REVISTA ANTI-HORÁRIO: Soluções na Caatinga

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REVISTA ANTI-HORÁRIO

SOLUÇÕES SOLUÇÕES NA CAATINGA

Expediente RevistaAnti-Horário AnoI NúmeroI Março2023 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 01NatháliaAguiar Reportagem/Diagramação 02AngélicadeAraújo Reportagem/Diagramação/ Fotos 03 EduardaSantos Texto/Diagramação 04LuizaDotta Produção/Fotos 05LetíciaFernandes Reportagem/Diagramação/ Texto 06LetíciaFerreira Reportagem/Diagramação/ Fotos/Tratamentode Imagens/ProjetoGráfico 07LarissaMoura Produção 08ÉlidaSousa Reportagem/Diagramação 09LauraFarias Produção 10DavidSilva Produção 11AntonioSimões Cartaaoleitor ProfessorOrientador AntonioSimões Editora LetíciaFerreira
Concepção editorial
FotodaCapa LuizaDotta 02
Curso de Jornalismo da UEPB

Carta ao leitor

Sonho realizado

Caro leitor, a Revista Anti-horário nasce com a missão de dar visibilidade às respostas aos desafios sociais. Ela é voltada, primordialmente, para adolescentes do Ensino Médio e jovens universitários. Afinal, a publicação tem como um de seus objetivos gerar insights para que essas pessoas tornem-se agentesdetransformaçãosocial. Porisso,asreportagenssão preparadas para inspirar os leitores para contribuir com a construção de um mundo com mais justiça social e cuidado comomeioambiente.

Neste primeiro número, as repórteres da revista (a maioria da equipe é de mulheres) viajaram quase 900 quilômetros para mostrar respostas aos desafios de convivência com o Semiárido. A vida por aqui não é fácil. Só para você ter uma ideia, conforme dados do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), a região, que contempla 12% do território brasileiro e conta com 28 milhões de habitantes, tem risco de seca maior que60%.

Porém, “enquanto a chuva não vem, a vida não para, e esse povo,deforçatãorara,continuaasorrir”.Estetrechodapoesia da estudante de jornalismo Letícia Ferreira, criada especialmente para esta edição da revista, relembra que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, como constatou Euclides da Cunha. Esse povo forte, valente, religioso e criativo desenvolve diuturnamente estratégias para melhorar a sua qualidadedevida.

Você, leitor querido, é convidado para conhecer algumas dessas “invenções”. Elas associam a sabedoria popular ao conhecimento científico e ajudam a garantir desenvolvimento sustentável para a Caatinga (“Mata-branca” no Tupi-guarani), principal bioma da região, além de gerar mais felicidade no coraçãodoseupovo.

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Sumário AQUILO QUE NASCE DO BARRO 06 PRECES DE UM SERTANEJO 13 REVOLUÇÃO NO CAMPO 14 SUMÁRIO BENDITO ÁRIDO 20 MEL ORGÂNICO MADE IN CAATINGA 30 FAUNA SEMIÁRIDO 36 04

Sumário

CANTADORES: MESTRES DA POESIA MUSICAL

GALERIA DE FOTOS: BELEZAS DO SEMIÁRIDO

BASTIDORES DA PRODUÇÃO DE REPORTAGENS

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SUMÁRIO
NOS
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VISITE OS PROJETOS QUE
ACOLHERAM 49

AQUILOQUE NASCEDOBARRO

REPÓRTER NATHÁLIA AGUIAR

SantaLuzia,sertãoparaibano,9:50hdamanhã.

No final de uma simples viela, em um galpão de paredes marrons, encontramos a história que procurávamos;aquelaqueatravessouotempo,asdificuldadesequeresistiuaoesquecimento.Ocomeço dessahistória,entretanto,foiacercade60quilômetrosdaqui.NaSerradoTalhado,emmeadosdoséculo XIX,foiiniciadaumaverdadeirasaga,quandofugidosdeumafazendadoPiauí,oex-escravoemadeireiro Zé Bento e sua esposa, Maria Cecília da Purificação, encontraram uma terra de ninguém. Essa história podelheparecerfamiliarecomcertezaé,sevocêjátiverassistidoàAruanda.

Ocurta-metragemdeLinduarteNoronhaconta,demodoquepodemoschamardevisionário,aformaçãode uma comunidade povoada por gente de garra em todas as suas gerações, retratando a jornada árdua e semdescansoqueZéBentoesuafamíliaenfrentaramatéchegarematerrainóspitaquedecidiramchamar delar,alémdasalternativasqueencontraramparasobrevivernolocal.

Deixando para trás a servidão da antiga escravatura, eles percorreram um caminho longo, embalado pelo som dos passos apressados e com destino incerto, até que enfim finalizaram a caminhada que não encontrava descanso ao se depararem com o que, naquela época, no sertão, era raro e um sinal de bênção:água.

Louceira lixando peça de artesanato em barro; Foto: Luiza Dotta
REPORTAGEM 06

Na terra sem vida e desértica, fixou residência com os seus, tornandose, ao lado de Maria Cecília, fundador da comunidade da Serra do Talhado. Logo depois da libertação, muitos dos antigos escravizados tomaram a mesma direção que Zé Bento, povoando, pouco a pouco, o território.

Comaseca,aagriculturafamiliareoplantiodoalgodão,atividadesque eram de extrema importância para a sobrevivência no local, eram impossíveis.Édanecessidadedeencontraralgumaformaparaviverno lugardemataacinzentadaedesolquentequesurgeaproduçãoevenda deutensíliosembarronoTalhado.

A partir daí, dá-se início a uma arte que sobrevive hoje graças às mãos de amor, cuidado e tradição das mulheres integrantes da Associação ComunitáriadasLouceirasNegrasdaSerradoTalhado.

Gileide, Welida, Erika, Maria Auxiliadora, assim como o icônico pássaro JoãodeBarro,transformamargilaembelaspeçasrústicas.Antesdelas, muitasoutras,aexemplodeMariaCecília.Mulherpioneiradaconfecção deutensíliosembarroeresponsávelporpassarparasuasdescendentes aartedeesculpirterramolhadanosmaisvariadostiposdeartefatos. Apesardonomedaserra,segundoespeculaçõesdeantigosmoradores, fazerreferênciaaotrabalhoqueseuesposoexercia(entalharamadeira), foram os saberes de Cecília que caracterizaram a comunidade e puseram uma família inteira a se dedicar por gerações para fazer suas louças alcançarem os mais distantes espaços e disso tirarem seu sustento.Foiessaaformaqueencontraram,hámuitosanos,deresistirà seca,àpobrezaeaoisolamento.

Nas imagens temos, respectivamente: a fachada da Associação de louceiras que visitamos em Santa Luzia; um dos processos de confecção do artesanato realizado por elasonde a louça é modelada por dentro (note que as louceiras reaproveitamdiversosmateriais, comochinelas);ofornoondeas peçaspassampelaúltimaetapa da preparação e, por último, a peça pronta retirada do forno para esfriar e ser comercializada.

Louceira amassando barro: Foto: Letícia Ferreira
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Fotos: Luiza Dotta e Letícia Ferreira

"Era muito sofrimento mesmo..."

Comasmãosatoladasemterraárida,imprópria para a agricultura, e com a imaginação fértil, criavameesculpiam,sobaformadeartesanato, a esperança de sobreviver em baixo do sol intimidador, que não era incomodado por uma nuvemdechuvasequer.Eraaúnicaalternativa diante do solo quase infértil daquele naco de sertão.Enfrentandoafome,asedeeocansaço, as mulheres continuavam a produzir com dificuldadeportodaacomunidade.

O relato da ex-moradora do Talhado Maria de Fátima Carneiro, no documentário “Rita, Preta da Paraíba”, esclarece a situação em que viviam.Segundoseudepoimento:

“Era muito sofrimento mesmo. Tinha mãe de famíliaàsvezesquepassavaodiacomfomee as crianças pedindo o que comer e não tinha pra dar. A minha mãe mesmo passou por isso, já vi ela chorando por que ela não tinha o leite pradaraomenino.Agentelembraeficatriste.”

