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Ano 9 - No 70 - setembro/outubro 2015
Exemplar de ASSINANTE Venda Proibida
R$ 16,00
SUPERANDO LIMITES UNICEF
O direito de aprender
BOLA PRA FRENTE Tecnologia socioeducacional
JOSร FURTADO
Medicina humanitรกria
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UNIDADE ACLIMAÇÃO
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Um aliado ideal para trabalhar nas escolas Os brinquedos propostos no livro são confeccionados com diversos materiais reaproveitáveis, aquelas coisas que se transformariam em lixo e poluentes do meio ambiente. Se você não sabe como fazer bolinhas de papel, tem dúvidas nas medições, cortes, colagem, pintura… ou nunca fez papietagem, é só ler com atenção as informações detalhadas de cada página e resolver as questões. Este livro mostra como transformar coisas que normalmente iriam para o lixo em brinquedos supercriativos relacionados a datas comemorativas – um para cada mês do ano.
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Neo Mondo Um olhar consciente
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Seções
ÍNDICE 12
Perfil Especialidade: Ajudar o país a vencer barreiras Unicef propõe tratar diferentemente os diferentes para alcançar a educação qualificada
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Bola pra Frente cria e repassa tecnologia socioeducacional
Reserva particular do patrimônio natural Sesc pantanal concilia desenvolvimento e preservação ambiental
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NEO MONDO - setembro/outubrro 2015
Toque de Primeira
Floresta
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Educação
Especial Lições de Vida A condição de deficiente físico mudou o sentido de vida e transformou o campeão Alarico Moura
Água Podemos, sim, produzir água! Facilitando a reposição das águas nos aquíferos e preservando as florestas
EDITORIAL Oscar Lopes Luiz Presidente do Instituto Neo Mondo oscar@neomondo.org.br
Esta edição da revista NEO MONDO traz um especial sobre LIÇÕES DE VIDA, sem querer partir para ufanismos, trazemos histórias de pessoas comuns que com sua brasilidade são exemplos de valores que precisamos cada vez mais cultuar e valorizar no Brasil, preservando a inestimável característica humanitária do nosso jeito de ser. Afinal, os valores que nos tornam uma nação como a criatividade, a solidariedade, a persistência, a cordialidade é que produz esta essência aguerrida e que compartilhamos enquanto povo brasileiro. Trazemos também a educação, um tema que é constantemente abordado nas nossas publicações, por considerá-lo inesgotável e de um argumento óbvio: é incompatível uma nação desenvolvida e um povo desprovido de boa educação. Outros aspectos da educação também foram focalizados nessa edição. Dentre eles, os papéis da escola e da família; alternativas e métodos que tentam inserir valores humanos ao conhecimento; a participação do TERCEIRO SETOR na formação profissional, assim como novas profissões. Todo esse conteúdo não tem a intenção de estabelecer verdades, mas de propor a reflexão sobre o papel de cada um na Educação, termômetro incontestável do grau de desenvolvimento de uma Nação e fiel depositário da igualdade, patamar maior da cidadania. Tenham uma ótima leitura! NEO MONDO, tudo por uma vida melhor!
EXPEDIENTE Publisher: Oscar Lopes Luiz Diretora de Redação: Eleni Lopes (MTB 27.794) Conselho Editorial: Oscar Lopes Luiz, Eleni Lopes, Marcio Thamos, Dr. Marcos Lúcio Barreto, Terence Trennepohl, João Carlos Mucciacito, Rafael Pimentel Lopes, Denise de La Corte Bacci, Dilma de Melo Silva, Natascha Trennepohl, Rosane Magaly Martins, Pedro Henrique Passos Redação: Eleni Lopes (MTB 27.794), Andreza Taglietti (MTB 29.146), Lilian Mallagoli Revisão: Instituto NEO MONDO Direção de Arte: LabCom Comunicação Total Projeto Gráfico: LabCom Comunicação Total
Diretora Jurídica - Enely Verônica Martins (OAB 151.575) Diretora de Relações Internacionais: Marina Stocco Diretora de Educação - Luciana Mergulhão (mestre em educação) Correspondência: Instituto NEO MONDO Rua Ministro Américo Marco Antônio n0 204, Sumarezinho São Paulo - SP - CEP 05442-040 Para falar com a NEO MONDO: assinatura@neomondo.org.br redacao@neomondo.org.br trabalheconosco@neomondo.org.br Para anunciar: comercial@neomondo.org.br Tel. (11) 2619-3054 98234-4344 / 97987-1331 Presidente do Instituto NEO MONDO: oscar@neomondo.org.br
PUBLICAÇÃO A Revista NEO MONDO é uma publicação do Instituto NEO MONDO, CNPJ 08.806.545/0001-00, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça - processo MJ n0 08071.018087/2007-24. Tiragem mensal de 70.000 exemplares distribuídos por mailing VIP e assinaturas em todo o território nacional. Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização. 11
Perfil
ESPECIALIDADE: AJUDAR O PAÍS A VENCER BARREIRAS Unicef propõe tratar diferentemente os diferentes para alcançar a educação qualificada Da Redação (Gabriel Arcanjo Nogueira)
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Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), criado em 1946 e presente no Brasil desde 1950, prima por suas ações voltadas à educação. E não só; a instituição atua de acordo com 5 12
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princípios básicos. Logo após divulgar, em junho, o relatório Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de Aprender: Potencializar Avanços e Reduzir Desigualdades, a coordenadora do Programa de Educação
do Unicef no Brasil, Maria de Salete Silva, conversou com a NEO MONDO sobre o que a instituição considera uma análise sobre o direito de aprender no Brasil, realizada a partir das estatísticas mais recentes relacionadas ao tema.
temos de manter e consolidar esse avanço. Neo Mondo: Para o Unicef, qual o principal problema - ou o mais agudo - e respectiva solução da educação brasileira?
Salete coordena uma equipe valorosa em uma instituição sempre aberta a novas parcerias pelos direitos da criança e do adolescente
Salete lembra que este é apenas um dos direitos de crianças e adolescentes. Tudo muito bem arquitetado, como convém a uma profissional da Arquitetura, que se especializou em Políticas Públicas e foi secretária da Educação em Salvador (BA). Neo Mondo: Pode-se dizer que educação é a prioridade número 1 do Unicef? E como vocês entendem o que é educar? Salete: Nossas prioridades são cinco porque temos a responsabilidade de zelar pelos direitos das crianças e adolescentes, que são indivisíveis, para se chegar à desejada qualidade de vida. Não se pode cuidar apenas da educação, por exemplo, ou só da saúde, e deixar de lado a proteção que eles merecem. Nossa atuação leva em conta cinco verbos: Sobreviver e se Desenvolver; Aprender; Crescer sem Violência; Proteger-se do HIV-Aids; e Ser Prioridade nas políticas públicas. Voltamos um olhar todo especial sobre a situação da criança e do adolescente, de modo a garantir-lhes a igualdade de tratamento em todos os aspectos. Educar, para nós, é garantir a todos e a cada um deles o direito de aprender, que é o tema de nosso Relatório deste ano. É a primeira vez que fazemos um trabalho
desse fôlego específico sobre o tema. E contamos com uma equipe valorosa que dá assim a sua contribuição para ajudar a entender a educação no País. Neo Mondo: Como reconhece o relatório O Direito de Aprender, recentemente divulgado por vocês, há avanços setoriais nos últimos 15 anos no País. Quais são os itens que faltam para melhorar nosso quadro educacional? Salete: É preciso deixar claro alguns aspectos, para nós fundamentais, para se melhorar a educação brasileira. No que diz respeito ao acesso às escolas, temos uma boa caminhada ainda pela frente, sobretudo de adolescentes no Ensino Médio, o que implica em empenhar-se num esforço conjunto para buscar um a um os que estão fora de um estabelecimento de ensino. Outro aspecto é o da permanência na escola. Aí os índices de evasão são preocupantes, e de novo ainda mais entre os adolescentes. Garantir a permanência deles em salas de aula é um dos nossos maiores desafi os. Na aprendizagem, estamos diante de um aspecto em que o País melhorou bem, conforme o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostra nos mapas que compõem a parte final do nosso Relatório. Mas
Salete: O desafi o dos desafios, para nós é vencer as desigualdades para garantir o direito de aprender de todas as nossas crianças e adolescentes. Não dá para aceitar que estes, em grande número, ainda estejam no Ensino Fundamental quando já deveriam estar no Ensino Médio. Há enormes distorções entre as zonas urbana e rural do Brasil, que se agravam ainda mais quando vemos que raça e etnia pesam nesse descompasso. Negros e indígenas estão entre os que têm menor acesso e possibilidades de concluir os estudos. Para se ter uma idéia, dos 680 mil sem escola, no País, 450 mil são negros. Não se pode esquecer ainda dos que apresentam algum tipo de deficiência e que, por isso, não encontram locais adequados às suas necessidades específicas. As soluções precisam vir de iniciativas e esforços conjuntos. Não temos a receita pronta, mas buscamos mobilizar as pessoas, onde quer que estejam, para que a educação seja cada vez mais, com mais intensidade, a pauta prioritária de empresas, de institutos criados pela iniciativa privada e de instituições públicas. Percebemos um aumento desse nível de preocupação quando se fala em investimentos sociais (e quase 80% deles vão para projetos educacionais). Mas, de novo e sempre, temos de avançar: defendemos que 8% do Produto Interno Bruto (PIB) do País sejam aplicados em educação; hoje a parcela gira em torno de 5%. Neo Mondo: A evasão escolar ainda atrapalha muito o desempenho de nossas crianças e adolescentes ou há outros empecilhos para que tenhamos um ensino de qualidade?
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Perfil Salete: Evasão escolar, no nosso entender, é mais efeito do que causa da baixa qualidade de ensino no Brasil. Ela se dá, por exemplo, pela ida precoce de nossa gente ao mercado de trabalho, pela ausência ou carência de políticas públicas que segurem essas pessoas em instituições de ensino. Sem deixar de mencionar deficiências alarmantes, como as 5 mil escolas sem energia, as centenas sem água no Semiárido brasileiro. Por aí se vê a urgência de fazer tudo ao mesmo tempo e articulado quando o assunto é educação de qualidade. Neo Mondo: Como estamos de parcerias público-privadas na área e o que o Unicef sugere para aprimorá-las? Salete: Há casos de parcerias interessantes, que chamam atenção por estarem ao alcance de todos - basta querer. Por exemplo, uma padaria que interage com a escola, ao permitir que alunos visitem o estabelecimento, num aprendizado prático, e ao mesmo tempo colabora no aprimoramento da merenda escolar; uma outra escola leva seus alunos a frequentar uma quadra poliesportiva de uma instituição próxima ao estabelecimento. Tudo isso é muito rico. Para nós, o mais importante é que se ouçam as escolas antes de tomar qualquer iniciativa. Há exemplos de maior alcance social, como o programa Amigo da Escola, do qual participamos com grandes organizações. Mas, fundamental em tudo isso, é alinhar os investimentos de modo a não deixar que se faça tão-somente marketing com esse tipo de ações. O importante é não perder jamais o foco, que é a melhora da qualidade na educação. Neo Mondo: O que é possível fazer para tratar diferentemente os diferentes, respeitando as peculiaridades de cada grupo? Salete: Para nós, a primeira coisa a ser feita é conhecer e reconhecer as diferenças, sem trabalhar com a média, como é costume. Para saber, de fato, como está a real situação educacional do País, tem de ir até os vários grupos, já citados, e foi o que fizemos com o 14
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Relatório. A partir daí é que surgirão políticas públicas corretas - disso não temos dúvidas. Neo Mondo: Podemos considerar o Unicef como especialista em vencer barreiras, notadamente em educação? Salete: Vencer, nem tanto. Nosso papel é o de apresentar informações e analisá-las com foco nos direitos da criança e do adolescente. Parcerias para isso, nós temos, e o Relatório é um dos frutos delas. Estamos sempre abertos a quem mais quiser se juntar a nós. A palavra-chave é mobilizar a sociedade para ajudar o País a vencer barreiras. É como se descreve a situação popularmente: tudo pra ontem. Em outras palavras: acelerar o passo sim, mas com qualidade. Neo Mondo: Que balanço o Unicef faz de suas ações educacionais no País e no exterior? Salete: A palavra de ordem é: garantir os direitos da criança, onde eles sejam uma realidade ou não. Há países da África em que o Unicef constroi escolas, edita livros. Não importa a ação, a iniciativa por si só; o que faz a diferença é manter diálogo permanente com os
gestores educacionais. E fazer ver a eles que precisamos ouvir as crianças e os adolescentes. O Brasil é referência em legislação, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tudo ali é muito claro; o que falta é ser aplicado. Temos de ser um pouco como o escoteiro, que deve estar sempre alerta. Neo Mondo: Existe um intercâmbio de experiências entre o que vocês realizam aqui e o que realizam em outros países, sendo esses semelhantes ou mais avançados que nós? Salete: Vivemos uma trajetória de avanços, mas com momentos delicados. Há desigualdades gritantes e isso preocupa. Questões como raça e renda não podem ser ignoradas. Não dá para empurrar esse tipo de sujeira para debaixo do tapete em nome das médias que costumam ser usadas de parâmetro para saber se a situação vai bem ou não. Medir os índices pela média é enganoso. O Unicef no Brasil é de uma região que abarca América Latina e Caribe - mais um motivo para tudo ser pensado e feito com muita cooperação e muito tato ao cuidar das carências dessa gente. Somos zelosos em formação e planejamento.
