em outros campos com interesses comuns aos da História da ciência, como a divulgação científica e a mediação sociocultural, debatida pelos movimentos do Public Understanding of Science e Science Literacy 11, onde o museu e centros de ciências e a educação em ciências estavam imersos. Somam-se a estes setores, aqueles que no campo acadêmico se voltam para o pensamento sobre a ação dos museus, ou seja, a museologia e os estudos de museus (Museums Studies)12. Sendo assim, não podem ser negligenciadas as mudanças que se processam, na área há pelo menos quatro décadas, nas instituições encorajadas a se adequarem a uma perspectiva de caráter social13. Nessa construção é importante incursionar pela disciplina que aborda a relação do sujeito com aquilo que é musealizado, a museologia. Área de conhecimento que, em torno de seu campo de ação, fornece elementos para a configuração do objeto de estudo, o museu de ciências e tecnologia. Nesse âmbito, as publicações provenientes de diferentes áreas disciplinares e que analisam os museus vêm fortalecer o setor14. À medida que as instituições ganham em importância, tende a crescer em quantidade e qualidade o investimento acadêmico sobre suas investigações. Ao mesmo tempo a afirmação da museologia observa de perto sua característica multidisciplinar, abrindo-se cada vez mais para interagir com diferentes saberes. Dessa forma, sua dimensão histórica vem contribuir para sua base teórica. Algumas considerações A identidade museológica vem, há algum tempo, valorizando-se com um consistente conjunto de definições e um corpo teórico que tem sido consolidado por meio de antologias15 e outras publicações16, algumas ainda dispersas, mas 11 Alfabetização científica é uma expressão usada para designar o que o público em geral deve saber a respeito da ciência. Segundo Durant (2005) o termo deve ser olhado a partir da distinção entre três abordagens: conhecimento científico com ênfase no conteúdo, ênfase nos processos da produção do conhecimento científico e, por fim, a ênfase nas estruturas sociais ou nas instituições da ciência (cultura científica). 12 Uma fonte de informação é o site do departamento de Museum Studies da University of Leicester: <http://www.le.ac.uk/ms/>. 13 Para aprofundar essa perspectiva problematizada da museologia em uma abordagem histórica, ver: Teather (1991); Gob e Drouguet (2003); Kaplan (1992). Ver também o periódico Museum and Society Disponível em: <http://www2.le.ac.uk/departments/museumstudies/museumsociety>. 14 Periódicos recentemente editados, no Brasil, têm contribuído para a disseminação em âmbito nacional, o conhecimento sobre a museologia, o que até pouco tempo era feito exclusivamente por periódicos estrangeiros: Revista Museologia e Patrimônio: <http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ ppgpmus/>e a Revista Museologia & Interdisciplinaridade: <http://seer.bce.unb.br/index.php/museologia/ issue/current/showToc>. 15 Entre outras, três antologias mostram a preocupação em organizar o campo da Museologia: Desvallées, Bary e Wasserman (1992; 1994);Vergo (1989). 16 Publicação que trata de pontos de vista de diferentes pesquisadores, sobre a definição de museu ver: Mairesse e Desvallés (2007).
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que têm servido de fundamentação básica para a reflexão no campo, em que pesquisadores brasileiros também têm se expressado. No Brasil, a museologia conta com um comitê no CNPq o que configura um espaço importante de expansão. Neste caminho os museus podem ser vistos como um novo objeto de desafio. Historiadores da ciência17, como Lopes (2005), Alberti (2005), Forgan (2005), Kohlstedt (2005) e Heizer (2006), parecem convergir para a mesma ideia e oferecem em seus trabalhos diversos aspectos de reflexão sobre a instituição museológica, da pesquisa à preservação, da educação à comunicação, permitindo dar a esta área de conhecimento outros contornos. A construção e a idealização dos espaços museológicos, no parecer de Forgan (2005), são fontes de observação que podem indicar o lugar da ciência no tempo e no espaço, envolvendo competições entre conhecimento e reivindicações institucionais, muitas vezes distanciando as propostas iniciais de eficiência ou eficácia do museu. A construção de um novo museu é uma tarefa prestigiosa, oferecendo aos arquitetos a oportunidade de criar sua marca no panorama internacional. Porém, o nível com que arquitetos, ou certamente seus clientes, levam em consideração as coleções que seus designers pretendem abrigar fornece indícios sobre o distanciamento entre o discurso arquitetônico e a compreensão da ciência, assim como as relações pessoais em cada caso (FORGAN, 2005, p. 576).
É possível afirmar que há um consenso de que os museus de ciências e tecnologia também são vistos como lugares de status e de respeito18. A forma como são erigidos provoca indagações de diferentes ordens, por exemplo: do conhecimento a ser produzido, das pretensões públicas da instituição no que tange a sua repercussão cultural e recepção de audiências. O questionamento da complexidade desse espaço pode levar a compreender melhor como a ciência se reposiciona no tempo em relação à economia, à cultura e aos espaços de produção intelectual e de difusão (BRUNO, 2007). São muitas as questões que permitem revitalizar o interesse na história dos museus. Seguindo Kohlstedt (2005, p. 587), um exemplo está no esforço de identificação dos caminhos nos quais as aspirações científicas e atividades desenvolvidas, nestes lugares, seriam estruturadas por suas circunstâncias específicas. A ação sugerida viria contribuir para o deslocamento da análise das instituições, por uma única via, para uma visão em que os pesquisadores se detivessem mais no patrimônio de diferentes ideais. Nesse sentido, a sugestão se refere à mudança de um modo restrito à realização de funções comuns (pesquisa científica, conservação e documentação de coleções, dentre outras) e a apresentação de informações limitadas a servir como pano de fundo nas Histórias biográficas e intelectuais. Para um modo de análise voltado para as considerações sobre a cultura e sobre o saber científico de uma época e menos voltado para os aspectos factuais dessas instituições. Outros olhares sobre diferentes objetos de investigação jogam luz sobre o que parece invisível. Os novos estudos conduzem à reconsideração dos projetos das instituições e da prática de suas atividades em relação às circunstâncias políticas, econômicas e sociais, que promovem mudanças institucionais relativas à suas funções, perfil e missão. São os programas de políticas públicas e as intrincadas 17 Ver o periódico, da ISIS, n. 96, 2005 – seção FOCUS. 18 Um dos resultados da pesquisa realizada em 2000 no Museu de Astronomia e Ciências Afins evidenciou este fato (GOUVÊA et al., 2002).
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relações com organismos internacionais que orientam perspectivas diferentes para as instituições. Nessa abordagem, observa-se que no plano das políticas públicas é evidente a necessidade de se estabelecer um novo olhar sobre o patrimônio cultural da ciência e tecnologia brasileiro cujos valores histórico, cultural, científico e tecnológico serão mais amplamente reconhecidos na medida de um maior interrelacionamento entre órgãos das áreas da Cultura e da Ciência e Tecnologia (GRANATO; OLIVEIRA, 2012;VALENTE; HANDFAS, 2012). Nesse sentido, a temática da exclusividade da missão da pesquisa científica dos museus desdobra-se para a dimensão mais ampla da educação e comunicação, cuja atenção se volta para o público, em sociedades supostamente mais democráticas. É o ‘museu em movimento’ que, ao se adaptar ao mundo, em tempos diferentes, carrega com ele ou se desfaz de elementos do passado em uma dinâmica de constante tensão, realizando um caminho de continuidades e descontinuidades. Exemplos desse fenômeno são os estudos sobre os museus universitários, científicos por excelência, que se veem pressionados a se aproximar do público a fim de garantirem sua existência19. Os últimos 20 anos testemunham uma ebulição na produção de pesquisas relacionadas à instituição museu. No Brasil um número considerável de trabalhos está dirigido para a compreensão dos processos comunicacionais em museus e suas implicações para os estudos de público em geral e específicos – voltados para questões de marketing, de educação e de comunicação (ALMEIDA, 2012; CARVALHO, 2005; CAZELLI, 2005; 2012; COIMBRA, 2012; CURY, 2005; FALCÃO, 2006; KÖPTCKE, 2012; LOPES, 2009; MARANDINO, 2001; MASSARANI, 2008; VALENTE, 2007; SEIBEL, 2008, entre outros). Outros estão relacionados às mudanças conceituais e museográficas dos processos expositivos de museus de ciência, e áreas disciplinares específicas. Além desses, a temática dirigida especialmente para os museus de ciência e suas coleções tem interessado um número expressivo de pesquisadores que ingressam nos programas de pós-graduação20. Esta última temática, segundo Lopes (2004), aproxima-se do contexto dos processos de democratização do país que levaram o CNPq a adotar políticas mais contundentes de apoio a museus de ciência e a institucionalização de disciplinas como a História da Ciência e Divulgação da Ciência. Esta última disciplina conta com um comitê assessor no CNPq, implantado em 2004, ato que veio valorizar o setor então discriminado pelos próprios pesquisadores que realizam divulgação científica. Essa mudança de comportamento foi objeto de estudo confirmando a ascendência do setor. A dissertação de Navas (2008) analisa esse comitê e da forma como vem sendo tratada a área da divulgação científica no Brasil comparado com outros países da América Latina, onde o museu aparece como equipamento cultural de destaque. Por fim, vale lembrar que se tem sublinhado, ainda, em diferentes encontros de contornos mais interdisciplinares, que os museus de ciência e tecnologia, são instituições promotoras da cultura cientifica e se pautam mais pelo objetivo de educar, no sentido de imprimir um espírito cientifico nos indivíduos, do que o de ensinar leis e fundamentos científicos. Compreensão que evidencia diferentes tendências, tanto no que diz respeito à atuação de aproximação dos museus com os diferentes públicos, quanto na produção de pesquisas em âmbito acadêmico. 19 Pesquisas particularmente relacionadas aos museus universitários, ver em Almeida (2001); Lopes e Figueirôa (2003); Lourenço (2005). 20 Ver dissertações defendidas em: Programa de pós-graduação Patrimonio e Museologia – UNIRIO/ MAST. Disponível em: http://www.unirio.br/cch/ppg-pmus/ ; e o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Não Formal e Divulgação em Ciência - GEENF <http://www.geenf.fe.usp.br/divulga.php>.
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Para responder as exigências da democracia moderna, Stengers (1997) afirma que os futuros cidadãos deverão ser capazes de se interessar pela ciência, ‘tal como ela se faz’, com suas relações de força, suas incertezas, suas múltiplas constatações que suscitam suas pretensões, as alianças entre interesses e poderes que a orientam, que hierarquizam suas questões, desqualificando umas e privilegiando outras. Tornar acessível ao público, e na perspectiva da inclusão social, a cultura cientifica técnica e industrial, os avanços que se produzem nas ciências fundamentais, nas suas aplicações tecnológicas, nas suas alternativas industriais, assim como as mudanças sociais que elas induzem, é o que se busca. Mas, o vasto domínio da Cultura Cientifica Técnica e Industrial, que vai da transmissão de conhecimento científico de base aos processos de mediação, para melhor fazer compreender ao público os andamentos e as relações sociais ligadas às mudanças econômicas e ecológicas, necessita também da parte dos mediadores do museu uma melhor e mutua compreensão entre esses atores tão diferentes. Com essa preocupação, cabe assinalar que os estudos desenvolvidos guardam um estreito interesse sobre os frequentadores da instituição (CAZELLI; COIMBRA, 2012) e vêm redimensionar o caráter público não só do espaço museológico, mas também da relação dos indivíduos com a ciência.Todos os processos de aproximação do público com a ciência são construções históricas, implementadas simultaneamente à promoção das ciências ao longo dos séculos, e em grande medida no interior dos museus, também, envolvidos nessa promoção. Os estudos produzidos e aqui assinalados tratam de alguma forma da construção da categoria de museu de ciência e tecnologia. Esses estudos fornecem subsídios para entender a formação desse tipo de museu no país e oferecem pistas para a identificação e compreensão das permanências tradicionais na concepção das atuais iniciativas institucionais. As pesquisas vêm assim sinalizando um caminho a ser seguido. São estes estudos que contribuem para o fortalecimento do campo disciplinar da museologia, acrescentando modos de ver e de se relacionar com o museu. Nesse caminho, deve-se destacar a pesquisa, fundamentada na perspectiva da história da ciência, de Lopes (1997) sobre o Museu Nacional do Rio de Janeiro, que veio impulsionar a vertente da história da museologia no Brasil. Sua contribuição tem ampliado essa vertente, abrindo uma linha de pesquisa importante na construção da trajetória da museologia brasileira. A exploração da instituição museológica por essa via descortina uma feição até então escondida do museu. No caso brasileiro, além de qualificar a ciência produzida no país ainda no século XIX, valoriza o campo da museologia com a introdução de instrumentos de pesquisa que enriquecem futuras análises. Os aspectos abordados no decorrer do artigo sugerem levantar a questão que se refere ao lugar em que se situa o museu de ciência e tecnologia na produção da museologia e do patrimônio de ciência e tecnologia e ou no cenário mais amplo da museologia e do patrimônio. Os estudos voltados para os museus de ciências e tecnologia, empreendidos na perspectiva anunciada, terão como áreas de intersecção a história da ciência e a museologia. Os museus comportam mudanças para se adequar a um novo momento. Toda adaptação implica a perda ou recuperação de status, no que diz respeito, por exemplo, ao público geral, aos pesquisadores, aos museólogos e a outros profissionais, as coleções, as disciplinas e as apresentações. A acomodação exige um constante movimento de atualização. Mais do que nunca, os museus de ciências, como instituições renovadas, são considerados espaços
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privilegiados de divulgação científica e de preservação do patrimônio da ciência e tecnologia. Nesse sentido, o estreitamento dessas instituições com as ações de desenvolvimento científico tecnológico só tende a fortalecer os dois setores. A ideia de promover a cultura científica na sociedade esteve presente na grande maioria dessas instituições, em lugares e épocas diferentes, a partir de perspectivas que guardam características de seu tempo e de seu contexto. De qualquer forma podem-se destacar marcos que permitem constituir tendências ao logo do tempo. A história dos museus de ciências e tecnologia no Brasil é recente, assim como a produção de pesquisas relativas à museus, impulsionadas no país a partir das últimas décadas21. Nesse sentido, a análise sugerida por uma abordagem historicamente contextualizada poderá contribuir no enfrentamento dos desafios dos museus atuais e contribuir para a produção no campo da história da ciência e da museologia. Referências ALBERTI, Samuel J. M. M. Objects and the museum. ISIS, n. 96, p. 559-571, 2005. ALMEIDA, Adriana Mortara. A observação de visitantes em museus: sobre ratos e seres humanos. Revista Museologia & Interdisciplinaridade, v. 1, n. 2, p. 10-29, 2012. ALMEIDA, Adriana Mortara. Museus e coleções universitárias: por que museus de arte na Universidade de São Paulo? 2001. Tese (Doutorado)- Escola de Comunicação, USP, São Paulo, 2001. ARAGÃO, Thayse Zambon Barbosa. Concepções de ciência presentes na divulgação e prática de instituições não formais de ensino de ciências. 2013. Dissertação (Mestrado)- Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013. BENNETT, Jim. Museums and the history of Science. ISIS, v. 96, n. 4, p. 602-608, 2005. BENNETT,Tony.The birth of the museum: history, theory, politics. London: Routledge, 1996. BERGERON,Yves; DAVALLON, Jean. Recherche. In: DESVALEES, D’André; MAIRESSE; François (Org.). Dictionaire encyclopédique de muséologie. Paris: Armand Colin, 2011. p. 527-542. BRUNO, Maria Cristina de Oliveira. Museus, ciência, tecnologia e sociedade: um desafio de gerações. In: VALENTE, Maria Esther Alvarez (Org.). Museus de ciência e tecnologia: interpretações e ações dirigidas ao público. Rio de Janeiro: MAST, 2007. p. 41-46. CARDOSO, Ciro Flamarion Santana; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da história. Rio de Janeiro: Campus, 1997. CARVALHO, Rosane. A transformação da relação museu e público: a influência das tecnologias da informação e comunicação no desenvolvimento de um público virtual. 2005. Tese (Doutorado)- Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) [em convênio com] IBICT, Rio de Janeiro, 2005. CAZELLI, Sibele et al. Mediação ciência e sociedade: o caso do museu de astronomia e ciências afins. In: MASSARANI, Luisa; ALMEIDA, Carla (Ed.). Workshop sul-americano & escola de mediação em museus e centros de ciência. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008. p. 61- 68. CAZELLI, Sibele. Alfabetização científica e os museus interativos de ciência. Dis21 O estudo realizado por Cury (2005) registra um importante levantamento das pesquisas acadêmicas em museus brasileiros.
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Artigo recebido em janeiro de 2014. Aprovado em fevereiro de 2014
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Museologia e conhecimento, conhecimento museológico – Uma perspectiva dentre muitas
Marília Xavier Cury 1*
ResumO: Museologia, ciência ou trabalho prático? Esta pergunta nos persegue há décadas e, embora possamos responder como ciência, ainda não faltam outras respostas, como a terminologia e a metodologia para o que entendemos ser museologia como teoria. O artigo ele propõe uma discussão sobre pesquisa em museologia, tendo o fato museológico como objeto de estudo e uma realidade empírica como lugar de observação e análise. PalaVras-CHaves: Metamuseologia. Pesquisa em museologia. Comunicação museológica. Indígenas e museus. Museu Índia Vanuíre.
Abstract: Museology, science or practical work? This question haunted us for decades, and although we can respond as a science, not missing other answers, as the terminology and methodology of what we understand to be museology as a theory. The article he proposes a discussion on research in museology, museum taking it as an object of study and an empirical reality as a place for observation and analysis. Key-words: Metamuseology. Research in museology. Museological communication. Indigenous and museums. India Vanuíre Museum.
1 * Docente em Museologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.
Museologia e Conhecimento, Conhecimento Museológico – Uma Perspectiva Dentre Muitas
Introdução
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Museologia, ciência ou trabalho prático? A questão foi debatida em 1980 no âmbito do Icofom – Comitê Internacional para a Museologia do Icom – Conselho Internacional de Museus. O Comitê, criado em 1977, vivenciava uma fase profícua de discussões em torno da estruturação da Museologia. Nesse ano é criada uma plataforma para discussão por meio da publicação bilíngue Muwop – Museological Working Papers / Dotram – Documents de Travail en Muséologie.A publicação agregou, por princípio editorial, uma diversidade de pontos de vistas de autores de diversos países. Um dos participantes mais ativos dessa fase inicial de discussões do Icofom, que temos como referência até o presente, foi Zbynek Zbyslav Stránský2. Segundo o autor (STRÁNSKÝ, 2008, p. 102): De forma bem esquemática: temos que decidir se A tem propriedades de B ou de C. A variável quantitativa A é coberta pelo termo “Museologia”, contendo ainda algumas características de B (logia). Isto, naturalmente, influencia nossa conclusão. Ao mesmo tempo, a questão se refere a A como um fenômeno objetivamente existente. B (ciência) foi colocada em contraposição a C (trabalho prático). Temos ainda aqui o advérbio “apenas”3, cujo significado é de certa forma ambíguo. Ele pode significar que desejamos saber se, no presente, A é B ou C, mas também pode significar que estamos perguntando se A é o que tem sido até o momento, isto é, se presumimos alguma mudança.
Stránský (2008), ao longo do artigo, desenvolve uma reflexão em torno da questão apontada. Ao final, ele sintetiza com a posição de que Museologia – o termo, um dos pontos tratados no artigo – entendida como teoria museológica é um campo específico de estudo que tem suas atenções no museu como fenômeno e no confronto teoria e prática. Para o autor, “[...] a teoria do pensamento museológico encontra-se, no presente [1980], em estágio de formação e de separação das outras ciências. É por isso que ainda se encontra consideravelmente carregada de empirismo e obstruída pela prática direta” (STRÁNSKÝ, 2008, p. 105). O ponto crucial é de ordem metateórico, ou seja, a Museologia no atendimento aos critérios da teoria científica. Em seguida o autor finaliza: A encontra-se em fase de identificação, isto é, em processo para tornar-se B. Entretanto, A não é de nenhuma maneira idêntica ou identificável com C. A tem relação específica com C, mas devido ao fato de estar-se aproximando de B, necessariamente se afasta de C. Mas quanto mais perto A chega de B, quanto mais elas se tornam idênticas, mais se reaproximará de C, mas num plano diferente do original, ou seja, no plano da interpretação teórica. (STRÁNSKÝ, 2008, p. 105).
A Museologia, ademais de campo específico, embora em construção, é um campo amplo e diversificado pelas possibilidades interpretativas inerentes à teoria. O seu objeto de estudo diferencia-se do museu ou o museu não é o objeto a ser estudado pela Museologia, reflexões que o autor inicia em 1965. Para Stránský (2008) a Museologia científica4 trata da construção de conhecimento e, para tanto, deve se alicerçar no seu objeto de estudo, na terminologia e na 2 À época: Diretor, Depto. de Museologia, Museu da Moravia, Brno; Diretor do Depto. de Museologia da Faculdade de Filosofia da Universidade Jan Evangelista Purkyne, Brno, Tchecoslováquia. 3 O título do Encontro Anual do Icofom foi: Museology: Science or just practical museum work? 4 Chamo a atenção para o fato de que alguns profissionais usam a expressão Museologia científica, quando deveriam usar museografia para museus e centros de ciência.
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metodologia. E por entender a Museologia como teoria museológica, uma das grandes contribuições de Stránský é o que ele definiu como Metamuseologia. Então, devemos distinguir entre a Museologia – o campo de conhecimento de abrangência teórica – da Museografia – igualmente campo de conhecimento sustentado pela prática museal. No entanto, o que está separado é usado, muitas vezes, como sinônimos. Não nos faltam exemplos, que prefiro não citá-los, claramente identificáveis quando, justamente, os termos são usados como se tivessem o mesmo sentido, quando não o têm, embora haja, não podemos negar, uma relação, fato que o que aproxima museologia e museografia é o museu. Ainda, o que aproxima acontece também porque museografia, ou museologia aplicada, faz parte do Quadro Geral da Museologia. Tomislav Sola5, outro expoente e referência da Museologia, igualmente integrante do Icofom na sua fase inicial e de consolidação, desabafa:“[...] a museologia não existe” (SOLA, 2002, p. 296-297). Refere-se, em 1987, ao uso dos termos – museologia e museografia que destaco dentre outros que menciona –, o que, para o autor, é acarretado pelos desafios que se apresentam para muitos. O autor, fazendo uma crítica, afirma que a museologia está dividida entre: as obrigações relativas à dignidade do museu tradicional, a necessidade de construir os critérios acadêmicos e atendimento às exigências próprias da preservação do patrimônio. Para o autor, a quase total inexistência da museologia como ciência coloca o panorama crescente dos museus – modificações no cenário como resposta aos avanços culturais e tecnológicos dentre outros – em uma situação caótica. Segundo Sola: “Para que a museologia chegue a transformar-se em uma ciência terá que enfrentar a dura realidade, e assumir que suas concepções e procedimentos acadêmicos estão cada vez mais obsoletos” (SOLA, 2002, p. 297). O autor refere-se a uma museologia tradicional, ou seja, uma ideia de museologia como conjunto de saberes práticos estruturados em um modelo de museu do século XIX. Em outras palavras, uma museologia do século XIX perdura, mas é incapaz de dar conta do museu clássico, como dito no Brasil, o museu tradicional em contraposição aos novos museus fruto de novas discussões. Essa museologia não sustenta qualquer discurso contemporâneo, então, para Sola, não existe como ciência. Muito provavelmente a situação colocada refere-se ao que Stránský identificou como a museologia obstruída pela prática direta nos museus, o que entendo como a museologia engolida pelo cotidiano museal, sem condições de superá-lo ou impactá-lo. O depoimento de Tomislav Sola integra um conjunto de outras manifestações reunidas como Formas de antimuseus (BOLAÑOS, 2002, p. 268-297), fortes críticas e contestações aos museus que aconteceram desde o advento do Maio de 1968 à constituição da nova museologia e da ecomuseologia e outras vertentes reformadoras da museologia, da museografia e dos museus. Foram essas décadas que trouxeram (des)construções de modelos de museus e que deram apoio aos avanços da museologia, posto que as relações entre a disciplina e o museu persistem. Crítica ou desabafo, os museus passam por crises ou, inevitavelmente, passam por problemas e qualquer que seja a situação museal a museologia participa. Hoje os problemas da existência dos museus não podem ser solucionados no âmbito da prática. Para a realização desta tarefa necessitamos uma ferramenta especial, que nos permita descobrir as facetas objetivas da realidade, definir as suas leis e encontrar soluções ótimas tanto para resolver as questões cotidianas quanto para planejar o futuro. Esta tarefa só pode ser realizada com a teoria museológica, mais ainda, com a museologia (STRÁNSKÝ, 2008, p. 104).
Em se tratando, então, da relação entre museologia e o museu como fenômeno, e lugar institucional onde a museografia acontece e se modifica, Zavala (2003) 5 Servo-croata, proeminente representante da museologia do oeste europeia e iugoslava.
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nos apresenta dois modelos: museu tradicional e museu emergente. Em linhas gerais, o museu tradicional, leia-se também museografia tradicional, segue um modelo institucional do século XIX atualizado em seus propósitos e políticas certamente. O museu emergente é aquele que está em constituição, enfaticamente determinado pelas transformações recentes e em vias de acontecer das Ciências Sociais. Trazendo para a atualidade o que Stránský propôs em 1980, a museologia ainda busca os critérios científicos para se tornar um campo específico, mas não se confunde mais com a museografia e o museu, mesmo se relacionando com estes. Por outro lado, o museu é uma base empírica para o desenvolvimento da pesquisa em museologia. Dessa forma, apoiada nos museus e/ou referenciada por estes, a museologia vive o que denomino a transição entre dois modelos de museu, o tradicional e o emergente. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo refletir sobre museologia, tendo em vista a análise sobre ações museográficas que acontecem em um museu em transição, aqui entendido como modelo que se faz a partir de uma prática experimental com vistas a um museu emergente que, não existindo, precisa se fazer. Nesse sentido, parto de uma experimentação museológica que acontece no Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre6.
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2 Museologia e o Quadro Geral da Disciplina A Museologia é a disciplina que se aproxima de outras para dar conta de seu objeto de estudo, o fato museológico – a relação do homem com o patrimônio cultural, relação mediada, ora por vezes por um museu – institucionalmente –, ora por outros tipos de estruturas museais. Para Guarnieri (2010) o objeto de estudo da museologia é o fato museológico, perspectiva desenvolvida a partir da proposição de Stránký (2008) de estudo da relação do homem com a realidade como objeto científico. Podemos representar o fato museológico no ternário Homem, Objetito e Museu ou, ampliando, Sociedade, Patrimônio e Território (Figura 1). Nessa representação há duas abordagens não excludentes. A primeira refere-se ao museu tradicional. Então, a relação é entre o homem (o público) e o objeto (musealizado ou museológico) em um cenário institucional, o museu tradicional. A segunda refere-se ao ecomuseu, museu comunitário, de território e outras formas e abrange a sociedade ou um grupo social em relação com seu patrimônio, relação mediada ou definida pelo território onde a cultura se constrói. O museu integral, um conceito que trata do patrimônio na dimensão integral onde se adquire esse status e se encontra, se aproxima da segunda abordagem.
Fonte: O autor.
SOCIEDADE HOMEM
PATRIMÔNIO OBJETO
CENÁRIO TERRITÓRIO Fig. 1: Ternário – representação do fato museológico, objeto de estudo da Museologia. 6 Pesquisa desenvolvida no âmbito do Convênio ACAM Portinari e USP, 2011-2015, para ações de pesquisa e intercâmbio entre o Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre, Tupã, SP, e o Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, SP.
Marília Xavier Cury
Outra das grandes contribuições do Icofom7 está na discussão em torno do sistema da museologia, sintetizado no Quadro Geral da Disciplina Museológica8 (Quadro 1), estruturado em Museologia Geral, Museologia Especial e Museologia Aplicada e subdivisões. 1- Museologia Geral
2- Museologia Especial
Fonte: O autor.
3- Museologia Aplicada
Teoria museológica História dos museus Administração museológica Textos – Tipologia Contexto – Universo e circunstâncias Formação e/ou desenvolvimento de coleções Salvaguarda - Conservação - Documentação Comunicação - Exposição - Educação Gestão
Quadro 1: Quadro Geral da Disciplina Museologia, estrutura definida no âmbito do Icofom/ Icom em 1983.
A museografia é Museologia Aplicada aos museus. Para tanto, as ações técnicas do processo curatorial (Figura 2), – aquisição, salvaguarda (conservação e documentação) e comunicação (exposição e educação) – e as de gestão (planejamento e administração) compõem a museografia9. Fonte: O autor.
COLETA
PESQUISA CONSERVAÇÃO
COMUNICAÇÃO
DOCUMENTAÇÃO Fig. 2: Processo curatorial ou curadoria. Todas estas ações do processo são curatoriais.
Em se tratando de museologia e museografia e o potencial de intervenção que cada uma tem sobre a outra, traço uma correlação entre Museologia Geral e Museologia Aplicada, de modo a sugerir um debate sobre o Quadro Geral da Disciplina (Quadro 2). Inicialmente, entendo que a comunicação faz parte do fato museológico, pois este estabelece relações entre culturas, grupos, indivíduos. Nesse sentido, entende-se que estudos museológicos respaldados pela comunicação fazem parte da esfera teórica, integrando a expologia e a educação. A Comunicação museológica se alinha à Comunicação museal. Não há hiato entre as duas dimensões, são apenas formas distintas de construção de conhecimento: teórico e prático e técnico. É importante destacarmos que há reciprocidade entre as duas. A Comunicação museal tem suas bases fundantes na Comunicação museológica e a segunda é questionada pela primeira. Na Comunicação museal está a realidade empírica que a Museologia e a Teoria Museológica precisam. Nessa linha de pensamento, a Expologia alinha-se à Expografia e a Educação Patrimonial 7 Para um panorama das discussões do Icofom, ver: Cerávolo (2004a; 2004b). 8 Formado a partir da proposta tripartite: Museologia Geral, Museologia Especial e Museologia Aplicada. Com referência a essa proposta, ver: MuWoP (1980); MuWoP (1981); ICOFOM (1983). 9 Quanto à curadoria e museografia, ver: Cury (2009, p. 25-41).
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à Educação em Museus. Dessa forma, destacamos que a práxis em museus não é vazia de conceitos e métodos, como muitas vezes é julgada. Por exemplo, montar exposição é uma etapa de um processo maior e mais complexo, longe do ato de “colocação de objetos em vitrinas”. Educação, por sua vez, não pode ser confundida com “atendimento ao público”, embora o público necessite ser atendido. Educação, por outro lado, não é instrumento de gestão para obtenção de estatística de visitação. Museologia Geral História dos museus
Fonte: O autor.
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Museologia Aplicada – Museografia Níveis Curadoria Aquisição/ Administrativo formação de acervo planejar Salvaguarda - Conservação preventiva ↕ - Documentação museológica Técnico Comunicação museal Teoria Museológica aplicar - Expografia - Comunicação museológica - Expologia - Educação em museus - Educação patrimonial ↕ - Recepção de público Gestão do patrimônio Gestão Planejamento Político musealizado interagir Administração Avaliação
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← diálogo → →
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Quadro 2: Correlação Museologia Geral e Museologia Aplicada – Museografia, com destaque à comunicação e recepção.
Educação patrimonial é o campo maior que serve à Museologia, mas também a outras áreas, lembrando que Museologia não está isolada e nem tem limites inflexíveis. Ainda, é bom registrar que o patrimônio não é algo do universo restrito dos museus. Então, Educação patrimonial é “[...] um campo de trabalho, de reflexão e ação e, como tal, pode abrigar tendências e orientações educacionais diversas, divergentes e até conflitantes [...]” (CHAGAS, 2004, p. 143). Aproximar a Educação patrimonial da Museologia corrobora com o enfrentamento da complexidade do tema, patrimônio, e com a necessidade de tratá-lo interdisciplinarmente. Por outro lado, a aproximação permite que a Museologia participe desse campo, com a sua contribuição específica. Nos museus a Educação patrimonial é Educação museal. Sem perda de raízes conceituais e políticas, atua na particularidade do patrimônio cultural musealizado. Na proposta de correlação entre Museologia Geral e Museologia Aplicada, outro aspecto a destacar é a avaliação em museus, pelo seu papel promotor de uma cultura institucional voltada à qualidade das ações da equipe de profissionais. É a avaliação que unifica o cotidiano do museu ao projeto de gestão, ajustando-os reciprocamente para a eficiência e a eficácia. Para tanto, a avaliação deve ser praticada em todo o museu e atingir diferentes níveis e planos, envolvendo seus atores (público interno e externo), ou seja, avaliar os métodos e estratégias, ações, atividades, produtos e serviços. A avaliação alimenta, ajusta, adequa, corrige... faz o sistema andar em direção aos objetivos traçados e aos propósitos institucionais (CURY, 2009, p. 33).
A avaliação está no domínio da museografia, pois está estruturada para a organização da rotina e do cotidiano do museu, propondo a reflexão sobre o
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trabalho. Promove a construção de um conhecimento sobre a ação e implementa um tipo de inteligência inerente à práxis. A avaliação da educação museal tem uma abrangência, pode ter diferentes motivações, distintas abordagens e métodos variados (CURY, 2008). De qualquer forma, avaliação da educação museal refere-se à qualidade – relação entre o público, situações de aprendizagem, processos e ações educativas do museu. Diz respeito à experiência do público, informa sobre a eficácia dos produtos e ações, está focada no alcance de objetivos e nas realizações, indica o que fazer. Por outro lado, a avaliação da educação em museus está ligada às condições de produção – desenvolvimento do processo educacional. Abrange o modo de utilização dos recursos disponíveis, a eficiência dos processos, os esforços da equipe e procedimentos adotados. Em síntese, a avaliação ensina a fazer a coisa certa da forma certa – qualidade com qualidade, metaqualidade. É comum que se mencione que a avaliação museal e educacional é uma forma de compromisso da equipe e, assim, uma cultura do trabalho comprometida com dimensão pública do museu. Observem que no quadro 2, à direita, na coluna níveis há três abordagens: administrativa, a técnica e a política. O que defendemos é que nas ações fins, como a educação em museus, trabalhamos esses níveis como o planejamento, desenvolvimento e aplicação de técnicas pertinentes e organização estratégica de equipes. Para a Museologia, a avaliação em museus passa a ser pesquisa ou estudo de recepção, ela deixa de ser avaliação de processos e resultados – para alimentar, corrigir e ajustar o projeto de gestão, fazê-lo acontecer, enfim –, e passa a preocupar-se com as mediações culturais que extrapolam os muros do museu. O estudo de recepção abrange a compreensão “[...] das formas de uso que o público faz do museu e das interações geradas pelas exposições, em face das mediações culturais. A pesquisa de recepção de público é importante para o museu, porque são os usos que o público faz dele que lhes dão forma social” (CURY, 2009, p. 34). Para melhor referência aos estudos de recepção temos os estudos culturais (Cultural Studies), acepções diversas que, como bem explicitado por Lopes (1993), trata-se do precedente à abordagem latino-americana das pesquisas de recepção, que tem como expoentes Nestor García Canclini e Jesus Martín-Barbero. Os estudos de recepção, então, não somente têm no museun e na musealização lócus privilegiados, mas, também e principalmente, são essenciais para a museologia ou metamuseologia. Se o objeto de estudo da Museologia é a relação entre o homem/público e o objeto/patrimônio, relação mediada, a recepção atua para o entendimento desse objeto. Ou seja, há várias formas de pesquisar em Museologia e uma delas é a pesquisa de recepção, pelo alcance que a recepção tem de chegar nas pessoas e nos lugares onde os sentidos são produzidos. A pesquisa de recepção é fundamental para a museologia porque é uma das possibilidades de produção de conhecimento e construção teórica. Para a realização desses estudos, com base empírica, necessitamos da museografia (da qual a avaliação faz parte), de seu cabedal metodológico e técnico e, sobretudo, do conhecimento sobre o público no espaço do museu. Há uma rotina museal e quem a conhece é quem a observa rotineiramente, quem vive essa rotina tem em si um saber próprio da práxis. E, para finalizar, inserimos o público nesse contexto de discussão. O público atua nos museus, o que a comunicação e a recepção deflagraram sem contestação. A relação do público com o museu ou o espaço que a ele é reservado foi uma conquista. Vejamos três momentos da trajetória dos museus para entender essa relação e as mudanças de perspectivas ocorridas. No positivismo as exposições eram taxonômicas e descritivas. O público tinha uma inserção contemplativa e uma participação passiva, pois a
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classificação é uma linguagem restrita. No racionalismo as exposições passam a ser contextualizadas, explicativas e argumentativas. O público ganha espaço de participação, pois a inteligibilidade passa a ser um objetivo, assim como a leitura/ compreensão da exposição. Atualmente as exposições são produtos culturais carregados de ideologias. Além da leitura, o público tem reservado para si o trabalho criativo de interpretação, ressignificação e reformulação da mensagem museológica, quando agrega valor a ela e a faz circular em seu meio.Ainda, e cada vez mais, as experiências com os novos museus – ecomuseus, museus comunitários, de território etc. – vem abrindo possibilidades participativas únicas, pois as situações são criadas pelo público, abrindo possibilidades de enunciatário e enunciador. Neste caso, o discurso museal se faz pelas múltiplas enunciações anunciadas institucionalmente.Vejamos a síntese dessa transformação (Quadro 3). Modelo Classificatória
Contextualizada Fonte: O autor.
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Pentadimensional/ hipertextual
Dimensões Participação 3 dimensões: a Contemplação tridimensionalidade do espaço e dos objetos 4 dimensões: a Leitura tridimensionalidade e a leitura Leitura e escritura 5 dimensões: a tridimensionalidade, a leitura e a escritura
Envolvimento Passivo
Ativo mentalmente Criativo
Quadro 3 – Participação do público no museu.
Com essa proposta de atualização do Quadro Geral da Disciplina tenho a intenção de situar as pesquisas museológicas de alcance comunicacional e de recepção, com a pretensão de contribuir minimamente e de alguma forma com uma Metamuseologia. Museu em Transição Zavala (2003) nos demonstra enfaticamente que as transformações ocorridas nas ciências sociais nos últimos 35 anos, provocada essencialmente pelos estudos transdisciplinares, vêm a afetar o museu. Segundo o autor, há dois paradigmas a considerar, um tradicional e um emergente. Em síntese, o paradigma tradicional volta-se para o conteúdo objetivo da exposição formulado por especialistas, naturalização dos significados, experiência museal baseada na transmissão de conteúdo e em uma visão convincente do mundo, na obtenção de conhecimento pela visão e pensamento. O paradigma emergente vê o museu como lugar que promove o diálogo entre o contexto de vida do visitante e aquilo que o museu propõe como experiência de visitação, de forma que os objetivos da visita tornam-se múltiplos e escolhas individuais, os significados são construções sociais, a experiência museal é simbólica, subjetiva e intersubjetiva, alcança as dimensões ritualísticas e lúdicas, provoca as emoções, é multissensorial e transcende o espaço do museu, o visitante é ativo e autônomo. Parece que o museu emergente já existe, como ideal sim, mas como prática não. No Quadro 4 podemos perceber mais alguns elementos do museu emergente que ainda não foram incorporados, como a autonomia do visitante e a extrapolação da experiência para seu cotidiano.
Fonte: Adaptação de Zavala (2003, p. 19).
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Aproximação de paradigmas para os museus Tradicional Emergente Visita como obtenção de conhecimento Visita como possibilidades múltiplas e únicas Valorização do conteúdo da exposição Valorização do diálogo entre cotidiano e experiência de visita ao museu Naturalização do significado Contextualização social de produção do significado Objetividade expográfica Subjetividade e intersubjetividade Experiência como representação clara e Experiência museal ritualística e lúdica convincente do mundo Ênfase na visão e no pensamento Espaço para a afetividade, emoção e multissensorialidade A autoridade recai sobre os especialistas O visitante é ativo e autônomo do museu O museu é uma janela para realidades O museu é uma oportunidade para a construção simbólica Experiência e circuito museal coincidem Experiência museal extrapola os muros do museu Quadro 4 – Comparativo entre paradigmas tradicional e emergente.
O museu, o tradicional, é uma instituição elitizada. Isto não é um estratagema e sim a forma de funcionamento da hegemonia que, em uma de sua manifestação, é segregadora. Esta é a herança que nos deixou os museus do século XIX sustentado em uma ideia de nação. O que não é elitista é popular. Ou nos convém colocar a questão do popular em contraposição ao elitizado para trazer outros pontos para discussão de um modelo que substitua àquele modulado no século XIX e que persiste até hoje. O museu do século XIX foi instrumento da integração cultural e da enculturação do popular para a definição da cultura nacional. A cultura popular passa, então, a ser depreciada e os saberes dessa cultura passam a ser desvalorizados e as pessoas a serem tratadas como atrasadas e vulgares. Isso, em grande medida, perdura até hoje. Os saberes populares são aqueles conhecidos por toda a sociedade, mas vividos de forma especial e intensa pela cultura popular como resquício da condição grupal de outrora. Eles estão diluídos no cotidiano e alguns podem ser mencionados como cooperação, solidariedade, generosidade, a oralidade, a fé, a religiosidade, a espiritualidade, o sentimentalismo, a afetividade, os valores familiares e outros. O gosto pelo luxo, por exemplo, é popular, o que Joãozinho Trinta expressou há muito tempo10. No entanto, na atualidade, a grande presença das pessoas dessa segmentação sociocultural na economia vem recolocando alguns aspectos que as caracterizam culturalmente em circulação por meio de produtos de massa. Afirma-se uma estética de massa - que é diferente da estética popular -, invenção motivada pela economia e incorporada pelos meios de comunicação. Longe de sugerir uma transformação do museu para uma estética massiva, é fundamental esclarecer que o que trago para reflexão não é o massivo em si, mas sim o que ele revela: resistência cultural e exercício do jogo do poder. Para que o museu deixe de ser elitizado e para que assuma a sua condição política, ele necessita abrir-se para outras estéticas - como a popular - para revalorizar 10 O massivo está presente em exposições do tipo “tesouros de...” e “as jóias da...”, por exemplo.
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as articulações e mediações da sociedade civil, ampliar o sentido social dos conflitos, reconhecer as experiências coletivas existentes no seio da sociedade (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 296). Ainda, reconhecer que as minorias têm um papel social a cumprir, trazendo outros elementos e referenciais a serem considerados. O museu contemporâneo, o que chamarei de museu em transição, é uma resposta à exclusão do saber popular e outras formas discriminatórias, ou seja, o museu em transição inclui porque há uma face dele que exclui, por isso ele é contraditório, pois nega o museu tradicional sem deixar de sê-lo totalmente. No museu emergente as duas questões – exclusão e inclusão – estarão superadas. No museu emergente haverá espaço para todas as formas de saberes, sem distinção ou discriminação entre eles. Sabemos, há muitas formas de saberes e, as reconhecendo ou não, o museu ainda não sabe como inseri-las na sua práxis. No museu em transição, no entanto, devemos não somente reconhecê-las, como propomos fazê-lo com os saberes populares (não massivamente11), mas colocá-las na pauta, como estratégias de resistência cultural e de ação política. Para enfrentar a problemática da participação nos museus inserindo outras perspectivas em seus espaços, adoto o deslocamento da nossa atenção dos meios às mediações (MARTÍN-BARBERO, 1997), ou deslocar o nosso ponto de vista do museu (condições de produção) para o cotidiano das pessoas, ou seja, para a cultura. Mediação, então, se faz no seio da cultura ou é a própria cultura. Todo e qualquer entendimento que o público venha a ter no museu dependerá de seu contexto cultural, não negligenciando o fato de que há uma forma de fazer museu que se aproxima ou se distancia da cultura onde está inserido, mas sem estabelecer diálogos muitas vezes. Deslocar a visão desde a cultura para o museu insere as distintas segmentações sociais no museu, os saberes inerentes a ela e muitas outras narrativas próprias de uma comunicação plural. Outros aspectos impactam o museu e mesmo a nossa visão sobre ele, como o entretenimento. Longe de fazer algum julgamento da indústria do entretenimento, não me cabe, levo a questão para o que Martín-Barbero (1997) sugere: como recuperar a dimensão simbólica da política, ou o que o mercado – entenda-se indústria do entretenimento – não pode fazer. Que é que o mercado não pode fazer por mais eficaz que seja seu simulacro? O mercado não pode sedimentar tradições, pois o que produz se ‘desmancha no ar’ devido à sua tendência estrutural a uma obsolescência acelerada e generalizada não somente das coisas mas também das formas e das instituições. O mercado não pode criar vínculos societários, isto é, entre sujeitos, pois estes se constituem nos processos de comunicação de sentido, e o mercado opera anonimamente mediante lógicas de valor que implicam trocas puramente formais, associações de promessas evanescentes que somente engendram satisfações ou frustrações, nunca, porém, sentido. O mercado não pode engendrar inovação social pois esta pressupõe diferenças e solidariedades não-funcionais, resistências e dissidências, quando aquele trabalha unicamente com rentabilidade (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 15, grifo do autor).
O mercado globalizado como está afeta a cultura e o museu. O museu, me parece, quer superar deficiências e limites e vê em algumas ideias do mercado uma saída. Há contribuições do mercado para os museus, não nego, mas o que coloco em questão, particularmente para pensarmos o museu em transição, é o que não queremos e o que queremos para o museu e como realizaremos esse museu emergente por meio de experimentações. A indústria do entretenimento não nos dará as orientações para o museu emergente, pela incapacidade do 11 Muitas das grandes exposições que presenciamos nos últimos anos têm caráter massivo.
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mercado, como apontado, ou nos dará contribuições pontuais, consigo perceber algumas dentre muitas intervenções nem sempre exitosas do ponto de vista de museologia. O mercado tende a reconciliar e equalizar, encobrir conflitos, eliminar o discordante, simplificar o diverso e o múltiplo, minimizar o repertório cultural do mundo, fazer o diferente parecer simples. Ora, nos parece que estamos tratando de alcances opostos àquilo que desejamos para o museu como lugar político. O museu em trânsito nega o museu tradicional, reconhecendo alguns dos seus limites, mas vive o momento da globalização, da indústria do entretenimento e da satisfação gerada por ela, o reducionismo e simplificação da diversidade cultural, a negação das minorias pois não se enquadram plenamente na esfera pública definida pelo capitalismo, vivem a desterritorialização, negam estéticas que venham a questionar uma visão econômica de desenvolvimento. Fazer museu nesse contexto globalizado é deveras experimental. Certamente temos ainda uma dificuldade de entendimento do museu emergente, mas o que sugiro neste momento é considerá-lo como instituição desblobalizante, ou seja, vivendo a globalidade, participa dela enfrentando-a. A seguir, Quadro 5, apresento comparativamente, o que entendo como as diferenças dos três modelos de museus, para reflexão.
Fonte: O autor. Inspirado em García-Canclini (2003), Zavala (2003), Martín-Barbero (1997) e na práxis.
Museu Tradicional Museu nação
Museu em Transição Museu diversidade e diferença Memória e identidade no Memória e identidade no singular plural Patrimônio como ideia Patrimônio como ideia fechada aberta e em mudança, muitas possibilidades de (re)interpretações Patrimônio como Patrimônio como ponte estratégia de educação de aproximação entre sociedades e culturas distintas, tempos e espaços Agenda limitada Agenda múltipla Excludente Inclusivo Improdutivo Vive um dilema com a lógica do mercado Tenso Incerto Crítico e contestador Discurso fechado Discurso = sinergia entre narrativas múltiplas e multivocalizadas Unificador Diversidade Terceira pessoa gramatical
Educação como instrução
Museu Emergente Museu desglobalizante Memórias e identidades circunstanciais Patrimônio e exercício criativo e de poder
Heterogeneidade, multiplicidade, pluralidade, fragmentação Agenda aberta Ampla participação Insatisfeito Enfrenta o mercado Intenso Plástico Simbólico e político Discurso em construção
Fragmentado, múltiplo, plural e diverso Terceira e primeira pessoa Primeira pessoa gramatical gramatical Diálogo entre o local e o global Diálogo entre o local e o global Desterritorialização Reterritorialização Educação como Educação como ensino-aprendizagem experiência
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Educa / Instrui
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Educa / Se educa
Cria situações performáticas, ritualísticas e lúdicas Comunicação como Comunicação como capacidade Comunicação transmissão de diálogo com o público Sentido único Polissemia Polissemia Significado fechado Significação aberta Significação circunstancial Acesso como Acesso como direito à Acesso como possibilidade de visitação informação e ao entendimento reconhecimento do diferente Curador = pesquisador Curador = profissionais Curador = profissionais e de coleção diversos públicos O público precisa do museu O museu precisa do público O museu é o público Democrático Solidário Quadro 5 – Comparativo entre museu tradicional, em transição e emergente.
Como vemos pelo exercício realizado, nem todas as diferenças são tão determinadas, nem tudo é passado e nem tudo é futuro, nem tudo é negação e nem tudo é afirmação. A ideia de transição é que me interessa particularmente, para entender por quê fazemos experimentações em museus, o quê negamos, o quê propomos e o quê de fato construímos. Isso posto, os museus em transição nos trazem muitas inquietações, dentre elas: - Como construir a(s) mensagem(ns) museológica(s) agindo dialogicamente? - Como devemos passar a ver o processo curatorial a partir da participação do público no processo de (re)significação cultural nos museus? Quais seriam as melhores metodologias para as equipes se adequarem para atuar na dimensão dialógica? Como disseminar essa nova concepção de maneira a mudar as mentalidades vigentes? - Como inserir o público nos processos museológicos? - Como inserir a fala do público na construção do museu? Como tornar a fala do visitante constitutiva da instituição? - O termo público de museu não deveria ser substituído por outro mais apropriado? Qual seria. Não tenho respostas, mas experimentações que fazem refletir sobre essas questões e tantas outras em torno de uma ideia de transição para a emergência de um museu. A Transição em Experimentação O Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre – MHPIV, assim batizado por Luiz de Souza Leão em 1966, tem uma circunstância peculiar que considero parcialmente. Diria inicialmente que o Museu como problemática reflete a cidade, igualmente como problemática cultural. Em outra situação atribui ao MHPIV o caráter de metamuseu, ou museu dele mesmo, pois evidencia como, no passado, ele se constituiu e, com isso, como se constitui no presente como produto cultural. Ou seja, pelo Museu podemos entender certas conjeturas da formação da cidade, mesmo que este não tenha essa intenção da forma como entendo que faz. O fato é que a cidade de Tupã foi um empreendimento comercial de, destacadamente, Luiz de Souza Leão e a criação do Museu e a inauguração de sua sede em 1980 foi a última etapa do plano empreendedor concluída pelo fundador. Então, o Museu foi e ainda segue sendo, em certa medida, uma peça importante para a construção da memória da cidade em torno de uma pessoa,
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o Souza Leão. Isso por um lado. Por outro lado há outra personagem, a índia Vanuíre, que deu nome à instituição que integrava a rede estadual de museus históricos e pedagógicos dos anos entre 1950 e 1970. Então, Vanuíre ajudou na estratégia de construção de uma identidade paulista, promovendo a cidade, inclusive no realizado contra os índios numa relação de poder e força. A Vanuíre que dá nome ao Museu é uma invenção romantizada de não índio, a patronesse que se exalta não é uma indígena e nem o que fizeram dela no processo de colonização, mas o que ela representa para os não indígenas: a suposta “pacificação” dos Kaingang e a paz entre não indígenas e indígenas. Então, o Museu, não como proposta conceitual, mas o imaginário que faz parte dele, revela uma situação em desequilíbrio como é de fato a relação do brasileiro com os povos indígenas. Vanuíre continua reforçando a ideia de que os Kaingang eram hostis e, por isso, precisavam ser pacificados e aldeados. Essa relação de poder fica mais óbvia nas explicações de Leão (1968) para a escolha do nome Tupã para a cidade. O nome de Tupan, vinha nascendo como homenagem aos índios, os verdadeiros donos das terras do Brasil, que ainda tinha uma vantagem – Seria uma advertência aos Brasileiros, para que procurassem pela inteligência e pelo esforço, formar uma Nação forte, para não suceder a eles, o que sucedeu aos índios, que foram derrotados pelos conquistadores! (LEÃO, 1969, p. 17, grifo do autor).
Em síntese, os verdadeiros donos das terras as perderam, pois lhes faltaram inteligência e força. Nessa linha de homenagem o fundador nomeou todas as ruas do centro de Tupã com etnônimos indígenas. Ainda para homenagear, ele criou um museu com nome de índia e promoveu como política a constituição de coleções etnográficas e de peças da história local. Tupã é mais uma cidade brasileira dentre muitas, onde se cultiva uma relação historicamente construída de admiração e rejeição dos indígenas, mesmo que isso não ocorra de forma explícita, voluntária ou pela força física. É na problemática da cidade onde o museu está e da qual participa que vejo um interesse museológico, entendendo que as construções contextuais e da conjetura interessa sobremaneira a ideia de museu que vive a transição. Não se trata de estudar grupos indígenas ou museus etnográficos e sim entender como um museu atua e como a museologia é capaz de entendê-lo e definir nele um objeto de estudo. Então, é a circunstância contextualizada que queremos entender, para, como agentes museais, intervir nela de forma participativa, alterando-a como proposta, analisando-a e provocando reflexões. O que apresento para discussão é uma pesquisa ação que, no meu entendimento, tem o mérito de colocar o museu em posição de experimentação para uma mudança em suas bases fundantes, ou seja, intervir na forma como se entende um museu e construir conhecimento museológico. A pesquisa acontece no Museu Histórico Pedagógico Índia Vanuíre, quando uma série de ações técnicas, museográficas, são implementadas no contexto da requalificação institucional12. Tem como motivação o aprofundamento de questões inerentes à cultura indígena na relação com os museus, tendo o estado de São Paulo como cenário de problematização de ações de musealização desse segmento cultural brasileiro. Esse Museu tem importante papel no interior do estado de São Paulo, seja pelo porte e gestão museal, pela coleção indígena que mantém e pela história do território onde se localiza – cenário da criação 12 A partir de 2008, o Museu Índia Vanuíre passou a ser gerido pela ACAM Portinari (Associação Cultural de Apoio ao Museu Casa de Portinari), Organização Social de Cultura parceira da Secretaria de Estado da Cultura na gestão dos museus estaduais do interior.
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do SPI, Serviço de Proteção aos Índios, que promoveu a chamada “pacificação” Kaingang em 1912, e território com a presença de dois aldeamentos Kaingang, TIs Vanuíre e Icatu onde vivem povos indígenas, com destaque aos Kaingang, Krenak e Terena –, fatores que lhe dão corpo e forma social. O foco da pesquisa recai sobre ações contínuas com a participação de grupos culturais, no caso indígenas da Terra Indígena Vanuíre, município de Arco-Íris, estado de São Paulo. Em outras palavras, o público faz parte da ideia contemporânea de museu e, portanto, deve ser elemento constitutivo de sua formação permanente. Uma primeira questão se faz, se o indígena faz parte da ideia de museu, como participa dele? Como se vê nele? A pesquisa se estrutura em três pontos: (1) uma metodologia voltada à realidade empírica, museografia e ação museológica, (2) os museus estão se transformando e hoje vivemos uma transição entre o museu do século XIX e um museu emergente, ou seja, (3) estamos construindo um outro modelo de museu. Temos o marco inicial da pesquisa em 2009, quando a ACAM Portinari e a Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo aprovaram a ação expositiva com os indígenas da Terra Indígena – TI Vanuíre. O Museu recolocou, então, uma relação iniciada com esses indígenas na década de 1980. Por décadas o Museu manteve com os índios uma relação em desequilíbrio como é, de fato, a relação entre índios e não índios no Brasil desde 1500. A relação desigual se dava ora no paternalismo, ora no entendimento de que os indígenas da região são “convidados” do Museu em determinados momentos como em 19 de abril, Dia do Índio. Nessa situação, os índios apresentavam danças e aproveitavam para comercializar artesanato, o que, positivamente, tornou-se um incentivo do Museu à produção de artesanato. A ação com os indígenas iniciou em 2010 tendo o método cooperativo ou participativo para o desenvolvimento do módulo expositivo Aldeia Indígena Vanuíre, com Kaingang, Krenak e a equipe do Museu Índia Vanuíre. O propósito era elaborar uma narrativa expositiva na 1ª pessoa gramatical, nós (CURY, 2012). A conjuntura envolveu as memórias do território oeste do estado de São Paulo e, nessa perspectiva, as memórias Kaingang presentes nesse lugar.Também, que os museus são instituições culturais situadas territorialmente, assim como as culturas construídas por grupos humanos que, ainda, elegem seu patrimônio. O patrimônio se constitui em um território, mas é definidor dele igualmente. Ainda, estamos fazendo a transformação do museu em cada ação. Para a concepção da exposição, foram muitas as rodas de conversa que aconteceram durante 8 meses de trabalho. Todas as decisões quanto ao conteúdo e os procedimentos aconteceram nesses encontros. Um primeiro ponto que levanto é: o museu precisou sair de seu eixo referencial para poder levar o processo adiante. Quem concebe exposições sabe que (1) partimos de um recorte da coleção, (2) há uma construção (“materialização”) mental da mesma, antes mesmo de qualquer desenho inicial. Em outras palavras, o ponto de partida é a coleção e temos o domínio do processo. Em processos participativos podemos ampliar a conjuntura da coleção, agregando outros objetos significativos para o grupo que participa. A construção (“materialização”) mental acontece tardiamente, pois o domínio do processo é de todos os envolvidos, mas as grandes definições partem do grupo cultural que participa. O que quero dizer é que a tomada de decisão é diferente. Com a exposição definida conceitualmente e expograficamente, passamos a produção. O vídeo foi um dos recursos escolhidos, para apresentar depoimentos de indígenas previamente definidos para tratar determinados enfoques.
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Uma produtora foi contratada para preparação dos vídeos, sendo que destaco a interação entre os indígenas e as equipes contratadas para o projeto, sempre com a mediação da equipe do Museu. Sabemos, recai sobre a execução e sobre a equipe grande responsabilidade do processo. Boas ideias podem se perder na execução de um projeto expográfico. Então, o segundo ponto para discussão refere-se à formação da equipe, entendendo que o trabalho em equipe é mais amplo e complexo do que normalmente supomos em museus tradicionais. Em museus em experimentação essa questão se faz ainda mais complexa, sobretudo porque o trabalho com o outro cultural nos apresenta desafios quando estamos diante de uma outra estética, uma forma diferente e viver e de ver o mundo. Em síntese, e após a ação expositiva concluída, levantamos algumas considerações (ou dúvidas): - O museu é um provocador ativo de construções de memórias(?), - O museu é um provocador de histórias indígenas construídas por eles mesmos(?), - O museu pode estimular o encontro de gerações no contexto de grupos culturais(?). A ideia de patrimônio é uma construção compartilhada por um grupo que, antes, necessita entender patrimônio como um conceito, depois, pensar-se culturalmente. A identidade é uma opção, uma vez que não é algo dado ou fechado. Identidade é construção circunstancial. A construção da identidade é sempre circunstancial e relacional, ou seja, precisamos do outro e, muitas vezes, estar com esse outro gera conflitos. Então, o trabalho de desenvolvimento do módulo expositivo Aldeia Indígena Vanuíre provocou conflitos (e aproveito para afirmar que isso não é negativo, ao contrário) e, em consequência, negociações, uma vez que uma exposição é uma unidade. Os conflitos aconteceram entre: • Kaingang vs Krenak, os dois povos majoritários da Terra Indígena Vanuíre, pois disputavam poder. • Kaingang vs Kaingang, pois disputavam um conhecimento ou um reconhecimento. • Kaingang e Krenak vs profissionais de museus, pois o Museu passou a ser questionado sobre seus propósitos com os saberes e tradições indígenas. Como o museu “usaria” os indígenas? • Profissionais de museus vs profissionais de museus, quanto ao entendimento do que é “ser índio” e os direitos dos indígenas de terem um espaço privilegiado na exposição de longa duração e no Museu Índia Vanuíre. O pensamento norteador das ações subsequentes do Museu Índia Vanuíre com os indígenas foi: Patrimônio, tradição, memória e identidade são processos constantes de construção e fenômenos dinâmicos e interativos, de caráter relacional, essas concepções se constroem nas relações sociais e culturais e não podem passar por decisão unilateral (por profissionais de museus). O universo semântico que se coloca é imenso, o que torna a tomada de decisão nos museus um ato político e simbólico. Algumas das ações do MHPIV que aconteceram entre 2011 e 2013 das quais participei como pesquisadoras são: • A implantação do programa Museu e Escola Indígena, visando à construção de uma parceria, Museu e Escola, na interface da educação indígena.
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• Formação da coleção contemporânea Lifay Kanhgág por Josué Carvalho, visando à materialização em trançados e outros artefatos das memórias dos anciões Kaingang do sul e sudeste do Brasil.
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• Concepção da exposição KANHGÁG – Arte, Cultura Material e Imaterial, apresentando o cotidiano Kaingang na Terra Indígena Nonoai, Rio Grande do Sul, concepção de Josué Carvalho, Kaingang, Mestre em Memória Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Doutorando da Universidade Federal de Minas Gerais, pesquisador do Observatório de Educação Indígena e do Museu Índia Vanuíre. • Oficnas Trocas de Saberes de Mulheres Kaingang, dias de convívio e troca de conhecimento entre mulheres kaingang das TIsVanuíre e Icatu, SP, e Nonoaí, RS. Quando se deu a entrega da coleção, Josué Carvalho e a equipe do Museu registraram as informações de entrada dos objetos, unificando saberes tradicionais indígenas e técnicas de documentação museológica. Assim, houve a aproximação entre a perspectiva indígena e a museográfica. O trabalho de etnografia vem depois, especificamente para a descrição etnográfica. Na sequência Josué apresentou a coleção para os indígenas de Vanuíre, com a presença das lideranças – o cacique Gerson Damaceno, vice cacique Irineu Cotui e a diretora da escola indígena Valdenice Vaiti –, membros da comunidade, grupos distintos e professores indígenas.Toda equipe do Museu participou dessa ação, entendendo que o convívio com o diferente faz parte da construção da ideia de museu. Outras ações conjuntas aconteceram continuamente. Dentre elas destacamos a Semana Tupã em Comemoração ao Dia Internacional dos Povos Indígenas (mês de agosto) e Semana do Índio de Tupã (abril). Quando destacamos Tupã não estamos necessariamente querendo uma publicização para a cidade. Sobretudo queremos dizer ao cidadão que os indígenas fazem parte daquele lugar e daquele museu. Por outro lado, os objetivos dos dois eventos remetem à aproximação dos indígenas dos não indígenas, à promoção das memórias indígenas e à criação de possibilidades de trabalho para os indígenas.A construção dos eventos perpassa momentos distintos, tais como a formatação da programação, a definição do cardápio da Feira de Culinária Indígena, a organização com e a contratação dos indígenas, a produção etc. Podemos afirmar que o processo é uma aprendizagem para todos que participam e a aprendizagem para a equipe do Museu nos interessa particularmente, pois é ela que provoca outras formas de ver e entender o próprio museu. Todas essas ações levam em conta que, ou seja, temos uma pauta: A aproximação constante entre indígenas e museu é uma construção e algo importante para a discussão de propostas e o estabelecimento de uma pauta comum, aquilo que nos une para uma ação conjunta de interesse mútuo, para que as partes tenham participações equilibradas, ou seja, se desfazem polos de dominação, embora o jogo de poder esteja presente. Este artigo tem a intenção de introduzir uma discussão a partir da apresentação parcial de uma etapa de um projeto de pesquisa de longo prazo que tem como atenção as formas como a museologia pode definir parâmetros para um museu, ao passo que o analisa tirando da análise uma teorização sobre processos. A experimentação realizada pelo MHPIV seguiu orientações da museologia e agora faz uma revisão preliminar do processo. Isso posto, coloco mais algumas questões em debate, entendendo que a circunstância vivida pode e deve extrapolar o lugar e as culturas indígenas, entendendo que não é do alcance do
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estudo ser especialista de Tupã ou de grupos indígenas. Nesse sentido, reforço a ideia de que não se trata de um estudo da cidade, de um museu e dos grupos Kaingang, Krenak e Terena. O propósito é pensar museologia. Ainda na particularidade, mas entendendo uma possibilidade de extrapolação, abordo três pontos: • Entrada cultural na aldeia – como se dá e como deve continuar se dando, entendendo que devemos manter o respeito e o distanciamento sempre? Sempre seremos o outro, o diferente e o de fora. Assim, cada retorno à aldeia deve ser uma entrada renovada, mas sempre solicitada e autorizada. A manutenção do estranhamento é essencial. • Entrada cultural no Museu Índia Vanuíre – como se dá a incorporação desse conhecimento vivenciado pela equipe no Museu, de modo a gerar reflexões e mudanças estrutural e cotidiana? Faz sentido para os profissionais o que se vivencia com os indígenas locais? Como entendem a presença dos indígenas na região? Como veem os indígenas? • Estruturas e parcerias – entendendo que as parcerias entre instituições são fundamentais, como devem acontecer? Como fomentar a continuidade dessas ações? Quais são as parcerias necessárias para que o Museu Índia Vanuíre leve à frente o desafio da complexidade de ações museológicas como essas? Como a universidade pode ajudar? Como garantir a continuidade? Também consideramos a ampla participação de todos os profissionais do museu nessas ações, rompendo a dicotomia atividades meio (gestão e administrativas) e fim (de pesquisa e museográficas). Parece-nos mais uma necessidade do que uma utopia, o que as ações apresentadas nos demonstram como possível. O que destaco é que não dá para se trabalhar com outras estéticas se não mudamos os procedimentos. Não é possível entender o trabalho administrativo como o conhecemos atuando em projetos participativos. Outras reflexões remetem ao museu e sua organização.Assim, questionamos: • Experiência museológica participativa – como se dá a participação? Qual a natureza da participação? Podemos entender que há formas distintas de participar sem prejuízo ao processo? • Experimentação metodológica – o quanto estamos construindo novas metodologias para os museus? Podemos continuar a falar em interdisciplinaridade como método para os museus? A interdisciplinaridade está dando conta de ações com outras estéticas? • Ampliação da participação dos agentes – consideramos a existência de atores ativos? Quem decide? E a autoridade do museu? E a antropologia? Qual o seu lugar contemporâneo em ações museais com grupos indígenas? Mantém a sua soberania? Está disposta a dividir visões? A museologia dá conta da liderança do processo? • Mudança da concepção de público de museu – estamos transformando as “velhas” concepções de público de museu? Considerações finais Precisamos reaprender a pensar o espaço, pois a globalização está tirando a nossa noção do território, apaga divisas culturais, uma vez que o território é uma criação cultural e social. Esse processo de desterritorialização apaga his-
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tórias e gera crise de memória e identidade. A reterritorialização é o processo rico, criativo e crítico para reafirmação da territorialidade e de seus usos locais. Outras estéticas atuam singularmente contra a lógica global, pois nos ensinam que nem tudo é redutível e produtivo, como convém à racionalidade capitalista. O museu contemporâneo necessita de outras estéticas que são outras culturas, o outro cultural, o diferente. Nesse sentido, o museu se faz nas relações comunicacionais que ele é capaz de estabelecer eficazmente. E atrevo-me a afirmar que são as ações comunicacionais que favorecem a reorganização das falas, das práticas e das relações no e do museu. Educação em museus, como ação de comunicação que é, deve ir além dos “velhos” paradigmas, precisa renovar seus pressupostos, conceituação, metodologias, sua prática enfim, redefinir sua atuação, papel crítico e área articuladora de saberes, segmentações sociais e equipes. O museu, ao colocar-se como agente da reterritorialização e como instituição que promove outras estéticas, constrói uma outra ética que integra os valores culturais dos diferentes. Então, recoloca-se como contra-público, na medida em que o caráter público trabalha com o ideal de que todos somos iguais e temos os mesmos direitos, quando de fato não somos e temos mais outros direitos, além daqueles já estabelecidos. Uma situação museal nunca é igual a outra, pois a conjuntura nunca é igual. Sendo assim, devemos aprender a ler as informações que nos cercam para levá-las ao museu, para que o mesmo se constitua na conjuntura cultural e social diversa. Acredito que a museologia precise disso. Referências AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução de Maria Lúcia Pereira. Campinas: Papirus, 1994. BOLAÑOS, Maria. La memória del mundo: cien años de museología [19002000]. Gijón: TREA, 2002. CERÁVOLO, Suely Morais. Delineamentos para uma teoria da Museologia.Anais do Museu Paulista, v. 12, p. 237-268, 2004a. CERÁVOLO, Suely Morais. Em nome do céu, o que é Museologia? perspectivas de museologia através de publicações. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, n. 14, p. 311-343, 2004b. CURY, M. X. Museologia, comunicação museológica e narrativa indígena: a experiência do Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre. Museologia & Interdisciplinaridade, n.1, p. 49-76, 2012. CURY, Marília Xavier. Museologia: novas tendências. In: GRANATO, M.; SANTOS, C. P.; LOUREIRO, M. L. N. M. Museu e museologia: interfaces e perspectivas. Rio de Janeiro: MAST, 2009. p. 25-41. (MAST colloquia, 11). CHAGAS, Mario de Souza. As diabruras do Saci: museu, memória, educação e patrimônio. MUSAS: Revista Brasileira de Museus e Museologia, n. 1, p. 135-146, 2004. CURY, Marília Xavier. Exposição: concepção, montagem e avaliação. 2. ed. São Paulo, Annablume, 2008. GARCÍA CANCLINI, Nestor. A globalização imaginada. Tradução Sérgio Molina. São Paulo: Iluminuras, 2003. Guarnieri, Waldisa Russio Camargo. Conceito de cultura e sua inter-relação com o patrimônio cultural e a preservação. In: BRUNO, Maria Cristina Oliveira (Coord.). Waldisa Russio Camargo Guarnieri: textos e contextos de uma traje-
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Artigo recebido em janeiro de 2014. Aprovado em março de 2014
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LECCIONES “OBJETIVADAS” Y MUSEOS ESCOLARES EN LA ARGENTINA DEL CENTENARIO
Susana V. García1*
ResumEM: Durante el último tercio del siglo XIX y las primeras décadas del siglo XX se crearon varios museos especialmente destinados al sistema educativo. Ese movimiento estuvo ligado a la expansión de la industria escolar y de los variados materiales inventados para “objetivar” las lecciones. En este trabajo se revisan algunas propuestas de colecciones escolares “argentinas” y la creación de museos escolares centrales. En particular, se examinan los materiales y las estrategias expositivas promovidos por el profesor Carlos M. Biedma, que sirvieron de base para la organización del Museo Escolar Sarmiento en 1910, dependiente del Consejo Nacional de Educación.