O êxito de seu ofício, entretanto, permitia que vivessem,umdiaapósooutro.NeusaCarneiro, antiga moradora da Serra, explana no documentário, também, como a produção e venda das louças eram responsáveis por colocar comida em suas mesas. “Com o tempo agente‘ficoutudo’semteroutroserviço.Oque a gente fazia era isso: […] Mãe queimava as loucinhas, a gente embalava, trazia pra rua, faziaafeirinhaelevavadenovo.”

SemaslouçasacomunidadedoTalhado,muito provavelmente, teria encontrado a miséria em suafacemaiscruel,semdisfarcesoumáscaras de bondade. Sem dúvida, graças aos saberes que passearam entre as gerações de mulheres nascidas no território do quilombo, toda a comunidade prosperou e, acima de tudo, sobreviveu.

Osolo,amata,asraízesdoTalhado,entoamas memórias de tudo que viram e sussurram no ouvido dos seus, palavras de conforto e segurança para que não desistam daquilo que os deu a chance de sobreviver. São desses murmúrios ao pé do ouvido que ainda há resistência de 22 famílias que se negam a sair da zona rural, preferindo até hoje produzir com mais dificuldade, mas no lugar que aprenderam achamardecasa.

Ilustração de louceira fotografada na fachada do galpão 08

DIÁSPORA

Apesardisso,decisõesprecisaramsertomadaspara queessaspessoas pudessemgradativamente,viver sem medo da incerteza do amanhã. É meados de 1989quandoRitaPreta,entãolíderdogrupo,decide tentar a sorte na cidade, em busca de facilitar a venda das peças. Cerca de 300 pessoas a acompanharam, da Serra do Talhado até Santa Luzia. Segundo Gileide Ferreira, presidente da associação e antiga moradora do Talhado, “A mudançafoidifícil,masagenteprecisouseadaptar, não tinha outra escolha. Foi a única forma que encontramosparasobreviver.Aindaficaramalgumas pessoas, mas com as dificuldades, foram vindo.”. Gileide recorda saudosa dos tempos em que ainda estavalá.

“A gente era feliz e não sabia'', diz, com um sorriso presonocantodabocaeoolharlevedequemtem saudade,masaprendeuaverbelezaemoutrolugar. Olocalqueasabrigoueque,apesardasdificuldades, semprefoiconsideradolar,precisouserdeixadopara trás. Para o historiador Iranilson Buriti, professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), os benefícios do êxodo para a comunidade do Talhado estão desde o acesso à água até a maior proximidadedoproduto comoconsumidor.

Para ele, apesar da mudança também apresentar pontos negativos, como o desenraizamento cultural com ela foi possível uma estabilidade econômica maiorparaaspessoasdoquilombo.

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Trecho do caminho até Santa Luzia; Foto: Letícia Ferreira

Antes, no Talhado, precisavam caminharcercade12horasatéSanta Luzia,paraconseguirvenderaspeças. Hoje, comercializam no próprio galpão onde produzem as louças; com mais facilidade na venda, conseguiram aumentaraproduçãoemcercade100 peças - cada uma das mulheres produz,emmédia,200louçaspormês. Com a criação da associação, que congrega13mulheresnegrasartesãs, passamachamarmaisatençãoparao trabalhohonesto,degarraeresistência queexercem,firmandoparcerias

estratégicas como a celebrada com o Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Cariri, Seridó e Curimataú (PROCASE), que as ajudaram em ganho de infraestrutura e visibilidade. A situação da comunidade melhorou, mas seria inocência falar que ela vive completamente bem. Apesar da paixão envolvida desde o manuseio da matéria-prima até a finalização do artesanato, a população do Talhado ainda sofre e luta pela sua sobrevivência.

Aqui em Santa Luzia também nunca foi fácil, masvivendofomos e dando a volta por cima.
Mulheres louceiras confeccionando peças de artesanato - Foto: Letícia Ferreira - Gileide Ferreira
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A Asmudanças,inegavelmente,aconteceram,mas smudanças,inegavelmente,aconteceram,mas aindahámuitoaserfeitoparaqueoquilombodo aindahámuitoaserfeitoparaqueoquilombodo

Talhado seja próspero em todas as suas Talhado seja próspero em todas as suas potencialidades. A solução foi encontrada e tem potencialidades. A solução foi encontrada e tem tido êxito desde então, tanto do Talhado Rural tido êxito desde então, tanto do Talhado Rural quanto do Urbano (embora em proporções quanto do Urbano (embora em proporções distintas), mas a situação provavelmente seria distintas), mas a situação provavelmente seria melhorsehouvessemaisapoiodopoderpúblico. melhorsehouvessemaisapoiodopoderpúblico.

Nesse sentido, o historiador Iranilson Buriti Nesse sentido, o historiador Iranilson Buriti aponta um caminho: “Apesar do território ser aponta um caminho: “Apesar do território ser reconhecido como comunidade quilombola e de reconhecido como comunidade quilombola e de haver um registro sobre isso, infelizmente muitas haver um registro sobre isso, infelizmente muitas vezes as políticas públicas existentes não vezes as políticas públicas existentes não chegam até essas comunidades. Elas ficam à chegam até essas comunidades. Elas ficam à míngua e na dependência de uma ajuda da míngua e na dependência de uma ajuda da prefeitura ou órgão local. As louceiras precisam prefeitura ou órgão local. As louceiras precisam de um reconhecimento muito maior para que a de um reconhecimento muito maior para que a artedelassejavalorizadanãosomenteenquanto artedelassejavalorizadanãosomenteenquanto um patrimônio histórico material e imaterial, mas um patrimônio histórico material e imaterial, mas também como um local de sobrevivência, de também como um local de sobrevivência, de onde elas tiram o sustento não somente para si, onde elas tiram o sustento não somente para si, comotambémparasuafamília.” comotambémparasuafamília.”

Oprofessorcontinua,afirmandomaisumaveza Oprofessorcontinua,afirmandomaisumaveza necessidade de reconhecimento dessas necessidade de reconhecimento dessas mulheres: “As louças são criadas por elas, “As louças são criadas por elas, formam um patrimônio para o país, formam um formam um patrimônio para o país, formam um bem cultural que resiste há séculos, apresenta bem cultural que resiste há séculos, apresenta diversas características culturais e ecológicas, diversas características culturais e ecológicas, masaindaassimaslouceirasprecisamlutarpelo masaindaassimaslouceirasprecisamlutarpelo reconhecimentodopoderpúblico. reconhecimentodopoderpúblico.

Énecessáriaapreservaçãodessesabertradicional Énecessáriaapreservaçãodessesabertradicional e do produto, além da proteção para essas e do produto, além da proteção para essas comunidades.” Até que a valorização das comunidades.” Até que a valorização das contribuiçõesdaslouceirasparaahistóriaecultura contribuiçõesdaslouceirasparaahistóriaecultura do país se materialize, de forma mais efetiva, em do país se materialize, de forma mais efetiva, em ações que deem assistência a continuação dessa ações que deem assistência a continuação dessa arte no território quilombola e que melhorem arte no território quilombola e que melhorem efetivamente a vida dessas pessoas, essas efetivamente a vida dessas pessoas, essas mulherescontinuarão‘dandoacaraatapa’esendo mulherescontinuarão‘dandoacaraatapa’esendo exemploderesistência. exemploderesistência.