PONTOS POSITIVOS DO RELATÓRIO • 97,6% das crianças e adolescentes (27 milhões de estudantes) entre 7 e 14 anos estão matriculados em escolas; • 82,1% dos adolescentes entre 15 e 17 anos frequentam escolas; • Tem aumentado o atendimento
a crianças de até 3 anos: em 1995, eram 7,6%; em 2001, 10,6%; e em 2007, 17,1%; no mesmo período, foi ampliado o atendimento às de 4 a 6 anos, respectivamente em 53,5%; 65,6%; e 77,6%. Fonte: Unicef com dados do Pnad 2007
SINAL DE ALERTA AO PAÍS • 680 mil crianças entre 7 e 14 anos ainda estão fora da escola (mais que a população do Suriname); • Em sua maioria, são negras, indígenas, quilombolas, pobres, sob risco de violência ou exploração e as com defi ciência; • Desse contingente, 450 mil são negras e pardas; • 44% dos adolescentes entre 15
e 17 anos ainda não concluíram o Ensino Fundamental e apenas 48% cursam o Ensino Médio; • No Nordeste, apenas 34% deles frequentam o Ensino Médio; no Norte, são 36%; • A média nacional, para o Ensino Médio, é de 48%; • Na Região Sudeste, o índice é de 58,8% e, no Sul, 55%. Fonte: Unicef com dados do Pnad 2007
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Educação
BOLA PRA FRENTE CRIA E REPASSA TECNOLOGIA SOCIOEDUCACIONAL Da Redação (Gabriel Arcanjo Nogueira)
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vasão escolar de 0,5% e frequência às aulas de 93,5% são números de forte impacto social, ainda mais se levarmos em conta que se trata de jovens entre 15 e 24 anos. E não é na Noruega, embora uma empresa norueguesa, a Kongsberg, seja uma das realizadoras do Censo Muquiço 2008. Estes são apenas alguns dos resultados alcançados pelo Instituto Bola pra Frente, criado por José Roberto Gama de Oliveira, o 16
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Bebeto, e Jorge de Amorim Campos, o Jorginho. Muquiço é uma das comunidades atendidas pelo Instituto; as outras são Conjunto Presidente Vargas, Triângulo, Coreia, Ferroviária e Vila Eugênia, todas na zona norte carioca. Os outros parceiros responsáveis pelo censo são o SESC RIO e o Instituto Muda Mundo. Bebeto e Jorginho são bons de bola desde antes dos tempos em que iam a campo, de mãos dadas, para conquistar o
TOQUE DE PRIMEIRA novas atitudes, pensar e fazer mais pela educação e pelo outro. Não só discutir o olhar consciente e, sim, praticá-lo.” tetracampeonato no Mundial de Futebol, nos Estados Unidos. O gesto - símbolo de união, solidariedade, comprometimento -, no caso dos dois atletas, foi muito além dos gramados futebolísticos e hoje está presente em seis categorias de projetos idealizados e concretizados pelo Instituto Bola pra Frente. Fundada em 29 de junho de 2000, a ONG surgiu na esteira de uma tomada de consciência que parece ter influenciado craques de modalidades esportivas diferentes, na sua condição de cidadãos. Exemplos são Ayrton Senna e Raí. Curiosamente, este encerrou sua carreira nos gramados no mesmo ano em que Bebeto e Jorginho deram o pontapé inicial ao Bola pra Frente. O piloto, que virou herói nacional, inspirou a família a criar em 1994 – o ano do Tetra – o instituto que leva o seu nome. Ao completar 9 anos de existência, o Instituto fala com propriedade das possibilidades, das necessidades e do potencial do Educação País, a partir da junção de dois slogans: o do Bola pra Frente, “por um placar social justo”; o da Neo Mondo, “um olhar consciente”. Com tais ingredientes, Susana Moreira, sua diretora-executiva, nos dá a receita: “Falta diálogo sobre solidariedade, cooperação, construção da paz, respeito às diferenças, valor da vida, cidadania... Acreditamos que, se for assim, a todo o momento, em qualquer lugar, com qualquer pessoa, eu, você, nós estaremos construindo um país melhor, um mundo melhor. Além disso, falta pensar nas próximas gerações, mudar posturas, ter
Em sua trajetória, a ONG, surgida no Rio de Janeiro, “criou e consolidou uma metodologia própria, que foi sistematizada e tornou se uma tecnologia social. Esta metodologia amplia o conceito de ‘craque’ para habilidades reconhecidas não apenas no esporte, mas, principalmente, em outros núcleos em que a criança e o adolescente estão inseridos: a família, a escola e a comunidade”. Ao dar a explicação, Susana, que é jornalista e mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais, diz que a tecnologia própria do Instituto é reaplicada em outros Estados brasileiros. Fascínio do futebol Bebeto e Jorginho são pessoas com muitos pontos em comum, entre os quais o nascimento de ambos, em 1964; a passagem por grandes clubes do Rio de Janeiro e da Europa; o desempenho técnico e atlético; as conquistas e o reconhecimento de fanáticas torcidas. Os dois, até hoje, têm suas pessoas e imagem ligadas ao futebol, que lhes dá visibilidade: um em peças publicitárias; outro na Comissão Técnica da Seleção Brasileira. Jorginho é presidente e Bebeto, vice-presidente da ONG. Não é sem motivo que o Bola Pra Frente utiliza o fascínio do futebol e a imagem de atletas consagrados para atrair seu público beneficiário e transformar vidas. Para o Instituto, o futebol é mais do que um esporte: é uma linguagem lúdica universal, que traduz as contradições humanas, possibilitando a construção de valores em uma perspectiva de promoção social. Levando a educação para o campo e o esporte para a sala de aula, o Instituto implementou o programa Esporte em Ação Social,
que possui um conjunto de projetos que perseguem o mesmo objetivo: promover, por meio do esporte educacional, atividades socioeducativas que permitam o desenvolvimento pleno e harmonioso das crianças e adolescentes atendidos, tornando-os agentes transformadores da sociedade”. Feita a apresentação, a diretora-executiva explica cada um dos seis projetos (ver Quadro 2): “Partindo do princípio de que o processo de aprendizagem se dá com base em dados significativos, o Craque de Bola e de Escola trabalha com o futebol, utilizando esta temática de forma lúdica e despertando o desejo de aprender. Com isso, cada criança é impulsionada a se tornar um craque também na escola e dar continuidade aos estudos. Nossos craques têm educação física, português, matemática, história, geografi a, educação artística, ambiental e nutricional, aulas de filosofia e apoio psicopedagógico no Espaço do Craque, consultório especializado no atendimento a crianças com mais difi culdades no processo de aprendizagem”. “O Artilheiro utiliza o teatro, dança, música, vídeo e artesanato para ampliar a visão de mundo, contribuindo para a construção da identidade e do pensamento crítico e valorizando o autoconhecimento das crianças e adolescentes.
"Seis projetos ajudam a cuidar das novas gerações com mudança de atitudes" NEO MONDO - setembro/outubro 2015
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Educação Turma do Craque de Bola de Escola é incentivada a dar continuidade aos estudos
lugar do tratamento. Damos especial atenção no combate ao sedentarismo e à obesidade, melhoria psicomotora, educação nutricional, descoberta dos valores do esporte e do civismo, bem estar na convivência familiar e social”.
O que é feito mediante à criação artística, à autonomia e à autoestima, na medida que as crianças e adolescentes são estimulados a produzir e expor seus trabalhos. O ganho maior está no desempenho escolar e nas aptidões que serão importantes no futuro, quando ingressarem no mundo do trabalho”. “O Campeão de Cidadania promove a aproximação entre a teoria e a prática por meio de uma visão psicopedagógica que estimula o desafio e a participação no processo de apropriação do conhecimento. O projeto inclui atividades, como aulas expositivas (de português, matemática, inglês, orientação para o trabalho, qualidade em atendimento, legislação trabalhista, gestão
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organizacional, informática, ética e cidadania, saúde e sexualidade, dentre outras), bem como dinâmicas de grupo, vídeos, jogos empresariais, palestras, visitas a empresas, elaboração do currículo e encaminhamento a empresas conveniadas”. Amparo legal Susana acrescenta que o Instituto, como agente de integração empresa escola, foi habilitado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente a atuar no encaminhamento dos adolescentes do Campeão de Cidadania para estágios em empresas conveniadas, conforme a Lei 6.494/77. Além disso, em atendimento à Lei do Aprendiz (10.097/00), que prevê que pelo menos 5% do quadro de funcionários da empresa devem ser de aprendizes, está apto a desenvolver e encaminhar adolescentes aos programas de aprendizagem no curso de auxiliar administrativo. Ela prossegue no detalhamento dos projetos: “A partir do modelo de atenção biopsicossocial em saúde, que proporciona uma visão integral do ser e compreende as dimensões física, psicológica e social, o Saúde em Campo prioriza a prevenção em
Susana Moreira acredita que temos de pensar nas próximas gerações, mudar posturas, ter novas atitudes, pensar e fazer mais pela educação e pelo outro
“Queremos, com o Craque dos Craques, ampliar o papel dos familiares dos educandos do Bola Pra Frente, mediante atividades desenvolvidas a partir do trabalho de uma equipe interdisciplinar (profissionais de serviço social, pedagogia e psicologia), que utiliza princípios éticos, de cidadania e de relacionamento interpessoal. Entre outras atividades, temos oficinas de artesanato, palestras com temas variados, eventos de confraternização e reuniões periódicas para avaliação de resultados”. “Por fim, no Toque de Mestre, com o intuito de reafirmar o espírito de equipe, o público beneficiário (professores da rede pública de ensino que trabalhem no Complexo do Muquiço) participam de atividades, como visitas periódicas às escolas em que estão matriculados nossos educandos para avaliação da situação escolar – notas, evolução, comportamento; palestras e vivências para os professores dessas escolas, além de promover uma troca de experiências e premiação de iniciativas bemsucedidas em
sala de aula”. Não é só de projetos que vive o Bola pra Frente. O Instituto promove eventos em parceria com outras organizações para contribuir com a ampliação do alcance do Terceiro Setor. Exemplo é o Pré-Meeting de Responsabilidade Social, no começo de julho, em preparação ao 8º Meeting, que acontece em setembro. Nesses encontros, são apresentadas e discutidas propostas e troca de experiências para o desenvolvimento setorial. Para Susana, “transformar a realidade é mais fácil do que se imagina. Basta um olhar diferente para mudar o futuro”. A impressão que fica é que esses craques estão sempre pensando na próxima jogada, pra frente, em busca do placar social justo. Com a diferença a favor de que, nesse jogo, a torcida também entra em campo.
Projeto Artilheiro forma a identidade de cada pessoa, com autonomia e autoestima
QUADRO 1 - PERFI L DA ONG • Área de 11.570 m2 • Atendimento a crianças e adolescentes de 6 a 17 anos • Promoção social por meio do esporte, educação, arte, cultura e qualifi cação profi ssional • Missão: Educar crianças, adolescentes, jovens e suas famílias para o protagonismo social, utilizando o esporte como principal ferramenta impulsionadora da construção de valores em prol da promoção social Fonte: Instituto Bola pra Frente
SERVIÇO Para contatar o Instituto Bola pra Frente, utilize o site www.bolaprafrente.org.br, o e-mail contato@bolaprafrente.org.br ou os telefones (021) 3018-5858 e 2458-011.
