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Ano 7 - N0 61 An Ano 6 -A Abril bril br il 2 2014 0 4 01
TODO DIA ERA DIA DE ÍNDIO
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Marcos Hummel
Dia do Índio
PNRS
“Precisamos de uma Revolução Educacional”
Momento de refletir e transformar
Constituição está pronta; tem que cumprir
Uma criança é sempre um motivo de alegria. Neste caso, são mais de 2.500 motivos.
Até bem pouco tempo atrás, os Waimiri Atroari e os Parakanã pareciam condenados a serem apenas personagens dos livros de história. Mas graças aos programas indígenas da Eletrobras Eletronorte, em parceria com a Funai, hoje as duas etnias somadas alcançam a marca de 2.692 vidas. Livres da extinção, vivem em terras demarcadas, resgataram suas culturas e contam com estrutura permanente para atendimento médico e odontológico, controle de epidemias, educação, apoio à produção e proteção ambiental. E no que depender da Eletrobras Eletronorte, a promoção da autonomia indígena será a nossa contribuição para que essa história esteja nos livros como um exemplo que deu certo. 19 de abril, Dia do Índio.
Instituto Neo Mondo Soluções para o terceiro setor. Núcleos REVISTA Neo Mondo MARKETING CORPORATIVO Posicionamento da marca no mercado com Responsabilidade Socioambiental EDUCAÇÃO Elaboração de cartilhas, livros e projetos educativos socioambientais e corporativos
ASSESSORIA DE IMPRENSA Jornalismo especializado nas áreas: Sustentabilidade e Corporativo WEB Criação de animações gráfica as para composição de livros, desenvolvimento de versõe es digitais de publicações im mpressas e desenvolvemos projeto os especiais para eventos e feiras utilizando realidade aumentada (ra), além de aplicattivos de uso geral para celularres e tablets.
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Neo Mondo - Julho 2008
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todos os animais Os animais são diretamente afetados pelo comportamento humano. Podemos ser cruéis e negligentes, mas também podemos manifestar bondade e compaixão — valores que exemplificam o melhor do espírito humano. Acesse hsi.org/compaixao e veja como você pode ajudar.
Proteção e respeito a todos os animais 6
Neo Mondo - Julho 2008
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Seções
Editorial
PERFIL
MUNDO ANIMAL
12- Marcos Hummel Revolução educacional
26- Morcegos Os verdadeiros Reis da Ilha
ESPECIAL - DIA DO ÍNDIO
EXPEDIÇÃO E AVENTURA
16- Momento de refletir e transformar
28- 7 dias de Solimões Natureza, drogas e pedofilia no coração da floresta amazônica
LIXO 32- PNRS Constituição está pronta; tem que cumprir
ÁGUA
Segundo o IBGE, hoje no Brasil mais de 700 mil pessoas se consideram indígenas. A variedade de costumes, idiomas e tradições é impressionante. São reconhecidos mais de 200 grupos e mais de 180 línguas e muitos ainda resistem a qualquer contato com a civilização branca. E, para mostrar que todo dia é dia de indio, esta edição especial da revista NEO MONDO busca trazer um panorama da situação atual do povo indígena no Brasil, retratar a rica cultura e a grande influência que exerceram em nossas tradições e idioma. Ainda neste clima especial, fizemos uma viagem pelas águas do Rio Solimões, que começa no Peru, recebe este nome ao entrar no Brasil onde é renomeado ao encontrar o Rio Negro e se torna o grande Rio Amazonas. Isso e muito mais nesta edição. Excelente leitura! NEO MONDO, tudo para um mundo melhor!
22- Água de beber Mar em copinhos MUNDO ANIMAL 25- Borboleta-Monarca A incrível jornada
NEO MONDO INFORMA 22- WikiParkes A Wikipédia dos parques nacionais
Expediente
Publicação
Publisher: Oscar Lopes Luiz
Diretora de Relações Internacionais: Marina Stocco
Diretora de Redação: Eleni Lopes (MTB 27.794)
Diretora de Educação - Luciana Mergulhão (mestre em educação)
Conselho Editorial: Oscar Lopes Luiz, Eleni Lopes, Marcio Thamos, Dr. Marcos Lúcio Barreto, Terence Trennepohl, João Carlos Mucciacito, Rafael Pimentel Lopes, Denise de La Corte Bacci, Dilma de Melo Silva, Natascha Trennepohl, Rosane Magaly Martins, Pedro Henrique Passos Redação: Eleni Lopes (MTB 27.794), Andreza Taglietti (MTB 29.146) Revisão: Instituto Neo Mondo Direção de Arte: LabCom Comunicação Total Projeto Gráfico: Instituto Neo Mondo Diretora Juridica - Enely Verônica Martins (OAB 151.575)
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Oscar Lopes Luiz Presidente do Instituto Neo Mondo oscar@neomondo.org.br
Diretor de Tecnologia - Roberto Areias de Carvalho Correspondência: Instituto Neo Mondo Rua Ministro Américo Marco Antônio n0 204, Sumarezinho - São Paulo - SP - CEP 05442-040 Para falar com a Neo Mondo: assinatura@neomondo.org.br redacao@neomondo.org.br trabalheconosco@neomondo.org.br Para anunciar: comercial@neomondo.org.br Tel. (11) 2619-3054 / 98234-4344 / 97987-1331 Presidente do Instituto Neo Mondo: oscar@neomondo.org.br
A Revista Neo Mondo é uma publicação do Instituto Neo Mondo, CNPJ 08.806.545/0001-00, reconhecido como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pelo Ministério da Justiça - processo MJ n0 08071.018087/2007-24. Tiragem mensal de 70.000 exemplares distribuídos por mailing VIP e assinaturas em todo o território nacional. Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição da revista e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo desta revista sem prévia autorização.
Perfil
“Precisamos de uma
Divulgação
REVOLUÇÃO ED Neto de um avô considerado pioneiro ecológico, fazendeiro que não desmatava, Marcos Hummel, apresentador do Neo MondoTV, diz que “se nós quisermos melhorar o Mundo, do ponto de vista da sustentabilidade, temos que melhorar as pessoas, educá-las, pois sem educação não haverá preservação. Mesmo porque salvar o Planeta significa salvar-nos”.
Q Apresentador de mais de uma dezena de programas nas principais redes de TV, editor e redator, Hummel incomoda a concorrência no Câmera Record
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uem consulta a Wikipédia em busca de informações sobre Catalão de Goiás vai encontrar lá, na lista dos naturais ilustres, logo depois do nome do cantor Amado Batista, o do jornalista Marcos Hummel. Dono de sólida ficha profissional e de voz inconfundível, ancorando desde 2008 o Câmera Record, líder de audiência entre o jornalismo temático, Marcos Hummel, o nome do Perfil desta edição, é também um dos colaboradores e apresentadores do nosso Neo Mondo TV. Este goiano já sem sotaque iniciou-se tardiamente na carreira jornalística, aos 28 anos, começando pela TV Globo Brasília. Foi apresentador por 21 anos, nos telejornais Hoje, Jornal Nacional, Jornal da Globo, Fantástico, Globo Esporte. Um dos primeiros narradores
EDUCACIONAL” da redação
do Vídeo Show, depois Bom Dia Rio e Bom Dia São Paulo, também atuou como editor e redator. Mas mesmo começando tardiamente, Hummel tem a quem puxar entre seus conterrâneos. A enciclopédia virtual lembra que Catalão é, ainda, terra natal de várias outras personalidades. Nas Artes Plásticas, destaca-se Goiandira de Couto, filha de poeta e reconhecida internacionalmente por sua técnica única de pinturas com areia. Ali nasceram um dos maiores latinólogos do Brasil, o diplomata erudito William Agel de Mello, autor de 11 dicionários português-línguas neolatinas como o catalão e o galego, além de cineastas e dramaturgos que justificam o cognome de “A Atenas de Goiás”, por sua produção cultural. Da Globo, Hummel passou pela Rede Manchete onde apresentou, entre outros, o excelente Na rota do crime, na década de 90, precursor da cobertura
policial nervosa, em que os repórteres embarcavam nas viaturas da Rota e da Força Tática acompanhando as ocorrências até seu desfecho. O programa valorizava o policial, dizem os que se lembram dele. Pulou da Manchete para a Bandeirantes, ficando aí até março de 2004, ano em que assinou com a Record, onde está até hoje. Em seu currículo destacam-se ainda o Domingo Espetacular, Fala Brasil, Jornal da Record, Repórter Record (do qual foi o mais recente apresentador) e o Mundo Meio-Dia (na Record News). O primeiro programa do Câmera Record trouxe um documentário sobre os “Mercadões no Mundo”. As equipes do jornalismo Record visitaram 16 mercadões - de frutas, legumes e outras - nos quatro cantos do Planeta. Hoje o jornalismo temático da Record tem importunado a concorrência. Mesmo indo ao ar num horário incômodo, entre meia-noite e uma e meia, chega próximo aos 20 pontos de pico.
Educar para a sustentabilidade Talvez por isso este catalano já sem sotaque se defina como uma pessoa que veio a este mundo “para aprender, mas que a televisão o decepciona neste ponto. Ela não veio para formar e transmitir informação, mas para ser uma máquina de vender coisas”, diz, ainda que não dependa das pesquisas para medir sucesso: “A televisão faz dinheiro, independentemente do Ibope. Tem programa aí que faz a alegria dos donos com meio traço de audiência”, sentencia. “Se nós quisermos melhorar o Mundo, do ponto de vista da sutentabilidade, temos que melhorar as pessoas, educá-las, pois sem educação não haverá preservação”, receita. De vez em quando Hummel coloca algumas frases no Twitter. Por exemplo: “Estou planejando meu passado porque o futuro o governo já decidiu. E você?”, perguntandose: “Que Brasil você quer para seus filhos?”, enquanto define o Brasil como “um País de oportunidades e oportunistas”. Detalhe: Escreve ouvindo a 7ª Sinfonia de Beethoven.
NEO MONDO: O que levou você a estar no projeto da Neo Mondo TV: desafio, promessa, amor à causa? Hummel: Não posso me classificar como um ecologista. Meu avô, falecido há mais de 50 anos, era um ecologista num tempo em que o termo talvez nem existisse. Fazendeiro, não permitia desmatar nem queimar a terra. Apenas quero fazer a minha parte. E a Neo Mondo TV é um bom caminho.
define a minha intenção. Ainda não tenho netos, mas espero que quando os tiver, que sejam bons para o Brasil e para o Planeta.
NEO MONDO: E suas expectativas com a Internet em si? Numa entrevista na Neo Mondo TV você diz que a internet chegou gritando: “acabou o reinado” da mídia tradicional. É isso? Hummel: Posso ter exagerado um pouco. As mídias são complementares, cada uma ocupa seu espaço. E a costura final pode ser muito boa.
NEO MONDO: Com qual tese você e o projeto se identificam: que mundo deixaremos para nossas crianças ou que crianças deixaremos para o Planeta? Hummel: A segunda tese é a que melhor
NEO MONDO: A ecologia, há cerca de uma década, virou tema de programas específicos, começando pelo Globo Ecologia. Jornalões tradicionais, como o Estadão, abrem seções específicas sobre o Ambiente. Quais suas expectativas com um tema assim em TV na Internet? Hummel: A grande mídia tem a maior responsabilidade em todos os sentidos. Se entrar para valer, pode mudar os hábitos errados que estão maltratando o Planeta. Quero acreditar que haja boa intenção.