Porém, não queremos romantizar essa luta, sob Porém, não queremos romantizar essa luta, sob penademascararadificuldadequeessaspessoas penademascararadificuldadequeessaspessoas encontram, ainda hoje, de serem reconhecidas e encontram, ainda hoje, de serem reconhecidas e vistas. Elas precisam ser enxergadas não só pela vistas. Elas precisam ser enxergadas não só pela arte que produzem, mas também por quem são; arte que produzem, mas também por quem são; mulheres, crianças, homens, sujeitos que pagam mulheres, crianças, homens, sujeitos que pagam seusimpostos,têmhistórias,sonhospararealizar. seusimpostos,têmhistórias,sonhospararealizar. Esperamos que, contando a história dessas Esperamos que, contando a história dessas pessoas, consigamos abrir espaços para que elas pessoas, consigamos abrir espaços para que elas próprias possam falar e serem ouvidas. As próprias possam falar e serem ouvidas. As mulheres louceiras da Serra do Talhado, assim mulheres louceiras da Serra do Talhado, assim comoasdemaisespalhadasaoredordosemiárido comoasdemaisespalhadasaoredordosemiárido paraibano e lugares distintos do país, mostram ter paraibano e lugares distintos do país, mostram ter uma excelente solução para a convivência com o uma excelente solução para a convivência com o climainfecundo,porissosãosímboloderesistência climainfecundo,porissosãosímboloderesistência e empoderamento, ao usar simplesmente barro, e empoderamento, ao usar simplesmente barro, junto com grande criatividade, perícia e amor, para junto com grande criatividade, perícia e amor, para garantir a continuidade de suas vidas, assim como garantir a continuidade de suas vidas, assim como oJoãodeBarro. oJoãodeBarro.

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Panelas de barro; Foto: Luiza Dotta
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Precesdeumsertanejo

Passos arrastados pela terra seca, nas costas, o peso do mundo, no céu, um sol macho digno do sertão. — Ô, meu Deus, se eu pudesse te pedir algo, pediria para que olhasse para o nosso povo.

A minha terra é bonita demais para esquecida ficar; o tempo é uma energia não renovável, por isso, avexe o passo, meu amigo, fazer o bem é o melhor que há. A prece que tanto pedi a Deus, foi finalmente atendida e vem doce feito o mel para abrandar nossos corações.

Prefiro as coisas simples lá do sertão e também as novas inovações que vieram para mudar nossa situação. A energia renovável já nos vem da natureza, com a força do vento a eólica faz florescer a esperança; e quem diria que até o sol que faz arder nossa cabeça, é razão da luz nos fornecer.

Tenho pra mim que o vento não deixará de soprar e a chuva voltará a cair. Mas o teu povo, meu Deus, segue aqui; firme, forte e de braços sempre abertos para receber as tuas bênçãos enviadas dos céus. Não abro mão da minha terra, tão amada, pois, já dizia Patativa do Assaré: “sou brasileiro, filho do Nordeste, cabra da peste”, sou feliz.

MariaEduardaBatista

13 CRÔNICA
Foto: Maria Luiza Farias

Revoluçãonocampo:sindicalistae agricultorassemeiamagroecologia

REPÓRTER:ÉLIDA SOUSA

E se eu disser que um dos caminhos para melhorar a convivência com o semi-árido e fazer a tão sonhada revolução no campo, baseada na busca por justiça social e produção agrícola sustentável, passa pelo empoderamento feminino no campo?

A história de Marlene Pereira, 52 anos, moradora do Sítio Floriano, emLagoaSeca-PB.coordenadora da associação Eco Borborema e umas das fundadoras da Feira Agroecológica de Lagoa Seca, ajuda a comprovar a minha hipótese.

Marlene trabalha com a Agroecologia desde muito cedo, um trabalho passado de geração em geração, e cultiva sua produção em um terreno que recebeudeherançadafamília.Ela conta que esse trabalho era uma espécie de monocultura onde as plantações e cultivos de milho, feijão, batata-doce e macaxeira eraapenasparaasubsistênciada família, sem usar nenhum tipo de agrotóxico.

A partir de 1992 quando assumiu a direção do Sindicato dos Trabalhadores, Marlene entendeu o que era e como funcionava um Sindicato, desmistificando o conceitodequeeraumlocalonde havia bando de comunista para tomarasterrasdaspessoas.

Marlene Pereira produtora agroecológica, no Sítio Floriano - Lagoa Seca – PB
14 ENTREVISTA

Umanovadiretoriaparaosindicatoestavaseformandocomumrepresentantedecadacomunidade, devido ao fato de que o presidente naquela época não exercia o seu trabalho voltado para o agricultor e sim para a prefeitura. Marlene foi indicada por um vizinho para participar da direção, mesmosemconhecimento,porémapartirdaípassouaterconhecimentodaregiãodeLagoaSeca, realizando visitas a agricultores e agricultoras da cidade e mostrando o trabalho que deveria ser realizado,osconvencendoafazerparte.

Antigamente somente os homens podiam fazer parte do sindicato, os projetos vindos do governo federal e da Emater eram para eles, as mulheres eram escanteadas dentro da própria residência, nãoerapermitidoàparticipaçãodelasduranteasreuniões,otrabalhodasmulhereserafazer,servir café e voltar para a cozinha, vistas somente para ter filhos e tomar conta da casa. Marlene e uma colega viram a necessidade de inserir as mulheres no sindicato, para que elas pudessem futuramente ter direito a algum tipo de benefício, com essa inserção foi preciso também trabalhar a consciência delas para a Agroecologia, inicialmente através do cultivo e uso de plantas medicinais. ParceriasforamformadascomaEmater,AgentesComunitáriasdeSaúdeeaPastoraldaCriança.A seguiranossaentrevistadaMarlenePereiranoscontamaissobreAgroecologia.Confira:

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Foto: Élida Matos

Revista Anti-Horário: Conta-me um pouco sobre o trabalho que vocêdesenvolvenaagricultura?

Nosso espaço aqui é pequeno, menosdemilhectares,herançada minhamãeedaminhatia,eagente planta um pouco de cada, primeiramente para o consumo, depois levamos para a feira de Lagoa Seca, sou uma das fundadoras da feirinha daqui. Levamostambémparaafeirinhada UEPB, como também fazemos distribuição no Sesc para as pessoas necessitadas. Nesses dois últimos anos de pandemia fizemos cestasagroecológicasparadistribuir para pessoas que moram no sítio, que também são necessitadas, há pessoasquenãotemumacisterna de produção para água de beber, nãotemumacacimba.

Emjulhodesseanonósdistribuímos cerca 1200 cestas agroecológicas, compradasunicamentedoagricultor familiar agroecológico e isso beneficia o homem, a mulher e o jovem porque a gente não tá comprandosomentealface,coentro, cebolinha,estamoscomprandooteu bolo que é feito de mandioca. Ao invésdebeneficiarosupermercado, a CEASA, a gente beneficia a família,tudoissoéagroecologia,éo conjunto da família. É mais importante à gente trabalhar a família como um todo para que no futuro, os nossos filhos aprendam conoscoepossamdizer“minhamãe e meu pai me ensinaram e eu vou continuaressetrabalho”.

Estamos ficando velhos e essa também é nossa preocupação, as pessoas não têm consciência e esqueceaimportânciadaagricultura. Semagriculturavocênãotemcomida noprato.

Eu sou feliz por fazer tudo isso, são poucaspessoas,masfaçocomamor e eu gosto do que eu faço. Mesmo estando no sindicato, eu vou para casaalmoçarevenhoparacá,onde estou mais a vontade, esqueço das coisas ruins, trabalho, descanso, converso. Faço com satisfação, com amor,euseioqueestouproduzindo, oqueestoulevandoparaasfeiraseo queestouconsumindo,oqueémais importante,agroecologiasefazassim, comamor.

RevistaAnti-Horário:Sabemosque ao longo do ano há muitas mudanças com relação ao clima, temaqueleperíododechuva,outro maisseco,comovocêfazparaque oseutrabalhonãosejaprejudicado comessasmudanças?

É uma preocupação que todo agricultor familiar tem, pois a gente sabe que com muita chuva não se produz,nemcommuitaseca.Foram 11 anos de seca, em 2011 tivemos uma chuva bastante forte que não juntou água, foi uma chuva de desastre.Tínhamosmuitosaçudese que foram embora e as pessoas ficaramsemágua.

Principalmente na região de verdura, quando eu penso em mim que faço Agroecologia,eupenso

também famílias que também fazem,porquesobrevivemdisso.

E a gente continuou com essa preocupação, enquanto sindicato, enquanto família, de manter pelo menosasuaáguaparaprodução nemquesejapouca.