Abstract: Several museums especially devoted to the educational system were created in the late nineteenth century and the early twentieth century. That movement was bound to the expansion of school industry and the copious materials that had been invented for teaching with objects. In this paper we present some proposals of “Argentinean” school collections and the creation of central school museums. In particular, we examine the materials and the strategies of exhibition of the professor Carlos M. Biedma that served as base for the organization in 1910 of the School Museum Sarmiento, dependent of the National Council of Education.
PalaBras-CLaves: Museos educativos. Colecciones escolares. Argentina, 1910.
Key-words: Educational museums. School collections. Argentina, 1910.
1 * Investigadora del CONICET- Museo de La Plata, UNLP. garcia_su@yahoo.com.ar . Este trabajo forma parte del proyecto de investigación PIP 0116, financiado por el CONICET.
Lecciones “Objetivadas” y Museos Escolares en la Argentina del Centenario
Introducción
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El último tercio del siglo XIX y los inicios del siglo XX presenciaron la expansión de una serie de instituciones museísticas destinadas al sistema educativo (ANDREWS, 1908; HARTMANN, 1907; HÜBNER, 1906). Esa proliferación habla del auge de creación de museos y del papel asignado a los objetos en la enseñanza. Los museos llamados pedagógicos, educacionales o escolares fueron exponentes de ese movimiento y de los distintos dispositivos inventados para “objetivar” las lecciones de diferentes asignaturas. Varios de esos esfuerzos no pasaron de sus decretos fundacionales o del entusiasmo inicial de sus organizadores. En otros casos, se lograron mantener por un tiempo, ajustándose a nuevas funciones y a los materiales y procedimientos didácticos en boga. Tanto las publicaciones, las estrategias pedagógicas como el material de enseñanza desarrollado formaron parte de una industria que produjo una innumerable cantidad de objetos. En ese sentido, las colecciones de los museos del sistema educativo testimoniaron el extraordinario desarrollo de la industria escolar durante ese período. También remiten a la especialización y la separación que comenzaron a tener los objetos para la enseñanza y la presentación pública frente a las colecciones para investigación de los grandes museos (PODGORNY; LOPES, 2008). Así, una de las características asignadas a los museos del sistema educativo sería la disponibilidad de material sustituible y móvil para uso de los maestros y alumnos, en oposición al material clasificado y dispuesto de manera fija en las vitrinas de los grandes museos. A ello se agregó la búsqueda de diseños y prácticas museológicas que se ajustaran al público infantil. La expansión de la educación científica, las llamadas “lecciones de cosas” y la pedagogía basada en la observación de objetos así como la formación de museos en las escuelas fue retroalimentado tanto por los catálogos y cartillas de las casas proveedores de materiales como por funcionarios escolares y docentes, quienes bajo el lema de una “enseñanza nacional” promovieron sus versiones locales de modelos de colecciones y otras innovaciones didácticas. En la Argentina, por ejemplo, con el título de “museo escolar argentino” se registraron diferentes propuestas y textos que muestran la polisemia de ese vocablo. El término “museo escolar” aludía tanto a las cajas o cuadros con muestras naturales e industriales de los tres reinos, a las colecciones formadas en las escuelas como a los museos organizados por los consejos escolares para uso de varias escuelas primarias y el público general. En algunos casos, estas últimas instituciones recibieron el nombre de museos pedagógicos o educacionales si estaban destinadas a las escuelas normales. Muchas de las notas y los trabajos publicados con el título de “museos escolares” recomendaban las ventajas educativas de las prácticas del coleccionismo y la formación de colecciones y museos en las escuelas a partir del trabajo de alumnos y docentes. Otros señalaban los modelos adecuados de colecciones escolares, esquemas de clasificación de las piezas reunidas, o proponían una red de intercambio y colaboración entre los museos de las escuelas y un museo central para la determinación de las colecciones.También hubo quienes combinaron finalidades didácticas y comerciales, ofreciendo en venta “cajas enciclopédicas” (también llamadas “museos escolares”) y modelos de objetos para las instituciones educativas. Los casos de los profesores Pedro Scalabrini y Carlos María Biedma, por ejemplo, permiten observar como estos promotores de “museos escolares argentinos” estuvieron involucrados en la fundación de instituciones museísticas apelando a la donación y venta de sus colecciones. En este trabajo se revisan las iniciativas de estos profesores y la creación de algunos museos
Susana V. García
escolares centrales en la primera década del siglo XX. En particular, se examina las colecciones y estrategias expositivas propuestas por Carlos M. Biedma y la organización del Museo Escolar Sarmiento en 1910, un museo educacional para uso de las escuelas dependientes del Consejo Nacional de Educación.
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Imagen 1: Modelo de una mina de carbón diseñado por Carlos M. Biedma (Caras y Caretas, 4/7/1908)
Las propuestas denominadas “museo escolar argentino” El 4 de julio de 1908, el semanario ilustrado Caras y Caretas de Buenos Aires publicaba una nota y fotos de algunos de los modelos que conformaban un “sistema práctico de ‘museos escolares’” ideado por el profesor argentino Carlos M. Biedma (1878-1946). Unos días después aparecía una noticia similar en otra revista ilustrada y en los principales diarios editados en la capital argentina. La propuesta de ese profesor estaba conformaba por 35 modelos: reproducciones, en pequeño, de todos los accidentes de orden físico, así como los principales hechos históricos, etnográficos e industrias de nuestra república. La mayor parte son modelos en relieve, de cartón, de yeso, papel, etc., confeccionados con una paciencia asombrosa y con una severa exactitud en los detalles. En conjunto es una obra completamente nacional (MUSEOS…, 1908).
Cabe señalar que como “obra nacional” y con el objetivo de imprimir un carácter nacional a la enseñanza se venían proponiendo desde la década anterior varios modelos de colecciones escolares. Entre ello, se pueden men-
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cionar varios muestrarios de materias primas y objetos naturales formados por el profesor italiano Pedro Scalabrini en la provincia de Entre Ríos y publicitadas con el nombre de “Museo Escolar Argentino”. Las cajas conocidas como “museo Scalabrini” contenían entre 50 a100 muestras de minerales, maderas, fósiles, moluscos, huesos y otros productos naturales del litoral del país, constituyendo cada objeto una “lección de historia natural” (GARCÍA, 2007; RAJSCHMIR, 2000). Estos “museos” se ofrecieron en venta a distintas instituciones educativas, alcanzando una amplia distribución a través de sus exalumnos de la Escuela Normal de Paraná, empleados como docentes o funcionarios escolares en diferentes provincias. Entre las décadas de 1880 y 1900, este profesor repartió las colecciones reunidas en sus excursiones en esas cajas escolares y en la formación de varios museos en los que asumió como director: el Museo provincial de Entre Ríos, luego en el de Corrientes (NÚÑEZ CAMELINO, 2011) y tras mudarse a Buenos Aires, organizó en 1904 el Museo Escolar del Consejo Escolar n°10 (GARCÍA, 2010). Al igual que sus cajas, este recibió el nombre de “Museo Escolar Argentino”, estando abierto los martes y sábados para las visitas de maestros y público en general2 y facilitando materiales para las clases para obreros organizadas por los socialistas. De esta forma, las colecciones de Scalabrini permitieron establecer un museo de forma paralela e independiente al Museo Escolar del Consejo Nacional de Educación, pero con más material de Ciencias Naturales, Numismática y Antropología. Como en los museos públicos de Paraná y Corrientes, fundados a partir de sus colecciones y abandonados tras su retiro, también aquí este profesor asumía la dirección, tomando como auxiliar a uno de sus hijos y mostrando que los museos podían servir a la consolidación de las actividades de un individuo y su grupo familiar. Anteriormente, entre 1893 y 1894, Scalabrini había ofrecido en venta sus cajas-museo al Consejo Nacional de Educación, dando conferencias en Buenos Aires sobre el valor didáctico y científico de esas colecciones y el método de enseñanza asociado al uso de esos objetos. Esa propaganda fue reforzada con el libro Museos Escolares Argentinos (1893), escrito por uno de sus exalumnos, Víctor Mercante, y cuya tirada de 600 ejemplares se agotó rápidamente. No obstante, las colecciones propuestas por Scalabrini fueron cuestionadas por uno de los inspectores técnicos del Consejo, por la falta de ejemplares de diferentes lugares del país, el énfasis en la paleontología y el carácter fragmentario de las muestras que no permitía a los niños, ni aún a los docentes, reconocer el organismo al que pertenecía. Para otros inspectores, en cambio, esos materiales tenían “una tendencia pedagógica utilísima” para el desarrollo intelectual del niño y su iniciativa merecía estímulo. Estas discusiones muestran que la observación de la naturaleza, lejos de directa, estaba mediada por múltiples valoraciones acerca del significado de los objetos y del diseño de los mismos en función de la educación infantil. De forma paralela al “museo Scalabrini”, los diarios porteños dieron cuenta de otro tipo de muestrario de objetos naturales y productos manufacturados en el país: el “Museo Escolar Nacional” diseñado por el profesor Guillermo Navarro (GARCÍA, 2007). Este “museo” comprendía un mueble de cedro con nueve cajones y cerca de mil muestras. Su organización seguía un modelo francés pero con ejemplares del país. El énfasis en la clasificación y ordenación de esta colección residía en la presentación de las industrias nacionales y los potenciales recursos productivos (NAVARRO, 1895), conformando un ejemplo a seguir para la formación de los museos en las escuelas. Los niños, especial2 MUSEO escolar argentino. El Monitor de la Educación Común, v. 14, n. 376, p. 1035, 1904.
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mente en los ámbitos urbanos, debían ser capaces de visualizar la “pródiga naturaleza argentina” a través del microcosmos del museo escolar. Se esperaba que estos objetos testificaran las materias primas y los artículos elaborados en el país, ayudando a generar un “sentimiento patrio” por el conocimiento de su suelo. En los siguientes años, se propusieron varios proyectos para conformar modelos nacionales de colecciones escolares y algunas reparticiones públicas, como la Dirección General de Minas, Geología e Hidrografía del Ministerio de Agricultura, asumieron la tarea de formar muestrarios de ejemplares del territorio argentino para la enseñanza primaria y secundaria. La idea de desarrollar “modelos nacionales” que sustituyeran a los promovidos por las casas francesas y alemanas se enfrentaría con el problema de los criterios de armado de las colecciones para lograr con eficacia una educación nacional (GARCÍA; PODGORNY, 2001; RAJSCHMIR, 2000). El “museo escolar argentino” presentado por Biedma en 1908 ofrecían “lecciones objetivadas” para la enseñanza primaria: cuadros, maquetas y modelos en miniatura que representaban temas de los programas de geografía e historia argentina. Biedma había nacido en Buenos Aires en el seno de una familia de editores y en 1893, mientras concluía sus estudios en el Colegio Nacional de Buenos Aires, comenzó su actividad docente en un colegio privado. Al año siguiente empezó a estudiar ciencias jurídicas y a publicar textos de enseñanza de ciencias naturales, de economía política y luego de geografía argentina. Para ello recurriría a las editoriales de la familia: las versiones taquigráficas de los cursos de abogacía a los que asistía fueron publicadas por la imprenta de su padre, Martín Biedma, mientras recurriría a la de su padrino y tío político, Ángel Estrada, para los libros escolares. La casa Estrada y Cía. era una de las principales editoriales de textos de enseñanza (PODGORNY, 1999a) y una importante empresa introductora de elementos didácticos europeos y norteamericanos, constituyendo el proveedor preferido del Consejo Nacional de Educación y de otros colegios estatales. Desde fines del siglo XIX, esta casa ejercería una influencia importante en la difusión de ciertos productos. A través del negocio de su padrino, Biedma seguramente se mantenía al tanto de las novedades y elementos didácticos. Asimismo, mantenía contacto con editoriales de París que le enviaban los nuevos textos publicados para la enseñanza de la geografía. Entre 1906 y 1907 Biedma viajó a Europa, donde visitó diferentes museos y asistió, en el Museo de Historia Natural de París, a los cursos de geología y geografía física del profesor Stanislas Meunier, promotor de la geología experimental (BIEDMA, 1952). En esas clases, Biedma se interesó por el funcionamiento de modelos, maquetas y aparatos para la demostración experimental de distintos fenómenos geológicos. Esos dispositivos se exhibían para el público general en la Galería de Geología de museo parisino y su propaganda sería reforzada con un catálogo explicativo e ilustrado publicado por la casa Deyrolle, una empresa dedicada a la fabricación y provisión de materiales científicos y educativos, la cual ofrecía reproducciones de esos aparatos y explicaciones de su manejo3. Biedma adquirió algunos de esos aparatos y posteriormente reconocería la influencia de las clases de Meunier en varias de sus iniciativas, especialmente en el diseño de su mesa-laboratorio y otros objetos para la enseñanza “experimental” de la geología y la geografía física. Según sus biógrafos y las notas dejadas por el propio Biedma en su archivo, este profesor comenzó a desarrollar en 1904 en el Colegio Nacional Sud, donde 3 CATALOGUE sommaire de la collection de géologie expérimental du Muséum D´Histoire Naturelle. Paris: Les Fils d’Emile Deyrolle, 1907.
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era vicedirector, una serie de trabajos manuales que luego integraría en su propuesta de “museo escolar” . Organizó unos cursos optativos para los alumnos donde emplearon diversos elementos: madera, arcilla de modelar, plastilina, cartón, alambre, yeso y otras sustancias plásticas, para “la objetivación de accidentes geográficos, objetos indígenas, cartografía histórica en relieve y reproducciones de piezas anatómicas y de organografía vegetal y animal, cortes geológicos y diseños coloreados, de láminas y objetos elegidos libremente” (BIEDMA, 1952, p. 83-84). Después ensayaría esos trabajos en una escuela primaria, diseñando una gran maqueta representando el ambiente natural de una de las guerras de Independencia, consagradas por los historiadores y popularizada en la literatura como la “Guerra gaucha” por el escritor Leopoldo Lugones. Cabe destacar que la aplicación de actividades manuales para que los alumnos “objetiven” y fijen las lecciones de historia y otras disciplinas escolares por medio de la construcción de maquetas y el uso de muñecos y la mesa de arena estaba siendo difundida por otros educacionistas que habían visitado Estados Unidos4. Por otra parte, las preocupaciones por los materiales didácticos más adecuados para la enseñanza del pasado había generado una abundante bibliografía internacional desde fines del siglo XIX y formaron también parte de los diagnósticos locales sobre la enseñanza de la historia (cf. GARCÍA; PODGORNY, 2001; ROJAS, 1909). Las maquetas y los modelos en pequeña escala publicitados por Biedma a partir de 1908 abarcaban divaersos tópicos: la industria yerbatera, una mina de carbón, cortes geológicos, ruinas jesuíticas, sitios y piezas arqueológicos del noroeste del país, casas coloniales, los itinerarios de las invasiones inglesas y las líneas de navegación en el Río de la Plata, los elevadores de granos en el puerto de Buenos Aires; estancias y colonias agrícolas, algunas sierras y montes del sur mencionados en la literatura de viajes y otros lugares consagrados en los circuitos turísticos, entre otros temas. En este caso, aunque se continuaba a apelando a la importancia de los objetos en la enseñanza, no se recurriría a objetos originales o muestras naturales sino a sus imitaciones en pequeña escala y en otros sustratos y materiales. A diferencia de los museos de Scalabrini y Navarro que mantenían un criterio tipológico, acá no importaba la forma o las características externas de los objetos en sí mismo, sino la manera en que estos exhibían sus relaciones con el ambiente natural y cultural. Los modelos de Biedma descansaban en un criterio geográfico de exposición (DIAS, 1994), donde se contemplaba la reconstrucción de grupos biológicos o humanos en su ambiente, escenas de la vida cotidiana o de acontecimientos históricos. Como sostiene Dias, al terminar el siglo XIX estas formas expositivas basadas en la geografía comenzaron a predominar sobre el arreglo tipológico en los principales museos etnográficos europeos y norteamericanos. En la Argentina, un sistema de clasificación de las regiones geográficas argentinas se utilizaría para el ordenamiento de las colecciones antropológicas (PODGORNY, 1999b; 2013). Por otro lado, el montaje de “escenas” estuvo presente en museos comerciales, acuarios públicos y distintas exposiciones, incluyendo las vidrieras y atracciones de las grandes tiendas. Algunos museos de historia natural también comenzaron a introducir en sus exhibiciones dioramas de animales en sus ambientes y con 4 Entre ellos, Ernestina A. López después de su viaje a Estados Unidos en 1904, buscó modernizar la enseñanza de la historia impulsando la visita al Museo Etnográfico de la Universidad de Buenos Aires y la posterior reproducción en la escuela de piezas y técnicas indígenas, de aldeas africanas, de escenas de la vida rural, casas coloniales y trajes típicos de la Argentina, entre otros trabajos destinados a “explotar los gustos del niño en el sentido de hacerles ensayar los diversos procedimientos que ha ensayado la humanidad en su lucha por conseguir un albergue, procurarse el alimento, embellecer su morada ó su persona” (LÓPEZ, 1906, p. 132).
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su grupo familiar (cf. HARAWAY, 1984; NYHART, 2009), aunque según algunos autores este tipo de exposición alcanzaría una mayor popularidad hacia la década de 1930 con la expansión de la ecología. Además de las clases y lo observado en el museo parisino, Biedma reconocería la influencia de otros museos europeos en la construcción de sus modelos expositivos: el museo alemán de Munich, “donde todos los aparatos se ponían en movimiento con apretar un botón”, el Carnavalet de Paris con maquetas de los acontecimientos de 1848, el de cera de Madame Tussauds de Londres y el Museo de la Armada inglesa, con su representación en miniatura de la batalla final de Waterloo (BIEDMA, 1952). Biedma apelaría a estos ejemplos, para legitimar su propuesta expositiva en torno a la construcción de “escenas” y el arreglo “ambiental” o “geográfico” de los objetos. Este profesor fue elaborando otros modelos en recibidor de su residencia, ampliando sus actividades en la casa de su tía y en un taller de carpintería, con la colaboración de su asistente personal y de dos exalumnos. Después de la campaña de promoción en los medios gráficos, sus colecciones serían adquiridas para la creación de dos museos escolares centrales. El Museo Pedagógico de la Provincia de Buenos Aires Poco después de las noticias periodísticas sobre el “museo” Biedma, alrededor de treinta y cinco de esas “objetivaciones” sobre temas históricos, geográficos y geológicos fueron adquiridas por la Dirección de Escuelas de la Provincia de Buenos Aires para la organización de un museo escolar central en la capital provincial (BIEDMA, 1952). Uno de los promotores de este museo fue el comisionado escolar de La Plata, Eduardo Della Croce, quien con anterioridad, en 1904 y 1905, había plateado la conveniencia de una articulación más directa el sistema de instrucción pública provincial y el Museo General de La Plata, a través de la creación de una sala especial para niños a denominarse “museo escolar argentino”, la coordinación de visitas escolares y conferencias para maestros (GARCÍA, 2001). Las conversaciones para ello quedaron interrumpidas con la incorporación de ese Museo a la Universidad Nacional de La Plata en 1906, y la siguiente idea fue crear un museo propio para el sistema escolar local5. Finalmente en febrero de 1909, la Dirección General de Escuelas de la Provincia de Buenos Aires fundó el Museo Pedagógico de la Provincia, que pasó a ser dirigido por Federico Della Croce. Se ubicó en una parte del edificio del Consejo Escolar platense y para formar sus colecciones contó con un subsidio importante de la Comisión de Fomento local, mientras que el Museo de La Plata donó muestras de minerales, rocas y fósiles clasificados junto con algunos animales embalsamados. Se compraron modelos anatómicos, laboratorios de química y física, elementos para otras asignaturas y para proyecciones cinematográficas. Tiempo después se adquirieron otros modelos de “museos escolares” como los producidos por el ingeniero agrónomo Nazario Roberts. A pesar del entusiasmo inicial, la actividad de esta institución fue escasa, caracterizándose como un “archivo de objetos”, según se reconoció en la época. Hacia 1916 algunos profesores buscaron darle nueva vida utilizando sus materiales de enseñanza científica y dando clases especiales de ciencias en su local. Sin embargo, la iniciativa duro poco: el museo no sobrevivió a la intervención radical de la Provincia en 1917. Parte de sus materiales, abandonados en los depósitos del Consejo escolar platense, pasaron al recién fundado Museo Popular-Escolar 5 Consejo Escolar de La Plata, Creación del Museo Escolar de La Plata. Proyecto elevado a la Dirección General de Escuelas de la Provincia de Buenos Aires por el comisionado del Poder Ejecutivo. La Plata, 1906.
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de la localidad de Las Conchas (partido del Tigre) (BLASCO, 2011). El caso del Museo Pedagógico platense ilustra la fragilidad de ese tipo de establecimiento, pero también otro aspecto de la historia de estas instituciones: los contactos personales de los funcionarios que posibilitaban que los “objetos” fueran “descubiertos” en los depósitos estatales para dar lugar a nuevas fundaciones. Este proceso de conformar un nuevo gesto fundacional apelando al reciclaje de los vestigios de viejas creaciones se repetiría en otros museos, como en el que volvería a organizar el Consejo Nacional de Educación. El Museo Histórico Escolar y la creación del Museo Escolar Sarmiento En 1909, la instalación del Museo Pedagógico provincial en La Plata pareció un ejemplo a emular por la Nación. El entonces presidente del Consejo Nacional de Educación, el médico y escritor José María Ramos Mejía, buscaría revivir el viejo museo de este organismo que solo existía como un ítem en el presupuesto y en unos “insignificantes materiales, acumulados sin orden en un corredor que sirve de transito obligado” (RAMOS MEJÍA, 1909, p. 22). Recordemos que ese museo había sido creado en los papeles en 1885, pero tardó más de una década en organizarse e ir adquiriendo “el aspecto de museo”. Al terminar el siglo XIX, había quedado instalado en el piso de arriba de la Biblioteca Pedagógica, alcanzando un gran impulso bajo la dirección del inspector Juan Manuel de Vedia, entre 1895 y su muerte en 1906. Como instituciones auxiliares de la educación, se había asignado al Museo y la Biblioteca de Maestros una función de actualización docente y “consultorio pedagógico”, donde se brindaría asesoramiento e informes sobre elementos didácticos, manuales, edificación y útiles escolares. A través de sus exhibiciones, además, se esperaba dar una idea del progreso educativo del país. Como otros museos de este tipo, funcionó exhibiendo mobiliario, textos y elementos didácticos cedidos por sus vendedores, buscando mostrar los progresos actuales de la pedagogía y al mismo tiempo fomentar el desarrollo de una industria escolar local y las reformas necesarias para el perfeccionamiento de los materiales escolares. Sus colecciones abarcaron elementos para la enseñanza de distintas asignaturas y otros aspectos de la cultura escolar de la época: trabajos manuales de alumnos, modelos de yeso para dibujo, aparatos de gimnasia, animales embalsamados y vegetales, instrumentos de agricultura, globos terráqueos, variedad de láminas, bancos y otros útiles escolares, junto con afiches de campañas antialcohólicas y de higiene. Asimismo, el Museo instituyó un servicio de préstamo de materiales por diez días a los docentes, quienes principalmente solicitaron objetos para la “enseñanza intuitiva” y la historia natural, por lo que paulatinamente las compras se dirigieron a aumentar esos materiales (GARCÍA, 2010). La selección de las colecciones y sus formatos de acuerdo a su finalidad “didáctica” y la movilidad de los materiales fueron parte de las características armadas para darle especificidad a este museo escolar, frente a otros museos de la Capital Federal, con los cuales compartían algunos objetos similares o sus reproducciones. No obstante, esa institución no pudo sobrevivir a la muerte de su director en 1906 y sus colecciones quedaron abandonadas en las antesalas del Consejo Nacional de Educación, como testigos mudos de la falta una política sostenidas y coordinada con respecto a los museos del sistema educativo argentino, más allá de los apoyos coyunturales de las autoridades de turno y de las energías de sus organizadores. Por otro lado, como sostiene Podgorny (2007) estos destinos institucionales atados a la vida de sus directores han ayudado a consolidar la
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idea que une la historia de un museo con la biografía de su organizador. Pero esta unión revela otro aspecto: la fragilidad de las instituciones argentinas y su carácter de refugio o “corporización” de las buenas intenciones, lecturas e intereses de sus promotores (PODGORNY, 2009).
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Imagen 2- Escena con figuras de cera, representando la Batalla de Chacabuco. Museo Escolar Sarmiento (Biedma, 1952).
Hacia 1909, en los inicios de su gestión, Ramos Mejía presentó un proyecto para ampliar el edificio del Consejo, donde se daría mayor espacio a la Biblioteca Nacional de Maestro y se podría reactivar el Museo Escolar, instituciones “que harán honor á la cultura argentina”. Como problema principal para la reorganización de ese museo se reconocía la falta de un local propio, lo que había llevado a que más de doscientos cajones con colecciones compradas en Norte América quedaran almacenos en los sótanos del Consejo y tampoco se pudieran aceptar los ofrecimientos de “museos argentinos” de algunos profesores. Se había gestionado, sin éxito, su instalación en algunos edificios y lugares que también se insinuaron para el Museo Nacional de Historia Natural, cuyos directores reclamaban desde hacia varios años por mayor espacio para las colecciones y un edificio adecuado (PODGORNY, 2009; PODGORNY; LOPES, 2008). Por ese entonces, el Ministerio de Justicia e Instrucción Pública mantenía un museo con biblioteca destinado a la educación normal y secundaria: el Museo Pedagógico Nacional, instalado precariamente en un pequeño local de la Escuela Industrial, la cual reclama el uso de ese local. La falta de espacio se volvía a repetir en la situación de este museo “de papel”: mientras sus numerosas colecciones de ejemplares, mapas, diapositivas e ilustraciones diversas no podían exhibirse, su existencia sólo se registraba en las memorias oficiales y en su catálogo. A mediados de 1909, a pesar que el CNE no contaba con un espacio para su antiguo museo, las autoridades escolares decretaron la creación de un nuevo museo: el Museo Histórico Escolar. Esto formó parte de las medidas impulsadas por Ramos Mejía para los festejos del Centenario de la Revolución de Mayo en 1910 (RAMOS MEJÍA, 1909). Durante su gestión al frente del Consejo entre 1908 y enero de 1913, se fomentaron diversas medidas “nacionalistas”, como el saludo a la bandera al entrar y salir de la escuela, los desfiles de alumnos, el
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homenaje a los “muertos por la Patria”, la organización de la Oficina de Ilustraciones y Decorado Escolar, con la idea de producir cuadros, láminas y material fotográfico sobre la historia argentina y los paisajes del país, como forma de contrarrestar la presencia en las escuelas de los retratos de monarcas y próceres extranjeros. Para las conmemoraciones de 1910, se inauguró una exposición de los métodos y elementos de la educación argentina conjuntamente con el Museo Histórico Escolar ubicado en la planta alta del local de la Exposición. Este museo no estaba destinado a dar cuenta del devenir histórico de la instrucción pública sino a la “objetivación” de la enseñanza del pasado, un tópico aludido en la época como sugiere “la pedagogía de las estatuas” mencionada por Rojas (BERTONI, 2001; GARCÍA; PODGORNY, 2001; ROJAS, 1909). En cierto sentido, la nueva iniciativa se superponía con las funciones educativas del Museo Histórico Nacional, fundado en 1889, donde se impulsaba una educación patriótica con la exhibición de las reliquias de los próceres de la Revolución de Mayo y las guerras de la Independencia, la visita de las escuelas, ediciones de postales y publicaciones (BERTONI, 2001, BLASCO, 2011; COSTA, 2010). Por su parte, el nuevo museo escolar se erigía como un centro expositivo y un museo-escuela donde se darían clases especiales a los alumnos. Según el decreto de su fundación, sus colecciones abarcarían: mapas en colores o en relieve, fotografías de cartas antiguas y planos de Buenos Aires, objetos indígenas auténticos o sus réplicas, modelos reducidos de viviendas indígenas, de templos jesuitas y de casas coloniales; representaciones plásticas de campos de batalla y lugares históricos, de la vida y actividades rurales; figuras de ceras de personajes y escenas “culminantes de nuestra historia”; colecciones de medallas y copias fotográficas de autógrafos y documentos históricos, entre otros modelos y reproducciones (RAMOS MEJÍA, 1909, p. 13-15). El contenido fijado para esta institución se correspondía en líneas generales a los modelos de Biedma, adquiridos por el Consejo en cerca de 38.000 pesos, mientras el organizador de esas colecciones asumía como director del museo, repitiendo un mecanismo similar a la creación de otras instituciones museísticas del país. En este caso, además, puede verse un ejemplo más de propuestas particulares que buscan la protección del Estado apelando a la supuesta utilidad de las colecciones para resolver el problema de la construcción de la identidad nacional. El museo, en la retórica de su director y el presidente del Consejo, se presentaba como auxiliar de la formación espiritual de la nación. Sin embargo, como se examina más adelante, la efectividad del mismo sería puesta en duda por algunos intelectuales y legisladores. El acervo del Museo se incrementó con donaciones de las principales casas de materiales didácticos, particulares, maestras y algunas instituciones nacionales, junto con los trabajos producidos por alumnos y lo construido en el establecimiento. Se recibieron las representaciones de batallas históricas exhibidas en la gran tienda Gath y Chaves, así como armas y proyectiles antiguos cedidos por el Ministro de Guerra, reforzando el peso del relato militar en la sección histórica del Museo. Las reliquias históricas fueron pocas, predominando los calcos, las copias fotográficas, las replicas y reproducciones en miniatura como objetos evocadores. Por su parte, Biedma cedió un laboratorio de geología experimental y modelos en yeso de monumentos europeos y de las esfinges y pirámides egipcias para la enseñanza de la historia universal, mientras el Museo de La Plata remitió calcos de antigüedades indígenas. Con esos calcos y otros hechos en la propia institución se organizó una sección de
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Etnográfica Americana, donde los objetos se exhibieron colocados en reconstrucciones de ambientes, con la idea de representar la labor indígena así como las condiciones étnicas y geográficas. Cabe señalar, que en los planteos de educación nacionalista como los de Ricardo Rojas, las piezas y sitios indígenas eran vistos como parte integrante del “territorio y de la emoción misma del paisaje” (ROJAS, 1909, p. 458).
Imagen 3 - Un maestra adscripta al Museo Escolar Sarmiento explicando a los alumnos una maqueta de Buenos Aires en el pasado (Biedma, 1953).
Para la Historia Argentina se recurrió a un sistema de representación por “muñecos” y figuras en cera6, que aunque se le reconocía algunos inconvenientes y un valor documental casi nulo, se consideraba que servían para despertar la curiosidad y la compresión de los niños. Con cuadros, maquetas y maniquíes 6 El uso de maniquíes para la representación de los héroes de la patria, no era una estrategia expositiva empleada por entonces en el Museo Histórico Nacional y recién hacia fines de la década de 1920 comenzaría a ser empleada en otro museo histórico del país: el Museo Histórico y Colonial de Luján. Sobre la historia de esta institución, véase especialmente: Blasco (2011).
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se buscó presentar acontecimientos históricos de “forma amena” y sinóptica para no cansar la memoria de los niños “aunque, á veces, por razones de ejecución, se haya atenuado, ó ligeramente torcido, la verdad científica.”, según se reconoció posteriormente (CONSEJO NACIONAL DE EDUCACIÓN, 1915, p. 988). Asimismo, se buscó introducir un principio de interactividad en la exposición, recurriendo a modelos mecánicos que permitían a los niños generar movimientos o la iluminación de un circuito eléctrico, manipulando manivelas y apretando botones. A ello se agregaron grandes mapas en relieve confeccionados en cemento portland y con soldaditos de plomo para la representación de las batallas patrióticas y sus ambientes, con la idea de “poder reducir casi á ‘cosa tangible’ el estudio histórico-geográfico del país”. En la sección “Naturaleza” se apeló a un principio expositivo similar, procurando relacionar los objetos con su ambiente natural o un determinado espacio geográfico, en vez de un arreglo tipológico o taxonómico. En la inauguración del museo, Biedma (1952) señaló: Soy enemigo de la vitrina que guarda entre cristales al animal embalsamado en posición rígida y más aún del esqueleto del animal que, como abstracción, el niño no llega a explicarse; deseo, por el contrario reconstruir la cueva, el nido y hasta las modalidades del animal, tal como se sorprende en la naturaleza. Así también deseo al mineral asomando sus aristas en medio de un manto de portland, pintado con el color de la capa geológica a que pertenece y no en cajitas clasificadas y vistas tras de un cristal (BIEDMA, 1952, p. 119).
Para dar especificidad al museo escolar y justificar su existencia frente a instituciones museísticas con las que se compartían las mismas temáticas y reproducciones de sus objetos, se argumentaría en la necesidad de estrategias expositivas adecuadas al “cerebro tierno del niño”. Un efecto “realista” se buscaría armar con diferentes dispositivos y materiales: madera, alambre, cemento portland, cera, yeso, alquitrán, pinturas y piedras de la región a representar. La idea era escenificar paisajes naturales intercalando muestras de minerales, plantas y modelos pequeños de animales. Los objetos se presentaban en un espacio concreto, localizado geográfica y temporalmente, que remite al ya mencionado criterio geográfico. Para los sostenedores de este modo expositivo, los objetos intercalados en reconstrucciones ambientales, con su anclaje espacial, facilitaban el desarrollo de una memoria asociativa (DIAS, 1994). El arreglo “ambiental” o “geográfico” de los objetos se volvió un principio pedagógico por sus posibilidades para imprimir imágenes -“escenas”- en la memoria sin parecer requerir un entrenamiento especial de parte de los visitantes. En ese sentido, Biedma calculaba que el museo podía desempeñar un papel importante en la instrucción popular de los trabajadores inmigrantes: “la objetividad de la enseñanza que encierran los cuadros expuestos, salvan la lectura y el estudio, que difícilmente puede realizar un obrero que llega a nuestras playas” (BIEDMA, 1952, p. 118). La exposición y el incipiente museo fueron inaugurados con la presencia del presidente de la Nación y varios funcionarios. Asimismo, fueron parte del programa oficial de visitas de los delegados europeos y chilenos que asistieron a los festejos de 1910. Las impresiones del español Adolfo Posada no parecían muy optimista con respecto a la obra de la institución: Veíanse grandes maniquís, tiesos, más o menos propios, con aire realista, de una ingenuidad candorosa; y planos, mapas y batallas con soldaditos; y praderas que, vistas de paso, me recordaban los “nacimientos” de la plaza
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de Santa Cruz en Madrid, y luego escenas de muñecos representando episodios célebres de la historia argentina [...], todo cuadros así como de feria; una historia casi toda ella de guerras. Tras aquel museo latía, con simplicidad infantil, la enorme y absorbente preocupación nacionalista que hoy sopla, como viento pampero, por la conciencia argentina. Cuando visité la exposición otro día – es obligada una absoluta sinceridad-, la primera impresión no se modificó: significaba un gran esfuerzo verdaderamente colosal, esfuerzo de discurso, de ingenio, de trabajo. ¡Lástima que se aplicara en obra de tan escasa consistencia! (POSADA, 1986, p. 119-20).
Curiosamente, el organizador de ese museo y de sus exhibiciones históricas mencionaría reiteradamente la visita de este intelectual español y sus supuestos elogios, para respaldar su propuesta pedagógica y su gestión institucional. Esto muestra, como sostiene Podgorny (2005) que el análisis de la materialidad de las exhibiciones o el examen de las declaraciones oficiales y de los informes de los directores de estos museos no conduce directamente a los múltiples modos de ver e interpretar de los visitantes. El profesor español, por su parte, advertiría sobre el fetichismo de la edificación escolar y el material de enseñanza que observaba en la Argentina, lo que hacía olvidar “la única preocupación salvadora: el maestro” (POSADA, 1986, p. 120). Terminados los festejos del Centenario, se decidió darle un carácter permanente a la exposición y al Museo Histórico Escolar en el lugar donde se exhibieron, el suntuoso edificio de dos pisos de la Escuela Sarmiento. El museo fue rebautizado Museo Escolar Sarmiento, y se le agregaron las colecciones del antiguo museo y de los depósitos del Consejo, con la idea que estuvieran “objetivados todos los tópicos de los programas, dando preferente atención, desde luego, a los que se referían a la Historia Patria” (CONSEJO NACIONAL DE EDUCACIÓN, 1913, p. 423). Biedma se mantuvo como director y sus dos colaboradores fueron incorporados como empleados del mismo. Se dispuso de todo el edificio de la Escuela Sarmiento, ya que para entonces, la escuela que funcionaba allí había sido trasladada por falta de luz, malas condiciones higiénicas y lo inadecuado de las instalaciones. Un edificio inhabilitado para escuela servía, sin embargo, para un museo escolar. En 1911 se agregaron las colecciones y el personal del Museo Pedagógico del Ministerio de Instrucción Pública, destinado a las escuelas normales, las cuales en ese momento pasaron a depender del Consejo Nacional de Educación. El director de aquel museo, Luis María Jordán, quedó como vicedirector del Museo Escolar Sarmiento. Los elementos provenientes del museo para la enseñanza normal y secundaria fueron numerosos: herbarios, aves embalsamadas, colecciones de insectos, muestras mineralógicas, modelos cristalográficos, laboratorios y aparatos experimentales de física y química, cuerpos geométricos, modelos de dibujo, plantas forestales alemanas, mapas, láminas y cientos de negativos y positivos de vidrios producidas por la industria alemana y donados en gran parte por una de las casas consignatarias de esos productos. La República Argentina estaba poco representada en esas ilustraciones, aunque se contaban con ejemplares de minerales, maderas, cueros, nidos y huevos de aves, plantas y productos alimenticios remitidos por las escuelas normales de algunas provincias (CONSEJO NACIONAL DE EDUCACIÓN, 1915). Vinculado a ello, en la organización del Museo Escolar Sarmiento no faltó la propuesta de crear una oficina de canje, encargada de centralizar la formación, recepción y redistribución de muestras entre las escuelas de todo el país como un “poderoso factor de desarrollo nacionalista”.
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La legitimación de los principios pedagógicos promovidos por la institución se buscaría reforzar con el desarrollo de conferencias, que se debieron suspender por las goteras en el salón de actos. El museo abría seis días a la semana por las tardes, pero solo tres días recibía a las escuelas. Estuvo abierto al público en general, siendo visitado especialmente por las escuelas militares y regimientos de conscriptos. Seis maestros adscriptos al establecimiento guiaban y explicaban en las salas, no solo el contenido de las exposiciones sino también la labor de la institución desplegada en su construcción. En las salas se intercalaron “mesas de arena” para que los alumnos escenificaran los temas tratados, como se usaba en Estados Unidos, país que varios educacionistas argentinos tomaban como modelo en cuanto a modalidades de enseñanza primaria y de exhibiciones para niños. Siguiendo esas tendencias, “completaban la didáctica del Museo, la objetivación de cuentos infantiles en gran formato”, como el de Caperucita Roja, ubicando su personaje en un bosque, serviría también para lecciones de “Naturaleza” a los niños más pequeños. Como toda nueva institución educativa, el Museo se presentaba, según la retórica de su director, como un establecimiento modelo y de innovación en los métodos expositivos y de enseñanza. Sin embargo, esto no pareció ser compartido por todos los funcionarios escolares y posteriormente algunos legisladores cuestionaron el funcionamiento de este establecimiento, especialmente la estética de sus reconstrucciones históricas. A mediados de 1912, la partida mensual de gastos del Museo fue suprimida, mientras su director emprendía una gira de seis meses por Europa, con la idea de visitar museos y adquirir materiales didácticos. En esos días se produjo la primera huelga docente y un conflicto que llevó a fin de año a la renuncia de casi todos los miembros del Consejo Nacional de Educación (MARENGO, 1991). Con los cambios de las autoridades escolares a principios de 1913, el Museo tuvo sus días contados. Entre los nuevos miembros del Consejo, asumió como vicepresidente Francisco P. Moreno, ejerciendo interinamente la presidencia de este organismo. Este funcionario, que en su juventud fue promotor de museos y armado de colecciones para la instrucción popular (PODGORNY, 1995; PODGORNY; LOPES, 2008; FARRO, 2009), no pareció ahora tener el mismo entusiasmo por el museo del Consejo. A principios de 1913 la directora de la escuela que había funcionado en el edificio del Museo, solicitó volver a ocuparlo por la gran cantidad de alumnos que tenían. Moreno visitó la institución y ordenó que en pocos días se desocuparan varias salas para la instalación de la escuela. Al día siguiente, se mando una cuadrilla de peones para mover las colecciones, sin ningún orden ni embalaje previo. En esa mudanza apresurada, muchos objetos se deterioraron, varias colecciones perdieron sus identificaciones y otras desaparecieron, tales como los “autógrafos”. Algunas se ofrecieron a distintos colegios. Por su parte, Biedma rescató algunos materiales que llevó a la escuela donde daba clases, mientras que “un elegante escritorio” pasó al despacho de un ex legislador. Los grandes cuadros históricos fueron serruchados al no pasar por la puerta y otros materiales se transportaron sin inventarios a un depósito del Consejo. Otra parte quedó almacenada en el patio y amontonada en las pocas salas que le quedaron al Museo. Biedma presentó su renuncia para salvaguardar responsabilidades, mientras denunciaba lo ocurrido en los principales diarios del país. Al año siguiente, durante una nueva gestión interina de Moreno, se ordenó una segunda mudanza de lo que quedaba del Museo, con lo cual se terminaron perdieron las colecciones que quedaban y anulando la institución. El museo parecía estorbar el funcionamiento de la escuela y se consideró más conveniente
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que funcionara esta última, a la que se agregó una escuela normal fundada por decreto pero sin edificio. Nuevamente aparecieron denuncias en los diarios, especialmente por el accionar impetuoso de Moreno y su concentración de poder en el CNE, en el marco de una serie de conflictos docentes. Finalmente en mayo de 1914, el Consejo fue intervenido por el Ministro de Instrucción Pública (MARENGO, 1991). En el ínterin, el diario La Razón publicó fotos con los escombros del museo y el tema llegó al Congreso de la Nación. En la Cámara de Diputados, el socialista Alfredo Palacios pidió una interpelación al Ministro de Instrucción Pública por la situación del Museo Escolar Sarmiento y para aclarar responsabilidades por la destrucción de bienes públicos costeados por el pueblo. Con la presencia del Ministro, el tema fue largamente debatido en la sesión del 20 de Julio de 1914. El diputado tucumano Zavalía Guzmán cuestionó duramente el funcionamiento y la estética de ese museo escolar, advirtiendo sobre el problema de analizar el funcionamiento de las instituciones públicas a partir de los informes producidos por quienes las dirigían: Aquello no era un museo; por suerte, se le mostraba poco, a pesar de lo que ha leído el señor Ministro en esos libros, que son memorias oficiales, y ya sabemos cómo se hacen entre nosotros las memorias [...] cada jefe de repartición, que cuida con cariño su oficina, y sobre todo el presupuesto de la repartición, hace un capítulo sobre la oficina que dirige, y naturalmente, pone toda la retórica imaginable para darle un gran relieve. [...] En el museo, señor, había cosas como estas: un señor portugués, había hecho una mayólica que representaba el viaje de Colón a la América y la mayólica tenía cuatro carabelas (Risas). Esta mayólica se compró y se puso en el museo. Mas tarde se consiguió una reja de una pieza en que había vivido don Vicente López y Planes, con la cual reja, una vez construida la pieza que se hizo al efecto, se colocó en ella, se instaló un muñeco que representaba a don Vicente López y Planes, rellenado de aserrín y las facciones hechas con alquitrán (BUENOS AIRES, 1914, p. 137).
Por su parte, el diputado socialista remarcó la importancia de las colecciones del museo leyendo un informe preparado por sus directores, e insistió en el mantenimiento de esta institución y el grave daño realizado sobre esos bienes públicos. En general, los legisladores coincidieron en la importancia de los museos escolares para la instrucción pública y acordaron en que la mudanza podría haberse hecho de forma más cuidadosa y planificada, buscando “previamente un local apropiado y dejando de lado todas aquellas mayólicas, batallas de cemento Pórtland, vidrieras de Gath y Chaves y demás mamarrachos” (BUENOS AIRES, 1914, p. 138). Asimismo, otro diputado reconoció que esa “destrucción” era un ejemplo más de la falta de una política estatal con respecto a los museos públicos: Es indudable que la destrucción del Museo escolar Sarmiento no puede ni ha podido justificarse, pero es por otra parte señor presidente un poco la historia de nuestros museos. Me bastaría citar el caso del Museo Nacional, uno de los primeros del mundo por su material científico, y uno de los últimos, por el abandono en que el país lo ha tenido y lo tiene (BUENOS AIRES, 1914, p. 152-153).
En el caso del museo escolar, algunos legisladores coincidían que su situación se había agravado por la idiosincrasia del sistema escolar argentino:
Ha sido una nueva víctima de la improvisación, de la constante modificación que sufre todo lo que se refiere a la enseñanza primaria. El que llega, se conceptúa disminuído si continúa la tarea del que se va; es necesario
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empezar de nuevo, arrasarlo todo, rehacer, construyendo sobre escombros. Perfeccionar lo que existe, no se antoja tarea útil y meritoria. Se ha partido siempre de la base que todo era malo y generalmente se ha hecho peor. [...] Teníamos un museo escolar – incompleto y deficiente, pero un museo que había costado tiempo, esfuerzo y dinero. Es hoy un montón de escombros.Y como la característica de estos actos es la irresponsabilidad de aquellos que los ejecutan, Pilatos se lavará las manos, y el tesoro escolar pagará los vidrios rotos (BUENOS AIRES, 1914, p. 155).
Efectivamente, las grandes sumas de dinero invertidas en la compra y montaje de las colecciones destruidas nunca se recuperó, a pesar la propuesta del diputado socialista para que el funcionario responsable de ese acto reparara las perdidas. Finalmente, el debate concluyó con un consenso sobre la necesidad de reorganizar el museo del Consejo para crear un “verdadero museo escolar”. La partida presupuestaria para el Museo Escolar Sarmiento fue restituida y se nombró al maestro normal e inspector escolar José Berrutti - vinculado también con sociedades de educación para obreros - para dirigirlo. La institución fue reorganizada rápidamente bajo la dirección de este maestro hasta 1919 y la colaboración de un grupo de docentes, entre quienes se contaría el incansable Scalabrini, promocionando la creación de museos en las escuelas y la difusión de la paleontología. Para ello donó sus colecciones de fósiles, que parecían nunca acabarse para dar lugar a nuevas fundaciones, en este caso para organizar una sala de paleontología y nuevas cajas-museos para las escuelas. A diferencia de la gestión de Biedma, ahora se buscó darle al museo más espacio a las materias científicas que a la historia argentina, siguiendo la jerarquía comtiana de los saberes (BERRUTTI, 1914). Se dispuso de un amplio edificio de tres plantas cedido por el CNE, donde permanecería por más de dos décadas, hasta que sus colecciones quedaron obsoletas frente el auge de nuevos materiales y las proyecciones fotográficas y cinematográficas. El museo caería en el olvido a principio de la década de 1930, mientras se proponía la creación de un nuevo museo denominado “Museo Argentino para la Escuela Primaria”, con una propuesta expositiva basada en la geografía argentina y maquetas, no muy diferente a lo bosquejado por Biedma. De forma, los museos escolares volverían una y otra vez a crearse, con la recurrencia de las mismas ideas, que reaparecen como si nunca antes se hubieran planteado, como si los objetos generados y las prácticas pedagógicas vinculados a ellos se hubiesen disuelto en el aire. Quizás esto forme parte de su carácter de objetos de consumo de una sociedad que, así como crea discursos y objetos, los arroja prontamente al olvido para que puedan ser creados otra vez (GARCÍA; PODGORNY, 2001). Consideraciones generales El recorrido por la historia de los museos escolares centrales o pedagógicos muestra lo endeble de su existencia, sujeta al auge de ciertas tendencias educativas, pero sobre todo a las alianzas y apoyos coyunturales logrados por sus promotores. La creación de algunos de estos establecimientos remite a un proceso recurrente en la formación de museos de la Argentina: las colecciones particulares fruto de las obsesiones individuales son adquiridas por el Estado para formar una nueva institución, que pasa a ser dirigida por el productor de las mismas (cf. PODGORNY; LOPES, 2008). Más allá de los ímpetus y obsesiones personales –motor innegable de todas estas creaciones- los casos aquí analizados también revelan otros aspectos: la falta de una política estatal en torno a los museos públicos tal como reconocieron los mismos legisladores de la época, la
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fragilidad de las instituciones argentinas y su carácter de refugio o “corporización” de las lecturas y los intereses de sus promotores (PODGORNY, 2009). A ello se agrega el problema de analizar el funcionamiento de las instituciones sólo a partir de los informes producidos por quienes las dirigían. Los organizadores de estos museos y de propuestas de colecciones escolares, esperaban que esos materiales enseñaran sobre la naturaleza y el pasado del territorio argentino, legitimando tanto un sistema de creencias como sus prácticas museológicas. Sin embargo, como se examinó en el caso de las colecciones propuestas por Biedma y el Museo Escolar Sarmiento, el énfasis en las capacidades y misiones a cumplir por estas instituciones o sus exposiciones no necesariamente habla de su efectividad para crear hábitos cívicos o imponer significados. Por el contrario, como advierte Podgorny (2005), la insistencia en estos discursos puede más bien remitir a la debilidad de las mismas instituciones y a la necesidad de apelar a dicha retórica para conseguir apoyos políticos y presupuestos gubernamentales. En ese sentido, el análisis de la materialidad y los aspectos visuales de las exhibiciones, de su tan cuestionada estética o el examen de las declaraciones oficiales y de los informes de sus directores no conduce a los múltiples modos de ver e interpretar de los visitantes.Tal vez esto constituya el aspecto más difícil y controvertido a la hora de analizar la historia de los museos. Referencias ANDREWS, Benjamin. Museums of education: their history and use. Teachers College Record, v. 9, n. 4, p. 1-98, 1908. BERRUTTI, José. Museos de educación: reorganización del Museo escolar Sarmiento. El monitor de la educación común, p. 414-434, 1914. BERTONI, Lidia. Patriotas, cosmopolitas y nacionalistas: la construcción de la nacionalidad argentina a fines del siglo XIX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2001. BIEDMA, Carlos M. Obras y escritos pedagógicos. Buenos Aires: Escuela Argentina Modelo, 1952. BLASCO, Elida. Un museo para la Colonia: el museo histórico y colonial de Lujan. Rosario: Prohistoria, 2011. BUENOS AIRES. Diario de sesiones de la Cámara de Diputados de la Nación, v. 3, p. 137, 1914. CONSEJO NACIONAL DE EDUCACIÓN (CNE). La educación común en la aapital, provincias y territorios nacionales: años 1911 y 1912. Buenos Aires, 1915. CONSEJO NACIONAL DE EDUCACIÓN (CNE). La educación común en la República Argentina: años 1909-1910. Buenos Aires, 1913. COSTA, Laura Malosetti. Arte e historia. In: CASTILLA, A. (Comp.). El museo en escena: políticas culturales y museos en América Latina. Buenos Aires: Paidós, 2010. DIAS, Nélia. Looking at objects: memory, knowledge in the nineteenth-century ethnographic displays. In: ROBERTSON, G. et al. (Ed.).Travellers’ Tales: narratives of home and displacement. London: Routledge, 1994. FARRO, Máximo. La formación del Museo de La Plata: coleccionistas, comerciantes, estudiosos y naturalistas viajeros a fines del siglo XIX. Rosario: Prohistoria Ediciones, 2009. GARCÍA, Susana. La instrucción popular en los museos: el museo de La Plata a fines del siglo XIX y principios del XX. Museo, v. 3, n. 15, p. 51-55, 2001.
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Artigo recebido em dezembro de 2013. Aprovado em fevereiro de 2014
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PATRIMÓNIO INDUSTRIAL E MUSEOLOGIA EM PORTUGAL
Ana Cardoso de Matos 1* Maria da Luz Sampaio2**
ResumO: No presente artigo pretende-se dar uma panorâmica dos museus da técnica e da indústria existentes em Portugal. São considerados os casos mais relevantes no panorama nacional e realizada uma breve reflexão sobre o papel desses museus na preservação da memória industrial, na educação e na difusão da cultura técnico-industrial. Apresentaremos também uma breve abordagem sobre a forma como desde o século XIX se equacionou, em Portugal, a criação de museus industriais no âmbito das reformas do ensino técnico, do processo de industrialização e no seguimento das exposições universais e internacionais. PalaVras-CHaves: Património industrial. Museologia. História da indústria. Museus.
Abstract: The aim of the present article is to give an overview of the museums of technology and existing industry in Portugal. Are considered the most relevant cases on the national scene and is also made a brief reflection on the role of those museums in the preservation of the industrial memoire, in education and in the diffuse of the technicalindustrial culture. It will also be presented a brief overview on how the creation of industrial museums in the context of technical education, the process of industrialization and under the influence of the universal and international exhibitions has been considered, in Portugal, since the nineteenth century. Key-words: Industrial heritage. Museology. History of industry. Museums.
1 * Ana Cardoso de Matos – Professora do Departamento de História da Universidade de Évora, membro da direcção do CIDEHUS – Centro Interdisciplinar de História, Cultura e Sociedades da Universidade de Évora – Portugal. 2 ** Maria da Luz Sampaio – Doutoranda em História e Filosofia da Ciência, especialidade em Museologia – Universidade de Évora. Membro integrado no CIDEHUS – Centro Interdisciplinar de História, Cultura e Sociedades da Universidade de Évora – Portugal.
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É com profunda saudade que vejo desaparecer pouco a pouco os vestígios da nossa antiga actividade, da nossa industria caseira [...]. A machina vae triturando tudo no seu movimento vertiginoso, sem que mão piedosa se lembre de apanhar esses restos, humildes nas gloriosos, depositando-os depois em sítio, onde possam ser cuidadosamente estudados e onde a curiosidade lhes preste o merecido culto (VITERBO, 1896, p. 1).
Introdução Numa sociedade em que a tecnologia tem cada vez mais importância e interfere constantemente com o nosso quotidiano, os Museus técnicos e industriais são cada vez mais pensados em interligação com a educação e com a familiarização das populações com a ciência e a técnica. Nesta perspetiva os museus podem assumir um papel importante na formação dos vários níveis de ensino, ao mesmo tempo que são espaços de preservação e divulgação do património técnico e industrial. Por outro lado, o processo de desenvolvimento tecnológico e industrial, que todos os dias torna obsoletos processos e técnicas industriais, que pouco antes eram considerados avançados, e o fenómeno de desindustrialização são razões pelas quais é cada vez mais urgente a criação em Portugal de um Museu da Indústria, que preserve, estude e divulgue o património industrial e tecnológico do país. Estas preocupações em preservar as antigas máquinas e objetos, o conhecimento associado aos processos de fabrico e o valor das artes e ofícios, estavam já presentes na criação dos antecessores deste tipo de museus, que remontam ao século XVIII com a criação, em 1794, do Conservatoire National des Artes et Métiers, mais tarde transformado em Musée des Arts et Metiers de Paris (PARIS, 1987, p. 47-48). Em meados do século XIX, na sequência da primeira Exposição Universal, foi criado o South Kensington Museum por iniciativa de Henry Cole e do príncipe Alberto, sendo o mesmo aberto ao público em 1857 (LIFFEN, 2010, p. 56-67). Anos mais tarde o South Kensington Museum foi dividido em dois museus, por um lado, o Victoria e Albert Museum, e, por outro, o Science Museum de Londres, que após várias mudanças e ciclos de crescimento, em 1960 se assumiu como um Museu da Ciência dedicado à educação cientifico-técnica. Este museu possuía nesta altura uma coleção mais centrada nas tecnologias do que na ciência pura e dava um particular destaque à revolução industrial inglesa e à sua cultura técnica (GRANATO; LOURENÇO, 2010, p. 7-14). Nos últimos anos as ligações entre as Exposições Universais e a criação de diferentes tipos de museus têm sido realçadas pela historiografia de diferentes países3, Um dos aspectos que tem sido referido é o facto de desde a exposição Universal de Paris de 1867, se ter defendido a ideia de que as exposições universais deveriam ser substituídas, com vantagem, por museus4. De facto, vários museus foram criados na sequência das exposições universais, verificando-se na década de 1880 a criação de museus comerciais (BORGES, 2012, p. 379), muitas vezes museus industriais e comerciais, em diversos países. Em 1882, os belgas criaram o Museu Comercial de Bruxelas, em 1883 foram estabelecidos os Museus Industriais e Comerciais de Lisboa de Porto (MATOS, 2010, p. 49-74), a que nos voltaremos a referir, e até 1900 foram fundados mais de dezassete museus comerciais5. 3 Veja-se o caso de Matos, Gouzevitch e Lourenço (2010) e Souto (2011). 4 Esta ideia está presente no relatório de Le Play (COMMISION IMPÉRIALE, 1869) apresentado na sequência desse evento. 5 Em 1906 foi criado o Museu do Rio de Janeiro (BORGES, 2012, p. 382).
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Entretanto em 1879, foi inaugurado na Alemanha, o Deutsh Museum, um projeto dedicado à promoção tecnológica e industrial alemã e que é considerado por vários especialistas a “Masterpiece” dos museus técnicos e científicos6. Já no século XX surgiram o Tekniska Museet (1924) e o museu da ciência e da tecnologia em Stockholm (1924) inspirado na ideia de promover a indústria e a engenharia sueca7. Na década seguinte, são abertos ao público importantes museus - em 1931, o Museu Nacional de Ciência, em Tóquio, em 1933 o Museum of Science and Industry de Chicago e em 1937 o Palais de la Découverte em Paris -, que marcam uma nova geração de museus em que se procurava explicar a ciência e a técnica cada vez mais presente no quotidiano das populações.8 Será porém, na década de 1980, que fruto da mudança do modelo histórico de desenvolvimento, em especial das cidades industrializadas, palco dos processos de desindustrialização e de terciarização, que irão ocorrer a maioria dos processos de reconversão e musealização de espaços industriais e a criação de museus dedicados à técnica e à indústria. Vários exemplos poderiam ser referidos, entre eles o Museu da Ciência e da Técnica da Catalunha instalado numa antiga fábrica de grande valor arquitetural, que tem como principal objetivo preservar o património industrial e manter a memória do processo de industrialização da região durante o século XIX. Os Museus da Ciência, da Técnica e da Indústria em Portugal: as primeiras iniciativas As primeiras iniciativas para criar um museu da indústria em Portugal datam de 1807, altura em que o Estado encarregou a Câmara do Comércio de criar “uma coleção de livros, planos, modelos ou desenhos de máquinas e de outros objetos úteis para promover e animar os diversos ramos da indústria nacional”9, semelhante ao que havia sido criado em França, no ano de 1794. No entanto, a conjuntura política de então impediu a criação dessa coleção10 e, em 1819, continuava-se a referir a necessidade de se criar este museu. Onze anos depois, Alexandre António Vandelli11, membro da Academia Real das Ciências de Lisboa, retomou o assunto, reforçando a necessidade de se constituir um tal museu, que considerava essencial para o progresso da indústria portuguesa. Na reforma do ensino de Passos Manuel estipulou-se, por decreto de 18 de Novembro de 1836, a criação dos Conservatórios de Artes e Ofícios de Lisboa e Porto, definidos como um “depósito geral de máquinas, modelos utensílios, desenhos, descrições e livros relativos às diferentes Artes e Ofícios”12, cujo fim principal era “a instrução prática em todos os processos industriais por meio da imitação”13. Contudo, o funcionamento prático destes museus esteve longe de corresponder aos objetivos da sua criação. A segunda metade do século XIX foi marcada pelo cientismo, pela apologia da ciência e pela ideia de que se devia promover a existência de uma sociedade 6 Segundo Gil (1997, p. 21-39) é este museu que dá continuidade à ideia de ensino. 7 Disponível em: <www.tekniskamuseet.se>. Acesso em: 20 nov. 2013. 8 Nomeadamente recorrendo à interacção com o púbico com com as “hand on”. 9 Decreto de 24 Junho de 1807 (PEDREIRA, 1994, p. 246). 10 Portugal foi invadido pela tropas de Napoleão I em 1808 e a família real foi obrigada a deslocar-se para o Brasil. 11 Alexandre António Vandelli, naturalista Luso-Brasileiro (1784-1862). 12 Diário do Governo n. 274. Decreto de 18 de Novembro de 1836, artº 9 e 10. 13 Diário do Governo n. 274. Decreto de 18 de Novembro de 1836, artº 9 e 10.
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industrial organizada e regulamentada por princípios científicos e técnicos. Os homens de Oitocentos desejavam difundir a importância da ciência através de propostas de reforma do ensino técnico, da publicação de obras de divulgação científica e técnica, da realização de conferências, da organização de exposições e da criação de museus industriais e/ou técnicos. Como já se referiu, a criação de museus esteve directamente ligada com a realização de exposições, nomeadamente, de exposições universais. Assim, sob a influência da Exposição Universal de Londres realizada em 1851 e dos projetos que se seguiram de estabelecer um museu ligado à indústria, o decreto de 31 de Dezembro de 1852, que criou o Instituto Industrial de Lisboa e a Escola Industrial do Porto, previa o funcionamento junto a estes estabelecimentos de Museus Industriais. O Relatório do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria datado de 30 de Dezembro de 1852, que acompanhou este decreto, considerava que o museu industrial devia “tomar por modelo, quanto possível, as colecções de exemplares, que se têm organizado nos países mais adiantados, e que melhores estabelecimentos possuem neste género”14. A falta de recursos financeiros foi adiando a concretização destes museus, embora se continuasse a afirmar a importância da sua criação, Diremos mesmo a necessidade absoluta e imperiosa, de se estabelecerem nos centros industriais museus tecnológicos, onde se reúnam exemplares das máquinas mais perfeitas, modelos industriais de diferente ordem, coleções de matérias-primas e tudo quanto possa contribuir para facilitar a instrução e apurar o bom gosto das classes industriais (BRASIL, 1864).
A conjuntura europeia das últimas décadas do século XIX, marcada pela conquista de novos mercados e pelo domínio de espaços extraeuropeus produtores de matérias-primas, e o impacto das exposições universais e internacionais levaram à criação, por Decreto Régio de 24 de Dezembro de 1883, dos Museus Comerciais e Industriais do Porto e de Lisboa. Os novos museus tinham como principal objetivo “[…] proporcionar instrução prática através de exposições permanentes […] refletindo ao mesmo tempo o estado da indústria nacional […]” (LOUREIRO, 2005, p. 199). Considerados como uma instituição educativa, detinham ainda uma função comercial e industrial promovendo a venda de produtos expostos. Estes projetos tiveram, no entanto, vida curta, apesar da sua vasta programação e dos esforços de Joaquim de Vasconcelos, director e conservador do Museu do Porto, e de Joaquim Tello, director do Museu de Lisboa, tendo sido extintos pelo Decreto-lei de 23 de Dezembro de 1890, que nomeou em seu lugar uma Comissão Superior de Exposições que nunca chegou a entrar em funções. Uma panorâmica dos museus dedicados ao património Industrial:1990-2010 1 As novas perspectivas de musealização do património industrial e a sua influência em Portugal Será necessário aguardar quase 100 anos, para que em Portugal nasçam novos projetos de museus dedicados à ciência, à técnica e à indústria lançados com o objetivo de promover e incrementar o conhecimento técnico e científico junto do população, em especial da população escolar desde os mais jovens aos estudantes do ensino superior. 14 Sobre a criação deste museus veja-se: Matos (2010), Silva (1971) e Gomes (1978, p. 163-172).