QUADRO 2 – O QUE É CADA PROJETO 1. Esporte + Educação = Craque de Bola e de Escola Para crianças de 6 a 9 anos: desperta o interesse em aprender; apoia a alfabetização; combate a evasão escolar; escolas são os principais parceiros; acompanhamento sistemático do desempenho escolar 2. Esporte + Arte + Cultura = Artilheiro Para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos: estímulo à criatividade e liberdade de expressão; incentivo a manifestações artísticas; acesso a bens culturais; valorização da própria cultura 3. Esporte + Qualificação Profissional = Campeão de Cidadania Para adolescentes de 15 a 17 anos: identificação e investimento em competências; qualificação profissional; incentivo ao empreendedorismo; inserção no mundo do trabalho 4. Esporte + Qualidade de Vida = Saúde em Campo Para educandos e familiares: cultivo de comportamentos e hábitos saudáveis; noções básicas de saúde e higiene; prevenção ao uso de drogas, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez precoce 5. Bola pra Frente + Família = Craque dos Craques Para pais e responsáveis dos educandos: inclusão no processo socioeducacional; geração de renda; conscientização sobre alcoolismo, desemprego, consumo de drogas, violência doméstica 6. Bola pra Frente + Escola = Toque de Mestre Para professores e diretores de escolas públicas: interação Instituto-escolas; aprimoramento intelectual de professores Fonte: Instituto Bola pra Frente
Jorginho e Bebeto: união, solidariedade e comprometimento que dão resultados NEO MONDO - setembro/outubro 2015
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Educação
ECOLOGIA ENSINADA COM TALENTO Dr. Plástico acredita no potencial da arte para transformar as pessoas Da Redação (Gabriel Arcanjo Nogueira)
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nir uma proposta musical e uma proposta de educação ambiental está na origem do personagem Dr. Plástico e do projeto que leva este nome. Ambos, criação do percussionista, compositor e pedagogo João Carlos Dalgalarrondo, de nome artístico João Dalga. É como ele se define: “Em primeiro lugar sou um artista (percussionista e compositor) e, como tal, me envolvo nos assuntos que dizem respeito a minha constante atualização. Na pele do Dr. Plástico, sou também um pedagogo, um ecologista, um construtor de instrumentos, alguém que acredita na arte objetiva, isto é, a arte direta e atuante na transformação do ser humano.” 20
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Caracterizado de palhaço, Dalgab bem que pode transformar-se num super-herói ecológico, tal o alcance do projeto, realizado pela Direção Cultura, de Campinas (SP), e patrocinado pela Alstom, referência em 70 países por suas ações socioambientais. Dalga explica: “O Dr. Plástico nasceu da ideia de, através da arte, eu poder passar uma mensagem ecológica, principalmente para crianças. Estou envolvido com ideias artístico-ambientais desde 2003. Desde então crio músicas que utilizam instrumentos feitos a partir de objetos descartados.” O presidente da Alstom Brasil, Philippe Delleur, esclarece: “Escolhemos esse projeto pela sua essência em atuar com diversas frentes sociais e também por ir ao encontro dos valores da Alstom. Para envolver todos os públicos nesse processo de aprendizado, faremos também algumas apresentações para os funcionários de nossas unidades.” Espetáculos e ofificinas Neste início do projeto, que vai até outubro, serão visitadas 12 escolas na capital paulista e em Taubaté, no Vale do Paraíba. Alunos e professores aprenderão, de forma lúdica e prazerosa, sobre a longa vida dos polímeros (mais conhecidos como plásticos) e sobre as possibilidades musicais dos descartáveis de plástico.
de oficinas em que aprenderão a criar instrumentos de plástico. Uma cartilha especialmente preparada ajudará os participantes na correta assimilação dos conceitos e práticas sugeridos. Ele lembra que alunos de escolas públicas, sabidamente, enfrentam dificuldades para entrar em contato com a arte e suas manifestações. O projeto da Direção Cultura quer, por meio da apresentação do espetáculo e das oficinas, provocar o interesse deles em relação à música. Tudo muito prazeroso no processo do conhecimento, tornando a aprendizagem mais dinâmica. Em síntese, nesse projeto artístico-musical, arte e meio ambiente caminham juntos, para na reta final chegar a iniciativas conservacionistas criativas. Está mais que na hora de todos terem a consciência de que acúmulo de lixo nos grandes centros representa grave problema social e ambiental. Dr. Plástico faz a música tornar-se ferramenta para incentivar a prática da reciclagem. O que se pretende é que os
próprios professores sejam multiplicadores do projeto mediante o devido acompanhamento dos grupos formados nas escolas. O objetivo maior é fazer com que as boas práticas de coleta seletiva, reciclagem e conservação ambiental cheguem a amigos e familiares dos alunos. Importância das parcerias Dalga ressalta que o ideal é que projeto possa ser estendido a outras cidades. “Sempre estamos a procura de parceiros para viabilizar nossas idéias”, diz, ao destacar a importância de parcerias para ampliar o alcance da sua iniciativa. Embasamento não lhe falta. Percussionista de formação e nome internacionais, Dalga é incansável na diversidade de sua atuação, que passa por orquestras, festivais e grupos musicais no País e no exterior, até chegar ao Dr. Plástico. A Alstom lembra que as Secretarias da Educação do Estado e do Município de São Paulo apoiam o projeto. Entre outros motivos, porque, segundo dados da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, estima-se que
"Projeto educacional utiliza músicas com instrumentos feitos de material reciclado"
Dalga considera que a receptividade, tanto de alunos como de professores, é ótima. Além dos eventos, protagonizados pelo Dr. Plástico, todos participarão
Dalga, na pele do Dr. Plástico: através da arte, crianças assimilam mensagem ecológica em músicas com instrumentos feitos de objetos descartados
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Educação são consumidos 500 bilhões de sacos plásticos por ano ou 1,5 bilhão por dia. O plástico que fica nos aterros sanitários contribui para aumentar o volume do lixo e, por sua impermeabilidade (durabilidade de mais de três séculos), impedem a decomposição de materiais biodegradáveis. Ao dar destino mais nobre a tanto material, que de outra forma viraria lixo, o Projeto Dr. Plástico merece mais atenção de mais governos, sociedade e empresas. Interessados em viabilizá-lo em outras cidades podem contatar a Direção Cultura pelo e-mail antoine@ direcaocultura.com. br ou pelo telefone (019) 3202-5402.
Philippe Delleur, da Alstom: escolha do projeto leva em conta seu conteúdo social e valores da empresa
Quadro 1 - Pontos-chave do projeto • Dr. Plástico visita as escolas • Depois de uma semana, são realizadas as oficinas • O problema do lixo é enfocado em um espetáculo artístico-musical Fonte: Direção Cultura
Quadro 2 - Conteúdo do projeto • Explanação sobre a história dos diversos polímeros • Ensino de como construir vários tipos de chocalhos, baquetas e teclados • Exercícios de corpo e voz
VAMOS REU UTIILIZ ZAR!
Ch hocalh hos
Tam mbores
Reeco o-recos
Ilustração: Paula Dalgalarrondo
Fonte: Direção Cultura Página da Cartilha que ajuda a entender que é possível dar destino mais nobre a material reciclável
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A IMPORTÂNCIA DAS GEOCIÊNCIAS PARA A SOCIEDADE MODERNA
O
ano de 2008 foi proclamado pela União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS) e pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional do Planeta Terra (AIPT). Durante o triênio 2007-2009, estamos comemorando e divulgando para a sociedade as Ciências da Terra ou as Geociências. O termo Geociências engloba os estudos e interelações das quatro esferas terrestres (hidrosfera = água, litosfera = rocha, atmosfera = ar e biosfera = vida). Mais recentemente, uma quinta esfera vem sendo estudada, a antroposfera ou esfera humana. O homem vem sendo denominado como o mais novo agente geológico, uma vez que é capaz de transformar a superfície do planeta com uma velocidade muito maior do que alguns processos naturais. O termo Geociências vem sendo mais utilizado associado à Geologia, ciência que estuda a origem e formação do planeta Terra, os processos naturais de formação das rochas, minerais e minérios, as transformações das paisagens, os fósseis e a evolução da vida ao longo do tempo geológico. A Terra é um planeta dinâmico, em constante transformação, onde as mudanças globais ocorrem constantemente, em diversas escalas temporais. O conhecimento geológico sempre foi utilizado pela sociedade desde o surgimento da humanidade, de maneira a prover as necessidades básicas em termos de recursos minerais (pesquisa e prospecção mineral), exploração de materiais energéticos (combustíveis fósseis), na construção de obras civis (habitação, barragens, rodovias, túneis) e na descoberta de novos bens minerais. Mais recentemente, o papel das Geociências visa atender as demandas por soluções aos problemas ambientais, aplicado em áreas de risco, no planejamento urbano, no uso e ocupação do meio físico, nas avaliações de impacto ambiental e recuperação de áreas degradadas, na desertifi cação e nas mudanças globais. O conhecimento do meio físico e dos processos naturais que ocorrem em nosso planeta, ou seja, a compreensão geológica da natureza, ainda pouco divulgada e mantida no espaço dos especialistas, vem ganhando espaços de discussão cada vez maiores, uma vez que é fundamental para o desenvolvimento humano e sua sustentabilidade. Muitas das preocupações ambientais que
assolam a sociedade atual apresentam uma natureza geocientífica e podem, no futuro, colocar em risco as condições terrestres de sustentação da vida, atingindo também a espécie humana. É preciso conhecer uma história que começou a aproximadamente 4,5 bilhões de anos, com a formação do nosso planeta, para entender que a espécie humana é mais uma entre tantas outras que surgiram, mas que outras espécies se extinguiram naturalmente, por mudanças das condições naturais do planeta, seja da atmosfera, do clima, das paisagens, da vegetação, dos continentes. A história do nosso planeta nos conta que tivemos eras em que praticamente toda sua superfície estava coberta por gelo, em que o nível do mar estava dezenas de metros acima do atual, que a atmosfera continha muito mais CO2 do que agora, que os animais que aqui viviam atingiram muitas toneladas, que a evolução das espécies esteve ligada fortemente à diversidade dos ambientes geológicos. A história da Terra está escrita nos registros fossilíferos, nas rochas, nas montanhas, nos oceanos e é lida e divulgada pelo geocientista, que investiga, interpreta, mede, calcula, faz hipóteses e desenvolve teorias para recompor o passado e prever o futuro do planeta. Vivemos numa camada de cerca de 100 km denominada crosta, a qual é uma fonte de conhecimento histórico sobre a natureza onde os processos inorgânicos e a vida se desenvolvem rapidamente, sendo suporte da biosfera e da antroposfera. Esse conhecimento é fundamental para entendermos as relações existentes entre as esferas terrestres. É na crosta, ou pelo menos em uma parte dela, que vivemos e que a vida se desenvolveu no planeta. Compreender onde pisamos e as relações desse substrato com o nosso cotidiano em sua mais ampla perspectiva é compreender como os processos geológicos ocorreram, é entender
Denise de La Corte Bacci
como o planeta em que vivemos se formou, e essa visão implica em conscientização sobre nosso papel como mais uma espécie que habita a Terra, a única com capacidade de refl etir sobre sua própria atuação e modificar sua postura. As Geociências contribuem para essa visão integrada do ambiente, enxerga os processos em sua totalidade, nas mais diferentes esferas e escalas ao longo do tempo. Esta visão do conjunto de conhecimentos e idéias é essencial para promover uma nova relação do ser humano com a Natureza, mostrando a importância para o cotidiano dos cidadãos, pois abre possibilidades da sociedade tomar decisões e compreender as aplicações dos conhecimentos sobre a dinâmica natural na melhoria da qualidade de vida. A formação de cidadãos críticos e responsáveis com relação à ocupação do planeta e utilização de seus diversos recursos, cria meios para diminuir o impacto ambiental das atividades econômicas, e também busca soluções para os problemas já existentes de degradação do meio ambiente. O reconhecimento das Ciências da Terra como base para o desenvolvimento de uma sociedade sustentável é um grande passo e uma grande responsabilidade para os profi ssionais da área. Para o geólogo, é o momento de investir na divulgação da Geologia e avançar na compreensão de que seu papel é fundamental para o desenvolvimento da sociedade que exige uma visão integrada para a solução dos problemas ambientais prementes. Para o educador em Geociências e Educação Ambiental, faz-se necessário aprimorar as estratégias e metodologias de ensino no ambiente formal e não-formal de maneira que os conhecimentos em Geociências associados aos preceitos e fundamentos da Educação Ambiental sejam expandidos e apreendidos pela sociedade em geral.
Para mais informação consulte: TEIXEIRA, W. FAIRCHILD, T. R., TOLEDO, M.C.M, TAIOLI, F. Decifrando a Terra. 2a. Edição. Companhia Editora Nacional. São Paulo. 2009. Denise de La Corte Bacci Graduada em Geologia pela UNESP, Campus de Rio Claro, mestrado em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP e doutorado em Geociências e Meio Ambiente pela UNESP. Estágios na Università di Milano e University of Missouri_Rolla. Pós-doutorado em Engenharia Mineral pela POLI-USP. Atualmente é docente do Instituto de Geociências da USP. e-mail: bacci@igc.usp.br
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COMER PIMENTÃO TODOS OS DIAS, AJUDA A PREVENIR DOENÇAS CARDIOVASCULARES NA VELHICE.