Se hoje eu estou em um inverno bom, eu tenho 30 canteiros produzindo,quandoénaépocade secatemosquebaixarparatrêsou quatrocanteiros.

A gente divide um canteiro, uma parte de coentro outra parte de cebolinha.Agentevaimantendoa alimentação, as feiras e a água é pouca. Ao invés de aguar vinte minutos,aguamosdez.Queépara nooutrodiaterágua,mesmotendo um olho d’água, onde retiramos águaemumdiaenooutrojáestá cheio novamente, a gente precisa teressapreocupação.

Precisamos água para produção, para os animais, para casa. Esse ano, por exemplo, graças a Deus tivemos um ano bom de inverno, uma boa produção de alimentos, as cacimbas, açudes e cisternas estãocheias,masagentetemque ter cuidado porque não sabemos se ano que vem, vamos ter um bom inverno. Então temos que manter um controle que é para você está produzindo agora, mas, tambémteráguaparaproduçãodo anoquevem. Nãoéporqueestou comminhacacimbasemprecheia que vou gastar mais, a água é o bemmaisprecisoquenóstemos.

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"VIANECESSIDADEDEINSERIRASMULHERESNOSINDICATOPARA QUEELASPUDESSEMFUTURAMENTETERDIREITOAALGUMTIPODE BENEFÍCIO."

Revista Anti-Horário: Que tipo de ajuda você e os demais que fazemessetrabalhorecebem?

Nós temos o apoio do Sindicato em relação aos agricultores, acompanhamento no campo, benefício de aposentadoria do trabalhador rural. Hoje nós temos uma secretaria de agricultura, o companheiroNelsonAnacletoque é do Sindicato tem todo o conhecimento do município, que se preocupa com o agricultor, sabe de todas as dificuldades ao longo desses 30 anos de sindicato, principalmente de sementes.

A semente que vem do Governo Federal, uma semente de milho que já vem contaminada, transgênica,comveneno.Ofeijão seca com rapidez, há um produto que se coloca para secar e outro produto que é para empacotar e não dar praga. Hoje nós estamos comprando através da Secretaria deAgricultura,assementescriou-

las, sementes da paixão, a semente que o agricultor planta comamorecarinho,eleguardaa sua para plantar no próximo ano, mas diante disso a gente já tem todoumtrabalhoquevivenciamos nodiaadia.

Enquanto mulher, digo que não tínhamosdireitoanenhumprojeto, somente os homens. Graças a Deus hoje já se consegue fazer um Pronaf. Meu marido faz, eu posso fazer e meu filho também para beneficio do trabalho no campo,ondecompramosumcarro deesterco,sementes.

Mas as políticas públicas foram tiradas de nós, no plano de Lula nós tínhamos vários projetos que compravam o nosso produto e distribuíam nas creches, nos hospitais. Espero se Deus quiser as coisas melhore, eu sei que a gente não pode cobrar muito porque esse atual governo vai deixar o Brasil um buraco, não é coisarápida,masagentetemfé

que melhore. E que as políticas públicas que foram tiradas dos agricultores e das agricultoras voltem porque a gente necessita disso.

Esenãoforoagricultor,pormais que muitos reclamem, nós somos pequenosagricultores,mastemos grandes trabalhos que beneficiam as pessoas. Não somos agronegócio que só pensa em embolsar dinheiro, nós pensamos em saúde e na alimentação da família.

As políticas públicas nos fazem falta, mas enquanto isso a gente vai levando com o que aprendemos na época das vacas gordas. Nós estamos nos tempos das vacas magras, mas aprendemos na época das vacas gordas a sobreviver um pouco, o conhecimento faz com que a gente consiga passar pelos tempos das vacas magras com dificuldades,masqueconsigamos levar.

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Produtos cultivados por Marlene. Fotos: Élida Matos

Revista Anti-Horário: Como era avidaantesdaagroecologia?

Eu era uma jovem que vivia de casa para a escola, não tinha conhecimento da vida e nem nada. Naquela época a mulher tinha que ficar em casa, sem conhecer nada. Foi gratificante, pois com esse trabalho da agroecologia, eu estudei mesmo com dificuldades, não tinha políticas públicas. Tínhamos que criar um porco amarrado em um pédeárvore,paravenderepoder comprar uma farda, um caderno, uma sandália para ir para escola. Meus pais que eram analfabetos, não tiveram a oportunidade de estudar, naquela época o estudo era o cabo da enxada, plantar para comer, e eles me deram oportunidade de ter o que eles nãotiveram.

Hoje, sou Técnica em Agropecuária, Agricultora, ContabilistaeSindicalista.Eutive conhecimento das pessoas, pude levar meu conhecimento, aprender, tive oportunidades de viajar tanto dentro quanto para fora do país. “Hoje eu me sinto uma presidente da república (risos)”.

Eu era uma pessoa que não era conhecida, e que não tinha conhecimento, mas que tive a partir de todo trabalho de agroecologia.Sevocêmemandar para um lugar, sozinha eu estou indo. Eu agradeço a Deus, a minha avó que me deu oportunidade, a minha tia que ficou com meu filho para que eu pudesse estudar, na época eu crieimeufilhosó.Vocêpodesero que for, mas se você não tiver estudo,oconhecimento,vocênão vailonge.

RevistaAnti-Horário:Queimportância oseutrabalhotemnãosóparasua vida, mas também para outras pessoasqueavocêconhece?

Émuitoimportanteagenteproduziralgo de qualidade que traz saúde, vida. É muitogratificantequandovocêeoutras pessoas também vêm nos entrevistar, conhecer as nossas experiências. Eu façoasminhasfeirasagroecológicaeo pessoal vem comprar os produtos sabendo que é de qualidade. Faço a minhasentregasemCampinaGrande,o pessoalligadizendoqueavizinhaestá comprando e me indicou, tudo isso é gratificante,fazcomquemesmodiante das dificuldades eu permaneça na agricultura. Pra mim a agricultura te tira da depressão, você esquece as coisas ruins,porquevocêestáalipensandono quevaiproduzir. Égratificanteenquanto agricultora familiar agroecológica, enquanto mulher e parceira porque a gente trabalha em parceria, eu, meu irmãoemeuesposo.Então,tudoisso ajuda,agriculturafamiliaragroecológicaé aminhavida,eeunãomevejosemela.

Revista Anti-Horário: A renda da família aumentou com agroecologia?

Sim,poisnoinícioagenteviviada gratificação que recebia do sindicato,nãoeraumsalário.Seo agricultor contribuísse a gente recebia, se não a gente não recebia. Dentro do meu trabalho eutenhoumarenda,todasemana muitaoupouca.Àmedidaquevai aumentando as suas feiras, você vai fazendo projetos e colocando seus produtos, a renda aumenta. Na pandemia nós ficamos preocupados de não colocar nossos produtos e eles se perderem no campo, graças a Deus nós aprendemos a conviver comatecnologia,fizemosdelivery e até hoje nós estamos fazendo. EstamosnafeiradaquideLagoa Seca aos sábados e nas quintasfeiras na UEPB, onde fomos convidadosháquatroanos. Trabalhando com agroecologia fazendo delivery e vendemos em casa.Quandovocêconsomevocê deixa de gastar o dinheiro fora e tem que contar isso como uma renda,quandovocêdoa,temque contartambém.Paramimsehoje se eu for somar o que eu ganhei, o que melhorou na minha saúde, a minha renda anual sai mais do quevintemilreais.Sevocêvende cinquenta ou cem reais numa feira, você vai somando isso durante o ano, e muito ou pouco você vai ter uma renda extra. Minha renda melhorou, pois hoje tenho dinheiro para comprar um medicamento,darumpasseio. Vocêtemqueterlazer,trabalhare não ter lazer, não adianta. Guardar dinheiro, você morre e não leva, tem que viver a vida de acordocomoquevocêganha..

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"Eu sou feliz por fazer tudo isso, são poucas pessoas, mas faço com amor e eu gosto do que eu faço."