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A partir da década de 1980, fruto do reconhecimento da importância do património industrial em Portugal, foram fundadas as primeiras associações que tiveram um papel importante, ainda que diverso ao longo do tempo, na defesa e no estudo deste património. Destacamos o papel da Associação de Arqueologia Industrial da Região de Lisboa, fundada em 1980 e que mais tarde deu origem à APAI - Associação Portuguesa de Arqueologia industrial15, e da APOREM – Associação Portuguesa de Empresas com Museus, fundada em 1992 com o objetivo de preservar o património e a memória passada das empresas e apresentá-las em espaços museológicos abertos à comunidade, Estas associações tiveram uma importante ação na divulgação do património industrial e empresarial e na sensibilização das empresas e das Câmaras Municipais para a necessidade de preservar este tipo de património, impulsionando, consequentemente, a criação de novos museus ou núcleos museológicos. O rápido desaparecimento dos vestígios materiais do desenvolvimento económico verificado ao longo de século e meio levaram diversos autores a eleger “o chamado património industrial como um ‘novo território’, chamando a atenção para o seu potencial, inclusive em termos da sua reutilização para novas funções, dando-lhes uma ‘segunda vida’, entre as quais as de caracter museológico” (MENDES, 2012, p. 2). Nos estudos sobre o património industrial, desde cedo que os vestígios materiais foram considerados essenciais para o estudo da sociedade industrial como fonte essencial para o estudo da história da indústria, da tecnologia e dos movimentos sociais. Por esta razão se procurou preservar os vestígios da sociedade industrial e dá-los a conhecer através de diversas formas de valorização, nomeadamente através da sua musealização. Neste processo de valorização/musealização do património industrial a Nova Museologia, movimento nascido entre os anos de 1971 e 1974, sob a égide de Marcel Évard com o apoio de Hugues de Varine e de George Henri Riviére, introduziu conceitos e práticas que se tornaram uma referência, e contribuiu para a visão renovada que se passou a ter, não só na forma de musealizar o património industrial, mas, também, no papel que estes museus assumem nas comunidades em que se inserem. Este novo modelo, o museu de território em contacto estreito com os seus habitantes, ficou expresso num novo conceito de musealização: o Ecomuseu. O conceito de ecomuseu foi colocado em prática pela primeira vez na comunidade de Le Creusot/Monteceau-Les-Olives, em França, onde os autores acima referidos criaram um museu do homem e da indústria (RIVIÉRE, 2009). Neste museu procuraram “joindre à un inventaire du patrimoine matériel et immatériel dans son environnement la prise de conscience dynamique du milieu” (POULET, 2008, p. 177) .16 O movimento da nova museologia e o conceito de Ecomuseu foram determinantes para o desenvolvimento dos museus dedicados ao património industrial e desencadearam uma nova sensibilidade em torno da cultura material e da sua leitura integrada na paisagem. A partir da década de 1980 verificou-se, em Portugal, um processo de desindustrialização, em especial nas cidades industrializadas que obrigou a re15 Sobre a actividade da APAI veja-se: Matos, Ribeiro e Santos (2003, p. 23-32). Para além desta foram criadas outras associações como a APPI-Associação Portuguesa para o Património Industrial. 16 Como refere Chaumier (2003) o Ecomuseu procura “relier des objets, démontrer les rapports de nécessité, d’étudier les objets dans leur environnement” e procura “exprimer, à travers eux une culture et les relations des habitants à un territoire”. Uma das suas missões “est préparer des changements et d’être un facteur d’innovation” (CHAUMIER, 2003, p. 91; 93).
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pensar o território, a reconversão dos edifícios abandonados e a planificação do tecido urbano. O abandono da actividade industrial foi, em vários casos, acompanhado pela realização de estudos e intervenções arqueológicas em espaços industriais, muitas vezes associados a processos de classificação e projetos de revitalização (regeneração) urbana, que permitiram a criação de novos espaços culturais e museológicos. Estes novos museus estão associados às mais-valias da “marca Indústria” enquanto score estratégico no desenvolvimento económico e turístico de uma cidade ou região, sustentados por políticas culturais (entenda-se política cultural enquanto estratégia de desenvolvimento urbano, educativo e cultural), que apostam na valorização do património industrial e da história local para dinamizar o seu tecido social e económico. Partindo dos estudos realizados sobre o património industrial sublinhamos a ideia, já apresentada por vários autores, que a partir dos anos de 1980 se desenvolveu de um modo exponencial a designada “Museologia Industrial”, ou, segundo outra perspetiva, a museologia dos fenómenos industriais (CUSTÓDIO, 2006, p. 42). Amado Mendes refere a este respeito que “[…] as estruturas industriais, pela sua escala e dimensão, são apropriadas para a exibição de obras de grande porte […]” (MENDES, 2012, p. 3) sendo espaços ideais para serem reutilizados para novas funções e, em muitos casos, para serem reconvertidos em museus, dedicados à memória industrial, preservando assim estruturas e equipamentos aos quais foi atribuído valor histórico e patrimonial. A este propósito, este mesmo autor veicula a ideia de que o boom deste género de museus se deveu a outros factores, dos quais destaco […] o movimento museológico da nova museologia, defendendo a proximidade do museu com a comunidade, a preservação de património relativo ao trabalho e ao quotidiano, a interactividade nos museus e a sua função pedagógica (MENDES, 2013).
2 Os museus industriais de iniciativa empresarial: exemplos representativos Em Portugal, uma parte dos museus dedicados ao património industrial nasceram no seio das políticas de preservação deste tipo de património e de divulgação das grandes empresas, muitas delas com participação do Estado, enquanto outros se deveram a iniciativas das Câmaras Municipais. Neste trabalho, centrámo-nos na apresentação e reflexão sobre os museus dedicados ao património industrial, criados em Portugal por iniciativa de empresas, associações ou autárquicas a partir da década de 1990. Entre os museus de empresa destacamos o Museu da Água da EPAL – Empresa Pública de Águas Livres e o Museu da Electricidade (Central Tejo) da empresa EDP. O Museu da Água da EPAL tem a sua história ancorada na aprovação, em 1919, pela Assembleia Geral da Companhia das Águas de Lisboa, de um regulamento administrativo que criava na estrutura organizativa da empresa a “[...] 3ª divisão da Repartição Técnica, designada por Trabalhos de Desenho, Arquivo, Biblioteca e Museu”17. Esta Repartição passou a ser responsável pela preservação da documentação histórica da Companhia, pelo registo documentado das alterações realizadas nos edifícios e nos vários equipamentos da empresa, recolhendo exemplares dos vários equipamentos que iam sendo substituídos por outros mais recentes, com objectivo de os preservar e expor. Com esse fim a 3ª divisão da Repartição técnica 17 Disponível em: <http://www.eseqlx.net/queirosbeta/images/Gestao%20Documental/Publico/EBVG/ Museu-AguaF.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2013.
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[...] Teria a seu cargo a organização e conservação do Museu em que estejam expostos os diversos tipos de canalização, aparelhos acessórios, contadores e mais material usado, e bem assim um mostruário das avarias e alterações no mesmo encontrado18.
Esta decisão foi tomada num período de grandes mudanças políticas, vivendo-se, então o rescaldo do assassinato de Sidónio Pais, acontecimento registado em 14 de dezembro de 1918, que pôs fim a um período efémero denominado de “República Nova” (1917-1918). O novo governo foi assumido pelo então secretário de Estado da Marinha, Almirante Canto e Castro, que se debateu com as revoltas monárquicas de Monsanto, em Lisboa, e com a Traulitada do Norte, encabeçada por Paiva Couceiro. Estes movimentos estavam integrados no período da Primeira República, que anunciava um projeto regenerador firmado na crença de um “homem novo” assente no progresso e no aperfeiçoamento do homem pela educação e pela cultura, período que terminou a 28 de maio de 1926 com o golpe militar, que levou à implantação de uma ditadura militar. Após um longo período em que não foram tomadas medidas especificas o processo de preservação do património da EPAL conheceu um momento importante em 1967, quando foram desactivados o Aqueduto das Águas Livres e o Reservatório da Mãe d`Água das Amoreiras, que desde o século XVII tinham abastecido a cidade de Lisboa. Estas monumentais estruturas passaram, então, a integrar o património do Museu da EPAL. Em 1987, o Museu sofreu remodelações sendo alvo de uma nova organização museológica da coleção e, em 1994, no âmbito da Lisboa Capital Europeia da Cultura, a EPAL procedeu à recuperação do Reservatório da Patriarcal situado no subsolo do jardim do Príncipe Real. O museu, actualmente, abrange quatro núcleos dispersos pela cidade de Lisboa: o Aqueduto das Águas Livres, o Reservatório da Mãe de Água das Amoreiras, o Reservatório do Patriarcal e a Estação Elevatória a vapor dos Barbadinhos. Integra, ainda, um arquivo histórico com o acervo documental de grande valor composto por documentos escritos, plantas e desenhos, que permitem reconstituir a história do abastecimento de água e as várias alterações sofridas pelos edifícios e pela rede de distribuição. Outro projeto com impacto no panorama museológico é o Museu da Electricidade em Lisboa que nasceu do interesse da empresa EDP (empresa nascida da fusão de 13 empresas do setor elétrico em 1976) em preservar um dos símbolos arquitetónicos da produção da eletricidade: a Central Tejo19. O primeiro edifício desta Central Eléctrica, hoje desaparecido, foi edificado em 1909 e ao longo das décadas seguintes novos edifícios foram sendo construídos e a potência eléctrica instalada ampliada para dar resposta ao consumo crescente desta energia. Em 1972 a Central foi desativada após um período em que apenas funcionou como Central de Reserva (desde 1951). Em 1985, este espaço foi palco daquela que muitos autores consideram como a primeira grande exposição de arqueologia industrial realizada em Portugal 20 e que se intitulou “Arqueologia Industrial: um Mundo a descobrir, um Mundo a defender”, iniciativa que pretendia ser o embrião da criação de um museu da indústria à escala nacional. Nesta exposição foram apresentados equipamentos e peças oriundas de várias empresas e indústrias, possibilitando, ainda, este evento a abertura ao público da antiga Central termoeléctrica. Seguiram-se 18 Disponível em: <http://www.eseqlx.net/queirosbeta/images/Gestao%20Documental/Publico/EBVG/ Museu-AguaF.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2013. 19 Sobre o edifico da Central veja Faria, Cruz e Barbosa (2007). 20 Em 1978 , em Tomar teve lugar uma exposição de arqueologia industrial .
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outras exposições, das quais destacamos, em 1990 “ Um século de Electricidade”, dedicada à apresentar a história da Central Tejo e o seu contributo na produção de electricidade para a região de Lisboa. Desde os anos 80 iniciaram-se várias diligências no sentido deste edifício ser preservado e transformado em Museu da Electricidade. Em 1986, o conjunto fabril da Central Tejo, pelo seu valor histórico e arquitectónico em Portugal, foi classificado como Imóvel de Interesse Publico, por Decreto Governamental de 1/86 de 3 de janeiro, sendo um dos primeiros edifícios industriais a ser classificado em Portugal21. Alguns anos depois o Museu da Electricidade foi encerrado para ser alvo de obras de remodelação, reabrindo ao público em 2006, com um novo conceito de musealização que centrava a sua exposição permanente na própria Central e nos equipamentos que permaneceram no edifício e que continuam a fazer parte integrante da sua arquitectura. Este museu integra, ainda, uma reserva onde se encontra armazenado o espólio que não está exposto ao público e um Centro de Documentação constituído por acervos documentais das várias empresas de produção, transporte e distribuição de energia. Ao longo dos últimos anos, alguns museus industriais, e em especial os museus de empresa da EPAL e da EDP, apresentaram uma capacidade de investimento na manutenção dos seus espaços, bem como na remodelação e revitalização os seus edifícios (com recurso a fundos comunitários). A sua programação assenta na abertura dos seus espaços a exposições temporárias, eventos culturais e artísticos muito variados, onde se incluem exposições internacionais itinerantes pela Europa. Deste modo, apostam na divulgação das suas instalações, autênticos cenários da história da técnica e da indústria portuguesa e, simultaneamente divulgam a “marca da empresa” junto de interlocutores nacionais e estrangeiros e desenvolvem uma programação sustentada em eventos culturais e artísticos nos seus espaços. As empresas (muito especialmente as que integram capitais do Estado) ganharam consciência do seu património e utilizam os Museus como instrumento da sua política de marketing, considerando-os como locais privilegiados para a projeção da imagem do passado e presente da empresa, e contribuindo, simultaneamente, para a preservação do património arquitetónico e documental. 3 Museus industriais de iniciativa universitária Embora os museus industriais ligados a instituições de ensino, nomeadamente universitário, sejam uma realidade com uma importância crescente em diversos países, em Portugal o seu número é ainda escasso. O caso que merece maior destaque é o Museu de Lanifícios da Covilhã, que está profundamente associado às mudanças de natureza económica e social verificadas na região da Covilhã a partir dos anos 70, com o declínio do sector dos lanifícios e o abandono de edifícios industriais, a progressiva terciarização da região e a instalação da futura Universidade da Beira Interior. Aliás, a ideia da criação deste museu foi uma iniciativa da Universidade da Beira Interior, institucionalizada pelo Despacho Reitoral de 1989. Nasceu, assim, o projeto de recuperação da memória do passado industrial e a constituição de um espaço museológico que evocava, não só, as manufacturas pombalinas, como o processo de industrialização deste 21 Após a classificação do Moinho de Maré do Seixal em 1984.Classificado como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto nº29/84.DR.ISerie no 145 de 25-06-1984.Ver também Nabais (1986).
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“conclave” industrial no interior montanhoso de Portugal. Este é o exemplo como um museu pode contribuir à l’émergence d’un intérêt commun au sein de l’espace public, Il exerce de fait une hégémonie en termes de collections comme de réflexion collective à propos du patrimoine, tant du point de vue de l’appartenance et de l’identité que du pont de vue de l’expérience de l’altérité (POULET, 2005, p. 4).
O Museu dos Lanifícios da Covilhã foi o resultado da aplicação de metodologias de intervenção desenvolvidas no âmbito da arqueologia industrial, com a celebração, em 1986, de um Protocolo de Cooperação entre o ainda Instituto Universitário da Beira Interior e a Associação de Arqueologia Industrial da Região de Lisboa22. Deste modo, foi possível realizar um conjunto de intervenções arqueológicas e, mais tarde, a musealização de tanques, fornalhas e outras estruturas industriais. Inaugurado em 1992, e aberto ao público, em regime normalizado, em 1996, este projeto permitiu, não só, a preservação e recuperação da área da Tinturaria da Real Fábrica de Panos (fundada pelo Marquês de Pombal em 1764), como ainda a abertura, em 2006, do Núcleo da Real Fábrica da Veiga, (um espaço com cerca de 12000 m2 de área bruta) e um Centro de Interpretação dos Lanifícios nas proximidades do espaço museológico anterior. Recentemente o museu lançou um projeto editorial, a Ubimuseum, uma revista on-line dedicada a divulgação dos estudos e projetos de investigação que vão desde história da indústria e da técnica até à museologia. Em Guimarães, na zona dos Couros, foram reconvertidos duas fábricas: a Fábrica de Curtumes da Ramada, espaços afetos ao curso de design da Universidade do Minho, e a Fábrica de Curtumes de António José de Oliveira e Filhos23, onde se instalou o Centro Avançado de Formação Pós-graduada. Nos Açores, encontramos, ainda, o Observatório do Mar dos Açores, criado pelo Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, que possui desde 2008 um núcleo museológico dedicado à arqueologia industrial e cujo objetivo é o estudo e a divulgação do património baleeiro. Instalado na fábrica de Baleias, do porto de Pim, na Cidade da Horta (edifício classificado como Imóvel de interesse Público (IIP) desde 1894). Este núcelomuseológico possui uma exposição permanente que conta com a maquinaria original: Casa das caldeiras, casa das autoclaves… tendo integrado acervos de antigas armações baleiras. 4 Os museus industriais de iniciativas autárquicas Para além dos museus que nasceram no seio das grandes empresas nacionais, encontramos também em Portugal um conjunto de museus de iniciativa autárquica, o grande promotor nos últimos anos de equipamentos culturais que reutilizaram e reconverteram antigos edifícios industriais em Museus, Centros de Ciência e Tecnologia e Centros Interpretativos. Estes, uma vez instalados e integrados na Rede Portuguesa de Museus têm pautado a sua programação, não só pelo desenvolvimento de programas educativos, mas também, e sobretudo nos últimos tempos, por programas de inclusão social, dialogando com diferentes entidades, abrindo o espaço do Museu para “minorias”, promovendo o diálogo intercultural e os programas de inserção social e cultural. 22 Disponível em: <https://www.ubi.pt/Entidade.aspx?id=Museu_de_Lanificios>. Acesso em: 22 nov. 2013. 23 Disponível em: <http://www.guimaraesturismo.com/pages/804?geo_article_id=1442>. Acesso em: 22 nov. 2013.
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Localizados em concelhos com uma vertente industrial reutilizaram antigas instalações fabris para dar corpo a novos projetos museológicos de feição municipal. Nesta linha importa, referir o Museu do Trabalho Michel Giacometti, de Setúbal, inaugurado em 1995, e o Ecomuseu do Seixal, aberto ao público desde 1992 (denominado Ecomuseu em 1993), que possui vários núcleos museológicos associados ao património industrial e fluvial. Destacámos, ainda o Museu da Cortiça da Fábrica do Inglês, em Silves, inaugurado em outubro de 1999, mas que teve uma existência efémera já que encerrou alguns anos depois, o Museu do Vidro (Palácio Stephens) na Marinha Grande inaugurado em dezembro de 1998, o Museu da Pólvora Negra, em Oeiras, aberto ao público em 1998, e que tem norteando a sua missão “em torno da investigação das coleções do Museu e dos vários edifícios e equipamentos da fábrica, bem como das diversas componentes sociais e tecnológicas” (CAMACHO, 2008, p. 6-8), e o Museu da Mina de Aljustrel transformado em núcleo museológico em finais da década de 1990, entre outros museus. Pertencendo a uma geração de museus de iniciativa autárquica mais recente, inaugurados no período que decorreu entre 2000 a 2006, encontramos, o Museu de Cerâmica de Sacavém, inaugurado em junho de 2001, o Museu do Papel de Paços Brandão/Terras de Santa Maria, inaugurado em outubro de 2001, o Museu Nacional do Pão, na Serra da Estrela, aberto ao público em setembro de 2002, o do Museu da Chapelaria de S. João da Madeira, inaugurado em junho de 2005, que foi antecedido por um trabalho de pesquisa antropológica, de “recolha de memórias dos que trabalharam nas fábricas de chapelaria […]”, que permitiu “elaborar um ficheiro de informantes” realizado com base na metodologia das entrevistas semidirectivas para constituir histórias de Vida (MENEZES; FERNANDES, 2007, p. 161), e a constituição uma importante colecção de objetos. Este museu que ilustra bem o modo de produção dos chapéus, tem apostado numa programação com forte ligação à comunidade industrial deste concelho. Mais a Sul, o Museu Municipal de Portimão inaugurado em 2008, após um processo de estudo, levantamento patrimonial e de reconversão das antigas instalações da fábrica de conservas Feu Hermanos, é um espaço que apresenta uma coleção de máquinas e apetrechos associados à indústria conserveira. O programa museológico do museu procurou integrar e valorizar “os elementos mais relevantes da sua arquitetura, enquanto elementos do património industrial e da envolvente ribeirinha da cidade” (GAMEIRO; AIRES; CID, 2007, p. 147). Importa referir a qualidade de projetos museológicos como o do Museu de Portimão, que já recebeu vários prémios nacionais e internacionais24. No Sul do país situa-se, também, o museu pertencente à Fundação Robinson, instalado numa antiga fábrica de cortiça, localizada em Portalegre, que teve uma grande importância neste sector. Este museu é composto por dois núcleos: o núcleo da Igreja de São Francisco e o nucelo da Fábrica Robinson. O primeiro “é um espaço cultural com dimensão museológica que se integra no plano de reabilitação arquitectónica e paisagística do Espaço Robinson”, enquanto o segundo tem “uma vocação cultural, mas o vasto e riquíssimo património industrial que ainda conserva será estudado e mantido in situ sempre que possível, em diversas localizações na fábrica, documentando um passado industrial importante”.25 24 Desde 2010 foram-lhe atribuídos os seguintes premios: “Museu Conselho da Europa 2010”, atribuído pelo Conselho da Europa; premio “DASA – Mundo do Trabalho 2011”. 25 Disponível no site da Fundação Robinson: <http://www.fundacaorobinson.pt/pagina,7,7,7.aspx>.
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5 Os museus como alternativa à desindustrialização: o caso do norte do país A região Norte de Portugal, detentora de um tecido industrial com raízes antigas e que no século XIX se caracterizava pelo seu carácter oficinal e manufactureiro, conheceu ao longo das primeiras décadas do século XX um importante desenvolvimento industrial, em grande parte tributário das ligações com o mercado brasileiro e colonial. Nas últimas décadas do século XX, a cidade do Porto, tal como outras cidades marcadas pelo processo de industrialização, foi afectada por um processo de desindustrialização e deslocalização da indústria, inicialmente das freguesias do centro da cidade para as periféricas e, mais tarde, das freguesias periféricas para os concelhos envolventes. Este fenómeno propiciou também nesta região o nascimento de novos museus na década de 1990, dos quais se pode destacar o Museu Nacional da Imprensa e Artes Gráficas, uma iniciativa da Associação que congrega jornais e empresas do sector gráfico, e o projeto do Museu da Ciência e Indústria do Porto, uma iniciativa conjunta da Câmara Municipal do Porto e da Associação Empresarial de Portugal. Este último museu encontra-se agora encerrado ao público, mas é detentor de uma importante coleção representativa de máquina, ferramentas e objetos das principais unidades industriais e oficinas que existiram na cidade. Durante os anos em que esteve aberto este museu desenvolveu uma série de atividades que procuravam manter viva a memória industrial da cidade (SAMPAIO, 2003, p. 169-172) e uma importante programação educativa com o objetivo de dar a conhecer às gerações mais jovens essa mesma memória que corre o risco de se diluir. Em 1992, foi fundado o Museu do Carro Eléctrico, um projeto da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, instalado na antiga central termoeléctrica de Massarelos e detentor de uma coleção de carros eléctricos, atrelados e veículos, e o Museu dos Transportes e das Comunicações instalado em 1992 na Alfândega do Porto, um edifício cuja construção data de 1859. Na região do Vale do Ave, marcada pelo desenvolvimento da indústria têxtil algodoeira, a desativação de numerosas fábricas deu origem à reconversão de vários edifícios industriais nos quais foram instalados projetos de carater empresarial (incubadoras de empresas) ou espaços de divulgação artística. Com o objetivo de preservar a memória industrial da região em 1987 foi instalado em Famalicão, numa antiga fábrica de fiação e tecelagem, o Museu da Indústria Têxtil da Bacia do Ave. Este museu foi integrado num projeto mais amplo: a rota do vale do Ave. Em Santo Tirso, foi recuperada a Fábrica de Santo Thyrso (fundada em 1898), uma das mais emblemáticas fábricas têxteis do Vale do Ave, sendo reconvertida em “incubadora de base tecnológica nas áreas da Moda e Design, com a finalidade de contribuir para a promoção da inovação e do empreendedorismo”26, No seu interior foi, ainda, instalado um centro interpretativo evocando a memória desta unidade têxtil instalada nas margens do rio Ave. Mais recentemente, em Guimarães, no âmbito da programação da Capital Europeia 2013, foram abertos novos espaços culturais, sendo de destacar a reconversão da fábrica de lençóis ASA – um edifício industrial dos anos 60 transformado num “condomínio empresarial”27, este espaço que combina áreas Acesso em: 3 dez. 2013. 26 Disponível em: <www.fabricasantothyrso.pt>. Acesso em: 02 dez. 2013. 27 Disponível em <www.fabricaasa.eu>. Acesso em: 22 nov. 2013.
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dedicadas a projetos empresariais com outras destinadas a eventos culturais. Ainda em Guimarães é de destacar, o antigo mercado transformado num centro artístico e cultural ao qual se atribuiu o nome de Plataforma das Artes. Reflexões sobre os museus da técnica e da indústria na sociedade actual
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Segundo os dados divulgados pelos estudos do OAC (Observatório das Actividades Culturais) para o período de 2000 a 2005, verificamos que ocorreu um aumento dos museus tutelados pelas Câmaras Municipais. Para este mesmo período o número de museus aumentou de 208 para 235 museus. Se analisarmos os museus em função da sua tipologia, a realidade museológica caracteriza-se, por um destacado número de museus de Arte (20,6 % do total), de História (9,4%) Etnografia e Antropologia (5,8%) e, ainda, museus mistos e pluridisciplinares (14,9% no total). Os museus da Ciência e da Técnica apresentam apenas 6,5% (SANTOS, 2005). Nesta linha de levantamentos de dados quantitativos, importa referir os dados do inquérito levado a cabo pelo Instituto dos Museus Portugueses - IPM em 2000, que apontava para num universo de 530 museus em funcionamento, 81 com coleções de património industrial, sendo que os distritos mais industrializados do país, como Lisboa, Porto, Setúbal apresentavam os dados mais relevantes. Assim, para o distrito de Lisboa, num universo de 16 museus, a percentagem de coleções de património industrial era de 19,75%. Já para o Porto, num universo de 10 museus, a percentagem era de 12,35%, e para o distrito de Setúbal, num universo de 5 museus a percentagem era de 6,17%. Nos distritos com uma tradição industrial menos relevante, os valores desciam para os 2,47%, como era o caso dos distritos de Évora, e Castelo Branco e da ilha da Madeira. Esta é uma realidade que nos faz refletir, sobre como a cultura técnico-industrial foi sendo integrada nos museus existentes e nos que entretanto foram criados (SILVA, 2000). O estudo realizado pelo Observatório das Actividades Culturais – OAC, no período referido, 2000 a 2005, permitiu constatar que o panorama museológico português apresentou durante esses anos uma clara expansão. Este crescimento caracteriza-se pela valorização do património móvel por parte dos sectores públicos e privados e pelo desenvolvimento de políticas culturais, nas quais se incluí a requalificação (com recursos a fundos comunitários) de parte significativa dos museus nacionais. Por seu lado, a criação da Rede Portuguesa de Museus – RPM, em 2000, e a aprovação da nova Lei Quadro dos museus portugueses, em 2004, tiveram, também, um papel importante na reorganização dos museus portugueses. Apesar do aumento do número de museus verificado até 2005, nos últimos anos a maioria dos mesmos apresenta sinais de crise, que resultam das reduções orçamentais que são preocupantes para todos os que se encontram ligados ao setor museológico, vendo, na maioria das vezes, a diminuição, senão mesmo a paralisação dos processos de preservação deste tipo de património. Porém, e numa perspetiva analítica, este é um momento de reflexão sobre o trabalho realizado e sobre os novos desafios para o futuro28. O património industrial e os projetos museológicos nesta área são dos primeiros a serem atingidos pela carência dos meios, pois são estruturas muito específicas, de grandes dimensões, como aquedutos, reservatórios, centrais, casa das máquinas, mas também, coleções de objetos que possuem exigências de conservação muito 28 Certos analistas referem, este momento, como um período de transição entre modelos e realidades, entre distintas formas de utilizar os recursos existentes e o abalar das cadeias sociais e financeiras (dados da OAC).
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específicas. A falta de recursos nesta área implica, muitas vezes, a suspensão dos trabalhos de incorporação de coleções, e, mais grave ainda, a interrupção de projetos de estudo, inventariação e conservação destas coleções e equipamentos. Perante a consciencialização deste enunciado, o esforço que se impõe, na área da cultura e em particular dos museus, é uma maior responsabilização e interação entre o sector público e o sector privado. Implica congregar mais vontades e traçar uma nova estratégia que rentabilize os recursos já existentes e que promova um diálogo mais aberto dos vários agentes e protagonistas destes processos. Importa, como defende o ICOM, “retomar o fio condutor do desenvolvimento dos museus portugueses, ancorado numa ação estratégica”, que permita uma ação articulada entre a preservação do património, o turismo cultural e as dinâmicas educativas e socializadoras associadas à missão dos museus. No momento crítico atual, em que se questiona diariamente o papel do serviço público, impõe-se reflectir sobre os modelos de requalificação dos museus existentes e a criação de novos museus integrados numa rede de museus dedicados ao património industrial, que se complementem entre si sem desnecessárias repetições de temas ou abordagens. Neste contexto importa fomentar o trabalho em rede, nomeadamente, com a criação de museus de base geográfica e temática (defendido pelo ICOM e por vários especialistas e técnicos), importa também encontrar novas formas de subvencionar e apoiar a atividade cultural e congregar e disponibilizar recursos humanos e materiais. Nesta linha de preocupações e perspectivas de actuação é fundamental sensibilizar os poderes públicos para a importância do património industrial como sector estratégico na definição das identidades regionais, e na promoção da indústria. Esta nova forma de actuar impõe, consequentemente, uma alteração de escala e uma outra de base territorial: unidades regionais, nacionais e europeias. Os projetos de estudo e conservação do património industrial obrigam, desde o início, a combinar vários recursos e meios que permitam a correcta compreensão dos objetos expostos, para a qual é essencial a recolha das memórias e dos “saberes” associados ao funcionamento desses mesmos objetos e máquinas. Assim, é particularmente importante estabelecer o diálogo com antigos fabricantes, manuseadores /operadores dessas máquinas e registar o seu modo de funcionamento. É igualmente relevante recolher informações junto de operários e engenheiros que foram responsáveis pela montagem ou desmontagem das máquinas, ou seja, o levantamento da história oral que permita recuperar e preservar a memória dos “saberes”, das técnicas, das vivências, rotinas, reivindicações… Esta recolha deve ser simultânea com o levantamento das marcas deixadas no território e com o inventário do edificado e dos objetos. A realização destas tarefas obriga a um trabalho interdisciplinar e quantas vezes transdisciplinar, combinando história, arquitectura, engenharia, eletrotecnia, antropologia... de modo a permitir uma compreensão global do património industrial e a encontrar as melhor opções para a sua musealização ou reconversão. Não se pode também esquecer a componente didática que devem ter os projetos de musealização destes bens patrimoniais. Os museus da indústria, da ciência e da técnica, são uma nova geração de museus que na sua constituição dependem da celeridade dos projetos de reconversão dos edifícios, dos processos de classificação e dos financiamentos para a musealização de estruturas e equipamentos. Eles têm hoje a seu cargo a conservação e a divulgação de grandes naves industriais, chaminés, máquinas a vapor, geradores elétricos, objectos de trabalho e produção…, mas mais ainda, estão reféns das suas instalações e das próprias máquinas, reluzentes ou enferrujadas.
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Fora do discurso expositivo ficam, quantas vezes, as novas abordagens em torno de temas como “as relações laborais, o trabalho infantil, o trabalho feminino e o trabalho doméstico, as convulsões sociais, o sujo, a dor”. (CUSTÓDIO, 2006, p. 42). Seguindo de perto a linha de pensamento de certos autores, e comungando de determinados princípios é de destacar a seguinte afirmação
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[...] com a valorização cultural do património industrial inicia-se um profícuo diálogo entre a técnica, a indústria, a história, a arqueologia e a cultura, cuja interacção dialéctica contribui para um aprofundamento das raízes e das memórias técnicas e socais da industrialização (CUSTÓDIO, 2006, p. 35).
Aos museus da Ciência da Técnica e da Indústria cabe a missão, não só, de salvaguardar coleções históricas, mas também de motivar os públicos para a ciência e a tecnologia, assumindo-se como “montras do conhecimento científico e tecnológico.” Segundo Tinoco29, os museus da ciência e da técnica têm por função chamar constantemente à atenção para aquilo que a indústria deve aos homens. Quer se trate dos inventores e dos técnicos, dos produtores ou dos consumidores, e, também evidenciar de que maneira ela veio influenciar os modos de vida (TINOCO, 2012, p. 40, grifo do autor).
Nesta linha de pensamento e perante o panorama dos museus que se têm dedicado ao património cientifico-técnico-industrial:
A história dos museus de Ciência e da Técnica está marcada por sucessivas transformações dos seus papéis e identidades. Se por um lado, os museus se foram constituindo como uma referência estável de capital cultural na área científica, por outro lado, a criação, a evolução e ação dos museus estiveram sempre profundamente associadas às dinâmicas, estímulos e transformações ditadas pelos contextos da própria ciência e da técnica, e também por imperativos económicos, políticos, sociais e outros (MEDINA, 2012, p. 258, grifo do autor).
Estes imperativos marcaram cada momento, cada ciclo da história e estendem-se a todos os domínios da sociedade. No seio dos museus dedicados ao património industrial e dos museus da detentores da cultura técnico-industrial importa realizar uma reflexão sobre o papel que deverão ser chamados a ter nesta sociedades de grande aceleração tecnológica, sujeita aos fluxos da sociedade de informação, globalizante e globalizada. Qual o papel deste património e dos seus museus no século XXI? Se o património industrial tem desempenhado um papel renovador no desenvolvimento da museologia em Portugal, se a constituição das suas coleções, a musealização de espaços industriais constituem um exercício de diálogo inter comunidades, interdisciplinar, então nada melhor do que avaliar os riscos e as potencialidades deste novos projetos e reclamar o seu lugar no desenvolvimento educacional, cultural, cientiífico e tecnológico neste novo milénio. Considerações finais A análise que fizemos permitiu relembrar que a preocupação em preservar a memória da indústria data do século XIX, altura em que surgiram as primeiras iniciativas de se criarem museus industriais no país. Apesar de ao longo do século XX terem surgidos iniciativas pontuais de preservar o património industrial, os museus dedicados ao património industrial, instalados em espaços 29 Alfredo Tinoco, professor e museólogo falecido em 2010.
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industriais reconvertidos e adaptados são, em Portugal, um fenómeno da década de 1990 e dos primeiros anos do seculo XXI. Estes projetos, recentes em Portugal, procuram interiorizar e expressar as tendências da nova museologia, assumindo-se como museus de território, com uma forte ligação às comunidades industriais, aos seus protagonistas (empresários, técnicos, operários), apostando nos programas educativos e de inclusão social. Os museus industriais, e, em muitos casos, as novas incubadoras empresariais, (que reutilizam espaços industriais emblemáticos), têm tido a função de preservar as estruturas industriais, as suas linguagens arquitetónicas e a memória do património industrial. Contudo, nem todos os museus técnico industriais que hoje existem em Portugal se pautaram pelos critérios mais adequadas na reconversão dos espaços e nem todos têm o mesmo tipo de discurso expositivo, desenvolvendo-se segundo diferentes critérios e linhas programáticas. Além disso, nem sempre os critérios de preservação são tão abrangentes ou representativos das atividades industriais ou dos saberes técnicos como seria necessário para preservar a memória industrial do país e das suas várias regiões. Se as chaminés têm constituído um símbolo da indústria, cuja preservação é recorrente, ainda que muitas vezes a falta de contextualização lhe retirem o significado que poderiam ter, o mesmo não acontece com outros espaços fabris, como a “casa das máquinas” e os seus equipamentos, que são normalmente demolidos sem que se tenha procedido a registos históricos e arqueológicos aprofundados. Por outro lado, muitos museus têm permanecido reféns das suas máquinas reluzentes e de modos tradicionais de musealização dos espaços, sem capacidades para irem mais longe na intervenção crítica e educativa, assumindo-se como agentes de transformação social e política. Os primeiros museus denominados da Ciência, da Técnica e da Indústria tiveram, como vimos a longo deste trabalho, uma ligação muito estreita com as exposições industriais e internacionais. Nalguns casos tiraram partido dos investimentos, recursos e edifícios construídos para essas exposições. Posteriormente, souberam alargar ou reformular os seus objetivos, encontrando modelos organizativos, ao longo do tempo que lhes permitiram consagrar-se à divulgação do conhecimento científico e tecnológico, como aconteceu, por exemplo, com o Deutsches Museum, em Munique (Alemanha), ou com o Science Museum em Londres (Inglaterra). Em Portugal, esse fenómeno não se concretizou, apesar de termos tido iniciativas semelhantes ao longo de diferentes épocas. Relembramos, a exposição de 1865 e a construção do Palácio de Cristal no Porto. Nos últimos 30 anos nasceu, em Portugal, uma nova geração de museus dedicados ao património industrial por iniciativa das universidades, das empresa públicas e das autarquias que se constituem como um importante núcleo da experiência museológica e da preservação do património técnico-industrial. Por último importa referir que está reservado aos museus dedicados ao património industrial – Museus da Ciência, da Técnica e da Indústria - um papel muito específico: a educação pela técnica, a divulgação da cultura tecnológica, a promoção do conhecimento científico e as diversas aplicações da tecnologia na atualidade que interferem com a nossa vida quotidiana e com as decisões políticas e sociais sobre as quais a sociedade civil é frequentemente chamada a pronunciar-se. A exploração das suas coleções e equipamentos através de programas educativos e projetos de estudo e difusão da cultura técnico-industrial devem ser o seu leith motiv (objectivo e missão). Mas, para isso, é necessário que possuam os meios e os recursos que lhes permita desenvolver um trabalho consistente, cujo âmbito contemple, desde a divulgação dos saberes e ofícios, até às tecnologias
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digitais, passando pela temáticas do mundo do trabalho, dos movimentos sociais e pelo entendimento das identidades ligadas ao mundo industrial. Esta função educativa e social só é possível com a definição de um programa de Serviço Educativo, que esteja integrado numa estratégia nacional assumida, não só pelo poder local e regional, mas por uma agenda nacional de promoção da educação técnica, interligada com as agendas internacionais e cujo grande objectivo seja o fomento do conhecimento cientifico-tecnológico em Portugal. Referências BORGES, Maria Eliza Linhares. L’exposition universelle de 1867 et le musée commercial de Rio de Janeiro. In: CARRÉ, Anne-Laure et al. (Coord.). Les expositions universelles à Paris au XIXe siècle: techniques, publics, patrimoines. Paris: CNRS, 2012. p. 379-385. BRASIL. Ministério das Obras Públicas Comércio e Indústria. Relatório. [S.l.:s.n.], 1864. CAMACHO, Clara Frayão. Património industrial: dez anos do museu da pólvora negra. In: DIAS, Joana Lino; CARRONDO, Lisete (Coord.). Fio da memória, operários da fábrica da pólvora: museu da Pólvora Negra. [Portugal]: Câmara Municipal de Oeiras, 2008. p. 6-8. CHAUMIER, Serge. Des muséees en quête d’identité: écomusée versus tecnomusée. Paris: Le Harmattan, 2003. COMMISION IMPÉRIALE (Paris). Rapport sur l’exposition universelle de 1867, à Paris: précis des opérations et liste des collaborateurs avec un appendice sur l’avenir des expositions, la statistique des opérations les documents officiels et le plan de l’exposition. Paris: Imprimerie impériale, 1869. CORDEIRO, José M. L. A propósito de coleções industriais. Boletim RPM - Rede Portuguesa de Museus, n. 3, p. 10-13, 2002. CUSTÓDIO, Jorge. Do museu e da museologia. Cadernos de Sociomuseologia, n. 26, p. 19-50, 2006. FARIA, Fernando; CRUZ, Luís; BARBOSA, Pires. A central Tejo: fabrica que electrificou Lisboa. Lisboa: Ed. FEDP/Bizâncio, 2007. GAMEIRO, José; AIRES, Isabel; CID, José. Um programa museológico para Portimão: do projecto ao museu. Museologia.pt, n. 1, p.149-153, 2007. GIL, F. Bragança. Museums of science or science centers: two opposite realities? In: FERREIRA, M. A. A; RODRIGUES, J. F. Museums of science and technology. Lisboa: Museu de Ciência da Universidade de Lisboa, Fundação Oriente, 1997. GOMES, Joaquim Ferreira. Dois museus industriais e comerciais criados no séc. XI. Publicações do Museu Nacional da Ciência e da Técnica, n. 8, p. 163-172, 1978. GRANATO, Marcus; LOURENÇO, Marta C. O património científico do Brasil e de Portugal: uma introdução. In: ______. Coleções científicas Luso-brasileiras: patrimônio a ser preservado. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e ciências Afins, 2010. LIFFEN, John. Le patent office museum, précurseur du Science Museum. La Revue. Musée des Arts et Métiers,v. 51/52, févr., p.57-67, 2010. LOUREIRO, Carlos. O museu comercial e industrial do Porto (1883-1889). In: SEMEDO, Alice; SILVA,Armando Coelho Ferreira da (Coord.). Colecção ciências físicas e tecnológicas em museus universitário: homenagem a Fernando Bragança Gil. Porto: FLUP, 2005. MATOS, Ana Cardoso de. As exposições universais: espaços de divulgação dos progressos da ciência da técnica e da indústria e a sua influência na opinião pública por-
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Artigo recebido em dezembro de 2013. Aprovado em fevereiro de 2014
MEDIAÇÃO EM MUSEUS DE CIÊNCIAS: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL Alessandra Bizerra1* Martha Marandino2**
ResumO: Estudos em educação em museus de ciências vêm, cada vez mais, incorporando as ideias da Teoria Histórico-Cultural de Vigotski. Com base neste referencial, pesquisadores de diferentes países procuram compreender os mecanismos pelos quais a cultura é ressignificada nesses espaços, tendo em conta o historicismo da ação humana. Conceitos como mediação simbólica, funções mentais superiores, zona de desenvolvimento proximal são alguns exemplos da contribuição vigotskiniana (bem como de seus continuadores) para o entendimento da função educativa dos museus de ciências. Nesse artigo, buscou-se abordar a concepção de mediação simbólica e de internalização de signos do psicólogo russo, desenvolvendo construtos relativos ao processo educativo em ambientes museais. Essa abordagem conta ainda com observações empíricas realizadas em um museu de ciências brasileiro de temática zoológica.
Abstract: Studies in science museums education have increasingly incorporating cultural-historical theory of Vygotsky. Based on this framework, researchers from different countries seek to understand mechanisms by which culture is re-signified in these spaces, taking into account the historicism of human action. Concepts as symbolic mediation, higher mental functions, zone of proximal development are examples of vygotskian contribution (as well as his successors) to understand the educational role of science museums. In this article, we sought to address the design of symbolic mediation and internalization of signs of the Russian psychologist, developing constructs relating to the educational process in museological environments. This approach also has empirical observations from a Brazilian science museum.
PalaVras-CHaves: Mediação semiótica. Museus de ciências.Vigostki. Objetos museais.
Key-words: Semiotic mediation. Science museums.Vygotski. Museum objects.
1 * Professora Doutora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo 2 ** Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Mediação em Museus de Ciências: Contribuições da Teoria Histórico-Cultural
Teoria Histórico-Cultural e museus de ciências
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A Teoria Histórico-Cultural de Vigotski e colaboradores tomou corpo no ocidente a partir da publicação, em 1962, pela primeira vez em língua inglesa, da obra Pensamento e Linguagem. Desde então, essa perspectiva vem sendo cada vez mais utilizada por estudiosos de diferentes áreas de conhecimento, como a Psicologia, a Filosofia e a Educação. Em estudos desenvolvidos em museus, a abordagem histórico-cultural também é referenciada pelos pesquisadores e, comumente, é citada como uma perspectiva em grande expansão nas investigações sobre educação, bem como na pratica educativa destas instituições (e.g., ALLEN, 1997; ELLENBOGEN; LUKE; DIERKING, 2004; LEINHARDT; KNUSTON; CROWLEY, 2003; SCHAUBLE; LEINHARDT; MARTIN, 1997). Ao considerar que o processo de apropriação da cultura emerge durante a interação entre indivíduos (atuando em um contexto social) por meio de mediadores (incluindo ferramentas, conversações, estruturas de atividade, signos e sistemas simbólicos), a abordagem histórico-cultural vem ao encontro de estudos de pesquisadores e educadores que procuram compreender a função educativa como processo estabelecido no meio social que promove a transformação da realidade. Assim, elementos como zona de desenvolvimento proximal e as elaborações conversacionais são possibilidades de análise derivadas da Teoria Histórico-Cultural bastante utilizadas em pesquisas e atividades educativas de instituições que adotam esta perspectiva (e.g., ALLEN, 2002; ASH; LEVITT, 2003; GARCIA, 2006; GASPAR, 1993; GASPAR; HAMBURGER, 1998; LIMA, 1997; PUCHNER; RAPOPORT; GASKINS, 2001; SAPIRAS, 2007). Mas, qual a relação entre a ação sobre o mundo, a atuação em um contexto social, e a transformação da realidade? Ou, em outras palavras, como a atividade prática se relaciona com o desenvolvimento psíquico? Para Vigotski (2001), ao contrário da opinião científica de sua época, esses dois processos estão fortemente associados e essa relação (da atividade prática com processos simbólicos) constitui-se como um momento fundamental do desenvolvimento intelectual de cada sujeito, em que ocorre uma nova reorganização de seu comportamento. Vigotski vê, portanto, na ação mediada, a força motriz para o desenvolvimento humano. A escolha desses prismas para a investigação realizada deu-se baseada no pressuposto de que as pessoas se apropriam da cultura por meio de instrumentos (técnicos ou simbólicos) e através do “outro”, sendo, portanto, a mediação3 (simbólica e pelo outro), um processo central em sua interação com o mundo. E, nesse processo mediado, nesse processo de significação das coisas, os indivíduos se constituem, numa transformação do ser biológico em ser cultural, pois, como sugere Vigotski (2007), é o processo de aprendizagem das coisas, uma ação mediada, que promove o desenvolvimento psíquico, o desenvolvimento das funções superiores, características dos seres humanos. Nesse sentido, um dos processos fundamentais encontrados por Vigotski (2007) para relacionar a aprendizagem ao desenvolvimento é a formação do pensamento por conceito. Como traz Giordan (2006): ao mencionar o pensamento por conceitos,Vigotski o toma como uma nova forma de atividade intelectual, um novo modo de conduta, um novo mecanismo intelectual, que se diferencia de outras atividades por ser uma função com estrutura e composição próprias. Na adolescência, a passagem ao pensamento por conceitos está vinculada à inserção do sujeito no mundo da consciência social objetiva, no mundo das ideologias sociais, como ciência, arte, religião 3 Priorizamos, nesse artigo, o conceito de mediação simbólica (semiótica) de Vigotski, mesmo cientes de que o termo “mediação”, no contexto museal, remeta, muitas vezes, à ação de profissionais destas instituições que promovem a negociação de significados entre o discurso expositivo e os públicos dos museus.
Alessandra Bizerra, Martha Marandino
e outras esferas ideológicas, cujas correspondências com a realidade objetiva se desenvolvem por meio de sínteses abstratas peculiares, ou seja, por meio de sistemas conceituais construídos historicamente (GIORDAN, 2006, p. 29).
Mas como esses processos (formação de conceitos na ação mediada) podem ocorrer nos espaços museais? Como esse entendimento pode contribuir para a organização da ação educativa no sentido de otimizar a relação entre museu e sociedade? Para refletir sobre essas questões e o papel educativo dos museus de ciências na perspectiva da Teoria Histórico Cultural, será apresentado, a seguir, um diálogo entre ideias e dados empíricos obtidos a partir da interação entre famílias e a exposição de longa duração de um museu brasileiro com alto índice de visitação. A coleta de dados: exposição e público
Fonte: Foto de Alessandra Schunck.
O objeto de estudo escolhido para essa análise foi a exposição de longa duração apresentada pelo Museu Biológico do Instituto Butantan, localizado no Estado de São Paulo, no sudeste brasileiro. Essa exposição é um dos resultados de mais de 100 anos de ações de divulgação científica e educação em ciências desenvolvidas pelo Instituto Butantan: ao longo do século XX, foram elaboradas exposições para atendimento do público visitante, sempre com o intuito de informar à população as características dos animais peçonhentos pesquisados no Instituto. Na última reestruturação da exposição de longa duração, foram realizadas mudanças significativas não somente no espaço expositivo, mas também na área restrita aos funcionários, incluindo os biotérios e os espaços necessários para a manutenção dos animais. Em 2001, no aniversário de centenário da Instituição, a nova exposição foi aberta ao público, acompanhada de um auditório para projeção de filmes. A exposição de longa duração conta com 77 aparatos (61 biodioramas4, 03 dioramas com animais vivos e taxidermizados, 01 diorama com réplica, 03 aquários, 01 vitrina sobre Reprodução, 01 vitrina sobre Osteologia e 07 pôsteres). Todos os dioramas buscam uma aproximação do ambiente original dos animais, por meio de pinturas e uso de plantas naturais e artificiais, folhas secas, galhos, rochas, fontes de água e substratos diversos (areia, argila etc.) (Figura 1).
Figura 1 – Biodiorama de boiubu, na exposição de longa duração do Museu Biológico do Instituto Butantan. 4 Os dioramas com animais vivos foram considerados como “biodioramas” (cf. ZOLCSAK, 1996).
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O público do museu é de cerca de 180 mil visitantes anuais, sendo que 48% são estudantes das redes pública e particular. Entre os não escolares, encontram-se grupos organizados principalmente em trios ou quartetos, geralmente compreendidos em grupos familiares. Face à grande variedade de possibilidades interativas estabelecidas por esses públicos, foi necessário optar por sujeitos específicos para a pesquisa. Assim, foram escolhidos grupos não escolares mistos, que incluíssem até quatro adultos e crianças de até 12 anos, considerados como “família”. Como colocam Ellenbogen, Luke e Dierking (2004), os membros de uma família, vistos como uma comunidade de prática, compartilham valores, vocabulários, interesses e compreensões e, sendo assim, as ações de um membro são interpretadas pelos demais, permitindo a construção de significados específicos ao grupo a que pertencem. Nesta pesquisa, foram considerados como “família” os grupos que apresentaram relações de parentesco, embora não necessariamente de consanguinidade. O fato de um agrupamento de crianças e adultos apresentar uma interação regular e recorrente, com continuidade, foi o critério principal para ser considerado como grupo familiar. O número limitante de quatro membros por grupo foi imposto por questões tecnológicas de coleta de dados. As famílias selecionadas foram abordadas na entrada do museu e, após explicações sobre o projeto de pesquisa, convidadas a participarem de duas entrevistas semi-estruturadas (anterior e posterior à visita). Na entrevista inicial, foram coletados dados pessoais, bem como informações sobre as concepções do grupo em relação à educação em museus. Após a visita, o grupo era abordado para retirada dos equipamentos e então questionado sobre suas impressões e ações. Como o referencial teórico escolhido sugere que as interações estabelecidas entre os membros do grupo e entre eles e a exposição são de fundamental importância para compreender a atividade de visita como uma atividade de aprendizagem, em movimento constante, em processo e não em produto, entrevistas pré e pós-visita não seriam suficientes para dimensionar essas relações. Assim, procurou-se registrar as ações desenvolvidas durante a visita em áudio e vídeo. Foi utilizado o sistema de microfonia sem fio e mixagem de vozes em mesa de som. Esses microfones foram escolhidos por possibilitarem a livre circulação dos visitantes ao longo das exposições, permitindo registrar a sequência das interações conversacionais estabelecidas pelo grupo. No total, foram entrevistadas e gravadas 15 famílias, mas neste artigo serão apresentadas as interações conversacionais de somente uma delas, identificada como G4. Essa família era composta por quatro pessoas: a mãe Tatiana, uma veterinária de 31 anos, seus dois filhos Henrique (10 anos, cursando o Ensino Fundamental) e Sofia (03 anos, aluna de creche), e sua mãe Beatriz, de 54 anos.A visita se deu no dia 19 de janeiro de 2007 e teve duração de 73 minutos. O grupo residia na cidade de São Paulo e se considerava público assíduo de museus. Essa era a primeira visita ao Instituto Butantan e as expectativas variaram dentro do grupo: enquanto Tatiana e Beatriz queriam propiciar momentos de aprendizagem para as crianças, Henrique estava disposto a saber mais sobre as aranhas e Sofia gostaria de “ver muitos bichos”. Com as transcrições das falas desse grupo, foram extraídos episódios que apresentaram uma estrutura interna organizada. Entende-se aqui o episódio, segundo a definição de Carvalho (1996), como um conjunto de ações que desencadeia um processo de busca de respostas para um determinado problema. Cada episódio é composto por momentos em que fica evidente uma situação a ser investigada. Nesta pesquisa, assumiu-se cada um deles como uma sequência de fases perceptíveis.Assim, um episódio inicia-se com uma proposta de engajamento (um questionamento inicial, um convite, uma afirmação) por um dos membros, que promove um posicionamen-
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to dos demais sujeitos, que se engajam num movimento explanatório (contextualização do problema, busca de soluções, colocações de opiniões), sejam ou não em concordância com a proposta. O episódio se encerra não necessariamente com uma conclusão ou solução, mas quando há o silenciamento do tema dentro do período analisado já que pressupõe-se que o visitante não inicia e encerra sua compreensão sobre um determinado assunto durante uma vista ao museu, mas sim, que ela faz parte de um processo contínuo de reflexão sobre o mundo, que a visita é um elo na cadeia do desenvolvimento psíquico do indivíduo. Nesse sentido, um episódio foi selecionado para a reflexão com ênfase na internalização de signos e na mediação em museus de ciências. História Natural da Operação com Signos Três adultos e uma criança iniciam sua visita ao Museu. Encontram-se no primeiro biodiorama, o recinto das jiboias, situado logo à entrada do salão de exposição. Estão com o cartão de ingresso na mão, que estampa uma cobra coral. 1. Criança: Nossa! 2. Adulto1: Nossa bem! 3. Criança: Essa é a coral. 4. Adulto1: Olha o tamanho dessa cobra! 5. Criança: Essa aqui é qual (apontando para o biodiorama da jiboia)? 6. Adulto2: Essa é a que tá aqui na foto, ó (referindo-se ao cartão de ingresso, com uma coral). 7. Criança: Jiboia (lendo a legenda do biodiorama). 8. Adulto1: É, jiboia. 9. Adulto2: Filha, e é, essa que tá aqui, filha (mostra novamente o cartão). 10. Adulto1: Não, lógico que não. 11. Criança: Não, essa daqui é a coral (referindo-se ao cartão). 12. Adulto2: Aqui em cima, ali, não é, não? 13. Adulto1: Não, mãe, é a coral essa daí. 14. Criança: Coral, olha aqui a coral. 15. Adulto1: Aquela lá é uma jiboia, mãe. 16. Criança: Ji-boi-a! 17. Adulto2: A de cima, ali, ó. 18. Adulto1: É, jiboia, tá escrito aqui, ó (apontando para a legenda). 19. Criança: Jiboia. 20. Adulto2: Eles misturaram... (risos) 21. Adulto1: (risos) O trecho de conversação apresentado acima é bastante comum entre visitantes de museus de ciências. Nessas conversas, vê-se uma estratégia desenvolvida por eles para resolver um problema colocado logo em que entram nesses espaços: interpretar os sistemas simbólicos utilizados em sua comunicação visual. Cada museu apresenta uma forma de expor seus objetos, com legendas, ícones5, símbolos que re5 Nesta investigação, utiliza-se o termo ícone como empregado no campo do Design (e não da Semiótica), em que corresponde a uma figura simples, fácil de ver e entender, utilizada para expressar uma ideia sem palavras (como encontrado nas figuras de computador – pasta, tesoura, ampulheta, nos sinais de masculino
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presentam determinados conteúdos selecionados pela instituição. Nas legendas dos biodioramas do Museu Biológico, por exemplo, encontra-se um conjunto de ícones (desenhos gráficos sintéticos) e palavras que significam informações biológicas e ecológicas da espécie exposta (Figura 2). A viviparidade e a oviparidade, nesse caso, são representadas por desenhos gráficos de uma serpente com filhotes ao seu redor e de uma serpente com ovos e alguns filhotes. Fonte: Foto de Alessandra Schunck.
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Figura 2 – Legenda do biodiorama de jararaca em detalhe.
Os visitantes lançam mão, portanto, de uma estratégia de apreensão da realidade que, dialeticamente, constitui o homem, tanto em sua filogenia quanto sua ontogenia: o uso de ferramentas para solucionar um dado problema que, no caso, corresponde à leitura de legendas e símbolos. Como aponta Vigotski (2007), o homem se relaciona com o mundo principalmente de uma forma mediada, indireta. Assim, o ser humano, ao conhecer o mundo, desenvolve uma atividade que pressupõe uma relação entre três elementos: o sujeito que conhece, o objeto a conhecer e o mediador que possibilita o conhecimento. Essa ação mediada é vista como uma substituição do processo simples de estímulo e resposta direta a uma situação-problema (S – R), por um ato complexo que requer um elo intermediário (S – X – R). Em seus estudos sobre as funções psicológicas superiores, em que procurava identificar os complexos mecanismos de controle do pensamento e da ação intencional,Vigotski encontrou no signo um importante aliado. Assim como Marx e Engels enfatizaram o papel dos instrumentos técnicos na mediação do homem com o mundo, Vigotski fez dos signos os mediadores das relações dos homens entre si, ressaltando que instrumentos técnicos e signos assemelham-se, principalmente, porque ambos possuem essa função mediadora. Para Pino (2005, p. 137, grifo do autor), “a grande descoberta de Vigotski, não foi o signo propriamente dito, do qual se fala desde a época grega, […], mas a sua natureza e função em paralelo com a natureza e função do instrumento na teoria do trabalho social de Marx e Engels”. Veremos a seguir como se dá a relação dos indivíduos com os signos em situações de visita a museus e como esses, na interação com os objetos museais e com outros sujeitos, apropriam-se dos significados que circulam no espaço museal. 1 Internalização Apesar de traçar as similitudes entre instrumento e signo, Vigotski enfatizou as diferenças entre esses elementos. O primeiro é elo entre o trabalhador e feminino ou nos avisos gráficos sintéticos dos aeroportos) (LUPTON; PHILLIPS, 2008; SANTAELLA, 2005).
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e o objeto de seu trabalho, é orientado externamente e, necessariamente, leva a modificações no objeto. “Constitui o meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e domínio da natureza” (VIGOTSKI, 2007, p. 55). Já o segundo é orientado internamente e não modifica o objeto da atividade. Ele é um meio da atividade interna, dirigido para o controle do próprio sujeito. O elemento mediador, nesse caso, pressupõe o engajamento ativo do indivíduo em seu estabelecimento e, também, em uma ação reversa, a sua ação sobre o sujeito: na medida em que esse estímulo auxiliar possui a função específica de ação reversa, ele confere à ação psicológica formas qualitativamente novas e superiores, permitindo aos seres humanos, com o auxílio de estímulos extrínsecos, controlar seu próprio comportamento. O uso de signos conduz os seres humanos a uma estrutura específica de comportamento que se destaca no desenvolvimento biológico e cria novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura (VIGOTSKI, 2007, p. 34, grifo do autor).
Vale ressaltar que o fato dos signos constituírem-se como elementos mediadores de orientação interna não se relaciona com a estrutura desse elemento: ele pode apresentar-se tanto como marcas externas como processos internos. Como coloca Oliveira (2006), ao longo da história humana, os signos são utilizados nas mais variadas situações. Em sua forma mais elementar, o signo é uma marca externa, que auxilia o homem em processos como a memória e a atenção. Dobrar a manga da camisa para lembrar de telefonar a alguém, fazer uma lista de compras por escrito, usar o guia de ruas para chegar a uma festa são alguns exemplos de uso de signos como marcadores externos em situações diversas. Entretanto, tanto na história da espécie, em sua filogenia, quanto na história do indivíduo, em sua ontogenia, ocorrem mudanças fundamentais no uso dos signos, sendo o processo de internalização um dos mais representativos. Ao longo do desenvolvimento humano, as marcas externas deixam de ser necessárias e o sujeito passa a utilizar signos internos: “ocorre o que chamamos de internalização; os signos externos, de que as crianças em idade escolar necessitam, transformam-se em signos internos, produzidos pelo adulto como um meio de memorizar” (VIGOTSKI, 2007, p. 40). Os signos externos, ao serem internalizados, constituem-se então como representações mentais que substituem os objetos da experiência sensorial. Como coloca Oliveira (2006, p. 35), “assim como um nó num lenço pode representar um compromisso que não posso esquecer, minha ideia de ‘mãe’ representa a pessoa real da minha mãe e me permite lidar mentalmente com ela, mesmo na sua ausência”. Ao lidar com representações mentais, que substituem o real imediato, o sujeito passa a ter a liberdade de se desprender do tempo e do espaço presentes, sendo possível planejar, imaginar, lembrar na ausência e intencionar. Essa ideia de libertação do ser humano das impressões imediatas está contida na definição precisa e sintética de signo feita por Peirce6 (19907 apud PINO, 2005, p. 127, grifo do autor): “um signo, ou Representamen, é algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém”. Dessa forma, ao promover a união entre atividade prática e signo,Vigotski estabelece relações entre comportamento e desenvolvimento psíquico: o controle da ação prática pelo signo confere ao ser humano a autodeterminação, o 6 Charles Peirce (1839-1914), filósofo e matemático estadunidense, é considerado o fundador da Semiótica moderna. 7 PEIRCE (1990).
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poder de tomada de decisões. Entretanto, o signo, antes de permitir o controle individual, já foi um controle social, ou seja, foi algo exercido pelo outro. Assim, como ressalta Giordan (2006), a mediação dos signos passa a ser o elemento que estabelece a ligação entre o plano social e o plano interno. É necessário enfatizar que, para Vigotski, existe uma história natural da operação com signos.As operações simbólicas, mediadas, não surgem como resultado da lógica pura, nem tampouco são inventadas ou descobertas pelos sujeitos, como “um súbito rasgo de discernimento ou de uma adivinhação rápida como um raio (a assim chamada reação do ‘aha’)” (VIGOTSKI, 2007, p. 41). Para o autor, as operações com signos são resultados de um processo prolongado e complexo: isso significa que a atividade de utilização de signos nas crianças não é inventada e tampouco ensinada pelos adultos; em vez disso, ela surge de algo que originalmente não é uma operação com signos, tornando-se uma operação desse tipo somente após uma série de transformações qualitativas. Cada uma dessas transformações cria as condições para o estágio seguinte e é, em si mesma, condicionada pelo estágio precedente (VIGOTSKI, 2007, p.41, grifo do autor).
Assim, as operações com signos não são prontamente estabelecidas pelos sujeitos. Elas percorrem um caminho de transformações, fazem parte de um mesmo processo, mas como estágios diferentes. Para o autor, baseado nos estudos de Leontiev sobre memorização, crianças pequenas apresentam estágios intermediários de operação com signos e somente na idade escolar começam a se utilizar propositadamente de signos externos, de forma instrumental. Mas é na adolescência que o processo de internalização dos signos irá realmente se efetivar, podendo o sujeito operar eficazmente sem a presença de marcas externas. Em trechos extraídos das falas estabelecidas pela família G4, é possível perceber diferentes momentos da operação com signos, quando se analisa o domínio da mãe Tatiana na interpretação de símbolos e o estágio mais elementar de operação com signos de sua filha Sofia (de três anos). Nesse episódio, que inclui vários momentos da visita, Tatiana se dispõe a ensinar Sofia a compreender o interpretante das imagens sintéticas usadas nas legendas do museu: Tatiana dirige-se ao biodiorama da periquitamboia e chama sua filha Sofia: 1. Tatiana:Vem cá Sofia, vem ver esse. Olha aqui no galho. Ela dormindo no galinho. 2. Beatriz: Que linda, olha essa aqui que linda! 3. T: Tem duas aqui, a verdinha, nenê. Ó, essa vive nas árvores. Aqui filha. 4. B: Essa, essa tinha lá em (?), nossa é parecida demais (?). 5. T: Aqui meu amor, ela tá indo pro lado ao redor do galho, ó lá, tá vendo? Achou? Cê viu ela parece uma folha escondidinha, daí, quando ela tá assim nas árvores a gente não consegue ver ela. Acho que ela quer, vamo ver o que ela quer. Ó as coisas que ela come. O que tá desenhado são as coisas que ela come. 6. Sofia: Morcego, rato, cobra (“lendo” a parte da legenda sobre viviparidade). 7. T: Ah, não, aqui é como ela se reproduz, ó, ela tem filhotinhos, a mamãe cuida dos filhotinhos, tá vendo? 8. S: Mas cadê os filhotinhos dela? 9. T: Não tão aqui não, aqui ela vem, vive sozinha e ó, ela gosta de andar de noite tá vendo? 10. S: É... ó, e ela come isso também (apontando para o ícone representando a dentição).