NEO MONDO: E você foi parar no mundo da televisão depois de começar, aos 11 anos, como office-boy de cartório, caixa de banco, criador de gado em fazenda, empregado em fábricas. No entanto é crítico em relação à TV, concluindo
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Perfil máximo um, dois minutos no ar (não falamos de programas temáticos como o Câmera Record, mas do jornalismo, do dia a dia). É essa sua impressão? Hummel: Costumo dizer que o conteúdo de TV é de digestão muito rápida. Mas a mensagem principal sempre fica gravada. As grandes corporações têm suas necessidades, são pautadas pelo lucro, mas devem equilibrar isto com o dever de fornecer um bom produto. NEO MONDO: No Fórum Mundial de Sustentabilidade, em Manaus, um dos palestrantes alertou que a empresa que não priorizar hoje a sustentabilidade corre riscos econômicos e de imagem.
pneus, com vários projetos paralelos de conservação. Hoje é visível a imagem das empresas colada ao tema. Espero que seja para valer. Por menor que seja a verdade disso, algo de bom pode restar no final. NEO MONDO: Quem é o Marcos Hummel visto pelo Marcos Hummel? E como sua filha Luiza o vê? Você ainda tuíta? Hummel: Vim para aprender. Vim para melhorar. Acho que minha filha demonstra acreditar em mim pelo carinho com que me trata. Raramente tuíto. De vez em quando dá vontade de deixar lá uns pensamentos. NEO MONDO: Finalizando: pra ter o
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que é “apenas uma máquina de vender coisas”. A Internet não acaba sendo só isso também? O que você queria que TV e Internet fossem? Hummel: Podemos dizer que a Internet é um veículo muito novo, que está tentando achar seu caminho. As novas gerações saberão usá-la e dela extrair informação e aprendizado. A TV, com sua imensa penetração, está procurando se reorientar. Há muitas cabeças novas que poderão fazer essa reorientação. É necessário que o País, por inteiro, entre num projeto de salvação. Precisamos de uma revolução educacional. Temos que sepultar ideias e interesses antigos. Salvar o Planeta significa salvar-nos.
Humberto Mesquita e Marcos Hummel, na “nossa” telinha: “Não sou ecologista. Apenas quero fazer a minha parte. E a Neo Mondo TV é um bom caminho”
NEO MONDO: Você não teve experiências de jornal impresso, mas a fogueirinha das vaidades queima mais forte na TV que nas redações da mídia impressa? Por que será? Hummel: Não posso criticar aqueles que valorizam mais as suas imagens. Só posso dizer que eu quero que o meu trabalho apareça mais que eu próprio. NEO MONDO: Minha experiência na TV me deixava frustrado diante do “efêmero” da transmissão televisiva. Um artigo impresso você lê, relê, guarda se for bom. Um repórter de TV transpira o dia inteiro produzindo uma reportagem, uma correria pra editar e, quando muito boa, a matéria dura no 14
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Mas Fábio Feldmann lembrou que conseguiu retirar via Conselho Nacional de Regulação Publicitária peças que vendiam a Petrobrás como ambientalmente responsável quando vende um diesel só encontrado nos piores países da África. Você conhece ações concretas de empresas que não sejam maquiadas como puro marketing social, visando só a imagem? Ações exemplares com resultados que atestem mudança de mentalidade do século 20 para o século 21? Hummel: Conheci pessoalmente uma empresa que tinha um compromisso muito forte. Uma empresa do Paraná, genuinamente nacional, de fabricação de
sucesso que você alcançou, ancorando hoje um programa líder de audiência, bastam a estampa e o vozeirão inconfundível? Lembra alguma curiosidade de bastidor? Pra você o que é uma boa produção? Hummel: O sucesso do programa é o resultado do trabalho árduo de uma equipe fantástica. Tento fazer o melhor para corresponder ao esforço e dedicação de cada um de meus colegas. Sou grato a Deus pelas ferramentas que Ele me concedeu e às oportunidades que me apareceram. Uma boa produção é o resultado da intenção de formar e informar. É respeitar o cliente ou o telespectador, no nosso caso, respeitar o seu desejo de se informar e se divertir.
desA ArME ME-se
NEO MONDO não pretende explicar a violência urbana. Apenas faz um apelo às pessoas para que não se isolem à frente de um computador; saiam de si mesmas e convivam mais; eduquem-se para o Bem; cerquem-se de pessoas sempre melhores do que elas próprias; busquem o conhecimento na pesquisa, no estudo, na troca de ideias e de experiências positivas seja no campo pessoal seja no coletivo; cuidem-se e cuidem dos mais fracos, dos mais carentes, das crianças e adolescentes, dos idosos, das plantas, dos animais. Somente pessoas de mentes e corpos sadios saberão salvar o Planeta do fim dos tempos. O gênero humano e a Terra agradecem! Neo Mondo - Abril 2014
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Especial - Dia do Índio
População indígena no Brasil
MOMENTO DE REFLETIR E TRANSFORMAR O IBGE registra 305 etnias e uma população indígena de 897 mil habitantes, correspondendo a 0,47% da população brasileira. Vive-se, hoje, a maior ofensiva contra a política indigenista da história por Andreza Taglietti
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Filipe Matos Frazao / Shutterstock.com
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ock in Rio. Setembro de 2013. Palco Mundo. 18h30. Encontro da banda brasileira de heavy metal Sepultura e do grupo francês de percussão pós-industrial Tambours du Bronx. Com uma misteriosa referência à Usina de Belo Monte no telão e imagens de índios do Alto Xingu em lutas sagradas, o show começou furiosamente com a faixa Kaiowas (do disco Kaos a.D., do Sepultura, de 1985). A plateia reagiu fervorosamente o tempo todo. Eram as tribos do rock num rito indígena. Criado em 1961, o Parque do Xingu, primeira reserva indígena do país, sempre dependeu de personalidades para uma conscientização pública de sua existência e significado Sepultura, Sting, Cao Hamburger, irmãos Villas-Bôas, Afonso Pena, Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek, Marechal Cândido Rondon. Encravados em uma zona de transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, os atuais 27.974 km² do Parque superam em 25% o território de Israel e guardam, como no polêmico Estado do Oriente Médio, uma cultura igualmente digna e privilegiada – a cultura indígena. Em suas 18 aldeias, o Parque abriga cuicuros, calapalos, nauquás, matipuís, meinacos, auetis, uaurás, iualapitis, camaiurás, trumaís, txicãos, suiás, jurunas, caiabis, metotires, mencragnontires e crenacarores. Falar hoje sobre índios no Brasil significa explorar uma diversidade de povos. O IBGE registra 305 etnias e uma população indígena de 897 mil habitantes (dados do Censo de 2010), correspondendo a 0,47% da população brasileira. O levantamento também revelou que 572 mil (63,8 %) vivem na área rural e 517 mil (57,5 %) moram em terras Indígenas oficialmente reconhecidas. São povos que já habitavam esse espaço há milhares de anos, muito antes da invasão europeia. Os indígenas estão presentes nas cinco regiões do Brasil. O Norte é o responsável pelo maior número de indivíduos, 305.873 mil, aproximadamente 37,4% do total. O estado com maior concentração é o Amazonas, representando 55% do total da região. O Nordeste conta com cerca de 25% da população e possui na Bahia o maior agrupamento de indígenas. Depois vem o Centro-Oeste e, dentro deste universo, Mato Grosso do Sul totaliza 56%. Ainda de acordo com o Censo 2010, o povo Tikuna, residente no Amazonas, em números absolutos, foi o que apresentou a maior quantidade de falantes (46.045) e, consequentemente, a maior população. Em segundo lugar, em número de indígenas, ficou a comunidade dos Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul e, na terceira posição, os Kaingang da região Sul do Brasil. Neo Mondo - Abril 2014
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Transformação, expansão e legislação Os índios vivem no Brasil a polêmica da demarcação de terras - condição essencial para se resolver os demais problemas que afetam as populações indígenas, sejam esses temas isolados ou não. E o buraco é mais embaixo – vive-se, hoje, a maior ofensiva contra a política indigenista da história brasileira, com propostas de revisão de demarcações e da legislação que regula a área, com ações no Congresso, na mídia e junto a setores do governo. Enfrentamento com fazendeiros no Mato Grosso do Sul; hidrelétricas e rodovias em áreas indígenas (Belo Monte e Transamazônica, por exemplo); confrontos com sojicultores no Norte; conflitos com grileiros no Nordeste e rixas com pequenos produtores no Sul formam esse cenário, no qual se destaca o forte crescimento do agronegócio, que exige sempre novas terras para cultivo. O governo Dilma Rousseff até agora não definiu como vai agir em relação à questão, mas, ao mesmo tempo, não sinalizou que apoiará propostas como a de transferir para o Congresso Nacional o poder de demarcar terras indígenas, defendida atualmente pela bancada ruralista. Segundo especialistas, a legislação indigenista brasileira é avançada e elogiada no exterior. Revogá-la colocaria o Brasil na incômoda companhia das nações que reprimem minorias como os curdos, o que daria ao País o “Nobel de genocídio”. Além disso, de acordo com pesquisadores e antropólogos, a demarcação não se realiza por si só. Também exige, em outro momento, uma política de uso dos recursos de maneira adequada, assessorada pelo Estado de forma lúcida, para que não sejam devastados ou utilizados inadequadamente. Nos últimos 30 anos, muitas terras foram regularizadas, povos que estavam sob violento assédio, cerco, ameaça, conseguiram se estruturar mais. Dados demográficos recolhidos pelo IBGE mostram uma expansão dos indígenas. O contingente de brasileiros que se considerava indígena aumentou 150% na década de 90. O ritmo de crescimento foi quase seis vezes maior que o da população em geral. O percentual de indígenas em relação à população total brasileira saltou de 0,2% em 1991 para 0,4% em 2000, totalizando 734 mil pessoas. 18
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João Bittar - portal.mec.gov.br/
Especial - Dia do Índio
Vamos brincar de índio ✓ Nomes de bairros, cidades e rios de origem indígena: Jundiaí, Mooca, Anhangabaú, Ipanema, Uberaba, Mairiporã, Bangu, Grajaú, Itapemirim, Ibirapuera, Tuiuti, Guarujá e Paraná. ✓ Os pratos típicos da culinária brasileira de origem indígena: pirão, beiju, pipoca. ✓ Palavras incorporadas pela Língua Portuguesa de origem indígena: açaí, caipira, canoa, mandioca, uirapuru, arapuca, caju, pipoca, tapioca, canga.
É importante lembrar que essas áreas não são apenas destinadas aos indígenas e não pertencem a eles. São terras da União. Em grande parte são reservas ambientais e santuários ecológicos desrespeitados: Xingu, a área ianomâmi, algumas regiões da fronteira do Javari, Rio Negro. As poucas partes preservadas são frequentemente habitadas por indígenas, que só estão protegidas porque são terras indígenas ou porque existe terra indígena no entorno. Extensas regiões do País estão sendo destruídas. No Sul do Brasil, os conflitos envolvem pequenos proprietários rurais. No Norte e no Nordeste, frequentemente os índios brigam contra garimpeiros, grilagens, obras do governo, grandes propriedades, latifúndios muitas vezes desocupados. No Amazonas, no Pará, no Acre, em Mato Grosso, Rondônia e Goiás, há estudiosos que se dedicam a localizar povos para tentar protegê-los e evitar a destruição dos locais onde vivem. Tribos digitais É desejo de todo índio entrar e fazer parte da modernidade. A população brasileira ainda o associa ao estereótipo de 500 anos atrás. Para muitos brasileiros, em pleno século XXI, eles não podem usar roupas e nem ter óculos de sol ou aparelhos celulares. Estar inserido em um ambiente moderno e digital não significa abdicar de sua origem nem das tradições e modos de vida próprios. Trata-se apenas
de uma interação consciente com outras culturas. Mesmo usando os gigabytes, os índios mantêm suas tradições. Na verdade, a tecnologia ajuda a disseminar e reforçar essa identidade em um mundo cada vez mais global e, ao mesmo tempo, profundamente segmentário no que diz respeito à cultura, à ancestralidade, à origem étnica, a partir das quais os direitos econômicos, sociais, culturais contemporâneos se articulam e se fundamentam. As ferramentas de última geração são aliadas até na hora de vender os produtos feitos nas aldeias. Mas fazer parte de uma sociedade moderna tem um preço. Ou melhor, um pedágio. Revoltados com a construção da Rodovia Transamazônica (BR-230), há cerca de dez anos, os índios da etnia Tenharim cobram pedágio na região Humaitá, no sul do
Tudo começou com o Marechal Rondon Nascido no Mato Grosso, Cândido Mariano da Silva Rondon foi o idealizador do Parque Nacional do Xingu, quando mentor e diretor do Serviço Nacional de Proteção ao Índio (SNPI), meio século antes da saga dos irmãos Villas-Bôas. Militar, Rondon começou a “desenhar” um novo interior em 1892, valorizando seus moradores, os donos do centrosul brasileiro, que não eram outros senão as tribos caiamos, terenas, guaicurus e bororos (a mãe do Marechal era descendente desta última). Levou as linhas telegráficas do Rio de Janeiro a Cuiabá – onde tinha se formado professor – e de Cuiabá ao Acre, recém-incorporado ao País. Cândido Mariano da Silva Rondon – reconhecido em 1939 pelo IBGE como “Civilizador do Sertão” – abriu estradas onde ninguém passava, levou notícias entre o sertão inóspito e a civilização e demarcou áreas que protegeram os indígenas durante décadas. Descobriu o rio Jurema e inspecionou as fronteiras do sul com a Argentina e o Uruguai e também com as colônias europeias no norte, nas Guianas. Em 1913, o presidente americano Theodore Roosevelt o acompanhou pelo rio Amazonas porque sabia que com ele descobriria “outro mundo”. Foi um precursor como quase nenhum outro. Rondon, considerado “Grande Chefe” pelos índios silvícolas e “Marechal da Paz” pelos índios civilizados, só em 1956 – dois anos antes de morrer – recebeu a maior homenagem de todas por parte dos brancos: o então Território do Guaporé foi rebatizado e até hoje é denominado Estado de Rondônia. Atrás dele, chegaram os irmãos Villas-Bôas.