MAS PODE TE CAUSAR DISTÚRBIO DO RITMO CARDÍACO BEM ANTES. 100
91,8%
DOS PIMENTÕES ESTÃO CONTAMINADOS
0
POR AGROTÓXICOS
PREFIRA ALIMENTOS ORGÂNICOS 24
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Florestas
SESC PANTANAL CONCILIANDO PRESERVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO Responsabilidade socioambiental promove desenvolvimento de região. Da Redação
A
atuação do Terceiro Setor, no Brasil, tem exemplos bem-sucedidos e que mostram como é possível atuar com ênfase na responsabilidade social e ambiental, viabilizando negócios e promovendo o desenvolvimento de regiões e de sua população. O turismo ecológico tem sido defendido como um viés positivo para a preservação de áreas, sem comprometer o crescimento econômico de localidades ainda pouco urbanizadas. Nessas regiões, existem alguns biomas e ecossistemas, cujo consenso 26
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mundial aponta para a necessidade de preservação. Um deles é o Pantanal Matogrossense. Pois é exatamente lá que o Sesc (Serviço Social do Comércio) mantém a maior Reserva Particular do Patrimônio Natural do País - RPPN, SESC Pantanal, com 106.000 ha. O empreendimento surgiu em 1996, com a aquisição de cerca de 20 fazendas, que estavam economicamente decadentes e que foram transformadas numa estância, que tem por objetivos a educação ambiental, a preservação da biodiversidade, a pesquisa científica e o ecoturismo. Está situada nos municípios de Poconé e Barão de Melgaço, na parte norte do Pantanal Mato-grossense, entre os Rios Cuiabá e São Lourenço. O supervisor do Sesc Pantanal, Nivaldo Pereira relata que essa instalação exigiu uma mobilização singular e interação com nativos, com a comunidade indígena, com pesquisadores, universidades, institutos de pesquisas e organizações não governamentais. Pois parece ser exatamente essa atuação conjunta com os demais segmentos da sociedade organizada que tem garantido a tônica da sustentabilidade ambiental. Pereira, disse que todo o trabalho desenvolvido tem o comprometimento com a melhoria da qualidade de vida dos que habitam ou trabalham no entorno. Para ele, a
presença do Sesc ali mudou a realidade dessa comunidade, a começar pelos empregos. Oitenta e cinco por cento do quadro de funcionários mantidos na Reserva são de moradores da região, cerca de 200 vagas. “Para isso, foi necessário um esforço e ações de qualificação e capacitação dessa mão-de-obra. A Reserva e o Hotel também geram cerca de 1000 empregos indiretos, incluindo-se ai os fornecedores” - disse. Com a chegada do Sesc, a comunidade ganhou também uma escola, um cinema, quadras de esportes, odontologia e internet social, além de cursos de informática e outros de geração
de renda. Tudo aberto à comunidade dos municípios de Barão de Melgado e Poconé. PESQUISA A pesquisa foi o primeiro passo da implantação desse grande projeto ambiental. É através dela que ainda hoje se obtém os conhecimentos técnicocientíficos necessários a uma gestão ecológica e sustentável. Para isto, foram estabelecidas parcerias com universidades federais, com a Embrapa e com ONGs em diversos estudos e pesquisas avançados sobre a fauna, flora, recursos hídricos, solos, clima, turismo, organização social, meio ambiente e educação ambiental.
"Todo o trabalho desenvolvido tem o comprometimento com a melhoria da qualidade de vida dos que habitam ou trabalham no entorno"
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Florestas Já no passeio noturno é possível observar os olhos dos jacarés brilhando no escuro e por vezes, passando bem próximo aos barcos. Famílias inteiras de capivaras nas praias ou nadando. Cardeais, maguaris, biguatingas, urupapás (aves mais avistadas). O passeio possibilita ainda conhecer as flores que só abrem e exalam perfume à noite, como a Viuviu e a Ninféia. ECOTURISMO A Estância dispõe de um Hotel diferenciado, concebido pelo desejo de realizar e demonstrar a viabilidade de empreendimentos ambientalmente corretos. Recebe majoritariamente os trabalhadores do comércio (associados do Sesc), e também escolas, pesquisadores e visitantes. Um variado cardápio de atividades ecológicas que incluem passeios diurnos e noturnos de barco, caminhadas em trilhas, cavalgadas, visitas ao borboletário e ao formigueiro de saúvas em atividade, preenchem os olhos e os dias dos hóspedes. Os passeios variam conforme a época de vazantes ou cheias, quando muitas áreas sofrem transformações e proporcionam roteiros alternativos. As atividades asseguram experiências de contemplação e observação da natureza em toda sua exuberância. Aves como araras, tuiuiús, pelicanos, garças brancas, cabeça-secas e colhereiros, além dos barulhentos bugios (macacos, que apresentam uma curiosidade, os machos têm pelagem escura e as fêmeas pelos claros, são loiras como brincam os guias), jacarés, capivaras, sapos podem ser vistos em seus habitat. Uma dica de programação é o Alvorecer: o passeio começa antes do nascer do sol, com saída do hotel às 04h30min da manhã, ainda escuro. Os visitantes seguem por quase uma hora de barco pelo rio Cuiabá, ouvindo apenas os sons que vêm da mata com o despertar de seus habitantes, enquanto aguardam a deslumbrante aurora pantaneira, um verdadeiro espetáculo. Imperdível e inesquecível. 28
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PROJETO BORBOLETÁRIO Criado com o intuito de sensibilização ambiental, o Borboletário é composto de um viveiro de visitação, um laboratório para criação de larvas, um criadouro (ou berçário), um horto para a criação de plantas e um viveiro de visitação. Este último é a grande atração do complexo, uma estrutura em forma circular e hemisférica, com 300 metros quadrados e nove metros de altura, protegida por uma tela especial. Lá dentro, num jardim com cascata e bancos de praça, o visitante pode apreciar até 1500 borboletas de várias espécies. Esse projeto apresenta ainda uma dimensão social importante. O Sesc disseminou a técnica de criação de borboletas entre a população local, que se organizou em uma associação, a ACBP Associação de Criadores de Borboletas de Poconé, formada por 27 famílias. O Sesc hoje compra dessa entidade as borboletas, que se transformaram em fonte adicional de renda para os moradores envolvidos. O fornecimento está se expandindo para outras instituições, inclusive fora do estado. Os ovos das borboletas continuam a ser fornecidos pelo próprio Sesc que os coleta nas folhas das plantas existentes no Borboletário.
OS COMBUSTÍVEIS E A EMISSÃO DE POLUENTES ATMOSFÉRICOS
O
s impactos ambientais deflagrados por meio da emissão de poluentes atmosféricos têm seus registros arqueológicos a partir da descoberta do fogo pelo homem da era paleolítica. Desde então, o controle dos recursos naturais para atender as demandas necessárias à sobrevivência humana tem sido inevitável. O grande marco histórico da atividade poluidora foi a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, na Inglaterra, onde a utilização de máquinas a vapor para a produção de bens manufaturados ocorria de maneira desmedida, trazendo consequências devastadoras para a qualidade da saúde pública e do meio ambiente. Por consequência, o uso dos combustíveis fósseis ganhou força com a produção do primeiro veículo motorizado a gasolina, que data de 1885, na Alemanha. A partir dessa conquista tecnológica, o panorama da emissão de poluentes atmosféricos modificou-se para uma realidade ambientalmente catastrófica. Na atualidade, os combustíveis mais utilizados para o funcionamento de motores industriais ou de veículos automotores são: o óleo diesel, a gasolina e o álcool, dentre os quais os dois primeiros representam 70% da energia gerada no mundo, enquanto que o álcool combustível (etanol) obtido a partir da cana de açúcar e de outros vegetais, como beterraba, mandioca e milho, ainda não tem a preferência entre os grandes países industrializados, exceto o Brasil que detém mais de 36% da produção mundial desse combustível. Outros produtores, tais como Tailândia, Índia, Espanha e EUA, estão ampliando a produção de etanol para uso interno, porém ainda são tecnologicamente deficientes para isso. Os impactos da queima desses combustívei acarretam em danos irreparáveis à integridade da camada
d e ozônio; causam a produção de chuva ácida por meio da emissão de óxido nítrico e dióxido de enxofre; o superaquecimento global e suas consequências ecológicas negativas, e não menos importante, os danos à saúde humana que incluem doenças alérgicas do trato respiratório provocadas pela inalação de material particulado em suspensão, como fuligem, chumbo (incluído a fim de aumentar a octanagem), formaldeído (o conhecido formol para conservação de cadáveres) e ozônio. É relevante ressaltar ainda que a inalação de hidrocarbonetos provenientes da combustão de gasolina e diesel foi comprovada por ter um importante papel na geração de cânceres do sangue, tais como linfomas e leucemias. A frota de veículos é um importante parâmetro para a avaliação dos níveis de consumo de combustíveis e sua respectiva emissão de poluentes atmosféricos. No Brasil, segundo o último senso da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), os números ultrapassam 26 milhões de veículos, sendo que dentre os mesmos aproximadamente 30% são movidos a gasolina, 50% a álcool ou flex e os outros 20% compreendem os veículos movidos a diesel, tais como caminhões, os de transporte público e os de cargas. Embora pareçam razoáveis essas proporções, devemos considerar que a gasolina e o óleo diesel emitem cerca de 50 vezes mais material particulado na atmosfera se comparados ao álcool. Portanto, baseados nesses números, podemos concluir que a frota brasileira movida a combustíveis fósseis ainda é bastante exagerada. Porém, se considerarmos como parâmetro comparativo a emissão de monóxido de carbono (CO) e dióxido de carbono (CO2), estudos recentes comprovaram que os veículos de passeio movidos a álcool e gasolina representam os grandes vilões que prejudicam a qualidade do ar nas grandes metrópoles. A despeito desse fato, quando
nos comparamos aos países desenvolvidos da Europa, da Ásia e América do Norte, o Brasil assume uma grande vantagem por possuir carros cuja emissão de poluentes é uma das menores do mundo. Esse fato se deve à produção de veículos contendo catalisadores que evitam a emissão de gases extremamente tóxicos pelos escapamentos, transformando tais poluentes em produtos menos ofensivos à atmosfera. Embora esforços sejam constantemente realizados para a minimização e controle da poluição atmosférica, não podemos deixar de considerar que para uma sociedade em pleno desenvolvimento é impossível que empresas deixem de funcionar e automóveis deixem de ser produzidos, pois não se trata somente de uma questão puramente ambiental, mas sim de fatores de ordem político-econômicos dos quais estamos intrinsecamente dependentes. Para mitigar os impactos causados pelos inevitáveis males do crescimento industrial, é necessário criar estratégias para o desenvolvimento de energias alternativas e renováveis a fim de proporcionar indicadores ambientais positivos. Além do mais, o maior desafi o para o século XXI é a conscientização ambiental dos povos e nações, pois a reflexão acerca de práticas sustentáveis em detrimento de um contexto marcado pela degradação ambiental tornase uma poderosa ferramenta estabelecedora do mais profundo significado de cidadania.