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11. T: É, ela tem dentes. 12. S: Ela come tubarões? 13. T: Será? Não, não... aqui não é... aqui é a carinha dela, amor. Quer dizer que os dentinhos dela são, devem ser parecidos, ó, talvez seja uma coisinha de tubarão.Vem, vamos ver as outras? 14. S: Olha aqui mamãe! 15. T: E essa cobra gorda? Encostadinha na parede. Olha, tem duas, uma aqui ó, e outra lá. 16. S: O que ela come? Morcego, rato, passarinho, o filhinho dela aqui e de novo. 17. T: Ela gosta de dormir também. Ela gosta de dormir de dia. 18. S: E aqui ó... 19. T: Outra árvore. 20. S: E aqui ó? 21. T: Essa é a jiboia. 22. S: Ela come passarinho, rato, peixe... ela come cobra? 23. T: Não querida, aqui é como ela vive, ela tem os filhotinhos dentro da barriga da mamãe ó. As cobras podem ter filhotinhos dentro da barriga da mamãe ou por ovos. Deve ter alguma por aqui que põe ovos (procura em outras legendas alguma representação de oviparidade). Ah, vem cá, achei uma que põe ovos, ó. Essa põe ovos, ó. Olha, tá vendo? Os bebês nascem dos ovinhos. Olha essa cobra, que cobrona... Tá vendo, caramujo... 24. S: Caramujo. 25. T: Caramujo e concha. 26. S: Cadê a cobra? 27. T: Ó a cobrinha cipó, ó aqui Sofia. Vem vê essa cobra. Aqui, essa aqui que tá dormindo. 28. S: Olha aqui mamãe, essa é bem pequenininha. Mãe, vem ver mamãe. Mamãe, vem ver, mamãe. Mamãe... vem, vem... 28. T: (?) iguana. 29. S: Mãe, aqui mãe! Ai que bonitinha... (puxando a mãe para outro biodiorama). 30.T: E essa, como que ela nasce, nasce da barriga da mamãe ou dos ovos? 31. S: Dos ovos! 32. T: Ela come de dia ou de noite? 33. S: De dia! 34. T: Como ela come? 35. S: Humm... passarinho, sapo, rato... 36. T: Isso mesmo, e aqui? 37. S: Uma carinha... (sobre a dentição) 38. T: Aí aqui ó, tem um dente diferente, tá vendo? Tem um dente maior. Ó tá vendo o filhotinho, dorme aqui dentro. Ó Sofia, (apontando para uma outra legenda, com desenhos gráficos de áreas florestadas) aqui, ó, meu amor, aqui é floresta, bem fechada e aqui... Na explicação (turno 5) de Tatiana, ela introduz à Sofia que a legenda do museu contém informações sobre o animal exposto, chamando sua atenção para o fato de que, por meio dos ícones apresentados, é possível saber o que
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aquela serpente come, como se reproduz, em qual período do dia é mais ativa, como é sua dentição e em qual ambiente vive. Sofia engaja-se na proposta sugerida por sua mãe, na tentativa de compreender esses ícones e, rapidamente, identifica os elementos que lhe são familiares (turno 6). Entretanto, aqueles que não são imediatamente identificados, são associados às generalizações já feitas por Sofia anteriormente. Essa construção refere-se ao que Vigotski (2001) denominou de complexo associativo. A criança, que nessa faixa etária começa a desenvolver o pensamento por complexos, acrescenta ao objeto nuclear de um complexo outro objeto que tenha, por exemplo, a mesma cor ou forma, em uma generalização fatual, como se possuíssem o mesmo “nome de família”. Nesse momento do desenvolvimento, a criança não opera com conceitos, mas com complexos. Estes se baseiam em vínculos objetivos, que se revelam na experiência imediata, sem a utilização de signos. Na fala 12, por exemplo, Sofia, provavelmente, somou a imagem da cabeça da serpente (cuja finalidade era apresentar a dentição do animal) ao núcleo do complexo “tubarão” que ela já havia estabelecido antes de sua visita ao museu. Com ajuda de sua mãe, que possui total domínio de operação com aqueles signos, Sofia tem a possibilidade de formar novos complexos, até então não experimentados, com a formação de vínculos objetivos. Nas conversas 13 e 38, Tatiana chama a atenção de Sofia para alguns traços do ícone que permitem identificá-lo como uma cabeça de serpente (com dentes) e não com um tubarão. O mesmo ocorre com o ícone sobre viviparidade. Para Sofia, qualquer desenho de serpente na legenda representa a dieta da cobra exposta (turno 22). Entretanto,Tatiana novamente intervém e seleciona os atributos da imagem que lhe conferem o caráter de filhote de cobra e não de dieta de cobra. Em outra passagem, Sofia ainda não construiu um objeto nuclear ao qual pudesse associar a nova imagem observada, a de filhote de cobra: 125. S: Olha aqui mãe, olha aqui mamãe. 126. T: Que lindinha, será que ela sente o calor da minha mão (colocando a mão no vidro, próximo à serpente)? 127. S: Mãe? 128. T: Ah? 129. S:Vamo vê o que ela come mãe? Ô mãe, vamo vê o que ela come mãe? 130. T: O que ela come? 131. S: É... Lagarto, cobra. 132. T: E outras cobras. 133. S: E ela, e a cobra nasce do ovo... e da barriga da mamãe (apontando para os desenhos de serpentes que se referem à dieta ofiófaga). 134. T: Não ela só nasce do ovo. 135. Henrique: Aqui é o que ela come. No trecho acima, Sofia vê-se à frente de uma situação aparentemente conflituosa: ora o desenho de cobra referia-se à dieta, ora à reprodução. Mas, como aponta Vigotski (2001), nesta fase, as crianças não possuem juízo do que é contraditório, pois para elas não há ainda uma hierarquização conceitual. Os complexos estão todos no mesmo plano, um não está subordinado a outro. A ideia de que os indivíduos apresentam diferentes fases de formação conceitual e que, na infância, não ocorre uma hierarquização dos conceitos fornece dicas aos profissionais de museus: é interessante que as exposições, bem como outras ações educativas, considerem a formação de complexos associativos pelas
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crianças pequenas e não exijam que estas desenvolvam habilidades de organização de categorias conceituais de forma hierárquica para se apropriarem do discurso exposto. Figuras semelhantes que apresentam significados diferentes dependendo do contexto em que se encontram ou atividades que exijam uma habilidade classificatória são exemplos de elementos a serem evitados nas ações educativas voltadas às crianças pequenas. No trecho final do episódio referente ao reconhecimento dos ícones das legendas, Sofia aproxima-se de uma legenda, desacompanhada de sua mãe, e, sozinha identifica rapidamente os ícones expostos. A seguir, chama sua mãe: 206. S: Na barriga da ma... (sozinha, lendo legenda). Mãe, vem essa daqui... aqui mamãe (puxa a mãe para o diorama). Aqui ó, come sapo, rato, lagarto, nasce da barriga da mamãe, não tem um dentão, vive de noite e vive na floresta fechada. 207. T: Isso mesmo. 208. Beatriz:Venha ver essa cobra. 209. T: Aqui é quase tudo igual, essa aqui é diferente ó, pode andar de dia e pode andar de noite. Ela pode... andar de dia ou de noite. E ela gosta de árvores, ó, porque ela é amarelinha, gosta de morar no tronco. Ela mora numa ilha. 210. S: E ela come tudinho isso aqui... Se somente essa intervenção de Sofia (turno 206, trecho acima) fosse considerada, seria possível imaginar que ela, ao final do episódio, já apresentava condições de operar com signos, ou seja, de resolver as situações conflituosas, de compreender que o ícone registrado na legenda representava que aquela serpente observada alimentava-se de determinada presa, reproduzia-se de determinada forma e possuía determinada dentição. Entretanto, analisada em conjunto com as demais falas e com os gestos registrados em vídeos, é necessário compreender esses dados de outra forma. Ao se aproximar de um biodiorama, Sofia praticamente não olhava para a serpente. Sua atenção estava totalmente direcionada para a leitura das legendas. Com o que Sofia interagia, com a serpente ou com a legenda? O problema posto a Sofia não era compreender a história natural do animal, mas sim entender cada um daqueles ícones. Para a mãe de Sofia, o ícone era um signo, que representava algo ausente. O ícone era o mediador entre Tatiana e a concepção que ela tinha de morcego, a dieta ausente da serpente. O signo informava-lhe que há oviparidade e viviparidade, lembrava-lhe que as serpentes vivem em áreas abertas ou florestadas. Entretanto, para Sofia, o ícone parecia constituir-se como o objeto direto de sua experimentação. Era ele o objeto que Sofia observava, levantando traços e estabelecendo vínculos. Como coloca Vigotski (2007, p. 46, grifo do autor), “a capacidade de formar associações elementares não é suficiente para garantir que a relação associativa possa vir a preencher a função instrumental necessária à lembrança”, até mesmo porque Sofia não desenvolveu ainda uma sistematização conceitual que lhe permita “formar” e “lembrar” de muitos dos conceitos científicos trazidos pela exposição (viviparidade, dentição, hábitat). Para Vigotski (2007), a criança começa a usar signos somente por volta dos oito anos. Antes disso, interage com o objeto de forma direta. Nesse sentido, é possível concluir que Sofia interagiu com o ícone, com a imagem sintética apresentada na legenda e não com o conceito exposto no museu. Aquilo que é
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signo para sua mãe é objeto para ela. Mãe e filha estão, portanto, em momentos diferentes na cadeia de operação com signos: enquanto Tatiana opera instrumentalmente com o signo, Sofia encontra-se em um estágio intermediário de operações, entre o elementar e o instrumental, operações estas que, posteriormente, se desenvolverão completamente mediadas. Mas qual a importância dos museus nesse fenômeno? Se as crianças estão em processo de desenvolvimento do pensamento por complexos cotidianamente, qual a especificidade do museu que acrescenta algo a esse processo? Aqui, mais uma vez, não pode ser negligenciado o papel do objeto museal. Como já dito, esses objetos carregam historicidade humana e, ao serem expostos em locais específicos, conferem ao visitante a possibilidade de interação com diferentes saberes humanos, de forma “concentrada” e, principalmente, organizada. Lembrando as palavras de Vigotski (2007, p. 20, grifo nosso): Desde os primeiros dias de desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e, sendo dirigidas a objetos definidos, são refratadas através do prisma do ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social.
Nos museus, esse direcionamento da atividade da criança a objetos definidos passa a ser ponto relevante, pois sua estruturação, sua diversidade de acervos, sua intencionalidade em comunicar o patrimônio organizam o saber humano de tal forma que contribuem para constituir os objetos museais como possíveis objetos da ação humana. Mas, reconhecendo o dinamismo das interações humanas com o mundo, podemos considerar que o objeto museal será o “objeto” na ação do sujeito com o mundo, ou seja, nas interações de visitação? Com essa questão em mente, veremos a seguir como os visitantes, ao agirem sobre os objetos museais, podem transformá-los em instrumentos mediadores da cultura científica. 2 Zona de desenvolvimento proximal
O foco no objeto tornam as interações sociais cruciais. É na relação com o outro, mediada pelos signos, que o sujeito se constitui. Quando o indivíduo nasce culturalmente, o caminho que leva da criança ao mundo e deste à criança, passa pelo outro, que se torna mediador entre a criança e o mundo. A mediação simbólica e a mediação “do outro” tornam-se imprescindíveis para a formação do ser cultural. Na medida em que suas ações recebem significação dada socialmente, a criança incorpora a cultura que a faz humana. Isso não ocorre de forma passiva, pois é a sua ação que constitui a razão e a origem da ação do outro. Assim, o desenvolvimento do indivíduo passa necessariamente pelo social, em um processo contínuo e prolongado: todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). Isso pode se aplicar igualmente para a atenção voluntária, para memória lógica para formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre os indivíduos humanos (VIGOTSKI, 2007, p. 58, grifo do autor).
Nesse posicionamento do autor, fica claro que seu conceito de social não se opõe ao de indivíduo, pois estabelece um vínculo entre as operações mentais
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de diferentes sujeitos. Como coloca Giordan (2006. p. 23), Vigotski vê o social como oposto ao natural, ao biológico, mas “essa oposição deve ser entendida na perspectiva de um pensamento dialético e não dualista, ou seja, que o desenvolvimento cultural, por ser um processo histórico, não prescinde do biológico, não o elimina, mas supera-o, transforma-o para que seja agregado à ontogênese”. Observa-se ainda, nesta mesma passagem da obra do autor, que intrínseca à concepção de internalização, está a de externalização das operações mentais por meio do signo. Assim, o processo interpessoal (interpsíquico), em que o signo pode se constituir como um meio de dirigir ou orientar o comportamento do outro, torna-se intrapessoal (intrapsíquico) quando o signo se converte como tal para determinado sujeito (SHUARE, 1990). Nesse sentido, a dimensão sociocultural não se apresenta, nas ideias de Vigotski, como um pano de fundo onde o indivíduo atua, não se constitui somente no local onde mora ou em seu nível socioeconômico. Para ele, as relações são mais complexas: é o grupo cultural onde o indivíduo se desenvolve que lhe fornecerá formas de perceber e organizar a realidade, ou seja, os instrumentos psicológicos mediadores na sua relação com o mundo. Em outras palavras, é o grupo que lhe fornecerá um ambiente estruturado, repleto de elementos carregados de significados. Entretanto, é a partir de sua experiência objetiva e do seu contato com as formas culturalmente determinadas de organização do real, que o indivíduo constrói o seu próprio sistema de signos para interpretar o mundo. Como ressalta Oliveira (2006, p. 37), “os grupos culturais em que as crianças nascem e se desenvolvem funcionam no sentido de produzir adultos que operam psicologicamente de uma maneira particular, de acordo com os modos culturalmente construídos de ordenar o real”. O processo de aprendizagem, em que o individuo se apropria da cultura (habilidades, informações, valores, atitudes etc.) a partir de seu contato com o mundo por meio do outro e cria novas possibilidades de interação, torna-se elemento chave no processo de constituição do sujeito. Mas, se para aprender é necessário ter conhecimento anterior para dar significado àquilo com que o sujeito interage, como se inicia esse processo? Vigotski oferece um caminho para a resposta: assim como você não pode aprender a nadar parado na praia [...] para aprender a nadar, você deve, forçosamente, mergulhar na água, mesmo que não saiba nadar, de modo que a única maneira de aprender alguma coisa, de adquirir conhecimentos, é fazendo algo, em outras palavras, adquirindo conhecimento (VYGOTSKY, 19978 apud DANIELS, 2003, p. 51).
É, portanto, na atividade, movida pela necessidade de se inserir no mundo cultural, que a criança se apropria de sua cultura. Para Vigotski, um mecanismo de ação importante para que o indivíduo incorpore os elementos da cultura disponíveis a ele no seu cotidiano é o da imitação. A imitação pressupõe ação e ao agir, a criança confere à sua ação o significado dado pelo outro. A importância desse processo, não como cópia mas como reconstrução individual daquilo que é observado no outro, é evidente nesta fala do autor:
na criança, ao contrário [do animal], o desenvolvimento decorrente da colaboração via imitação, que é a fonte do surgimento de todas as propriedades especificamente humanas da consciência, o desenvolvimento decorrente da aprendizagem é o fato fundamental. As8 VYGOTSKY (1997).
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sim, o momento central para toda a psicologia da aprendizagem é a possibilidade de que a colaboração se eleve a um grau superior de possibilidades intelectuais, a possibilidade de passar daquilo que a criança consegue fazer para aquilo que ela não consegue por meio da imitação. Nisto se baseia toda a importância da aprendizagem e é isto o que constitui o conteúdo do conceito de zona de desenvolvimento imediato. A imitação, se concebida em sentido amplo, é a forma principal em que se realiza a aprendizagem sobre o desenvolvimento (VIGOTSKI, 2001, p. 331).
Para Vigotski, o sistema educativo deveria ensinar à criança não aquilo que ela pode fazer sozinha, mas aquilo que ainda não sabe e que lhe vem a ser acessível com a ajuda do outro. Por isso a zona de desenvolvimento proximal, que determina esse campo das transições acessíveis à criança, representa um elemento fundamental na relação da aprendizagem com o desenvolvimento: a investigação demonstra sem margem de dúvida que aquilo que está situado na zona de desenvolvimento imediato em um estágio de certa idade realiza-se e passa ao nível do desenvolvimento atual em uma segunda fase. Noutros termos, o que a criança é capaz de fazer hoje em colaboração conseguirá fazer amanhã sozinha. […] Na fase infantil, só é boa aquela aprendizagem que passa a frente do desenvolvimento e o conduz (VIGOTSKI, 2001. p. 331-332).
Entretanto, para o autor, só é possível ensinar à criança aquilo que ela já for capaz de aprender. É necessário reconhecer o “limiar inferior da aprendizagem”: é possível a aprendizagem onde é possível a imitação. Isso não significa, contudo, que o desenvolvimento deva percorrer ciclos estabelecidos, que seja necessário “preparar inteiramente o solo em que a aprendizagem irá construir seu edifício”. É necessário estabelecer também o “limiar superior da aprendizagem. Só na fronteira entre esses dois limiares a aprendizagem será fecunda” (VIGOTSKI, 2001, p. 333). É necessário, portanto, perceber qual é a distância entre o nível de desenvolvimento real, imediato (geralmente determinado pela resolução independente de problemas) e o nível de desenvolvimento potencial (determinado pela resolução de problemas em parceria com o outro), ou seja, a zona de desenvolvimento proximal. Com as elaborações conversacionais entre Tatiana e sua filha Sofia, nos episódios transcritos anteriormente, é possível exemplificar a importância dessas ideias para o processo de apropriação da cultura também em museus de ciências. Foi Tatiana quem direcionou e conduziu a atenção de Sofia para aquilo que, entre todas as possibilidades de experiência objetiva, seu grupo familiar julga culturalmente mais importante. Ao decidir priorizar a interpretação das legendas,Tatiana introduz Sofia naquilo que seu grupo define como uma das ações importantes em visitas a museus. Ou, em outras palavras, por meio do outro, o sujeito se apropria de instrumentos para a transformação da realidade objetal em realidade mental, construindo sua própria forma de interpretar o mundo, podendo, cada vez mais, assumir o controle de suas ações e, consequentemente, produzir novos artefatos que promovam formas específicas de desenvolvimento intrapessoal e relações interpessoais. Nesta perspectiva, algumas das mediações em curso, ao considerar as ações de leitura de legenda de Tatiana e Sofia, poderiam ser sintetizadas na Figura 3. Figura 3 – Três sistemas de mediação observados na iniciação de Sofia à leitura de ícones.
Alessandra Bizerra, Martha Marandino
Fonte: O autor.
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Implicações para a educação em museus de ciências Ao trazer a abordagem histórico-cultural, essa investigação assume que há um conhecimento social que é transformado pelo sujeito. Nos museus, ao interpretar o modelo exposto, o visitante (individualmente ou em grupo) utiliza seus conhecimentos anteriores, seus valores e crenças, sua rede de conceitos, para dar significado ao que observa. Nesta interpretação, constrói o modelo que faz sentido a partir da lógica apresentada. Por outro lado, a instituição tem um conteúdo a ser trabalhado, ela é a mediadora do conhecimento humano construído por gerações. Há um conhecimento já concretizado pela humanidade, disponível ao visitante por meio do objeto. Através dos objetos museais, o visitante tem acesso ao conhecimento historicamente elaborado e pode transformá-lo segundo a lógica que desejar, empiricamente ou teoricamente. Assim, profissionais de museu devem caminhar no sentido de organizar seus discursos expositivos de tal forma que o resultado de suas ações seja a transformação do objeto museal da posição de objeto para a de signo mediador. O visitante, por sua vez, ao se apropriar do conhecimento veiculado pelo objeto museal, poderá produzir o mesmo resultado: a transformação do objeto em signo. Essa “mudança de categoria” do objeto museal, alçado de objeto da experiência à objeto-mediador, tem grande importância na organização de exposições e atividades educativas em museus de ciências. Sob esta perspectiva, os
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conteúdos da ciência construídos historicamente são re-produzidos por meio dos objetos museais, segundo os modos culturais de cada grupo social. Encarar o objeto como portador de múltiplas interpretações exige dos profissionais de museu uma postura diferenciada na elaboração das estratégias de educação e comunicação. Assumir essa alteração significa organizar as práticas educativas de uma forma também teórica e não somente empírica, considerando, por exemplo, as tensões e conflitos do e no discurso expositivo, a seleção de conceitos e práticas sociais centrais e o uso de modelos conceituais teóricos. A perspectiva histórico-cultural traz ainda outros elementos que podem contribuir para reflexões sobre a práxis educativa em museus. Ao se considerar o conceito de zona de desenvolvimento proximal, por exemplo, é possível utilizá-lo em diferentes aproximações. A ZDP pode ser considerada como a distância entre as habilidades de resolução de problemas de um indivíduo que visita o museu sozinho e suas habilidades quando está em grupo ou, ainda, entre as habilidades de um grupo de visitantes quando interage somente entre seus integrantes e quando resolve problemas com a ajuda de um educador de museu, um mediador presencial. Nesse sentido, vale ressaltar a importância de se organizar o discurso expositivo de forma a contemplar os diferentes modos de apropriação utilizados pelos visitantes, disponibilizando, por exemplo, aparatos que permitam a interação do grupo (e não somente do indivíduo) e estratégias variadas de mediação presencial. É possível ainda interpretar o conceito de ZDP como a distância entre o conhecimento disponível socialmente ao indivíduo (por exemplo, as práticas encontradas por mediadores sociais que iniciam seu trabalho em um museu) e seu conhecimento ativo, sua experiência cotidiana (novas práticas elaboradas a partir de sua práxis educativa) (cf. DAVYDOV; MARKOVA, 1983). Ou, também, como a distância entre as práticas cotidianas de resolução de problemas e a forma historicamente nova da praxis gerada coletivamente para solucionar tensões inerentes à qualquer atividade humana. Dessa forma, a organização de acervos, a seleção de objetos para exposição, a transposição museográfica (cf. SIMONNEAUX; JACOBI, 1997) que gera o discurso exposto ao público, por exemplo, são elementos da cadeia operatória museal que se tornam ferramentas importantes no processo de apropriação da cultura. Em outras palavras, é a organização do espaço museal que permite às diferentes comunidades (profissionais de museus, visitantes, especialistas, entre outras), a internalização de elementos de determinada cultura, bem como a re-produção, a recriação desses elementos, em um verdadeiro processo de apropriação cultural e constituição do humano. Dessa forma, esses grupos culturais internalizam e externalizam formas específicas e significados determinados por eles mesmos, tornando-se sujeitos dessa mesma cultura. Nesse processo de apropriação e re-produção da cultura científica por diferentes grupos, mediado pelos objetos museais, tornam-se evidentes os aspectos sociais e culturais, bem como ideológicos e políticos inerentes ao papel educativo das instituições museais. Vê-se assim que a Teoria Histórico-Cultural especialmente pautada nas ideias vigotskinianas traz elementos ricos para a teorização da educação em museus de ciências. Referências ALLEN, S. Looking for Learning in visitor talk: a methodological exploration. In: LEINHARDT, G.; CROWLEY, K.; KNUTSON, K. (Ed.). Learning conversations in museums. Mahwah: Lawrence Erlbaum, 2002.
Alessandra Bizerra, Martha Marandino
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Artigo recebido em dezembro de 2013. Aprovado em fevereiro de 2014
LA MEMORIA DE LOS MARGINADOS
María Isabel Orellana Rivera1*
ResumEM: Concebimos el espacio del museo como un territorio en conflicto en el que diferentes relatos cohabitan y tensionan la historia oficial. Esto implica recoger la labor de diferentes actores, entendiendo que su participación no le resta legitimidad ni veracidad a los relatos. Al contrario, permite que éstos emerjan desde el imaginario y se instalen con propiedad en la historiografía. Atendiendo a esta prerrogativa, desarrollamos el programa Memorias desde la marginalidad, en el que, utilizando como metodología la museología participativa, definimos 3 temáticas: infancia, locura y familiares de detenidos desaparecidos. Aquí expondremos la tercera, en la que se desarrollaron tres períodos de trabajo (2009, 2010 y 2011). Durante este tiempo construimos un espacio en el que los/as participantes se re-conocieron en una dimensión más allá de su condición política o sociológica, agregaron historicidad a sus relatos y empatizaron con otros/as familiares en función de las nuevas informaciones emergidas de estas narraciones. PalaBras-CLaves: Memoria. Museología participativa. Patrimonio. Familiares detenidos desaparecidos.
Abstract: We conceive of the realm of the museum, as a territory in conflict, in which differing stories cohabit and charge the official history. This requires that we bring together the work of different actors, understanding that their participation doesn’t subtract legitimacy or veracity from the accounts. On the contrary, it allows these to emerge from the imagination and install themselves with propriety in historiography. Attending to this prerogative, we develop the program ‘Memories from exclusion, in which, employing the methodology of participative museology, we define 3 subject matters: infancy, insanity, and the families of missing detainees. Here we expound the third of these in which three periods of work were undertaken (2009, 2010, y 2011). During this time we constructed a space in which the participants got to know themselves anew in a dimension outside of their sociological or political condition. They added historicity to their accounts, and empathized with other family relations, in function of new facts that emerged from these narrations. Key-words: Memory. Participative museology. Heritage. Relatives of missing detainees.
1 * Directora del Museo de la Educación Gabriela Mistral, Santiago do Chile.
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El Museo de la Educación Gabriela Mistral (MEGM) de Santiago de Chile es una institución única en su género en nuestro país que desarrolla sus actividades en una zona típica (denominación otorgada por el Consejo de Monumentos Nacionales), en el Barrio Yungay, un sector de habitaciones populares y de clase media que cobija una población muy diversa. Este lugar en los últimos años ha visto, además, llegar una cantidad importante de inmigrantes, muchos de los cuales viven en condiciones precarias, provenientes principalmente de Perú, Bolivia, Ecuador y Colombia, los que aportan también con su diversidad al mosaico cultural en el que se ha transformado esta parte de la ciudad. Este barrio data de 1839, a principios del siglo XX albergó a la clase alta de Santiago, la que paulatinamente fue trasladándose hacia el Oriente, de esto da cuenta todavía su arquitectura, expresada en algunas casas señoriales que han resistido al paso del tiempo, al abandono del Estado y su mal manejo urbanístico y a las catástrofes naturales2. Paralelamente, debido a las transformaciones que ha experimentado este espacio, asistimos, desde hace unos diez años aproximadamente, a la emergencia y consolidación de una ciudadanía cada vez más empoderada, que defiende y gestiona su patrimonio material (territorio, arquitectura y monumentos históricos) e inmaterial (formas de organización social y economía de pequeña escala).Todo esto en el marco de un escenario de efervescencia social en que las manifestaciones estudiantiles y de otras organizaciones de base han instalado demandas sociales que en la actualidad se consideran centrales a la hora de analizar las causas de las grandes desigualdades que atraviesan al país, como por ejemplo la calidad y equidad en educación, una nueva constitución que norme la convivencia social y un estado más explícito en materia de derechos humanos e igualdad de géneros. Ahora bien, en este contexto geográfico y social, nuestro museo, como heredero de la nueva museología y de la museología crítica, articula su trabajo sobre tres ejes temáticos (historia, memoria y patrimonio), con los que busca transformarse en un instrumento al servicio de la sociedad e instalar temáticas que contribuyan a aumentar e interrogar sus colecciones. En este marco se desarrolla el trabajo que describiremos a continuación. Pero estas tensionen que recorren el territorio en el que se emplaza en museo no son ajenas a la naturaleza misma de la institución museal, sobre todo si entendemos a esta última, por una parte, como un espacio que contiene físicamente – en sus objetos- y simbólicamente – en sus relatos- parte de la memoria de una sociedad y, por otra, como un territorio en permanente conflicto en el que diferentes relatos cohabitan y tensionan la historia oficial, dando cuenta de cosmovisiones y puntos de vista diversos acerca de un mismo proceso histórico. En este sentido, nuestra institución busca actuar como una plataforma de visibilización de acontecimientos, personas y procesos que permita construir y de-construir diversas visiones históricas y sociales. Esto implica repensar la labor de los historiadores, pues, Aunque analistas y descriptores de procesos históricos… no escapan a la lucha por otorgar sentidos al pasado, ni a las exigencias del presente en mirar hacia atrás … Su práctica profesional les otorga una mirada particular, con relativo peso en el imaginario público: el utillaje científico de la profesión no es (no debería ser) un antídoto contra la subjetividad, sino un reaseguro para el lugar desde el que la enuncian. Como historiadores, nuestras herramientas profesionales no evitan el sesgo, sino que dan rigor y autoridad a un enfoque particular (LORENZ, 2007, p. 96). 2 Los terremotos de marzo de 1985 y de febrero de 2010 destruyeron gran parte de los inmuebles. Se suma a esto la intervención de grandes empresas inmobiliarias que han construido edificios en altura que tensionan e impactan tanto en la arquitectura (constituida principalmente por casas bajas de fachada continua) como en la calidad de vida de sus habitantes.
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Por su parte, la participación de los protagonistas que dan vida a la historia que se expresa en estos enfoques particulares, no le resta legitimidad ni veracidad a los relatos.Al contrario, permite que éstos emerjan desde el imaginario y se instalen con propiedad en la historiografía, pues como este mismo autor nos recuerda “la historia no sólo diseca mitos, sino que puede aportar elementos para reforzar o atraer a la luz causas, hechos y actores olvidados o extintos” (LORENZ, 2007, p. 97). Incluir la memoria en el ejercicio historiográfico no es tarea fácil, porque ésta coloca al investigador frente a un replanteo de sus prácticas y de la concepción acerca de la historia, en relación con la sociedad, y a una ‘apertura’ a otras formas de hacer historia. La ‘memoria’ como objeto, ejercicio y fin lleva a un redimensionamiento de la actividad de los historiadores que implica el abandono de una posición de superioridad o aislamiento frente a otras formas de conocimiento… la ‘memoria’, en tanto ejercicio colectivo, quita de hecho el monopolio y la autoridad para hablar acerca del pasado en base a determinados pergaminos académicos o institucionales (LORENZ, 2007, p. 97).
Bajo esta premisa planificamos el programa Memorias desde la marginalidad, que busca relevar la diversidad de narraciones que conforman los “grandes relatos nacionales”, permitiendo que la comunidad local tenga participación directa en la generación tanto de los contenidos tratados en el museo como en el acopio del acervo documental y patrimonial que la institución custodia, conserva y difunde, aumentando de esta forma nuestras colecciones, principalmente a través del registro de relatos e imágenes. Para esto, y haciéndonos cargo del bicentenario de la República conmemorado el año 2010, definimos como objetivo principal “recoger relatos de grupos a los que el Estado chileno, en algún momento de su historia como nación independiente, les ha negado la posibilidad de participar de los procesos de reconstrucción de memoria histórica o de insertarse en ellos”. De esta forma, nos hacemos cargo de una noción de museo integral (CHAGAS, 2007) y consciente del territorio donde se emplaza, en que la sociedad y sus preocupaciones ocupan un espacio significativo a la hora de generar sus actividades y sus políticas institucionales. Esto supone una reflexión acerca de los mecanismos de elaboración y reproducción de la memoria, la identidad y el poder que la invisibiliza, fundamenta o legitima.Así, el museo enriquece su acervo patrimonial y se abre a una nueva perspectiva histórica al reconstruir procesos y referentes simbólicos que transforman la historia local en un componente activo de la historia nacional. Esto permite, a su vez, un diálogo colectivo en torno al patrimonio y la historia de las comunidades. De este modo, entender la memoria como construcción intelectual implica, por una parte, hacerse cargo de procesos subjetivos, anclados en experiencias propias y en marcas simbólicas y materiales y, por otra, aceptar que se trata de un objeto de disputas, conflictos y luchas, que no puede desvincularse del rol activo y productor de sentido que le otorgan los participantes en dichos procesos (JELIN, 2002). Atendiendo a nuestro rol de museo dedicado a la historia, buscamos historizar estas memorias, otorgándoles sentido más allá del relato individual, haciéndolas formar parte de un contexto cultural en el que se revitalizan como parte de la memoria emblemática de la que nos habla Stern (2002). El MEGM, busca así, transformarse en un lugar de encuentro y diálogo, en que historia, memoria y patrimonio se articulen para dar forma a un espacio reparatorio en sí mismo, abierto a la construcción de ciudadanías diversas y abocado a la tarea, como señalaba Gabriela Mistral, de construir la paz en la mente de las personas. Por las razones antes expuestas, el año 2008 dimos inicio al programa “memorias desde la marginalidad”, instancia que apunta a visibilizar y “oficializar” los
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discursos de una parte de la sociedad, generalmente, ausente del espacio museal. El propósito de este programa está en sintonía con la política general del museo que apunta en dos direcciones: primero, otorgarle a la comunidad un rol activo y permanente en la construcción de saberes y en la definición del patrimonio cultural3 y, segundo, cuestionar al museo desde la museología crítica, teoría que propone que museología tradicional así como sus principios básicos (v.gr., musealidad) son un producto de la sociedad en las cuales son creados, es decir, definidos por el contexto histórico, político y económico en el cual los museólogos y los museos están inmersos. En este sentido el marco conceptual va más allá del establecido por las ciencias de la información para proponer un enfoque histórico-dialéctico de la relación entre los seres humanos y su realidad. Es decir, la museología crítica va más allá del aspecto comunicacional de los objetos y las instituciones para analizar las determinaciones históricas de esta cualidad (NAVARRO, 2006, p. 1).
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Para esto, seleccionamos tres áreas de trabajo: infancia, locura y parte de la Agrupación de Familiares de Detenidos Desaparecidos (AFDD). Ahora bien, una pregunta que legítimamente puede surgir entre nuestros lectores y lectoras es por qué elegir estos actores y no otros que también forman parte de los grupos marginados de la sociedad; la respuesta se relaciona con la posición que ocupan frente al Estado. A los tres segmentos seleccionados, de alguna manera el garante por esencia del Bien Común les ha negado en algún momento de la historia de Chile el derecho a la memoria. A los primeros, porque aludiendo a “sus escasos años” y falta de “experiencias” no se les considera con las vivencias suficientes para participar de los procesos en torno a la memoria histórica; a los segundos, porque dada su condición siquiátrica se les despoja de sus derechos civiles y se les considera interdictos ante la ley y alejados de la realidad que los circunda; a los últimos, porque al negarse durante un período de nuestra historia el hecho de la desaparición, se les negó también su condición de víctimas, en tanto familiares de los ausentes. Estamos ciertos que hay muchos otros actores de los cuales los procesos de reconstrucción de memoria histórica tampoco se han hecho cargo: pueblos originarios, mujeres campesinas, otras sexualidades, personas en situación de calle, etc. Es por esto que no pretendemos instalar la tesis de que las categorías escogidas son las que definen la marginalidad en términos históricos; simplemente, las hemos seleccionado porque, a nuestro juicio, esta noción de marginalidad las contiene. Por lo mismo, justificamos esta elección con razones que emanan de la naturaleza misma de estos actores, las que a continuación trataremos de explicar. Infancia Partiendo de la premisa de que niños y niñas son poseedores de derechos culturales y como señala Meirieu (1998), no son objetos en construcción, sino sujetos que se construyen, buscamos en el espacio del museo erradicar falsas representaciones, entre ellas la que señala que debido a su falta de madurez o conocimiento no pueden reflexionar acerca de temas complejos como la memoria 3 Cabe hacer notar que nuestro trabajo con la comunidad se vincula estrechamente con el proceso de renovación, iniciado el año 2000, que culminó con la reapertura del museo en marzo de 2006, después de 21 años de interrupción. El museo había sido cerrado en 1985 a causa del terremoto que afectó ese año a la zona central del país y que dañó estructuralmente al edificio. Desafortunadamente, no se generó ninguna política pública hasta fines de la década de los 90 que permitiera su reapertura. El año 2000 la Subdirección Nacional de Museos, dependiente de la Dirección de Bibliotecas, Archivos y Museos, incluyó a nuestra institución en un plan general de renovación que condujo a la modernización de los 23 museos regionales y especializados que funcionan bajo su tutela. Para saber más, leer: Orellana Rivera (2012).
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o el patrimonio. En el contexto de las actividades desarrolladas en el museo, sus relatos nos permiten darnos cuenta que tienen una forma de ver a su familia, a su escuela, a su barrio, a su país o a los acontecimientos que ocurren en el mundo, la que se expresa en opiniones sobre temas tan diversos como: la calidad de la educación, la política contingente, las guerras, la depredación del medio ambiente y el hambre. Desde sus representaciones, construyen también un esquema de la realidad cuya conformación no sólo se compone de sus vivencias y recuerdos, sino también de los relatos que “otros” inevitablemente van instalando en ellos y ellas. Lo que escuchan de sus padres, madres, abuelos, profesores, pares y demás personas de su entorno, dibuja en sus vidas una forma de apreciar y percibir la realidad. A partir de esto, generan discursos y un conjunto de valores que los convierten en portavoces válidos frente al resto de la sociedad. Locura Reconocida primero como una enfermedad del alma y, desde Freud en adelante, como una enfermedad mental (FOUCAULT, 1972), la locura estigmatiza a quienes la padecen, convirtiéndolos en objeto de burlas o de temor o, simplemente, invisibilizándolos. Sin embargo, esto no siempre fue así, como muy bien lo describe Foucault (1972) en su libro Historia de la locura en la época clásica, el estatus del loco en la historia pasó de ser el que ocupaba un lugar aceptado en la sociedad -incluso reconocido en el orden social- a ser el excluido, que debía ser encerrado y confinado entre cuatro paredes. Afortunadamente, esta representación de los enfermos siquiátricos también se ha ido transformando y es así como, en la actualidad, existen espacios como el Hospital de Día, que les permite recibir ayuda terapéutica e interdisciplinaria durante el día sin necesidad de abandonar su entorno familiar. Ahora bien, cualquiera sea el tipo de trastornos que manifiesten los pacientes siquiátricos, forman parte constitutiva de la sociedad que los aísla y segrega. Con su realidad fragmentada y dolorosa -independientemente de sus desequilibrios mentales, su percepción distorsionada del ambiente que los rodea o su pérdida del autocontrol- también intervienen y se ven afectados por los acontecimientos que atraviesan al país. Desde su alteridad, son parte del desarrollo de la historia. En la complejidad de su razonamiento subyacen recuerdos, vivencias, traumas, silencios, sombras, nombres, melodías, aromas, que conforman también parte de la memoria olvidada del país. Este es el segmento con el que menos hemos podido trabajar, en gran medida, por la dificultad para articular un trabajo coordinado con las instituciones que los acogen. Sin embargo, los pocos encuentros realizados (tres a la fecha con enfermos tratados en régimen de Hospital de Día) han resultado altamente positivos desde el punto de vista del diálogo que se genera y de las respuestas que ellos proponen a cada actividad. En cuanto a las características de las personas con las que hemos trabajado, se trata de enfermos duales, es decir, de pacientes que, además de presentar alguna patología de base, están en tratamiento por una adicción. En lo que a resultados se refiere, si bien hemos tenido algunos acercamientos muy satisfactorios, es un proceso en desarrollo, en el que estamos ciertos tenemos una tarea pendiente, sobre todo en lo que dice relación con establecer nexos institucionales que nos permitan trabajar un cronograma a largo plazo. Familiares de detenidos/as desaparecidos/as Escuchar las voces de los familiares de los detenidos desaparecidos, más allá del acto reparatorio que involucra poner atención en su relato como víc-
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timas de la dictadura de Pinochet (1973 – 1990), implica adentrase en lo que Stern denomina la memoria emblemática, que “no es una sola memoria […] Más bien es una especie de marco, una forma de organizar las memorias concretas y sus sentidos, y hasta organizar los debates entre la memoria emblemática y su contra-memoria” (STERN, 2002, p. 3). Se trata de conocer a quien partió desde el relato de quienes lo o la conocieron y de entender el rol de sus familiares en tanto personas con una historia personal que antecede el hecho de la desaparición. Todo esto busca convertir a estos familiares en protagonistas de sus propias memorias, explorando otras ópticas de análisis desde la noción de lo que Stern denomina “las memorias sueltas”. Según este autor todos tenemos en nuestras vidas una multitud de experiencias, y en nuestras cabezas una multitud de memorias más o menos sueltas desde una perspectiva social. Son éstas una serie de recuerdos para nosotros significativos, y hasta fundamentales para definir quiénes somos. Pero no tienen mayor sentido -no necesariamente- fuera de un ámbito muy personal (STERN, 2002, p. 1).
Cuando una parte de la sociedad les otorga un sentido colectivo las hacemos formar parte de esta memoria emblemática que nutre la historiografía desde la experiencia de los protagonistas de los procesos analizados. En este marco de reflexión, la necesidad de devolverles a estos familiares su condición de sujetos históricos se fundaba en una hipótesis inicial: cuando las víctimas desaparecen, sus cercanos también de cierta manera se “desvanecen”, atribuyéndoseles un nuevo rol marcado por la historia reciente (el/la que busca a quien ya no está), más que por sus vivencias pasadas. Es por esto que, haciendo uso de técnicas de trabajo de campo, “hurgamos” en sus relatos para insertarlos en la historia “oficial” del museo y, de paso, enriquecer nuestras colecciones patrimoniales a partir del registro de relatos audiovisuales y la digitalización de imágenes que dan cuenta de la historia reciente del país. Utilizamos para ello las herramientas que el museo como espacio de conservación y difusión patrimonial nos ofrece. Estas herramientas permiten que los participantes hablen de sí mismos, reflexionen acerca de sus propias experiencias y las de los otros miembros del grupo y expresen libremente sus ideas. Una de las primeras interrogantes que nos planteamos cuando iniciamos este programa fue ¿cómo activar estas memorias para que circulen y se asienten en un universo colectivo? Buscamos la respuesta en la tesis de Stern (2002, p. 12) de los nudos convocantes de memoria: Seres humanos y circunstancias sociales que exigen que se construyan puentes entre el imaginario personal y sus memorias sueltas por un lado, y el imaginario colectivo y sus memorias emblemáticas por otro. Estos nudos imponen una ruptura de nuestros hábitos más o menos inconscientes, los reflejos de la vida cotidiana que corresponden al famoso ‘habitus’ del sociólogo Pierre Bourdieu. Al imponer la ruptura, los nudos nos exigen pensar e interpretar las cosas más conscientemente.
Esto nos permitió, además, forzar la aparición de relatos individuales en primera persona y no sólo en función de la relación de los/as participantes con los/as víctimas. Cabe hacer notar que uno de nuestros primeros obstáculos al iniciar el trabajo, a pesar de la manera cómo éste estaba planteado, fue hacer entender a estas personas que la finalidad del programa era relevar sus experiencias personales más allá de su condición de familiares de un desaparecido o desaparecida. Paralelamente, seleccionamos una metodología que nos permitiera construir nuevos conocimientos a partir de estos discursos.
María Isabel Orellana Rivera
Metodología Incorporar los relatos de los visitantes en la producción del conocimiento que se genera en el museo implica abrirse a nuevas metodologías y ópticas de análisis. La museología participativa permite al museo vincularse con la comunidad y nutrirse de la discusión generada desde sus públicos, pues sus estrategias ponen el acento en los protagonistas y sus relatos. Esta intención permite actuar sobre la relación que se genera entre el museo y sus diferentes audiencias, las que se sienten acogidas, reconocidas e interpeladas durante el proceso. Entendemos por museología participativa una estrategia explícita de incorporación de la comunidad al museo, noción que tiene como referente esencial la participación ciudadana y lo que Bonfil Batalla (1993) denomina la apropiación cultural. Se trata de una instancia de visibilización de procesos culturales en los que se expresa y reconoce la memoria como un componente activo de la historia que se construye en el seno del espacio museal. Esto permite incorporar una diversidad de interlocutores que se relacionan con la institución desde su propia especificidad y campo de acción, estimulando, además, el uso de los entornos culturales como espacios de educación para la democracia y para la paz. A continuación describiremos parte de los resultados de este proceso. Resultados El trabajo se estructuró a largo plazo, por lo que se extendió por cuatro años, en los que se llevaron a cabo tres períodos de trabajo (2009, 2010 y 2011) de 6 sesiones cada uno -con la participación de 35 personas- y un período de evaluación final (2012), en el que los y las participantes aportaron más antecedentes y analizaron el proceso llevado a cabo los años anteriores4. La tarea de abordar temas tan complejos como las consecuencias en la ciudadanía de la violencia política ejercida desde el Estado, implica escoger cuidadosamente tanto las herramientas como las estrategias de trabajo, de manera de no remover heridas ni generar situaciones de stress emocional que fragilicen a los y las participantes. Ahora bien, en el entendido de que en este proceso afloraría inevitablemente el dolor, la finalidad nunca fue escudriñar y ahondar en el sufrimiento -que de manera evidente permanece, dadas las circunstancias de la pérdida y la falta de justicia en la mayoría de los casos- sino intentar descubrir y completar la figura de los familiares en sus variados contextos de vida. Utilizar para este propósito el espacio del museo no fue azaroso, dado que esta institución representa la memoria de un gran número de personas que forjaron los procesos históricos en la cotidianidad del acto educativo. Las voces de los familiares fueron las encargadas de completar parte de estas historias a través de relatos, objetos y fotografías que le dieron sentido y contexto a las memorias que de allí surgieron. Las actividades desarrolladas fueron las que habitualmente se abordan con los usuarios y usuarias del museo: talleres patrimoniales (trabajo con fotografías personales y palabras significativas; utilización de objetos para recontextualizar y museografiar procesos históricos y vivencias personales, escritura de cartas y diarios de vida, etc.), visitas guiadas, exhibición y registro de videos, talleres de dibujo, cuenta cuentos, encuestas de evaluación y diaporamas de finalización.Todos estos elementos ahora forman parte de nuestras colecciones, especialmente del archivo audiovisual. 4 Este trabajo culminará oficialmente este año con la entrega al archivo de la Agrupación de Familiares de Detenidos Desaparecidos de los registros recogidos y de una impresión digital a tamaño real del mural colectivo realizado durante el año 2011.
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En cuanto al objetivo de esta parte del programa, éste consistió en relevar las historias de los detenidos desaparecidos y de sus familiares, a través del recuerdo y la narrativa, promoviendo un relato con sentido nuevo para todos los involucrados. Los objetivos específicos, que a nuestro juicio se lograron a cabalidad, apuntaron en dos direcciones: generar instancias de trabajo que permitieran el diálogo; y registrar, a través de diversos medios audiovisuales, esta experiencia de rescate de la memoria, de manera de aumentar el fondo patrimonial del museo. Un aspecto importante se basó en el manejo de las emociones, dado que las temáticas favorecían que los participantes se despojaran de la actitud permanente de regular sus emociones -ese “no llorar” al que aludían al inicio del programa- para dar rienda suelta a sus relatos, muchos de los cuales los fragilizarían frente al resto. Esto tuvo un impacto significativo en cómo ellos se percibirían de ahora en adelante, pues como lo señala Silva (2009, p. 24), refiriéndose al caso argentino, cuando nos adentramos en las prácticas y representaciones de los familiares es posible descubrir un laboratorio de ideas (MUEL-DREYFUS, 1996); un plano donde resalta con nitidez la regulación de las emociones, la transformación del dolor en efectivas acciones que descartan el uso de la violencia física; una dimensión que permite observar los diferentes recursos (políticos, culturales, religiosos, escolares, de género, clase, etc.) a los que los individuos echan mano para sobreponerse a las experiencias extremas, para ajustar las dramáticas vidas a un mundo que, pese a todo, gira.
En relación con los logros, creemos que se cumplieron los objetivos iniciales, pues a través de nuevos grados de conocimiento -en función del descubrimiento de otros aspectos de sus vidas- agregaron historicidad a sus relatos y empatizaron con las historias de otros familiares. La finalidad de entrar en esta dimensión más íntima, pero igualmente política, buscaba huir
De los estereotipos filosofantes de pensar la categoría ‘familiar’ globalmente. [La idea era dejar en evidencia en estos encuentros que] contra el estilo corriente que al inicio de textos y exposiciones prioriza un sofisticado marco ‘teórico/epistemológico’ para echar al margen un esbozo de ‘referente empírico’ que sólo termina sirviendo de ejemplo o descripción […] los desafíos de mayor peso analítico, comprensivo, teóricos si se quiere, emanan de la explicitación de las elecciones más elementales de la investigación: un lugar, personas, tiempo, limitaciones, descubrimientos (SILVA, 2009, p. 25).
Cada período de trabajo culminó con la realización de un producto que formaría parte de los fondos documentales del museo. El primer año, denominado “palabras y objetos para no llorar”, los participantes escribieron una carta a sus desaparecidos o desaparecidas. El segundo, denominado “la memoria está llena de olvidos”, escribieron una carta a los victimarios o victimarias. El tercero, denominado “la vida hecha tira” crearon un mural colectivo compuesto por cuadrículas de óleo sobre tela en las que expresaron, mediante el lenguaje plástico, sus historias individuales (recuerdos, entornos significativos, anhelos, miedos, etc.). Éstas fueron unidas hasta convertirlas en un solo elemento museográfico que contenía los relatos en una historia colectiva. En relación con las temáticas de estos lienzos, el mar fue siempre un tema recurrente, en unos casos, como el espacio que acogía concreta y simbólicamente el cuerpo de sus familiares y, en otros, como el espacio hostil que se los arrebataba para siempre, borrando cualquier vestigio de la desaparición. Durante el proceso de creación
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de estas obras, cada participante fue entrevistado/a individualmente para dejar registro de la historia propia. Ambas acciones fueron muy importantes en esta última etapa, pues nos permitieron, por un lado, relevar parte de la diversidad de lenguajes (en este caso, oral y gráfico) en los que la historia puede ser narrada en el espacio del museo y, por otro, enfatizar la idea de que la historia “oficial” está compuesta por múltiples historias fragmentadas, así como la memoria emblemática se compone de múltiples memorias sueltas. Por todo lo anterior, consideramos que se cumplieron los objetivos trazados, pues pudimos aproximarnos a “los y las que recuerdan a los y las que no están” en su calidad de sujetos culturales con historia propia. Recorriendo estos territorios de memoria construimos conocimientos y consolidamos un nuevo espacio de discusión. Sin embargo, la necesidad de expresar el dolor de la desaparición estuvo siempre presente. Esto se transformó en una oportunidad para “completar” las historias y poner en valor aspectos importantes para ellos y ellas (educación, niñez, visión del país y del resto de los ciudadanos, etc.) situando la desaparición como parte del contexto global de sus vidas. El impacto positivo que este programa tuvo en los participantes se reflejó en las respuestas a las encuestas de evaluación realizadas después de cada período de trabajo: “repetir la experiencia”; “que exista una continuidad”; “que exista mayor concurrencia [...]”. Otro resultado importante del programa fue el aprendizaje obtenido por los y las integrantes del equipo que ejecutó el proyecto, quienes tuvieron que adaptarse tanto a las características de los participantes como a la diversidad y profundidad de contenidos de los distintos relatos. Algunas de las enseñanzas que acarreó el trabajo directo con este público fueron: entender que lo que en algún momento aparece como contradictorio se puede volver una oportunidad para develar otras historias; que los tiempos de escucha son fundamentales cuando se trata de capturar memorias; y que tiene que haber un manejo certero de las propias emociones para empatizar con los protagonistas del relato sin convertir la participación de las mediadoras en un discurso auto-referente o carente de significados. Otro aprendizaje significativo tiene que ver con la toma de conciencia de que cada espacio tiene su propia singularidad; en el caso del museo, se trata de un territorio social, cultural y pedagógico, no de un espacio terapéutico y, si bien, al final pudo obtenerse un resultado sanador, nuestro fin apuntaba a la reparación en términos históricos no personales. Para finalizar es importante referirse a la interrogante de por qué un museo dedicado a la historia de la educación tendría que hacerse cargo de estos temas. Proponemos tres respuestas posibles: primero, la temática de la memoria forma parte de la naturaleza del museo y de la problemática del barrio en el que éste se emplaza; segundo, un programa de estas características nos permite atraer nuevos públicos y enriquecer nuestras colecciones con objetos contemporáneos; y tercero, desde la perspectiva de la museología crítica, estas acciones nos ayudan a incorporar nuevos temas, aportando otras miradas sobre nuestras colecciones y nuestra trama narrativa. Por lo tanto, la respuesta a esta interrogante se funda en el rol que, como equipo de trabajo, le atribuimos a este establecimiento: un espacio conectado con su entorno territorial y simbólicamente, capaz, por una parte, de generar transformaciones sociales a pequeña escala y, por otra, de constituirse en un lugar de encuentro y de expresión de relatos diversos, que promuevan una educación con sentido ético y aumenten el conocimiento histórico. Así, con las herramientas propias del museo, buscamos hacer emerger memorias diversas y plurales y generar nuevos lazos con la comunidad local, dándole un sentido más amplio al patrimonio, a los procesos
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históricos que lo atraviesan y, sobre todo, a las colecciones que albergamos. En este recorrido buscamos también entender el patrimonio, desde la dimensión del conflicto planteada por Bonfil Batalla (2004), asumiendo que es tarea del museo de-construir ciertas representaciones en torno a él y a quién o quiénes deberían participar en su definición.
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Artigo recebido em dezembro de 2013. Aprovado em fevereiro de 2014
Luciana Sepúlveda Köptcke
MUSEUS CIENTÍFICOS E SUA RELAÇÃO COM A SAÚDE Luciana Sepúlveda Köptcke1* ResumO: Museus compreenderam sua missão e papel social de diferentes formas ao longo dos séculos. Estudos anteriores sobre o papel desempenhado por estas instituições no campo da saúde identificaram três linhas principais de atuação: ensino e pesquisa relativos às áreas biomédicas e similares, a partir de coleções científicas, como nos museus de anatomia, celebração e memória profissional, caracterizando o museu como um monumento à saúde, às suas práticas e profissionais, e a educação ao longo da vida para diversos públicos, informando, atualizando e buscando intervir nos comportamentos e atitudes (BROWN, 2009; GEBHARDT, 1946). Propõe-se, neste artigo, abordar a relação de alguns museus científicos brasileiros com o setor da saúde a partir de um levantamento exploratório, utilizando como ponto de partida o Guia de Centros e Museus de Ciência do Brasil 2009 e as instituições que participaram do II Encontro Nacional de Museus de História da Medicina, realizado em Goiás, em 2011. Trata da etapa preliminar da pesquisa “Museus Promotores da Saúde? Uma análise comparativa entre instituições brasileiras e estadunidesens, com inicio em janeiro de 2014, com a apoio da Smithsonian Institution Fellowship in Museum Practice, tem como objetivo reunir e analisar o que tem sido feito em relação à saúde, atualizando nosso conhecimento sobre os potenciais resultados fornecidos pelas instituições, a fim de promover novas abordagens para a srelações dos museus com o campo da saúde
Abstract: Museums have understood their mission and social roles in many different ways along the centuries. Previous analysis concerning the role museums have been playing in the health field, have sorted out three main groups: medical professional teaching and researching through scientific collections (like anatomy museums), memorial professional celebration (museums as monuments to health and its professionals) and popular mass and lifelong education (BROWN, 2009; GEBHARDT, 1946). This paper addresses experiences of Brazilian scientific museums in health promotion and education. It presents an exploratory lay out of current institutions developing health agendas, analyzing two sources: the Brazilian Science Centers and Science Museums Guide, 2009, and the institutions that participate of the II Meeting of the History of Medicine Museums, in 2011. It is a preliminary phase of the study “What have we learned about Museums contributions to health promotion? A Brazil and USA comparative analysis”, beginning in January 2014 with the support of the Smithsonian Institution Fellowship in Museum Practice. It aims to gather and analyze the stock of what has been done in regard to health , updating our knowledge on the potential outcomes provided by those institutions in order to foster original approaches to museum´s responses to health issues.
PalaVras-CHaves: Museus. Promoção da saúde. Educação não formal. Intersetorialidade. Parcerias.
Key-words: Museums. Health promotion. Informal education. Multi agencies partnerships.
1 * Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz de Brasília. Docente do PPGCINF –UNB. Fellow Scholar no Smtihsonian Institution.
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Introdução Um estudo exploratório realizado no Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz, sobre o potencial de promover a saúde (ROCHA; GUIMARÃES; KÖPTCKE, 2003) revelou diferentes concepções sobre como um museu pode contribuir para a promoção da saúde, incluindo diversas dimensões do fenômeno educativo e ações não relacionadas com a educação ou a informação. O estudo mostrou, igualmente, a necessidade de estreitar os laços entre as agendas educacionais do Museu e da pesquisa realizada na instituição, Fiocruz, assim como o interesse em aproximar suas ações das políticas públicas e programas voltados para a educação em saúde nas escolas além de aumentar a escuta para perceber as necessidades da comunidade próxima ao museu. Tais medidas colaborariam para fortalecer e alargar o programa de promoção da saúde do museu. A partir de 2011, a Fundação Oswaldo Cruz estabeleceu parceria com a Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura para constituir e dinamizar uma Rede, integrando atores da cultura e da saúde na promoção de melhor qualidade de vida, respeitando a diversidade cultural nas práticas de saúde e considerando as práticas culturais e artísticas como componentes do bem estar físico, psíquico e social. A Rede Saúde e Cultura propõe construir conhecimento e compartilhar informações sobre práticas e atores sensíveis a esta abordagem, assim como construir evidências sobre a importância de tais práticas para promover a saúde. No âmbito deste projeto, uma base de dados foi construída com informações acerca dos participantes de duas premiações voltadas para experiências que integrassem a saúde e a cultura, nos anos de 2008 e 2010, fruto de parceria entre os Ministérios da Cultura e da Saúde. A análise destes dados sugere algumas temáticas principais, como a saúde metal, a interlocução multicultural e a humanização nos serviços de saúde, a educação para a saúde junto a jovens e grupos diversos sobre doenças sexualmente transmissíveis, a religiosidade, as práticas tradicionais e sua eficácia simbólica em situações de cura, a promoção da alimentação saudável junto à crianças e adolescentes, além de identificar estratégias e abordagens nas ações auto -definidas como de cultura e saúde (KÖPTCKE et al., 2012). Dentre os proponentes, chamou a atenção a ausência de museus e instituições afins nestes prêmios. Propõe-se, neste artigo, abordar a relação de alguns museus científicos brasileiros com o setor da saúde a partir de um levantamento exploratório, utilizando como ponto de partida o Guia de Centros e Museus de Ciência do Brasil 2009 e as instituições que participaram do II Encontro Nacional de Museus de História da Medicina, realizado em Goiás, em 2011. Serão descritas as características principais das atividades e programas oferecidos e das instituições proponentes, de forma a levantar o contexto de onde emergem tais propostas, bem como identificar os recursos mobilizados pelos museus.Trata de etapa preliminar da pesquisa “Museus Promotores da Saúde? Uma abordagem exploratória das relações dos museus com o campo da saúde, com ênfase nas práticas de educação, promoção e prevenção” que propõe analisar as experiências em curso nas instituições norte americanas e brasileiras. Entende-se, no âmbito mais largo da pesquisa, que a promoção e a educação em saúde não ocorrem exclusivamente em museus científicos ou diretamente relacionados ao campo da saúde. Desta forma, o levantamento exploratório de instituições diretamente relacionadas com o campo científico ou da saúde no Brasil, descrito neste artigo, será complementado em outra etapa da investigação, com informações sobre instituições museais comunitárias, de artes plásticas, pedagógicas, históricas, indígenas, de cultura popular, dentre outras.
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Da mesma forma, posteriormente no desenvolvimento desta pesquisa, propõe-se identificar os recursos disponíveis nestas instituições para apoiar e desenvolver tais práticas. Serão ainda analisados os resultados esperados por estas instituições no que diz respeito à pauta referente à saúde e a natureza das relações estabelecidas, ou não, entre os museus e outros atores concernidos com projetos de educação e promoção da saúde, como é o caso das escolas e universidades, associações, entes governamentais, equipamentos de saúde. Museus, ciência e saúde, uma abordagem relacional O que vem à mente ao se falar em museu no início da segunda década do século XXI? A percepção da instituição resulta da justaposição de papéis, significados e modelos redesenhados ao fio do tempo, cristalizados nas definições, a exemplo da que segue, publicada no sítio do Instituto Brasileiro de Museus, em 20052: O museu é uma instituição com personalidade jurídica própria ou vinculada a outra instituição com personalidade jurídica, aberta ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento e que apresenta as seguintes características: I - o trabalho permanente com o patrimônio cultural, em suas diversas manifestações; II - a presença de acervos e exposições colocados a serviço da sociedade com o objetivo de propiciar a ampliação do campo de possibilidades de construção identitária, a percepção crítica da realidade, a produção de conhecimentos e oportunidades de lazer; III - a utilização do patrimônio cultural como recurso educacional, turístico e de inclusão social; IV - a vocação para a comunicação, a exposição, a documentação, a investigação, a interpretação e a preservação de bens culturais em suas diversas manifestações; V - a democratização do acesso, uso e produção de bens culturais para a promoção da dignidade da pessoa humana; VI - a constituição de espaços democráticos e diversificados de relação e mediação cultural, sejam eles físicos ou virtuais. Sendo assim, são considerados museus, independentemente de sua denominação, as instituições ou processos museológicos que apresentem as características acima indicadas e cumpram as funções museológicas.
Nova consulta ao Portal do Instituto Brasileiro de Museus3, em 2013, encontrou a seguinte definição:
De acordo com a Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que instituiu o Estatuto de Museus, ‘Consideram-se museus, para efeito desta Lei, as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento’.
As definições acima delineiam formas institucionais possíveis para o museu, afirmam sua natureza pública, situam o objeto de sua prática e suas finalidades. Abrangentes, as definições devem ser compreendidas não só como o reflexo de um projeto político ou como marcador de mudanças no âmbito da 2 Disponível em: <http://www.museu.gov.br>. Acesso em: 09 fev. 2012. 3 Definições sobre Museu disponíveis em: <http://www.museu.gov.br>. Acesso em: 09 fev. 2012.
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Museus Científicos e sua Relação com a Saúde
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gestão, mas como o resultado de um processo de disputa simbólica onde se enfrentam usos e expectativas sociais construídos historicamente. Os museus constituíram-se como espaços de conhecimento; de ressignificação de objetos; de interação social; de exercício de autoridade simbólica, servindo à construção da memória, à afirmação identitária, à popularização da ciência, à educação estética e na virada do século XX ao XXI, à inclusão social. Tradicionalmente, museus de Ciência, ou de temática científica, corresponderiam àqueles de História da Ciência, de História Natural e aos Centros de Ciência (GIL, 1993, p. 274). No entanto, é possível ampliar o entendimento sobre a relação dos museus com o campo científico, considerando os museus científicos como “[...] aqueles com uma vertente científica, (quer como temática principal, quer como uma entre outras temáticas), apresentando ao público os resultados ou processos de um trabalho de investigação científica (sobre o mundo físico ou social)” (DELICADO, 2008, p. 56). Seguindo esta premissa, podem ser reconhecidos como museus científicos todos os que obedeçam à lógica da investigação científica nos seus processos internos de validação do conhecimento e entendimento da realidade empírica. Este processo de validação do conhecimento apresenta como característica primordial o trabalho de objetivação, obedecendo à coerência lógica e à verificação experimental. Inicialmente, foram os fenômenos do mundo físico e as características dos seres vivos os objetos privilegiados desta forma de conhecimento que, em seguida, tornando-se exemplar, inspirou narrativas explicativas sobre as relações sociais, os processos históricos, a psique humana, os fenômenos culturais. Logo, entendem-se neste texto por museu científico, aqueles de história, de antropologia, os tecnológicos, os universitários, além dos centros de ciência quando desenvolvem investigação sobre a educação científica não formal e sobre seus visitantes, dos museus de história natural e dos museus de história das ciências, bem como jardins botânicos, parques zoológicos e aquários. O sentido da instituição museal e sua forma de operar mudam com o tempo e respondem à realidade de cada contexto político, social e cultural. A revisão da literatura permite identificar exemplos de tais mudanças. No início de 2000, o Departamento de Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido convidava os museus a reconsiderar seu papel no combate a questões como más condições de saúde, alta criminalidade, problemas de fracasso escolar e desemprego, indicadores da exclusão social (SANDELL, 2003b, p. 45). Em diferentes países, encontram-se exemplos de parcerias de museus com os setores de saúde, assistência social, educação, dentre outros, visando colaborar para o alcance de metas de inclusão social (SANDELL, 2003b, p. 46). Tais parcerias respondem a um movimento mais amplo na gestão pública de construir relações intersetoriais para equacionar desafios sociais. A definição da vocação e das ações desenvolvidas nos e pelos museus não só refletem o macro contexto sociocultural e político, como respondem à dinâmica do subcampo4 de produção simbólica onde se situam: museus científicos refletem as relações entre pesquisadores, gestores de ciência e tecnologia, divulgadores, comunidade escolar, acadêmicos, educadores em ciência, mídias diversos, políticos, dentre outros, que participam da atividade de produção e reprodução da ciência. Desta perspectiva, a relação entre 4 O conceito de campo, segundo Bourdieu (1975) define um espaço relacional onde agentes individuais ou coletivos ocupam um lugar que reflete a soma de seus diferentes capitais (cultura, econômico, político, simbólico) objetivados ao longo do tempo por posições conquistadas em lutas anteriores. Estes agentes estabelecem entre si múltiplas relações, com o propósito de preservar ou melhorar sua posição neste espaço.
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o museu e a educação refletirá, por exemplo, as necessidades, as características e a importância socialmente acordada a um programa disciplinar específico (ensino da física, da biologia, da história, das artes plásticas...), as disputas pedagógicas em jogo (educação tradicional, construtivista, popular...), o prestígio intelectual e social do museu dentro de seu campo de saber em determinado período, como fatores que definem a prática institucional e a posição ocupada pelo museu no universo em questão. Os agentes que participam de um mesmo campo compartilham valores, conhecimentos, nomenclaturas, regras, que permitem desenvoltura nos processos de acúmulo e conversão de capitais, entendidos como recursos para ocupar as melhores posições dentro do espaço social. Qual seria o sentido da pauta em saúde para os museus? O que poderia levar os museus científicos a desenvolver pautas de saúde e o que poderia motivar as instituições de saúde a criarem museus? No caso do campo científico, a luta concorrencial entre os agentes tem por objetivo específico o monopólio da autoridade científica, inseparavelmente definida como capacidade técnica e como poder social ou “competência científica” entendida como capacidade de falar e agir legitimamente (de forma autorizada e com autoridade) em matéria de ciência. Assim, pesquisas com impacto no setor saúde seriam, a princípio, as práticas de maior reconhecimento e prestígio na interface entre campo museal, setor saúde e disciplina científica, onde o capital mais valioso é o reconhecimento pelos pares do conhecimento produzido. No entanto, além da investigação, os museus científicos desenvolvem relações diferenciadas com a ciência, atuando como espaços de divulgação, educação não formal e de ensino (DELICADO, 2008). A capacidade de ampliar o leque de resposta a demandas de setores contingentes ou associados à ciência ou a práticas sociais diversas, como é o caso da saúde, do meio ambiente, do serviço social, da educação, da inovação tecnológica, dentre outros, pode ser reconhecida pela comunidade interna (profissionais, especialistas, gestores, órgãos de tutela) e externa (comunidade, parceiros, financiadores) à instituição museal como desejável, colaborando para que a instituição goze de prestígio científico, cultural e social. O reconhecimento é capaz de mobilizar recursos ou múltiplos capitais como o econômico (recursos financeiros por meio de editais, prêmios, etc), o social (apoio e reconhecimento em diversos grupos, aumento e diversificação de visitas) ou o simbólico (reconhecimento político). Desta forma, os museus científicos interagem simultaneamente com demandas de um campo ou disciplina científica, com o campo particular dos museus, com demandas sociais particulares ou abrangentes de atores sociais diversos, sejam eles associações profissionais, membros da gestão pública, programas de inclusão ou desenvolvimento social, como no exemplo inglês citado anteriormente. Ainda a título de ilustração, pode-se relatar o impacto do investimento público para a criação de museus e centros de ciência no Brasil a partir dos anos 80, quando muitas instituições foram criadas ou renovadas, dentre as quais o Museu da Vida, na Fiocruz em 1999. Tal investimento respondeu ao movimento internacional de melhoria da educação científica e à importância de educação e divulgação científica ao longo da vida, para os diferentes segmentos sociais, na perspectiva de desenvolvimento científico, social e econômico nos países ocidentais. No caso do Museu da Vida, sua criação se insere também no processo de divulgação e afirmação de novo paradigma na saúde pública após a I Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde, em Ottawa, 1986, onde a concepção ampla da saúde como qualidade de vida foi incorporada no Relatório final da VIII Conferência Nacional da Saúde (CNS) naquele mesmo ano:
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Museus Científicos e sua Relação com a Saúde
Direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASIL, 1986, p. 4).