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Especial - Dia do Índio Amazonas, como forma de compensação pela chegada da rodovia, uma vez que não foram criadas alternativas para minimizar os impactos sobre a terra indígena Tenharim Marmelos. O clima é tenso desde dezembro de 2013. Os conflitos entre indígenas e a população se intensificaram após o desaparecimento de três homens, vistos pela última vez no dia 16 de dezembro de 2013, quando passavam de carro no quilômetro 85 da Rodovia Transamazônica. Moradores acusam os índios de os terem sequestrado em represália à morte do cacique Ivan Tenharim. A polícia instaurou inquérito para apurar os desaparecimentos. Os índios estão isolados nas aldeias. Impedidos de cobrar o pedágio e impossibilitados de se deslocar até a cidade, dependentes da assistência do governo federal. A Fundação Nacional do Índio (Funai) tem distribuído cestas básicas e medicamentos. O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF-AM) entrou com ação na Justiça Federal para responsabilizar a União e a Funai por violações aos direitos humanos das etnias Tenharim e Jiahui. O órgão alega que a construção da Rodovia Transamazônica, que passa dentro das áreas indígenas, provocou danos permanentes nas comunidades. O governo precisa encontrar uma nova forma de compensação para os impactos da obra. Assim, os índios não retomariam os bloqueios. Armadilhas Os problemas da população indígena não são causados apenas por agentes externos. É importante frisar que as variadas culturas das sociedades indígenas modificam-se constantemente e reelaboram-se com o passar do tempo, como a cultura de qualquer outra sociedade humana. E é preciso considerar que isto aconteceria mesmo que não houvesse ocorrido o contato com as sociedades de origem europeia e africana. As comunidades indígenas também vêm enfrentando problemas concretos e desafiadores, tais como drogas, depressão e alcoolismo. Este fator faz com que a taxa de mortalidade dos índios brasileiros seja três a quatro vezes maior do que a média nacional brasileira nãoindígena. Vários estudos traçam o mapa do consumo de bebidas alcoólicas por
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Os irmãos Villas-Bôas Orlando, Cláudio e Leonardo. De uma família de onze filhos, pai fazendeiro de café, os três tiveram de interromper os estudos na adolescência, depois que o pai ficou doente, vendeu a fazenda e trouxe todos para São Paulo (SP). No ano de 1941 o pai morreu e, cinco meses depois, a mãe. Os três deixam o casarão que a família ocupava no bairro de Pinheiros, alugam uma casa menor para os irmãos e vão para uma pensão na Vila Buarque, bairro no centro de São Paulo. Nada mais os prendia à cidade e decidiram juntar-se à Marcha para Oeste, projeto de ocupação do interior criado pelo governo Getúlio Vargas, em 1943. Na primeira tentativa de alistamento, foram rejeitados por serem muito urbanizados. Pouco tempo depois, Cláudio e Leonardo foram ao interior de Goiás para fazer uma nova tentativa, dessa vez passando-se por sertanejos analfabetos e acabaram sendo aceitos. Orlando, mais velho dos três, então com 29 anos, largou o emprego em São Paulo pouco depois para juntar-se aos irmãos. O objetivo inicial da expedição de vanguarda Roncador-Xingu, braço da Fundação Brasil Central, da qual tomaram parte, era abrir caminho e desbravar as áreas mostradas em branco nas cartas geográficas brasileiras. De início, os índios eram vistos como obstáculos a serem superados. No entanto, os Villas-Bôas, à frente da expedição, preferiram conduzir o contato com as tribos da região de forma pacífica e foram tocados por sua riqueza cultural. Entenderam logo que era necessário garantir-lhes algum isolamento e iniciaram os esforços que culminariam na criação do Parque Nacional do Xingu, em 1961, primeira terra indígena homologada pelo governo brasileiro. Foi justamente durante as negociações para a criação do parque que Leonardo teve que se afastar da expedição por ter se envolvido com uma índia da tribo Kamayurá, fato que chegou ao conhecimento da imprensa e causou escândalo na época. O mais jovem dos irmãos Villas-Bôas morreria pouco depois, em 1961, aos 43 anos, devido a problemas cardíacos. Cláudio e Orlando ainda se dedicariam à questão indígena até a morte, o primeiro em 1998 e o segundo em 2002. Para saber mais sobre os irmãos Villas-Bôas, assista Xingu (2012; direção de Cao Hamburger).
populações indígenas e da correlação alcoolismo-violência. De acordo com a Secretaria de Estado para os Povos Indígenas (Seind Amazonas), a presença de bebidas alcoólicas tem deixado espaço para a ocorrência de crimes como violência doméstica, suicídio, homicídio e envolvimento com narcotráfico. O acesso às aldeias é facilitado, principalmente, em
cidades fronteiriças onde há fragilidade na fiscalização. Soma-se a este quadro o aumento das doenças sexualmente transmissíveis. Índices preocupantes de uma pesquisa do Ministério da Saúde (MS) mostram o crescimento de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como sífilis e Aids, em aldeias indígenas. Em 2012, mais
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Mario? Que Mario? O primeiro deputado federal brasileiro de etnia indígena foi Mario Juruna. Nascido numa aldeia xavante do Mato Grosso, ficou famoso na década de 70 ao percorrer os gabinetes da Fundação Nacional do Índio, em Brasília (DF), lutando pela demarcação de terra para os índios, portando sempre um gravador “para registrar tudo o que o branco diz” e constatar que as autoridades, na maioria das vezes, não cumpriam a palavra. Foi eleito deputado federal pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT - 1983-1987), representando o estado do Rio de Janeiro. Sua eleição teve uma grande repercussão no País e no mundo. Foi o responsável pela criação da Comissão Permanente do Índio no Congresso Nacional do Brasil, o que levou o problema indígena ao reconhecimento formal.
de 45 mil pessoas de aldeias remotas ou de localidades de difícil acesso no Amazonas e Roraima passaram por testes médicos. Cerca de 18,59% dos índios avaliados apresentaram resultado positivo para a sífilis. O número representa um índice elevado da doença, até mesmo comparados à estatística da população geral do País. Também foram estudadas as áreas do Leste de Roraima, Alto Rio Negro, Médio Solimões, Vale do Javari e terras indígenas próximas à Manaus. Já o vírus HIV, causador da Aids, é encontrado com menor frequência, porém também deixa as autoridades em alerta. Enquanto o índice de soropositivos na população geral do País é de 0,6%, entre os povos indígenas os dados chegam a 3,4% em aldeias do Alto Rio Negro. A prevalência da doença em indígenas gestantes também preocupa: 0,08% das futuras mães de todas essas tribos possuem a doença e, sem tratamento adequado, podem transmití-la para os bebês. Fatores internos e externos são os causadores dessa vulnerabilidade indígena para as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como a ocupação ilegal de não indígenas e o turismo. Como fator interno foram apontados o desconhecimento sobre esse tipo de doença, o consumo de álcool, a restrição ao uso de preservativos, a presença de comunidade indígena em centros urbanos e as festividades com a participação de não indígenas. Outro fator alarmante é a resistência destes povos ao uso de métodos para prevenir as DSTs, além da própria falta de conhecimento em relação às alternativas. Atualmente, o Ministério da Saúde realiza prevenção diferenciada com povos indígenas. As ações são realizadas respeitando as especificidades de cada cultura. A abordagem e o aconselhamento são pensados e trabalhados nas aldeias dentro da peculiaridade de cada etnia. Os resultados obtidos devem ser enfrentados de acordo com a ética da medicina ocidental, mas o modo como cada etnia entende essas doenças também está nos planos de ações. O tratamento nos casos de diagnóstico de sífilis é realizado na própria aldeia e tem início imediatamente após a confirmação da doença. Os portadores de HIV são removidos para centros do Sistema Único de Saúde (SUS), em municípios próximos das aldeias onde vivem.
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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente
ÁGUA de beber
da redação
Enfim no Brasil, o mar em copinhos para matar sua sede
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m um mercado estimado atualmente em US$ 350 bilhões, valor que deve crescer em média 4,7% ao ano, atingindo US$ 530 bilhões em 2016, segundo estudos da Organização das Nações Unidas (ONU), uma empresa que se propõe a engarrafar água do mar após torná-la potável terá descoberto o toque de Midas para dominar o que já é chamado de “ouro do terceiro milênio”. Pois a Aquamare Beneficiadora e Distribuidora de Água Ltda., uma empresa 100% brasileira e empreendedora, com sede em Bertioga, no Litoral Norte de São Paulo, pode ter achado o caminho certo para esse “ouro” em alto-mar, a 22 quilômetros da costa e a 30 metros de profundidade. Depois de uma saga de mais de dez anos enfrentando burocracias tupiniquins que a obrigaram a deslocar-se para os Estados Unidos, agora já coloca no mercado brasileiro a marca Aquamais ou Aqua+, a R$ 3,00 cada copinho. É isso que faz há pouco menos de um ano, desde março de 2011, após uma batalha de uma década para a obtenção 22
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da licença para engarrafamento por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Geração saúde Para driblar uma ampla concorrência no setor de água mineral, a empresa decidiu selecionar um nicho específico do mercado, voltando-se para a chamada “geração saúde”. Explica-se: a principal diferença entre Aquamais ou H2Ocean e as águas minerais convencionais é a sua formulação físicoquímica. A água dos oceanos é rica em micro e macronutrientes, como o boro, o cromo e o germânio - elementos de que o corpo humano necessita em pequenas doses. Com a nanotecnologia, a Aquamare conseguiu, a partir da água recolhida em alto-mar, retirar o sal e manter grande parte desses minerais, componentes da base marinha de onde é captada. O processo inicial é o mesmo feito desde as primeiras décadas do século passado: a dessalinização. Depois de retirado o sal, restariam duas opções: ou todos os minerais são retirados da água ou ela continua salgada.
No entanto – aí está o pulo do gato da Aquamare – com uma sequência de nanofiltragens, conseguiu manter 63 dos 86 minerais ou oligoelementos contidos na composição inicial, minerais naturais essenciais para o organismo, em baixíssima concentração. A adição de bicarbonato de sódio ajuda a alcalinizar e harmonizar o trato digestivo, exigência da legislação brasileira. A água mineral comum contém de 12 a 20 elementos. Por nanofiltragem Surgiu assim a água de beber marinha. E pura água potável, só que extraída do alto-mar, a 22 quilômetros da costa de Bertioga e a 30 metros de profundidade mínima para evitar a presença de materiais em suspensão, como areia e outras partículas. Para chegar a esse resultado, os cientistas criaram um sofisticado filtro com nanotecnologia aplicada, o nanofiltro, onde todas as impurezas são retidas, ficando em sua composição apenas os elementos com os parâmetros mundiais de qualidade de água para consumo humano e acrescidos de bicarbonato de sódio.