Isso aqui é minha vida, é meu tudo, de onde eu tiro minha alimentação.

Revista Anti-Horário: Quais os principais produtos cultivados comagroecologia?

O carro-chefe é o coentro, mas temos cebolinha, acelga, o alhoporó, o mini pimentão, couve. Temos uma diversidade, nós que somos agricultores familiares não podemos plantar uma cultura só. Inclusive, temos o algodão, nós não vendemos aqui porque só temos dois pezinhos, mas pelo menos faz parte do nosso ecossistema, o algodão acabou com o bicudo. Mas, a gente tá retomando esse trabalho e também tá gerando uma renda extra para o agricultor familiar. Isso tem bastante importância, a diversidade de plantas, animais, alimentos. Temos avencas que nós não vendemos, mas irei levar para o cemitério já que estamos nasemanadefinados.Ocampoé um lugar onde tudo se dá, basta vocêplantar.

Revista Anti-Horário: É difícil produzir com base na agroecologia?

A dificuldade que nós temos com relação ao produto agroecológico são as sementes, porque para plantar no convencional, têm sementesdetudoquantoétipo,já se manter na agroecologia, é preciso produzir a sua própria semente. Nós, ainda não produzimosototalmenteorgânico, mas produzimos o agroecológico quesãoduascoisasdiferentes. Quandovocêdizqueéorgânico,a semente é produzida no próprio campo, quando a gente diz agroecológico é porque muita das vezesagenteconsegueproduzir

algumas sementes, mas outras é preciso comprar e transformá-las, plantar e cultivar como se não houvesse nenhum tipo de defensivo.

Por exemplo, a semente de coentro tem alguns agricultores que plantam, então conseguimos comprar, mas quando não tem a gente precisa encontrar aquela sementequenãopossuidefensivo e a plantamos somente com esterco e água, assim conseguimos fazer com que esse produtosejaagroecológico. Outra dificuldade é com relação a políticas públicas, precisamos de esterco, porém um carro de esterco hoje custa em média novecentosmilreais.

Hoje graças a Deus, há dois ou três anos, nós estamos criando ovelha,entãonãoprecisamosestá comprando,Joãotemumacabeça de gado. É muito difícil a gente produzir, é um produto que você coloca no campo, um canteiro de coentroelevaiemmédiaummês equinzediasparaproduzirelevar para a feira, você tem plantar e tirar no tempo dela, não tem pressa.

Se você tiver coentro para levar pra feira no sábado, leva, se não tiver espera que ela chega, não adiantavocêcolocarnada.

Se eu chegar à universidade qualquer professor que estiver ali pode levar meu produto. Eu não tenho essa preocupação de levar meu produto para fazer análise e teralgumtipodedefensivo. A mão de obra familiar é mais dificultosa,nósjáestamosficando cansadoscomopassardotempo, e muitas vezes se você contrata uma pessoa não vale a pena, porque o que você tira é preciso investir, se colocarmos uma pessoaparatrabalhardoisoutrês dias de serviço, na outra semana te coloca na justiça. Você tem todas essas dificuldades agregadas, mas vale a pena continuarnocampo.

Paraproduziréprecisofazeresse esforço, nem todo esterco é de qualidade, muitas vezes o que você compra vem de fora, vem com ureia, à maioria do gado que vem de fora é mantido com cama de aves, não é um produto muito bom. O gado come ureia para engordar e você traz isso e desgraça o seu campo, muitas vezes o gado toma um banho de carrapaticida, aí você traz esse produtoparacá.

"O carro-chefe é o coentro, mas temos cebolinha, acelga, o alho-poró, o mini pimentão, couve. Temos uma diversidade, nós que somos agricultores familiares não podemos plantar uma cultura só"
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BENDITOÁRIDO

REPÓRTER:LETÍCIA FERREIRA

ApalavraCerradovemdoespanholesignificaFechado,já a Caatinga, vem do Tupi-Guarani, e significa Mata Branca, e são esses dois biomas que formam o nosso Semiárido. Do estepe à savana, entre leguminosas e cactáceas, o semiárido emana diversidade, são mais de onze mil espéciesvegetaisemaisde1.400espéciesanimais. Mesmocomtodaessariquezaaexploraçãodosemiáridoé histórica, segundo o Ministério do Meio Ambiente a Caatinga sofre exploração desde o início da colonização portuguesa, principalmente pela abertura de pasto para atividadespecuárias.

Através de queimadas, manejo incorreto de atividades de pecuária e agricultura e exploração desenfreada de madeira, a caatinga teve uma perda de mais de 40% de sua vegetação nativa e quase 65% das áreas de preservação permanente do Semiárido foram desmatadas deacordocomoINSA(InstitutoNacionaldoSemiárido).

Um dos resultados é a desertificação, desencadeada justamente por esse mal uso do solo e recursos, resultando na improdutividade da área, assim como o assoreamento de rios e riachos, e a consequente escassez hídrica, que impacta milhares de espécies, famíliaseagricultores.

20 REPORTAGEM
Algumas das espécies vegetais da caatinga. Fotos: Letícia Ferreira

A11kmdomunicípiodePicuí,naParaíba,nazonarural,estálocalizadaa Reserva Ecológica Olho D’água das Onças, uma Organização Não Governamental,identificadacomoUnidadedeConservação.ddd Fundada em 2005 a partir da parceria entre prefeitura e a associação Trilhas na Caatinga, a reserva nasceu com o objetivo de conservar e protegerabiodiversidadedaCaatinga.

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Foto: Letícia Ferreira

EM BUSCA DE SOLUÇÕES

O Recaatingamento é uma das soluções encontradas na luta contra a desertificação da caatinga. Recaatingar é trazer a caatinga de volta, optar pelo reflorestamento ecológico e trazer de volta plantas nativas, buscando atingir condiçõeseestruturassimilaresàsdoecossistemaoriginal.

REFLORESTAMENTOXREFLORESTAMENTOECOLÓGICO

O reflorestamento preocupa-se em estabelecer uma estrutura florestal em uma área que foi desmatada, a partir da plantação e introdução de árvores nativas ou exóticas, ignorando muitas vezes o desequilíbrio que essesespécimespodemcausar.

Já o reflorestamento ecológico visa recuperar a área nativa, buscando atingir um cenário similar ao original. A partir do plantio de espécies tradicionais, possibilita a recuperação de um ecossistemanativoeequilibrado.

Foto: Letícia Ferreira
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RECAATINGAR

Por falta de informação e de educação ambiental muitos agricultores e pecuaristas plantam vegetações impróprias,emproldeseutrabalho,sejaparavendaou alimentação de pasto, a consequência é o iminente desequilíbriodobioma.

A ONG Olho D’água das Onças, também estuda o desequilíbrio causado por espécies consideradas invasoras, e atualmente realiza a retirada de áreas consideráveis de Algaroba (Prosopis juliflora) na reserva. A algarobeira ocupa o lugar de espécies originárias e não permite o vegetar de outras plantas, suas longas raízes possibilitam a captação de água profunda o que contribui para desertificação e empobrecimentodosolo,segundopesquisadores.

Além disso, plantar árvores nativas é uma atividade constante na ONG e em seu viveiro rotativo,forneceerecebemudascontinuamente. Os moradores tem a possibilidade de levarem as mudas do viveiro para casa, e também fornecem plantas cultivadas por eles mesmos. Uma atividadesimplesquedisseminaorecatingamento.

A reserva também se preocupa em orientar os residentes locais sobre os riscos das espécies não originárias atravésdepalestras.
Viveiro rotativo da Reserva. Foto: Letícia Ferreira
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emparceriacomacomunidade

EDUCAÇÃOAMBIENTAL

A educação ambiental é indispensável quando se pensa em preservação e recuperação, pois possibilita uma nova visão sobre o mundo em que vivemos. Para a caatinga, o único bioma 100% brasileiro, torna-se ainda mais importante que a educação ambiental seja pauta constante, pois trata-se de um bioma subestimado e estereotipado, a caatinga vai muito além do calor, cactos e solo rachado. Ensinar sobre o bioma, proporciona equilíbrio na convivência entre natureza e homem.