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A Saúde, definida pela Organização Mundial de Saúde em 1948 como um estado de completo bem- estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade, ignora a realidade concreta da existência de indivíduos e grupos. Embora sejam reconhecidas a integralidade e a dimensão holística do conceito, cabe ponderar a impossibilidade de experimentar-se individual ou coletivamente um estado perfeito de equilíbrio entre dimensões física, biológica, psíquica, afetiva, social do ser de forma continuada. Então cabe pensar a saúde a partir de uma abordagem relacional e dinâmica. O próprio equilíbrio não é estático, mas fluxo constante. Assim, saúde seria a própria capacidade de fazer face aos percalços, a criatividade da busca de soluções, a consciência e a ação autônoma e alegre, sofrida, livre para mudar, ajustar-se às modificações impostas pelo meio ambiente, ter voz, ser ouvido, amar e ser amado, pertencer e acolher, este movimento ininterrupto, esta construção sem fim... A Promoção da Saúde, definida como “o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo” (OMS, 1986), preconiza cinco campos prioritários de ação, dentre os quais três enfatizam a importância de conduzir ações intersetoriais: a elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis; a criação de ambientes favoráveis à saúde e o reforço da ação comunitária. As políticas públicas dos últimos 20 anos, em particular nas áreas de saúde e desenvolvimento social, propõem estratégias articuladas entre diferentes setores do governo para enfrentar desafios de promoção da equidade e do desenvolvimento humano no país. Os problemas de nossa época constituem desafios que remetem a outra visão de mundo, um modo de pensar não mecanicista, apresentando um novo paradigma também para a área social (CAPRA, 1998, p. 23; JUNQUEIRA, 2000, p. 36). Segundo autores como Morin (1999) e Capra (1998) a complexidade é o estado de ser de todos os sistemas abertos, quer dizer, auto-eco-organizados e organizadores. Intersetorialidade, políticas públicas e novas parcerias para os museus As estratégias quanto às articulações dos fenômenos sociais sofreram mudanças em resposta à crise do chamado Estado de Bem-Estar Social, nos anos 1970, (MENDES; FERNANDES apud JUNQUEIRA, 1997, p. 118) [...] não é novo o desejo de se buscar um fazer diferente, como atesta a criação de diversos fóruns, comitês, comissões e conselhos ao longo dos últimos 20 anos. Entendemos que a prática setorial tenha suas raízes cravadas no típico pensamento moderno, de base iluminista, que separou o saber em partes especializadas e independentes. Por isso é que a busca pelo novo não se resume à redação de “manuais ou receituários de boa gestão”, mas exige um reexame do modo de conhecer, de pensar e de se colocar frente a papéis, posturas e práticas empreendidas
A intersetorialidade constitui uma perspectiva política em construção a partir do paradigma da complexidade, com base em uma abordagem epistemológica interdisciplinar. Neste cenário, ocorrem coalisões diversas diante de
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objetivos sociais e políticos que passam a ser compartilhados a partir da reconstrução de papéis, atribuições, competências e responsabilidades. A relação entre cultura e saúde encontra legitimidade no bojo da discussão das políticas públicas com base no entendimento da saúde como processo ao mesmo tempo resultante e causador da qualidade de vida e dos seus múltiplos determinantes, como a educação e a cultura, por exemplo. A inclusão social se torna uma meta central para as políticas de saúde pública que seguem a perspectiva dos determinantes sociais da saúde A difusão de uma certa concepção de ciência e de saúde e a proposta da promoção da saúde abriram espaço para a criação de sinergia entre conhecimento científico, saberes e práticas culturais e para o reconhecimento da imbricação entre sociedade e cultura na construção histórica da ciência e das práticas de cuidado em saúde (CZERESNIA; MACIEL; OVIEDO, 2013). A partir de uma certa “formação discursiva” torna-se possível ou recomendável que o setor da saúde realize maiores investimentos em educação e divulgação da ciência, em práticas de educação popular, no estudo da condicionalidade cultural da saúde, entendida como potência e criatividade para lidar com a existência de forma contínua (CZERESNIA; MACIEL; OVIEDO, 2013, p. 12). O entendimento da saúde enquanto experiência, não definível cientificamente, se relaciona a um feixe de práticas sociais interdependentes que agregam grupos técnicos e profissionais, comunidades de saberes, usuários, locais/instituições especializados ou não. Nesta perspectiva, pode-se considerar agendas partilhadas por instituições e atores de setores não relacionados à biomedicina ou às ciências da saúde voltadas para a saúde. A presença/ ausência da agenda em saúde nos e pelos museus revela lógicas e prioridades na gestão das instituições e na sua relação com seus visitantes, usuários, agências de financiamento, parceiros existentes ou potenciais, seja, contextos relacionais em operação dentro do subcampo do museu. No início do século XXI, observa-se a intensificação e ampliação das expectativas do Estado e da sociedade com relação ao museu. Para além de templo, escola, fórum, centro cívico e ator de desenvolvimento urbano e econômico, as instituições museais acompanham o movimento geral de gestão intersetorial nas políticas públicas. Como se vê, os papéis sociais atribuídos aos museus são múltiplos, resultando de uma delicada tessitura de fatores relativos tanto à riqueza e tradição cultural acumuladas de um país ou região, quanto à situação econômica, educacional e política de cada grupo político e social onde se desenvolvem estas instituições. O entendimento das dinâmicas que caracterizam o museu nos países ocidentais, toma como ponto de partida a possibilidade do museu intervir e sofrer intervenções de outras instituições, das políticas de Estado e dos demais atores não só do seu campo específico como de toda a sociedade. Os museus podem então ser percebidos não apenas como espaços onde se apreende informações científicas necessárias para orientar atitudes e práticas saudáveis, ou desenvolve habilidades, mas como arenas simbólicas onde a diversidade cultural pode ser expressa e a educação permanente pode ser negociada no encontro entre especialistas de áreas diversas e não especialistas. Museus e saúde: desvelando agendas e práticas Análises preliminares a respeito do papel dos museus no campo da saúde (BROWN, 2009; GEBHARDT, 1946) identificaram três categorias principais:
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museus como espaços de ensino formal para a formação profissional de médicos e outros profissionais da saúde, utilizando coleções científicas (por exemplo, museus de anatomia), museus como espaços de construção da memória profissional e patrimonialização de valores, práticas, conhecimentos (monumentos aos profissionais e ou práticas da saúde, como a exemplo do museu Salles Cunha, de odontologia, no Rio de Janeiro ou ainda o museu da Academia Brasileira de Medicina), e, finalmente, museus como espaços de informação e educação ao longo da vida. A Educação em saúde torna-se um tópico importante para a saúde pública, na medida em que se reconhece a relevância da participação do sujeito e da coletividade na produção da saúde. Na maioria das vezes, as políticas públicas de educação em saúde veem a escola como espaço estratégico para desenvolver agendas educativas voltadas para a promoção da saúde e a prevenção de doenças, visto que são espaços cativos e obrigatórios durante um longo período da vida de crianças, adolescentes e jovens. No entanto, as experiências de educação voltadas para a saúde vêm sendo implementadas também em diferents instituições ao longo do tempo. Os museus teriam condições de acompanhar as transformações na ciência com maior rapidez do que as instituições de ensino formal, visto que o desenho de uma exposição ou atividade temporária não necessita obedecer aos pesados trâmites e negociações políticas da construção curricular ou mesmo ao tempo de elaboração e atualização dos livros didáticos utilizados nas escolas. Também integram, com maior facilidade, abordagens multidisciplinares, organizando sua agenda de forma temática e não disciplinar. Nestes espaços, é possível se maravilhar, fazer descobertas, desenvolver outros interesses, socializar-se, encontrar, de forma inesperada, especialistas das áreas mais diversas. Desta forma, pode-se dizer que a educação em saúde nos museus se situa na problemática mais abrangente referente à aprendizagem em espaços de educação não-formal. As experiências educativas nos museus colaboram para o avanço da reflexão sobre as práticas em educação não formal e, em particular, para o desenvolvimento dos estudos e pesquisas avaliativas voltadas para a educação não formal em ciência e ou saúde, por exemplo, tanto da perspectiva dos museus quanto da saúde pública (BUNCE et al., 2009; KNUTSON, 1949; ROBINSON, [193-?]; WEAT; UCKO; FRIEDMAN, 2012; UCKO, 2013). Museus, e não apenas aqueles específicos da saúde, estão aptos a abordar questões referentes à saúde sempre que surgir uma demanda por parte da comunidade, em consequência de um modelo de gestão mais aberto à participação comunitária, por exemplo, como foi o caso no Museu Margaret Woodbury (SANDELL, 2003a; 2003b). No entanto, cabe enfatizar a diversidade de contextos socioculturais de construção da aproximação da saúde pelo museu. Logo, além do exemplo acima, as necessidades de comunidades com acesso reduzido aos serviços de saúde, educação lazer, transporte, geram experiências como a do “Anacostia Museum”, em Washington, DC, e do “Museum of me”, no Bronx, NY. As questões referentes à saúde podem ser abordadas a partir da implicação das ciências e da tecnologia para a qualidade de vida e para o tratamento e a prevenção de doenças, muitas vezes discutidas em museus de instituições científicas, como o Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz, RJ, ou o Museu de Ciências Morfológicas da Universidade Federal de Minas Gerais. No Brasil, ou nos Estados Unidos, ou em tantos outros países, são numerosas as instituições museais, incluindo os Museus de História Natu-
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ral e os Centros de Ciência, que desenvolvem temas direta ou indiretamente relacionados à saúde, passando pela discussão das biotecnologias, da teoria da evolução, do impacto ambiental do sistema produtivo vigente, até a sexualidade, o uso da maconha, ou a questão da violência entre jovens. A saúde mental também encontrou nas artes e no museu como tecnologia social, um espaço terapêutico, a exemplo do Museu do Inconsciente, que, ademais, passou a desempenhar, com o passar dos anos, o papel de patrimonialização do legado da Dra Nise da Silveira. No entanto, tais práticas encontram-se pulverizadas em diversos campos e disciplinas e não se conhece uma análise sistematizada a respeito do papel dos museus no campo da saúde. Levantamento de museus científicos e de Saúde Com a finalidade de levantar os recursos mobilizáveis pelos museus para responder às pautas de promoção da saúde foi realizado um levantamento preliminar a partir de três grupos circunstancialmente definidos que originaram o universo amostral final apresentada neste artigo. 1 Grupo A: II Encontro Nacional de Museus de História da Medicina O primeiro grupo correspondeu aos participantes do II Encontro dos Museus de História da Medicina, que aconteceu na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia, nos dias 08, 09 e 10 de setembro de 2011. O Encontro foi realizado pela Federação Nacional dos Médicos e pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Goiás, voltado para profissionais e estudantes da área médica, histórica, museológica e interessados por História da Medicina, o evento apresentava como objetivos5: • Reunir representantes dos Museus de História de Medicina de todo o Brasil; • Impulsionar a implementação da rede Brasileira de Museus de História da Medicina; • Discutir questões técnicas referentes a museus; • Proporcionar aos envolvidos divulgação das atividades que desenvolvem. Os organizadores, uma entidade sindical, enfatizam o caráter social da medicina como arte e profissão milenar e a importância da memória do trabalho médico. O Encontro foi apoiado por diversas entidades representativas como o Conselho Federal de Medicina, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul, o Museu de História de Medicina do Rio Grande do sul, o Sindicato dos Médicos de Goiás, Conselho Regional de Medicina de Goiás, Unimed de Goiás, Unicred de Goiânia, Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, Secretaria Estadual de Saúde de Goiás, Federação Brasileira das Academias de Medicina. O levantamento partiu da lista de instituições presentes ao encontro. Uma vez listados os museus, foram investigadas informações sobre os mesmos nos seus respectivos sítios na internet. As informações recolhidas foram organizadas em uma planilha sintetizando as seguintes características dos museus: ano de criação; instituição de tutela, localidade, natureza do acervo; missão/objetivos; natureza das atividades, serviços, produtos oferecidos; ações 5 As informações referentes ao II Encontro de Museus de História da Medicina foram extraídas do material de divulgação do evento (folder).
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de educação em saúde, temas relevantes. Nem sempre foi possível encontrar na internet todas estas informações. 2 Grupo B: Guia de Museus e Centros de Ciência, 2009
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O Guia de Museus e Centros de Ciência edição 2009, foi o segundo levantamento sobre estas instituições no Brasil, publicado pela Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência, pela Casa da Ciência, Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da UFRJ e pelo Museu da Vida, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz. As informações constantes no Guia são preenchidas pelas instituições. O Guia de 2009 reuniu 190 registros. A primeira versão do Guia em 2005 encontrara número de registros inferior a uma centena. Cabe explicitar que o Guia não pretende um recenseamento exaustivo das instituições existentes, mas configura um espaço de visibilidade e interação criado pelos editores para fortalecer o campo cujo registro é espontâneo. A busca no Guia de Museus e Centros de Ciência 2009 considerou como instituições com pautas de saúde aquelas que mencionaram os seguintes termos: saúde, loucura, deficiência, acessibilidade, saúde mental, qualidade de vida, sexualidade, educação em saúde, promoção da saúde, necessidades especiais, paralisia cerebral, prevenção, hospitais, instituições de saúde, seja entre os temas de atividades, projetos ou programas, exposições do museu, sejam elas permanentes (longa duração), itinerantes ou temporárias, dentre objetivos declarados ou atividades voltadas para públicos específicos/espaços específicos como hospitais, asilos. Uma vez identificados os museus pertinentes ao universo amostral, estes foram em seguida incluídos na planilha contendo os campos referentes às características descritas no item anterior (5.1). 3 Grupo C: Informações circunstanciais: conhecimento prévio, busca no Google Um terceiro grupo de instituições reuniu museus conhecidos previamente pela pesquisadora, como o Museu da Funasa, o Museu Salles Cunha e os Museus do Instituto Butantan, em São Paulo, bem como museus encontrados a partir de pesquisa exploratória no Google, utilizando como descritores os termos museu e promoção da saúde, museus de saúde, museu e saúde mental. Os dados sobre os museus deste grupo foram igualmente registrados na planilha reunindo todo o universo amostral segundo algumas de suas características. As características dos museus segundo ano de criação; instituição de tutela, localidade, natureza do acervo; missão/objetivos; natureza das atividades, serviços, produtos oferecidos; ações de educação em saúde, temas relevantes foram descritas e seu conteúdo analisado, formando categorias sintéticas. Em seguida, serão apresentados os resultados encontrados referentes a algumas das características dos museus que formaram o universo amostral deste levantamento. Resultados Ao total fizeram parte do universo amostral 36 museus, conforme indica o quadro I abaixo. Cerca de 50% da amostra encontra-se no Grupo B (18). Observa-se que o Museu da Vida aparece nos grupos A e B. Na planilha e nos quadros apresentados a seguir, este museu foi considerado apenas uma vez, definindo a amostra em 35 instituições.
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Fonte: O autor.
Grupo A Grupo B 1-Museu Inaldo de Lyra 9- Museu da Vida, RJ Neves Manta, RJ 2- Museu da Vida,RJ 10-Jardim Botânico de Brasília
Grupo C 27-Memorial da Pediatria Lincol Freire, RJ 28-Museu Salles Cunha, RJ 3- Centro de Memória 11-Planetário Rubens de 29- Museu Histórico do da Medicina da UFMG Azevedo, CE Butantan, SP 4- Museu histórico Pro- 12- Espaço Ciência Museu In- 30- Museu Biológico, fessor Carlos da Silva terativo de Ciência, PE Butantan, SP Lacaz, SP 5- Museu de História de 13-Jardim Botânico do Recife, 31- Museu de Saúde Medicina do Rio Grande PE Pública Emílio Ribas, SP do Sul 6- Museu de Medicina do 14- Museu da Loucura, MG 32- Museu Histórico Pará Profesor Wladmir da prússia Gomez Ferraz, SP 7- Museu de Homeopa- 15- Museu de Ciências 33- Museu da FUNASA, tia, SP Morfológicas, MG DF 8- Museu de História de 16-Centro Cultural da Saúde, 34- Museu Osório César, Medicina (APM- SP) RJ SP 17- Espaço Ciência Viva, RJ 35- Museu de Estudos do Cérebro, SP 18- Fundação Zoológico do 36- Museu de Imagens Rio, RJ do Inconsciente Nise da Silveira, SP 19- Instituto Vital Brazil, Niterói, RJ 20- Museu de Anatomia Humana Professor Alfonso Bovero, SP 21-Museu de História Natural de Campinas, SP 22- Parque Zoobotânico Orquidário Municipal de Santos, SP 23- Parque Zoológico Municiapl Quinzinho de Barros, Sorocaba, SP 24- Museu de História Natural de Cornélio Procópio, Mozart de Oliveira Vallim, SP 25- Museu Dinâmico Interdisciplinar, PR 26- Museu Interdisciplinar de Ciências, PR Quadro 1 Museus segundo os subgrupos amostrais
Nota: Levantamento realizado a partir dos participantes do II Encontro de Museus de História da Medicina, Grupo A, do Guia de Museus e Centros de Ciência, Grupo B e de pesquisa no Google e conhecimento prévio, Grupo C.
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A tabela 1, abaixo apresenta a distribuição dos museus segundo o tipo de recurso utilizado. Dentre os museus que compuseram esta amostra, a maior parte utiliza a exposição como recurso (26). Atividades educacionais foram frequentes (15), seguidas pela utilização de espaços diferenciados além do museu (10), pelo desenvolvimento de Atividades culturais e artísticas (9) e pela realização de projetos e programas especiais para populações com necessidades especiais (9), presentes em cerca de uma a cada quatro instituições.
Fonte: O autor.
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Natureza do RecursoDescrição categoria 1-Exposições de longa ou Exposições para informação curta duração e educação em ciência e saúde e história da saúde e da medicina 2- Material itinerante Exposição, caminhão, 3- Material virtual Sites, jogos, museu on line, acervo on line 4- Outros espaços Bibliotecas, salas especiais, trilhas, eventos em espaços externos, reserva técnica 5- Atividades culturais, Coral, teatro, vídeos, saraus artísticas científicos, feiras, gincanas, exposição de trabalhos de pessoas com sofrimento psíquico, oficinas artísticas e de artesanato para pessoas com sofrimento psíquico 6- Estágios, voluntariado Atuação no museu e em visitas 7- Atividade Educacional Oficina, Curso, Seminário, ação educativa, palestra, visita monitorada 8- Materiais educativos Kits, jogos, publicações 9- Programas e Projetos Voltados para portadores de especiais necessidades especiais, sessão para surdos, deficientes visuais, paralisia cerebral, sofrimento psíquico, Jardim Sensorial, promove eventos em hospitais 10- Visita a hospitais e ca- Levar alegria, zooterapia em sas de terapia hospitais 11- Atividades com animais Manuseio de animais peçonhentos para informar e prevenir
Casos, N 1,3,4,5,6,9,12,13,14,15 ,16,17,19,20,21,22,23, 24,25,26,27,28,29,30,33, 36. N= 26 9, N=1 9, 5,6 N=3 9,3, 30,5, 36,13,18,19,22,23 N=10 1, 27,9, 36,13,14,16,17,23 N=9
9, 10, 24, N=3 9,3,29,30,5,11,12,15,16, 17,18,19,23,25,26 N=15 28,16,17,9 N=4 10,11, 12,13,14,18,20,22, 24 N=9
10,23 N=2 21 N=1
Tabela 1 Museus segundo natureza do recurso disponível para promover saúde
Nota: Levantamento realizado a partir dos participantes do II Encontro de Museus de História da Medicina, Grupo A, do Guia de Museus e Centros de Ciência, Grupo B e de pesquisa no Google e conhecimento prévio, Grupo C. Os museus apresentaram em geral, mais de um recurso bem como declararam missões complementares, como ilustra a tabela 2, a seguir. Observa-se, entretanto, que a missão foi dado faltante para algumas instituições.
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Missão declarada categoria 1- Preservar e Divulgar a memória da medicina, saúde
2- Divulgar, informar, educar em ciência 3- Divulgar, informar, educar em saúde ou prevenir doenças 4- Pesquisar
5-
Divertir
6- Promover consciência crítica em saúde
Fonte: O autor.
7- Promover educação ambiental
8-
Inclusão social
9-
Apoiar ensino
Descrição Preservar e divulgar a memória da medicina e da saúde, preservação e divulgação da história das ciências e da saúde, apresentar a história da pediatria no Brasil; Divulgar a produção científica nas escolas, divulgar e estimular a descoberta da ciência Informar e educar em ciência, saúde e tecnologia de forma lúdica e criativa, Fortalecer o desenvolvimento de atividades de pesquisa, investigação de bens patrimoniais, pesquisa na área de saúde pública, Diversão com inclusão social, oferecer recreação saudável (...) “Quebrar estigma em saúde; reformular conceitos em saúde, ampliar visão da saúde para outros setores, ampliar participação da sociedade em questões de saúde, ciência e tecnologia” Transmitir informações sobre serpentes e sua relação com o ambiente, desenvolver o respeito e a preservação do ambiente Envolver comunidades da medicina, ambiental, pedagogia
Casos, N 1,27,3,29,4,19,9 N=7
153 9,31,12,17,19,26 N=6 9,30 N=2
29,31,4,13,23,25 N=6
11,23 N=2 14,15,16,9 N=4
30,10,13,21,22,23,24,26 N=8
11,12,18,19 N=4 20,25,26 N=3
Tabela 2 Museus segundo a missão declarada
Nota: Levantamento realizado a partir dos participantes do II Encontro de Museus de História da Medicina, Grupo A, do Guia de Museus e Centros de Ciência, Grupo B e de pesquisa no Google e conhecimento prévio, Grupo C. Algumas informações não foram identificadas para todos os museus. A tabela 3, abaixo, apresenta a distribuição dos museus segundo o órgão de tutela por ano de criação. A distribuição não sugere qualquer tendência relacionando o tipo de tutela com o ano de criação, no entanto, há maior concentração de criação de museus, não importa o tipo de tutela, a partir da década de 80.
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Fonte: O autor.
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Tutela Órgão representativo Instituição de pesquisa ensino superior Administração pública direta Associação sem fim lucrativo Total
Até 45 46-68 69-79 80-90 91-00 Após 2000 total 1 1 3 5* 2
2
4
3
3
2
2
12
3
2
4
2
13
1
2
1
4
8
34
5
3
7
7
Tabela 3 Museus segundo tutela por ano de criação
Nota:Algumas informações não foram identificadas para todos os museus, o ano de criação é dado faltante na categoria órgão representativo. Discussão Os resultados encontrados neste levantamento preliminar indicam que os museus ao desenvolverem pautas ou agendas referentes à saúde, o fazem muitas vezes a partir de recursos existentes, como exposições de longa e curta duração, segundo seu acervo e missão. As exposições, tradicionalmente recursos comunicativos e educativos dos museus são aqueles disponibilizados com maior frequência. No entanto, cerca de 25% das instituições implementaram projetos e programas específicos e desenvolveram atividades artísticas ou culturais com foco em portadores de necessidades especiais. A preocupação com a acessibilidade ampla aos recursos culturais dos museus pode sugerir a abertura institucional para atender a demandas e necessidades de públicos diferenciados e da comunidade próxima ao museu, no âmbito de objetivos de inclusão social e promoção da saúde. Neste caso, oferecer uma experiência de participação, criação, afirmação identitária, expressão cultural torna-se um ato de cidadania cultural e pode gerar efeitos de diminuição de estresse e fortalecimento de habilidades sociais, considerados elementos importantes para a promoção do bem estar psíquico não apenas de portadores de necessidades especiais mas da população em geral. Segundo Silverman (2002), os museus devem reconhecer seu potencial terapêutico.Ao reconhecer a experiência de visita como uma oportunidade de relaxar, tecer laços sociais, afirmar seus conhecimentos, habilidades e opiniões, desenvolver novas habilidades emotivas e sociais, o museu agrega novos papeis possíveis, não se restringindo à aquisição intelectual. Terapia, para a autora, concerne atividades e processos que buscam desenvolver ou manter o funcionamento saudável e o bem estar. Devido às suas características particulares como um ambiente para a comunicação intercultural e interpessoal, museus são descritos como ferramentas poderosas para a terapia (SILVERMAN, 2002). No campo da saúde mental, a terapêutica ocupacional desenvolvida no Brasil, em 1946, pela Dra Nise da Silveira no Hospital Psiquiátrico Pedro II, oferecia uma nova abordagem para a construção social da percepção de pessoas com sofrimento psíquico, em especial com esquizofrenia. O método utilizava linguagens artísticas como pintura, colagem, música e trabalhos manuais instaurando uma comunicação mais eficiente do que a verbal entre as emoções dos pacientes e seus interlocutores (THOMAZONI; FONSECA, 2011). Tal perspectiva aponta para a importância da atividade de criação em espaços variados, ex-
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ternos aos equipamentos de saúde. Atualmente, o Museu de Imagens do Inconsciente Nise da Silveira recebe visitantes em sua maioria técnicos e profissionais da saúde e interessados pela herança da Dra Nise, no sentido de promover uma educação da sensibilidade, nas palavras de Read (READ apud PINHEIRO, 2005, p. 54). O museu mantêm ainda os ateliês terapêuticos “[...] trazendo grupos marginalizados para o proscênio da produção cultural, utilizando a arte como ferramenta de capacitação para o empoderamento social, através da conscientização e da valoração de suas identidades” (PINHEIRO, 1996; 2005). Ao considerar a definição integral e holística da saúde como experiência vivida individual e coletivamente, o papel do museu na promoção da saúde pode ser também o de um fórum para discutir e reelaborar representações e saberes, não apenas referentes às temáticas da saúde e da medicina, mas da cultura científica que modela a forma como atualmente a saúde, as doenças, os modos de cuidado, o comportamento corporal são percebidos. Promover o debate e o encontro entre especialistas e não especialistas, entre cultura tradicional e biomedicina, entre arte e ciência, despontam como elementos presentes dentre missão e recursos identificados nesta amostra. A literacia científica em saúde, a expressão e terapêutica emocional, a construção de habilidades e papéis sociais positivos são possibilidades da contribuição dos museus para o campo da saúde. Entretanto, este breve levantamento se limitou a descrever algumas experiências e características gerais das instituições proponentes. Resta um longo caminho, no sentido de melhor compreender os processos que formatam a realização das atividades operadoras do museu como ferramenta para a promoção da saúde, analisar os fatores promotores de experiências bem sucedidas nesta abordagem, e o perfil dos museus que as desenvolvem. Qual a importância do acervo existente? Como a instituição de tutela interfere? Quem são os parceiros privilegiados? Que conhecimentos e saberes são necessários? Qual a importância do perfil dos profissionais dos museus na condução de uma agenda voltada para a saúde? Como a estrutura administrativa interna pode facilitar tais propostas? Que tópicos em saúde são privilegiados? Qual o papel da comunidade e da sociedade na dinâmica de reflexão dos museus com relação ao seu papel social? A partir desta análise exploratória preliminar, vão tomando forma mais nítida novas questões que servirão como eixo estruturante da pesquisa em curso. Conclusão Museus científicos e de saúde que integraram a amostra deste levantamento oferecem variados recursos para a promoção da saúde. Tais recursos, na maioria das vezes, correspondem àqueles tradicionalmente utilizados pelas instituições museais para pesquisar, conservar e comunicar a herança cultural, como exposições e ações educativas. No entanto, novos recursos são implementados no bojo de ações relacionadas à inclusão social e à escuta às necessidades de portadores de necessidades especiais, revelando o potencial terapêutico do museu. De forma geral quatro linhas ou eixos estruturam as ações dos museus na interface com agendas da saúde. 1- Foco na educação em saúde a partir da comunicação de informações e conceitos visando promover mudanças de atitudes, comportamentos e escolhas saudáveis. Esta abordagem dialoga com uma linha normativa individualista da promoção da saúde.
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2- Foco na preservação da memória da saúde e da medicina voltada para o ensino contextualizado dos profissionais do campo;
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3- Foco na reflexão crítica, mobilizando o museu como um fórum de debates para fortalecer as habilidades e a participação individual e coletiva na produção social da saúde, em sintonia com a abordagem da promoção da saúde preconizada pela Carta de Ottawa; 4- Foco no museu como ferramenta terapêutica, promovendo a acessibilidade e a cidadania cultural como elementos para a inclusão social e a qualidade de vida, principalmente no que se refere à saúde emocional. Referências BOURDIEU, P. La spécificité du champ scientifique et les conditions sociales du progrès de la raison. Sociologie et Sociétés, v. 7, n. 1, p. 91-117, 1975. BRASIL. Ministério da Saúde. Relatório final. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE (CNS), 8., 1986. Relatório... Brasília, 1986. Disponível em: <http:// www.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/8_conferencia_nacional_saude_relatorio_final.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2014. BROWN, J. K. Health and medicine on display: international expositions in the United States, 1876-1904. Massachusetts: MIT Press, 2009. BUNCE, A. E. et al. Educating youth about health and science using a partnership between an academic medical center and community - based science museum. Journal of Community Health, v. 34, p. 262-270, 2009. CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1998. CENTROS e museus de ciência do Brasil. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Museus e Centros de Ciência, 2009. CZERESNIA, D.; MACIEL, M. G. S.; OVIEDO, R. A. M. Os sentidos da saúde e da doença. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013. DELICADO, A. Produção e reprodução da ciência nos museus portugueses. Análise Social, v. 53, n. 1, 55-77, 2008. DOMINGUES, A. et al. (Org.). A cultura em ação: impactos sociais e território. Porto: Afrontamento, 2003. GEBHARDT, B. What good are health museums? American Journal of Public Health, v. 36, p.1012-1015, Sept. 1946. GIL, F. B. Museus de ciência e técnica. In: TRINDADE, M. B. R. (Ed.). Iniciação à museologia. Lisboa: Universidade Aberta, 1993. p. 245-256. JUNQUEIRA, L. A. P. Descentralização, intersetorialidade e rede como estratégias de gestão da cidade. Revista FEA-PUC-SP, p. 57-72, nov. 1999. JUNQUEIRA, L. A. P. Intersetorialidade, transetorialidade e redes sociais na saúde. RAP, p. 36-44 dez. 2000. JUNQUEIRA, L. A. P. Novas formas de gestão na saúde: descentralização e intersetorialidade. Saude Soc., v. 6, n. 2, p. 31-46, 1997. KNUTSON, A. Evaluating A.P.H.A. exhibits. American Journal of Public Health, v. 39, p. 1027-1035, Aug. 1949. KÖPTCKE, L. et al. (Ed.). Retratos da interface cultura e saúde no Brasil: experiências premiadas e selecionadas nos prêmios cultura e saúde, editais 2008 e 2009. [S.l.]: Fiocruz; MINC, 2012.
Luciana Sepúlveda Köptcke
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Artigo recebido em fevereiro de 2014. Aprovado em março de 2014
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RELAÇÃO ENTRE ÍNDICES DE PRESERVAÇÃO E DEGRADAÇÃO DE AMOSTRAS DE PAPEL EXPOSTAS A CONDIÇÕES NATURAIS Eduardo L. Krüger1* Clara Landim Fritoli2** ResumO: No presente estudo, foram confeccionados corpos de prova em papel, os quais foram expostos a diferentes condições naturais de temperatura e umidade relativa em duas bibliotecas universitárias, localizadas em Curitiba e em Caiobá, no Litoral Paranaense. Os papeis foram produzidos com celulose de fibra curta e fibra longa, sem adição de cargas ou adesivos, de modo a possibilitar o estudo das inter-relações entre a degradação das amostras e as condições ambientais de ambas as bibliotecas, comparativamente ao ambiente externo. O objetivo da pesquisa foi o de avaliar a relação entre degradação do papel e o índice de preservação IETP (Índice Efeito Tempo de Preservação), o qual quantifica os efeitos de temperatura e umidade relativa sobre a expectativa de vida dos papeis. As amostras foram acondicionadas em caixas de acrílico revestidas com manta de carvão ativado e com filtro ultravioleta - UV de forma que os efeitos da temperatura e umidade atuassem nos corpos de prova sem interferência de outros fatores de degradação como os gases poluentes e a luz. Na exposição das amostras no ambiente externo, contou-se adicionalmente com abrigos meteorológicos, dentro dos quais foram depositadas as caixas de acrílico naturalmente ventiladas. Os dados climáticos foram registrados em dataloggers e os corpos de prova foram enviados para ensaios físico-químicos antes e após 12 e 24 meses de exposição. Os resultados dos ensaios indicam que os maiores índices de degradação estão correlacionados com aqueles apontados pelas equações de IETP como os de menor permanência para o papel.
Abstract: In this study, paper samples were produced and naturally exposed to varying temperature and humidity conditions at two university libraries, located in Curitiba and in Caiobá, on the coast of Paraná state. The paper samples were produced with unloaded long- and short-fiber cellulose, without adhesives, in order to facilitate the analysis of the relationship between sample decay rate and natural ageing conditions at both libraries, relative to outdoors. The purpose of the research was to evaluate the relationship between paper decay rates and its preservation potential, by means of the preventive conservation index TWPI (Time Weighted Preservation Index), which quantify the effects of temperature and humidity on paper life expectancy. The samples were placed in naturally ventilated acrylic containers covered with UV film, whose openings were protected with activated charcoal so that temperature and humidity had the major effects on the paper samples. For outdoors, Stevenson screens were used, wherein the acrylic containers were placed. Climatic data were recorded with data loggers and the paper samples were tested with regard to physical and chemical changes before and after a 12- and a 24-month natural exposure. Results indicate the largest decay rates for the samples with the shortest life expectancy according to TWPI estimates.
PalaVras-CHaves: Conservação preventiva. Parâmetros higrotérmicos. Conservação de papel.
Key-words: Preventive conservation. Hygrothermal parameters. Paper conservation.
1 * Possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Católica de Petrópolis (1989), mestrado em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993), doutorado em Arquitetura pela Universität Hannover, Alemanha (1998), pós-doutorado na Ben-Gurion University of the Negev, Israel (2006), e estágio sênior (CAPES) junto à Glasgow Caledonian University, Reino Unido (2011). Atualmente é Professor Associado da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR. Atua na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Conforto Ambiental. 2 ** Mestre em Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (2012), Graduação em Letras pela Universidade Federal da Bahia (1995), especialista em Conservação e Restauração de Obras sobre Papel pela Universidade Federal do Paraná (1999), atuando principalmente nos seguintes temas: conservação e restauração de acervos bibliográficos, arquivísticos e obras de arte sobre papel.
Relação entre Índices de Preservação e Degradação de Amostras de Papel Expostas a Condições Naturais
Introdução
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Apesar de sua importância, grande parte do patrimônio histórico e cultural não encontra boas condições de armazenagem e disponibilização em bibliotecas, arquivos e centros de memória. A preservação de obras em papel, em clima brasileiro, representa um grande desafio já que as altas taxas de temperatura e umidade catalisam os processos de degradação química e favorecem as infestações de fungos e insetos xilófagos que se alimentam dos materiais (CANEVA; NUGARI; SALVADORI, 1991). Para que a preservação dos acervos seja realizada de forma ampla e eficaz, é necessário conhecer as principais causas de degradação dos materiais e possíveis formas de controle desses agentes, de maneira que tais soluções possam ser mantidas ao longo do tempo, independentes das mudanças orçamentárias ou administrativas. A Conservação Preventiva (REUNIÃO TRIANUAL DO ICOM, 2008;THOMSON, 1986; GUICHEN, 1995) busca evitar ou retardar os efeitos dos agentes de degradação e prolongar a vida das obras para que sejam preservadas para o futuro. Dentre as múltiplas causas de degradação de coleções em papel estão a taxa de variação de temperatura e umidade no ambiente de guarda (THOMSON, 1986), sobretudo em climas como o do Brasil, onde temperatura e umidade internas elevadas aceleram as reações químicas de degradação da celulose, tornando o material suscetível a danos provocados por infestações por fungos e insetos xilófagos. Isso é exacerbado, nos acervos brasileiros, pela falta de recursos das instituições para um controle térmico interno permanente. Além disso, muitos acervos são instalados em edificações pouco ou mal adaptadas para tal (TEIJGELER, 2007). No caso do presente trabalho, optou-se pela exposição natural das amostras (versus envelhecimento acelerado em estufas). A importância de se comparar resultados em meio natural aos de ambiente controlado é ressaltada por Wilson e Parks (1980), os quais citam diversos trabalhos com envelhecimento acelerado e um estudo basilar sobre envelhecimento natural conduzido pelo National Bureau of Standards, no qual se observou a degradação de papeis ao longo de 36 anos de exposição natural. A hipótese norteadora desta pesquisa é que o microclima interno das edificações que abrigam coleções em papel é capaz de catalisar as reações químicas de degradação no papel, diminuindo seu índice de permanência. A partir disso, o objetivo geral da pesquisa foi o de avaliar o impacto das condições higrotérmicas em coleções em papel, por meio de medições dos parâmetros de temperatura e umidade relativa e da exposição de corpos de prova a quatro exposições distintas, dentro e fora de bibliotecas universitárias. O objetivo tratado no presente estudo é investigar a relação entre taxa de degradação (especificamente, a degradação química quantificada por meio de ensaios de viscosidade) de amostras de papel e o índice de Permanência e Efeito Tempo de Preservação (IETP), verificados após 12 e 24 anos de exposição natural permanente nesses locais. O método das Isopermas, criado por Sebera (2001) fornece a estimativa de quanto tempo seria necessário para que materiais orgânicos vulneráveis se deteriorassem, sob determinadas condições de temperatura e umidade relativa, quantificando os efeitos desses dois parâmetros ambientais para a avaliação da vida útil de uma coleção. Graficamente, o conjunto de pares de temperatura e umidade relativa é associado a um valor correspondente de permanência (linha de permanência constante ou isopermanência, ou, abreviadamente “isoperma”). Esta estima a expectativa de vida (permanência) de um acervo em papel e limita-se às reações químicas de hidrólise e oxidação da celulose, responsáveis por 90% dos processos de degradação do papel (SEBERA, 2001). A isoperma com valor igual à unidade representa uma condição de acervo com temperatura de 20º C a
Eduardo L. Krüger, Clara Landim Fritoli
50% de umidade relativa do ar, na qual amostras em papel teriam um período estimado de permanência de 45 anos. Se esse mesmo acervo tivesse suas condições ambientais de armazenamento alteradas para uma isoperma de valor 5, isso traria como consequência quintuplicar a expectativa de vida da coleção (SEBERA, 2001). O índice de permanência (IP) é dado em anos e tem como padrão de referência as condições citadas de temperatura (T = 20º C) e umidade relativa (UR = 50%), (situação de referência onde IP = 1), com um tempo de permanência médio de 45 anos para o papel. O IP pode ser calculado de acordo com a seguinte equação: (1) Onde: P2 = estado de permanência final; P1 = estado de permanência inicial; UR1 = umidade relativa inicial (%); UR2 = umidade relativa final (%); T1 = temperatura inicial (ºF); T2 = temperatura final (ºF); ΔH = energia de ativação – para papel de polpa química de madeira branqueada, 31 kcal/mole, segundo Reilly et al. (2001).
O efeito cumulativo da combinação de umidade relativa e temperatura e suas variações ao longo do período monitorado sobre a taxa de deterioração química total pode ser obtido por meio do IETP, ou Índice Efeito-Tempo para Preservação (REILLY et al., 2001), como aprimoramento do conceito das isopermas. A seguinte equação é utilizada para o cálculo do IETP, para intervalos de tempo com a mesma duração: (2) Onde n é o número total de intervalos de tempo, IETPn-1 é o valor do IETP após o intervalo de tempo n-1, e o IPn é o valor do IP medido no n-ésimo intervalo de tempo. Materiais e Métodos Os procedimentos adotados para coleta de dados incluíram as seguintes etapas: • Confecção de amostras de papel e detalhamento de sua constituição físicoquímica (Laboratório de Papel do Arquivo Nacional-RJ e Laboratório de Celulose e Papel do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, IPT-SP). • Montagem dos conjuntos com os corpos de prova para observações simultâneas e contínuas dos processos de degradação (temperatura e umidade relativa do ar por meio de dataloggers instalados dentro de cada conjunto). • Coleta de dados referentes às condições de temperatura e umidade relativa do ar e aos processos de degradação nos corpos de prova, resultantes de diversas condições de exposição, após os dois períodos de observação programados. • Análises físico-químicas dos corpos de prova (Laboratório de Celulose e Papel – Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT /São Paulo).
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Relação entre Índices de Preservação e Degradação de Amostras de Papel Expostas a Condições Naturais
• Análise dos dados do monitoramento higrotérmico, considerando os efeitos combinados de temperatura e umidade, por meio do índice IETP versus condições observadas de degradação nos corpos de prova. Na análise de dados, são adotados então três indicadores na comparação com as taxas de degradação observadas, quais sejam: o IETP, o percentual de tempo acima da temperatura de referência (20°C) e o percentual de tempo acima da umidade relativa de referência (50%). As amostras de papel foram confeccionadas no Laboratório de Papel do Arquivo Nacional (RJ), com celulose industrial branqueada, sendo um tipo de fibra longa e outro de fibra curta (pinus sp e eucalipto sp) sem aplicação de cargas ou outros aditivos, sendo 120 folhas de cada tipo medindo 10 x 25 cm, com gramatura aproximada de 60g/m². Foram 16 ensaios-testemunho (pré-exposição) de cada tipo de papel, perfazendo assim um total de 240 amostras testadas.A composição fibrosa das amostras de fibra curta é de fibras de folhosas, obtidas pelo processo químico por sulfato e a fibra longa é de fibras de coníferas, obtidas por processo químico. As séries de amostras foram acondicionadas em caixas de acrílico e submetidas a quatro formas de exposição: no setor de periódicos da biblioteca Central, Campus Curitiba (Figura 1a), em uma biblioteca universitária localizada em Caiobá, litoral paranaense (Figura 1b) e em ambiente externo às duas edificações, no qual, além da caixa de acrílico, foram usados abrigos meteorológicos, construídos de acordo com padrões da World Meteorological Organization (WMO). Nas quatro situações, as amostras de papel foram identificadas (fibra longa/fibra curta) e acondicionadas, juntamente com dataloggers, nas caixas de acrílico revestidas com manta de carvão ativado e com filtro UV. Nesse ambiente, as folhas de papel foram separadas por espaçadores em polietileno expandido e penduradas em fio de nylon no interior da caixa, permitindo ventilação permanente.
Fonte: UFPR.
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a)
b)
Figura 1: a) Planta Setor Periódicos, Curitiba; b) Planta Biblioteca Litoral (localização das amostras circulada)
Eduardo L. Krüger, Clara Landim Fritoli
O conceito adotado para construção da caixa de acrílico, apresentado por Diniz (2009), foi o de permitir que os fatores de temperatura e umidade do ar atuem nos corpos de prova sem maiores interferências, além de controlar a radiação luminosa e os poluentes externos. O material usado foi o acrílico transparente 4 mm, revestido com película de proteção solar. A caixa conta com grande área de ventilação, sendo que, para controle dos poluentes, adotaram-se mantas de carvão ativado, de eficiência comprovada na absorção de gases poluentes, com a filtragem dos poluentes do ar (THOMSON, 1986). Este elemento também colabora no controle da radiação luminosa no sistema por ser de cor preta e constitui quase toda a superfície da caixa. Nas bibliotecas, as caixas foram colocadas no alto das prateleiras, no centro do ambiente, sem barreiras no entorno que pudessem bloquear a ventilação natural das amostras em exposição. Curitiba, onde se localizaram as amostras “Curitiba- Biblioteca” e “Curitiba- Externo”, está situada a aproximadamente 910 metros acima do nível do mar, a 25,5°S. Pela classificação de Köppen, o clima é Subtropical Úmido, sem estação seca, com verão brando e geadas severas e frequentes no inverno. A média do mês mais quente é inferior a 22°C e a média do mês mais frio inferior a 18°C. Caiobá, onde se implantaram as amostras “Litoral- Biblioteca” e “LitoralExterno”, cerca de 110 km de Curitiba, possui clima Tropical Superúmido, sem estação seca e isento de geadas. A temperatura média do mês mais quente situa-se acima de 22°C e média do mês mais frio superior a 18°C. A proximidade do oceano diminui a amplitude higrotérmica, mantendo a taxa de umidade relativa alta durante a maior parte do ano. Os dados de temperatura e umidade relativa foram coletados e registrados de hora em hora, interna e externamente às bibliotecas por meio de registradores automáticos (LogBox-RHT e LogBox-RHT-LCD , da marca NOVUS, e, da marca HOBO, modelo U10-001) instalados junto aos corpos de prova. No litoral, contou-se ainda com uma estação meteorológica instalada no prédio da biblioteca para registro dos dados externos nos 12 primeiros meses. 1 Ensaios Físico-Químicos Os ensaios físico-químicos aplicados nas amostras foram realizados pelo Laboratório de Celulose e Papel do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, IPT. No caso deste artigo, analisamos a viscosidade dinâmica (mPa.s) pela NBR 7730 (ABNT, 1998). Para D’Almeida (1986), o valor da viscosidade de uma pasta celulósica é uma medida indireta do grau de polimerização médio das moléculas de celulose que constituem as fibras desta pasta. Conforme Klock (2005), a determinação da viscosidade é um método que indica o rompimento das ligações glucosídicas entre os polímeros da celulose. Esse rompimento depende das condições nas quais o papel está exposto, podendo se estender por toda a cadeia de celulose, razão pela qual essa reação é chamada de degradação da celulose (KLOCK, 2005). 2 Resultados O período de monitoramento ocorreu entre 14/07/2010 e 12/07/2012, englobando variações diárias e sazonais e, consequentemente, diferentes valores de IETP, os quais foram calculados ao término de cada período de exposição (Tabela 1).
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Relação entre Índices de Preservação e Degradação de Amostras de Papel Expostas a Condições Naturais
Tabela 1: Resumo dos dados monitorados e IETPs obtidos por período
Fonte: O autor.
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CuritibaBiblioteca
CuritibaExterno
Curitiba (∆T)
LitoralBiblioteca
LitoralExterno
Litoral (∆T)
T_mín (°C)
12.8
2.6
10.2
14.6
7.8
6.8
T_máx (°C)
32.9
35.3
-2.4 4
34.2
34.1
0.1
T_méd (°C) Amplitude (K) UR_méd (%) IETP
23.2
19.2
24.4
20.9
3.5 -
Relação Int/Ext
19.6 72 LitoralBiblioteca
26.3 87 LitoralExterno
Relação Int/Ext
0,66
0,25
0,40
0,63
Após 12 meses Após 24 meses
20.1 32.7 61 Curitiba- CuritibaBiblioteca Externo 0,38
0,58
(ou 17 anos) (ou 26 anos) 0,39 0,59 (ou 18 anos) (ou 27 anos)
0,66
(ou 11 anos) (ou 18 anos) 0,26 0,40
0,65
(ou 12 anos) (ou 18 anos)
Para Curitiba, quanto às temperaturas medidas, a média das diferenças internas às externas (∆T) mostra não haver amortecimento térmico para as temperaturas máximas. Os índices de temperatura e umidade são bastante elevados nos dois contextos, com maior variação das condições externas em Curitiba (amplitudes em grau Kelvin). Os índices IETP mostram, para ambos os casos, que os espaços externos ofereceriam potencialmente melhores condições para abrigar amostras em papel. A relação entre tempo de vida (ou IETP final) entre o espaço interno e o externo mostra tal fato em termos de um índice relativo (a unidade, no caso, mostraria um desempenho idêntico para os dois contextos, valores inferiores a 1 representam desempenho interno mais baixo). Quanto ao percentual de tempo acima dos padrões de referência da temperatura e umidade relativa, nos dois contextos, analisando-se a relação entre ambiente interno e externo, notou-se um pior desempenho para Curitiba, quanto à temperatura ambiente: enquanto o percentual de tempo com umidade relativa acima do padrão de referência é semelhante interna e externamente nos dois locais, o percentual de tempo com temperaturas excessivas é quase duas vezes maior que no ambiente externo, em Curitiba. Os resultados dos ensaios químicos nas amostras, antes e após 12 e 24 meses de exposição, são apresentados em percentual de variação em relação ao ensaio testemunho, ou seja, antes da exposição aos agentes de degradação. São apresentados apenas resultados significativos, quanto às variações observadas foram superiores que o máximo desvio padrão verificado em cada bateria de testes para fibra curta e fibra longa. A Figura 2 apresenta a variação na viscosidade após os dois períodos de exposição, com uma redução no valor inicial superior a 20% após doze meses, para todos os casos. Tais variações na viscosidade são resultantes da deterioração das cadeias de celulose. As maiores variações foram verificadas nas amostras expostas no litoral, onde o índice de redução chegou a 28% (externo) e 32% (interno) para as amostras de fibra curta.
Eduardo L. Krüger, Clara Landim Fritoli
(a)
165
Fonte: O autor.
(b)
Figura 2:Variação da Viscosidade (%) após 12 meses (a) e após 24 meses (b)
Relação entre Índices de Preservação e Degradação de Amostras de Papel Expostas a Condições Naturais
Discussão
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Supondo-se que os resultados dos ensaios de viscosidade estão, de alguma forma, correlacionados com os valores de IETP, os quais indicam a permanência das amostras em papel, comparou-se a variação da viscosidade das amostras e o valor do IETP. Essa relação torna-se menos clara quando se comparam variações na viscosidade dinâmica e os percentuais de tempo acima da temperatura de referência para temperatura3, sendo mais evidentes na relação com o IETP. Segundo Bicchieri ([2007?]), a degradação da celulose é um processo de natureza química, a despolimerização do material se manifesta em curto espaço de tempo e reflete a real degradação da celulose, diferentemente das propriedades mecânicas ou óticas que necessitam de um tempo maior para que possam ser verificadas. A partir da análise do IETP correlacionado com o ensaio químico de viscosidade dinâmica, a degradação ocorre de forma mais acelerada dentro das bibliotecas estudadas, comparativamente aos ambientes externos dos mesmos contextos pesquisados. Ao menos para Curitiba, o fato do ambiente interno ter um desempenho em termos de conservação de papeis inferior ao ambiente externo já foi constatado em trabalho anterior, este, porém, na Casa da Memória de Curitiba em arquivo de documentos (KRÜGER; DINIZ, 2011), no qual a relação IETP (interno/externo), de 0,49, foi ligeiramente inferior à da biblioteca em questão. As taxas de degradação, apresentadas em termos de viscosidade dinâmica, mostram uma redução em todos os casos, sugerindo ser este um processo irreversível, porém, notou-se uma variação maior ao término dos primeiros 12 meses, caindo então para o período completo de 24 meses. Uma explicação possível do comportamento não-linear da taxa de degradação ao longo do tempo de exposição natural se relaciona com as partes do papel que foram testadas, não necessariamente idênticas. A distribuição das fibras de cada papel pode ter interferido, desta forma, nos resultados encontrados. A Figura 3 apresenta fotomicrografias com ampliação de 200 vezes dos papéis produzidos com celulose de fibra curta e celulose de fibra longa. É possível constatar que as fibras são dispostas de forma bastante irregular na formação dos corpos de prova; as folhas de papel não são, desta forma, superfícies homogêneas, constituindo um arranjo estocástico de fibras, o que torna impossível obter-se o mesmo arranjo em toda a sua extensão. Em média, os resultados encontrados no litoral mostraram taxas de degradação ligeiramente maiores. No litoral, as taxas de temperatura e de umidade relativa, principalmente as de temperatura foram superiores às de Curitiba.As taxas de umidade relativa, porém, foram muito semelhantes nos dois contextos, fato que pode ter predominado na obtenção de taxas de degradação não muito diferentes em ambos os locais. Conforme Zou et al. (1994) e Michalski (2000), valores de umidade relativa superiores a 75% são responsáveis por um aumento substancial da taxa de degradação e formação de fungos. A partir dos resultados agrupados de todas as situações, se obtiveram as correlações entre degradação observada após 12 e 24 meses e os valores de IETP para cada período assim como os totais percentuais com temperatura e umidade relativa ambiente acima dos valores recomendados, para cada caso. A consideração do IETP traz consigo algum ganho do valor de correlação, mas este é, em geral, muito baixo (r=0,28 para o IETP, r=-0,22 e r=-0,26 para % T > 20 °C, UR > 50%, respectivamente. Quanto às tendências de cada série (IETP, % T > 20 °C, UR > 50%), essas são contrárias ao que se esperaria: maiores variações (reduções, neste caso) da viscosidade estão positivamente correlacionadas com a longevidade das amostras, expressa em IETP, e negativamente com taxas elevadas de temperatura e umidade relativa nos ambientes. Novamente, a distribuição das fibras de cada papel pode ter interferido nesses resultados. 3 Os percentuais acima da umidade recomendada mostraram diferenças pouco significativas.
Eduardo L. Krüger, Clara Landim Fritoli
(a)
Fonte: Laboratório de Celulose e Papel – Instituto de Pesquisas Tecnológicas.
167
(b)
Figura 3: Fotomicrografia da amostra em fibra curta (a) e fibra longa (b) (Imagens produzidas no Laboratório de Celulose e Papel – Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT /São Paulo)
Relação entre Índices de Preservação e Degradação de Amostras de Papel Expostas a Condições Naturais
Uma solução passível de utilização para minimizar a influência de fragmentos das folhas de papel, a ser testada em futuras análises, consiste no procedimento adotado no Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, na retirada de amostras para ensaios de resistência mecânica, uma vez que esses ensaios podem ser influenciados pela diferença de gramatura entre as amostras comparadas. Com a aplicação dessa metodologia, as amostras viriam de uma mesma região da folha. A Figura 4 indica que, para o ensaio testemunho, poderiam ser usadas as seções 1a a 8a e as amostras 1d a 4d e 5d a 8d da mesma folha seriam doravante analisadas em dois outros ensaios, ensaio 1 e ensaio 2 (ou controle e teste). Nesse procedimento para retirada de amostras, podem-se usar os números de folhas que forem necessários para compor os pares de amostras (a e b) para todos os ensaios. Pois sempre a amostra “Xa” será de região vizinha de “Xb”. Como as amostras retiradas são da mesma região, minimiza-se o problema da formação da folha.
Fonte: Laboratório de Celulose e Papel – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
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Região da folha de papel
Região da folha de papel
5d
1d
5a
2a
2d
6a
6d
3a
3d
7a
7d
4a
4d
8a
8d
1a
1
1
Figura 4: Esquema de retirada das amostras para testemunho e primeiro ensaio físico (Laboratório de Celulose e Papel – Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT /São Paulo)
A partir dos dados de IETP, concluiu-se que os níveis de permanência do papel diminuem no ambiente interno de ambas as bibliotecas. Os índices de preservação são mais elevados no ambiente externo e maiores em Curitiba, em razão de seus períodos frios mais intensos e prolongados que no litoral paranaense. Com base nos resultados obtidos, conclui-se que os resultados dos índices IETP nos contextos climáticos estudados apresentam alguma correlação com os ensaios químicos realizados. Entretanto, ao se levar em conta todos os ensaios e índices IETP levantados, as correlações se mostraram fracas e não condizentes com os resultados esperados, não tendo assim potencial preditivo. Agradecimentos Aos colegas do Arquivo Nacional e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, pela colaboração na pesquisa, à CAPES e ao CNPq, pelo apoio financeiro. Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 7730: pasta celulósica: determinação da viscosidade em solução de cuproetilenodiamina (CUEN) com viscosímetro do tipo capilar. Rio de Janeiro, 1998. BICCHIERI, M. Chimica della celullosa e metodi di studio della sua degradazione. In: PLOSSI, Mariagrazia; ZAPPALÀ, Antonio (Coord.). Libri e documenti: le scienze per la conservazione e il restauro. [S.l.]: Ed. Della Laguna, [2007?]. (Bi-
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Artigo recebido em dezembro de 2013. Aprovado em fevereiro de 2014
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UMA LECTURA DE LA COLECCIÓN DE GRABADOS DEL MUSEO DE ARTE MODERNO DE BUENOS AIRES Silvia Dolinko1*
ResumEM: Este artículo propone una lectura sobre la colección de grabados del Museo de Arte Moderno de Buenos Aires (MAMBA), iniciada en 1960. En esos tiempos, un nuevo grabado tuvo creciente visibilidad en el campo porteño, en un marco de renovación institucional en el que se inscribe la propia conformación y consolidación del museo.A través del análisis de las obras de Antonio Berni, Luis Seoane, Liliana Porter, Juan Carlos Romero particularidades de esa vasta colección gráfica de uno de los principales museos de la Argentina.
PalaBras-CLaves: Grabado. MAMBA. Colección. Experimentación
Abstract: This article proposes a reading on the collection of prints from the Museum of Modern Art in Buenos Aires (MAMBA), initiated in 1960. At that time, a new engraving was growing visibility in the Buenos Aires countryside, in the context of institutional renewal. that the formation and consolidation of the museum itself is inscribed. Through the analysis of the works of Antonio Berni, Luis Seoane, Liliana Porter, Juan Carlos Romero and Antonio Seguí, among other artists, this paper intends to account then the particularities of this vast collection of graphic one of the leading museums Argentina. tugal, since the nineteenth century. Key-words: Print. MAMBA. Collection. Experimentation
1 * Doctora en Historia y Teoría del Arte por la Universidad de Buenos Aires. Investigadora del Conicet. Profesora titular de Arte argentino y americano del siglo XX en la Maestría en Historia del Arte Argentino y Americano del Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional de San Martín (IDAES/UNSAM) y docente de Metodología de la Investigación en la Licenciatura en Artes de la Facultad de Filosofía y Letras de la UBA. (silviadolinko@gmail.com).
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En 1968 se llevó a cabo en el Museo de Arte Moderno de Buenos Aires (MAMBA) un concurso de grabado argentino contemporáneo. Dando cuenta de ese convulsionado momento del campo artístico, en el que también esa práctica era sometida a revisiones y experiencias radicalizadas, Hugo Parpagnoli -entonces director del museo- se refería en el catálogo de esa exposición a la particular dinámica de apertura y sujeción técnica del grabado en función de sus límites disciplinares. Parpagnoli planteaba a dicho métier en contraste respecto de la discusión sobre los parámetros de la producción plástica y de la desmaterialización del objeto artístico en esos tiempos; frente a la “muerte de la pintura”, planteaba que el grabado: cada día se difunde más. Es cierto que algunos grabadores se presentan a salones y concursos con obras tridimensionales, móviles y quizá con sonido. Estas son experiencias interesantes que exigen una consideración especial por parte de la crítica pero que no consiguen romper los límites del arte del grabado tal como hizo la pintura con sus propios límites. ¿Por qué? Porque aún en esas experiencias se conserva ya sea la técnica de la incisión ya sea la de la impresión. Esto es esencial para que haya grabado y es, al mismo tiempo, el freno subjetivo y objetivo que tiene el grabado para que la expresión de su mundo sea moderada y reforzada por una rígida disciplina que no cede sus derechos ni aún en las épocas como la nuestra de revisión de todos los valores.2
Más allá de la coyuntura específica que mencionaba este texto, cabe señalar que una oscilación entre la experimentación y la revisión de la tradición signó al grabado a lo largo del siglo xx (Dolinko, 2012). Junto con la práctica de modalidades de impresión históricas —xilografía, aguafuerte, litografía—, la incorporación de otras posibilidades y recursos técnicos redundó en la conformación de una gráfica expandida respecto de los parámetros ortodoxos. La redefinición de búsquedas estéticas y procedimientos en las cíclicas aperturas disciplinares se articularon con una renovada comprensión del grabado como producción autónoma —cristalizada desde mediados de siglo bajo el concepto de grabado original (Dolinko, 2009 b: 165-194)— y con un creciente reconocimiento en el campo artístico. Manteniendo su característica de imagen impresa que desde su inherente multiejemplaridad posibilita un mayor acceso a la producción artística, la práctica del grabado fue tomando distancia de su tradicional función de ilustración literaria o de propagación de discursos de denuncia social que lo anclaran en un exclusivo discurso figurativo o narrativo, afirmándose como imagen artística tout court: esta obra múltiple era, entonces, un arte moderno (Dolinko, 2009 a). Esta idea del grabado del siglo xx como un arte autónomo en relación con el proceso de su validación simbólica provee una de las claves para la lectura aquí propuesta sobre esta particular colección del MAMBA, que incluye más de un millar de obras. Desde fines de los años cincuenta se produjo en la Argentina una apertura a la experimentación gráfica en relación con una progresiva legitimación de la disciplina. Un nuevo grabado tuvo creciente visibilidad en el campo porteño, en un marco de renovación institucional (Giunta, 2001) en el que se inscribe la propia conformación y consolidación de este museo. Es significativo, en este sentido, que el núcleo que en 1960 inició la colección de grabados del MAMBA corresponda a la obra de muchos de los artistas argentinos de distintas generaciones que en esos años contribuían a que esta disciplina fuera comprendida en función de su valor como obra gráfica muchas veces heterodoxa respecto de sus, hasta entonces, rígidos códigos técnicos e iconográficos. 2 Hugo Parpagnoli, presentación del Primer Salón Swift de Grabado 1968 (Museo de Arte Moderno, Buenos Aires, septiembre de 1968).
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En este corpus inicial se suceden manchas informales en la obra de Alberto Greco, Zygro o Mabel Rubli, impresiones sin tinta y papeles troquelados en los gofrados de Fernando López Anaya, texturas y gestos expresivos en las estampas de Albino Fernández, Fernando Maza o Alda Armagni, e imágenes abstractas en la gráfica de numerosos artistas contemporáneos. Dominado durante décadas por la figuración narrativa, el grabado incorporó como recurso “válido” a la abstracción geométrica sólo a mediados de los años cincuenta, cuando esta poética resultaba dominante en la valoración de las instancias de consagración del campo local (García, 2011). Muchas de las obras que integran esta colección de grabados del MAMBA dan cuenta de esas exploraciones en relación con las variables de la geometría, desde las tempranas serigrafías de Manuel Álvarez, Simona Ertan, Sameer Makarius y Gregorio Vardánega, pasando por las de Clara Ferrari, Jorge González Mir, María Juana Heras Velasco o Juan Melé hasta las más recientes de Irene Weiss o María Suardi. Incluso a principios de los años sesenta,Víctor Rebuffo, uno de los principales referentes del grabado social en Argentina desde hacía varias décadas, exploraba en sus xilografías con las texturas de la madera y la composición sintética, cuasi abstracta, dominada por el ritmo de formas y líneas como en La vidala del Culampajá, donde en 1961 retomaba su imaginario sobre el noroeste argentino que lo había consagrado décadas atrás.3 Junto con Rebuffo, Pompeyo Audivert fue otro de los nombres relevantes dentro de la tradición del grabado en la Argentina, destacado desde los años veinte por su obra demarcada por el sesgo ortodoxo de la disciplina. Sin embargo, a principios de los años sesenta también desarrolló una gráfica experimental a partir de su exploración con nuevos soportes y recursos visuales que en algunos casos redundaron en imágenes informales. La colección del MAMBA incluye un importante conjunto de estampas de Audivert que abarca una producción de cinco décadas. Este corpus permite dar cuenta de la obra inicial del artista, como las xilografías de mujeres de líneas estilizadas y resolución sintética, las imágenes realizadas para el libro Molino Rojo del poeta Jacobo Fijman (fig. 1) —uno de los pocos casos, dentro de esta colección, de grabados destinados a la ilustración literaria—, como así también sus estampas de gran tamaño de la serie del Vía Crucis de 1929, hasta llegar a las impresiones policromas de la década del sesenta realizadas a partir de “técnicas mixtas” y lenguajes expresivos cercanos a la pintura gestual del momento. A la vez, cabe destacar dentro de este conjunto de Pompeyo Audivert sus emblemáticas obras de corte social de los años treinta, protagonizadas por figuras macizas resueltas desde una cuidada organización formal a partir del contraste del blanco y negro propio de la impresión en relieve y de una dinámica estructura de tramas lineales, como en el caso del afiche realizado para la revista Unidad, por la defensa de la cultura, órgano de la antifascista Agrupación de Intelectuales, Artistas, Periodistas y Escritores (AIAPE), o en la imagen de un obrero que empuña una maza en el linóleum Nervio (ambos de 1937). Esta última obra fue incluida en la portada del catálogo diseñado por Alfredo Benavídez Bedoya para la exposición El grabado social y político en Argentina, realizada en el MAMBA en 1992. Si a través de la obra de una treintena de artistas —entre los que se contaban Carlos Alonso, Américo Balán, Aída Carballo, Ricardo Carpani, Roberto Páez, Sergio Sergi, Lino Enea Spilimbergo— y desde un amplio recorte cronológico, esa muestra constituyó una significativa revisión sobre el tema del grabado social argentino, ese espacio otorgado en el catálogo a Audivert remarcaba su lugar preponderante dentro de la tradición de la gráfica comprometida en nuestro país. 3 Esta estampa fue una de las primeras incorporadas por Rafael Squirru para la colección de grabados del MAM; el entonces director de la institución la adquirió en ocasión de la retrospectiva de Rebuffo en las Salas de Exposición del Concejo Deliberante de Buenos Aires. “Muestra retrospectiva de Víctor L. Rebuffo”, Histonium, Buenos Aires, año XXI, número 267, agosto de 1961.
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Fonte: autora
Fig. 1. Pompeyo Audivert, Molino Rojo, 1924, fonte: autora.
Fig.2. Antonio Seguí, La plaine blanche, aguafuerte-aguatinta, 1978;
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Existen otros dos extensos conjuntos de grabados de artistas argentinos que sobresalen en esta colección: los de Luis Seoane y Antonio Seguí. Ambos, con carreras desarrolladas “de mar a mar” —Seoane entre Argentina y Galicia, Seguí entre Argentina y Francia— en las que desplegaron una vasta producción atravesada por sus respectivas miradas sobre tipos “universales” y prácticas locales; ambos, artistas polifacéticos cuya particular indagación sobre el grabado parte de una similar concepción de la obra seriada, entre el anclaje en las modalidades convencionales y sus ajustes y revisiones en función de la materialización y circulación extendida de una imagen propia. Las más de cuatrocientas estampas de Seguí que forman parte del patrimonio del MAMBA dan cuenta de su prolífica producción gráfica, al incluir grabados realizados desde 1948 hasta la actualidad. No sólo se trata del más extenso conjunto de obra de un artista que posee este museo —tanto en términos cronológicos como cuantitativos—, sino que constituye la mayor colección de obras de Seguí en una institución. A partir de distintos modos de impresión, el artista multiplica desde hace más de seis décadas su reconocible imaginario sobre el hombre urbano que opera a modo de narración visual sobre personajes y situaciones sociales: un corpus caracterizado por Damián Bayón como un “Castigat ridendo mores (Corrige las costumbres, riéndote de ellas), divisa universal de la comedia humana” (Bayón, 1993). El impacto del lenguaje de la historieta se pone en evidencia en la obra de Seguí de los años sesenta, en la que se destacan sus aguafuertes sobre militares representados en forma mordaz; allí, la idea de imagen plural que se desprende del grabado aparece implicada en varios sentidos, ya que las figuras de los uniformados no sólo conforman una de las primeras series gráficas del artista, sino que también son multiplicadas dentro de una misma obra: con esta serie dentro de la serie, Seguí alude con trazo caricaturesco a la omnipresente injerencia militar en esos años. También desde mediados de esa década comienza a realizar fotolitografías relacionadas con el pop en términos de su resolución formal y su apelación al imaginario de los medios de comunicación y de la cultura de masas, en las que también inserta personajes de la política del momento. Seguí desarrolla allí una narrativa satírica sobre la sociedad de consumo contemporánea a partir de la articulación de planos de color netos y clisés fotográficos, imágenes de Nixon, Stalin, Kennedy o Mao y sonrientes modelos publicitarias, carteles con distintas tipografías, objetos diversos y tramas geométricas que aluden al op. Muchas de estas obras fueron incluidas en la exposición de setenta dibujos y grabados que Seguí expuso en el MAM en 1972, que dieron cuenta de su producción desarrollada en Francia en esa década. El humor, el cromatismo brillante y la composición dinámica de la obra de Seguí de los años sesenta muta a mediados de la siguiente década en imágenes más “reconcentradas” de clima enigmático, como en la serie Elefantes en la Pampa, en la que conjuga las pesadas figuras de los animales con un hombre de espaldas, a veces frente a un muro y otras ante la inmensidad de la llanura. También en el conjunto de aguafuertes La plaine Blanche (1977) (fig. 2), entre habitaciones cerradas y planicies vacías, Seguí propone una imagen de la ausencia a partir de una resolución ascética y en blanco y negro. Desde los años ochenta, junto a sus recreaciones del “paisaje humano” cordobés, una gran proporción del corpus gráfico de Seguí está dedicado a sus característicos personajes urbanos multiplicados en situaciones y escenas grupales; en estrecha relación con sus series gráficas, el artista también desarrolla este imaginario en otros soportes por los que transita su obra: pinturas, relieves, afiches.