Por receber um fino processo de filtragem, Aquamais é pura, leve, balanceada e extremamente agradável ao mais exigente paladar, como diz a propaganda oficial da empresa. E para saber se o resultado é bom, o brasileiro agora já encontra essa água em lojas de produtos naturais. Saga de dez anos A marca H2Ocean apareceu nos noticiários do jornalismo econômico em 2008, quando o Valor Econômico e a Gazeta Mercantil divulgaram o drama da empresa em busca de aprovação da Anvisa. Mas essa história começa antes, na passagem do século, por volta do ano 2000. O processo de dessalinização não é propriamente uma novidade. A primeira usina do gênero surgiu em 1928, na ilha de Curaçao, no Caribe. Na época, para tornar a água potável, usava-se o processo de destilação para evaporar a água do mar. Nas últimas décadas, uma enorme evolução tecnológica permitiu a expansão do negócio. Mas o que dois cientistas brasileiros conseguiram foi um avanço tecnológico sem precedentes. Os primeiros passos foram dados por volta do ano 2000, quando começaram a desenvolver a tecnologia de controle de minerais em água dessalinizada. Em seguida, somaram-se à dupla duas outras pessoas. Em 2003, conseguiram a patente do processo e passaram a bater de porta em porta para tentar comercializar a água. A batalha da legislação Ao longo de dez anos, foram investidos cerca de US$ 2 milhões na companhia. Todas as pesquisas foram feitas com recursos próprios dos quatro sócios. No início, o objetivo da H2Ocean era vender a água ‘nanotecnológica’ aqui no Brasil. Mas, segundo matéria da Gazeta Mercantil de julho de 2008, na seção Indústria, a direção da empresa teria procurado a Anvisa em outubro de 2006 para realizar o pedido de registro do engarrafamento do produto. Dois anos depois, em março de 2008, o pedido foi negado. A resposta teria sido a de que não havia legislação específica para esse tipo de água ser vendido no país por conta da sua fonte: o mar. A Aquamare fez uma segunda tentativa, voltando a solicitar a licença de
comercialização em dezembro daquele ano, enviando uma carta à Anvisa pedindo esclarecimentos sobre o que fazer para obter o registro. A resposta veio quatro meses depois, com a indicação de que a empresa deveria ‘importar’ uma legislação sobre o assunto. A Anvisa também informou, à época, que a empresa interessada na produção de água dessalinizada deveria apresentar, preferencialmente por intermédio de
uma associação, uma proposta regulamentação para avaliação”.
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Na terra de Tio Sam O mercado brasileiro fechado, com as dificuldades para obter o registro no Brasil (ver “A longa via-sacra da burocracia”) levou a Aquamare a mudar de estratégia. A empresa continuava interessada na aprovação da Anvisa, mas decidiu priorizar a busca de novos mercados. A opção foi pelos Estados Unidos.
Água mineral e água industrializada Para a Associação Brasileira da Indústria de Água Mineral (Abinam), há uma diferença clara entre águas minerais provenientes de fontes naturais e as provenientes de processos de produção industrial de água dessalinizada. A dessalinização é tida como processo industrial. “A água mineral é setor administrado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) – para garantir a composição química. No caso da água do mar, não sei até onde fazem a verificação para garantir essa água e, ao que parece, a Anvisa ainda não reconhece tais processos”, explica Ricardo Altgauzen, diretor-secretáriogeral da Abinam, em entrevista a NEO MONDO. Ao ser informado que a Aquamare cita em seus documentos a Resolução da Diretoria Colegiada ou RDC 274 da Anvisa, ele diz “que essa resolução não dá parecer sobre composição química, a análise de seus derivados, compostos ou inorgânicos que nós, os envasadores, temos que fazer anualmente. Ai medimos teor de cálcio / sódio / magnésio etc... Cada água tem seu DNA”. Perguntado se a água do mar não seria alternativa para o esgotamento de fontes de água doce, rebate; “ao contrário do que se divulga, as fontes de água mineral, as jazidas, não são facilmente esgotáveis pela exploração contínua. Por exemplo, em Lindoia, onde trabalhamos, a chuva que cai hoje, daqui a dez anos vai continuar chegando aos lençóis freáticos”. Ricardo ainda lembra que “no caso –– da água do mar, a produção dessalinizada pede alto consumo de energia, pelo processo de osmose reversa. Isso para Israel, para o Oriente Médio, de alta escassez do produto, justifica-se, mas para nós, aqui no Brasil, é de se questionar. Onde está a sustentabilidade aí? É processo sustentável? E voltamos a perguntar: estão mesmo legais? Vamos verificar isso”. Ao citar que a captação da água está de acordo com a Lei 9.433/1997 e obedecendo a padrões microbiológicos estabelecidos pela Portaria n.518 do Ministério da Saúde (Controle e Vigilância da Qualidade de Água para o Consumo Humano e Padrão de Potabilidade), Ricardo também questiona dizendo que “a Portaria 518 do Ministério da Saúde apenas determina padrões de água potável de rede, água de torneira, água da Sabesp”. A Aquamare, por sua vez, diz que defende o conceito de responsabilidade socioambiental e estimula o respeito ao meio ambiente, além de valorizar iniciativas ligadas à qualidade de vida. Consciente do compromisso com o planeta, a empresa investe em tecnologias e atitudes sustentáveis para o desenvolvimento de seus produtos, com o objetivo de minimizar os impactos ambientais. Um exemplo é a utilização de insumos 100% recicláveis: pet, papelão, copos, lacre e rótulos plásticos. Segundo a Aquamare, também o processo de captação de água não explora recursos hídricos de água doce, uma vez que a fonte é o mar e toda a água não processada na purificação volta para o oceano.
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Especial - Dia Mundial do Meio Ambiente “O registro da empresa saiu em três horas, e a água foi analisada em 15 dias. Nos EUA, conseguimos resolver em três meses tudo o que não conseguimos aqui em quatro anos”, relembra Rolando Viviane Jr., diretor de marketing da Aquamare. Lá a empresa optou pela marca H2Ocean. A venda da H2Ocean começou nos Estados Unidos, em três estados: Flórida, Nova Jérsei e Geórgia. Foram embarcados oito contêineres do produto ou 50 mil copinhos, feito inicialmente na fábrica de Bertioga. Essa etapa de atuação nos Estados Unidos serviu para que a Aquamare absorvesse detalhes da legislação estado-unidense sobre o negócio. Como já dito, em
apenas três meses, a empresa superou todos os entraves encontrados no Brasil para a comercialização. A rigorosa FDA A empresa conseguiu provar que sua água está de acordo com os padrões microbiológicos estabelecidos pela AWWA - APHA - WPCI - Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. Obteve, ainda, o Certificado Internacional da rigorosa Food and Drug Administration (FDA), órgão que controla a qualidade de alimentos e remédios dos Estados Unidos, reconhecida em 81 países. No caso do Brasil, a direção da Aquamare
cita que “a captação da água é feita de acordo com a Lei 9.433/1997, segundo os padrões microbiológicos estabelecidos pela Portaria nº 518 do Ministério da Saúde (Controle e Vigilância da Qualidade de Água para o Consumo Humano e Padrão de Potabilidade) e foi, enfim, reconhecida pela Anvisa como Água Adicionada de Sais Minerais, em conformidade com a RDC 274 de 22/09/2005”. Após onze anos de batalha chegam às prateleiras. Segundo a direção de comunicação da empresa, ainda é cedo para medir a reação do público. A empresa tem capacidade para produzir 1 milhão de copos d’água por mês em sua planta de Bertioga.
A longa via-sacra da burocracia Um trabalho publicado pela Universidade de Brasília informa que atualmente o mercado mundial tem cerca de 800 produtos de consumo utilizando a nanotecnologia, desde tecidos impermeáveis, tintas resistentes a riscos até cosméticos antirrugas, resultados da manipulação de partículas 100 mil vezes mais finas que um fio de cabelo. Um nanômetro equivale a um bilionésimo de metro. Um fio de cabelo tem entre 30 mil e 100 mil nanômetros de nanopartículas. A Aquamare é citada nesse estudo. A indústria vê na nanotecnologia o futuro do desenvolvimento de muitos de seus novos produtos. Existem, atualmente, no Brasil, 80 empresas que desenvolvem algum tipo de projeto nessa área mas pouquíssimas já conseguiram colocar os produtos no mercado interno. Isso porque os órgãos reguladores do governo não conseguem decidir o que é bom ou não para o consumidor. Entre esses produtos, está uma embalagem revestida de partículas de prata desenvolvida pela petroquímica Quattor há três anos: elimina odores e eleva o tempo de conservação de alimentos de uma semana para até 20 dias. Produtos semelhantes desenvolvidos na Ásia são vendidos ilegalmente em lojas de importados. Anos de paciência Um empresário que decida investir nesse nicho de água mineral –
qualquer água e não apenas a do mar – se vê obrigado a percorrer longa via-sacra que ainda demora anos no Brasil. Somente o primeiro passo, por exemplo, da descoberta da jazida de água mineral por um geólogo até a obtenção da licença de exploração da mina ou lavra, pode demorar de dois a quatro anos. Claro que antes de registrar a fonte, a análise físico-química e bacteriológica é feita para atestar a potabilidade e a vazão do poço. Na explicação da direção da Abinam, essa fase se faz junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). ”O DNPM verifica nas etapas anteriores à garrafa, como a água é captada, situação da fonte etc. Posteriormente, fala a Anvisa, sobre padrões biológicos de comercialização, exigências de logística, do depósito à distribuição nas lojas”, explica Ricardo, da Abinam. O processo pode tomar mais dois anos para outra série de estudos, com relatórios integrados de pesquisa com todas as informações de uma jazida, dados de vazão do poço para ver viabilidade de mercado, análises físico-químicas e bacteriológicas. Mais recentemente, passou-se a exigir estudo do Perímetro de Proteção da Fonte que deve ser protegida com áreas de reflorestamento ou para monitoramento em caso de lavouras próximas, agrotóxicos ou esgoto urbano. Em todo o território nacional, à exceção de Fernando de Noronha, há plantas de água mineral em pleno funcionamento. Para saber mais, há um vídeo sobre água do mar engarrafada em http://www.ceab.pro.br/blog/ciencias/2937/
Um Nicho Disputado Drama para países do Oriente Médio, Israel à frente, o abastecimento de água potável só é possível com o processo de dessalinização de água do mar. Embora conhecida há muito tempo, até recentemente a tecnologia para a dessalinização era considerada cara e pouco eficiente. Mas nas últimas décadas, uma enorme evolução tecnológica permitiu a expansão do negócio, que hoje vem tornando-se um dos nichos mais promissores do mercado de água. Concentrando 97,5% das águas do planeta, os oceanos tornam-se assim a maior fonte desse recurso. O custo médio do metro cúbico de água produzida hoje fica entre US$ 1 e U$ 1,5 — de 15% a 20% menor que há uma década. A primeira usina para dessalinizar água do mar surgiu em 1928, na ilha de Curaçao, no Caribe. Na época, para tornar a água potável, usava-se o processo de destilação pela evaporação. Hoje já existe uma Associação Internacional de Dessalinização reunindo 58 países. Grandes corporações transnacionais já investem nesse ramo. Só a General Electric, em sua subsidiária GE Water, possui 1.500 usinas mundo afora. Na capital da Argélia, uma dessas usinas, a Hamma Seawater, fornece água para quase um terço dos 3,5 milhões de habitantes da cidade.