Daniela Duarte Bióloga, Mestre e Doutoranda pela Universidade de São Paulo, perita e auditora ambiental. e-mail: dr.lucia@uol.com.br NEO MONDO - setembro/outubro 2015
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Água
PODEMOS, SIM, PRODUZIR ÁGUA! Facilitar a reposição das águas nos aquíferos e preservar as florestas são ações imprescindíveis para defesa da água. Da Redação
A
o contrário do que se pensa em um primeiro momento, é possível, sim, produzir água. Isso pode ser feito devolvendo ao solo a capacidade de recuperar a água das chuvas, de forma que estas retornem aos aquíferos, bolsões subterrâneos, onde está concentrada boa parte da água doce do planeta. Atualmente, uma das principais dificuldades
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encontradas para esta reposição natural é o tratamento inadequado do solo para utilização na agricultura e pecuária. A impermeabilização usada em muitas plantações e
pastos acaba se transformando em uma barreira para que as águas das chuvas voltem ao subsolo. Outro fator que prejudica o equilíbrio hidrológico é o desmatamento. As florestas funcionam como “esponjas gigantes” absorvendo água durante o período das chuvas e soltando-a no período da seca. Elas também são responsáveis pelo umedecimento do solo, abastecimento das nascentes e dos rios e pela qualidade dos cursos d’água, pois reduzem sedimentos e filtram poluentes. Para combater o problema, instâncias do poder público em parceria com ONG's têm promovido programas de incentivo à adoção de práticas de conservação do solo por parte de produtores rurais. Em âmbito nacional, a ANA (Agência Nacional das Águas) criou o Programa Produtor de água que visa melhorar a qualidade e a quantidade de água em áreas rurais das sub-bacias, onde
há mananciais de abastecimento, fornecendo apoio técnico e financeiro para iniciativas de conservação de solo, recuperação e proteção de nascentes, reflorestamento de áreas de preservação permanente (APPs), saneamento ambiental e o pagamento de incentivos aos produtores que comprovadamente contribuírem para a proteção e recuperação de mananciais. “Os pagamentos são feitos durante ou após a implantação de um projeto específico, previamente aprovado, e cobrem total ou parcialmente os custos da prática implantada, dependendo de sua efi cácia de abatimento da poluição difusa. Para tanto, contratos são celebrados entre os agentes financiadores e os produtores participantes”, explicou Devanir dos Santos, gerente de Conservação de Água e Solo da ANA. Segundo ele, os recursos utilizados para pagamento dos produtores rurais vêm da cobrança pelo uso da água, instituída pela lei 9.433/97, conhecida como Lei das Águas. Por enquanto, apenas duas bacias hidrográficas federais estão realizando esta cobrança - a bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) em São Paulo e Minas Gerais e a bacia do Paraíba do Sul em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A nível estadual, várias outras bacias já iniciaram a coleta do recurso. O caso de Extrema Criador da primeira lei municipal brasileira de sistemas PSA (Pagamento por Serviços Ambientais), baseada no conceito do protetor-recebedor, o município de Extrema, em Minas Gerais, um dos quatro mineiros que fazem parte da Bacia do PCJ e um dos principais contribuintes do Sistema Cantareira, vem compensando financeiramente os produtores rurais que participam do projeto, por ações ligadas à restauração e conservação florestal, conservação do solo e saneamento rural nas suas propriedades. “O principal resultado do projeto é colocar em prática o conceito de Pagamento por Serviços Ambientais, um conceito que internaliza no nosso sistema econômico custos que até então andavam à margem: o lucro do poluidor em cima dos que são obrigados a conviver com a poluição e o prejuízo dos conservadores para manter a qualidade ambiental para toda a sociedade”, analisou Aurélio Padovezi, assistente de conservação do Programa de Conservação Mata Atlântica da ONG The Nature Conservancy (TNC), um dos parceiros do Programa de Extrema.
"Ecossistemas florestais e de montanha são os principais responsáveis pelo fornecimento de água doce no mundo"
Para identifi car os p o n t o s estratégicos a serem conservados na cidade, a Prefeitura desenvolveu um sistema de informações geográficas baseado em imagens de satélite e num banco de dados digital, o qual possibilita identifi car espacialmente as propriedades rurais, bem como seus respectivos usos de solo, auxiliando no desenvolvimento e no monitoramento dos projetos e na defi nição dos valores para o PSA. Esses estudos deixaram aparente a necessidade da restauração florestal nas margens dos rios, nascentes e topos de morro, o saneamento ambiental e ações de conservação do solo. “Além da redução da erosão e aumento da infiltração, também estão previstos no projeto a construção de fossas sépticas, recuperação das APP’s (matas ciliares e topos de morro) e o incentivo à manutenção das áreas hoje vegetadas, as quais, a partir da construção de barragens NEO MONDO - setembro/outubro 2015
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Água
Proteção da mata ciliar é uma das propostas do projeto Produtor de Águas
na região, passaram a ser ameaçadas pela pressão imobiliária”, acrescentou Devanir dos Santos, da ANA. A área do projeto engloba 4.000 hectares nas cidades de Extrema, Joanópolis e Nazaré Paulista. Até a sua conclusão, a previsão é que sejam plantadas 300.000 mudas de árvores nativas e cercados 1.000 ha de áreas de preservação permanente ou de florestas existentes.
A microbacia das Posses foi a primeira a ser recuperada e a fazer o PSA. Segundo dados da TNC, foram realizados 38 contratos até dezembro de 2008 e cerca de 100.000 mudas foram plantadas nas Áreas de Preservação Permanente (APP) e em outras propriedades não beneficiadas pelo PSA. O pagamento em 2008 foi de R$ 159,00 por hectare/ano, considerando a área da propriedade como um todo. No total e até 2008, já foram investidos pelos parceiros cerca de R$ 1,2 milhões. “O sucesso alcançado pelo Programa tem despertado o interesse dos estados e municípios na sua aplicação e são inúmeras as propostas de parceria apresentadas à ANA”, informou Devanir. No momento, a ANA está desenvolvendo estudos para implementação do Programa na bacia hidrográfica do Pipiripau, importante manancial de abastecimento do Distrito Federal, e conta com a parceria da ADASA, CAESB, The Nature Conservancy, Universidade Federal de Brasília, Fundação Banco do Brasil, Banco do Brasil e EMATER DF.
Extrema, em Minas Gerais, é referência no sistema de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) 32
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MAPA DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS
ABUNDANTE, MAS NÃO INFINITA Brasil é reconhecidamente bem servido de recursos hídricos, mas pode passar por problemas nas áreas mais populosas.
Um dado é sempre usado para defender a autosuficiência brasileira no abastecimento de água: o país detém 11,6% da água doce superficial do mundo. A oferta é mesmo grande, mas a ocupação populacional não seguiu a lógica da distribuição dos recursos: 70% da população brasileira vive na área da Mata Atlântica, uma concentração que sobrecarrega o sistema hídrico. “A água não é uma carência do país, a região com maior escassez é o sertão nordestino. Por outro lado, grandes centros urbanos, como a região metropolitana de São Paulo, tem gigantesco consumo, mas tratam mal seus mananciais como a represa de Guarapiranga que, por conta da ocupação desordenada de suas margens, ameaça desabastecer a metrópole”, comentou Marcelo Ribeiro de Carvalho, geógrafo formado pela USP
(Universidade de São Paulo) e professor de Geografi a do Anglo Vestibulares. Para o professor, não adianta ter toda esta água disponível se não há uma distribuição e cuidados adequados, já que água, uma vez contaminada, deixa de ser um recurso renovável. Recurso é distribuído por meio de bacias hidrográficas Bacia hidrográfica é o conjunto de terras que fazem a drenagem das águas das precipitações até o curso da água, que geralmente é um rio. No Brasil, são oito principais: Bacia Amazônica, Bacia do AraguaiaTocantins, Bacia do rio Paraíba, Bacia do rio São Francisco, Bacia do rio Paraná, Bacia do rio Paraguai, Bacia do rio Paraíba do Sul e Bacia do rio Uruguai.
como também do mundo, é a Amazônica, com área de drenagem da ordem de 6 x 106 km² prolongando-se dos Andes até o Oceano Atlântico. Ocupa cerca de 42% da superfície brasileira, estendendo-se além da fronteira da Venezuela à Bolívia. Para gerir todas essas bacias, o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh) determinou os Comitês de Bacias Hidrográficas, órgãos colegiados compostos por representantes do poder público, dos usuários das águas e das organizações da sociedade com ações na área de recursos hídricos. “É um instrumento democrático, pois o simples cidadão pode intervir no que se refere à bacia hidrográfica de onde mora”, opinou o presidente da ONG Universidade da Água, Gilmar Altamirano.
A maior, não só no âmbito do Brasil
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Florestas
Fonte: www.fotosearch.com.br
MODELO DE PRODUÇÃO X RECURSOS NATURAIS Escassez de água – Poço coletivo de abastecimento de água na Índia
V
ivemos em uma sociedade que produz bens de consumo e serviços dentro de uma economia de mercado regida por um sistema capitalista, cujas origens remontam à Idade Média. Esse sistema desenvolveuse no Renascimento, expandiu-se com a Revolução Industrial e tornou-se um sistema econômico mundial. Atualmente, com advento da globalização e com a criação da rede mundial de comunicação - a world wide web-, as estruturas de produção e consumo passam por mudanças importantes, colocando-nos em um ambiente que se altera rapidamente, nas dimensões social, econômica e ambiental, exigindo novas formas de perceber, equacionar e resolver problemas. O modelo de produção utilizado no século XX baseou-se em algumas premissas e percepções; uma das mais importantes residia na crença que o planeta Terra teria capacidade ilimitada. Partiu-se do pressuposto que o planeta seria fonte inesgotável de matérias-primas e que poderia receber e assimilar resíduos 34
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indefinidamente. Também se considerou que a geração de poluentes seria inevitável, não sendo possível produzir bens e serviços sem o lançamento de resíduos, efluentes e emissões atmosféricas. Além disso, imaginou-se que a tecnologia poderia resolver todos os problemas que eventualmente surgissem com a aplicação desse modelo. Anteriormente aos anos 70 não havia qualquer tipo de controle ambiental, e os poluentes gerados pelas empresas eram descartados no ambiente sem maiores preocupações. Os primeiros órgãos de controle da poluição foram estruturados no início dessa década, as legislações ambientais foram organizadas, e foram iniciadas as atividades de monitoramento da qualidade ambiental, o licenciamento e a fi scalização das indústrias. A preocupação com a preservação do meio ambiente levou ao desenvolvimento e à implantação de unidades de tratamento de poluentes - emissões atmosféricas, efluentes
líquidos e resíduos sólidos – com o objetivo de reduzi-los ao final do processo industrial e antes de seu descarte no ambiente. Tais unidades são hoje conhecidas como sistemas de fim-de-tubo (end of pipe), pois tratam os poluentes que saem pelas tubulações de esgotos e chaminés. Pode-se dizer que fazem parte do paradigma tradicional de controle da poluição, que busca proteger o meio ambiente pela redução do aporte de dejetos obtida nesses sistemas. Esse modelo de desenvolvimento foi concebido como um sistema aberto que em uma extremidade - input - entram insumos, como matérias primas, água e energia, e da outra extremidade - output - saem produtos, bens, serviços e rejeitos. Os produtos são levados ao mercado consumidor e os rejeitos são tratados em sistema fim-de-tubo e, em seguida, dispostos no meio ambiente. Um sistema aberto como esse só pode funcionar indefi nidamente se não houver limitações nas entradas e saídas e/ou se a produção for estacionária.