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Luis Seoane también realizó una vasta obra en la que indagó en distintas modalidades técnicas, aunque se centró especialmente en la xilografía; a la vez, exploró tempranamente con las posibilidades del estarcido y la serigrafía como una particular relectura de las formas populares de multiplicación de imágenes. Su producción apuntó a reformular desde el lenguaje de la modernidad los criterios de representación del imaginario localista gallego y argentino –sus dos horizontes geográficos y culturales-, manteniendo a la vez una activa mirada sobre la cultura occidental en tanto matriz simbólica “universal” (Dolinko, 2006).4 En 1971, el MAM organizó una muestra retrospectiva de doscientos grabados de Seoane: después de años de asidua presencia en el circuito de galerías de arte, una institución oficial argentina otorgaba por primera vez un significativo espacio a su obra.5 Luego de la exposición, el artista donó al museo los grabados allí exhibidos. Este conjunto incluye desde sus tempranas escenas de tauromaquia de Eh! Los toros (1942) —destacadas en su momento por el escritor Guillermo de Torre por su aporte a la “rehabilitación” de la xilografía—6 y las imágenes de líderes gallegos en las luchas populares como Ruy Xordo (1944), hasta sus figuras arquetípicas como el pescador o la campesina, elecciones iconográficas que reafirman algunos aspectos de las raíces populares de la producción de Seoane, interpretadas desde recursos modernos. Asimismo, se encuentran en esta colección sus estarcidos de mediados de los años cincuenta, realizados a partir de sintéticos planos de color saturado y líneas gruesas impresas con témpera. También, sus xilografías experimentales con collage desarrolladas desde fines de esa década. Junto a algunas composiciones abiertamente abstractas (fig. 3), Seoane representó en estos grabados en madera a mendigos, guerreros, hechiceras, danzarinas o gauchos, entre otras figuras. Al recurrir a un lenguaje formal sintético que articulaba colores, texturas y elementos diversos agregados a la madera de base para la impresión (como bandas de cinta adhesiva y pegamento sintético), Seoane proponía un juego visual entre representación y disolución, entre figura y materia, donde las imágenes aparecen muchas veces esbozadas, casi sobrepasadas por los planos de las tintas de colores vibrantes o por las rugosidades, nudos y vetas de la superficie de la madera en tanto significantes expresivos. Con estas xilografías-collage modernistas, Seoane proponía una clara variante, tanto en el sentido técnico como en el de las imágenes que presentaba, respecto del registro ortodoxo del grabado en madera en función de la ilustración literaria, un tipo de práctica que, a la vez, el artista continuó desplegando contemporáneamente, tal como se pone en evidencia con sus estampas para Sobre los ángeles, de Rafael Alberti, Llanto para Ignacio Sánchez Mejía de Federico García Lorca, El diario poético de Miguel de Unamuno o los 32 refranes criollos publicados por Eudeba, que también se encuentran en el patrimonio gráfico de este museo.
4 Seoane nació en 1910 en Buenos Aires, en el seno de una familia gallega inmigrante. De muy niño, vivió en Galicia, donde se formó profesionalmente; con el estallido de la Guerra Civil Española, retornó a Argentina y desde entonces y hasta su muerte, en 1979, desarrolló sus actividades desde ese doble anclaje cultural y nacional. 5 Con anterioridad, sólo una vez había expuesto individualmente en un espacio oficial argentino, con su muestra en el Museo Municipal de Bellas Artes Dr. Genaro Pérez de la ciudad de Córdoba. Posteriormente, el Museo de Arte Moderno de Buenos Aires ha organizado exposiciones de la obra gráfica de Seoane en distintas ocasiones: 1978, 1983, 1988, 2000 y 2010. 6 Sur, Buenos Aires, año XII, número 97, octubre de 1942, pp. 112-113.
Fonte: autora
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FIg.3. Luis Seoane, DiĂĄlogo con signos andando, xilografĂa con collage, 1958;
Fonte: autora
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Fig.4. Antonio Berni, Ramona vive su vida, 1963
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El MAMBA también posee una obra de Antonio Berni que resulta emblemática respecto de la contemporánea redefinición de la histórica xilografía: Ramona vive su vida (fig. 4), una de las estampas de la primera serie sobre el personaje Ramona Montiel desarrollado por ese artista argentino desde el año 1962. En ese conjunto sobre la joven prostituta y sus “amigos”, Berni exploró la conjunción de la xilografía, el collage de elementos heterogéneos —unificados a partir de la impresión monocromática— y el leve relieve del papel por la presión de la prensa sobre éste. El artista daba cuerpo al personaje y su entorno a partir de objetos propios de la sociedad de consumo: manteles de plástico que imitaban encajes —un material contemporáneo que simulaba o traducía a un soporte barato cierta idea de refinamiento o de lujo—, botones recargados, recortes de metal perforado con máquinas industriales, piezas metálicas de mecano, marcos de diapositiva. En el caso de Ramona vive su vida, la protagonista de la serie aparece representada sola, en el interior de una habitación donde se perfila algún mueble, la decoración de un friso y una lámpara de aire picassiano debajo de la cual cuelga una foto del célebre cantante de tangos Carlos Gardel; la presencia de la imagen del cantante —surgida de un clisé metálico de fotograbado incluido en la matriz de madera— alude a los posters y fotos de los ídolos de masas impresas de forma industrial, introduciendo así una alusión a la cultura popular. Esta obra formó parte de la exposición de Berni en el MAM en agosto de 1963, la cual estuvo integrada por treinta estampas y tres tacos xilográficos o matrices.7 La primera muestra de grabados del artista llevada a cabo en esta institución8 conmocionó la escena porteña. Además del impacto que producía el gran tamaño de las estampas y las imágenes de la serie de xilocollages de Ramona Montiel y sus “amigos”, intervino otro factor simbólico: se trataba de la presentación en Buenos Aires de las xilografías sobre Juanito Laguna distinguidas en la Bienal de Venecia de 1962 con el Gran Premio en Grabado y Dibujo, y que el público porteño había conocido hasta ese momento solamente a través de reproducciones en la prensa. Según Parpagnoli, la muestra “implicaba la bienvenida que le daba Buenos Aires al gran artista argentino después de su actuación de resonancia mundial”.9 El éxito de Berni en la Biennale resulta el caso más resonante de los artistas argentinos que participaron en distintos escenarios internacionales dedicados en esos tiempos a la disciplina. Como punto destacado dentro de un dinámico circuito de exhibición internacional, artistas de las más variadas procedencias geográficas también encontraron en el MAM un ámbito expositivo recurrente. La sucesión de muestras de gráfica internacional, iniciada en los años sesenta con exposiciones procedentes de Chile, Holanda y Brasil,10 7 La exhibición de las matrices para la impresión resultaba un hecho anómalo para los criterios del momento, pues se consideraba que “la obra” era la estampa en sí, y no el soporte que la originaba. La presentación de los tacos con collage remarcaba la originalidad y el virtuosismo técnico del procedimiento creado por Berni. 8 En 1999 se volvió a presentar en el MAMBA un destacado y más extenso conjunto gráfico de Berni, luego exhibido en otros espacios museográficos. 9 “Berni en el Museo de Arte Moderno”, La Prensa (Buenos Aires) (7-8-1963). Sobre los grabados de Antonio Berni, cf. Dolinko (2012). 10 Pinturas y grabados chilenos de hoy (1962) incluyó, entre otros, estampas de Nemesio Antúnez, José Balmes, Gracia Barrios, Roser Bru, Dinora Doudchinsky, Julio Escámez y Juan Bernal Ponce; Grabadores contemporáneos de Holanda (1963) presentó, por ejemplo, a Karel Appel, Corneille, Anton Heyboer, Ger Lataster, Pierre van Soest y Carel Visser; muchas de las obras allí presentadas pasaron luego a formar parte del patrimonio del museo. En la muestra Artistas brasileños contemporáneos (1966) hubo obra gráfica de Edith Behring, Roberto De Lamonica, Anna Bella Geiger, Rossini Pérez, Arthur Luiz Piza, entre otros.
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fue especialmente fluida en las dos décadas siguientes con la presentación de conjuntos de grabados rumanos, polacos, australianos, norteamericanos, alemanes, húngaros, daneses, holandeses, suizos, israelíes, japoneses, italianos, chinos, búlgaros. En 1988 se realizó la exposición Buenos Aires-Praga-Buenos Aires, punto de origen para la donación de un importante y variado conjunto de grabados realizados en esa década por artistas checoslovacos; este corpus, heterogéneo desde el punto de vista de sus vertientes iconográficas y expresivas, aparece unificado por la común destreza de realización de los numerosos artistas y su dominio de las diferentes técnicas gráficas, especialmente en el grabado sobre metal. Dentro de las exposiciones individuales de artistas extranjeros llevadas a cabo en la institución es importante destacar las del paraguayo Carlos Colombino (en 1969), el norteamericano Robert Rauschenberg (en 1977), la brasileña Fayga Ostrower (en 1986), el francés Pierre Soulages (en 1989), el alemán Joseph Beuys (en 1993) o el español Antoni Muntadas (en 1997 y 2002), entre otras. Las fotoserigrafías de Muntadas como Brasil… tudo bem, tudo bom I (1999) o aquella correspondiente a la serie Portraits (1995) —fragmento de rostro que posibilita un fluido diálogo visual con la contemporánea estampa Phil Spitbite en la que Chuck Close reedita la imagen de Philip Glass— corresponden a las obras de artistas extranjeros más recientes dentro de esta colección del museo. Junto a los numerosos grabados procedentes de Europa del Este, se destaca en este apartado la obra gráfica de artistas ligados al modernismo europeo del siglo xx. Los nombres de Kandinsky, Picasso, Léger, Arp, Bill, Corneille, Herbin, Hartung, Vasarely, entre otros, se suman al patrimonio del museo a través de sus aguafuertes, serigrafías y, sobre todo, litografías. Resulta significativo que tantos artistas destacados del siglo pasado abrevaran en la experiencia gráfica. Tanto por el impulso dado por los ateliers como por la acción de galerías de arte especializadas, las estampas de estos artistas —más accesibles, tanto en términos económicos como materiales, debido al soporte de papel de fácil traslado— circularon en forma fluida entre distintos países especialmente a partir de los años cincuenta, y forman parte de distintas colecciones que se iniciaron o consolidaron en esos tiempos de un progresivo afianzamiento de la sociedad de consumo. En esos mismos años, el grabado argentino comenzó a incorporarse en forma progresiva a la oferta de las galerías de arte locales. Éstas eran un nuevo espacio de visibilidad para este tipo de producción respecto de una tradición local construida desde las primeras décadas del siglo xx, en la que las vías de circulación más afianzadas resultaban los Salones oficiales —en sus diferentes modalidades: nacional, provinciales, municipales— que brindaban premios para la disciplina, y los concursos organizados por distintas agrupaciones como la Sociedad de Acuarelistas y Grabadores o la Sociedad Argentina de Artistas Plásticos. Otro espacio de circulación novedoso desde la posguerra fue el de los certámenes internacionales; tanto en el caso de muchos artistas argentinos como de otros países, su obra gráfica también se difundió y obtuvo “beneficios simbólicos” a partir de la exhibición y premiación en este circuito. Si entre los reconocimientos asignados en la Bienal de Venecia se encontraba un premio para esta especialidad,11 también desde la posguerra se articuló un circuito de concursos dedicados exclusivamente al 11 Obtenidos, por ejemplo, por Miró o Chagall, artistas presentes en esta colección del MAMBA a través de litografías.
Silvia Dolinko
grabado, como las pioneras Bianco y Nero en Suiza desde 1950 o la Bienal de Ljubljana iniciada en 1955, las bienales desarrolladas en Latinoamérica —Santiago de Chile, San Juan de Puerto Rico, Cali—, o las de Bradford o Florencia iniciadas en 1968. Precisamente en ese año se desarrollaron en Buenos Aires certámenes de grabado que daban cuenta del impulso que había cobrado esta producción en el campo local, como la Primera Bienal Internacional de Grabado organizada por el Club de la Estampa de Buenos Aires —agrupación de la cual el MAMBA también posee materiales en su patrimonio: una carpeta de litografías y xilografías— o la primera edición del Salón Swift, patrocinado por el frigorífico de capitales norteamericanos. Precisamente, este museo fue escenario para dicha competición de obras de la nueva generación de grabadores.12 Un ejemplo del sentido experimental puesto en juego en algunas propuestas gráficas de esos momentos lo proporciona Swift en Swift de Juan Carlos Romero, ganadora del premio mayor en el Tercer Salón Swift (1970) y presentada en el MAM. En momentos en que la empresa auspiciante del certamen realizaba masivas suspensiones de sus empleados y obreros, Romero denunciaba a partir de un enfoque conceptual la violenta acción patronal: desde una selección de párrafos de Los viajes de Gulliver de Jonathan Swift que aludían a la destrucción y los mecanismos de dominación del poder, refería al conflicto en que se encontraban sumidos los obreros. Las frases que conforman la obra están presentadas como un continuum textual estarcido sobre extensos papeles de afiche publicitario (Dolinko, 2012; Romero, Davis y Longoni, 2010). Esta obra marcó el inicio de un crescendo del aspecto político en la obra de Romero, quien continuó indagando en esta línea, por ejemplo, en su instalación de 1973 Violencia en el CAYC dirigido por Jorge Glusberg, en donde trabajó a partir de diversos soportes de la gráfica masiva, y para la cual realizó carteles en offset con la palabra “violencia”. También Marie Orensanz realizó con esta modalidad de impresión los afiches que conformaron la instalación La Gallareta, realizada junto con Mercedes Esteves en 1969. El museo posee en su colección uno de esos afiches “originales” realizados por Orensanz, a la vez que también un ejemplar de la impresión offset que Romero, revisitando su propuesta setentista, editó en 2000 y presentó en su muestra en el MAMBA de ese año. Contemporáneamente a estos planteos, Liliana Porter desarrolló una obra gráfica claramente experimental en la que conjugó distintos recursos conceptuales para indagar sobre la noción y los alcances de la obra impresa contemporánea. En 1970, la artista trabajaba a partir de un repertorio de registros sobre el papel —convencional soporte para la impresión— tensado, arrugado, doblado: arrugas reales o representadas, hilos y lanas que tensan superficies, proyección de sombras gráficas que desbordan papeles concretos. Su juego visual y a la vez conceptual en torno a la materialidad de la obra impresa operó subvirtiendo la ortodoxia del grabado y su dimensión artesanal y técnica en función de la transmisión de sus ideas sobre la gráfica. En varias de estas obras desplazaba el código del grabado hacia los márgenes de la imagen: más literalmente, quedaba circunscripto al borde del papel, rehundido por la acción de la prensa sobre la plancha de metal. Aparece también en este corpus el recurso del hilo de lana que, cosido en dos puntos de la hoja, inscribe un eje que tensa el plano del papel blanco y trasmuta el soporte de la obra en superficie de presentación/representación. De este modo, Porter 12 También el MAM fue sede en 1967 del Premio Braque de grabado.
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ya desplegaba entonces una lectura respecto de la relación entre el simulacro, la realidad y el acto de representar esa realidad que prolongaría en toda su obra posterior (Katzenstein, 2003). Frente a estas prácticas ligadas al conceptualismo, otros artistas se inscribieron en esos mismos años dentro de las corrientes de reivindicación de la imagen figurativa y del beau métier en la realización de la obra artística que, en el caso del grabado, implicó una vertiente ligada fuertemente a la tradición de esta práctica. Obras como Adilardo y la fuga de los calvos de Aída Carballo (fig. 5), o Señora sea bella III de Julio Paz, dan cuenta de las relecturas contemporáneas sobre la representación de la figura humana, en ocasiones atravesadas por la sátira y el humor —como también se mencionó en referencia a la obra de Seguí— y sobre la praxis gráfica contemplada en su dimensión de producción plural (Faccaro, 1977). Contrariamente a este lineamiento canónico del grabado como obra impresa múltiple, y prolongando la distancia respecto de la noción de serialidad de la gráfica que se inauguró en algunas de las experiencias de principios de los años setenta, en 1985 se llevó a cabo en el MAM la exposición Intuiciones, intenciones, impresiones del que luego sería conocido como Grupo 6 (Marín, 2012). La presentación conjunta de Alicia Díaz Rinaldi, Matilde Marín y Graciela Zar, entre otras,13 era recibida como una muestra “poco convencional” en la que las artistas exploraban diversos soportes de impresión y una expansión, en algunos casos, hacia la tridimensionalidad de la obra. En una nueva etapa de búsquedas gráficas iniciada en esos años, se retomaban algunas de las vías abiertas en los “dorados sesenta”, a la vez que se iniciaban otros abordajes a partir de la imbricación de nuevas poéticas, medios y soportes. Como se ha pretendido trazar en este recorrido, una lectura de la colección de grabados del Museo de Arte Moderno de Buenos Aires posibilita dar buena cuenta de los cambios y permanencias de la obra gráfica del siglo xx, de las idas y vueltas entre un canon gráfico y sus cíclicas transformaciones experimentales. Asimismo, se ha intentado demostrar cómo desde los años sesenta esta institución resultó un espacio clave en el proceso de visibilidad y legitimación simbólica del grabado en el campo artístico local al privilegiar las producciones contemporáneas de los artistas. Recordemos, en este sentido, los casos de las exhibiciones de obra gráfica de los artistas argentinos desplegadas entre los años sesenta y principios de los setenta: distintas propuestas que en esos mismos tiempos conmocionaban la escena del grabado. El museo se constituyó así en un marco institucional sobresaliente para la confirmación de sus búsquedas, poniendo en valor la apertura disciplinar que proponían esas obras. Alrededor del cambio de siglo se organizaron en el MAMBA nuevas exposiciones de la, ya para entonces, histórica gráfica experimental de Berni (en 1999), Seoane, Romero (ambas en 2000) y Seguí (2001), artistas sobre los que se ha detenido particularmente el presente trabajo. Si las anteriores muestras de esas obras habían implicado la presentación en el museo de una producción contemporánea, su exhibición tres décadas más tarde —como así también (en 2003) la de las heliografías de gran tamaño realizadas por León Ferrari a principios de los años ochenta en Sao Paulo—, implicó una importante operación de revisión historiográfica de algunos de los principales núcleos de renovación de la gráfica en la Argentina. 13 En el patrimonio del MAMBA hay obras de estas artistas.
Fonte: autora
Silvia Dolinko
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Fig.5. 5 AĂda Carballo, Adilardo y la fuga de los calvos, 1971;
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El impacto que continúan proporcionando estas obras evidencia que su presentación como obra “histórica”, más que una cristalización del sentido experimental que se desprende de ellas, pone en relieve y confirma su lugar dentro del recorrido del grabado argentino. Y de entre los diversos sentidos que pueden seguirse a partir de los planos y cartografías trazadas en las impresiones de Ferrari se puede pensar, en este marco, que estos proporcionan un buen indicador —tal vez, una buena hoja de ruta— de los múltiples caminos que tomó el grabado en la Argentina: muchas veces intrincados, otras más allanados, pero siempre dinámicos. Referencias AAVV. Museo de Arte Moderno de Buenos Aires. Patrimonio, Buenos Aires, Asociación Amigos del Museo de Arte Moderno, 2011. BAYÓN, Damián. “La originalidad en la obra gráfica de Antonio Seguí”. Antonio Seguí. Obra gráfica 1948/1992, San Juan de Puerto Rico, Instituto de Cultura Puertorriqueña, 1993. DOLINKO, Silvia. Arte plural. El grabado entre la tradición y la experimentación (1955-1973), Buenos Aires, Edhasa, 2012. DOLINKO, Silvia. “El grabado, una producción híbrida como problema para el relato modernista”, Crítica cultural, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), volumen 4, número 1, 2009a. DOLINKO, Silvia.“Grabados originales multiplicados en libros y revistas”. In: COSTA, Laura Malosetti Costa; GENÉ, Marcela (comps.). Impresiones porteñas.Imagen y palabra en la historia cultural de Buenos Aires. Buenos Aires, Edhasa, 2009b. DOLINKO, Silvia (2006), Luis Seoane, xilografías, Santiago de Chile, Centro Cultural de España. FACCARO, Rosa. “Aída Carballo. El arte de grabar”, Foco, Buenos Aires, año 1, número 4, 1977. GARCÍA, María Amalia. El arte abstracto. Intercambios culturales entre Argentina y Brasil, Buenos Aires, Siglo XXI, 2011. GUINTA, Andrea.Vanguardia, internacionalismo y política. Arte argentino en los sesenta, Buenos Aires, Paidós, 2001. KATZENSTEIN, Inés (cur.). Liliana Porter. Fotografía y ficción, Buenos Aires, Centro Cultural Recoleta-Malba, 2003. MARÍN, Matilde. Discursos gráficos: artistas y grupos de producción gráfica entre 1960 y 1990, Buenos Aires, Fundación Osde, 2012. ROMERO, Juan Carlos; DAVIS, Fernando; LONGONI, Ana Longoni. Romero, Buenos Aires, Fundación Espigas, 2010.
Artigo recebido em dezembro de 2013. Aprovado em fevereiro de 2014
A DOCUMENTAÇÃO MUSEOLÓGICA E OS NOVOS PARADIGMAS DA ARTE CONTEMPORÂNEA
Mariana Estellita Lins Silva1*
ResumO: Buscaremos discutir a relação que a arte contemporânea – especificamente obras efêmeras, perecíveis e relacionais, que problematizam a função do objeto no processo artístico – estabelece com a teoria e a prática da documentação museológica. Inicialmente apresentaremos os fundamentos teóricos da documentação e em seguida passaremos para sua aplicação no tratamento de obras de arte tradicionais. Por último, procuraremos identificar os pontos problemáticos trazidos com as novas linguagens da arte contemporânea.
Abstract: We seek to discuss the relationship that contemporary art specifically ephemeral, perishable and relational works that question the role of the object in the artistic process - down to the theory and practice of museum documentation. Initially we present the theoretical foundations of museum documentation and then move on to its application in the treatment of traditional works of art. Finally, we will seek to identify problem areas brought with the new languages of contemporary art.
PalaVras-CHaves: Museologia. Documentação. Documento. Arte contemporânea. Imaterialidade.
Key-words: Museology. Documentation. Document. Contemporary art. Immateriality.
1 * Museóloga pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Unirio, mestre em História e Crítica de Arte pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
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A documentação museológica se estrutura a partir do conceito de documento. Ao contrário de Jesse Shera e Louis Shores que restringem esta noção aos registros gráficos e textuais produzidos intencionalmente com tal finalidade, utilizaremos a definição de Paul Otlet (Smit, 2008), que considera que um objeto também pode ser um documento, na medida em que é deslocado de sua função ordinária e é colocado em uma coleção museológica por ser considerado um testemunho de um tempo e lugar. Desta forma, mesmo que não tenha sido produzido com este propósito, um objeto pode desempenhar a função de documento. Briet trabalha o conceito de documento vinculado à existência de uma evidência material. A autora sintetiza três aspectos estruturantes para a caracterização de um documento: 1) A materialidade: a noção de documento se aplica apenas a sinais físicos; 2) A intencionalidade: pretende- se que o objeto seja tratado como evidencia; 3) O processamento: os objetos devem ter sido processados, ou seja, devem ter sido tornados documentos (BRIET apud LOUREIRO, 2008, p. 105). Diante desta perspectiva, podemos observar a que a materialidade é condição fundamental para a existência de um documento. É a partir do suporte material que são desdobrados os potenciais simbólicos e informacionais de um objeto. Partindo da perspectiva do sujeito, Le Goff (2003a; 2003b) afirma que um objeto não se constitui a priori como um documento, mas deve ser compreendido como tal na medida em que é lançado sobre ele este olhar. De outro modo: o que faz um objeto se tornar documento é a atribuição de valor simbólico que o destaca do universo dos objetos comuns. Nesta operação, há um investimento de memória, onde lhe é atribuído uma capacidade de recuperação e de comunicação de informações de um tempo a outro. Compreendemos também, com Pomian (1984) que quando um objeto é inserido em uma coleção museológica, é destituído de sua função e seu uso originários para adquirir a função documental e comunicacional, e que seu valor de troca é ampliado, embora tenha se descontinuado seu valor de uso, precisamente pelo reconhecimento de sua relevância simbólica. No entanto, percebemos as obras de arte como uma categoria especial de documento. Diferentes dos objetos históricos, que são criados inicialmente para uma função utilitária e quando investidos de valor simbólico são afastados desta função original para se tornarem documento, podemos considerar que as obras de arte nascem como objetos estéticos. O objeto de arte é criado a fim de possibilitar a experiência estética, e essa função é mantida no ambiente do museu. Uma obra de arte no contexto museológico não passa a ser somente um objeto histórico ou um documento, mas continua sendo apresentada e fruída pelo público como objeto estético. Desta forma, o objeto artístico musealizado sobrepõe duas dimensões: a estética e a documental. Uma pintura, por exemplo, é um objeto estético, contemplativo, que ao ser incorporado à coleção de um museu passa a ser legitimada não só como testemunho do tempo no qual foi produzida, como por ter sido resultado de um momento único de criação do artista, e por agregar em sua materialidade a unicidade do gestual presente em sua fatura. Ela se torna, portanto um documento, um suporte material, investido de valor simbólico que faz desta pintura um potencial comunicador. Neste sentido, continuaremos com o exemplo da pintura para, agora, analisarrmos a prática da documentação museológica aplicada ao objeto de arte tradicional.Ao ser incorporada à coleção do museu, a pintura será identificada segundo suas características materiais, simbólicas e contextuais.A partir desta obra de arte, são extraídas informações em dois níveis: as informações intrínsecas e as informações extrínsecas.
Mariana Estellita Lins Silva
As informações intrínsecas de uma pintura dizem respeito às suas dimensões, à técnica e aos materiais aplicados em sua fatura etc. Já as informações extrínsecas são as de natureza contextual, que não podem ser apreendidas a partir da fisicalidade do objeto, e, portanto, são oriundas de pesquisas em outros documentos, que não a obra em si. Incluem-se, aí, as informações sobre o estilo artístico, as transformações históricas em voga no período em que foi elaborada, dados importantes sobre o autor etc. Esta prática documental estruturada a partir destas duas categorias de informação é sustentada por Ferrez (1994, p. 2), onde: Os objetos produzidos pelo homem são portadores de informações intrínsecas e extrínsecas que, para uma abordagem museológica, precisam ser identificadas. As informações intrínsecas são deduzidas do próprio objeto, através da análise das suas qualidades físicas. As informações extrínsecas denominadas por MENSCH (1) de informações documental e contextual, são aquelas obtidas de outras fontes que não o objeto [...]
Portanto, as informações intrínsecas e extrínsecas identificam a obra de arte em seus aspectos singulares. Além disso, obras de arte necessitam ser localizadas dentro do contexto de uma coleção museológica. Por isso, o trabalho de documentação ocupa-se também da classificação das obras em categorias hierárquicas. Sendo assim, as obras de arte tradicionais são divididas em “pinturas”, “esculturas”, “gravuras” etc. Dentro da categoria “pintura”, as obras podem ser subdivididas pelo suporte (tela, papel, tecido etc) e pelo material (óleo, guache, aquarela, têmpera etc). Desta forma, o sistema de documentação deve ser capaz de nos remeter à obra que procuramos: uma pintura a óleo sobre tela, por exemplo. Nesta estrutura hierárquica, as palavras utilizadas na busca são fundamentais para a recuperação da informação, pois é através dos termos específicos que identificamos os conjuntos e localizamos o objeto procurado. Podemos afirmar então que o controle do vocabulário é essencial para a sistematização e busca de informações neste sistema. No entanto, no caso de uma obra de arte contemporânea, como inserir neste sistema de documentação uma obra que se caracteriza por ser uma proposição imaterial, efêmera e/ou relacional? Tomemos como exemplo a obra Sem Título, 1992, Rirkrit Tiravanija pertence à coleção do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), que consiste em uma proposição onde o artista cozinha e serve frango e arroz ao curry no espaço expositivo. Nesta obra, o ato de cozinhar, o preenchimento do espaço pelo aroma peculiar da receita de origem tailandesa e o compartilhamento do alimento são formas do artista trazer ao público seus referenciais pessoais e memórias afetivas de sua infância. A obra provoca um deslocamento da relação espectador x artista, produz uma coletividade instantânea e problematiza os padrões de comportamento a que estamos submetidos cotidianamente. Retomando nossa pergunta, indagaríamos: quais seriam, nesta obra, as informações intrínsecas? Como preencheríamos os campos “dimensões”2 e “técnica/materiais”? Neste caso como não há um objeto material identificável como obra, os campos “dimensões”,“técnica/materiais” sequer poderiam ser distinguíveis e mensurados. Através deste exemplo, podemos sintetizar algumas questões para a documentação aplicada à arte contemporânea. A obra de Tiravanija, ao contrário da 2 Para o MoMA, a obra parece ser tratada como uma escultura, ou como uma instalação. As especificações são Medium: Refrigerator, table, chairs, wood, drywall, food and other materials / Dimensions: Dimensions variable ou [Técnica/Materiais: geladeira, mesa, cadeiras, madeira, drywall, comida e outros materiais / Dimensões: Dimensões variadas.]. Disponível em: <http://www.moma.org/collection/browse_results.php?crite ria=O%3AAD%3AE%3A7479&page_number=2&template_id=1&sort_order=1>. Acesso em: 15 ago. 2012.
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pintura sobre tela do exemplo anterior, não se enquadra nas características reconhecidas de um documento – materialidade, intencionalidade e processamento. Embora seja uma obra de arte em uma coleção museológica, e, portanto se enquadra nas categorias de intencionalidade e processamento, esta obra de arte prescinde da materialidade e neste sentido, não poderia ser considerada um documento. As informações intrínsecas, ou observáveis a partir da materialidade da obra, neste caso viriam dos pratos e talheres utilizados na ação, pois eles são a materialidade possível para esta ação. No entanto esta materialidade não constitui e não comunica nenhum valor sobre o trabalho artístico. Nesta proposição incorporal, onde os elementos materiais presentes (louças e panelas sujas), não coincidem com a obra, não caberia manter a dicotomia entre informações intrínsecas e extrínsecas. Acabaríamos concluindo, que as informações extrínsecas adquirem uma conotação muito mais ampla do que a contextualização da obra. Relatos do público, entrevistas com o artista, e outros elementos que poderiam ser considerados contextuais em uma obra tradicional, seriam os responsáveis por permitir a compreensão da obra de arte, sua possível remontagem, ou, de maneira mais abrangente, seriam os elementos determinantes para a sua preservação. De outro modo: Se para um objeto material ou em uma obra de arte tradicional as informações extrínsecas permitem a ampliação da condição informacional do objeto como documento, no caso das obras contemporâneas imateriais ou relacionais essas informações e suas respectivas estruturações dentro de um sistema de documentação, são imprescindíveis para a existência da obra. A preservação dessa tipologia de acervo depende fundamentalmente dessa estrutura documental. Outro aspecto se refere ao tráfego funcional de informações que permeia as instâncias e os departamentos do museu. Mais do que uma ferramenta para a execução do projeto institucional, a base de dados é fundamental para a manutenção das obras de suporte complexo. As linguagens efêmeras, imateriais ou relacionais, por prescindir da fisicalidade, dependem de mecanismos estratégicos de materialidade temporária. Essa condição de existência – que também se aplica às obras materiais, se utilizarem suportes não-convencionais – faz com que elas precisem ser desmembradas, seja porque seu suporte material exige controles climáticos diferenciados, ou porque a informação documental da obra (arquivos, fotos, vídeos, documentos, projetos de montagem, entrevistas com os artistas, etc.) precisa ser alocada nos respectivos setores do museu. No modelo institucional que conhecemos hoje, a fotografia precisa ser encaminhada ao setor iconográfico, o projeto ao arquivo, etc. Nesse ponto, é fundamental que haja eficiência na recuperação da informação e na reunião destes elementos que foram estrategicamente separados entre os respectivos setores. Eles precisam ser reagrupados sem nenhuma perda informacional. Do contrário, o ruído na informação ou a impossibilidade de recuperação desse trajeto feito pelas partes componentes da obra pelos setores da instituição, inviabiliza a recuperação da informação e provoca a destruição da obra, como no caso descrito por Freire (1999, p. 45-46): Joseph Kosuth (EUA, 1945), um dos mais importantes artistas conceituais norte-americanos, apresentou no MoMA de NovaYork o trabalho ‘One and Three Chairs’ (1965), onde justapôs a cadeira real às suas representações (definição de cadeira do dicionário e fotografia de cadeira). Apesar de ter sido adquirida pelo MoMA, essa obra foi destruída ao ser incorporada à coleção do museu, uma vez que a cadeira foi encaminhada ao Departamento de Design, a foto, ao Departamento de Fotografia, e a fotocópia da definição de cadeira, à biblioteca.
Por fim, é preciso destacar ainda, a problemática do vocabulário controlado e a hierarquia de categorias, elementos estruturais da documentação das obras
Mariana Estellita Lins Silva
tradicionais. Na arte contemporânea, essas divisões são expandidas, questionadas e dilatadas pelos próprios artistas. Novas categorias de obras foram criadas – happenings, body art, performance, instalação, site specific, etc – e para cada uma delas há um conceito específico que a caracteriza como linguagem. Pensemos nas distinções feitas por Renato Cohen, onde os happenings são um desenvolvimento da body art, mas se desprendem do corpo como suporte e se concentram na obra como um acontecimento circunscrito em um tempo. Ainda segundo o autor, na medida em que estabelecem relação mais estreita com as artes cênicas, os happenings vão dar surgimento às performances, no entanto, enquanto os happenings têm como característica fundamental a temporalidade, a performance se caracteriza pela relação do tempo com o espaço (COHEN, 2007). Contudo, é preciso considerar que os artistas não se adéquam a estas formatações, e trabalham nos interstícios destas categorizações, provocando com frequência situações de indistinção ou de impossibilidade de classificação das linguagens. Mais do que isso, a situação criada pelo indiscernimento faz com que essa diferenciação seja irrelevante. Se, como vimos, o vocabulário controlado assegura uma uniformização dos dados que são inseridos e recuperados em uma base, se as categorias se tornam muito específicas e irreprodutíveis em outros contextos, o controle vocabular pode perder sua característica de uniformização e se tonar cada vez mais específico dentro da poética de cada artista, fragilizando, portanto sua função inicial. O que acabamos de observar a partir destes impasses demonstrados entre a documentação museológica e arte contemporânea, deu-se em função de uma mudança de paradigma da arte, que alterou a concepção de objeto artístico, desestruturando a lógica linear que organizava as linguagens, os estilos e as técnicas. Esta desestruturação é lida por Belting (2006) a partir do tema do fim da história da arte, que, segundo ele, não significa o fim da história da arte, mas apenas o esgotamento de uma tradição específica de arte, moderna e européia. Há então o surgimento de diversas histórias da arte possíveis, tantas quantas linguagens artísticas. Com ausência de um discurso de tendências totalizantes, ocorre uma proliferação de discursos específicos, que pretendem abordar universos muito particulares. A teoria da arte se torna cada vez mais compartimentada e específica e as teorias dos artistas substituem a idéia de uma teoria da arte única. Houve não apenas uma mudança no discurso, na lógica de produção e legitimação da arte, mas também uma mudança do que pode ser considerado arte. Os antigos critérios, fundamentados em analises da imagem, da técnica e da temática, não se aplicam às novas linguagens que estão sendo produzidas. É o que Belting exemplifica através da metáfora da peça de teatro: [...] os intérpretes de arte pararam de escrever a história da arte no velho sentido, e os artistas desistiram de fazer uma história da arte semelhante. Soa assim o sinal de pausa para a velha peça, quando não há muito tempo está sendo executada uma nova peça, que é acompanhada pelo público segundo o velho programa e conseqüentemente é mal compreendida (BELTING, 2006, p. 24).
Outro ponto fundamental da análise de Belting (2006) é o entendimento da obra de arte como algo que oscila entre idéia e objeto. Segundo o autor, a morte da teoria clássica da arte se dá quando a obra se transforma em teoria e se distancia do suporte material, que a apartava do mundo. Se uma obra de arte era reconhecida por suas propriedades técnicas e estéticas, agora o que diferencia um objeto de arte dos outros objetos cotidianos é uma questão conceitual. Se a obra de arte se define, não mais por suas propriedades materiais, mas pelo ato filosófico de sua concepção, há um ponto fundamental que pos-
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sibilita a aproximação da teoria sobre o fim da arte (ou da história da arte) de Belting dos incorporais de Anne Cauquelin. O conceito de obras incorporais, cunhado por Cauquelin (2008), propõe que determinadas linguagens da arte contemporânea podem não mais ser definidas por suas propriedades materiais, mas por seu significado simbólico. A autora constrói seu argumento afirmando que o processo de comunicação é composto por um dispositivo material a partir do qual são comunicados os significados, e por elementos abstratos trazidos simbolicamente por quem está recebendo a informação. Através de um exemplo simples e cotidiano, como dizer às crianças “Não vão muito longe!” a autora ressalta que, o que está sendo comunicado às crianças vai além do que as palavras carregam. Não é necessário nem possível dizer exatamente o quão perto ou longe as crianças deveriam ir, porque “Elas [as crianças] não levam em conta as palavras em si, simples indicações em torno das quais se trama a significação” (CAUQUELIN, 2008, p. 10). Há, no processo de comunicação verbal, [...] um invólucro de sentido que dá suporte às palavras [...] um invólucro que envolve as palavras, mas que não é a soma das palavras, um fundo que envolve os elementos da lembrança sem se confundir com eles: trata-se ali, é claro, dos incorporais familiares (CAUQUELIN, 2008, p. 11).
Do mesmo modo, toda obra de arte constrói uma narrativa, e se coloca como veículo corporal para transmissão de significados incorporais. O que acontece nas obras contemporâneas é a valorização do exprimível em detrimento do veículo corporal que lhe expressaria. Na relação obra – espectador há um universo ilimitável de possibilidades de significados que surgem no momento da abordagem, e que tem a obra de arte apenas como ponto de partida. No caso de uma pintura, por exemplo, a superfície da tela é o suporte material que sustenta os subsídios responsáveis pela comunicação. O artista combina cores e formas (elementos materiais) que vão traduzir uma imagem, uma mensagem, temas e conceitos. Arranjados na superfície da tela de acordo com determinada lógica, esses elementos são como a frase dita às crianças no exemplo de Cauquelin, serão a parte concreta da comunicação, que revestida de um “invólucro de sentido” (CAUQUELIN, 2008, p. 11) possibilita a transmissão da informação. Nas obras de arte incorporais, identificadas como arte contemporânea, ocorre uma problematização desse suporte que será revestido de significados. Há uma alteração do que será considerado obra de arte, o foco se transfere do suporte material, para este invólucro de significados. Vale ressaltar ainda o conceito de estética relacional. Esse termo é trabalhado por Bourriaud (2009a) para caracterizar a poética de artistas do final do século XX e da primeira década do século XXI. O autor constrói seu argumento a partir da poética de diversos artistas entre estas a obra de Tiravanija referida anteriormente. Segundo Bourriaud (2009a), a estética relacional é marcada por um enfrentamento à sociedade do espetáculo, à padronização de comportamentos e sua relação com o consumo. Constitui-se ainda como crítica ao sistema de divisão do trabalho que gera sociedades de classe e aos mecanismos de atribuição de valores através do capital, entre diversos outros aspectos da pós-modernidade. No caso específico da estética relacional, o que se vislumbra não é mais extrapolar os limites impostos pela arte (ou pela história da arte), tampouco os limites físicos do objeto artístico. Aqui, a obra de arte se desenvolve independentemente da materialidade, tendo as relações humanas como ponto de partida e como objetivo. Segundo Bourriaud (2009a, p. 43, grifo nosso): A questão não é mais ampliar os limites da arte, e sim testar sua capacidade de resistência dentro do campo social global. Assim, a partir
Mariana Estellita Lins Silva
de um mesmo conjunto de práticas vemos surgir duas problemáticas totalmente diversas: ontem, a insistência sobre as relações internas do mundo artístico, numa cultura modernista que privilegiava o novo e convidava à subversão pela linguagem; hoje a ênfase sobre as relações externas numa cultura eclética, na qual a obra de arte resiste ao rolo compressor da ‘sociedade do espetáculo’.
Aqui há uma inversão do que poderíamos chamar obra de arte. Tradicionalmente, ela estava relacionada ao espaço e à materialidade; a delimitação física de um objeto fazia a separação da arte e da realidade. Para a estética relacional, essa relação é substituída, e a delimitação da obra de arte passa a ser uma duração momentânea. O que se considera obra não é mais o espaço físico a ser percorrido (mesmo que em alguns casos apenas com os olhos), mas se torna um tempo a ser vivenciado. Para o autor “[...] Já não se pode considerar a obra contemporânea como um espaço a ser percorrido [...]. Agora ela se apresenta como uma duração a ser experimentada, como uma abertura para a discussão ilimitada” (BOURRIAUD, 2009a, p. 20-21). Esse postulado inverte os preceitos da arte moderna. A sacralização do objeto artístico, tão discutido na era da reprodutibilidade técnica (BENJAMIN, 1987), na estética relacional, é transformada. Já não há mais objeto a ser sacralizado, mas há, em contraposição, a sacralização de um momento, de um tempo ocorrido da obra de arte. Esse tipo de linguagem, frequente na arte contemporânea, depende do trabalho da documentação para existir, ainda que somente enquanto memória ou informação de uma obra definitivamente acabada. Sobre esta questão, Lima (2003) discute a ausência do objeto material no processo artístico. A autora coloca que a efemeridade das linguagens faz com que a informação museológica se constitua a partir de registros. Nas palavras da autora: Tais proposições estão baseadas em conteúdos que alcançam a primazia do conceito, em detrimento das outras questões tratadas pelos gêneros artísticos tradicionais, calcados no objeto de arte e sua fatura. A inexistência dessas obras depois das apresentações é a tônica do processo. Em fases posteriores às apresentações dessas propostas artísticas, a partir dessa noção de fazer arte, elas só estarão aptas para discussões e estudos dos pesquisadores caso sejam documentadas e gerem registros (texto, imagem, som) (LIMA, 2003, p. 134).
De acordo com o argumento de Lima (2003), é possível concluirmos portanto, que para que os documentos gerados a partir dos registros possam ser disponibilizados aos pesquisadores, é fundamental que seja possível uma recuperação da informação por meio do sistema de documentação museológica. No entanto, quando a arte contemporânea desloca a lógica de produção e compreensão da obra de arte e se desvincula da materialidade, ela produz um impacto na documentação museológica, que está estruturada sobre uma lógica moderna, hierárquica e linear. É precisamente esta diferença entre a lógica moderna da documentação - que trabalha a noção de documento e de obra de arte a partir da materialidade do suporte - e a nova concepção de obra trazida pela arte contemporânea, que provoca uma desarticulação estrutural que pode dificultar o acesso à informação. Com relação às obras tradicionais, cujo processo de comunicação se dá através da contemplação visual, o sistema de documentação e recuperação da informação é funcional e está adequado a esta tipologia de acervo. No caso das obras de arte contemporânea, há demandas por novas estratégias de documentação museológica que viabilizem a permanência destas linguagens independente de sua materialidade.
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A Documentação Museológica e os Novos Paradigmas da Arte Contemporânea
Referências
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Artigo recebido em dezembro de 2013. Aprovado em fevereiro de 2014
FORMAÇÃO EM MUSEOLOGIA NO BRASIL: ANÁLISE DA INFLUÊNCIA ACADÊMICO-INSTITUCIONAL Gabrielle Francinne de S.C.Tanus1* Carlos Alberto Ávila Araújo2** Letícia Julião3*** ResumO: Apresenta-se parte dos resultados empíricos da pesquisa de mestrado, que teve como objetivo analisar a influência acadêmico-institucional nos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia do Brasil. Dada a extensão da pesquisa, o foco, neste momento, concentra-se nos resultados quantitativos da análise de citação das referências dos cursos de Museologia advindas dos planos de ensino das disciplinas teóricas específicas e da primeira questão do questionário respondidos pelos professores dessas disciplinas. Constatou-se que as citações dos cursos de Museologia concentram-se em obras específicas de interesse da Museologia. Dessa forma, a proximidade com os cursos aqueles cursos e com Ciência da Informação não parece influenciar na seleçãodas referências. Com relação ao perfil das referências concluiu-se que elas concentram-seno formato de livros, datados da década de 2000, escritos e/ou editados em português, o que revelao uso de uma bibliografia atualizada e de fácil acesso à leitura.
Abstract: We present the results of empirical research masters, which aimed to analyze the influence academicinstitutional courses in Archival Science, Library Science and Museology from Brazil. Given the extent of the research, the focus this moment, focuses on the quantitative results of the citation analysis of references of Museology courses arising from the class planning of the theoretical subjects and the first question of the questionnaire answered by the teachers of these subjects. It was found that the citations of Museology courses are focused on specific works of interest Museology. Thus, the proximity to the courses and those courses Information Science does not seem to influence the selection of references.Regarding the profile of the references concluded that they are concentrated in the format of books, dating from the 2000s, written and/or edited in Portuguese, which shows the use of an updated bibliography and easy to read.
Palavras-Chaves: Museologia. Ciência da Informação. Planos de ensino. Formação.
Key-words: Museology. Information Science. Class planning. Training.
1 * Mestranda em Ciência da Informação, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista CAPES/REUNI vinculada ao curso de Museologia. Possui graduação em Biblioteconomia (2010), pela mesma universidade. Integra os grupos de pesquisa: “Observatório de Museus” e “Epistemologia da Ciência da Informação”. Durante a graduação realizou vários estágios na área; foi também bolsista de iniciação científica e monitora de disciplina. Tem interesse em Epistemologia da Arquivologia, da Biblioteconomia e da Museologia, e nas relações destas áreas com a Ciência da Informação. 2 ** Professor do curso de Museologia da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (ECI/UFMG). Doutor em Ciência da Informação pela UFMG e pós-doutor pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 3 *** Possui graduação em História, mestrado em Ciência Política e doutorado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (2008), com PDEE na Université Paris1 Panthéon-Sorbonne. É professora da Escola de Ciência da Informação, da Universidade Federal de Minas Gerais, coordenadora do curso de Museologia e uma das coordenadoras do grupo de pesquisa Observatório de Museu da UFMG.
Formação em Museologia no Brasil:Análise da Influência Acadêmico-Institucional
Introdução
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Este trabalho apresenta parte dos resultados da pesquisa de mestrado intitulada “Cenário acadêmico-institucional dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia no Brasil”desenvolvida junto ao programa de pós-graduação em Ciência da Informação, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).O objetivo dessa pesquisa consistiu em analisar se os cursos de graduação em Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia são influenciados em decorrência da vinculação acadêmico-institucional, bem como pelaproximidade e/ou afastamento entre esses cursos, e deles com a Ciência da Informação. A motivação para o desenvolvimento da mesma partiu da observação inicial da própria mudança na configuração institucional da Escola de Ciência da Informação da UFMG, que, desde 2009, abriga o curso de Arquivologia, e, desde 2010, o curso de Museologia. A inclusão desses dois novos cursos ocasionou ainda uma alteração do currículo de Biblioteconomia, criado em 1950, que passou a ofertar disciplinas comuns a esses três cursos. Para além desse exemplo específico, ocorreram outras iniciativas de criação de novos cursos no país. Esse crescimento quantitativo de cursos superiores está relacionado com o Decreto 6.096, de 24 de abril de 2007 (BRASIL, 2007), que instituiu o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), possibilitando, portanto, a criação de mais seis cursos de Arquivologia, nove de Museologia e dois de Biblioteconomia, alterando, dessa forma, a realidade institucional das instituições de ensino superior. Assim, tais cursos podem ser encontrados nas cinco regiões brasileiras, totalizando, atualmente, em funcionamento, 16 cursos de Arquivologia, 37 de Biblioteconomia, 14 de Museologia e 11 cursos de pós-graduação stricto sensu em Ciência da Informação. Esses cursos de graduação (Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia) podem ser encontrados em diferentes departamentos, escolas, centros, faculdades e institutos, e ainda próximos e/ou afastados uns dos outros. Em relação à configuração da Museologia, salienta-se que esta se encontra institucionalmente em outras áreas como a das Artes, Ciências Humanas, Antropologia e História, isto é, apresenta-se mais dispersa quando comparada com a Arquivologia e Biblioteconomia, que se concentram em escolas, faculdades, centros e institutos de Ciência da Informação. Acredita-se que essas diversas configurações institucionais dos cursos são permeadas pelas relações de poder-saber, pois saber e poder não se repelem ambos estão intimamente interligados, produzindo efeitos um sobre o outro. Tal poder, visto sob a dimensão foucaultiana, é entendido como algo presente em todas as relações sociais, o podercircula e existe em ato. Assim, o poder deixa de ser reconhecido apenas pelos seus efeitos negativos, repressivo, proibitivo e de exclusão, anteriormente defendidos pela visão tradicional e marxista, o poder a partir de Foucault é, então, produtivo, o poder produz; ele produz realidade, produz campos de saberes e rituais de verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam igualmente dessa relação produtiva do poder (FOUCAULT, 2011). Desse modo, o poder é coextensivo aos indivíduos, lugares, campos científicos e instituições. Pensando nisto, a Arquivologia, Biblioteconomia, Museologia e Ciência da Informação são vistas à luz das relações de poder e de força. De forma complementar, recorreu-se também ao conceito de campo científico expresso por Bourdieu, que o define como “sistema de relações objetivas entre posições adquiridas em lutas anteriores – é o lugar privilegiado e o espaço de uma luta concorrencial” (BOURDIEU, 2003, p. 112). Dessa maneira, cada campo assume a postura de “um campo de forças e um campo de lutas para conservar
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ou transformar esse campo” (BOURDIEU, 2004, p. 22), podendo agir uns sobre os outros, tal qual age o poder, no qual consiste em um conjunto de ações sobre ações, sejam elas eventuais, presentes ou futuras (FOUCAULT, 2010). Para apreender algumas das variadas possibilidades de relações de força e de poder entre os campos científicos, buscou-se observar essas manifestações dos campos em duas realidades empíricas, uma advinda das referências e outra das falas dos professores, as quais são marcadas, respectivamente, pela coleta de dados dos planos de ensino, em um primeiro momento, e do questionário, em um segundo momento. Esse primeiro momento, quantitativo, de estudo bibliométrico da análise de citação das referências sugeridas nos planos de ensino das disciplinas teóricas específicas dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia, bem como as referências citadas na primeira questão do questionário, buscou identificar quais as obras e autores mais citados e mais relevantes para os professores, as similitudes e as particularidades das citações, levando em consideração a configuração acadêmico-institucional dos cursos em seus contextos, isto é, nas categorias ABM, BM e M. Tais categorias representam a proximidade dos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia dentro de uma mesma instituição de ensino superior, de modo que, a categoria ABM representa os três cursos juntos, a categoria BM os cursos de Biblioteconomia e Museologia e a categoria M os cursos de Museologia afastados daqueles outros dois cursos (Arquivologia e Biblioteconomia). O segundo momento da pesquisa, cuja ênfase recaiu no aspecto qualitativo, buscou, a partir de um questionário, composto por cinco questões abertas, analisar se a localização acadêmico-institucional do curso e/ou proximidade entre eles, e com a pós-graduação, influencia na escolha das referências contidas nos planos de ensino. Ainda a fim de analisar a influência nas escolhas/seleção das citações, identificou-se a formação acadêmica (graduação, mestrado e doutorado) de cada um dos professores responsáveis pelas disciplinas teóricas específicas, como também lhes foi perguntado se consideram que a formação influencia na seleção das referências contidas nos planos de ensino. A última pergunta perscrutou sobre o entendimento de cada um dos professores sobre a existência ou não de relações entre os campos da Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia. Contudo, devido aos limites deste texto serão apresentados os resultados apenas do campo da Museologia, pontuados no primeiro momento, do estudo quantitativo, especificamente, o método bibliométrico, da análise de citação, que teve como base as citações sugeridas nos planos de ensino das disciplinas teóricas específicas, isto é, disciplinas voltadas para o ensino do próprio campo, sua origem, história, teorias, leis, objetos, paradigmas, entre outros aspectos do conhecimento da área; tais disciplinas são comumente nomeadas de Fundamentos ou Introdução à Museologia. A intenção foi a de analisar marcas da influência acadêmico-institucional nos cursos de Museologia e se a proximidade entre os cursos, sobretudo, de Arquivologia, Biblioteconomia e Ciência da Informação pode ser sentida nas citações quando esses cursos estão institucionalmente próximos e/ou afastados uns dos outros. Sob essa mesma lógica, buscou verificar se a localização do curso em escolas, departamentos, faculdades diferentes ou mesmo da Ciência da Informação ocasionam algum tipo de influência acadêmico-institucional nas citações. Portanto, este trabalho apresenta os resultados da análise da influência acadêmico-institucional dos cursos de Museologia, a partir das citações das referências contidas nos planos de ensino das disciplinas teóricas específicas, assim como os resultados da primeira pergunta do questionário respondido pelos
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professores dessas disciplinas, quebuscou saber quais as referências, contidas naqueles planos de ensino, são vistas para eles como as mais relevantes. Ainda a fim de obter um perfil das citações das referências dos planos de ensino, bem como aquelas referências advindas dos questionários, as mesmas foram tabuladas segundo a tipologia documental, o ano de publicação (agrupados em décadas)e o idioma da obra referenciado. Análise Das Citações Dos Cursos De Museologia 1 Cursos de Museologia pertencentes à categoria ABM Os cursos de Museologia inseridos na categoria ABM encontram-se localizados em sete instituições de ensino superior, a saber: UFBA, UFPA, UFSC, UNIRIO, UFMG, UnB e UFRGS. Embora, os cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia estejam institucionalmente próximos uns dos outros, dentro de uma mesma instituição de ensino superior, os cursos de Museologia das quatro primeiras universidades se encontram em locais diferentes. Sendo apenas nas três últimas universidades em que os cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia encontram-se localizados, respectivamente, na Escola de Ciência da Informação (ECI/UFMG), Faculdade de Ciência da Informação (FCI/UnB) e na Faculdade Biblioteconomia e Comunicação (FABICO/UFRGS). Nesta última universidade encontra-se o programa de pós-graduação em Comunicação e Informação, enquanto na UFBA, UnB, UFMG e UFSC há a oferta do mestrado e do doutorado em Ciência da Informação. Quanto às localizações dos cursos de Museologia, destaca-se que o curso de Museologia da UFBA está institucionalizado na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, em vezdo Instituto de Ciência da Informação, comum aos cursos de Biblioteconomia e Arquivologia. Na UFPA a Museologia encontra-se no Instituto de Ciências e Artes, ao contrário dos cursos de Arquivologia e Biblioteconomia que estão no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, especificamente na Faculdade de Biblioteconomia. Na UFSC a Museologia está no Centro de Filosofia e Ciências Humanas, enquanto os cursos de Arquivologia e Biblioteconomia estão no Centro de Ciências da Educação, Departamento de Ciência da Informação. E, na UNIRIO, apesar de os cursos estarem vinculados ao centro de Ciências Humanas e Sociais, todos os três cursos possuem escolas próprias, como a Escola de Arquivologia, a Escola de Biblioteconomia e a Escola de Museologia. Sobre a coleta de dados dos planos de ensino das disciplinas teóricas específicas dos sete cursos de Museologia, salienta-se que foram coletados todos eles, com exceção da UFMG, em que se optou em coletar os dados de duas disciplinas teóricas específicas para a composição da análise, são elas: “Introdução à Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia” e “Fundamentos da Museologia”. Na UFBA a disciplina selecionada foi “Museologia”, na UFPA “Fundamentos de Museologia”, UFSC “Introdução à teoria museológica”, na UnB e UNIRIO “Introdução à Museologia”, e na UFRGS a disciplina “Introdução à Ciência da Informação”, disciplina esta que tem como objetivo abordar os campos da Ciência da Informação, Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia. Assim, obteve uma totalidade equivalente a 305 referências, as quais se se encontram com alto grau de dispersão, visto que 224 referências foram citadas apenas uma vez, 18 referências foram citadas duas vezes, 12 referências foram citadas três vezes, e duas referências foram citadas quatro e cinco vezes, resultando nas três maiores frequências, a saber:
Gabrielle Francinne de S.C. Tanus, Carlos Alberto Ávila Araújo, Letícia Julião
Freq. Obra Autor Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados BRUNO, Maria Cristina Oliveira 5 4 Código de Ética para Museus ICOM/UNESCO 3 Caderno de Sociomuseologia Revista de Sociomuseologia
3 3 3 3
WaldisaRússio Camargo Guarnieri: textos e contextos de uma trajetória profissional Em direção à Museologia latino-americana: o papel do ICOFOM LAM no fortalecimento da Museologia como campo disciplinar Delineamento para uma teoria da museologia. A museologia e os museus: mudanças de conceitos El museo: teoria, práxis e utopia
3
O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus e as ciências naturais no século XIX
3 3 3 3 3
Museus em Movimento: uma estimulante visão dinâmica sobre a inte-relação museologia – museus. MENSCH, Peter Van. O objeto de estudo da Museologia MENSCH, Peter Van. Museologia e Patrimônio: documentos fundamentais. PRIMO, Judite Santos Concept et nature de la muséologie SOLA, Tomislav. O que é museu? SUANO, Marlene.
Fonte: O autor.
3
BRUNO, Maria Cristina Oliveira (Coord.). CARVALHO, L; SHEINER, T. C.M.; MIRANDA, M. L. C. CERÁVOLO, Suely Moraes DESVALLÉES, André LEÓN, Aurora LOPES, Maria Margaret
Quadro 1: Obra mais citada da Museologia – Categoria ABM
Pode-se perceber que, essas 45 obras citadas concentram-seem tornodo campo da Museologia e dos museus, eque, embora, alguns cursos estejam em situação de proximidade com os de Arquivologia e os de Biblioteconomia, tal fator não trouxe obras dessas áreas para as referências mais citadas. A obra mais citada, com frequência igual a cinco, da autora brasileira Maria Cristina Oliveira Bruno, traz a importância da associação entre o campo epistemológico da Museologia com o lócus de sua prática, o museu. Não distante dessa relação, as outras referências também apontam para as temáticas em torno do museu e do patrimônio. Interessante perceber que ao contrário dos outros cursos de graduação, Arquivologia e Biblioteconomia, inseridos na categoria ABM, os cursos de Museologia parecem não trazer marcas da influência acadêmico-institucional como os outros campos, tanto no nível epistemológico quanto no nível do ensino, posto à ausência das obras ilustradas acima que trazem em seus títulos o termo Ciência da Informação. De modo geral, relata-se que foi baixíssima a frequência de obras relacionadas à Arquivologia, Biblioteconomia e Ciência da Informação. Assim, localizou-se em apenas dois cursos, UnB e UFRGS, a citação da obra “Ciência da informação e Biblioteconomia: novos conteúdos e espaços de atuação”, organizado por Marlene Oliveira. O fato da disciplina “Introdução à Ciência da Informação”, do curso da UFRGS, ser comum aos três cursos de graduação levou à inclusão de obras mais próprias dos outros campos, como, por exemplo, “Arquivos permanentes: tratamento documental”, de Heloisa Liberalli Bellotto, “Introdução geral as ciências e técnicas da informação e documentação” de Claire Guinchat e Menou, “Ciência da Informação: teoria e metodologia de uma área em expansão”, de Antônio Miranda e Elmira Simeão, além das leis, Lei n. 6.546, de 04 de julho de 1978, que dispõe sobre a regulamentação das profissões de Arquivista e de Técnico de Arquivo, e dá outras providências, e da Lei n. 9.674, de 25 de junho de 1998, que dispõe sobre o exercício da profissão de Bibliotecário e determina outras providências.
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Formação em Museologia no Brasil:Análise da Influência Acadêmico-Institucional
A fim de identificar quais os autores estão mais presentes nos planos de ensino realizou-se o agrupamento dos mesmos, obtendo, assim, uma considerável concentração em alguns nomes como se pode visualizar abaixo:
Fonte: O autor.
Autor BRASIL COSTA, Heloisa Helena F. G. da. BRUNO, Maria Cristina Oliveira GUARNIERI, WaldisaRussioCamargo DESVALLÉES, André MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de ICOM/UNESCO IPHAN (BRASIL) MENSCH, Peter Van SCHEINER, Tereza Cristina CERÁVOLO, Suely Moraes CHAGAS, Mário GONÇALVES, José Reginaldo Santos SANTOS, Maria Célia Teixeira Moura SOLA, Tomislav
4
BRUNO, Maria Cristina Oliveira (Coord.).
Quadro 2: Autor mais citado da Museologia – Categoria ABM
O primeiro autor mais citado “Brasil” está relacionado com a citação de leis, decretos e parecer. Já o segundo autor mais citado está unicamente relacionado com o plano de ensino do curso da UFBA, visto que a professora responsável pela disciplina incluiu diferentes obras de sua autoria no plano, caracterizando, assim, o que se denomina de autocitação. Os demais autores encontram-se de modo dispersos nos planos de ensino, destacando, aqui, Bruno, que aparece com onze citações e mais quatro citações de obras organizadas por ela. Acredita-se que essa concentração em torno dos autores apresentados acima pode ser vista como um reflexo do afastamento da Museologia com os outros campos: Ciência da Informação, Arquivologia e Biblioteconomia. Assim como, parece refletir a tentativa de consolidação do campo por meio da assimilação de obras e autores mais próprios da Museologia, tendo em vista o recente processo de criação dos cursos dessa categoria. Com o objetivo de identificar quais as obras os professores consideram como as mais relevantes, excluindo os cursos da UFSC e UNIRIO, que não responderam ao questionário, apresenta-se o resultado das obras com as maiores frequências, o que equivaleu à citação igual a dois, o restante, 37 obras foram citadas apenas uma vez, demonstrando com isso uma dispersão na opinião entre os professores. Destaca-se, a citação das obras, “Conceptos claves de museologia” e “Museu, museologia, museólogos e formação”, foram consideradas como as duas das obras mais relevantes, assim, como a obra “O que é museu?”, que se encontra entre as obras mais citadas: Fonte: O autor.
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Freq. 14 12 11 10 8 8 8 7 7 7 5 5 5 5 5
Freq.
Obra
Autor
2
Conceptos claves de museología
DESVALLÉES,André & MAIRESSE, François (Org.).
2
Museu, museologia, museólogos e formação GUARNIERI,WaldisaRussioCamargo
2
O que é museu?
SUANO, Marlene
Quadro 3: Obra mais relevante da Museologia – Categoria ABM
Gabrielle Francinne de S.C. Tanus, Carlos Alberto Ávila Araújo, Letícia Julião
Fonte: O autor.
Ciente da possibilidade de os autores terem suas diferentes obras citadas agrupou-se os mesmos a fim de saber quais são os mais relevantes. Dessa forma, WaldisaRussio Camargo Guarnieri sobressaiu com três citações, as quais equivalem a “Museu, museologia, museólogos e formação”, citada duas vezes, e com uma citação “Conceito de cultura e sua inter-relação como patrimônio cultural e a preservação”. Seguida com duas citações, Maria Cristina Oliveira Bruno, com duas diferentes obras: “O ICOM-Brasil e o pensamento museológico brasileiro: documentos selecionados” e “WaldisaRússio Camargo Guarnieri: textos e contextos de uma trajetória profissional”, sucessivamente com duas citações seguem os demais autores. Freq. 3 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Autor GUARNIERI, WaldisaRussioCamargo BRUNO, Maria Cristina Oliveira (Coord.). CERÁVOLO, Suely Moraes COSTA, Heloisa Helena F. G. da. DESVALLÉES, André & MAIRESSE, François (Org.). HÉRNANDEZ, Francisca Hérnandez ICOM/UNESCO MENSCH, Peter Van SCHEINER, Tereza Cristina SUANO, Marlene
Quadro 4: Autor mais relevante da Museologia – Categoria ABM
Por fim, delineia-se o perfil das 305 referências extraídas dos planos de ensino e das 43 referências apontadas pelos professores, as quais sinalizam o uso predominante e de certo modo igualitário entre artigos e livros (36,7% e 32,8%), enquanto que as obras mais relevantes coincidem as duas variáveis com 32,6%. A idade das obras é em sua maioria datada da década de 2000, com respectivamente 55,4% e 48,8, e escritas e/ou traduzidas no idioma português com 88,5 % e 81,4 %. 2 Cursos de Museologia pertencentes à categoria BM Os três cursos de Museologia pertencentes à categoria BM estão localizados em apenas três instituições de ensino superior: UFG, UFS e UFPE. Nessas três instituições, de modo semelhante aos cursos de Museologia da categoria anterior, ABM, os cursos de Biblioteconomia estão localizados em faculdades diferentes. Na UFG o curso de Museologia está localizado na Faculdade de Ciências Sociais, enquanto o curso de Biblioteconomia está na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação. Na UFS a Museologia é ministrada no campus Laranjeiras, e a Biblioteconomia no Centro de Ciências Sociais Aplicadas, localizado no campus São Cristóvão. Na UFPE a Museologia está vinculada ao Departamento de Antropologia e Museologia do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, já a Biblioteconomia vincula-se ao Departamento de Ciência da Informação do Centro de Arte e Comunicação, onde também está vinculado o programa de pós-graduação em Ciência da Informação, que oferta o mestrado acadêmico. Em relação à coleta de dados desses cursos, destaca-se que se obteve o retorno de 100% dos planos de ensino das disciplinas e dos questionários res-
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Formação em Museologia no Brasil:Análise da Influência Acadêmico-Institucional
pondidos pelos professores responsáveis pelas disciplinas: “Introdução à Museologia” (UFG e UFS) e “Teoria Museológica I” (UFPE). Foram extraídas dos planos de ensino 34 referências, as quais tiveram uma alta dispersão, pois somente uma obra teve frequência igual a dois, enquanto as 32 referências restantes tiveram uma citação cada, a saber:
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200
Fonte: O autor.