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Mundo Animal
l e v í r c n Ai jornada Com menos de 15 gramas, as borboletas-monarcas encaram dois meses de viagem da redação
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ão 4.500 quilômetros. Dois meses de viagem. Três países. E, mesmo assim, os viajantes não demonstram nenhum sinal de cansaço. Não se engane, essa jornada não é percorrida por um grupo de mochileiros. Muito menos por pessoas endinheiradas e seus agentes de viagem. Uma das mais incríveis rotas conhecidas pelo homem é traçada por seres frágeis que não pesam mais do que 15 gramas: as borboletas-monarcas. Religiosamente a cada mês de agosto, essa espécie deixa o frio inverno do Canadá e do norte do Estados Unidos, e vai em busca das temperaturas mais amenas do México. Um comportamento incomum para a maior parte dos insetos de clima temperado. A borboleta-monarca, porém, não sobrevive a temperaturas baixas, que podem beirar facilmente os -15ºC. A pressão do clima gera uma nuvem de asas que colore o céu. A migração não encanta apenas pela beleza, pela distância ou então pelo inusitado da situação. Diferentemente do movimento anual das baleias e de certos tipos de pássaros, as monarcas só fazem o caminho da migração uma vez na vida. O tempo de vida de uma borboleta é curto. Dificilmente ultrapassa a marca de semanas. Isso quer dizer que a borboleta que vai ao México não regressa ao Canadá. São seus netos, bisnetos e muitas vezes os
tataranetos os responsáveis pelo caminho de volta. Sem nunca terem pisado nas frias paisagens canadenses, as novas gerações retornam exatamente para onde seus antepassados habitavam. E não é só isso. Durante o movimento, essas borboletas sempre descansam nas mesmas árvores e sempre chegam ao mesmo lugar, mesmo sem nunca terem estado lá. Ou seja, a cada ano, a jornada de ida e de regresso são feitos por marinheiros de primeira viagem. E esses marinheiros sabem exatamente onde parar, as árvores certas para descansar e o local exato do fim da viagem. Os cientistas não sabem explicar ao certo por que isso acontece. Algumas teorias dizem que se guiam pelo Sol. Outros acreditam que se direcionam pelo olfato. Mas a verdade é que ninguém sabe. A comunidade científica não tem ideia do porquê das monarcas não se perderem pelo caminho. Durante esses dois meses, viajam cerca de 75 quilômetros por dia. Algumas alcançam a marca dos 130 quilômetros diários. Para aguentar o ritmo intenso, alimentam-se exclusivamente do néctar das flores que encontram pelo caminho. Com isso, transformam-se em importantes agentes polinizadores. Um sem-número de plantas americanas e mexicanas só existe por conta da migração das monarcas. Quando finalmente chegam às montanhas
mexicanas, já no mês de novembro, as borboletas se juntam em colônias. Ao olhar de longe, a sensação é de que as árvores estão com as folhas alaranjadas. Mas, na verdade, o que se vê não são folhas. São milhares de borboletas amontoadas. Segundo estimativas, nessa época do ano amontoam-se 10 milhões de borboletas por metro quadrado. Contudo, esse número pode ser muito maior. Para proteger os animais, o governo mexicano criou a Borboleta-Monarca Biosphere Reserve – uma unidade de conservação que visa proteger a espécie. Com isso a fauna e a flora do local ficam intocadas. Árvores não podem ser derrubadas. Nada que interfira no comportamento das borboletas é autorizado. Assim, as monarcas geram um intenso turismo para o governo mexicano. Pessoas do mundo inteiro aproveitam o inverno para visitar as unidades de conservação. Nelas, é possível chegar perto das borboletas e vê-las amontoadas como se fossem folhas. Mas nada explica a sensação de apreciar, sempre em silêncio, o momento em que todas se desgrudam e começam a voar em busca de comida. Quando acaba o inverno e a primavera começa a despontar, as borboletasmonarcas preparam-se para partir. Nenhuma delas participou da viagem que as trouxe ao México. Mas pouco importa. De alguma maneira, elas sabem o caminho de volta. Neo Mondo - Abril 2014
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Mundo Animal
Os verdadeiros
REIS da ILHA Os morcegos são os animais que mais colaboram com o ecossistema cubano da redação
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s morcegos não são bonitos, não alegram as vitrines dos petshops e definitivamente não fazem parte dos animais mais queridos do mundo. Em Cuba, porém, a situação deles consegue ser ainda mais dramática. “Os morcegos fumam e bebem rum. E até chupam sangue! Como podem ser bichos bons?”, interrogou-me uma garotinha de seis anos enquanto visitava o Museu de História Natural de Cuba. Quer dizer, então, que são maus? “Claro!”, disse apontando para o fóssil de um desses bichos – como se nele estivesse a resposta para a minha estúpida pergunta. Não se engane, isso não é coisa de criança. A má fama dos morcegos é generalizada por toda a ilha. Isso acontece porque estão espalhados por todo o arquipélago cubano. Cuba é o país com o maior número de cavernas por metro quadrado. Logo, um paraíso para viverem.
Com o crescimento de algumas cidades e o grande número de morcegos, alguns chegam a habitar casas e edifícios – o que deixa a fama desses animais ainda pior. Em San Antonio de los Baños, a cerca de 30 km de Havana, chegam a viver em buracos na sala de casas. “É muito complicado, porque, quando anoitece, saem do buraco e começam a voar em círculos por dentro da minha casa. Até saírem pela janela”, conta Bernardo Alvarez. O homem, de cerca de quarenta anos, já tentou eliminá-los. Mas não conseguiu. “Eles venceram. O maior problema é que urinam em cima dos meus móveis.” Mesmo com cara e fama de maus, são um dos maiores agentes ecológicos de Cuba. Não é exagero dizer que grande parte da biodiversidade do arquipélago se deve a esses bichinhos injustiçados. “Todo mundo tem certeza absoluta de que morcego fuma. Porque, quando você captura um, ele morde o que estiver pela frente. Se colocarmos um cigarro perto da boca, ele morde e não
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Com seus pelos cobertos de pozinho os onipresentes morcegos “têm papel fundamental na regulação do ecossistema”
Esses “fantásticos seres” ajudaram até mesmo os castristas: abatem insetos perigosos de cavernas inóspitas onde era escondido armas e objetos
larga mais”, conta Gilberto Silva, 84, um dos maiores especialistas em mamíferos cubanos. “Aí, como fica muito agitado, respira pela boca e parece estar tragando o fumo.” Pode-se tirar a imagem de um grupo de morcegos fumando enquanto jogam pôquer. “Também não se alimentam de sangue humano. E muito menos bebem rum”, diz Gilberto. Dispersão de sementes Na verdade, muito pelo contrário. Os morcegos hematófagos (que se alimentam de sangue) são a minoria dentro do mundo animal. E essas espécies sempre bebem o sangue de outros bichos, nunca o de humanos. Em Cuba, não há qualquer espécie hematófaga. “Aqui, a maior parte das espécies come insetos e frutos”, explica Gilberto. No total, 26 espécies sobrevoam os céus cubanos, com características e comportamentos completamente diferentes. Algo em comum: os enormes benefícios ao ecossistema. Os morcegos são os grandes responsáveis pela dispersão de sementes. Saem à noite para se alimentar e espalham as sementes de diversos frutos caribenhos ao redor da ilha. Banana, abacate, jaca, manga, mamão e várias outras frutas não seriam tão abundantes, ou sequer existiriam, se não fossem esses animais. Outro fator importante são os insetos. Os morcegos são os únicos animais que podem ingerir metade de seu peso em alimento. Isso signifi ca que, a cada noite, toneladas de mosquitos, pernilongos e outros insetos perigosos simplesmente desaparecem.
Além disso, alguns chegam a comer rãs e até pequenos peixes. “São seres fantásticos. Têm um papel fundamental na regulação do ecossistema”, diz Silva. Outro ponto importante é a polinização. Algumas espécies também procuram o pólen das flores. E, quando se aproximam delas, cobrem seus pelos do pozinho. Nesse sentido, fazem um trabalho parecido com o das abelhas. Porém mais efetivo, pois podem carregar mais pólen colado preso em seus corpos. “Revolucionários” Os morcegos cubanos ainda tiveram uma importância fundamental na revolução pela qual a ilha passou em 1959. Soldados revolucionários utilizaram as infinitas cavernas para se esconder e guardar armas e objetos.
A caverna é um lugar de condições extremamente difíceis. É comum a temperatura ultrapassar os 45ºC. A umidade beira os 100%. Ficar dentro de uma delas é um teste para o corpo, que começa a suar e em poucos minutos parece que acabou de sair do banho. Isso sem falar na preocupação com a urina dos morcegos, que cai constantemente e pode transmitir leptospirose. Além desses pequenos mamíferos – os únicos voadores, diga-se de passagem – trilhões de baratas cobrem o chão, aranhas caranguejeiras do tamanho da palma de uma mão andam pelas paredes e caranguejos gigantes caminham de um lado para o outro. A caverna e sua condição limite criam um ecossistema único e ímpar. Lindo, para quem está acostumado a ver o
Gilberto Silva é quem mais entende de mamíferos em Cuba: “morcego morde tudo o que vê pela frente, mas não bebe sangue humano e, muito menos, rum”
Era estratégico. Chegar a uma caverna não é tarefa fácil. Grande parte delas fica literalmente no meio do mato. O acesso é sempre por uma trilha fechada, onde espinhos e o clima infernal do Caribe podem derrubar qualquer soldado.
mundo de fora. Mas um pouco difícil para quem o vivencia lá dentro. Por isso foi tão efetiva na Revolução. Pois é, de Fidel Castro aquela bananinha no café da manhã, tudo tem os dedos (e asas) de um morcego.
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Expedição & Aventura
7 dias de
SOLIMÕES Natureza, drogas e pedofilia no coração da floresta amazônica da redação
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a Amazônia, um rio é muito mais do que água correndo. Ali, é veia, é sangue e é vida. Curumins de comunidades ribeirinhas viajam durante mais de quatro horas de barco para ir à escola, enquanto botos, tucuxis e peixes-boi se entrelaçam com o rastro dos recreios. Em um lugar em que a discussão por mais estradas e caminhões não faz sentido, açaizeiros transitam nas margens e são as castanheiras que verticalizam o horizonte. Nessas estradas amazônicas, o único ruído vem dos milhares de estrelas refletidas na água. Foi por essa paisagem que eu e meu companheiro de viagem, o também repórter Mateus Luiz de Souza, decidimos caminhar. Ou melhor, navegar. Em sete dias, percorremos os mais de 1.600 km do rio Solimões, desde Manaus até a cidade de Tabatinga, na tríplice fronteira com a Colômbia e o Peru. DIA 1 Acordamos às 6 horas e arrumamos todas as nossas coisas. O plano era o seguinte: chegar cedo ao porto e pegar a lancha que levaria apenas dois dias até Tabatinga. Nosso objetivo desde o começo era chegar à fronteira o mais rápido possível. Estávamos em Manaus e, àquela hora, as primeiras pessoas saíam de casa para trabalhar. Os ônibus começavam a tomar as ruas e o calor já era insuportável. Por sono ou por acreditar que tínhamos muito tempo, decidimos caminhar até o porto. 28
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Numa chegada cinematográfica, assim que pisamos na margem vimos nossa lancha ganhando o rio, já a alguns metros de distância. Fizemos o que nos restava: ficamos alguns minutos vendo o barco partir. Sim, perdemos a lancha. Mas também recebemos a primeira lição da viagem: a pressa paulistana é incompatível com o lugar. A solução era encontrar outra maneira de chegar a Tabatinga. Não demoramos muito. Para chegar lá, seria necessário vencer todo o rio Solimões. Desde Manaus, quando ele e o rio Negro protagonizam o incrível Encontro das Águas e formam o rio Amazonas, até o lugar em que o Solimões entra em território brasileiro. Portanto, decidimos pegar um outro barco que subisse o rio e nos deixasse o mais próximo possível do destino. Compramos passagens para um barco em direção à cidade de Tefé, na metade do caminho. Mas não um barco qualquer. Passaríamos dois dias em um dos famosos e folclóricos recreios. É um barco relativamente grande e com um vão central livre, onde as pessoas amarram suas redes. Além de demorar o mesmo tempo da lancha perdida para chegar apenas até a metade do caminho, teríamos que amargar duas madrugadas no meio da Amazônia. É claro que não tínhamos uma rede na mala. Mas esse era o menor dos problemas. Comprar uma no porto de Manaus é
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relativamente fácil. Como o barco não tem ganchos, compramos também pedaços de corda para amarrar nossas futuras camas no teto do recreio. Foi uma das cenas mais patéticas. Nós, dois homens barbados, demoramos mais de 40 minutos para pendurá-las. Finalmente o barco saiu. Depois de acordar cedo e quase perder a viagem, testei a rede pela primeira vez e dormi. Perdi o Encontro das Águas, a cena do recreio deixando Manaus para trás e se embrenhando pela mata e as crianças da cidade correndo para acompanhar o curso da embarcação que se afastava cada vez mais. DIA 2 Dormir em um recreio não é nada fácil. É praticamente impossível encontrar uma posição confortável na rede. Os vizinhos se mexem durante a noite, e um chute sempre sobra para a sua cabeça. Pensando no calor amazônico, não levamos cobertores e sofremos com o frio da madrugada. O barco, claro, é completamente aberto. Isso sem falar no costume de apagar todas as luzes às 20 horas. Sem relógio, decidimos dormir nesse horário e acordamos às 3 horas, ainda escuro, achando que já era hora do café da manhã.