Trabalhar o tema na educação infantil, fará com que essas crianças também se tornem agentes de mudanças na comunidade onde vivem, a partir de pequenas atitudes, como reciclagem, plantação de mudas, economia dos recursos naturais. Para jovens e adultos do semiárido também é fundamental que os conhecimentos sobre o clima e seus biomas sejam adquiridos, muitos ainda desconhecem o impacto que suas açõestêmnanatureza.

Instruir agricultores e demais profissionais, também é uma importante saída quando pensamos em preservação, pois esses estão em contato diário com o ambiente e tiram dele seu sustento, capacitá-los e conscientizá-los sobre práticas mais ecológicas, que minimizam o impacto do extrativismo (de ordem vegetal, mineral ou animal) no meio ambiente, traz benefícios paraambasaspartes.

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Foto: Letícia Ferreira

CERCA DE 33 ESCOLAS JÁ PARTICIPARAM DO PROJETO E MAIS DE 1500 ALUNOS FORAM

BENEFICIADOS

Apostando na formação ambiental como uma solução viável para preservação e convivência com a caatinga, a Unidade de Conservação “Olho D’água das Onças” desenvolve o projeto de Educação Ambiental em parceira com o curso de Agroecologia do IFPB Picuí, levando palestras socioeducativas a mais de doze municípios, e promovendo eventos como a semana do meio ambiente e a semana do bioma caatinga; além disso, a reserva recebe semanalmente diversas escolas e alunos, que visitam o espaço, fazem trilhaserecebemorientaçõesdaequipe de pesquisadores e professores sobre os cuidados e a importância do bioma em que vivem. Cerca de 33 escolas já participaram do projeto e mais de 1500 alunos.

Atualmente a reserva também oferece curso de formação de agente socioambiental com duração de 40h com aulas práticas, o curso visa capacitar esses cidadãos para o planejamento e resolução de questões e problemas ambientais junto à comunidade. Até o momento já foram formados 40 agentes. Outro produto, é o programa de rádio voltado para educação ambiental que vai ao ar todos os domingos.

“A partir do projeto, conseguimos sensibilizar a comunidade em volta, os alunos das escolas próximas vêm para ajudar na manutenção, a comunidade tambémparticipadoseventos” -ValéciaEstrela,assessoradaONG.

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Foto: Arquivo Reserva Ecológica Olho D´água das Onças

FORTALECIMENTO ECONÔMICO

O APOIO SOCIOECONÔMICO TAMBÉM É FUNDAMENTAL, A CAATINGA É UMA DAS REGIÕES SEMIÁRIDAS MAIS POPULOSAS DO MUNDO, E ESSA POPULAÇÃO SE ADAPTOU ÀS PECULIARIDADES DO CLIMA AO LONGO DOS ANOS PARA SE MANTER.

Éprecisolembrarquealémdas atividadesdeextrativismoecultivo, existemoutrasdiversasatuações econômicas,apoiaregeraremprego paraquemvivenesseslocaistambém éumadasformasdedefendera subsistência.

Alémdecapacitaragricultorese pecuaristas,areservaecológicaOlho D'águatambémpossuiotrabalhode divulgaçãodotrabalholocal,um exemplodissoéavendaepropaganda degeleiasartesanaisproduzidaspor associaçõesdemulheres,queéfeita nopróprioespaçodareserva.Outra medidaadotadapelaONGfoia construçãodeumrestaurantenaárea, queempregamulheresdacomunidade. Asmulheresquetrabalhamcoma agriculturafamiliartambémsão beneficiadaspeloprojeto,vendendoas suasproduçõesorgânicasparao restaurante.Oprojetoaindapromove feirasemeventosqueacontecemnas proximidades,ondeessesprodutores podemcomercializarseusprodutos.

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Foto: Letícia Ferreira

ENVOLVEREVALORIZAROTRABALHO DEARTESÃOSDAREGIÃOTAMBÉMÉ UMA PREOCUPAÇÃO, POR ISSO A RESERVA PRIORIZA A COMPRA DE UTENSÍLIOS DIRETAMENTE DESSES ARTESÃOS, COMO A COMPRA DE VASOSPARAOCACTÁRIOEPANELAS DEBARROQUEFORAMADQUIRIDASEM ASSOCIAÇÕES FEMININAS DAS PROXIMIDADES.

PEÇAS E ESCULTURAS

ESPALHADAS PELA ÁREA DA RESERVA TAMBÉM SÃO

FABRICADAS PELOS ARTISTAS LOCAIS.

Foto: Letícia Ferreira
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Esculturas do artista Matheus Ilustra Foto: Letícia Ferreira

ECOTURISMO

O ecoturismo ou turismo ecológico promove o contato e a vivência de atividades na natureza, diferentemente do Turismo convencional, no ecoturismo os visitantes possuem uma participação mais ativa, se aproximam da natureza e aprendem sobre o meio em que estão. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente ele é classificado como “o segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista por meio da interpretação do ambiente, promovendo o bemestar das populações” O turismo ecológico se expande cada vez mais no Brasil, com uma taxa de crescimento de 15 a 25% ao ano.

É um artifício com grande potencial quando pensamos na integração entre sociedade e caatinga, pois o ecoturismo proporciona a conservação do bioma em interação educacional, respeito às condições naturais e às comunidades locais.

“Eles veem uma placa com o nome científico de uma árvore, e falam: Olha o nome é esse, eu não sabia! Tiram foto e marcam o nosso Instagram, trazem e levam mudas. Tudo isso a gente já vê como um trabalho de integração com a caatinga que até então não existia na região.” - Valécia Estrela.

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Mirante para apreciar fauna e flora da Caatinga Foto: Letícia Ferreira
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MELORGÂNICO MADEINCAATINGA

REPÓRTER:ANGÉLICA ARAÚJO

Imagina o desafio de viver da agricultura em umlugarcomaltastemperaturas,solosecoe longosperíodosdeestiagensque,somadosà insuficiênciadeaçõesdopoderpúblicoparaa região, dificultam, por vezes, a permanência dasfamíliasnazonarural.Essaéarealidade demuitosquevivemdaagriculturafamiliarno

Ainda assim, a lida no campo é a atividade mais comum desenvolvida pelos moradores desse pedaço do Brasil. O cultivo de milho e feijão é para o sustento da família, mas quando a chuva não vem os agricultores se veem obrigados a se desfazer do pouco que possuem.Porfim,contamparaosustentoda família com a ajuda dos programas de transferênciaderendadogovernofederal. O drama se repete como um ciclo vicioso. Mas, hásoluçõesparasuperaressasituação.

Em uma região onde a atividade mais comum é a agricultura, criação de gado e caprinos, a criação de abelhasurgecomoumbálsamopara agricultores do Cariri paraibano. A apicultura se torna cada vez mais atrativa devido seu potencial de resistênciaàsecacomparadocoma produção agrícola e a criação de animais,dessaforma,aextraçãode mel surgiu em São José dos Cordeiros, cidade do semiárido paraibano, a cerca de 237 quilômetros de João Pessoa, como uma fonte de renda para a populaçãolocal.

Por isso, o anti-horário foi conhecer a Associação de Apicultores e Meliponicultores de São José dos Cordeiros,aAamesjc.

Foto:Arthur Araújo
30 REPORTAGEM

A associação foi fundada em 2007. Manoel Bezerra, apicultor e pioneiro na região conta que na época “existiaapenasavontadedecomeçarcomacriação e os apiários", o objetivo era melhorar a renda das famílias. Com o apoio da prefeitura que doou as primeirascaixasdeabelha,foipossíveldaropontapé inicial: “A gente começou com cinco caixas. Naquela época a gente não sabia de nada, a gente só queria criar”,contaoapicultor.

Ao longo do tempo e com interesse dos moradores de Pedra Lavrada, comunidade rural onde se concentramosapiários,outrasparceriasforamsendo firmadas pela prefeitura com o governo estadual, dessa forma os apicultores começaram a ter acesso ao conhecimento necessário na área. Nos cursos e oficinas os produtores aprimoram o conhecimento e técnicasparaacriaçãoeaumentodaprodução.