Freq. Obra Autor 2 Delineamentos para uma teoria da Museologia CERÁVOLO, Suely Moraes Quadro 5: Obra mais citada da Museologia – Categoria BM
Essa obra apresenta a trajetória e os esforços de constituição do campo da Museologia, as correntes de pensamento e algumas de suas teorias desenvolvidas por vários autores do campo, estrangeiros ou não.Este artigo, então, pode ser caracterizado como uma obra panorâmica e introdutória, visto que ela busca abarcar o todo e ao mesmo tempo fornece uma síntese desse processo. Para além da obra mais citada, desejou-se também saber qual o autor mais citado, desse modo se agrupou todos os autores independentes da obra citada, o que deu origem ao seguinte resultado: Fonte: O autor.
Freq. 2 2 2 2 2 2
Autor BRUNO, Maria Cristina Oliveira CERÁVOLO, Suely Moraes CHAGAS, Mário FOUCAULT, Michel LE GOFF, Jacques MENSCH, Peter Van
Quadro 6: Autor mais citado da Museologia – Categoria BM
Diferente do resultado das obras mais citadas, os autores mais citados apresentam uma variedade maior, o que demostra que mais de uma obra de um autor é utilizada. Já é sabido que os autores Maria Cristina Oliveira Bruno, Mário Chagas e Peter Van Mensch podem ser considerados como autores mais próprios do campo da Museologia, enquanto que os autores Michel Foucault e Jacques Le Goff não podem enquadrar exclusivamente nessa categoria. As duas citações atribuídas ao Le Goff dizem respeito ao tema da memória, uma questão central da Museologia, as outras duas citações de Foucault, “A verdade e as formas jurídicas” e “Em defesa da Sociedade”, abordam o tema das relações de poder. Estas duas últimas citações, referentes ao plano de ensino da UPPE, ocorre porque a disciplina tem como um de seus objetivos a problematização de questões concernentes ao saber, poder e produção de verdades. Percebe-se assim que os cursos de Museologia dessa categoria não sofrem influência por conta da coexistência institucional com os cursos de Biblioteconomia, assim como, também os cursos de Biblioteconomia não apresentam referências do campo da Museologia. O determinante na escolha das referências dos cursos de concentram-se no campo epistemológico dos mesmos e nas escolhas pessoais de seus professores. Para tanto, perguntou-se aos mesmos quais as obras eles julgam como as mais relevantes, obtendo, assim, 14 títulos, sendo dois iguais, o que os colocam como as duas obras mais citadas, a saber:
Gabrielle Francinne de S.C. Tanus, Carlos Alberto Ávila Araújo, Letícia Julião Fonte: O autor.
Freq. Obra Autor Delineamentos para uma teoria da Museologia CERÁVOLO, Suely Moraes 2 O objeto de estudo da Museologia 2 MENSCH, Peter Van Quadro 7: Obra mais relevante da Museologia – Categoria BM
Essas duas obras centradas no campo da Museologia são obras nucleares para o campo.As demais referências citadas pelos professores dos cursos de Museologia da categoria BM não contêm nenhuma obra com a temática Ciência da Informação, embora o curso da UFPE apresente certa proximidade com a Ciência da Informação, em virtude do mestrado estar localizado na mesma instituição de ensino superior, mas distante da Museologia – que está no Departamento de Antropologia e Museologia do Centro de Filosofia e Ciências Humanas. A fim de identificar os autores mais relevantes para os professores, advindos das respostas dos questionários, Michel Foucault apareceu dentre os mais citados, ao lado de outros autores da Museologia, isso por conta da resposta de um professor, que citou mais obras desse autor, a saber: Fonte: O autor.
Freq. 2 2 2
Autor CERÁVOLO, Suely Moraes MENSCH, Peter Van FOUCAULT, Michel
Quadro 8: Autor mais relevante da Museologia – Categoria BM
Por fim, para conhecer as características das obras citadas nos planos de ensino dos cursos de Museologia e as referências citadas pelos professores como as mais relevantes, obteve-se o seguinte resultado: predominância do uso de capítulo de livros, com 38,2 % e 64, 3% (diferente da ocorrência na categoria anterior ABM, que prevaleceu o uso de artigos e livros), datadas da década de 2000, com 67,6% e 57,1%, e no idioma em português com 97,1% e 92,9%. 3 Cursos de Museologia pertencentes à categoria M Os quatro cursos de Museologia que fazem parte da categoria M, isto é, em instituições onde inexistem cursos de Biblioteconomia e Arquivologia, inclusive de Ciência da Informação, são representados pelas seguintes universidades: UFOP, UFPEL, UFRB e UNIBAVE. Na UFOP o curso de Museologia está ligado especificamente a um Departamento de Museologia, que oferta também o programa de pós-graduação lato sensu em Museologia e Sociedade. Na UFPEL o curso encontra-se no Departamento de Museologia, Conservação e Restauro do Instituto de Ciências Humanas, na UFRB o curso vincula-se ao Centro de Artes Humanidades e Letras, e na UNIBAVE – único curso particular – a Museologia é ministrada no próprio Centro Universitário Barriga Verde, não sendo vinculado a um departamento ou centro como ocorreu com os outros cursos. As disciplinas teóricas específicas que tiveram os planos de ensino coletados são nomeadas nas três primeiras instituições de “Introdução à Museologia” e na última “Museologia”, a qual não se obteve o plano de ensino e o retorno do questionário enviado ao professor da mesma disciplina. Assim, foram coletadas 86 referências dos planos de ensino dos cursos da UFOP, UFEL e UFRB. Dessas referências apenas três foi citada mais de uma vez, tendo às demais a citação igual a um. Desse modo, apresentam-se as referências mais citadas:
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Freq. Obra Autor 2 MUSAS Revista Brasileira de Museus e Museologia IPHAN (BRASIL) Política Nacional de Museus. Bases para a Política Nacional de Museus e Programação de Formação e Ministério da 2 Capacitação em Museologia cultura (BRASIL) 2 Política Nacional de Museus: Relatório de Gestão 2003-2006 IBRAM (BRASIL) Quadro 9: Obra mais citada da Museologia – Categoria M
MUSEOLOGIA & INTERDISCIPLINARIDADE Vol.1II, nº5, maio/junho de 2014
202
Fonte: O autor.
Formação em Museologia no Brasil:Análise da Influência Acadêmico-Institucional
Fonte: O autor.
Essas três obras diferentes em seus formatos e objetivos, pois a primeira refere-se a um periódico editado pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), a segunda e a terceira, embora, sejam parecidas – “Política Nacional de Museus”, este documento editado pelo Ministério da Cultura está direcionado para a criação das bases conceituais para o setor da cultura e para o setor museológico. Enquanto a outra referência editada pelo Instituto Brasileiro de Museus diz respeito a um conjunto de textos voltados para reflexões das ações daquela política, constituindo em um balanço do campo museológico durante os quatro primeiros anos do mandato do presidente da república Luís Inácio Lula da Silva. Para saber qual autor mais citado, agrupou-se os mesmos independente da obra, obtendo, assim, o seguinte resultado: Freq. 4 3 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Autor ICOM/UNESCO CHAGAS, Mário IPHAN (BRASIL) IBRAM (BRASIL) CASTRO, Ana Lúcia Siainesde CURY, Marília Xavier LOUREIRO, J. M. M. MASON, Timothy MUSEU HISTÓRICO NACIONAL (BRASIL) Ministério da cultura (BRASIL) SANTOS, Maria Célia T. M.
Quadro 10: Autor mais citado da Museologia - Categoria M
Desses autores mais citados, em primeiro lugar aparece a instituição do ICOM, responsável por publicações como: “Código de Ética para Museus”, “Museos, patrimonio y turismo cultural”, “Noticias del ICOM. BoletíndelConsejo Internacional de Museos”, e a revista ICOM News. O segundo autor mais citado, Mário Chagas possui três citações por conta das seguintes obras: “Resposta de Hugues de Varine às perguntas de Mário Chagas”, “Memória e poder: focalizando as instituições museais” e “Museália”. Os demais autores possuem duas citações cada, esses autores (entre pessoas e instituições) estão todas voltadas para o campo museológico, para as questões concernentes aos museus, patrimônio e cultura. Enfim, considera-se, a partir da análise das referências, que a ausência de obras, que tem como tema o campo da Arquivologia, Biblioteconomia ou mesmo Ciência da Informação é acentuada em virtude do afastamento do campo da Museologia com esses cursos. Ainda para saber quais as obras mais relevantes, perguntou-se aos professores das disciplinas quais eles julgam mais relevantes. Desse modo, dois cursos
Gabrielle Francinne de S.C. Tanus, Carlos Alberto Ávila Araújo, Letícia Julião
responderam ao questionário UFOP e UFRB, os quais apontaram nove referências diferentes umas das outras, ocasionando uma alta dispersão das respostas, a fim de aclarar quais são, apresenta-se as mesmas abaixo: Freq. 1 1 1 1 1 1
Fonte: O autor.
1 1 1
Obra Anais do Museu Histórico Nacional v. 33 Museália A Alegoria do patrimônio Cartas Patrimoniais O campo de atuação da Museologia Entre cenografias: O Museu e a Exposição de Arte no século XX Política Nacional de Museus. Bases para a Política Nacional de Museus e Programação de Formação e Capacitação em Museologia Política Nacional de museus: Relatório de Gestão 2003-2006 Sistema Brasileiro de Museus e Cadastro Nacional de Museus (2006)
Autor Museu Histórico Nacional (BRASIL) CHAGAS, Mário CHOAY, Françoise CURY, Isabelle (Org) CURY, Marília Xavier GONÇALVES, Lisbeth Rebollo
IPHAN (BRASIL) IPHAN (BRASIL) IPHAN (BRASIL)
Quadro 11: Obra mais relevante da Museologia – Categoria M
Conforme se pode notar as três últimas referências são obras cuja autoria refere-se ao IPHAN, colocando-o assim como o autor mais relevante para os professores dessa categoria, com frequência igual a três. Os demais autores são autores brasileiros, com exceção de Françoise Choay, de nacionalidade francesa, e do Museu Histórico Nacional, em que a autoria é institucional. Freq. Obra Autor 3 Anais do Museu Histórico Nacional v. 33 Museu Histórico Nacional (BRASIL) Quadro 12: Autor mais relevante da Museologia – Categoria M
Finalmente, delineia-se o perfil das referências, as quais são representadas, em primeiro lugar, pelos livros, com 39,5%, entre as referências citadas nos planos de ensino, e 66,7%, correspondem aos livros na categoria entre as mais relevantes, as quais são datadas, em sua maioria, dos anos 2000, com 57% e 88,9%, respectivamente, e escritas e/ou editadas em português com 94,2% e 100%. Considerações Finais Os planos de ensino dos cursos de Museologia foram os que menos apresentaram marcas dos outros campos científicos, Arquivologia, Biblioteconomia e Ciência da Informação, isto é, apresentaram um menor índice de citações de obras de interesse comum. A categoria ABM, a mais fecunda para essa ocorrência, dada a proximidade com os cursos de Arquivologia e Biblioteconomia, não apresentou dentre as obras mais citadas obras de interesse, com exceção apenas dos cursos da UnB e UFRGS, que realizaram citação de algumas obras. Os cursos de Museologia, portanto, apresentam uma menor influência acadêmico-institucional quando comparado aos cursos de Arquivologia e de Biblioteconomia do país.A temática da Ciência
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Formação em Museologia no Brasil:Análise da Influência Acadêmico-Institucional
da Informação também não esteve presente de modo considerável nos cursos de Museologia, mesmo quando alocados próximos um do outro, como ocorre com os cursos da UFPE, UFBA, UFMG, UFSC e UnB, faculdades que ofertam tanto o curso de graduação em Museologia quanto de pós-graduação em Ciência da Informação. Desse modo, foi possível perceber que os cursos de Museologia, independente da proximidade com outros cursos em questão, acumularam citações de obras, autores e temáticas relativas ao próprio campo e temas como museu e patrimônio. Dentre os autores mais citados grande parte é institucional, como IPHAN, IBRAM, ICOM, Ministério da Cultura, Museu Histórico Nacional; dentre os não institucionais, destacaram-se autores como Bruno, Guarnieri, Chagas, Menezes, Santos, Cerávolo, Desvallées, Mensch, etc. Em relação à baixa frequência de autores da Arquivologia, Biblioteconomia e Ciência da Informação nos planos de ensino do curso de Museologia, acredita-se que isso revela um afastamento entre as áreas, pelo menosno que tange os planos de ensino das disciplinas teóricas específicas analisadas. Isso parece demonstrar que a localização doscursos de Museologia em relação àqueles cursos ocorre mais por questões políticas, institucionais, do que epistemológicas. O perfil das 425 referências citadas nos 14 planos de ensino apresentou certa homogeneidade quanto à tipologia das obras, visto que o segundo lugar, com 133 obras, ou seja, 133 artigos correspondem a 31,3%, enquanto o primeiro lugar, 144 livros, totaliza 33,9%. A década de 2000 representa 56,7% das citações, o que corresponde à maioria das referências, assim como o idioma em português com 90,4%.
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Fonte: O autor.
Tipologia das obras Livro Artigo Capítulo de livro Site Periódico Lei Dissertação Documento eletrônico Norma Outro Verbete Anais Filme Decreto Parecer Tese Total
Décadas das obras Freq.
Freq.
%
144 133 58 26 14 9 7
33,9 31,3 13,6 6,1 3,3 2,1 1,6
2000 1990 Sem data 1980 1970 1950 1960
6 5 5 5 4 4 3 1 1 425
1,4 1,2 1,2 1,2 0,9 0,9 0,7 0,2 0,2 100
Total
%
Idioma
Freq.
%
241 107 35 34 6 1 1
57 25 8,2 8 1,4 0,2 0,2
Português Francês Espanhol Inglês Total
384 17 16 8 425
90,4 4 3,8 1,9 100
425
100
Quadro 13: Classificação das obras citadas nos planos de ensino da Museologia
Em relação à tipologia das obras apontadas como as mais relevantes nos 11 questionários respondidos pelos professores das disciplinas teóricas específicas dos cursos de Museologia, 33,3%, o que corresponde a 22 obras, está no
Gabrielle Francinne de S.C. Tanus, Carlos Alberto Ávila Araújo, Letícia Julião
formato de livros. No segundo lugar estão os artigos e capítulo de livros, os quais tiveram 16 citações cada, em um total de 32 obras, isto é, 48,4%. A década de 2000 como período de publicação das obras se destacou com 56%, quanto ao idioma prevaleceu as obras escritas e/ou editadas em português, com 86,4%.
Fonte: O autor.
Tipologia das obras Livro
Décadas Freq. % das obras Freq. 22 33,3 2000 37
Artigo Capitulo de livro
16 16
24,2 24,2
1990 1980
16 7
Site Periódico Verbete Anais Documento eletrônico Outro Tese Total
4 2 2 1
6,1 3 3 1,5
Sem data 1970 Total
4 2 66
1 1 1 66
1,5 1,5 1,5 100
% 56
Idioma Freq. % Português 57 86,4
24 11
Espanhol Francês
6,1 Inglês 3 Total 100
5 3
7,6 4,5
1 1,5 66 100
Quadro 14: Classificação das obras citadas como mais relevantes da Museologia
As citações nos planos de ensino da Museologia apresentaram uma diversidade de tipologias, tal como ocorreu nos cursos de Arquivologia e de Biblioteconomia. De modo semelhante aos outros dois cursos (Arquivologia e Biblioteconomia), o curso de Museologia apresentou, dentre as obras citadas, maior número de textos em língua portuguesa, produzidos, em sua maioria, na década de 2000, o que possibilita aos seus discentes um maior acesso a textos recentes. Ainda em relação à língua utilizada nos textos, o curso de Museologia apresentou o idioma francês em segundo lugar no quadro das obras mais citadas, enquanto nas obras mais relevantes o segundo lugar corresponde ao idioma espanhol. Já os cursos de Biblioteconomia tiveram como segundo idioma mais citado o inglês, e a Arquivologia o espanhol. Desta forma, ao observar a tipologia das obras citadas nos planos de ensino e nos questionários dos três cursos, os livros foram considerados as obras mais relevantes e foram as obras mais citadas nos cursos de Arquivologia e Museologia, enquanto na Biblioteconomia os artigos foram os mais citados nos planos de ensino. Talvez a quantidade superior de artigos nas citações dos cursos de Biblioteconomia esteja relacionada com a quantidade de periódicos voltados para este campo e/ou para o campo da Ciência da Informação, enquanto a Arquivologia e a Museologia, embora possuam espaços de publicações nos periódicos de Ciência da Informação, dispõem de menos periódicos especializados em suas áreas. Considera-se, portanto, que os cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia do Brasil citam obras atualizadas, pois foram escritas e/ou editadas recentemente, sendo obras mais acessíveis por estarem, em sua maioria, em português, e em formatos importantes, como os livros e os artigos. Referências BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato. A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Olhos d’água, 2003. Cap. 2, p. 112-143. BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: UNESP, 2004.
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Formação em Museologia no Brasil:Análise da Influência Acadêmico-Institucional
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BRASIL. Decreto nº 6.096 de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 25 abr. 2007. Disponível em:<http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6096.htm>.Acesso em: 01 jan. 2012. CENTRO UNIVERSITÁRIO BARRIGA VERDE. Curso de Museologia. Disponível em: <http://www.unibave.net/index.php?a=4774>. Acesso em: 14 jun. 2012. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber. Organizador Manoel Barros da Motta. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2010.(Ditos e escritos, v. 4). FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 22. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 35. ed. Rio de Janeiro:Vozes, 2011. TANUS, Gabrielle Francinne de S.C. Análise da influência acadêmico-institucional nos cursos de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia do Brasil. 235 f. 2013. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação)– Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Ciência da Informação, Belo Horizonte, 2013. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Curso de Museologia. Disponível em: <www. unb.br/aluno_de_graduacao/cursos/museologia>. Acesso em: 14 jun. 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Curso de Museologia. Disponível em: <http://www.ffch.ufba.br/spip.php?article235>. Acesso em: 15 jul. 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS. Curso de Museologia. Disponível em: <http://www.cienciassociais.ufg.br/>. Acesso em: 11 jun. 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Curso de Museologia. Disponível em: <ww.eci.ufmg.br/graduacao/museologia> Acesso em: 15 jul. 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO. Curso de Museologia. Disponível em: <ww.museologia.ufop.br/>. Acesso em: 15 jun. 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS. Curso de Museologia. Disponível em: <http://museologiaufpel.wordpress.com/>. Acesso em: 14 jun. 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Curso de Museologia. Disponível em: <http://www.ufpe.br/proacad/index.php?option=com_content&view= article&id=157&Itemid=138>. Acesso em: 10 de jun. 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Curso de Museologia. Disponível em: <http://museologia.ufsc.br/>. Acesso em: 14 jun. 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE. Curso de Museologia. Disponível em: <laranjeiras.ufs.br/pagina/museologia-853.html>. Acesso em. 11 jun. 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Curso de Museologia. Disponível em: <www.unirio.br/museologia/>. Acesso em: 14 jun. 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Curso de Museologia. Disponível em: <http://www.ica.ufpa.br/>. Acesso em: 13 jun. 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO BAIANO. Curso de Museologia. Disponível em: <www.ufrb.edu.br/museologia/>. Acesso em: 11 jun. 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Curso de Museologia. Disponível em: <www.ufrgs.br/fabico/ensino/graduacao/museologia>. Acesso em: 14 jun. 2012.
Artigo recebido em dezembro de 2013. Aprovado em fevereiro de 2014
ENTRE A CASA E O MUSEU: ITINERÁRIOS DA PRODUÇÃO DA CRENÇA NO ACERVO DE CORA CORALINA
Clovis Carvalho Britto1*
ResumO: O artigo analisa as estratégias de produção da crença em Cora Coralina a partir da manipulação de seu legado documental destacando como a escritora, herdeiros legais e simbólicos promoveram agenciamentos em prol de sua distinção nas tramas da economia simbólica. Analisando a construção do museu, as publicações e os eventos sustentados no acervo da escritora, observamos como o conjunto de documentos adquiriu centralidade na batalha das memórias que institui personalidades significativas no campo do patrimônio cultural brasileiro.
PalaVras-CHaves: Cora Coralina. Acervo. Museu. Patrimônio.
Abstract: The article discusses the production strategies of belief in Cora Coralina and manipulation of its collection by the writter, legal heirs and symbolics promoted on behalf of his distinction in the context of the symbolic economy. Analyzing the construction of the museum, publications and events supported in the collection of the writter, observed as a set of documents acquired centrality in the battle of memories establishing significant personalities in the field of Brazilian cultural heritage.
Key-words: Cora Coralina. Collection. Museum. Heritage.
Fronteiras 1 * Realiza estágio pós-doutoral em Estudos Culturais no Programa Avançado de Cultura Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UNB). Professor do Núcleo de Museologia da Universidade Federal do Sergipe (UFS). E-mail: clovisbritto5@hotmail.com.
Entre a Casa e o Museu: Itinerários da Produção da Crença no Acervo de Cora Coralina
MUSEOLOGIA & INTERDISCIPLINARIDADE Vol.1II, nº5, maio/junho de 2014
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Discutir sobre as estratégias de produção da crença em Cora Coralina (1889-1985) a partir da manipulação de seu legado documental destacando como a escritora, herdeiros legais e simbólicos promoveram/promovem agenciamentos em prol de sua distinção na trama da economia simbólica é o objetivo deste trabalho. Ao promovermos uma espécie de arqueologia/genealogia da construção do museu, das publicações e eventos sustentados no acervo da escritora visualizamos como o conjunto documental adquiriu centralidade na “batalha das memórias” que institui personalidades significativas no campo do patrimônio cultural e museus-casa brasileiros. Delgado (2005) definiu esse processo como a construção de Cora como uma Mulher-Monumento em que a disputa pela fabricação de sua biografia envolve uma rede de memórias que ora se apóiam ou se cruzam, ora se excluem no processo de monumentalização da poetisa como símbolo emblemático da cidade de Goiás constituindo, assim, uma peça estratégica na construção desse “lugar da memória”. Nesse sentido, Cora se torna metáfora e metonímia da cidade de Goiás. Talvez por sua memória poética ser incrustada, fossilizada no espaço da cidade de Goiás, lugar em que elegeu dois principais espaços memoriais: os becos e a Casa Velha da Ponte. Dois espaços relacionais por excelência, espaços de redefinição de fronteiras: tornando-se baliza, espaço de separação e costura, fronteira física e simbólica, pontes, conectores. Poderíamos aproximar da interpretação de Pratt (1999) quando concebe fronteiras como “zonas de contato” entre diferentes povos e culturas, constituindo, ao mesmo tempo, um limite para os portadores de culturas específicas e múltiplas possibilidades de transformação dos agentes do lugar, a partir da colaboração e dos antagonismos. Questão que se complexifica quando consideramos esse espaço não apenas fronteiriço, mas diluidor de fronteiras. Uma espécie de soleira que adquiriu centralidade, moldura que se tornou obra, segundo códigos de sociabilidade impactados pelo trânsito e pela permanência. Daí pensar os becos de Goiás, como espaços de agenciamento, espaços rizomáticos. Um rizoma possui formas diversas, conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e seus traços não remetem obrigatoriamente a traços de mesma natureza, colocando em jogo regimes de signos muito diferentes. Um rizoma é aliança, é um entre, “não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 37). Espaço rizomático ou um espaço liminar, nos moldes como configurou o antropólogo Roberto DaMatta (2000), visualizando espaços dessa natureza como importantes na configuração das sociabilidades: Como, então, tomar o limem e o paradoxal como negativos em sistemas relacionais, como o Brasil, uma sociedade feita de espaços múltiplos, na qual uma verdadeira institucionalização do intermediário como um modo fundamental e ainda incompreendido de sociabilidade é um fato social corriqueiro? Como ter horror ao intermediário e ao misturado, se pontos críticos de nossa sociabilidade são constituídos por tipos liminares como o mulato, o cafuzo e o mameluco (no nosso sistema de classificação racial); o despachante (no sistema burocrático); a(o) amante (no sistema amoroso); o(a) santo(a), o orixá, o ‘espírito’ e o purgatório (no sistema religioso); a reza, o pedido, a cantada, a música popular, a serenata (no sistema de mediação que permeia o cotidiano); a varanda, o quintal, a praça, o adro e a praia (no sistema espacial); o ‘jeitinho’, o ‘sabe com quem está falando?’ e o ‘pistolão’ (nos modos de lidar com o conflito engendrado pelo encontro de leis impessoais com o prestígio
Clovis Carvalho Britto
e o poder pessoal); a feijoada, a peixada e o cozido, comidas rigorosamente intermediárias (entre o sólido e o líquido) no sistema culinário; a bolina e a ‘sacanagem’ (no sistema sexual) (DAMATTA, 2000, p. 14).
Não somente os becos imprimem força na lírica coraliniana. A Casa Velha da Ponte também assume centralidade neste projeto confessional. Também se torna metáfora e metonímia da cidade de Goiás, dos costumes e ethos dos agentes de sua comunidade, fronteira entre memórias individuais e coletivas. A casa, espaço por excelência do feminino, também retoma o lugar da mulher nessa sociedade na transição dos séculos XIX e XX, que a máscara lírica Aninha viu ou ouviu dizer e que a máscara Cora Coralina registrou, nesses dois espaços de permissividade poética. Descreve, por exemplo, a forma com que a arquitetura da cidade refletia a clausura destinada às mulheres com seus muros e portões e, principalmente, com as janelas de tabuleta:
Antigamente, as boas casas de Goiás tinham janelas de rótulas como tiveram todas as cidades coloniais deste imenso Brasil. Em Goiás sobreviveram por mais de dois séculos, sobrevivem ainda com velhos costumes domésticos que vão se diluindo através das gerações, ao tempo que as rotulasse modificam sem desaparecer de todo. [...] Foram elas o documentário mais expressivo da segregação da fêmea dentro da casa senhorial.As de Goiás eram chamadas rótulas de tabuleta, de tabuinhas, de colocação horizontal, grampeadas num pino, vertical, móvel, com trincos e tramelinhas laterais, para abrir e fechar à vontade. As paredes onde se encaixavam essas janelas eram de notável espessura, como inda se vê em tantas casas. Comportavam internamente, dos lados, assentos lisos ou com almofadas onde as mulheres, mais comodamente, pudessem estar à rótula. Movendo trincos, pinos e tramelinhas era que a gente da casa via o pequeno mundo da cidade e tomava conhecimento de seus moradores (CORALINA, 2006, p. 85-86).
Cora Coralina, ao descrever a mulher goiana no universo da casa, se aproxima da compreensão do pesquisador e a mulher, dessa forma, assumiria o aspecto relacional ao interagir com a rua através das tabuletas:“viam sem ser vistas”,“a gente da casa via o pequeno mundo da cidade [a rua]”. Desse modo, em alguns momentos as separações entre a casa e a rua, o público e o privado, o individual e o coletivo tornam-se tênues. Isso se evidência nas janelas de rótulas, mas também no alinhamento das casas que, cochicham umas com as outras, muitas vezes não possuindo calçadas e estabelecendo rituais e sociabilidades, a exemplo dos códigos que informam se o morador está ou não apto a receber visitas, ou se encontra na residência a partir da abertura das portas do meio e da rua. A constatação realizada a partir da análise do texto poético também é evidenciada por DaMatta, quando, em A casa e a rua (1997), afirma que a mulher tornou-se ente mediador por excelência. São mediatrizes e meretrizes (mediadoras), ligando o interno ao externo. Ao ousar sair do espaço tradicionalmente destinado à mulher, tornando-se através da escrita protagonista/enunciadora de seus desejos e porta-voz dos outros, a própria Cora se torna baliza, limite, fronteira. A propósito, podemos dizer que existe uma Goiás antes e uma depois de Cora Coralina. Se a arquitetura de Goiás, o papel da mulher na sociedade e a própria opção estética da lírica coraliniana ao privilegiar a casa e os becos assumem esse lugar de intermezzo, tal proposta assume contornos mais fortes quando nos deparamos com a configuração do Museu-Casa de Cora Coralina ou, a priori, com a configuração de um Museu-Casa ou Casa-Museu. Para além das diferentes tipologias de Museus-Casas levando em conta informações históricas, artís-
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Entre a Casa e o Museu: Itinerários da Produção da Crença no Acervo de Cora Coralina
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ticas, arquitetônicas e sociais (de personalidades, de colecionadores, de beleza, de eventos históricos, da sociedade local, ancestrais etc.), o que nos interessa é perceber nestes museus que o documento/monumento é a simbiótica relação entre o edifício, a coleção e o proprietário – anfitrião do espaço (PUIG, 2011). Aqui, torna-se importante a afirmação de Rangel (2007, p. 83) quando destaca a preocupação de que o Museu-Casa não fique engessado pelo conceito: “não somos mais uma casa, nem ‘somente um museu’; somos o somatório destes dois universos ricos em possibilidades de atuação”.Vislumbramos, assim, um trânsito entre as dimensões pública e privada ao concebermos a própria casa como uma peça fundamental do museu. Questão que se conplexifica quando observamos, muitas vezes, que o Museu-Casa e as demais estratégias de produção da crença contribuem para que o indivíduo homenageado esteja mais vivo post mortem do que quando ele estava entre nós. Nesse sentido, buscamos compreender as relações entre acervos literários e economia simbólica considerando as estratégias de manipulação da memória dos titulares e os lucros simbólicos e materiais decorrentes dessa manipulação. Tarefa empreendida em vida pelos integrantes do campo de produção simbólico em busca do estabelecimento de legitimidades manifestas nas formas de prestígio, autoridade e distinção (BOURDIEU, 1983).As lutas pela distinção são constantes e torna-se necessário um contínuo processo de reavaliação, reinvenção e reverberação da memória literária dos agentes a quem se pretende “imortalizar”. Na verdade, os acervos literários possuem valor estratégico nesse processo, já que consistem em indícios e manifestação material de determinados aspectos da trajetória e das obras que interessam consagrar. Surgem, assim, mecanismos que conferem legitimidade (e ilegitimidade) a ações empreendidas em nome da prevalência de determinadas leituras sobre o passado (versões concorrentes) e do monopólio do direito de falar sobre o passado (capitais diferenciados). É por essa razão que seguimos a opção de Heymann (2004) ao visualizarmos como os acervos interferem na construção de legados. Não apenas como herança material e política deixada às gerações futuras, mas entendidos como investimento social em virtude do qual uma determinada memória individual é transformada em exemplar ou fundadora de um projeto, ou, em outras palavras, ao trabalho social de produção da memória resultante da ação de “herdeiros” ou “guardiães”:“a produção de um legado implica na atualização constante do conteúdo que lhe é atribuído, bem como na afirmação da importância de sua rememoração” (HEYMANN, 2004, p. 3). Os agentes interessados se utilizam dos acervos como instrumentos úteis para a criação, manutenção e divulgação da memória do personagem, fomentando a criação de espaços de evocação da imagem e de atualização da trajetória do titular por meio de trabalhos acadêmicos, reedições, exposições, eventos e comemorações. Não desconsideramos as estratégias que o próprio titular forjou com vistas à criação de uma memória que sobrevivesse a sua morte, das quais a constituição do acervo pessoal seria um ilustrativo exemplo. Mas o que nos interessa é perceber as apropriações posteriores dessa memória e as formas de encenação da “imortalidade” instituídas pelos agentes e instituições que se revestem da condição de “herdeiros” ou “guardiães” dessa memória. A produção do legado se estabelece conjuntamente com a produção da crença nesse legado. Para além da existência de uma trajetória e de um projeto criador considerado excepcional, torna-se necessário que a energia social produzida em torno de um nome próprio se estenda ao longo do tempo. Quanto maior a extensão cronológica do prestígio, maior é a eficácia dos mecanismos materiais e simbólicos mobilizados contra a ameaça do esquecimento. Desse
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modo, não basta ser um escritor conhecido e reconhecido em sua geração, é necessário reunir subsídios para que sua obra conquiste perenidade ou reconquiste o prestígio perdido ou não obtido em outros tempos.Tarefas empreendidas não apenas pelos herdeiros legais e simbólicos do autor, mas pelo conjunto de agentes que integram o espaço de possíveis expressivos de produção simbólica: escritores, editores, críticos literários, biógrafos, jornalistas, instituições de ensino e cultura, dentre outros. Aqui é importante compreendermos as ações empreendidas pelo artista (e post mortem pelos demais agentes) para a gestão e manutenção do capital de legitimidade acumulado. Ações que convergem para o estabelecimento de uma “marca” distintiva, identificada com o capital simbolizado por seu nome e renome e, conseqüentemente, com a posição ocupada no campo artístico. O escritor fornece eficácia à alquimia simbólica, na medida em que garante a produção de um bem dotado de uma “marca” específica. É por isso que no campo artístico os “descendentes legítimos” (familiares, colaboradores, discípulos) lutam para a perpetuação da “mensagem”, mas não para substituir o “criador”, ou seja, se unem para a perpetuação do carisma. Nesse aspecto a escolha de Cora Coralina não foi aleatória, nos amparamos nas orientações de Chagas (2008) quando, a partir da noção de uma poética do espaço, refletiu sobre as experiências de casas-museus a exemplo do Museu Casa de Cora Coralina. Enquadrando Cora como uma heroína popular, a partir da dimensão épica de sua trajetória, concluiu que o mundo museal brasileiro está em transformação ao se abrir para a valorização de vozes não dominantes e historicamente silenciadas. Para tanto, apresenta algumas interrogações que nos servem como pontos de partida: Afinal de contas, porque essa casa – e exatamente essa casa – foi transformada em uma casa museu? Por que essa casa deixou de servir como habitação de pessoas, foi ressignificada, e passou a ser um espaço explicitamente poético e político? Por que a vontade de memória, a vontade de patrimônio e a vontade de museu se concentraram nessa casa – e exatamente nessa casa – transformando-a num espaço de teatralização do passado e de criação de memórias do futuro? (CHAGAS, 2008, p. 2).
A anfitriã Cora Coralina desenvolveu uma trajetória de vida e um projeto criador sui generis culminando com sua volta a casa familiar em Goiás 45 anos depois, lugar em que escreveu sua obra e construiu seu acervo literário. Na casa ancorada às margens do Rio Vermelho reuniu centenas de “papéis de circunstância” que ficaram amontoados em gavetas e caixas enquanto rascunhava novas obras e aguardava a publicação das mesmas. No final de sua vida, período de uma explosão discursiva em torno de seu nome e imagem, apesar de receber alguns prêmios de projeção nacional como o de Doutora Honoris Causa (1983) pela Universidade Federal de Goiás, o Juca Pato (1984) da Folha de São Paulo e União Brasileira dos Escritores e o Grande Prêmio da Crítica (1984) da Associação Paulista de Críticos de Arte e das crônicas de Carlos Drummond de Andrade que chancelaram nacionalmente sua obra, Cora ainda encontrou dificuldades para publicar seus livros. Conforme descreveu no poema “Meu vintém perdido”, de Poemas dos becos de Goiás e estórias mais (1965), permaneceu treze anos no esquecimento “esperando se fazer a geração adolescente/ que só o conheceu na sua segunda edição” (CORALINA, 2007, p. 52). E em entrevistas, diários e correspondências não é incomum encontrá-la falando sobre essa te-
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mática desde 1960 quando desenvolveu uma peregrinação pelas editoras paulistas em busca da publicação de seu primeiro livro (BRITTO; SEDA, 2009). Frase que inaugura o texto de abertura escrito para a segunda edição de Poemas dos becos: “mais fácil, para mim, escrever um livro do que publicá-lo. Devo a tantos chegar a esta edição. Amigos, muitos, me estenderam as mãos, cuidaram da nova apresentação, escoimaram erros numa revisão minuciosa, me socorreram nas dificuldades” (CORALINA, 2001, p. 21). Em carta datada de 1965, ao escritor Augusto Lins, a poetisa expôs a dificuldade: “muito me ajudaria perante as editoras, para a publicação de um livro de contos, se tudo quanto sentiu lendo esses Poemas e externou com magia na sua carta, fosse publicado em revista ou jornal dessa culta cidade e assinado com a grandeza de seu nome”. Destacando, ainda, que o destinatário possuía um nome “altamente credenciado” e que, por isso mesmo, a crítica depois de publicada deveria ser enviada para a Editora José Olympio: “a edição dos Poemas já está esgotada. Sinto necessidade de apoio para novos lançamentos. Acontece o seguinte: embora me ajude o conteúdo dos livros, desajuda-me, contudo, a idade e... estamos no Brasil”. Isso é evidente se observamos que embora seu nome fosse conhecido nacionalmente e tivesse muitos livros prontos, quando faleceu havia publicado apenas três livros de poemas com as seguintes reedições: Poemas dos becos de Goiás e estórias mais publicado em 1965 pela Editora José Olympio e sua segunda e terceira edições pela Editora da Universidade Federal de Goiás, respectivamente em 1978 e 1980; Meu livro de cordel publicado pela Livraria e Editora Cultura Goiana em 1976; e Vintém de cobre pela Editora da Universidade Federal de Goiás em 1983, com segunda edição pela mesma editora um ano depois. A análise das reedições dos livros de Cora Coralina revela que foram lançadas justamente no período de sua maior projeção nacional, ou seja, a partir de 1980. Todavia, ao contar com o auxílio de amigos para editar suas obras e, nesse sentido, concordar que seus livros fossem publicados por editoras goianas, contribuiu para que seu nome e imagem fossem conhecidos mais do que seus livros. No acervo da escritora é possível identificar matérias em jornais de Goiânia cujos redatores reclamavam da ausência dos livros de Cora nas livrarias goianas e de outros estados. Essa repercussão contribuiu para que a Editora da Universidade Federal de Goiás lhe escrevesse prometendo-lhe uma solução para o impasse: Prezada amiga Cora. Só agora respondo a sua carta, depois de ter acertado algumas providências a respeito de seu livro. Embora a sua poesia dispense qualquer promoção, é evidente que a crônica de Carlos Drummond de Andrade veio tornar mais fácil o nosso trabalho de difusão e venda do seu livro fora de Goiás. Infelizmente esta Editora estava presa por um contrato de exclusividade com a Livraria Planalto e somente ela, como distribuidora exclusiva, poderia e deveria remeter os livros publicados pela Universidade para as principais livrarias do País, tarefa da qual não estava se desincumbindo a contento. Entramos em entendimento com a Livraria Planalto e, graças à compreensão e boa vontade do Sr. Sebastião de Miranda, podemos agora utilizar os serviços de outras firmas fora do Estado de Goiás. Já nos dirigimos a três das melhores distribuidoras de livros do País visando, especialmente, à colocação do seu livro nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Junto segue cópia da carta endereçada a essas Distribuidoras para seu conhecimento. Os 1.000 exemplares de sua propriedade estão guardados na Imprensa da UFG onde poderão ser apanhados quando assim o desejar. Cordial abraço deste seu amigo e admirador (REZENDE, 1981).
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Escolhemos este documento por acreditarmos ser ilustrativo das relações que o nome ou marca “Cora Coralina” empreendia no campo literário brasileiro após a crônica e as cartas de Carlos Drummond de Andrade que reconheceram a importância do legado da poetisa goiana. Questão explícita no ofício quando afirma que o poder simbólico da marca “Drummond” facilitaria sobremaneira a difusão da obra da poetisa fora de Goiás. Reconhecimento que acarretou maiores olhares sobre a escritora que, por conseguinte, despertaram o interesse da crítica e do público leitor e exigiram que sua editora modificasse o plano de ação visando uma distribuição eficiente dos livros para fora do estado. Além dessa “radiografia” de um momento do campo literário, destaca que os mil exemplares destinados à autora já estavam a sua disposição. Muitas editoras dispõem em contrato a possibilidade dos autores receberem seus direitos autorais em dinheiro ou em exemplares. No caso de Cora Coralina, ela optava por receber sua parcela em livros que eram vendidos em sua própria residência para as dezenas de turistas de diversas partes do País e do mundo que a procuravam. Desse modo, ao mesmo tempo em que transformava sua casa em uma espécie de livraria, difundia seu nome e reforçava a estratégia de relacionar contornos biográficos a sua obra: o leitor além de conhecer a autor do livro, adquiria a obra na casa em que foi elaborado, no espaço descrito pelo narrador e pelo “próprio” narrador, visto que ali quem vendia e conversava com os leitores não era apenas Ana Lins, mas também a personagem Cora Coralina. O escritor e sua obra, ao vivo e ao mesmo tempo, na Casa Velha da Ponte (um dos espaços mnemônicos eleitos pela escritora e fundamentais para a compreensão de seu projeto criador). Muitas vezes, a escritora fazia questão de declamar seus versos e escrever um poema exclusivo em cada uma das dedicatórias, relacionado ao nome, a profissão ou a algum dos temas trazidos pelo interlocutor. Ação que reforçava a engrenagem do campo literário ao ponto dessa prática ser incorporada no roteiro turístico da cidade de Goiás: conversar com Cora Coralina, comprar seus doces e livros, ouvir a declamação de seus poemas. Uma visita a Goiás, a antiga capital do Estado, não se completa sem que se vá conhecer Cora Coralina. Ela mesma é quem o diz: ‘Já pertenço ao patrimônio da cidade’. Conhecê-la, porém, não é apenas ir vê-la: ‘Você veio aqui conhecer Cora Coralina’, diz ela a uma visitante, ‘não veio olhá-la na cara não. Conhecê-la é conhecer o seu espírito, é levar consigo, ao sair, o seu íntimo, a sua mensagem de otimismo, de juventude, de poesia’. A sala está sempre cheia: gente sai, gente entra. De tudo quanto é lugar: SP, RJ, DF, GO, são as iniciais que exibem as chapas de carros estacionados por perto. Há os que querem comprar seus doces e livros e os que só desejam ouvi-la dizer seus poemas. E ela vai dizendo a propósito de qualquer coisa de que esteja fazendo (RAMOS, 1971, p. 1).
Apesar de dizer em entrevistas não se importar com a imortalidade simbólica e que “o que vale é a imortalidade da carne, dos músculos, dos ossos, da massa cinzenta” (CORALINA, 2004, p. 1), observamos que Cora dedicou parte de sua vida à busca da imortalidade por meio de suas obras. Em diversos poemas encontramos esse anseio, a exemplo do poema em epígrafe neste item que reafirma que quando morrer não morrerá de tudo já que estará nas páginas de seus livros. Aqui dialogamos com El Far (2000) ao concebermos tais estratégias autorais como mecanismos de “encenação da imortalidade”, garantindo a sobrevivência de determinadas memórias e, por isso mesmo, a invenção de tradições. No caso de Cora Coralina essa “imortalidade” pode ser estendida ao
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seu acervo pessoal que compreende seus objetos pessoais, seu arquivo literário e sua biblioteca. Muitos são os turistas e freqüentadores da casa da poetisa que ainda se lembram de determinados objetos ou que seu acervo documental permanecia espalhado sobre mesas ou empilhados em caixas de papelão esparramadas pela casa. Além de seu conteúdo, a materialidade do acervo pessoal aciona memórias de e sobre Cora Coralina contribuindo para a fabricação de determinados repertórios sobre a personagem e, por isso mesmo, articulando valor econômico e simbólico. A gestão do legado consiste em promover a vida e obra da autora, reatualizando e ritualizando determinadas versões construídas por ela e por outros agentes de acordo com os interesses dos herdeiros, das instituições de guarda e do campo literário vigente. Nesse aspecto, é fundamental vislumbrar a ação do Museu-Casa de Cora Coralina na produção/consolidação da sua memória biográfica (DELGADO, 2005). A casa e o museu-casa Após a morte de Cora Coralina seus herdeiros venderam a casa em que residiu a maior parte da vida, onde elaborou sua obra e constituiu seu acervo documental, para a Associação Casa de Cora Coralina, pessoa jurídica de direito privado e de natureza cultural fundada em 28 de setembro de 1985. Instituição criada com o intuito de “preservar bens móveis e imóveis, assim como dar prosseguimento à concretização dos ideais da poetisa”, tendo como finalidades preservar sua memória e divulgar sua obra (ASSOCIAÇÃO CASA DE CORA CORALINA, 1985, p. 1-5). De início, a pergunta a ser feita é qual memória seria “preservada” pela associação. Nessa ordem de idéias, a ata deixa entrever a resposta quando afirma a intenção de “dar prosseguimento à concretização dos ideais” da autora, ou seja, seria a memória selecionada pela titular. Memória essa imbricada em seus “bens móveis e imóveis” e daí a importância de preservar sua casa e seu acervo pessoal. Os filhos da poetisa venderam a Casa Velha da Ponte e os objetos nela presentes para que a Associação criasse um museu biográfico, ação concretizada graças aos recursos da Construtora Alcindo Vieira de Belo Horizonte e da então Fundação Nacional Pró-Memória, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que possibilitaram a aquisição dos bens (130 milhões de cruzeiros) e a restauração dos mesmos (59 milhões de cruzeiros). Aqui é oportuno recordar a criação do Museu-Casa de Cora Coralina. Inaugurada em 20 de agosto de 1989 na data em que se comemorou o centenário de nascimento da escritora, a “Casa de Cora”, como é comumente chamada, coopera com a paisagem e o endereço na realização de duas tarefas que se aproximam das que Cunha (2003) identificou ao analisar a Casa de Jorge Amado: reinvestir a inscrição da memória e plasmar a narrativa autobiográfica. A Casa de Cora se torna, desse modo, uma construção autobiográfica com forte assinatura e, como um texto, impõe a sua própria narrativa “aberta à leitura, mas resistente às interpretações que a desvirtuem, que rasurem ou alterem a imagem instituída do escritor” (CUNHA, 2003, p. 125). O Museu se tornou um dos principais espaços de fabricação/consagração do legado coraliniano na medida em que foi montado no espaço biográfico eleito pela autora, lugar que reúne seus objetos pessoais, reconta uma leitura específica da obra e de sua história de vida e que se tornou no principal guardião de seu acervo documental (embora não seja o único). Amigos e familiares decidiram consolidar e criar mecanismos para a reinvenção da crença em Cora Coralina e ao longo dos anos vêm instituindo uma
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série de eventos destinados à homenageá-la, revisitar sua vida e obra e a analisar o seu legado. Nesse sentido, diversas instituições estiveram envolvidas nessas comemorações abrigando ou produzindo eventos ou criando e fornecendo os discursos a eles relacionados: museus, bibliotecas, exposições, biografias, revistas, livros, praças, nomes de ruas e instituições, programas especiais veiculados na TV, editoras, eventos como o “Dia do Vizinho” e o “Dia do Cozinheiro” (criado pela poetisa e comemorado anualmente no dia de seu aniversário, 20 de agosto), as comemorações do centenário de seu nascimento (em 20 de agosto de 1889), do cinqüentenário de sua volta à cidade de Goiás (em março e abril de 2006) e dos seus 120 anos de nascimento (durante todo o ano de 2009). Conforme analisa Heymann (2004), as datas comemorativas não são dotadas de valor intrínseco, nem se justificam no passado. Seus significados resultam da atribuição de valor ao evento ou pessoa que se recorda, envolta nos imperativos do presente e nos lugares ocupados pelos agentes que comemoram. A importância desses eventos seria construir mecanismos que legitimariam ações em nome da memória (sobre qual leitura do passado e o monopólio do direito de falar sobre o passado), acionando, assim, a rede de economia simbólica em torno de determinadas pessoas e fatos. Nesse aspecto, possuir acervos consiste em uma estratégia importante para adquirir essa legitimidade. Eles embasam exposições, pesquisas, publicações e, ao mesmo tempo, constituem em forma de “atestar” a importância das comemorações: “os acervos documentais e o capital de testemunho de que são investidos ocupam um lugar central, bem como os acervos museológicos e os atributos de autenticidade que conferem às peças sua força simbólica” (HEYMANN, 2004, p. 5). Também é importante destacar que não basta possuir acervos, mas desenvolver estratégias para utilizá-los como trunfos ao subsidiar homenagens, o prestígio das instituições e pessoas deles responsáveis, as redes de relações desses agentes, os contatos nas esferas acadêmica, governamental e junto a agências de financiamento. No caso de Cora Coralina a importância do acervo como subsidio a legitimação de muitas realizações em seu nome é evidente. Exemplo disso foi a opção dos herdeiros em dividir o acervo oficial da autora, ambos de propriedade da família: um sob a responsabilidade e guarda da Associação Casa de Cora Coralina, localizado no Museu Casa de Cora Coralina em Goiás-GO, e outro sob os cuidados de Vicência Bretas Tahan, filha da autora e representante legal dos herdeiros, localizado no apartamento da mesma na capital paulista. Embora saibamos que os acervos pessoais não são completos e que outros agentes possam ter conjuntos documentais relativos a determinado indivíduo, aqui observamos a configuração de dois acervos oficiais da poetisa resultantes do desmembramento dos documentos acumulados em vida pela titular. Surge um acervo que era privado e se tornou público (no caso do acervo do Museu-Casa de Cora Coralina) e um acervo que permaneceu privado (o acervo sob a guarda da filha de Cora). A família, que é detentora dos direitos autorais da poetisa, optou por deixar no Museu a biblioteca, os recortes de jornais, a correspondência e os originais das obras já editadas, permanecendo com os textos inéditos e outros documentos selecionados antes da venda do imóvel e abertura do museu em agosto de 1989. Separação que propicia a freqüente publicação de obras póstumas (fruto da compilação de inéditos) e de eventos (fruto da utilização do material já editado). Desse modo, tanto a Associação quanto a família possuem discursos de autoridade sobre o legado memorial de Cora Coralina. Discursos na maioria das vezes interdependentes e, embora não exclusivos, percebemos a família se dedicando a gestão editorial e jurídica e a Associação à gestão museológica e de eventos e comemorações em torno da escritora.
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A primeira ação da família foi separar os textos inéditos do restante do material. Já a Associação focou na seleção do acervo documental e do acervo museológico (os documentos que comporiam a exposição do museu e os que ocupariam a reserva técnica). O acervo pessoal da autora foi e vem sendo utilizado pelos herdeiros (legais e simbólicos) com vistas à promoção e à preservação de determinadas leituras sobre sua obra e vida, garantindo sua “imortalidade’ e suscitando um renovado interesse do público no mercado de bens simbólicos. Para tanto, inicialmente analisaremos a gestão editorial promovida pela família em parceria com a Editora Global, a gestão memorial/ museológica realizada pela Associação Casa de Cora Coralina e a vigilância comemorativa empreendida tanto pela família quanto pelos membros da Associação visando, a partir do acervo, compreender as estratégias de renovação da crença no nome Cora Coralina. Acervo no entre-lugar Após a morte de Cora e a decisão de vender o imóvel para a criação do museu, Vicência Bretas Tahan, filha caçula da escritora que representa legalmente a família, levou parte do acervo documental para sua residência na capital paulista. Esse conjunto em sua maioria se constituía de textos inéditos visando um projeto de publicação ao longo do tempo: a primeira ação da família, até para facilitar as negociações já que residiam no estado de São Paulo, foi estabelecer no ano da morte da escritora um contrato de edição exclusivo com a Global Editora, sediada na capital paulista. Na verdade, desde 1983 a Global vem empreendendo ações no sentido de reeditar constantemente a obra coraliniana, publicar textos inéditos da autora, além de inseri-los em coleções de poesia e coleções infanto-juvenis. Ainda em vida, Cora autorizou que a editora fosse responsável pela quarta edição de Poemas dos becos de Goiás (1983). De acordo com o histórico descrito no site da editora, fundada em 1973 a Global teve sua produção voltada para livros considerados referência para o pensamento socialista, publicando autores como Marx, Engels e Lênin. Também privilegiou em seu catálogo a publicação “dos mais conceituados autores da literatura em língua portuguesa, consagrados tanto no cenário nacional como internacional”, consistindo em uma das maiores exportadoras de autores brasileiros publicados em língua espanhola, atendendo toda a América Latina e os Estados Unidos. Em seu material de divulgação os autores mais citados como integrantes de seu catálogo são Ana Maria Machado, Câmara Cascudo, Cora Coralina, Ferreira Gullar, Florestan Fernandes, Gilberto Freyre, Ignácio de Loyola Brandão, Marina Colasanti, Marcos Rey, Ruth Rocha e Mário Quintana. A estratégia de difundir a idéia de que seu catálogo reúne os mais conceituados escritores de língua portuguesa serve para que cada um dos autores integrantes reforce o capital simbólico do outro, gerando legitimidade e contribuindo para que a editora também receba uma parcela do capital simbólico de seus “parceiros”. No caso de Cora Coralina, embora ela também tenha trilhado as veredas da prosa curta e da literatura para crianças, sua visibilidade maior se dá pela poesia. Conforme salienta Moura (2009), ao optar trabalhar com um gênero que conquista pouco espaço no mercado editorial brasileiro, a publicação se torna um duplo prêmio para o autor: entra no rol dos “consagrados” ao ter sua obra editada por uma concorrida editora e, também, consegue fazê-la abrir concessão a um gênero não rentável. Nesse aspecto, o fato de “atentar à produção de poesia converte-se em capital simbólico para a editora, que com isso reforça sua imagem de pouco comprometimento com o mercado” (MOURA, 2009, p. 361).
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A partir da Editora Global a obra de Cora Coralina começou a ter um melhor esquema de distribuição e, como o problema não era mais o alcance do público leitor, tornava-se necessário desenvolver estratégias de difusão que despertassem o interesse pela leitura de sua obra. De imediato a ação foi publicar a primeira edição de Estórias da casa velha da ponte, livro de contos organizado pela autora e lançado no mesmo ano de sua morte, 1985. A editora apostou não apenas em reeditar os três livros de poemas inserindo novos comentários críticos e uma série de fotografias da autora e de Goiás, mas em lançar facetas pouco conhecidas da escritora, como a Cora cronista e contista e também a autora de livros para crianças. Seguindo essa estratégia publicou Os meninos verdes (1986), A moeda de ouro que um pato engoliu (1987) e O tesouro da casa velha (1989). Este último, organizado pela escritora Dalila Teles Veras e publicado no ano em que se comemorava o centenário de nascimento da escritora. Na introdução do livro, Dalila justificou a homenagem: “Cora Coralina comemorou 100 anos juntamente com a nossa República, e este livro de contos inéditos, selecionados do espólio deixado por ela, veio para festejar o evento”. Além de publicar os inéditos, a família também decidiu editar o material aos poucos, diluindo a presença de Cora Coralina ao longo do tempo ou, porque não dizer, desenvolvendo mais uma forma de encenar a imortalidade: “Temos centenas de poemas e contos todos ainda guardados na gaveta. Todo o material inédito de minha mãe ficou comigo. Os originais de livros já editados foram para Goiás. Os inéditos aos poucos serão publicados” (SENA, 2002, p. 1). Conjuntamente com o livro O tesouro da casa velha a Global publicou a biografia romanceada Cora coragem, Cora poesia (1989) nas comemorações pelo centenário de Cora Coralina. Escrita por Vicência Tahan a obra está incluída no catálogo da editora no rol das “obras de Cora Coralina” e auxilia na fabricação de uma biografia oficial produzida pela representante da família e difundida pela editora. Como mecanismo de celebração a biografia “orienta” as leituras possíveis sobre a vida e obra coraliniana, visto que a autora além de filha é a representante legal da família nas ações de autorizar ou vetar a utilização da imagem e da obra de sua mãe, freqüentemente assediada para adaptações no teatro e no cinema. Baseados no acervo documental e em obras publicadas anteriormente, a editora ainda publicou Villa Boa de Goyaz (2001), O prato azul pombinho (2001), O poema do milho (2006), As cocadas (2007) e A Menina, o cofrinho e a vovó (2009). Além disso, editou o livro Os melhores poemas de Cora Coralina (2004), coletânea de poesias seguida de análise literária, biografia e fortuna crítica organizada pela poetisa e crítica literária Darcy França Denófrio para integrar a Coleção “Os Melhores Poemas”. A coleção consiste na seleção de poesias do legado édito de 61 autores considerados expoentes da literatura brasileira e mundial. A escolha das obras e produtores e dos escritores e críticos convidados para a seleção e prefácios deve obter consenso dentre os detentores de distinção no campo literário. Demonstra Bourdieu (1996b, p. 68) que assim “como os caminhos da dominação, os caminhos da autonomia são complexos, se não impenetráveis. E as lutas no seio do campo [...] podem servir indiretamente aos escritores mais preocupados com sua independência literária”. Dessa forma, a obra de Cora Coralina se legitima na medida em que é inserida na coleção (masculina quase que em totalidade), se respaldando no prestigio dos autores publicados, a exemplo de Castro Alves, Cecília Meireles, João Cabral de Meto Neto, Luis de Camões, Machado de Assis, Manuel Bandeira e Mário de Andrade. A família de Cora publicou o livro Cora Coralina: doceira e poeta (2009), lançado nas comemorações dos 120 anos de nascimento da poetisa na abertura da
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exposição comemorativa no Museu da Língua Portuguesa, capital paulista. A obra há mais de uma década era anunciada pelos herdeiros, visto que além de escritora Cora se notabilizou como doceira, ao ponto de dizer ser mais doceira do que intelectual. Publicado pela Editora Global, o livro traz fotografias dos doces, receitas tradicionais e fotos da cidade de Goiás. Além disso, apresenta fotografias e textos inéditos da autora relacionados à culinária e pela primeira vez os textos de um caderno de receitas pertencentes à Cora Coralina, conforme relatou Vicência Tahan: Este caderno eu sempre tive. É um caderno de receitas que minha mãe fazia em casa. E este livro eu estava preparando junto a editora há dois anos. Só as receitas não davam para preencher o livro. Então, eu separei escritos e cartas dela que falassem sobre doce. Eu fui procurando tudo isso e juntando para o livro. Nisso eu demorei dois anos. Há também as receitas que ela fazia para vender. Em Goiás, ninguém faz doce igual ao da minha mãe. Eles fazem doces cristalizados. Ela fazia doces glacerizados. O caderno estava guardado. Ele é único. Se alguém disser que tem outro, mente (BORGES, 2009, p. 3).
A entrevista de Vicência indica que ela possui vários originais inéditos de sua mãe, ao ponto de permitirem uma seleção de temas relacionados especificamente a doces. Do mesmo modo, reafirma a singularidade dos doces de Cora e a importância do livro baseado no único caderno de receitas de autoria de sua mãe. Ao destacar que só as receitas não davam para preencher o livro deixa implícito a estratégia editorial de recorrer mais uma vez ao acervo pessoal da escritora no intuito de publicar receitas, textos e fotografias, reafirmando a produção da crença na indissociação entre a arte culinária e a literatura, insistentemente afirmada em vida por Coralina. O acervo, mais uma vez, encena a imortalidade não apenas de Cora, mas de parte do patrimônio imaterial expresso pelos saberes e sabores da culinária goiana. Nesse sentido é explicita a relação entre o acervo documental e economia, não apenas na comercialização do livro no valor de 119 reais, mas na movimentação de ingredientes para a execução das receitas, na comercialização das mesmas e na mobilização de profissionais e empresas cujos objetos foram utilizados nas fotos e cujos nomes, endereços e telefones de contato se encontram dispostos ao final do livro como forma de agradecimento/propaganda. A Global Editora com a anuência da família a cada ano tem publicado novas edições e reedições, ao ponto de colocar em seu catálogo de literatura brasileira a rubrica “Coleção Cora Coralina”. Se compararmos as edições anteriormente publicadas pelas editoras goianas, observamos uma mudança significativa no projeto gráfico no intuito de não apenas destacar cenários de Goiás, mas focalizar a imagem da autora. No ano 2000 as capas foram padronizadas, cada obra com uma cor específica, mas com uma linguagem uniforme.Além disso, as reedições trazem fotografias de diferentes fases de vida da autora reforçando a idéia da obra como autobiografia. Uma das orelhas do livro apresenta biografia resumida e na outra é transcrita a primeira carta de Carlos Drummond de Andrade enviada à autora em 14 de julho de 1979 e que constituiu um divisor de águas em sua recepção.A partir de 2005 os livros tiveram seu formato modificado para 16 X 23 cm, reforma visual que implicou no aumento das letras facilitando a leitura e gerando uma identidade entre os diferentes livros. A família anunciou que está organizando novas coletâneas de crônicas, poemas e correspondências inéditas. A cada dois anos em média tem se publicado reedições das obras, o que comprova a efetiva circulação do produto. Poemas dos becos, por exemplo, já alcançou a sua vigésima segunda edição. Também é importante observar que não somente nas livrarias é possível adquirir os exemplares. Seguindo a tradição iniciada pela própria autora, o Museu-Casa de Cora
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Coralina constitui em um dos principais pontos de comercialização dos livros. O acervo museológico estimula o interesse pelas obras originadas do acervo documental e vice-versa. Ambos contribuem para a fabricação e propagação da crença no projeto criador de Cora Coralina. Na medida em que os herdeiros legais desenvolviam o trabalho de gestão da obra e da imagem, os membros da Associação Casa de Cora Coralina, compostos em sua maioria por amigos e vizinhos da poetisa, definiriam uma organização do acervo documental e do acervo museólogo. A prioridade foi organizar o acervo tridimensional para a primeira exposição do museu inaugurada em 20 de agosto de 1989, dia do centenário de nascimento da poetisa. Conforme destaca Delgado (2005), o Museu-Casa de Cora Coralina configura um projeto de organização e acumulação de diversos tempos da vida da poetisa, um arquivo de objetos, imagens e discursos presentificados que evocam Cora e promovem sua imortalização. Avaliando o primeiro projeto museológico elaborado por Célia Corsino e Virgínia Papaiz, informa que atendeu as expectativas da Associação e, por isso mesmo, a narrativa material da Casa de Cora foi “fruto de uma seleção material e simbólica, cujo interesse não é reproduzir ‘tudo como no tempo de Cora’, mas enquadrar o passado dentro dos limites da biografia que se quer fabricar e oficializar” (DELGADO, 2005, p. 106). Em outras palavras, a narrativa museológica solidificaria a narrativa autobiográfica produzida pela poetisa e desenvolveria uma lógica análoga a que analisamos nos acervos documentais (até porque aqui os objetos também são tidos como documentos, suportes de significados). Ao montar a exposição, alguns discursos, imagens e objetos são eleitos em detrimento de outros, empenhando-se nas tarefas de produzir lembranças e esquecimentos e de dar a visibilidade simbólica por meio de eventos com o intuito de manter e reinventar o culto a Cora Coralina. Águas vermelhas Na verdade, as três exposições permanentes que o museu abrigou foram inauguradas em momentos comemorativos. A primeira, como dissemos, foi o ponto alto das comemorações do centenário da poetisa e permaneceu montada de 20 de agosto de 1889 até 31 de dezembro de 2001, data em que uma enchente do Rio Vermelho invadiu o museu. Na elaboração dessa exposição, as museólogas recorreram ao acervo documental da poetisa apenas para a obtenção de fotografias de diversas fases da autora espalhando-as premeditadamente pela residência e, além de exporem a biblioteca pessoal, colocaram três cadernos de manuscritos e algumas correspondências em vitrines. O rio que embalou a trajetória e a poesia de Cora adentrou a casa poética e política e abraçou manuscritos com poemas, jornais, fotografias, além de objetos pessoais, a estrutura da casa e o jardim do museu. Conforme explicitou Tamaso (2007), essa enchente contribuiu para a visualização do confronto entre os usos plurais da categoria “patrimônio”, a partir das tensões entre os artefatos privados e públicos, sagrados e profanos, pessoais e coletivos, evidenciando o sistema de exclusão inerente a lógica da conservação patrimonial. Surge uma revisão da hierarquização das categorias patrimoniais e, enquanto o Museu-Casa de Cora Coralina recebeu atenção, os bens privados, não midiáticos, dos moradores vizinhos (patrimônios pessoais ou familiares), não obtiveram o mesmo espaço na imprensa e nas ações das instituições públicas e privadas. O fato é que após a enchente os acervos museológico e documental foram restaurados e reorganizados. Devido à importância simbólica e econômica
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que a Casa de Cora conquistou na dinâmica turística da cidade de Goiás, o museu se manteve aberto durante oito meses com uma exposição “improvisada” e os visitantes puderam acompanhar os procedimentos de restauração do imóvel, dos objetos e dos documentos, motivados pelo que poderíamos designar de “consumo do trágico”. Com a doação de 150 mil reais, a Telegoiás Brasil Telecom propiciou a restauração do imóvel e do jardim, a renovação da exposição e a separação e o acondicionamento emergencial do acervo. Na data do aniversário da poetisa, 20 de agosto, a nova expografia foi inaugurada: Foram instaladas estruturas de vídeo e som pelo museu. Um documentário em DVD, trazendo depoimentos sobre a escritora poderá ser visto durante todo o dia. Aparelhos de TV estarão ligados em determinados pontos da casa, onde serão exibidos vídeos relacionados com a obra da antiga moradora, incluindo declamações da própria Cora. Completando este trabalho, 15 painéis, a maioria com formato 90 X 1,60 cm, foram instalados na residência. Eles contam, em reproduções ampliadas e digitalizadas de documentos e fotografias, a caminhada de Cora pela vida (BORGES, 2002, p. 1).