Logo cedo, a cena é de tirar o fôlego. Árvores de todos os tipos, pequenas casas que abrigam uma ou duas famílias e pássaros de todas as cores povoam as margens. O cheiro é de mato. De vez em quando, um boto coloca a barbatana para fora a fim de respirar. O barco vai devagar e produz ondas simétricas que se chocam com os infinitos galhos e troncos que boiam na água. A alimentação é relativamente tranquila. A parte boa é que o refeitório tem ar condicionado, o que o transformando -se na parte mais concorrida. Depois do almoço, uma menina de Manaus puxou conversa. “Você não é daqui, né?”. Quando contei que era de São Paulo e que estava fazendo uma reportagem na região, disse: “Eu percebi. Vocês demoraram muito para amarrar a rede”. E depois deu uma risada gostosa. DIA 3 Último dia de barco. Talvez pior do que dormir seja tomar banho dentro do recreio. O lugar é minúsculo e mais parece uma estufa. A parte boa é a água gelada, aliviando o calor que faz durante o dia. Balançando de um lado para outro e sem um lugar para apoiar o sabonete e o xampu, tomar uma ducha se transforma
em desafio. Se o banho não fosse a única maneira de retirar o suor que cola na pele, poucos enfrentariam a experiência. Chegamos a Tefé no meio do dia. Depois de tanta água, era bom pisar em terra firme de novo. Os outros passageiros desembarcavam de tudo: roupas, comida e até motos saíam de dentro do barco e ganhavam as ruas da cidade. Tefé tem 60 mil habitantes e um número impressionante de motocicletas. Com colete amarelo, os chamados mototáxis estão por toda parte. Mas nós precisávamos ir à fronteira. Conversamos com pessoas no porto e descobrimos que de Tefé não saem barcos para Tabatinga. A única maneira seria tomar uma lancha até Santo Antonio do Içá e depois outra até nosso destino. Ou então embarcarmos em algum avião. Passar dois dias cercados de água não é fácil. Mesmo um pouco mais cara, a ideia do avião era fantástica. Mesmo porque seria um desses famosos teco-teco, que voam baixo e costumam carregar apenas carga. Ou seja: mais uma aventura. Porém, não é nada fácil fugir do rio. Entramos em uma enorme lista de espera para pegar o voo e só conseguiríamos embarcar em duas semanas. A solução foi encontrar um hotel e se contentar com a passagem para Santo
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Expedição & Aventura
“Comprar uma rede é relativamente fácil... demoramos mais de 40 minutos para pendurar nossas camas no teto do recreio”
Antonio do Içá. A parte ruim é que o barco sairia apenas em dois dias. A boa é que finalmente dormiríamos em uma cama. DIA 4 O mercado público de Tefé impressiona. Frutas amazônicas se misturam com cabeças de gado e peças de roupa. É como se fosse uma 25 de Março paulistana às margens do rio. Mas não é pelo mercado que a cidade é famosa. Tefé abriga o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, criado em 1999. Uma das reservas ecológicas mais importantes do país, o Mamirauá tem uma área de 3,5 milhões de hectares destinados à preservação e à pesquisa do bioma amazônico. Por ser muito grande, populações ribeirinhas vivem dentro da reserva. Protegida pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a área promove ao mesmo tempo conservação da natureza e melhoria da qualidade de vida de seus habitantes. Se você não é cientista nem pretende desenvolver um estudo dentro do instituto, ainda assim pode visitar a reserva. A pousada flutuante Uacari oferece pacotes de 3, 4 e 7 noites, com 30
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visitas à reserva, contato com a população ribeirinha e diversas opções de trilha. É uma das poucas oportunidades de acordar, abrir a janela do quarto e dar bom-dia para um jacaré. Para maiores informações, visite o site: www.uakarilodge.com.br. DIA 5 Acordamos cedo para não perder a lancha. Afinal, não podíamos cometer o mesmo erro duas vezes na mesma viagem. A lancha é muito diferente de um recreio. Como as viagens costumam durar apenas 12 horas, não há espaço para pendurar redes ou local para tomar banho. A embarcação é repleta de bancos, como se fosse um ônibus. Por excesso de pessoas, fui obrigado a ficar na parte posterior do barco. Essa área normalmente é aberta e com assentos improvisados, sem lugar para apoiar as costas. Nesse dia, o vento estava muito forte e, somado à velocidade da lancha, transformava o fundo do barco em um pequeno ciclone. Por conta disso, minha passagem voou e foi engolida pelo rio Solimões. Assim como no recreio, as lanchas também oferecem almoço. Mas a vida
na rede e no recreio é mais divertida. Por conta do tempo, todos começam a conversar e não é incomum desembarcar com um novo melhor amigo. A relação nos barcos rápidos é mais fria. Há pouca conversa e todos esperam ansiosos para chegar ao destino. Chegamos a Santo Antonio do Içá durante a noite. O porto é um dos mais feios entre os que vimos pelo caminho. Ao desembarcamos, ouvimos histórias de um incêndio que ocorrera dias antes. Uma central elétrica no meio da floresta pegou fogo e metade da cidade estava sem luz. Claro que o hotel onde iríamos nos hospedar ficava na zona apagada de Santo Antonio. A cidade era um breu. Sem a luz das motos era impossível enxergar a um palmo de distância. Mesmo as estrelas e a lua, clareando o céu, não ajudavam muito. Com isso, a cidade tinha tons sinistros. Árvores ganhavam contornos fantasmagóricos. Os poucos pedestres caminhavam calados, como se seguissem para um enterro às escuras. Ao chegar ao hotel, tudo estava iluminado à luz de velas. Era uma casa grande, repleta de quartos. Pelos cantos, esculturas de animais amazônicos que,
iluminados pelas chamas, pareciam nos seguir com olhares. Para acabar com o clima de filme de suspense, decidimos ir a uma festa. Dois paulistanos numa balada em Santo Antonio do Içá. A cena é quase dantesca. Quando chegamos, uma fila de garotas de minissaia desfilava pelo palco e dançava ao ritmo de funk carioca. Era um concurso entre as meninas da cidade, a maior parte delas menores de idade, de quem rebolava mais. Ali, meninas de 14 anos oferecem sexo. Meninas de 20 anos já estão casadas e com filhos. Nesta festa conhecemos Maria. Com traços indígenas muito fortes e apenas 14 anos, disse ter se apaixonado por nós. Enquanto víamos homens do Exército levar meninas para fora da boate, Maria insistia para que fôssemos a outro lugar. Dizia já ter estado com vários homens e que, por ela, se casaria e viria morar em São Paulo. DIA 6 Talvez pela cerveja barata ou pelo cansaço de estar no coração da floresta amazônica, dormimos o dia todo. O domingo em Santo Antonio do Içá é um grande marasmo. Salvo por algumas motocicletas que desafiam as
leis da física ao transportar seis pessoas ao mesmo tempo, nada se move na cidade. Compramos finalmente nossa passagem para Tabatinga. A lancha sairia no dia seguinte pela manhã. Ao voltar para o hotel, encontramos alguns policiais militares de Manaus que foram transferidos para Santo Antonio. Rostos eram de desolação. “Não aguentamos mais ficar aqui. A cidade é muito pequena, nada acontece”. “Acho que já conhecemos todas as mulheres daqui”, contou um deles, que foi abandonado pela mulher ao ser transferido. Contaram que policiais militares atuam na região por conta do tráfico de drogas. O rio Solimões é a maior porta de cocaína do país. A droga vem da Colômbia e chega de barco, para depois ser distribuída pelo Brasil. “O problema é que chega em barcos pequenos. Quando fazemos uma ronda com a lancha da polícia, as voadeiras com cocaína escutam de longe e se escondem em algum afluente. Quando passamos, continuam seu curso tranquilamente.” DIA 7 Acordamos mais cedo do que todos os
outros dias. O medo de perder a lancha para Tabatinga era grande. Quando embarcamos, o peito ficou pesado. Este seria o último trecho que percorreríamos no rio Solimões. A água barrenta do rio contrastava com o nascer do sol. O rio Solimões é um rio de águas brancas, ou seja, rico em muitos nutrientes. Por isso, a vida aquática em suas águas é abundante. A quantidade de peixes, mamíferos e mosquitos impressiona. Nosso percurso até Tabatinga foi cheio de curvas, sinuosidades e nutrientes. A última surpresa aconteceu a poucos quilômetros de Tabatinga. Depois do pôr-do-sol mais laranja da minha vida, a gasolina da lancha acabou. A viagem, que normalmente duraria 12 horas, levou 16 horas para ser terminada. Ao pisar no porto de Tabatinga, sentíamos um misto de alívio e felicidade. Alegria por não ter pego um avião em Tefé, por ter perdido a lancha em Manaus, por ter aprendido a amarrar uma rede e por percorrer toda a extensão de um dos rios mais importantes do nosso país. Os alimentos dessa viagem foram mais do que suficientes para crescer uma nova fauna dentro de nós. Divulgação
“A pressa paulistana é incompatível com o lugar em que o rio é veia, é sangue, é vida... cresce uma nova fauna dentro de nós”
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“Constituição está pronta;
tem que cumprir” A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e o respectivo Plano resultam de ampla consulta pública, mas dependem do empenho dos municípios em vencer desafios da redação
C
onhecido em muitos aspectos por ser um país bom de leis, o Brasil dispõe, depois de duas décadas de amplas discussões, do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305), resultante da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), contida no Decreto 7.404. Importa-nos menos saber do emaranhado de capítulos, artigos, parágrafos, itens e subitens, típicos dos instrumentos legais, e mais destacar o quanto foi decisiva a participação de setores representativos da sociedade no processo. O professor Valdir Schalch, da Unidade de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), é taxativo ao se referir ao Plano: “É a nossa constituição do lixo. Tem que cumprir”. Especialista em resíduos sólidos, Schalch aponta os próximos passos: “Agora é a vez das prefeituras”. Vencida essa primeira – e longa – etapa, o correto tratamento do lixo no país vai depender da pressão e do entendimento entre as partes envolvidas para que a lei se concretize no dia a dia das cidades. O que vale dizer: mais uma vez, a desejada decisão política, principalmente das prefeituras, é que fará a diferença. Afinal, são 5.565 municípios brasileiros que terão, entre outras tarefas, de acabar com os lixões, construir aterros sanitários e instituir a coleta seletiva. O prazo para apresentar seus planos vencia em 2012, e até 2014 deverão adotar novo procedimento. O governo federal criou comitês e grupos de trabalho para analisar e discutir a implantação do Plano. As prefeituras resistem, alegando principalmente a falta de recursos. O acordo entre as duas partes, que envolve o setor industrial, vai disciplinar a destinação de 180 mil toneladas/dia de lixo urbano produzidas no país por dia. A previsão de investimento do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que coordena o assunto no governo Dilma Rousseff, é de R$ 8,5 bilhões em gastos para a União, estados e municípios. Já a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que a despesa para as prefeituras chegará a R$ 53 bi1hões. O que leva o presidente da CNM Paulo Ziulkoski a lamentar: “É a vez de as prefeituras se encalacrarem mais ainda. Uma coisa é a lei. Outra, a execução”. Ziulkoski critica o governo federal por criar regras sem consulta e – com a autoridade de quem liderou nos
últimos anos a Marcha dos Prefeitos a Brasília, com cerca de 4 mil integrantes – alega que os municípios não têm condições de cumprir a legislação nem os prazos previstos. “Não há recursos, não há fonte de arrecadação adicional. Dizem que o governo federal vai ajudar, mas é um sonho”, avalia. A crítica à falta de consulta não nos parece válida, pelo que pudemos conferir de perto em evento realizado há um ano (ver “Ministra quer Plano inclusivo”), que contou com a presença, entre outros, do arquiteto Nabil Bonduki, secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do MMA. Ao reforçar, hoje, a responsabilidade das prefeituras, Nabil lembra que há grupos de trabalho criados para tratar do assunto – em que participam governo federal, estados, municípios, indústria e catadores – com o objetivo de chegar a um consenso “e não a uma imposição”. O Plano passou por amplo processo de consulta pública. “Metas avançadas é positivo” Responsável por um diagnóstico para embasar os debates, o Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea) procura distanciarse da polêmica. “A regra que estabelece o ano de 2014 sem lixões está fadada a não atingir a totalidade, mas ter metas avançadas é muito positivo”, acredita Albino Rodriguez Alvarez, técnico em planejamento. “Se deixar solto não sai”, reforça Estanislau Maria, coordenador do Instituto Akatu, ONG voltada ao consumo consciente. A possibilidade de combate à latente corrupção entre prefeituras e empresas de coleta de lixo é lembrada por Rômulo Sampaio, coordenador do Programa de Direito e Meio Ambiente da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ). Nos lixões, explica, não há controle da quantidade de resíduos despejados, o que pode propiciar o superfaturamento. “No aterro sanitário é tudo controlado, a quantidade é pesada. Diminui a margem de corrupção e a possibilidade de manipulação dos contratos”, diz. O novo marco prevê ainda a logística reversa (instrumento que responsabiliza as empresas pela destinação de seus produtos depois de usados) em cadeias produtivas como as de eletroeletrônicos,