“Apartirdaí,cadaprodutorpassouainvestirnoseu apiáriodeacordocomsuarealidade”lembraManoel.

A associação chegou a ter 30 produtores ativos. O sucesso foi tanto que, em 2009, a prefeitura criou o “FestivaldoMel”

A iniciativa deu uma nova identidade à cidade: São José dos Cordeiros passou a ser conhecida como a capitaldomel.

No festival, que ocorre anualmente, os produtos são amplamente divulgados e comercializados, e de acordo com Paolla Leite, secretária de agricultura e meio ambientedomunicípio:“aapiculturaéatividadequegira a economia da cidade. No último festival do mel, os apicultores produziram cerca de 2 toneladas de mel, é umadasatividadesmaisfortesdomunicípio”. Oevento é voltado para a parte técnica “a cada ano a gente buscanovosmétodosparaavançarnanessaatividade, em adaptação à nossa terra, às condições climáticas, a nossa vegetação, a ao pasto apícola” ressalta Paolla Leitequetambéméengenheiradebiossistemaagrícola. O Festival do Mel conta com palestras, oficinas e minicursos,alémdestandscomartesanato,degustação e comercialização da culinária do mel. Acontecem também shows que trazem milhares de pessoas para a cidade, cerca de 50 mil estiveram na festa do mel este ano, de acordo com a prefeitura. A economia local agradece, segundo o Jornal da União da Paraíba a produçãodemelmovimenta4miporanonoestado. Este ano o evento promoveu o 12° Seminário de Integração da Cadeia Produtiva da Apicultura e Meliponicultura do Cariri, com a participação de acadêmicos, consultores, instrutores e profissionais da área.

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Praça da cidade. Foto: Angélica Araújo

PRODUÇÃO

A apicultura é uma atividade polivalente. Mel, pólen, cera, própolis,apitoxina(ovenenodaabelha),geleiareal,velae licorsãoalgunsitensderivadosdaproduçãodasabelhas. Comosenãobastassetamanhaprodução,elasaindatêm papel importante na preservação da flora, já que fazem a polinização das plantas, inclusive árvores frutíferas, legumes e grãos, alimentos essenciais para a sobrevivênciahumana.

Asabelhassealimentamdopólenpresentenasflores,por issoaproduçãodemelvariadeacordocomaquantidade de flores disponíveis no campo, quanto mais flores, mais alimento para as abelhas e o resultado é uma maior produção,comoexplicaManoelBezerra:“Vaidependerde florada. Se você tem um inverno bom, vai colher muito mel. Se o inverno for pouco, mas que deixe tudo verde, commuitasflores,teráumaboacolhida”.

Apesar da produção de mel depender das chuvas, assim como a agricultura, as abelhas, com o devido cuidado, conseguem resistir e permanecer no apiário e sobreviver com um custo bem menor em relação ao gado, por exemplo. Durante os períodos de estiagem os apicultores sustentamsuasabelhascomumaespéciedexarope,uma misturadeaçúcareáguanumaproporçãode1/1.

“O xarope vai no lugar do néctar, então ela não vai embora, ela fica com a gente. Quando chove, a gente suspendeaalimentaçãoartificialerecolhetudo”,explicao apicultor. Dessa forma, os produtores mantêm o apiário ativo. Seu Manoel conta que na seca de 2013, que assolou a região do Cariri, na época sem conhecimento suficiente, perderam toda a criação, mas os produtores não desanimaram, eles procuraram estratégias para mantersuascolmeiasnoterritório.

O caminho é esse: aprendendo com as dificuldades e procurando soluções para amenizar o impacto da falta de chuva.Afinal,asecamaltrata,masoCaririéresistenteeo “sertanejo é antes de tudo um forte”, como já dizia EuclidesdaCunha.

Processamento do mel / Foto:Arthur Araújo Casa de extração | Foto: Angélica Araújo
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Foto: Angélica Araújo

EXEMPLO

No quintal da casa de Manoel Bezerra há um clima diferente. Sob as sombras de cajueiros e coqueiros, ele volta no tempo e lembra de quando “era um predador da natureza”desmatavaequeimavaprafazeroroçado.Hoje, oapicultorde64anosfazreflorestamentonapropriedade queumdiajáfoipalcoparaaagricultura.Plantadetudo: defrutíferasàtemperos.Aapiculturamudouseumodode pensar e agir, o apicultor entendeu que a preservação da flora significa lucro lá na frente, e que dessa forma, homemenaturezaconseguemconviveremequilíbrio.

Oconvíviocomanaturezaépacífico.Asabelhas,apesar de serem perigosas, são "sensíveis e carinhosas”, nas palavrasdeManoel.Eledescobriunomelaoportunidade de viver bem no semiárido. O apicultor tem 18 colméias. Nosmesesdeprodução(março,abril,maioejunho)deste anolherenderammaisde400quilosdemel.Seuvizinho chegou a 300 quilos. Geralmente os produtos são comercializadosalimesmonacidadeecircunvizinhança.

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Foto: Angélica Araújo

Em Pedra Lavrada o trabalho é com abelhas africanizadas,quepossuemferrãoeproduzemmais.Para conseguirumlitrodemeldejandaíra(abelhasemferrão), ele terá que retirar mel três vezes da mesma caixa ninho, mas em contrapartida “o preço do litro, lá no recife é trezentosreaisenquantoumagarrafinhacom750gdomel deabelhacomferrão,aqui,custavinteecincoreais”conta Manoel Bezerra que pretende investir também na criação dessas abelhas. Apesar da variedade de produtos fornecida pela abelha, os apicultores da Aamesjc, por enquanto, trabalham apenas com o mel, já tentaram investir na cera, usada no processo de produção, mas, devidoaoprocessoqueémuitotrabalhoso,osapicultores nãoconseguemproduzirnacomunidade.

De todo modo, eles seguem trabalhando e driblando as dificuldades. Toda produção é feita na casa de extração do mel, ali mesmo no sítio. Os apicultores conseguiram apoios e parcerias para a construção do local, embora a estrutura seja suficiente para o que os apicultores se propõem a fazer, Manoel ressalta que quanto mais conhecimento melhor e que a falta dele limita a produção deoutrosprodutos.Oapicultorgarantequeoinvestimento em cursos e na infraestrutura da casa de mel é fundamentalparaadiversificaçãoeaumentodaprodução. E fala com orgulho: “o mel da gente é totalmente orgânico". A secretária de agricultura e meio-ambiente ressalta a importância do incentivo por parte do poder público “A Secretaria de agricultura atua na geração de renda, na melhoria de vida para os apicultores e também na parte ambiental, a gente vem tentando aumentar, a conservação desses ambientes que já estão preservados etambémdeformarnovosambientesdeCaatinga.Fazer recuperação de solos e trabalhar aumentando do pasto apícola que nós temos em grande potencial”, diz Paolla Leite.

Abelha não faz mal, faz mel

Manoel Bezerra com toda simplicidade nos mostrou a riqueza da apicultura, a importância da abelha no ecossistema e como é possível procurar alternativas para viver no semiárido de forma a desfrutar o máximo que o bioma oferece. “Eu estou deixando o meio ambiente pra quem vier depois. Apicultor não queima, planta”. Em meio a uma paisagem claramente seca, as mudas plantadas pelo apicultor se desenvolvem no seu ritmo, umas já fazem sombras e outras estão em seu estágio inicial. Ali, entre as mudas e as árvores centenárias nativas, está o apiário: as abelhas convivendo em harmonia com a natureza e com o homem. A apicultura trouxe para a vida dessas pessoas conscientização ambiental, uma vez que as abelhasprecisamdasárvores,dasflores,do néctar para sobreviver e não abandonarem os produtores. Fica claro, ao final da nossa jornada em campo, que o semiárido é rico em diversidade e em potenciais que começamasermelhoraproveitados.