O impacto desse modelo na natureza tem sido extraordinário. Sabemos que, atualmente, cerca de metade dos rios do mundo estão seriamente degradados ou contaminados. Em meados da década de 90, oitenta países, correspondendo a cerca de 40% da população mundial, já sofriam graves restrições no abastecimento de água. Atualmente, mais de 1 bilhão de pessoas não tem acesso a água potável segura e 2,4 bilhões não tem saneamento básico adequado. Estima-se cerca de 4 bilhões de casos de diarréia ao ano decorrente de doenças transmitidas por água contaminada, que ocasionam 2,2 milhões de mortes ao ano, principalmente de crianças desnutridas; esse número de óbitos corresponde ao de um acidente por dia de 20 aviões Jumbo. As concentrações de CO2 na atmosfera são atualmente 30% mais elevadas que no século XVI. Outros gases, como metano e halocarbonos, que também causam o chamado efeito estufa, tiveram suas emissões significativamente aumentadas na década de 90. Em setembro de 2002, o “buraco” na camada de ozônio sobre a Antártida era superior a 287 bilhões de quilômetros quadrados. Estima-se que 2 bilhões de hectares de solo estão degradados devido à atividade humana - área maior que os Estados Unidos e o México juntos, e que muitas espécies estão ameaçadas de extinção devido à degradação de habitats e outras causas. Cerca de 150 mil quilômetros quadrados de corais estão com risco de degradação entre médio e alto, e esse problema pode ser agravado pela mudança do clima e pela elevação de temperatura dos mares. Sempre que afetamos significativamente o meio ambiente, influímos no local onde vivemos e no suprimento de nossas matériasprimas. Assim, a contaminação e a escassez da água afetam o abastecimento público e industrial e a irrigação, e prejudicam a saúde pública. A produção agrícola pode ser reduzida pela erosão do solo, por chuvas ácidas, alterações ecológicas nos ecossistemas terrestres e biodiversidade de insetos polinizadores. A indústria do turismo é afetada pela poluição das praias e pela perda da paisagem, entre outros exemplos. Limites do modelo Na verdade, o planeta é um sistema fechado, limitado e esgotável, que não pode
sustentar indefinidamente o crescimento da sociedade humana consumindo bens e serviços produzidos em sistemas abertos. O ser humano já se apropria de quantidade significativa de água que circula no planeta e a mudança do clima nada mais é que o desbalanceamento do ciclo biogeoquímico do carbono e a demonstração que a espécie humana pode interferir nos mecanismos de funcionamento da Terra. “A capacidade produtiva do planeta está em declínio”, alerta o relatório elaborado pela organização não governamental Instituto de Recursos Mundiais (World Resources Institute - WRI), pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA e pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (World Business Council for Sustainable Development - WBCSD). Considerando que a população mundial cresce e os padrões de consumo são alterados, é cada vez maior a necessidade de produção para atender as necessidades da humanidade. Isso significa extrair grandes quantidades de recursos naturais e despejar igualmente grandes volumes de dejetos. Dentro desse quadro, para que a qualidade do meio ambiente seja preservada, os padrões de emissão serão cada vez mais restritivos. Ou seja, para manter a qualidade ambiental, quando o volume de poluentes aumenta e a capacidade de assimilação diminui, é inevitável restringir os limites de emissão de poluentes das empresas. Caso a única estratégia de controle ambiental seja a adoção dos sistemas de fim-de-tubo, estes deverão ser cada vez mais efi cientes. Uma vez que o custo de tais sistemas aumenta significativamente para eficiências de remoção acima de 90%, conclui-se que o custo de controle ambiental de fim-de-tubo, para garantir a qualidade e a diversidade dos nossos ecossistemas, se tornará proibitivo. Enquanto a produção do bem-estar da sociedade moderna tem imposto um elevado preço à natureza, a divisão dos bens e serviços tem sido desigual, com inaceitável concentração de renda e do consumo, a existência de vastas populações de excluídos. Cerda de 1,3 bilhões de pessoas no mundo vive com menos de 1 dólar por dia; no Brasil, em 2001, estatística do IBGE mostrava que 1%
da população mais rica concentrava quase o equivalente da renda acumulada pelos 50% mais pobres. A inovação tecnológica e a criação de novos objetos de consumo no século XX foram impressionantes: o avião (1903), o rádio (1906), a máquina de lavar (1906), a televisão (1926), os primeiros robôs (1928), o transistor (1947), o satélite artificial (1957), o raio laser (1960), o computador pessoal, o fax, o telefone celular, a internet (1993), as fibras óticas, o ultrassom, a tomografia computadorizada, entre outros. No entanto, o acesso à tecnologia é restrito, pois 1 bilhão de pessoas no mundo não tem acesso à moradia, 2 bilhões não dispõe de energia comercial e metade da população mundial jamais usou um telefone. Tecnologias simples, como lâmpadas elétricas, torneiras e privadas com descarga hidráulica, são artigos de luxo para grande parte da população mundial. Como produzir bens e serviços sem esgotar recursos naturais importantes e sem despejar poluentes em quantidades superiores à capacidade natural de reciclagem do planeta, ou seja, sem impor à natureza um preço exorbitante e insuportável?
João Carlos Mucciacito Químico da CETESB, Mestre em Tecnologia Ambiental pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Universidade de São Paulo, professor no SENAC, no Centro Universitário Santo André - UNI-A e na FAENG - Fundação Santo André e-mail: joaomucciacito@yahoo.com.br NEO MONDO - setembro/outubro 2015
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Aquecimento Global
CONSUMO CIDADÃO Aquecedor solar representa ganhos para comunidades de baixa renda, para o meio ambiente e para o resgate da cidadania. Da Redação
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m meio a tantos problemas ambientais, a AES Eletropaulo optou por uma saída ecologicamente correta: a instalação de equipamentos de energia solar em comunidades de baixa renda, com consumo elevado (acima de 150 kw/h), que tiveram as ligações legalizadas. A instalação do aquecedor solar é parte do Programa de Regularização de Ligações Elétricas, iniciado em 2004. Um conjunto de ações que ajuda a reduzir bastante o gasto com consumo de eletricidade, utiliza energia limpa e ainda acaba com a poluição visual por eliminar o horrível emaranhado de 36
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fios em incontáveis gambiarras. Ao buscar soluções, como essa, de viabilidade econômica e socioambiental, a empresa se insere entre as que leem pela cartilha da responsabilidade social. Desde abril de 2008, o projeto passa por um teste piloto em 20 casas da favela de Paraisópolis, na Zona Sul da capital paulista, e deve chegar a 200 mil famílias, em 60 favelas da área abrangida pela empresa. A AES Eletropaulo atende a 24 municípios na Região Metropolitana de São Paulo, entre eles a capital do Estado, num total de 5,7 milhões de consumidores. “Depois dos testes em Paraisópolis, esperamos chegar com
nossos fornecedores ao aprimoramento da solução para aquecimento solar adaptado às condições de urbanização de favelas. Nelas, os imóveis possuem peculiaridades de construção, e seria oneroso e complexo instalar o equipamento-padrão de energia solar nesses locais”, disse o gerente de Recuperação de Mercado, José Cavaretti. A distribuidora espera, até 2010, instalar 10 mil equipamentos de energia solar em favelas e conjuntos habitacionais. Ações educativas A preocupação da empresa com o projeto do aquecedor solar leva em conta três componentes: o econômico, o social e o
educativa”, diz o gerente de Recuperação de Mercado.
ambiental, c o m o “estratégia para reduzir o consumo e possibilitar clientes economicamente viáveis”, afirma Cavaretti. Com isso, “evitamos ações traumáticas, que podem chegar ao corte de fornecimento ou a negativação do cliente. Preferimos ações educativas, para otimizar o uso de energia por essas pessoas” – disse o gerente. A AES Eletropaulo considera clientes de baixa renda os moradores de favelas, cortiços e conjuntos habitacionais populares para efeito desse projeto. Por isso, escolheu um equipamento diferenciado, feito de placa coletora de plástico, mais barato, mas de eficiência igual à de outros disponíveis no mercado. Os gestores da empresa acompanham diariamente o correto uso do aparelho, que permite, por exemplo, que uma família de até sete pessoas tome banhos de no máximo 10 minutos, com economia superior a 30% no consumo. “Mesmo nesse sentido, nossa prática é
Chuveiro, o maior vilão O aquecedor solar instalado, gratuitamente, em casas da favela Paraisópolis é de uso exclusivo nos chuveiros (maior vilão nos gastos excessivos de energia nas residências), e os moradores passaram por treinamento sobre a melhor maneira de utilizá-los. Entre os beneficiados pelo projeto estão a autônoma Rosane Conceição Macário, o marido dela, Everaldo, três fi lhos com idades de 12 a 16 anos, mais duas pessoas. O exemplo típico da família de 7 membros, citado pela AES Eletropaulo. Rosane diz que “foi muito bom contar com esse aquecedor” e que “ficou muito bonito o visual por aqui” depois da regularização das ligações. A expectativa da moradora - além de tocar direitinho a sua lanchonete na comunidade-, é de, na primeira conta de luz depois dessas mudanças, economizar como uma de suas vizinhas: “A conta dela caiu de 30 para 12 reais”. Além da economia, Rosane está contente com “as crianças”, que souberam entender a novidade como meio de se educar para o consumo cidadão. “Sabe como é adolescente, né. Demora muito no chuveiro. Mas agora eles estão mais disciplinados e colaboram com a gente.” O operário da construção civil, Aloísio Batista da Silva, “desempregado no momento”, mora apenas com a fi lha de 17 anos e comemora o fato de poder “gastar mais dois minutinhos no banho”. Ainda mais quando está envolvido em alguma empreitada. Chega cansado e empoeirado em casa, e uma ducha relaxante é o que mais quer. Aloísio destaca a importância de poder contar com um equipamento bem prático, de fácil manuseio e capaz de armazenar 200 litros de água. “Dá para quase 10 banhos, se a pessoa não gastar mais do que 25 litros debaixo do chuveiro.” Econômicoambientalmente correto O correto
uso de re c u r s o s energéticos, em que o Brasil é rico potencialmente, está na agenda do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, empossado em maio e nesse caso a AES Eletropaulo faz a sua parte, na iniciativa privada. O ministro, em uma de suas entrevistas, lembrou que pretende estender para o País uma de suas realizações como secretário estadual no Rio de Janeiro. Lá não se constrói mais prédio público que não conte com energia solar, por força de lei, garante a autoridade. Cavaretti esclarece que a empresa, da qual é um dos gerentes, não faz caridade nem favor. De 2004 a 2007, investiu R$ 110 milhões (R$ 80 milhões em reforma e ampliação e R$ 30 milhões do Programa de Eficiência Energética). Tudo constituído de recursos próprios, do que resultou recuperação de R$ 150 milhões pela empresa. “O que signifi ca que o valor acumulado no período supera o investido”, contabiliza. FAMÍLIAS COM ENERGIA ELÉTRICA REGULARIZADA 80 mil em 2006 71 mil em 2007 70 mil em 2008* 50 mil em 2009* *Previsão
PASSO A PASSO DA REGULARIZAÇÃO Contatos com as lideranças comunitárias; Conscientização das pessoas; Cadastro das famílias; Instalação gratuita de postes, caixas e cabos de medição; Em grandes comunidades, faz-se um posto de atendimento. NEO MONDO - setembro/outubro 2015
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Meio Ambiente
LEIS NÃO BASTAM País é bom de leis, e na área ambiental não é diferente, mas falta acompanhar o ritmo e a abrangência desejados. Da Redação
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eis, decretos, resoluções, portarias, instruções normativas... Somos um país de “vastidão legislativa incomparável, cujo grande problema é a aplicação delas, inclusive as ambientais. O Brasil sempre figura entre os países ricos (ainda que convidado) em eventos internacionais que discutem temas como aquecimento global, redução de emissão 38
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de gases, enfim, estamos sempre presentes nos principais encontros globais. Fomos organizadores do segundo grande encontro mundial, a Rio-92, o que nos colocou na vanguarda das discussões”.
que as autoridades sejam mais ativas e a sociedade mais consciente de seus direitos e deveres. Se, de um lado, há legislação suficiente, “os órgãos de fiscalização estão muito aquém dos textos legais”, ressalva.
A análise do especialista em Direito Ambiental, Terence Trennepohl, é significativa e serve como novo alerta para
“Arcabouço invejável” O advogado, autor de uma série de livros temáticos, acredita que o importante
mercado, p o r exemplo, cujo papel é tão mais relevante quanto menor seja a presença do poder público, seja em sua função preventiva, a do licenciamento ambiental, seja na de acompanhamento e repressão, mediante a fiscalização”, - explicou.
para o País é, além de possuir uma biodiversidade incomparável, ser coerente entre a teoria e a prática: “Somos exemplo a ser seguido na elaboração de leis; não os melhores em todas as matérias ambientais, mas possuímos um arcabouço legislativo invejável, dada a própria dimensão continental de nosso território”, argumenta. O empresário Marcelo Eduardo de Souza vê a legislação ambiental brasileira como construção “concorrente” nas várias esferas de governo. Isso porque se, em âmbito federal, há muita produção
normativa em leis, decretos e atos do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), com os equivalentes instrumentos em nível estadual, todavia municípios menores ainda carecem de legislação específica, e apenas alguns dos maiores já se fazem presentes. Ele reconhece, porém, que “há muitos avanços em termos de concepção, principalmente graças à atuação dos conselhos de meio ambiente. Estes representam, de forma equilibrada, a visão do poder público, dos setores empreendedores e da sociedade civil organizada”. “Leis não bastam” Engenheiro florestal (com Mestrado em Ciência Florestal) e advogado, Souza acredita que as leis são instrumentos de controle ambiental, mas não o único recurso. “Há mecanismos privados, decorrentes do
Evolução legislativa Mestre em Direito, prestes a concluir seu Doutorado, Trennepohl cita, entre as principais leis reguladoras do meio ambiente, a 6.938/81 - como a primeira verdadeiramente ambiental. O advogado lembra que, antes dela, havia os Códigos de Caça, Pesca, das Águas, Florestal, que eram menos ecológicos e mais patrimoniais: “A defesa dos bens dizia respeito ao patrimônio, a sua valoração econômica”. Isso para não falar das disposições do Código Civil de 1916 sobre o direito de vizinhança. A partir de 1981, à 6.938 se juntam três instrumentos que compõem a evolução legislativa brasileira (ver Quadro-Resumo) e lhe dão sustentação: Lei da Ação Civil Pública, de 1985; a Constituição Federal, de 1988; e a Lei dos Crimes Ambientais, já mais perto de nós: 1998. Futuro incerto?! A legislação e o Direito Ambiental, para
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Meio Ambiente o especialista, têm a ver com eventos históricos, a exemplo da Agenda 21, Protocolo de Kyoto e Declaração do Milênio, marcos na conscientização global. E faz seu alerta: “A humanidade não pode correr o risco de chegar ao caos econômico, mas se nada for feito, o futuro será incerto”. Daí a importância das conclusões e proposições oriundas desses encontros internacionais como ponto de partida para a tomada de decisões sérias e viáveis. Até mesmo porque, a exemplo do Protocolo de Kyoto, os chefes de Estado acordam quando se chega a situações extremas, no caso as emissões de gases. Nesse cenário reside a preocupação por excelência que deve nortear o cuidado com o meio ambiente, na visão de Trennepohl. Soluções pra ontem e pra já ele argumenta que com proporções continentais e problemas ambientais de toda ordem, o Brasil precisa resolver com urgência, questões sociais como a falta de zoneamento urbano, a desordenação das cidades, o descaso ao meio ambiente no trabalho. Para ele essas questões antecedem o lixo atômico, nuclear, tratamento de resíduos sólidos e alimentos transgênicos. Temas muito em voga na Europa, onde já não existem problemas como a fome, trabalho escravo, condições
insalubres e favelas. Souza cita ainda, entre as mazelas nacionais, o combate à corrupção. Esta, em seu diagnóstico, “doença grave”. Mas não se pode esquecer que, se temos problemas, países hoje avançados conquistaram padrão de desenvolvimento à custa, muitas vezes, de certo grau de depredação de seus recursos ambientais. Que não nos sirvam de consolo, mas de lição. Trennepohl acredita que há avanços, nem tanto por esforço do Estado, mas graças a uma opinião pública esclarecida e empresários que prezam pela qualidade de conceitos em seus
negócios. Nem tudo estaria perdido, entre outros motivos porque nas esferas federal, estadual e municipal se dispõem de legislação específica, profissionais habilitados e ferramentas técnicas para que o País se desenvolva socioambientalmente. “A população aprendeu a cobrar seus direitos, seja administrativamente, seja em juízo. É uma evolução multifacetária, indispensável ao próprio Estado democrático brasileiro”, conclui.