* Com informações da Agência Brasil, jornal Valor Econômico e revista Época 32
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lâmpadas fluorescentes, óleo lubrificante, entre outros. A questão financeira também preocupa as indústrias, porque esta obrigação deve gerar novos custos para as empresas. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) defende a concessão de incentivos fiscais para cumprir a legislação. “Está na lei, mas é vago, temos que discutir com o governo”, afirma Nelson Pereira dos Reis, diretor de Meio Ambiente da Fiesp. Processo participativo A socióloga Elisabeth Grinberg, coordenadora-executiva do Instituto Pólis, participoudas audiências que resultaram na redação final do Plano. Beth destaca que foi construído em um processo participativo, recebendo sugestões de todos os setores envolvidos. A última audiência, em Brasília, definiu o texto final que vai entrar em vigor no próximo ano. São três os principais pontos da política: • fechamento de lixões: até 2014 não devem mais existir lixões a céu aberto no Brasil. No lugar deles, devem ser criados aterros controlados ou aterros sanitários. Os aterros têm preparo do solo para evitar a contaminação de lençol freático, captam o chorume que resulta da degradação do lixo e contam com a queima do metano para gerar energia; • só rejeitos nos aterros sanitários: são aquela parte do lixo que não tem como ser reciclado. Apenas 10% dos resíduos sólidos são rejeitos. A maioria é orgânica, que em compostagens pode ser reaproveitada e transformada em adubo, e reciclável, precisando ser devidamente separada para a coleta seletiva; • planos de resíduos sólidos nos municípios: os planos municipais serão elaborados para ajudar prefeitos e cidadãos a descartar de forma correta o lixo. Outro importante avanço da política é a chamada “logística reversa”. Na prática, a logística reversa diz que uma vez descartadas as embalagens são de responsabilidade dos fabricantes, que devem criar um sistema para reciclar o produto. Por exemplo, uma empresa de refrigerante terá que criar um sistema para recolher as garrafas e latas de alumínio e destiná-las para a reciclagem. Para Beth, a implementação da logística reversa é totalmente viável, como mostram exemplos de cidades europeias e inclusive de algumas cidades brasileiras. “A logística reversa é possível. Um exemplo disso são os países europeus, que encontraram soluções compatíveis com a realidade deles.” Segundo a socióloga, uma das diferenças é que no Brasil se pensou uma forma de integrar os catadores e as cooperativas no plano, buscando recolocação profissional. A polêmica dos incineradores Apesar de todos os pontos positivos do plano, Beth encontra uma falha. Em um dos artigos, a política cria uma brecha para a instalação de tecnologia de incineração do lixo. Segundo a pesquisadora, é uma falha porque os incineradores não são economicamente viáveis para pequenos municípios e queimam um resíduo que poderia estar sendo devidamente reciclado, poluindo o ar. Maurício Waldman, um dos especialistas mais respeitados na questão do lixo, a pedido de NEO MONDO, esclarece: “Os incineradores são
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Schalch, da USP em São Carlos: “agora é a vez das prefeituras”
parte integrante dos modelos de gestão dos resíduos e é correto afirmar que em algum momento podem entrar em operação. Atualmente, a incineração é vista por muitas administrações como uma solução para dar conta do lixo urbano, mesmo porque as áreas disponíveis para aterros estão desaparecendo”. Cita dado de 2010 da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), em que uma quarta parte dos municípios paulistas exporta seu lixo para outras cidades. E prossegue: “Muitos também argumentam que os incineradores são uma solução do Primeiro Mundo que pode ser transplantada sem maiores delongas para o Brasil. Mas isso não é verdade. Não adianta falar que a Alemanha e os Estados Unidos têm incineradores. Lá usam a incineração, porém reciclam respectivamente 48% e 31% do lixo. Nós ainda estamos patinando nos 13%, e isso graças ao trabalho informal dos catadores”. Isso posto, Waldman conclui: “No caso de São Bernardo caberia a ressalva, com base em informação obtida no site da municipalidade, de que apenas cerca de 1% dos resíduos é reciclado. Então existe um longo caminho a ser percorrido antes de jogar lixo nas fornalhas. A combustão do lixo gera substâncias prejudiciais à saúde humana, é um processo caro, gera dependência tecnológica e, ainda por cima, prejudica os catadores e destrói implacavelmente materiais que poderiam ser recuperados. É uma solução pobre, a ser pensada mais criteriosamente”. Outra contribuição de Waldman, que a nosso ver deve ser levada em conta pelos que estão à frente de executivos municipais,
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Agência LAR/CNM
Umberto Patracon/EESC
Lixo - PNRS
Ziulkoski, da CNM: “uma coisa é a lei, outra coisa a execução... faltam recursos”
é quanto à importância das cooperativas. O especialista começa por diferenciar catação de Coleta Seletiva de Lixo (CSL). “Essa última refere-se aos programas institucionais dos governos, basicamente das administrações municipais. Já a catação é baseada no trabalho informal dos catadores, que atualmente agrega 1 milhão de pessoas. Os catadores respondem pelo essencial dos materiais que seguem para a indústria recicladora, representando 98,1% do total. Apenas 1,9% fica por conta da CSL. Contudo, apesar da sua importância para a recuperação dos resíduos, os catadores são marginalizados tanto pelo governo, no que se refere ao apoio e benefícios sociais, como também por segmentos da sociedade, que não valorizam a atuação desses trabalhadores, fundamentais para assegurar o equilíbrio urbano e a prática recicladora”. Waldman recomenda: “Precisamos não apenas fortalecer o trabalho dos catadores em todos os sentidos, mas simultaneamente desenvolver uma eficaz engenharia de gestão do lixo. Para se ter uma ideia, dos 5.565 municípios brasileiros, apenas 142 – ou seja, somente 2,5% do total – mantêm parceria com cooperativas de catadores. Precisam de espaço para proceder a triagem dos materiais coletados, para se recuperar do esforço diário; solicitam linhas de crédito e menos burocratização na formação das cooperativas. Sabemos que o controle por parte do Estado é necessário. Mas isso não pode impedir a sua organização. Existem também sequelas sociais e educacionais. Parcela importante da população catadora desconhece a prática do trabalho em conjunto e muitas vezes mostra resistência à organização da catação no trabalho cooperado”.
Três eixos oficiais O governo, por sua vez, acena com programa para tratamento de resíduos sólidos baseado em três eixos: Brasil sem Lixão, Recicla Brasil e Pró-Catador. A informação é do ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e as ações do programa estão estruturadas no sentido de cumprir as determinações do Plano Nacional de Resíduos Sólidos. O primeiro eixo terá ações conjuntas entre estados, municípios e o governo federal, para eliminar os lixões de todas as cidades até agosto de 2014. O segundo irá estimular a reciclagem, e o Pró-Catador atuará para estruturar as cooperativas e tornar os catadores um elo importante para o alcance das metas do plano nacional. O programa, até o fechamento desta edição, estava na fase final de elaboração e, de acordo com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, os próximos passos são formatar os aspectos jurídicos e discutir o texto com a presidente Dilma Rousseff. Ao falar sobre um dos maiores desafios do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que é a eliminação dos lixões até 2014, a ministra lembrou que, a partir do Plano, essa passou a ser uma responsabilidade compartilhada entre os entes federados. “Esse esforço não é só do governo federal, é de competência também dos estados e municípios e dá a todos a responsabilidade de lidar com a questão do fim dos lixões, de incrementar a reciclagem, a logística reversa, de discutir as regiões do país que não têm aterros sanitários”, disse logo após participar da abertura do encontro Diálogos Sociais Rumo à Rio+20. A ministra observou também que muitas cidades ainda não têm a infraestrutura para implementar o patamar necessário de reciclagem no país. Conforme o texto do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, após o dia 2 de agosto de 2014, o Brasil não poderá ter mais lixões, que serão substituídos pelos aterros sanitários. Os aterros vão receber apenas rejeitos, ou seja, aquilo que não é possível reciclar ou reutilizar. Os aterros são estruturas que contam com preparo do solo para evitar a contaminação de lençol freático, captam o chorume que resulta da degradação do lixo e contam com a queima do metano para gerar energia.
Ministra quer Plano inclusivo
Ministra Izabella levou o debate para além das elites ao falar...
NEO MONDO entende que está mais que na hora de a classe trabalhadora entrar de vez neste debate da maior relevância, ainda mais naquele momento em que o governo federal colocava em consulta pública a primeira versão do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, em cumprimento ao Decreto 7.404, que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Se o governo aposta na sua iniciativa (ver “Para entender a PNRS e o respectivo Plano), a ministra faz o mesmo com a classe trabalhadora. Recém-chegada, então, de viagem ao exterior, Izabella foi incisiva, ao afirmar que a questão ambiental tem de levar em conta a realidade de cada local dos quase 6 mil municípios brasileiros, e por isso a política ambiental do governo deve tratar dos extrativistas do Pará e dos cooperados de São Bernardo do Campo com a atenção que todos merecem, respeitadas as peculiaridades de cada grupo. Além das elites Para a ministra, “a ordem do dia é falar de meio ambiente na perspectiva dos direitos humanos. Temos de construir uma
Raquel Toth / PMSBC
pauta com os trabalhadores sem restringi-la às elites”. Trata-se, em suma, de fazer valer o direito à inclusão do trabalhador na questão ambiental, na linha de frente das ações. Izabella pediu aos presentes que tenham orgulho do meio ambiente brasileiro pela sua potencialidade e pela biodiversidade sem igual. O que, garante, será possível com tecnologia e capacitação. “Não se planta sem meio ambiente; não se vive sem comida. Meio ambiente é gerar riqueza, bem-estar. Como pode a região (potencialmente) mais rica de São Paulo ser também a mais pobre”, disse referindo-se ao Vale do Ribeira. Insistindo na tecla do respeito às desigualdades regionais, a ministra anunciou que entre suas prioridades está a valorização dos catadores de material reciclável (”estes são ecologistas de fato”, disse), ao mesmo tempo em que se empenhava em
Raquel Toth / PMSBC
São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, viveu na noite de 23 de setembro de 2011 mais um momento histórico. O Sindicato dos Metalúrgicos recebeu a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o cientista político e ex-ministro, Paulo Vannuchi, e a filósofa e historiadora Marilena Chauí, que estiveram à mesa de debates para o anunciado grande diálogo, realizado pelo deputado federal Vicentinho, sobre “Os trabalhadores e o meio ambiente”. O auditório lotado recebeu um público eclético, composto por estudantes de três instituições de ensino superior, professores, metalúrgicos, químicos, profissionais liberais, sindicalistas, quilombolas do Vale do Ribeira, políticos da região e de outras cidades do interior paulista. Nada mal para a cidade que já foi definida como a “capital social do País”.