A exposição inaugurada em 2002, sob a curadoria de Célia Corsino, promoveu um diálogo mais explícito com o acervo documental. Conforme destacou a matéria, os painéis espalhados pela casa traziam reproduções ampliadas dos documentos até então inéditos ao grande público. Exposição complementada em 2003 quando o museu destinou uma sala para a exibição do resultado da restauração de alguns manuscritos atingidos pela enchente. Restauração e organização documental de acordo com as normas internacionais de arquivologia subsidiada pela Fundação Vitae. Selecionada dentre mais de mil projetos, a Casa de Cora recebeu 70 mil reais utilizados “na compra dos materiais necessários à restauração, acondicionamento e digitalização dos documentos e treinamento e remuneração de estagiários” (BORGES, 2003, p. 7). Apesar das inovações, o conteúdo dos painéis reforçava a autobiografia escrita pela poetisa. Os documentos dialogavam com trechos de poesias selecionadas para compor ambientes específicos da residência como cozinha, quarto, sala de escrita, sala de condecorações, sala de visitas e biblioteca reiterando determinados marcos biográficos e a idéia de que tudo permanecia como “no tempo de Cora”. Questões que ganharam visibilidade no recente projeto de atualização do acervo permanente inaugurado nas comemorações dos 120 anos de nascimento da escritora, em 20 de agosto de 2009. Novamente sob a curadoria de Célia Corsino a exposição foi patrocinada pelo Programa Caixa de Adoção de Entidades Culturais e priorizou a reprodução dos documentos do acervo, inclusive montando uma linha do tempo com os mesmos, e a exibição de fotografias, correspondências e manuscritos de poemas e crônicas, dispostos em doze vitrines ao longo do museu. Para além da ancianidade, a exposição sublinhou aquilo que Delgado (2005, p. 112) havia identificado como um processo que visava inscrever Cora como arquivo e arauto da memória da cidade, amalgamando a memória da escritora com a Casa Velha da Ponte e, desse modo, transformando a poetisa como um “monumento” de Goiás: “concepção museológica que pretende construir a memória individual como símbolo da memória da cidade, consagrando e imortalizando a Cora-Monumento”. Nesse sentido, a exposição deve ser concebida como um discurso social que visa persuadir o expectador. Aqui dialogamos com o entendimento de Gonçalves (2004) quando analisou a forma como o desenho espacial da exposição e o curador influenciam na recepção estética. Daí porque prefere o termo “ce-
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nografia”, pois concebe que na comunicação da exposição ocorre algo próximo do que ocorre no teatro, onde a “cena” apresenta atores desempenhando seus papéis e construindo ficções. Todavia, destaca que na exposição o visitante também pode ser concebido como um ator. Ao percorrer o circuito da mostra se torna um ser ativo que interage com os discursos de acordo com suas experiências. É por isso a necessidade não apenas de trazer o conteúdo de informação, mas desenvolver estratégias para uma melhor apresentação do conteúdo. Daí a busca de novos recursos de comunicação e de envolvimento com seu público, a exemplo dos apresentados pela Casa de Cora Coralina. Desse modo, é fundamental o papel do curador da exposição que “não só faz as obras ‘falarem’ mas fala sobre elas” (GONÇALVES, 2004, p. 110). Além disso, ao eleger como curadora a museóloga Célia Maria Corsino, a instituição herda parte do capital simbólico da profissional que, ao mesmo tempo, se legitima ao ser escolhida para encenar uma determinada história a partir de objetos que agem como referências para a memória que se pretende imortalizar. Todavia, para além desses percursos podemos encerrar nossas análises no gesto metonímico do turista quando leva um livro, um postal com a reprodução de um manuscrito ou qualquer souvenir do Museu-Casa para casa. Como se levasse o acervo e a “intimidade” da autora, o gesto é o mesmo que mobiliza o interesse crescente pela documentação pessoal no mercado de bens simbólicos. A exposição com o acervo literário implica manipular uma memória já manipulada. Porém, para a maioria dos leitores pouco interessa problematizar o que ficou fora da exposição ou do museu, mas consumir tudo o que esteja relacionado ao nome Cora Coralina. Atitude que contribui para fabricar a imortalidade da autora e para alimentar a crença que impulsiona as engrenagens do campo literário. Referências ASSOCIAÇÃO CASA DE CORA CORALINA. Cidade de Goiás-GO. Ata da assembléia de fundação realizada no dia 28 de setembro de 1985. Goiás, 1985. BORGES, Rogério. Em Goiás, ninguém faz doce igual aos da minha mãe. O Popular, 1 nov. 2009. BORGES, Rogério. Acervo de Cora Coralina é recuperado em Goiás. O Popular, 23 nov. 2003. BORGES, Rogério. Acervo valorizado. O Popular, 17 ago. 2002. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 8. ed. Campinas, SP: Papirus, 1996a. BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996b. BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. BRITTO, Clovis Carvalho; SEDA, Rita Elisa. Cora Coralina: raízes de Aninha. Aparecida, SP: Idéias e Letras, 2009. CHAGAS, Mário. A poética das casas museus de heróis populares. Revista Mosaico, n. 4, 2008. CORALINA, Cora. Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 9. ed. São Paulo: Global, 2007. CORALINA, Cora. Estórias da casa velha da ponte. 13. ed. São Paulo: Global, 2006. CORALINA, Cora.Vida. In: BORGES, Rogério. O Popular, 14 mar. 2004. CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. 20. ed. São Paulo: Global, 2001.
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Artigo recebido em dezembro de 2013. Aprovado em fevereiro de 2014
O MUSEU DE ARTES VISUAIS DA UNICAMP. SUA COLEÇÃO E SEUS OBJETIVOS
Maria de Fátima Morethy Couto1*
ResumO: A Universidade Estadual de Campinas é uma das maiores universidades públicas do Brasil. Conta hoje com mais de 50 cursos de graduação, nas mais diferentes áreas do saber (ciências exatas, tecnológicas, biomédicas, humanidades e artes) e três museus (Zoologia, Exploratório de Ciências e ArtesVisuais).A qualidade da formação oferecida pela Unicamp é favorecida pela relação que historicamente mantém entre ensino, pesquisa e extensão. O Museu de ArtesVisuais da Unicamp,ainda em fase de implantação, tem como missão possibilitar a difusão da educação, pesquisa e do conhecimento em artes visuais e promover uma reflexão aprofundada sobre a arte na contemporaneidade. Para tanto, tirará proveito da sólida estrutura institucional da Unicamp. Meu artigo tem por objetivo apresentar o acervo do museu e discutir as questões específicas que a diversidade de seu acervo nos trazem, em especial em termos de definição dos eixos conceituais que presidirão sua expansão.
Abstract: The University of Campinas is one of the largest and most important public universities in Brazil. It has nowadays more than 50 undergraduate programs in different areas of knowledge (sciences, technology, biomedical, humanities and arts) and three museums (Zoology, Sciences and Visual Arts). The quality of the education provided by Unicamp is favored by the relationship that the university historically maintains between teaching, research and extension.The Museum of Visual Arts/ UNICAMP,still under implementation, has the mission of enabling the dissemination of education, research and knowledge in visual arts. It aims to be a forum of reflection on art in contemporary times. For that, it will certainly benefit from the solid institutional structure of Unicamp. My article aims to present the collection of the museum and discuss the issues that the diversity of its collection bring to us, especially in terms of the definition of the conceptual axes that will govern its expansion.
PalaVras-CHaves: Universidade Estadual de Campinas, museus universitários, Museu de Artes Visuais da Unicamp
Key-words: University of Campinas, university museums, Museum of Visual Arts/ Unicamp
1 * Professora Livre-Docente do Departamento de Artes Plásticas e do Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Unicamp. Diretora do Museu de Artes Visuais da Unicamp desde sua fundação.
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O Museu de Artes Visuais da UNICAMP (MAV/UNICAMP) foi criado oficialmente em janeiro de 2012 e conta hoje com um acervo de cerca de 1.000 obras, a maioria de caráter bidimensional, que foram adquiridas ou incorporadas ao acervo ao longo dos mais de 20 anos de atuação da galeria de artes do Instituto de Artes/Unicamp, fundada em 1984, e foram doadas, pela Direção do Instituto de Artes, em agosto de 2009, à Reitoria da Universidade com o objetivo de possibilitar a criação do novo museu e a construção de uma sede própria.2 De modo similar à história de diversos outros museus universitários, a coleção do MAV tem origem em ações pontuais de um grupo específico de pesquisadores, docentes do Instituto de Artes, que criaram uma galeria com o objetivo de promover as artes visuais e incentivar a difusão e compreensão da arte contemporânea junto à comunidade universitária e ao público externo em geral.3 Esta mesma galeria funciona atualmente no andar térreo da Biblioteca Central da UNICAMP e continua a organizar exposições e atividades diversas, ligadas ao ensino, à pesquisa e à extensão. Várias mostras relacionadas à defesa de pesquisas de mestrado e de doutorado empreendidas por alunos da universidade são ali realizadas, além de debates e palestras de caráter diversos. O MAV possui obras de importantes artistas plásticos brasileiros atuantes nos séculos XX e XXI, como Geraldo de Barros, Marcelo Grassmann, Hermelindo Fiaminghi, Hércules Barsotti, Antônio Henrique Amaral e Renina Katz. Destacam-se, deste conjunto, em razão de seu número, as 55 obras da série Jogos de Dados, do artista paulistano Geraldo de Barros, um dos fundadores do grupo concretista Ruptura, e as quase 300 obras do pintor de origem polonesa Anatol Wladislaw, também integrante do grupo concreto no início dos anos 1950, doadas pela viúva do artista. Estes dois artistas, juntamente com Hermelindo Fiaminghi e Hércules Barsotti participaram ativamente da defesa de uma arte abstrata de cunho racional no Brasil do pós-guerra, com trabalhos que romperam com o caráter representativo da arte e adotaram o elemento geométrico como valor autônomo. Tratava-se, naquela ocasião, de assumir uma postura universalizante no campo das artes visuais, que fizesse frente ao discurso de viés nacionalista que ainda predominava em nosso meio artístico. Visava-se, ainda, criticar a exaltação do caráter subjetivo do fazer artístico, por meio de obras em que prevalecem o cálculo, o método, e nas quais não há lugar para pinceladas expressivas ou constrastes cromáticos acentuados. Em função de sua história, o museu também reúne um número significativo de desenhos e pinturas de artistas plásticos que atuaram predominantemente na cidade de Campinas e região, e cuja ação foi determinante para o fim do predomínio das tradições acadêmicas na cidade, no final dos anos 1950. Estes trabalhos formaram o núcleo inicial do acervo da galeria e se constituem, numericamente, em parte expressiva de nossa coleção. É importante ressaltar que muitos dos artistas campineiros de “vanguarda” atuantes nos anos 1950 sofreram forte influência do trabalho dos artistas concretos de São Paulo, como Franco Sacchi e Raul Porto.4 2 Neste cálculo não estão incluídas as obras de Arte Postal, das quais falarei mais adiante. 3 A galeria foi inaugurada em 1984 em uma sala do antigo prédio do Restaurante Universitário, e sua criação ocorreu em paralelo à própria fundação do Instituto de Artes da Unicamp, por iniciativa de um grupo de professores do recém-fundado Departamento de Artes Plásticas. As primeiras obras foram doadas à galeria a partir de um projeto elaborado pelo professor Bernardo Caro, o qual organizou uma exposição coletiva em centro cultural de Campinas, intitulada Arcervo Unicamp 1984, e solicitou a doação de trabalhos para os artistas atuantes na região. 4 Notas publicadas nos jornais de Campinas, no final da década de 1950, comprovam a presença dos artistas e poetas concretos de São Paulo na cidade, promovendo exposições, palestras e cursos e demons-
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225 Figs. 1 e 2. Geraldo de Barros. Série Jogos de Dados. Fórmica sobre Madeira, 38 x 58 cm, 1983. Coleção MAV/Unicamp
Fig. 3. Hermelindo Fiaminghi. Retícula Cor/luz – Permuta. Serigrafia sobre papel, 64 x 64 cm, 1974. Coleção MAV/Unicamp
Fig. 4. Raul Porto, Sem titulo. Acrílica sobre tela, 77 x 77 cm, 1979. Coleção MAV/Unicamp tram que o grupo concretista manifestou recorrentemente seu apoio aos artistas de Campinas.
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Contudo, embora seja possível afirmar que houve um produtivo entrosamento entre os artistas de Campinas e o grupo concreto paulista, faz-se necessário assinalar que os concretistas de São Paulo possuíam um ideal coletivo, compartilhavam dos mesmos princípios e visavam objetivos similares; já os artistas de Campinas desenvolviam trabalhos com características bastante diversas, sem princípios rígidos que o norteassem. Mário Bueno e Thomaz Perina, por exemplo, dois artistas de grande representatividade na região e também no MAV, compraziam-se em representar paisagens dos subúrbios de Campinas, casarios em meio a elementos naturais, trens que percorrem a malha ferroviária. Exímios pintores, amantes do ofício, exploravam questões formais, plásticas, sem abdicar por completo das referências figurativas. Por mais que seus trabalhos do final dos anos 1950 flertem com a abstração, eles jamais se interessaram por uma abstração de cunho racional, mantendo certa espontaneidade e lirismo em suas composições, servindo-se recorrentemente de tons rebaixados sutilmente contrastados. O gesto autoral é importante, o pincel, usado com elegância, expressa a sensibilidade de seu autor.
Fig. 5. Mário Bueno, Pintura V. Óleo sobre tela, 85 x 100 cm, 1964. Coleção MAV/Unicamp
Embora jamais tenha tido uma política efetiva de aquisições, algumas ações puderam ser realizadas pelo conselho deliberativo da galeria, em diferentes momentos de sua história, com o objetivo de ampliação do acervo. Ressalte-se que o fato de ser uma galeria, e não um museu, dificultou o estabelecimento de uma política de aquisições em termos institucionais, uma vez que a meta maior da galeria era a de promover eventos ligados às artes visuais e estabelecer intercâmbios culturais. Estas ações esporádicas resultaram basicamente na compra de obras de artistas locais, o que aumentou ainda mais esta parcela do acervo. Em 2002, por exemplo, foi adquirido um total de 250 obras do artista campineiro Mário Bueno (1919-2001), incluindo-se aí 104 estudos, 21 pinturas a óleo e várias séries em papel, de diferentes fases de sua carreira
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(xilogravuras, desenhos a nanquim e acrílica sobre papel). Nesta ocasião, a família de Bueno doou para a galeria diversos documentos pessoais por ele conservados, tais como recortes de jornal e revistas sobre seu trabalho e sobre o movimento artístico em geral, catálogos de exposição, escritos inéditos, fotografias e livros. Outra compra marcante foi a da coleção Arruda, efetuada em 2007, composta por um total de 46 obras, a maioria, novamente, de artistas campineiros do chamado grupo Vanguarda.5 Nestes dois casos, creio que o fato de serem trabalhos de artistas de destaque na região favoreceu o processo de aquisição, uma vez que a Unicamp, por sua localização geográfica, tem relação especial com a cidade de Campinas e seu entorno.
Fig. 6. Thomaz Perina, Paisagem I. Acrílica sobre papel, 48 x 64 cm, 1998. Coleção MAV/Unicamp
Além das obras de professores do Instituto de Artes e de jovens artistas que expuseram na galeria e ali deixaram alguns de seus trabalhos, o MAV possui ainda um acervo significativo de arte postal, que se encontra em fase de catalogação e que foi constituído a partir do Núcleo de Arte Postal da Unicamp, ativo nos anos 1980 por iniciativa dos artistas Gilbertto Prado e Lúcia Fonseca, entre outros.6 Interessados em estimular a criação em rede, o Núcleo de Arte 5 Fundado em Campinas em 1958, com o objetivo de “conquistar espaço, agenda e mercado para um grupo jovem, que indubitavelmente já havia iniciado o movimento de descolamento da cena acadêmica”, o Grupo Vanguarda contou com a participação de Thomaz Perina, Raul Porto, Mário Bueno, Franco Sacchi, Maria Helena Motta Paes, Edoardo Belgrado, entre outros. 6 A arte postal caracteriza-se pela vontade de expandir o conceito tradicional de arte e de criticar a noção de obra de arte enquanto mercadoria, objeto vendável, por meio do estabelecimento de uma rede de artistas que se servem de suportes banais, quotidianos, que são enviados pelo correio e expostos em diferentes lugares do mundo. Trata-se de um desejo de promover a circulação de trabalhos e de informação. O que importa, para os artistas e críticos envolvidos na promoção da arte postal, não é mais o objeto em si nem sua qualidade estética mas sim a ação, a intenção que preside o gesto do artista, bem como a
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Postal enviava convocações e organizava mostras na galeria com o material que recebiam de artistas de todo o mundo. Welcomet Mr. Halley (1985) e A Terra e Seus Terráqueos (1988) foram alguns dos eventos promovidos neste contexto. Trabalhos de diversas mídias – desenho, fotografia, colagem, vídeo, etc. –, de artistas como Clement Padin, León Ferrari, Diana Domingues, Ricardo Basbaum e Paulo Brusky estão hoje no acervo do MAV devido a essas ações específicas.
Fig. 7. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Sem título. Heliografia sobre papel, 54 x 47,5 cm, 1990. Coleção MAV/Unicamp
Trata-se, portanto, de um acervo diversificado, que foi constituído a partir de iniciativas isoladas e sem intenções precisas, mas que tem valor incontestável. Embora ele não contemple amplamente a pluralidade da arte moderna e contemporânea brasileira, nem tampouco possua um conjunto significativo de obras de artistas internacionais consagrados, como é o caso, por exemplo, do Museu de Arte Contemporânea da USP, que teve sua origem na doação de uma coleção privada de grande porte, ele certamente terá lugar de destaque no cenário regional e mesmo nacional. Campinas, como sabemos, é uma cidade que está carente de equipamentos e de atividades culturais. reflexão que este trabalho, banal e perecível, provoca sobre o sistema de arte no qual ele se insere. Ela tem caráter subversivo, contestador, e quer se manter à margem das instâncias de legitimação artísticas, sem porém renegá-las por completo.
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Fig. 8. Marcelo Moscheta, Insectae universalis. Calcografia sobre papel e alfinetes sobre fundo de madeira, 200 x 180 cm, 2003-2006. Coleção MAV/Unicamp
Nosso maior e primeiro desafio, nesse momento, tem sido o de definir os principais eixos do novo museu.7 Dentro desse espírito, promovemos uma série de eventos de caráter diverso a fim de discutir os diferentes aspectos, conceituais e práticos, concernentes à implantação, na Unicamp, de uma instituição museológica voltada às artes visuais, entre eles os encontros Museus de arte na atualidade: propósitos e proposições (abril de 2011) e Coleções e Museus de Arte (dezembro de 2011), o ciclo de palestras Museus e arte: relações entre o artista, a obra e seu público (setembro/outubro de 2012), o seminário internacional Eros e Educação (maio de 2013), o Fórum permanente Museu e escola: atravessando fronteiras (junho de 2013) e o II Seminário Studium: coleções fo7 O MAV conta com uma Diretoria, composta por mim e pela professora Ana Angélica Medeiros Albano, e uma Comissão Executiva, que tem como integrantes os professores Antônio Carlos Rodrigues (Tuneu), Lúcia Reilly, Marco Antônio Alves do Valle e Sylvia Furegatti.
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tográficas (novembro de 2013). Estes eventos contaram com a participação de profissionais de diferentes áreas, brasileiros e estrangeiros, e nos auxiliaram a construir um público interessado nas ações culturais e educativas de um museu universitário, público este que não se restringe à comunidade da Unicamp. Sendo o MAV um museu universitário e que se encontra portanto inserido nas “lógicas e práticas do campo científico” e é influenciado “pelas práticas de pesquisadores, professores e administradores de tal campo”, como bem apontou Emanuela Sousa Ribeiro em artigo publicado em número anterior desta revista (RIBEIRO, 2013), procuramos privilegiar, em nosso regimento, seu compromisso com a promoção e difusão da educação, pesquisa e do conhecimento em artes visuais. O MAV tem como missão a exposição, conservação, proteção, valorização e ampliação de seu acervo museológico, arquivístico e bibliográfico. Seus principais objetivos são: Constituir acervo tanto artístico quanto documental; Promover o intercâmbio artístico, intelectual e científico com instituições afins do Brasil e do exterior; Propiciar condições para o desenvolvimento de atividades diversas de criação, ensino, pesquisa e extensão, incentivando em especial projetos de caráter contemporâneo; Divulgar e promover a arte e, em particular, as artes visuais; Ser um espaço de reflexão sobre a arte na contemporaneidade; Assegurar o convívio inclusivo em suas dependências e garantir condições de acessibilidade às suas atividades; Assegurar a diversidade cultural em sua programação. Para cumprir estes objetivos o MAV se propõe a: Realizar pesquisas próprias ou em convênios com outras instituições; Organizar, produzir e realizar eventos artístico-culturais relacionados à missão do Museu de Artes Visuais; Colaborar na criação e funcionamento de cursos de graduação, pós-graduação, especialização, extensão e treinamento, nas áreas de sua competência; Prestar serviços nas áreas de arte e educação estética por meio de convênios, contratos de serviço ou programas de colaboração; Ser um espaço de reflexão, educação e difusão da arte por meio da realização de exposições permanentes, exposições temporárias, exposições itinerantes, cursos, palestras, debates e outras atividades culturais; Assegurar a devida conservação de seu acervo artístico e documental, tomando todas as medidas de segurança necessárias aos bens culturais colocados sob a guarda da Unicamp; Manter serviço de informação on-line sobre seu acervo e as diversas atividades promovidas pelo Museu (www.mav.unicamp.br). O MAV será locado no campus Barão Geraldo da Unicamp, na esquina das ruas Bertrand Russell com Claudio Abramo. Sua primeira etapa de construção teve início em fevereiro de 2014. O programa arquitetônico, que foi concebido sob a supervisão do professor Leandro Medrano, que hoje leciona na FAU/USP, está organizado em 3.232 m2 de área coberta e 1.100m2 de área externa. Seu projeto também reserva 5.000 m2 para futura expansão. As soluções adotadas seguem padrões internacionais recomendados aos museus de arte e deverão, além de possibilitar a exposição, manutenção e proteção do acervo do MAV, proporcionar um local singular de convívio, que intensifique as possibilidades da arte e da cultura no campus. Referências ALMEIDA, Adriana Mortara. Museus e coleções universitários: por que museus de arte na Universidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Ciências da Informação e Documentação): USP, 2001. AMARAL, Aracy (org.). Perfil de um Acervo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. São Paulo: MAC USP/ TECHINT, 1988.
Maria de Fátima Morethy Couto
AMARAL, Aracy. Textos do Trópico de Capricórnio, (Vol. 2: Circuitos de Arte na América Latina e no Brasil). São Paulo: Ed. 34, 2006. COSTA, Helouise. “Da fotografia como arte à arte como fotografia: a experiência do Museu de Arte Contemporânea da USP na década de 1970”. In: Anais do Museu Paulista, v. 16, nº 2, jul.-dez. 2008. FREIRE, Cristina. Poéticas do processo: Arte conceitual no museu. São Paulo: Iluminuras, 1999. LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus acolhem o moderno. São Paulo: EDUSP, 1999. MATTOS, Claudia Valladão e ELUF, Lygia (orgs). Coleções de arte da Unicamp. Campinas, Ed. Unicamp, 2012. RIBEIRO, Emanuela Sousa. “Museus em Universidades Públicas: entre o campo científico, o ensino, a pesquisa e a extensão”. In: Museologia & Interdisciplinaridade. Brasília, UnB, nº 4, p. 88-101, 2013
Artigo recebido em dezembro de 2013. Aprovado em fevereiro de 2014
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MUSEOLOGIA E BIOLOGIA: INTERLOCUÇÕES DISCIPLINARES Josiane Kunzler1* Manuelina Maria Duarte Cândido2** Cristina Paragó Musmann3***
ResumEM: Discutimos no presente texto aspectos da interdisciplinaridade entre Museologia e Biologia, tomando por base as coleções e museus de Zoologia. Desta forma, a partir de um recorte dentro das coleções de ciências naturais, problematizamos as aproximações entre Museologia e Biologia, discutindo alguns pontos recorrentes na bibliografia e debatendo os diferentes papéis na pesquisa e no processo curatorial. Ao final, trazemos a discussão sobre os desafios e avanços no campo da mediação entre museus e público por meio da ação educativa como mais uma interlocução entre a Museologia e a Biologia.
PalaBras-CLaves: Projetos interdisciplinares. Museus. Coleções de história natural. Patrimônio cultural. Curadoria.
Abstract: In this paper we discuss aspects of interdisciplinary Museology and Biology, based on Zoology’s collections and museums. Thus, from a clipping within natural science collections, we question the similarities between Museology and Biology and discuss about some recurring points in the literature and the different roles in research and curatorial process. At the end, we bring the discussion on the challenges and advances in the field of mediation between museums and the public through educational activities.
Key-words: Interdisciplinary projects. Museums. Natural history collections. Cultural heritage. Curator.
1 * Bióloga, Mestre em Ciências (Geologia), Professora e Coordenadora do Curso de Ciências Biológicas da Faculdade Araguaia. 2 ** Doutora em Museologia, Professora de Museologia da Faculdade de Ciências Sociais da UFG 3 *** Bióloga, Mestre em Ciências Biológicas (Zoologia), Chefe da Divisão de Fiscalização em Saúde Ambiental da Vigiágua - SMS/Goiânia
Museologia e Biologia: Interlocuções Disciplinares
Caminhos entre a Museologia e a Biologia
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Entendemos por interdisciplinaridade a combinação em um mesmo projeto de várias inteligências e aportes disciplinares. Isto não corresponde somente ao trânsito de um mesmo indivíduo por várias disciplinas, ainda que isto seja muito comum e extremamente rico no campo do patrimônio cultural. A proximidade de diversas áreas que confluem o estudo patrimonial produz um terreno propício para que a paixão por outros campos seduza os pesquisadores e os faça construir uma trajetória singular, coerente nos objetos, mas múltipla em abordagens. Essa interdisciplinaridade corresponde ao hibridismo das ciências e, por que não, dos cientistas, que é objeto de defesa veemente por intelectuais como Canclini (2000, p. 19): “Precisamos de ciências sociais nômades, capazes de circular pelas escadas que ligam esses pavimentos. Ou melhor, que redesenhem esses planos e comuniquem os níveis horizontalmente”. Neste sentido de ciências nômades, de trânsito entre conhecimentos de diversas origens para solucionar problemas de pesquisa, a metodologia da Museologia tem se destacado com seu grande potencial para interlocução com outras áreas. Projetos e atuação no campo da Museologia destacam-se pela natureza sempre propícia, ou melhor ainda, indissociável da performance interdisciplinar. Este texto, por exemplo, é um exercício interdisciplinar envolvendo três profissionais de áreas diferentes: Museologia e Biologia, e que busca não somente o trânsito dessas profissionais por áreas diferentes, mas apresentar o entrelace natural dessas áreas. O profissional de Museologia tem um papel imprescindível nos projetos interdisciplinares voltados para a preservação (compreendida como processo envolvendo salvaguarda e também comunicação, em equilíbrio) do patrimônio cultural, como já afirmado por Cândido (2009, p. 1): Percebemos a Museologia como uma articuladora em equipes interdisciplinares, voltada para a comunicação e gestão da informação gerada em outras áreas do conhecimento. A Museologia tem um forte papel de mediação, entre referência patrimonial e sociedade, entre conhecimento científico e público leigo, e entre os diferentes campos do conhecimento que se articulam no museu.
Enquanto profissionais das mais diversas áreas básicas trazem a contribuição da sua área de origem para que, juntamente com a da Museologia, gerem um conhecimento novo, os desta área estão concentrados no desenvolvimento e aplicação de teorias e métodos para equacionar um problema essencial da Museologia que é a relação entre a sociedade e seu patrimônio. É quando o conhecimento daquelas áreas básicas e os acervos ou referências patrimoniais coletados ou identificados no processo de suas pesquisas científicas são alçados a um novo patamar, daquilo que se deseja que permaneça, que a Museologia encontra seu foco de atuação: o destino das coisas (BRUNO, 2009, p. 14). Isto ocorre em projetos que envolvem Museologia e as mais diferentes áreas, e este texto vai se dedicar a aprofundar como ocorrem as interlocuções disciplinares entre Museologia e Biologia. Coleções Zoológicas Um primeiro exemplo concreto dessa interlocução disciplinar é a formação de coleções zoológicas que está na origem de muitos museus de Ciências, de História Natural, ou especializados em Zoologia, Botânica, etc. A história
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dos museus no Brasil não é diferente e está profundamente marcada por esta associação de origem às ciências naturais, como assegura Lopes (1997).A autora demonstra que a Casa dos Pássaros, de certa forma um entreposto comercial encarregado de preparar aves e outros espécimes para coleções européias, esteve na origem do nosso primeiro museu, o Museu Nacional, criado em 1818 por D. João VI, com sede primeiramente no Campo de San’Anna, no centro da cidade do Rio de Janeiro, e posteriormente na Quinta da Boa Vista. Hoje, esse mesmo Museu abriga coleções não só de Zoologia, mas de Botânica, de Arqueologia, de Etnografia, de Antropologia e de Geologia e Paleontologia. Segundo Meneses (2010), é nestes museus de História Natural, e não em museus históricos, que a América Latina opta por construir suas identidades nacionais. Se para falar do histórico era preciso partir das origens coloniais, as novas nações recorrem, em um primeiro momento, ao que as diferencia das metrópoles: o biológico. Uma coleção é utilizada para preservar o material de uma pesquisa realizada. Os espécimes depositados em coleções e utilizados em um estudo poderão ser reavaliados por outros pesquisadores que desejarem corroborar ou refutar um trabalho. A formação de coleções biológicas tem profunda relação com a Taxonomia, parte da Biologia que aborda a classificação dos seres e torna-se a base para os estudos posteriores mais específicos, sejam de Ecologia, Evolução, Fisiologia, Bioquímica ou qualquer outro, já que para se ter a certeza da espécie-objeto, faz-se necessário utilizar as ferramentas da Taxonomia. Depois de um trabalho é preciso preservar o material utilizado, desta forma, se outros pesquisadores precisarem confrontar com novos espécimes o resultado será mais fidedigno. Então o material deve ser identificado, catalogado e depositado em uma coleção (FERNANDES et al., 2006, p. 4). Um exemplo da importância da preservação de material em coleção é revelado por Kunzler (2012). Os primeiros fósseis de invertebrados coletados no estado de Mato Grosso foram identificados por Derby (1895) e depositados na coleção de Paleoinvertebrados do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional. Entre eles estavam os exemplares tipo de uma nova espécie de braquiópodes (conchas marinhas) que, por desconhecimento da comunidade científica, vinha recebendo atribuições errôneas. Passado mais de um século, uma revisão taxonômica da identificação feita por Derby (1895) que viesse solucionar o problema da taxonomia dessas conchas foi possibilitada devido à preservação dos espécimes em coleção. Denominamos como coleção taxonômica a reunião ordenada de espécimes mortos ou partes corporais desses espécimes, devidamente preservados para estudos. Em Zoologia, para nos circunscrevermos apenas a uma parte da Biologia, de acordo com os estudos realizados, também são incorporados às coleções o que denominamos de “trabalho animal”, que podem ser objetos e produtos resultantes de atividades dos animais, tais como abrigos, ninhos, excrementos, rastros, pegadas e outros (PAPAVERO, 1994). Os espécimes, já mencionados, servirão de parâmetros para elucidarem dúvidas que porventura apareçam durante um estudo. As coleções podem fornecer material para exposições, para uso em salas de aula e também servirem como ferramenta na identificação de outros animais, além de lançar (e atrair) novos olhares sobre políticas públicas, pesquisas médicas, farmacêuticas e agronômicas, entre outros (KURY et al., 2006, p. 21). O que é curioso e positivo é que, ao contrário de outras áreas do conhecimento cujas raízes acadêmicas estiveram entrelaçadas com a formação e o
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estudo de coleções, mas hoje sofrem um processo de distensão nesta relação4, a Biologia continua tomando como indispensáveis os processos de colecionamento e curadoria em suas pesquisas e ensino universitário5. De acordo com Papavero (1994) podemos encontrar cinco tipos de coleções, a saber: 1) coleções didáticas, que envolvem material destinado a ensino, demonstrações e treinamento; 2) coleções de pesquisa, como as grandes coleções gerais, que podem estar vinculadas a universidades ou museus, e permitem vasto desenvolvimento dos estudos taxonômicos e biológicos, além das coleções particulares, que advém de colecionadores e aficionados que através de recursos próprios reúnem material de grupo ou grupos zoológicos; 3) coleções regionais, que reúnem espécimes de uma localidade específica, representando quase integralmente a fauna em questão; 4) coleções especiais, que podem ser de diversos tipos, como por exemplo, coleções de interesse econômico ou de levantamento faunístico e 5) coleções de identificação, que servem de apoio à rotina de identificação de material zoológico para as mais diversas finalidades, e estão inseridas em instituições ligadas a esta prestação de serviço. Da convergência de saberes da Biologia e especificamente da Zoologia com a Museologia, podem surgir ambientes apropriados para a representação da diversidade biológica de organismos tanto fósseis como recentes. Um museu de história natural é um lugar que abriga um tesouro para quem necessita consultar seu acervo, e por isso, em quase todos os países do mundo em que as ciências biológicas são consideradas de primeira importância para o desenvolvimento social, uma coleção de história natural ali se encontra (ZAHER;YOUNG, 2003, p. 25). Estas instituições, longe de se prenderem a um modelo de ciência ultrapassado, conectado apenas com suas origens, atualizam-se constantemente, acompanhando os progressos científicos não somente das áreas básicas, mas também da Museologia. Um exemplo disto é o Netherlands Centre for Biodiversity - NCB Naturalis, novíssimo museu holandês resultante de uma fusão de instituições anteriormente existentes: o Zoological Museum Amsterdam (ZMA), o National Museum of Natural History Naturalis e partes do National Herbarium of the Netherlands (NHN). Juntas, as coleções formam o quinto maior acervo do mundo em biodiversidade e foi inaugurado em 28 de janeiro de 2010 (CÂNDIDO, 2013, p. 31). Além de ser um caso singular de fusão em grande escala de instituições museológicas6, o Naturalis está em dia com os conceitos de biodiversidade, popularização da ciência e acessibilidade, entre outros que juntamente com seu refinamento expográfico habilitam-no como importante 4 É a crítica de Bruno a respeito de como áreas das Ciências Humanas têm lidado com esta questão: “Em um primeiro momento, verificamos que o abandono dos cursos de formação profissional, como por exemplo, em Antropologia, Arqueologia, História, Sociologia, entre outros, em relação à importância dos estudos de cultura material e, especialmente, no que tange aos princípios e práticas inerentes ao processo curatorial, tem legado novas gerações descomprometidas e despreparadas para o exercício e consolidação de cadeias operatórias de procedimentos técnicos e científicos relativos à salvaguarda e comunicação das coleções museológicas, fragilizando a atuação das instituições” (BRUNO, 2009, p. 22). 5 Vale esclarecer que não somente a formação de novas coleções é importante neste processo. O excesso de objetos nas reservas técnicas – a obesidade galopante dos museus (BALERDI, 2008) – mostra que muitas vezes o mais relevante seria retomar o estudo de coleções já existentes, questionando procedimentos atualmente em voga na Arqueologia, por exemplo, de um quase completo abandono do patrimônio já preservado por uma busca incessante de novos artefatos em campo. A não retomada de acervos já existentes deve levar a um questionamento sobre para que, então, musealizar novos acervos. Ou se alguma forma de descarte/devolução após a pesquisa não seria mais coerente e sustentável em longo prazo. Esta, entretanto, não é uma discussão prioritária no presente texto (ver BRUNO; ZANETTINI, 2007; CÂNDIDO, 2005;). 6 Há outros exemplos de fusão no mundo dos museus, originando instituições de menor porte, como o das coleções que geraram o atual Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Mas os processos de desmembramento são mais comuns.
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marco entre os museus de ciências da contemporaneidade. Segundo Zaher e Young (2003, p. 25) encontra-se no Brasil o maior acervo do mundo sobre a região neotropical, sendo o Museu Nacional, o Museu Paraense Emílio Goeldi e Museu de Zoologia da USP, os mais ricos em biodiversidade brasileira. São coleções importantes e reconhecidas internacionalmente por sua importância como acervo e por todo o trabalho de pesquisa realizado pelos profissionais com elas envolvidos. No entanto, é diagnosticado, como ponto fraco brasileiro, a carência de curadores devidamente capacitados na gestão de coleções biológicas e também de apoio técnico na manutenção das coleções (KURY et al, 2006, p. 31). Estes autores estão trabalhando, portanto, com um conceito específico de curadoria, tomada como o trabalho das áreas básicas sobre os acervos. A questão da curadoria Há, entretanto, outro conceito de curadoria. Isto foi discutido, em publicações como o Caderno de Diretrizes Museológicas 2, no qual Bruno (2008) aponta uma bifurcação na trajetória deste conceito: [...] é possível constatar que o conceito de curadoria surgiu influenciado pela importância da análise das evidências materiais da natureza e da cultura, mas também pela necessidade de tratá-las no que corresponde à manutenção de sua materialidade, à sua potencialidade enquanto suportes de informação e à exigência de estabelecer critérios de organização e salvaguarda. Em suas raízes mais profundas articulam-se as intenções e os procedimentos de coleta, estudo, organização e preservação, e têm origem as necessidades de especializações, de abordagens pormenorizadas e do tratamento curatorial direcionado a partir da perspectiva de um campo de conhecimento (BRUNO, 2008, p. 19).
Fonte: Cândido (2013, p. 163)
A mesma autora ressalta a dissonância entre um tratamento curatorial marcado pelas responsabilidades solidárias – processo curatorial que Cândido (2013) destaca na figura 1 como campo da pesquisa aplicada em Museologia – e a onipotência da figura do curador, geralmente um profissional oriundo da área básica, que varia de museu para museu.
Figura 1: Pesquisa básica e pesquisa aplicada nos processos de musealização.
Ao nos alinharmos com estas duas autoras estamos entendendo que há uma curadoria ligada à área básica que consiste em pesquisa e seleção daquilo que tem potencial comunicativo suficiente para justificar sua inclusão na complexa e
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dispendiosa cadeia operatória museológica que envolve salvaguarda e comunicação, mas também um processo curatorial mais amplo.Assim, no museu, o processo curatorial será o conjunto de todas as atividades desenvolvidas a partir do acervo, combinando responsabilidades solidárias de todas as disciplinas envolvidas. Entretanto, a ausência de profissionais habilitados a atuar de uma maneira mais transversal na curadoria de coleções e no trabalho interdisciplinar, coloca a realidade dos museus brasileiros na contramão da grande biodiversidade que encontramos em nosso território, com uma tendência ao tratamento segmentado das coleções. Professores de graduação e pós-graduação que desenvolvem suas pesquisas, paralelamente cuidam das coleções de seus respectivos grupos de interesse, dividindo seu tempo com preparação de aulas, burocracias administrativas e a curadoria, esta realizada como uma atividade à parte de outras curadorias no mesmo museu. A própria divisão do espaço tanto de laboratórios como das exposições muitas vezes reflete esta segmentação, com setores separados utilizando, não raro, métodos de trabalho e de descrição distintos, e resultando em exposições que são formadas por salas ou módulos destinados a cada tipologia de acervo, com linguagens visuais nitidamente desalinhadas. Como os pesquisadores da área básica possuem um conhecimento altamente especializado em taxonomia, mas em geral pouco preparo nos aspectos do planejamento e gestão de uma instituição museológica, escasso conhecimento sobre necessidade específicas de conservação, de comunicação ou de adequação ao público, alguns problemas acabam recorrentes: - A estrutura física é na maioria das vezes inadequada, às vezes até mesmo sem o devido controle da temperatura, umidade e luminosidade, fazendo com que os tipos sejam mantidos em condições desfavoráveis; - Questões como acessibilidade podem não ser consideradas; - As exposições podem não ter o apelo visual e midiático que pode colocar ou não o museu no rol das atrações preferenciais em uma cidade para públicos locais e turistas; - A quantidade e características dos textos das exposições tendem a se espelhar em formatos mais adequados à comunicação entre pares que com o público leigo; - A ação educativa pode ser exclusivamente caracterizada como visita-palestra e desconsiderar o papel provocativo da comunicação em museus e outros formatos mais dialógicos (MARANDINO, 2008, p. 22-23). - A parca difusão da importância de uma coleção fora dos meios acadêmicos somente torna mais difícil obter apoio dos gestores. Alguns destes pontos de atenção poderão ser equacionados com a inserção de profissionais da área de Museologia em equipes interdisciplinares e com a difusão do conceito de processo curatorial solidário, partilhado entre pesquisadores das áreas básicas e aplicadas. O trabalho de curadoria de uma coleção zoológica precisa deixar de ser amador e passar a ser realizado por profissionais não somente ligados à Zoologia, mas também à Museologia, unindo as respectivas áreas do conhecimento e criando condições para que as coleções possam contar com melhor estrutura de guarda, acondicionamento, conservação e gerenciamento da informação, bem como de extroversão digna de seus potenciais. Os pesquisadores das áreas básicas carecem da possibilidade de se dedicar à pesquisa sem necessariamente serem responsáveis por todo o processo curatorial da coleção, que deveria contar com um sistema curatorial integrado com outros perfis de acervo porventura existentes na mesma instituição, gerenciado por profissionais cuja responsabilidade e pesquisas (aplicadas) fossem centradas na curadoria.
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É necessário, finalmente, que se realize um trabalho tanto no campo da formação como na conscientização da importância de coleções taxonômicas. Para isso, foram criadas, em 2006, as diretrizes para uma política dos acervos biológicos no Brasil (KURY et al., 2006). As coleções zoológicas e a função educativa Compreendemos a curadoria de uma forma ampla, como processo curatorial completo que envolve não somente a pesquisa sobre os acervos, a documentação e a conservação dos espécimes (salvaguarda), mas a extroversão das coleções e do conhecimento sobre elas. A comunicação patrimonial, viabilizada pela elaboração e execução de exposições e pela ação educativo-cultural surge, desta feita, como faceta da curadoria em que também interagem, no caso em análise, Museologia e Biologia7. Dentro da rotina das ciências e no seu processo de ensino-aprendizagem, a ênfase na importância da interdisciplinaridade tem sido uma constante. Não se pode fazer ciência com pensamento compartimentalizado porque cada conceito oriundo das diversas áreas utilizadas no estudo contribuirá na construção do conhecimento desejado. Esta forma de trabalho também se torna muito valiosa quando pensamos em um museu e toda a sua riqueza de informações e experiências que deve ser explorada de forma adequada, permitindo assim que os usuários e os estudantes que frequentam o museu possam tirar o máximo proveito do patrimônio ali preservado. A confluência em um projeto museológico ou expositivo dos conhecimentos da Museologia e da Zoologia permite que se possa construir, por exemplo, exposições taxonômica e sistematicamente corretas, capazes de demonstrar a diversidade zoológica, a realidade ecológica e evolutiva, mas também esteticamente e ambientalmente agradáveis, didáticas, socialmente responsáveis e inseridas nas reflexões contemporâneas sobre preservação do patrimônio cultural8. Se o museu também investe em uma ação educativa adequada, a difusão científica terá mais qualidade, como apresentado por Krombaß & Harms (2008). A área da ação educativo-cultural em museus de ciências é extremamente fecunda em todo o mundo e no Brasil e ganha cada vez mais o interesse de pesquisadores e profissionais da área da educação. Pelo fato de abordarem conteúdos científicos por meio de exposições interativas, educadores e professores da área de ensino de ciências passaram a ver nessas instituições condições para que funcionassem como um suplemento ao ensino promovido nas escolas. As diversas interações entre os estudantes e os aparatos desse tipo de exposição aumentavam a curiosidade e estimulavam o comportamento investigativo, o que poderia ser a base de idéias e de atividades para a sala de aula. Percebe-se, portanto, que um dos objetivos declarados desses museus de ciência – enfatizar a abordagem participativa ao apresentar idéias e atividades – encontrou grande ressonância nos setores educacionais que começaram a utilizá-los como centros de educação em ciências (GOUVÊA et al., 2001, p. 172). 7 Ou Museologia e outras áreas básicas quando se tratarem de outras tipologias de museus e acervos. 8 Trabalhamos aqui com o conceito antropológico de cultura, que engloba aquilo que é transformado física ou simbolicamente pelo homem e, portanto, compreendemos as paisagens e outros bens chamados ‘naturais’ como parte de um universo apropriado pela cultura. Neste sentido, mesmo elementos da natureza não deslocados, mas identificados e ressignificados, são cultura. As coleções biológicas e minerais formam, portanto, a faceta mais evidente de uma apropriação cultural que o homem faz sobre a natureza. Como a constituição do que chamamos patrimônio sempre pressupõe recortes atribuições de valor, não podemos, dentro deste escopo, falar de patrimônio natural.
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Chelini e Lopes (2008, p. 206) salientam que as exposições realizadas por essas instituições são ferramentas essenciais no processo de divulgação de saberes e, consequentemente, no processo de ensino, uma vez que atuam diretamente na interface entre o público e o museu. Chagas (1993, p. 54) defende que organizar exposições temporárias, utilizando exibições interativas, dedicadas especialmente à população estudantil, evidencia a tendência atual da maioria dos museus de história natural. No âmbito da expografia, a parceria Museologia - Biologia na construção de uma exposição baseada na Zoologia é essencial, pois características inerentes os objetos bem como o tipo de estudo que se fez sobre ele deverão ser considerados nas escolhas de partido expográfico e soluções. Esta parceria é ainda mais profunda no que tange à mediação entre o público e a exposição, como destaca Marandino (2012, p. 29) de um documento francês “Rapport au Ministre d’État Ministre de l’Éducation Nationale – Les Musées de L’Education Nationale: Mission d’étude et de réflexion, 1991”: [...] não podemos deixar o indivíduo sozinho diante de coleções de objetos ou de uma apresentação fria de fatos científicos ou técnicos (versão arcaica de museu). Mas também devemos igualmente dispensar as facilidades preguiçosas e passivas da informática e da caixa preta. Num espírito pedagógico ativo, o museu deve ser apresentado de forma que os homens possam se comunicar com o objeto (objeto técnico ou objetos de experiência) e não apenas se contentarem em contemplá-los. Para isto, o contato interpessoal, com apresentadores, encarregados de exposições, cientistas ou os guardas é o recurso mais seguro. ‘O museu deve ser interativo e vivo’. E para que ele ‘seja vivo e integrado a uma pedagogia ativa’, é necessário ‘poder tocar e dialogar’ (MARANDINO, 2012, p. 29).
Não obstante, o museu também dispõe de outras ações que podem contribuir para a divulgação do conhecimento biológico. Para Falcão (2009, p. 16), podem ser consideradas ações educativas de efeito as visitas “guiadas”, “monitoradas”, “orientadas” ou mesmo “dramatizadas” e as exposições itinerantes, o atendimento e preparo dos professores, as oficinas, os cursos e as conferências, as mostras de vídeos e as contações de histórias, além da confecção de materiais como livros, cartilhas e folhetos informativos, kits pedagógicos e jogos. Considerações finais Ao discutirmos a relação Museologia e Biologia temos a oportunidade de contribuir com a construção dos saberes de duas disciplinas que devem trabalhar juntas pela difusão do conhecimento e têm os museus como palco de atuação. Cada uma em suas especificidades, realidades e exigências. No entanto, relacionadas por terem como fonte e destino de objeto de trabalho a sociedade em geral. Essa relação pode acontecer, como foi visto, na formação de coleções, criação de exposições e museus, ou ir além. A história dos museus e a história da pesquisa científica caminham lado a lado e esta colaboração mútua deve continuar, com abertura para que todos os lados possam se deixar permear pelo conhecimento e experiência dos outros campos, sem limitações baseadas em pequenas vaidades e defesa inflexível dos mesmos. A interlocução ajudará a definir os limites e convergências dos diferentes saberes na prática interdisciplinar, em benefício maior da sociedade, por quem cabe preservar todo este patrimônio.
Josiane Kunzler, Manuelina Maria Duarte Cândido, Cristina Paragó Musmann
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Museologia e Biologia: Interlocuções Disciplinares
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Artigo recebido em dezembro de 2013. Aprovado em fevereiro de 2014
UMA COLEÇÃO PARA HISTÓRIA VISUAL BRASILEIRA Emerson Dionisio Gomes de Oliveira1* Os sentidos atribuídos ao termo “Escola” para a História da Arte europeia oscilam conforme o momento histórico e a geografia pesquisada. Todavia, graças à tradição implementada pelo abade Luigi Lanzi, com sua Storia Pittorica della Itália, publicada em 1788,“Escola” passou a designar predominantemente as características regionais de um conjunto de obras de arte, cuja cronologia estava estabelecida por um sistema de comparações entre as distintas regiões.A partir das divisões estabelecidas, cada “Escola” passou a ser colecionada, pesquisada e exposta em sua individualidade, assegurando a manutenção de um arranjo sistemático e hierárquico entre elas. As obras e as pinturas sempre a frente dessa classificação passaram a ser avaliadas com os critérios da “Escola” na qual estavam previamente incluídas. É justamanete da tentativa de criar uma coleção constituída para representar certa “Escola” brasileira que se debruça a historiadora da arte Letícia Squeff, em seu livro Uma Galeria para o Império.A Coleção Escola Brasileira e as origens do Museu Nacional de Belas Artes. Squeff inclina-se sobre os discursos e as representações que buscaram formar uma ideia de “escola brasileira”, nos apresentando a história da arte do século 19, cujo protagonismo da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) segue inegável, por meio de uma farta documentação.Todavia, Uma Galeria para o Império evita análises formalistas das obras e, do mesmo modo, não visou esmiuçar as trajetórias artísticas de seus produtores. Dentro de um panorama contemporâneo da História da Arte, Squeff buscou entender a formação de uma coleção habilidosamente denominada como “Escola Brasileira”, a partir dos valores que sustentavam a circulação, o colecionamento e a fruição artística da época. Habilidade formatada ao longo dos oitocentos graças às práticas pedagógicas difundidas e defendidas por nomes cruciais do período, como Le Breton, Félix-Émile Taunay e Araújo Porto-alegre. O livro é parte de um conjunto de obras formado por oitenta e três obras, apresentado na Exposição Geral de 1879: A Coleção Escola Brasileira reunia 83 obras de dezoito artistas. O título sugere que, provavelmente, estas obras estavam reunidas num espaço especial – a pinacoteca da Academia. Numeradas em sequência (259-340), elas aparecem agrupadas de acordo com os nomes dos artistas.A exposição iniciava-se com um quadro do pintor Manuel Dias (1764-1837), estruturando-se de forma cronológica. Na sequência, vinham ex-diretores, ex-professores, professores e alunos da Acadêmica.A última obra apresentada em 1879 foi A Morte de Sócrates, de José Maria de Medeiros (1849-1925). (p. 41).
A coleção da “Escola Brasileira” impacta atualmente os acervos públicos de quatro distintas instituições museológicas brasileiras: Museu Nacional de Belas Artes; Museu Histórico Nacional; Museu Dom João VI/UFJR, todos na cidade do Rio de Janeiro, e o Museu Victor Meirelles, em Florianópolis. Desta forma, a compreensão desta coleção incide não apenas nos objetivos centrais da autora, compromissada com as dinâmicas de exibição da arte nos oitocentos, mas também nos dá a oportunidade de conferir e especular sobre a circulação das obras entre as diferentes instituições e seus modelos de conservação e assimilação patrimonial. 1 * Mestre em História da Arte pela Universidade Estadual de Campinas. Doutor em História pela Universidade de Brasília. Docente do Programa de Pós-graduação em Arte da Universidade de Brasília.
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Os primórdios da coleção “brasileira” coincidem com a chegada da “Colônia Artística Francesa” ao Brasil, em 1816. Seu organizador, Joachim Le Breton, foi o primeiro a pensar na constituição de uma Pinacoteca (e de um museu), compreendida como ferramenta de ensino para a Academia de Artes, a ser criada no Brasil. Para Le Breton, a constituição de um acervo de cópias e de originais era fundamental para a prática pedagógica da nova instituição. No modelo de ensino francês, as cópias de obras dos mestres do passado eram uma obrigação “didática”, tanto dos alunos, quanto dos artistas pensionistas do Estado. Obrigação, que segundo a autora, foi um catalisador do mercado de reproduções, falsificações e reduções (p. 129), sobretudo na segunda metade do século. No período em que esteve na direção da Academia, Araújo Porto-alegre promoveu uma das mais importantes reformas na AIBA. Uma Galeria para o Império mostra-nos que a Pinacoteca da instituição recebeu atenção especial com a criação do cargo de restaurador de quadros e conservador, em 1855. Todavia, o ponto crucial estava na abertura da Pinacoteca para os visitantes. Ou seja, as obras podiam ser observadas independentemente das exposições gerais ou das mostras comemorativas. Atualmente, parece-nos corriqueira imaginar que uma coleção possa ser acessada pelo público.Todavia, a mudança no acesso à coleção mudava as características da instituição, pois desde então, “tratava-se de fazer das paredes da Academia um local de memória.” (p. 155). Na esteira da discussão central, Squeff oferece-nos uma visão das tensões e dos conflitos internos à AIBA, sobretudo no último quarto do século. Habitou-se entre os divulgadores insipientes de uma história da arte convencional interpretar a Academia como uma instituição uniforme, coesa e explicitamente elitista. Em síntese: uma instituição conservadora de ensino e de difusão de valores artísticos “acadêmicos”. Uma visão demasiadamente atemporal, que não leva em consideração os embates, as contradições e a diversidade artística do período. No sentido oposto, Uma Galeria para o Império ajuda-nos a perceber a complexidade da AIBA e suas diferentes estratégias de sobrevivência política e de visibilidade institucional. Desta forma, a compreensão da Coleção parte do entendimento de quatro distintas esferas que atravessam todo o livro: o ensino e os modelos pedagógicos legitimadores; a constituição de uma pinacoteca, cuja coleção estava a serviço das intenções pedagógicas; a visibilidade ofertada pelas Exposições Gerais da IABA, crucial para a “formação” de um público para as artes plásticas e; os primórdios de um mercado de arte ancorado no colecionismo privado. Alguns colecionadores são apresentados, tais como: Manoel José Pereira Maia, José Ribeiro da Silva e Ângelo Antonio Rósea e as tentativas, nem sempre bem sucedidas, da Academia em adquirir coleções privadas. A dimensão pedagógica da coleção havia sido evidenciada desde os planos de Le Breton. Para uma instituição de ensino com as ambições que a Academia almejava desde a liderança de Félix-Émile Taunay, um acervo próprio era essencial, sobretudo, para alinhar a produção da Academia às matrizes - “escolas” - europeias. Desta forma, a “Coleção Escola Brasileira não deixara de ser, em muitos aspectos, uma releitura de gêneros e modelos iconográficos europeus.” (p. 126). A formação da pinacoteca foi paulatina e contou com estratégias de aquisição distintas: aquisições diretas e indiretas, encomendas dirigidas e doações predominaram.“O acervo da Coleção Escola Brasileira vinha todo da pinacoteca, e entrara na Academia de diferentes formas (...). Ou seja, os quadros da Coleção representavam o que havia de melhor na trajetória de alunos e professores.” (p. 149). Squeff dá ênfase à quantidade de “estudos” presentes na coleção (cerca de quarenta telas recebiam este título). Tais obras partiram, geralmente, das encomendas aos pensionistas da Academia residentes no exterior (cinquenta e uma
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telas). É sintomática que essa característica tenha definido a coleção do atual Museu Victor Meirelles, instituição criada no início dos anos de 1950, após receber parte do acervo do pintor do Museu Nacional de Belas Artes. No acervo do museu catarinense, os “estudos” de trajes de Meirelles são destaques importantes para a representação e visibilidade patrimonial da instituição. Já as Exposições Gerais funcionavam como salões. Sua lógica expositiva e estratégias de distinção (expografia, premiação, críticas etc.) obedeciam aos padrões europeus, em especial aquele praticado na França. Ao longo do século 19, paulatinamente o mercado de arte francês passou a funcionar independente dos salões franceses. Até mesmo o Estado deixara de encomendar pinturas históricas, o que gerou o aumento de retratos e paisagens nas paredes dos salões. Por volta de 1870, Squeff lembra que a maioria dos artistas franceses sobrevivia com a venda de obras menores. Na esteira deste processo, a interdependência entre instituição de ensino e os salões também se alterou. “O desenvolvimento e ampliação dos salões resultaram, na França, no enfraquecimento da Academia e seus dispositivos.” (p.97). Já no Brasil, verificou-se o fenômeno oposto. As exposições gerais funcionaram como catalisadoras do mercado de arte, tanto aquele voltado às encomendas do Estado, quanto aquele desenvolvido pelo comércio privado. Ou seja, os “salões” organizados pela Academia funcionavam como espaço para expor, trocar, comprar e vender obras. Explicitar tal diferença mostra o quanto Uma Galeria para o Império evita paralelismos diretos entre a prática brasileira e os modelos estrangeiros, conferindo às obras e à documentação toda uma complexidade própria de uma cuidadosa pesquisa. É nesse sentido que a transcrição de um texto publicado por Araujo Porto-alegre, em 1850, sobre a exposição geral do ano anterior, dar-nos a dimensão de que a preocupação pela formação de público para as artes não era ignorada. Pelo contrário: “O público fluminense já consagrou em seu calendário festivo, e em seu catálogo das novas impressões, a exposição artística anual; e acostumado a este concurso das artes, irá pouco a pouco ganhando em conhecimentos, e preparando-se para poder avaliar qualquer trabalho d’arte, e distinguir o aparente do real, e o falso do verdadeiro.” (p.90). Se o debate entre o falso e o verdadeiro parece-nos pouco importante na contemporaneidade, ele era crucial para a quarta esfera atendida pelo livro: o mercado de arte. A questão do verdadeiro, neste período, estava predominantemente ligada às práticas de assimilação e de difusão do gosto europeu pela elite brasileira, em especial a fluminense. Os padrões de gosto do período estavam alinhados a toda uma ideia de civilização, intrinsecamente ligados à difusão de produtos industriais. E a constituição deste gosto foi indispensável, segundo a autora, para “consolidar a profissão de artista e os hábitos de fruição e consumo de objetos estéticos.” (p.92). Do mesmo modo, a ideia de uma nação civilizada exigia para alguns protagonistas da época a criação de uma coleção nacional própria. Embora o artigo “Memória sobre a Antiga Escola de Pintura Fluminense”, publicado por Porto-alegre, em 1841, na Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, já aponte para a tentativa de constituição de uma escola local, conceber uma “Escola Brasileira” de pintura implicava compreender quais suas características para além do regional. Ao estudar as obras, a autora lembra que questões como tema, estilo e mesmo elementos extra-artísticos, como a nacionalidade dos artistas e o local de sua produção, eram barreiras diante da heterogeneidade das obras reunidas na coleção da Academia. Tematicamente, os quadros oscilavam entre paisagens cariocas, personagens e fatos históricos, interpretações das mitologias gregas e cristãs. Já a biografia dos artistas não oferecia bases para pressupor uma unidade, visto que muitos nem brasileiros eram. Ou seja, os criadores possuíam trajetórias e formações distintas. Por outro lado, o esforço de interpretar as obras
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como pertencentes a uma “Escola Brasileira” evidenciava a ambição da instituição de ensino em alcançar um elevado padrão artístico. Padrão semelhante ao sistema expositivo e classificatório europeu, mas distinto de algum modo. Inscrever a produção artística reunida no Brasil e aqui produzida era possibilitar a comparação desta produção com outras escolas, conferindo-lhe independência. Além de todos os aspectos abordados que inserem a Coleção Escola Brasileira num contexto dos oitocentos, Squeff chama atenção para João Maximiano Mafra. Para a pesquisadora, Mafra foi um personagem crucial para compreender o cotidiano e as mudanças da AIBA, na segunda metade do século. Ex-aluno da Academia e professor, já em 1851, seu protagonismo evidencia-se quando é eleito secretário da instituição em 1854. Cargo que ocupou até 1890 e que lhe permitiu, entre tantas outras atividades, influir diretamente na aquisição de obras para Pinacoteca da Academia. É ele, por exemplo, o responsável por atribuir preço a Batalha dos Guararapes de Victor Meirelles, de 1879. De fato, no levantamento realizado pela autora, Mafra pode ser considerado o idealizador da Coleção Escola Brasileira, ou ao menos, fora visto por seus críticos como tal. A autora guarda para o fim do livro a análise das obras. Uma escolha feliz, pois graças a um trabalho de pesquisa cuidadoso, Squeff nos apresenta a história crítica das obras e seu contexto dentro de uma tradição figurativa, dando-nos uma perspectiva individual e contextual de cada uma. A paisagem, por exemplo, é compreendida como gênero fundamental para a constituição de uma escola à brasileira. Entendida como síntese da nação, a representação natureza surgia tanto como protagonista, como cenário da história a ser narrada. Assim sendo, coleção é interpretada como uma “história visual”, que reunia temas importantes para as narrativas históricas do jovem país. Nelas, encontramos da colonização portuguesa e a atuação dos religiosos na expansão territorial, passando pela expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro, até a inconfidência mineira:“representações que sintetizavam valores e pontos de vista que vinham sendo veiculados em outros meios culturais.” (p. 172). Enfim, Uma Galeria para o Império mostra como a coleção participou do esforço de construir uma história para o Império e, por conseguinte, de uma tradição nacional. Squeff lembra que coleção não foi bem recebida pelo público e por parte da crítica. E, ainda, que a discussão sobre uma Escola Brasileira ficou restrita ao acervo, em especial sobre a obra de Victor Meirelles. Mesmo assim, em 1884, a coleção foi reapresentada na exposição geral.Agora, com 98 obras, cujo acréscimo de Jean-Baptiste Debret, corroborava o esforço de construir uma “história visual” da nação. Como o advento da República, a coleção não foi mais apresentada.As obras foram, em 1937, assimiladas pelo recém-criado Museu Nacional de Belas Artes, e a história da coleção fora eclipsada pelas novas táticas de visibilidade da nova instituição. Apenas com Uma Galeria para o Império podemos retomar esta história que tanto revela sobre uma parte significativa do patrimônio artístico brasileiro. Referência SQUEFF, L. Uma galeria para o Império: a coleção escola brasileira e as origens do Museu Nacional de Belas Artes. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo: FAPESP, 2012. 200 p.
Resenha recebiba em outubro de 2013. Aprovado em fevereiro de 2014
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Mabe Bethônico/ Jônio Bethônico, Cartaz da Campanha Arquivo Wanda Svevo, 90 x 63 cm, impressão digital com pigmento mineral sobre papel, 2006
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R&M: O projeto museumuseu que tomou o Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal, na 27ª Bienal de São Paulo, em 2006, expões duas dimensões importantes através da intersecção entre Arte e Memória: a invisibilidade, e podemos dizer o silêncio, de uma instituição de memória como o arquivo e as ficções criadas para legitimar tais lugares. Como foi construir um relacionamento com uma instituição aparentemente tão consolidada quanto o arquivo? Mabe Bethônico: O Arquivo Wanda Svevo é a instância permanente da Fundação Bienal de São Paulo desde sua instauração; onde está depositada a memória de produção dos eventos: fotografias, comunicações com artistas e curadores, documentos de divulgação e catálogos publicados, além de biblioteca especializada. Apesar de sua importância, o arquivo é utilizado sobretudo internamente e é desconhecido pelo público que frequenta os eventos, apesar de estar localizado no segundo andar do edifício, tendo uma porta que sai ao lado do banheiro feminino do pavilhão. O arquivo até então não havia participado dos eventos e o trabalho foi feito em tres eixos: primeiramente registramos como o arquivo é abordado por telefone, colecionamos as perguntas dirigidas por pesquisadores e curiosos, buscando identificar o que é normalmente procurado, as demandas e entendimento geral que se tem a seu respeito. Em segundo lugar, fizemos uma campanha através de série de cartazes anunciando endereço, contato, etc. Finalmente, durante a exposição fizemos visitas guiadas, levando o público a conhecer o arquivo pela porta acessível pelo pavilhão. O trabalho serviu para o reconhecimento da Bienal sobre esse espaço, foi preciso adequá-lo fisicamente para visitação de público e cada instância de negociação para a execução do projeto foi um processo de questionamento. R&M: É indubitável que no conjunto de seu trabalho o ato de colecionar pode ser compreendido para além das possibilidades museológicas. Nele, em certa medida, colecionar nos parece uma pulsão instintiva, seja dos sujeitos, seja das instituições. Todavia, arriscaríamos a pensar que coleção e colecionador aparecem como dimensões poéticas ironicamente distantes. Penso, por exemplo, no Museu do Sabão, que em sua lógica itinerante possibilitaria assimilar novas peças, contribuições do público. Todavia, o zelo na disposição da coleção, em toda sua lógica classificatória, parece não incentivar a perturbação e a mudança. Como a ironia funciona em seu trabalho? Mabe Bethônico: O Museu do Sabão tem hoje o dobro de sua altura original sobre rodas e possui novas sessões. Seu desdobramento seria desejável e a ideia era que seu crescimento eventualmente impedisse seu trânsito como “Módulo Itinerante”, ou o levasse a uma fixação. Ao ser adquirido pelo Museu de Arte da Pampulha passou a ser mais difícil sua continuidade, que demanda uma aproximação e um desejo mútuo no sentido da sua viabilização. Talvez a ironia esteja no fato de que dentro de uma instuição, enquanto obra colecionável, ele tenha perdido sua própria dinâmica institucional. Diferentemente, estamos estudando meios para que o Colecionador na Pinacoteca de São Paulo permaneça um personagem vivo e autônomo, e para que isso aconteça é necessário haver diálogo e aproximação e o entendimento da obra com certo grau de questionamento.
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Mabe Bethônico, Módulo Itinerante do Museu do Sabão, 2005; sabão de limpeza doméstica, objetos de sabão, trilhas de áudio, sinalizações em vinil, embalagens e receitas. Fotografia: Marcelo Rosa
Mabe Bethônico, Projeto Invisibilidade Mineral, desde 2009, cartazes, videos, flyers, com contribuições de Anselm Jappe. Exposição “World of Matter“, HMKV/ Dortmunder U, 2014. Fotografia Hannes Woidich
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R&M: Ao transformar o universo museoólogico em um “problema” poético, sua obra posiciona-se politicamente. Há uma dimensão política explícita nas tuas produções. Muitos artistas contemporâneos tem se posicionado contrários às instituições museológicas. Outros usam-nas como ferramenta. Qual a sua posição diante do museu?
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Mabe Bethônico: Meu interesse por arquivos e museus está em seu potencial como campo de ficção: busco lacunas, questões esquecidas, sintomas, e busco construir uma relação com seus ‘agentes’ de forma a adentrar e ativar seus conteúdos. Assim, ocupo a rotina de trabalho e logo deixo de ser visitante para ser participante, - cúmplice ou ameaça. Esses papéis me interessam, não ocupo lugar de observação, mas de construção, ativando engrenagens, causando mudanças. Utilizo ainda uma estrutura museológica para organizar a prática sobre instituições, é um lugar em que os trabalhos se relacionam: registros de intervenções em museus e arquivos existentes e criações de instituições: o museumuseu. R&M: Em sua opinião, para além das precariedades corriqueiras, o que falta aos museus brasileiros de arte para um relacionamento mais profissional com os artistas? Mabe Bethônico: Apenas trabalhei com museus de arte em que fui convidada a atuar. Se houvessem supostas precariedades, elas seriam incorporadas nos projetos. No Brasil todas as experiências foram de parceria, mesmo se em algum lugar o trabalho fosse percebido como distúrbio ou ameaça. Estou dizendo de museus que foram motores de construção de obras, onde trabalhei sobre os territórios onde mostrava o trabalho. Mas aos museus enquanto lugares expositivos, geralmente falta clareza nas contrapartidas. Se contribuo com uma obra para uma mostra, normalmente se considera a própria instância expositiva lucrativa para o artista. O esclarecimento sobre as condições de trabalho, comunicações sobre produção e finalmente, o cuidado com a obra incluindo seu registro no espaço, e retorno sobre o evento, como clipping de notícias e de modo geral algum diálogo sobre a recepção do trabalho, etc., normalmente inexiste. Mabe Bethônico: artista e pesquisadora da Escola de Belas Artes da UFMG, com Mestrado e Doutorado em Artes Visuais pelo Royal College of Art, Londres. Coordena o Grupo de Pesquisa Memória, mímese, amnésia na UFMG. Artista do World of Matter, grupo internacional de artistas e teóricos iniciado por Ursula Biemann e Uwe Martin em colaboração com o Institute for Theory (ZHdK), Zurique e Visual Department da Goldsmith College, Londres. Atualmente (2013 - 2014) desenvolve projeto de pós-doutorado no Museu de Etnografia de Genebra com apoio da UFMG e CNPq e participa do projeto Embodied Archeology of Architecture and Landscape, da curadora Ana Paula Cohen, junto ao Tel Aviv Museum of Art. Desde 2000 desenvolve o projeto museumuseu - www.museumuseu.art.br. Desde 1996 constrói o projeto O Colecionador e desde 2010 pesquisa sobre a invisibilidade da mineração em Minas Gerais [apoio FAPEMIG e CNPq].Vive e trabalha em Belo Horizonte, MG.
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