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Imagens do apiário | Fotos: Luiza Dotta/Angélica Araújo
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FAUNA semiárido

36 REPORTAGEM
Foto: Letícia Ferreira

COM 327 ESPÉCIES EXCLUSIVAS DA REGIÃO, A FAUNA SEMIÁRIDA SURPREENDE QUEM AINDA ACREDITA QUE SUAS PAISAGENS SE RESUMEM

A SECA E VIDA ESCASSA.

Palco de repentinas mudanças climáticas, a fauna da caatinga passou por um processo de adaptação e evolução peculiar que durou milhares de anos. A adaptação a condições climáticas foi o principal motivo para a permanência desses animais; realizar migrações temporárias, buscar alimentos disponíveis nos períodos de seca, assim como acelerar a reprodução nos períodos chuvosos, teve como resultado um grande número de espécies endêmicas no bioma. E como consequência, a caatinga tornou-se a floresta semiárida mais diversa do mundo.

REPÓRTERLETÍCIAFERREIRA 37
Foto: Luiza Dotta
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Foto: Arquivo Reserva Olho D´água

No espaço da reserva Olho D’água das Onças, pesquisas referentes à fauna também são constantes. São realizados mapeamentos de espécimes, que buscam compreender a vivência desses animais dentro da caatinga. A reserva atualmente realiza pesquisa com espécies de aves,répteis,anfíbioseinsetos.

O professor Márcio Frazão que realiza uma dessas pesquisas através da FapesqPB, explica no vídeo produzido pela Reserva, que um dos motivos da pesquisa é catalogar e criar produtos como listas e livros que ajudem a entender a estruturação dessas espécies no bioma, sua alimentação,aspectosdereprodução,parasitismo e como fatores externos e internos impactam a composiçãodessesgrupos. Atenta ainda para a falta de conteúdos e estudos sobre a fauna da Caatinga, que apesar de rica aindaédesconhecida.

“Vê a criança mudando o pensamento de “aí é perigoso, mata” é muito importante para a gente. Teve uma que gravou um vídeo falando “antes eu tinha medo de cobra, agora não tenho mais” - Conta a jornalista, Valécia Estrela.
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Foto: Arquivo Reserva Olho D´água

Apesquisaérealizadaatravésdométododeinterceptaçãoequeda“PitfallTraps”,essaarmadilha consisteemconjuntodebaldesourecipientesenterradosnaterracomaentradaabertaesem tampa.Geralmentecadaunidadeamostralpossuicincobaldes,sendotrêsemlinhaedoisperiféricos dispostosnoformatodeY,interligadosporcercasdelonadirecionadas,utilizadasparaguiaros animaisatéobalde.Aconferênciadaarmadilhageralmenteéfeitaacada24h.

Apesquisaeolevantamentodeespéciesalémdecontribuíremparaomapeamentotambém contribuemparadesmistificaçãoe"desestereotipização"quemuitasespéciescarregam. Compreenderaimportânciaqueessespossuemnanaturezaenoequilíbriodobiomaéo primeiropassonalutacontraaextinçãodessesanimais.

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Foto: Letícia Ferreira

VAMOSREAPRENDER?

Foto: Letícia Ferreira
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FOTO: Reprodução internet

VAMOS

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Foto: Arquivo Reserva Olho D´água

REAPRENDER?

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Foto: Letícia Ferreira

Cantadores: mestres da poesia musical

REPÓRTERMARIALETICIA

A rima e ritmo, o canto, a poesia o verso, tudo isso compõe as características de um belo repente. A arte da poética musical é comum no Nordeste do Brasil e caracteriza-se pela improvisação de estrofes, composições cantadas em solo ou geralmente em duplas. Entre versos e canções, diálogos entre si, e com o público, os “cantadores” são sempre sinônimos de riqueza da cultura nordestina. As estrofes são compostas pelos mais variados assuntos, e quando dueladas as regras de métrica, rima e oração devem ser respeitadas com exigência da coerência temática. Essa arte que é ligada à criação poética, se tornou uma cultura que atravessou séculos e resiste ao tempo.

Hoje a atividade de repentista é reconhecida como profissão, lei sancionada e aprovada pelo Congresso Nacional. A atividade deve ser alvo de políticas públicas para fomento e preservação.

Mesmo sendo cheia de graça e beleza, é pouco conhecida em outras regiões e muitas vezes não recebe o valor devido. Porém, isso nunca fez com que a grandeza da cantoria se apagasse.

Andando pelas feiras, espaços populares, vilas, bares e eventos, os admiradores do repente se unem para preservarem com maior zelo a tradição, recebendo repentistas com muita satisfação.

44 REPORTAGEM
Arte: Letícia Ferreira

Poeta,cantadorerepentista,CiceroRocha, que expressa a poesia do canto em suas redes sociais e eventos culturais, diz que essamodalidadeémuitoimportanteparaa cultura de um povo, e conta como teve contatocomessaarte.

Mesmo eu não cantando, foi a cantoria que surgiu primeiro em minha vida. Através da minha mãe, que sempre ouvia nas rádios as cantorias de viola

Cicero Rocha, comenta que desde menino, o gosto pela cantoria de viola foi sendo enveredado em sua vida. E seu desempenho com a escrita fez com que ele ganhasse destaque no meio dos repentistas. Defensor da cultura, o poeta tentou preencher todos os espaços que iriam surgindo em seu caminho para aprimorar as técnicas que compõem o repente. Assim, passou a levantar a bandeira da cantoria, do cordel e da culturanordestina.

SENTIMENTO,PROXIMIDADEECONEXÃO

O repente carrega a missão de gerar conexões cantadas que aproximam o povo de suas histórias, lembranças da infância, momentos e eventos do cotidiano. Essas características fazem comqueasapresentaçõessetornemuma identificaçãosocial.

Porém, embora reconhecida em lei como uma profissão, não existe uma política pública efetiva que garanta apoio a esses artistas. Para Cicero, o maior incentivo hojeéoapoioprivado.

Apesar das dificuldades, poetas, que são verdadeiros guardiães da cantaria de viola, não desanimam e investem na continuidade dessa arte. Eles vão a campo e pedem apoio de comerciantes, empresários e ao próprio poder público para promover a cultura em festivais nas regiões.

“Da mesma forma que as pessoas param pra ouvir músicas efêmeras, se tiverem umincentivo,elasirãopararparaouviros versos de viola. E assim a contaria será semelhante a água que vai entrando nas arestas até quebrar a rocha”, diz o poeta CiceroRocha.

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BELEZAS DO SEMIÁRIDO

GALERIA
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48 BASTIDORES

Comunitária das Louceiras

SANTA LUZIA

PICUÍ

LAGOA SECA

CAMPINA GRANDE SÃO JOSÉ DOS CORDEIROS

Reserva Olho D´agua das Onças Associação Negras da Serra do Talhado Marlene Pereira
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Poeta Cicero Rocha Associação de Apicultores e Meliponicultores de São José dos Cordeiros, a Aamesjc

Eu gostaria de poder meus olhos emprestar, e fazer enxergar tudo isso que vejo.

O sol é quente, o chão é seco. Mas ah se eles soubessem o mesmo... Soubessem do verde, e da nossa cultura, dos pássaros que cantam, mesmo na angústia.

Enquanto a chuva não vem, a vida não para, e esse povo, de força tão rara, continua a sorrir.

Se eu eu pudesse mostrar a beleza de nome Semiárido, eu começaria pelo povo, que fazem muito do pouco e aprenderam com o cacto a resistir.

Falaria do bode, do mel, da natureza, do que me desse na telha, mas falaria da Caatinga, contaria sobre sua magia, e a sua maestria em fazer o homem da cidade voltar a respirar.

Se eu pudesse trocar, eu não trocaria. Apenas pediria, pra esse povo lá do alto lembrar, que para sobreviver é preciso cuidar, que sem cuidado, o rio seca, o solo racha, o bicho morre, a fruta acaba.

Mas eu tenho fé, que o mundo melhora, e mais uma vez desse chão desabrocha, a flor de mandacaru.

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