QUADRO-RESUMO As Principais Leis Ambientais > Lei 6.938 (31/08/1981) Regula a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de aplicação > Lei 7.347 (24/07/1985) Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico > Constituição Federal de 1988 > Lei 9.605 (12/02/1998) Trata das sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
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ISO 14000 - CERTIFICADO DE FÉ As normas ISO 14000 - Gestão Ambiental fomentam a prevenção de processos de contaminações ambientais, uma vez que orientam a organização quanto a sua estrutura, forma de operação e de levantamento, armazenamento, recuperação e disponibilização de dados e resultados (sempre atentando para as necessidades futuras e imediatas de mercado e, conseqüentemente, a satisfação do cliente), entre outras orientações, inserindo a organização no contexto ambiental. “A norma 14001 define os requisitos para implantação de Sistemas de Gestão Ambiental.” Quem esclarece é o consultor Marcelo Eduardo de Souza. Ao dizer que essa ferramenta “auxilia na efetividade da legislação ambiental no Brasil”, ele lembra: “As organizações que espontaneamente, ou por pressão do mercado, decidem implantar um sistema de gestão ambiental baseado na ISO 14001 necessitam cumprir extensa série de requisitos”.
* Definir política ambiental; * Estabelecer programas de gestão ambiental; * Realizar o mapeamento das realidades ambientais; * Cumprir as leis ambientais próprias das suas atividades. Souza faz uma ressalva oportuna. Não é que a empresa, ao obter a certificação ambiental ISO 14000, vá se ver livre de problemas ambientais ou de eventualmente descumprir uma lei. O certificado é a garantia de que uma empresa atende aos requisitos definidos na ISO 14001 e, por isso, está pronta, “de maneira estruturada, de modo a evitar problemas ambientais e tratá-los, caso venham a ocorrer”.
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Eduardo Bernhardt
Especial
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uem vê Alarico Moura, o Ala, um jovem senhor de 64 anos, andando de bicicleta, surfando, ministrando palestras, posando para fotos se surpreende com a história desse para-atleta, que após a amputação da perna esquerda soube driblar as dificuldades e tornar-se um exemplo de vida. O que impressiona nesse brasileiro é a habilidade de utilizar a seu favor as situações adversas que a vida lhe impôs. Reverter o jogo da vida é, de fato, uma qualidade dos fortes. Morador da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, exmilitar, viu sua vida transformada após um acidente – foi atropelado por um carro, enquanto andava na calçada -, que o deixou com semiparalisia. Após dois anos de hospitalização e a amputação da perna esquerda, chegou em casa com as difíceis tarefas de reaprender a andar e planejar uma vida com mais limitações. Reaprender a andar ele cumpriu, num processo lento e de sofrimento. Quanto à vida de limitações, nem pensar. Por orientação médica, começou a se envolver com atividades físicas para obter condicionamento. Iniciou caminhadas com muletas, passou às corridas de até 15km, praticou ginástica em academia, patinação, natação, surfe, frescobol, futebol, caça submarina e tornou-se mergulhador profissional.
LIÇÕES DE VIDA A condição de deficiente físico mudou o sentido de vida e transformou o campeão Alarico Moura. Da Redação
A partir de 1984, descobriu a bicicleta como forma de lazer e, daí para as corridas de ciclismo e de mountain bike, sua grande paixão, foram poucos passos, aliás, muitas pedaladas. Alarico mantém um ritmo intenso de treinamento, utilizando a bicicleta como meio de transporte e estilo de vida. Pedala diariamente cerca de 70 km. “Em 1994, filiei-me à Confederação Brasileira de Ciclismo e à Federação Estadual de Ciclismo e passei a participar oficialmente de vários eventos de ciclismo, dando início assim a uma série de conquistas”. Um detalhe é que não participava como deficiente físico, ele competia com atletas que tinham as duas pernas, na categoria sênior. Ele coleciona não apenas vitórias esportivas. Entre os troféus e medalhas que forram sua prateleira, estão histórias NEO MONDO - setembro/outubro 2015
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Especial e prêmios muito mais valiosos. O envolvimento com o esporte, que por si só já agrega a inerente condição de superação, acabou despertando a atenção das pessoas por onde passava. Seu temperamento ajuda nesse sentido. Extrovertido e brincalhão, Ala impressiona por sua vitalidade e determinação. “Fui tomando, lentamente, a consciência de que podia de alguma forma, com a minha deficiência física e postura positiva diante da vida, influenciar e benefi ciar outras pessoas.” – disse ele. Isso foi se tornando evidente durante os passeios e treinos, pelas ruas e praias cariocas. “Pedalando com uma única perna, chamava a atenção dos que passavam e comecei a ser parado na rua por desconhecidos que pediam minha ajuda. Solicitavam que eu conversasse com parentes e amigos que passavam por momentos difíceis de reabilitação, recuperação de doenças ou depressão” – contou ele. E mesmo que no começo, sem se dar conta, apenas vivendo intensamente, praticando atividades físicas e exercitando os mais difíceis exercícios que são o bom humor e o otimismo constante, Alá serve de estímulo e motivação para muitos. “Ouvi uma vez um depoimento que me marcou profundamente. Fui da minha casa na Ilha do Governador até a Barra, de bicicleta (cerca de 100 km). E parei para descansar em um lugar que sempre frequento. Um senhor, taxista, se aproximou, puxou conversa e me disse que há muitos anos me via por ali, praticando esportes. Ele relatou que há um tempo passou por um momento de grande
Em vez de sofrer e de me lamentar, agradeço a Deus pela vida fantástica que eu tenho. Ser diferente é normal
depressão e que só não fez nenhuma besteira porque, na hora, lembrou de mim. Me dei conta da responsabilidade e da influência que exercemos simplesmente pelo modo como vivemos” – disse. Quem conhece Alá percebe, com nitidez, sua alegria de vida que permite, inclusive, que brinque com sua condição. “Sou um mutante, como o Volverine” – relata ele, seguido de uma gargalhada. Ele diz que agradece a Deus por tudo que lhe aconteceu, pois sua deficiência lhe permitiu enxergar de outro modo a vida. “Antes, eu era uma pessoa sem noção. Não tinha responsabilidade com nada, com o próximo, com o meio ambiente, com a família. Quando me vi na condição de deficiente físico, descobri o grande poder que possuo como ser humano. Todos nós somos importantes para o mundo. Hoje, só peço a Deus que me ajude a corrigir meus inúmeros defeitos” – afirmou ele. Alá é um homem de muitas habilidades, é
Alarico durante uma das palestras motivacionais que ministra 44
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heptacampeão carioca de mountain bike. Foi ainda seis vezes campeão brasileiro e um dos escolhidos para carregar a tocha dos Jogos Parapanamericanos, disputados no Rio de Janeiro em 2007. É também diretor paradesportivo da Federação de Ciclismo do Estado do Rio de Janeiro (Facierj). Dentre suas atividades diárias, está a de artista plástico autodidata e premiado. Umas das suas mais importantes atuações é a de ativista da responsabilidade social, voluntário em uma instituição filantrópica, o GEID - Grupo Espírita Irmão Demetrius - que ampara cem famílias cadastradas com cesta básica, visitas a asilos e hospitais e amparo a moradores de rua. “A vida me ensinou que há tempo para tudo, para cuidar do corpo, da mente e também do nosso próximo”. Muito requisitado para ministrar palestras motivacionais sobre superação e transformação do homem, ele fala e se movimenta com desprendimento diante do público, por até 3h consecutivas. Se esse vigor e exemplo não motivarem os expectadores, o que o fará? “Em vez de sofrer e de me lamentar, agradeço a Deus pela vida fantástica que eu tenho. Ser diferente é normal. Eu acordo muito feliz para a minha rotina de trabalho, porque eu levanto da cama todos os dias com o pé direito” – concluiu o bemhumorado Alarico.
O QUE É SER BRASILEIRO Os princípios unificadores do povo brasileiro.
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omo docente de Cultura Brasileira na Universidade de São Paulo, costumo iniciar minha disciplina formulando essa pergunta: O que nos une enquanto cidadãos nascidos num determinado território? Qual seria o “cimento” capaz de nos agregar enquanto coletividade? Para o ser humano, tomado em sua “singularidade individual”, a cultura representa o meio através do qual ele tem acesso ao mundo externo e à sociedade onde vive, uma vez que dela provém: • Instrumentos de compreensão pelos quais pode explicar, a si mesmo, sua própria situação no universo natural e no universo social; • Princípios de orientação que propiciam parâmetros para conduta: “olho ao meu redor e me vejo”. No cerne da cultura, temos um nicho privilegiado no qual se aloja um sistema de valores que fornece o instrumental para o indivíduo se relacionar com as diferentes atividades sociais; aí se alojam os elementos norteadores da cultura que atuam e nos inserem como ser-no-mundo.
Os aparelhos culturais encarregamse de administrar, transmitir, renovar, legitimar, valorizar o capital cultural: Família, Escola, Estado, Meios de Comunicação constituem formas de organização do espaço e do tempo, que geram hábitos, sistemas de disposições, esquema de percepção, compreensão e ação, sendo estruturados (pelas condições sociais, pela posição de classe, pela inserção social) e também estruturantes (geradores de práticas, de esquemas de percepção e de apreciação). É provável que a cultura tenda à utilização da religiosidade como princípio fundador e unificador, uma vez que o sagrado propõe uma representação da “realidade humana última” – fundadora para a existência do grupo social – e organize, assim, as relações do indivíduo com essas “realidades últimas”. Desse modo, deve ser vista (a cultura) como sendo o elemento que confere ao indivíduo um “lugar” onde possa, verdadeiramente, “sentir-se em casa”, condição para a vida humana, não podendo, pois, ser encarada como “ornamento” ou como “privilégio” deste ou daquele segmento social, pois é através dela que o ser humano se “enraíza” e se torna “humano”. Somos todos portadores e criadores de cultura, conforme nos ensina Paulo Freire.
Nos sentimos “brasileiros” toda vez que nos encontramos em contato com uma “outra cultura” e descobrimos a emoção ao ouvir o Hino Nacional, ao contemplar a bandeira verde amarela, ao saborear um arroz com feijão, ao degustar uma manga, ao falar português... Quem viveu fora do país sabe do que se trata.
Dilma de Melo Silva (Correspondente especial de Quioto - Japão) Professora doutora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, socióloga pela FFLCH\USP, mestre pela Universidade de Uppsala, Suécia, e Professora convidada para ministrar aulas sobre Cultura Brasileira na Universidade de Estudos Estrangeiros. NEO MONDO - setembro/outubro 2015
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MANTENDO VIVO O IDEAL DA MEDICINA José Francisco Furtado superou obstáculos para manter bem viva a criança idealista. Da Redação
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m colega jornalista me alertou que não seria fácil tirar algo do Furtado, que teria “virado bicho do mato”. A minha persistência é nada ante a superação do Dr. José Francisco Furtado, que estudou Medicina Preventiva e Saúde Pública, cursou Medicina Tropical e fez especialização em Cirurgia Geral sem um tostão no bolso - tudo para manter bem viva a criança idealista que se descobriu aos 8 anos de idade, em Igaratá, no Vale do Paraíba (SP). Hoje, aos 60, em Rio Branco (AC), Furtado diz: “Nada fiz de tão extraordinário em minha vida, pois mais recebi ajuda do que ajudei”. Grato a Deus e a pessoas marcantes em sua trajetória, o médico credita a oportunidade de sua realização como um dom que lhe permitiu o próprio progresso espiritual na prática do amor e da caridade. Nascido na roça, de família humilde, aos pés da Serra da Mantiqueira, Furtado acredita que sua vida começou a tomar novos rumos bem cedo. “Aos 12 anos, terminei o curso Primário em São José dos Campos e tomei contato com a Ordem dos Servos de Maria (OSM) e suas missões no Acre. Me entusiasmei pelo ideal de missionário e entrei no seminário dos padres servitas, onde fiz do quinto ano - a antiga Admissão - ao curso ginasial”, afirma. A identificação com os servitas é uma constante na vida de Furtado. Depois do Ginásio (atual ensino fundamental), concluído em Turvo (SC), o adolescente voltou a São José dos Campos, onde fez o Colegial (Ensino Médio) durante três anos. “Em 1969, época em que os Beatles e Roberto Carlos faziam muito sucesso, fui enviado para fazer o Noviciado (período de iniciação à vida religiosa) nas missões OSM no Acre - éramos 4 seminaristas”, lembra. O despertar do médico. Foi aí que o fradinho (como alguns estudantes se tratavam) teve o primeiro contato com o que ele próprio define como “um mundo novo e exótico”. Furtado conheceu o antigo leprosário,
visitou muitas comunidades pobres no interior do Estado acreano - sem a mínima assistência médica. “Ajudei a transportar doentes para a capital e fiquei sensibilizado ao ver tanto sofrimento. Foi assim que despertou em mim o ideal da Medicina”, conta. O jovem não se contentaria em cuidar de almas, num ambiente em que corpos padeciam de males bem mais visíveis. Furtado recorda-se com precisão do momento-chave de sua vida. “No dia 1º de outubro de 1969, às 5h50, quando saía pela porta do antigo Colégio dos Padres (que virou o Colégio Meta), como fazia todos os dias, para assistir à missa na Catedral de Rio Branco, me veio, subitamente, a idéia de estudar Medicina, para dar assistência aos doentes hansenianos e às comunidades mais pobres”. O noviço começou a dar lugar ao médico, não sei se para desespero dos padres. Furtado comunicou a sua decisão ao superior e, em vez de se mudar para São Paulo, onde cursaria Filosofia e Teologia, foi à luta para conquistar o novo ideal: iria a todo custo estudar Medicina em Manaus (AM). “Estava disposto a me aventurar, na mudança de rumo, com toda a fé e a coragem, sem conhecer ninguém... na última hora, o avião da FAB não veio, e os padres me mandaram de volta para São Paulo”. Tempos difíceis A caminhada, reconhece Furtado, seria longa em busca do seu objetivo. Os tempos eram difíceis,
Nos tempos do iê-iê-iê, o então noviço decidiu-se pela Medicina para cuidar de uma gente sofrida.
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coronel-
Furtado faz a travessia do Rio Purus, para mais uma de suas missões, em 1994: identifi cação com os servitas é constante.
em plena ditadura militar em 1970, enquanto a pátria de chuteiras desfilava seus dotes futebolísticos em campos mexicanos, o jovem egresso das fileiras eclesiásticas teve de servir ao Exército. “Fiz o curso de Preparação de Oficiais da Reserva-experiência difícil na época -, enquanto começava o cursinho preparatório ao vestibular”, diz. O temido vestibular, ainda mais para quem, desprovido de recursos financeiros, teve de estudar em livro emprestado, às vezes à luz de vela ou lanterna, para incomodar menos os colegas de pensão. A tenacidade nele convive com uma pessoa tímida - é provável que uma característica alimente a outra e faça do modo espartano de encarar a vida a receita para a vitória. Até que, em janeiro de 1971, depois de prestar o exame vestibular na Faculdade de Medicina de Itajubá (MG), Furtado conseguiu classificar-se na segunda chamada entre 1.200 candidatos para 100 vagas. Era para comemorar, mas cadê tempo para isso? Era preciso correr atrás de suporte financeiro para pagar os estudos. Não dava para perder o direito à matrícula. A peregrinação em busca de ajuda levou o jovem à uma emissora de TV, a um jornal do Vale do Paraíba, que de pronto compraram a briga. A Tv o colocou no ar, na hora; o jornal publicou a mensagem “Vamos ajudar este rapaz”. Não bastasse, Furtado teve a solidariedade dos próprios colegas de turma, para se manter, de professores - especialmente o “saudoso Rios, do ITA”, faz questão de citar. Este conseguiu que o 48
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comandante do CTA intercedesse junto ao MEC, que deu uma ajuda ao jovem para pagar a matrícula. Mais uma etapa vencida. Mas viriam pela frente os longos anos de duração do curso. A saída foi fazer acordo com a Faculdade de Medicina: “Fiquei assinando notas promissórias para pagamento depois de formado”, conta. Perseguição política Aos 28 anos, Furtado terminou o curso de Medicina, “com muita glória”, ressalta. Foi quando fez as pós-graduações para especializar-se no atendimento que pretendia dar às pessoas sofridas na fl oresta amazônica. Concluiu esse ciclo em 1979. “Estava pronto para vir ao Acre. A minha intenção era trabalhar com os hansenianos, mas a Secretaria de Saúde me requisitou para coordenar o Programa de Dermatologia Sanitária do Estado. Depois de dois anos, sofri perseguição política e tive de me afastar”, relata. O jeito servita de fazer a saúde pública andar, de acordo com princípios da justiça social, não agradou a representantes alinhados com a ditadura militar, ainda em vigor: “Aproveitei para fazer especialização em cirurgia geral em São Paulo e, em 1989, retornei ao Acre como cirurgião.” Não houve dificuldade que impedisse o médico de seguir em frente. O jornalista Antonio Marmo Cardoso, um dos colegas de Furtado de muitos anos, se lembra dele ainda dos tempos de infância e daí por diante: “Tinha um pai simples, como o meu, mas bastante severo, de pegar no pé. Acho que a figura do pai influenciou muito a personalidade do Furtado - um tipo sempre retraído, de sorriso acanhado... Já no Acre, ainda no noviciado, foi quando se definiu a opção pela Medicina, depois de uma primeira visita que fizemos com Frei Heitor ao leprosário. Acho que saiu impactado da visita. Um leproso, naqueles tempos, não era uma visão agradável, ainda mais num
leprosário superprecário... Sem dúvida, Furtado é pessoa de grande força de vontade, persistência”. Marmo acredita que o trabalho do médico foi decisivo no aprimoramento do antigo leprosário para a colônia como está hoje. 5 mil pessoas Furtado foi um dos médicos que deu “assistência periódica aos doentes, pela primeira vez em 1979, e, a partir de 1989, resolveu se fixar dentro da área da colônia”, relatou Maria Cisne, que desde os 7 anos de idade, em 1928, morou no leprosário e foi uma das pessoas que registrou em depoimento, em 2003, a história da instituição. O médico é incansável em sua dedicação: “Me estabeleci na Colônia Souza Araújo (antigo leprosário), para me dedicar melhor aos doentes. Passei a atuar também no Pronto Socorro Estadual de Rio Branco, realizando cirurgias de emergência. Desde então, o bispo Dom Moacyr Grecchi me concedeu uma moradia na área da própria colônia, que é administrada pela Diocese de Rio Branco”. O trabalho desenvolvido por Furtado inclui assistência aos doentes internos, em torno de 60 a 70 pacientes asilados, portadores de sequelas da hanseníase. “Eles requerem cuidados básicos para a manutenção da saúde”, explica. O médico atua também no Centro de Souza Araújo, próximo à colônia. “Atendo toda a população da área, de mais ou menos 5 mil pessoas, entre as quais muitos hansenianos que moram nas vilas próximas e egressos do antigo leprosário”, diz. Nada mal para um “bicho do mato”. Antes todos tivessem esse poder de percepção e ação.
O médico encontra tempo para conferir de perto projetos comunitários, como o de apicultua em plena selva amazônica
GOLEADA DE SOLIDARIEDADE Os projetos sociais desenvolvidos por jogadores de futebol brasileiros.
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odo mundo sabe que o futebol é uma paixão dos brasileiros. Já conquistamos cinco títulos mundiais e isso é motivo de grande orgulho nacional. No entanto, poucas pessoas conhecem o trabalho social realizado fora das quatro linhas, pois muitos jogadores encerram suas carreiras nos gramados, mas continuam sendo motivo de orgulho ao criarem organizações para atender crianças carentes. Jogadores como Jorginho, Bebeto, Raí e Leonardo ajudaram a escrever a história do tetracampeonato brasileiro em 1994 e ainda hoje continuam a inspirar muitas crianças e adolescentes, não apenas aquelas que sonham em se tornar atletas profissionais. Esses jogadores criaram instituições que vão muito além de escolinhas de futebol, pois seus programas procuram relacionar atividades esportivas com educação, qualidade de vida, importância da família e integração no mercado de trabalho. Jorginho e Bebeto fundaram o Instituto Bola pra Frente, em 2000, e vem desenvolvendo projetos com crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos, oferecendo auxílio escolar a algumas comunidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Jorginho já demonstrava interesse em ajudar as crianças carentes desde meados da década de noventa, antes mesmo de criar o seu próprio instituto, época em que começou a contribuir com o Centro de Cooperação para o Desenvolvimento da Infância e da Adolescência – CCDIA.
O Instituto Bola pra Frente não pretende concorrer com a escola, mas sim fornecer suporte a muitas crianças e complementar as atividades escolares. Com isso, é possível evitar que muitas delas acabem indo para as ruas ou abandonem a escola. Outra organização que vem desenvolvendo um trabalho interessante nesse campo é a Fundação Gol de Letra, criada em 1998 pelos jogadores Raí e Leonardo. Os projetos também visam complementar as atividades escolares e atendem mais de mil crianças e adolescentes entre 7 e 21 anos.
contar com a ajuda de uma equipe técnica capacitada e competente. É importante destacar que além dos jogadores que criam as organizações, aqueles que participam das campanhas para arrecadar fundos em sessões de autógrafos e partidas beneficentes também estão desempenhando um importante papel para as crianças. Estamos diante de excelentes exemplos de solidariedade que nos fazem ter orgulho desses craques, não apenas pela sua habilidade ao balançar a rede nos estádios.
As formas de contribuições podem variar de acordo com a disposição de cada um, seja através de doações, voluntariado, visitas, etc. O Relatório Anual de 2007 mostra que o Programa Virando o Jogo, que é apenas um dos projetos desenvolvidos pela Fundação, arrecadou, naquele ano, mais de quatrocentos mil reais de empresas financiadoras. Pode-se dizer que os jogadores de futebol têm um grande potencial para conseguir patrocinadores, pois muitos deles possuem credibilidade em razão da sua atuação profissional nos gramados, o que ajuda na hora de entrar em contato com os empresários. Mas é claro que apenas o prestígio não é suficiente para conseguir bons resultados no campo da educação e é necessário
Natascha Trennepohl (Correspondente especial de Berlim – Alemanha) Advogada e consultora ambiental Mestre em Direito Ambiental (UFSC) Doutoranda na Humboldt Universität (HU) em Berlim NEO MONDO - setembro/outubro 2015
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O Núcleo de Educação NEO MONDO Ê OLGHUDGR SRU SURȴVVLRQDLV FDSDFLWDGRV H HQWXVLDVPDGRV FRP D FRQVWUXŠ¼R GH XP mundo melhor. Oscar Lopes Luiz – Publicitårio, pós-graduado em Marketing. É presidente do Instituto NEO MONDO Eleni Lopes – Diretora de Redação da revista NEO MONDO. Ricardo Ditchun – Sociólogo especializado em comunicação corporativa, jornalista e editor. ValÊria Cabrera – Jornalista e relaçþes públicas. Ricardo Girotto – Publicitårio e ilustrador de livros infantis. Alda de Miranda – Publicitåria e autora de livros infantis.
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