... a um público eclético: “catadores são os ecologistas de fato”
reverter, no Senado, a aprovação do Código Florestal. Ela reconhece que a legislação avançou em alguns aspectos, mas deve ser corrigida. Para Izabella, “quem desrespeitou no passado o meio ambiente (em larga escala) tem de pagar, não pode ser anistiado”. E defendeu o bom senso nos debates no Legislativo, ao referir-se às áreas de preservação permanente (APPs). Para a ministra, cuidar da biodiversidade é saber conservar gerando renda por meio da regularização das reservas legais, entre outros mecanismos. Seu ministério, nessa linha de atuação, deve dar atenção especial ao correto tratamento do lixo. Daí a importância do Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Direciona-se ao incremento de energias renováveis, dos empregos verdes (“área em que o País pode ser modelo”, considera) e contrapor a agroecologia à ameaça agrotóxica são outros compromissos de seu governo. Um conjunto de ações que pressupõe participação de todos, daí a importância estratégica das consultas públicas. Izabella entende que só assim é possível viabilizar novas políticas no campo porque “País, de fato, é o que consome”.
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Lixo - PNRS
Para entender a PNRS e o respectivo Plano Lançada em 1º de setembro de 2011 pela ministra do Meio Ambiente, durante reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a consulta pública à primeira versão do Plano Nacional de Resíduos Sólidos é vista pelo governo como importante passo para cumprir o Decreto 7.404, de 2010, que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). O documento ficou disponível no site do MMA pelo prazo mínimo e de 60 dias. Foram realizadas audiências públicas nas cinco regiões brasileiras e em Brasília, com o objetivo de debater as diretrizes e metas do Plano. A consulta pública teve como objetivo ampliar as discussões sobre o Plano, mobilizando a sociedade e envolvendo seus
diversos setores. O conteúdo foi elaborado pelo Ipea e “cumpriu o papel de oferecer elementos de avaliação, de construção e de monitoramento das políticas públicas brasileiras”, disse o presidente do Instituto, Márcio Pochmann, na cerimônia de lançamento. A determinação da PNRS de erradicar os lixões em todo o país até 2014 é vista como um desafio para o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do MMA, Nabil Bonduki. O secretário ressalva, porém, que o diagnóstico realizado pelo Ipea pode nos deixar “mais otimistas” para cumprir a meta. Segundo Nabil, entre 2000 e 2008, o Brasil conseguiu melhorar de 38% para 58% o descarte adequado
de resíduos sólidos em aterros sanitários. “Isso sem que houvesse uma Política Nacional de Resíduos Sólidos. Esperamos avançar um pouco mais com a nova lei ambiental”, afirmou. Para a ministra Izabella, “com esse investimento maciço em reciclagem promovemos ainda a inclusão social dos catadores, com a formação e a construção de cooperativas, qualificando profissionalmente essas pessoas. São os verdadeiros agentes ambientais no dia a dia das grandes cidades brasileiras. São eles que recolhem o lixo com os serviços de limpeza urbana”. Metas O instrumento legal que institui a PNRS
Com o dedo na ferida
Descaso do poder púbico “A questão do lixo urbano emergiu como um problema nacional a ser equacionado apenas recentemente, há duas décadas aproximadamente, embora a produção de lixo seja bastante antiga. Evidentemente ações foram realizadas num ou noutro município, como em Santo André, nos anos 1970, mas eram exceções. Durante décadas o poder público navegou nas ondas do desprezo pelo tema, quando não da ignorância. Lixões escancaravam o esgoto físico das grandes cidades, mas como normalmente estavam longe aos olhos dos moradores das cidades, o aspecto horrendo e odor repugnante eram compartilhados apenas pelos trabalhadores do setor e aqueles que dele retiravam seu sustento. Na medida em que o debate ambiental foi ganhando corpo no seio da 36
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sociedade, as preocupações com o manejo do lixo urbano entraram nos planos de governo dos candidatos a prefeito e se transformaram em políticas públicas para o setor.” Participação popular “Apesar de a coleta do lixo urbano ser de responsabilidade dos governos municipais, o governo federal promulgou a Lei 11.445 em janeiro de 2007 que traça diretrizes para o saneamento básico no Brasil, incluindo transporte e acomodação, a limpeza urbana e o manejo dos resíduos sólidos. Iniciativa importante no sentido de padronizar o serviço público, uma vez que a fragmentação das políticas públicas municipais nem sempre dava um tratamento adequado ao serviço. “Uma questão importante é a participação popular na gestão dos resíduos sólidos. O controle social aparece nos fundamentos da lei e é a única garantia efetiva de prestação de serviço com qualidade, eficiência e preços justos. A Confederação Nacional dos Municípios aponta que ‘em geral os serviços de limpeza urbana municipal custam em torno de 7% a 15% dos recursos de um orçamento municipal, dos quais entre 50% e 70% são destinados à coleta e ao transporte do lixo. E tendem a ser um item de peso no caso da avaliação municipal pela população, sem contar que a otimização desses serviços
Arquivo Pessoal
O geógrafo e mestre em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), Ricardo Alvarez, a exemplo de Waldman, põe logo o dedo na ferida ao abordar assunto tão controverso – que, para ele, “não deveria ser” – quanto a coleta seletiva e reciclagem do lixo. Sente-se à vontade numa região, o ABC paulista, onde também é educador, editor do site Controvérsia (www.controversia.com.br) e já deu sua contribuição como vereador em Santo André. Acompanhe os principais tópicos da entrevista concedida por e-mail a NEO MONDO:
Ricardo Alvarez: “a educação ambiental é nula e a participação popular, inexistente”
gera significativa economia no uso dos recursos públicos. São ações do serviço publico municipal: a coleta do lixo e o seu transporte para as áreas de tratamento ou destinação final. O lixo precisa ser transportado de forma mecânica, da geração até o destino final’ (www.cnm. org.br). Ninguém melhor que o cidadão para fiscalizar a coleta, para promover a reciclagem, para acompanhar as
ABr
ABr Arquivo Pessoal
é bastante atual e contém instrumentos importantes para permitir o avanço necessário ao País no enfrentamento dos principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado no que concerne ao marco legal e inova com a inclusão de catadoras e catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis, tanto na logística reversa quanto na coleta seletiva. Além disso, os instrumentos da PNRS ajudarão o Brasil a atingir uma das metas do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, que é a de alcançar o índice de reciclagem de resíduos de 20% em 2015. Prevê a prevenção e a redução na geração de resíduos, tendo como proposta a prática de hábitos de consumo sustentável e um conjunto de instrumentos para propiciar o aumento da reciclagem e da reutilização
dos resíduos sólidos (aquilo que tem valor econômico e pode ser reciclado ou reaproveitado) e a destinação ambientalmente adequada dos rejeitos (aquilo que não pode ser reciclado ou reutilizado). Institui a responsabilidade compartilhada dos geradores de resíduos: dos fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, o cidadão e titulares de serviços de manejo dos resíduos sólidos urbanos na logística reversa dos resíduos e
embalagens pré-consumo e pós-consumo. Cria metas importantes que irão contribuir para a eliminação dos lixões e institui instrumentos de planejamento nos níveis nacional, estadual, microrregional, intermunicipal e metropolitano e municipal; além de impor que os particulares elaborem seus Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos. Também coloca o Brasil em patamar de igualdade aos principais países desenvolvidos no tratamento dos resíduos sólidos.
licitações e fiscalizar a realização dos serviços conforme o contrato”.
cultura do ‘ter’. Coisa difícil em se tratando de capitalismo, mas necessária”.
Carrinheiros, homens-cavalo “Quando setores da sociedade começaram a se preocupar com a produção do lixo urbano e suas implicações, muitos brasileiros – à revelia do poder público e por necessidade de sobrevivência – já realizavam a reciclagem. Os carrinheiros, homens-cavalo, catadores de ferro-velho e garrafas, seja lá qual for a denominação, foram os primeiros recicladores sociais e desempenharam um importante papel neste processo de tomada de consciência. Mostraram que o lixo de uns pode ser o sustento de outros. Mostraram ainda que materiais aparentemente inservíveis podem ser reaproveitados economizando recursos naturais. Dedico a estas pessoas o mérito do início prático deste debate que é hoje nacional. “Entendo que as prefeituras devem fazer intensa campanha nas escolas, centros comunitários, residências, estabelecimentos comerciais, entre outros, orientando para a necessidade da reciclagem. Não basta a boa vontade, é preciso educação ambiental. Mas é preciso também ir além e mostrar que a reciclagem tem fortes limites determinados pela cadeia de produção. Para se chegar ao pote de margarina que descartamos, muito lixo já foi produzido; sendo assim é absolutamente necessária uma mudança no padrão de consumo, uma mudança no comportamento e na
Modelo andreense esgotado “A Usina de Compostagem de Santo André funcionou por duas décadas e se esgotou (anos 1970 e 1980 basicamente). O poder público acreditou na viabilidade da comercialização do ‘composto’ derivado do lixo úmido, mas este se mostrou inviável comercialmente. Foi uma iniciativa cara, pioneira, mas importante. Além disso, boa parte do lixo seco era aterrado comprometendo a vida útil do aterro que está chegando ao seu limite. A Usina pecou por dois motivos: a) o foco das preocupações era com o lixo úmido; b) o poder aquisitivo da população de Santo André foi aos poucos ampliando o peso do lixo seco sobre o úmido”.
questão da geração de emprego e renda, seria pela via da saúde pública. A extensão do serviço acarretaria redução da necessidade de espaço nos aterros e permitiria o emprego de maiores contingentes de mão de obra”.
Pochmann ressalta o conteúdo do Plano elaborado pelo Ipea
Coleta seletiva incipiente “A coleta seletiva não pode se resumir numa campanha de marketing, deve ser implantada de fato. De acordo com o IBGE, na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2000, dos 5.475 municípios brasileiros apenas 1.814 contam com 100% de coleta de lixo e, na outra ponta da tabela, em 1.217 municípios menos de 70% de suas residências recebiam o serviço. A ampliação da coleta no Brasil é urgente. Se não fosse pela questão da necessidade evidente e dos benefícios criados, como a
Nabil, do MMA: “esperamos avançar um pouco mais com a nova lei”
São Bernardo na contramão “No Grande ABC as experiências de coleta seletiva e de reciclagem são interessantes. Propostas nesse sentido foram incorporadas aos planos de gestão implantados e ações foram efetivadas. Mas o elogio deve parar por aqui, pois o incentivo à reciclagem é pequeno (falta informação), a educação ambiental é quase nula, a participação popular inexistente, as cooperativas muitas vezes ficam sob o domínio de ‘chefes’ que operam o poder internamente em detrimento de uma gestão coletiva e, principalmente, as empresas que atuam no ramo são cartelizadas, bem como as opções de acomodação do lixo coletado (poucos aterros e preços elevados). “Dadas as características em comum do Grande ABC há boas condições para uma ação regional, especialmente na questão do lixo urbano, mas isto não existe. A lei federal das diretrizes do saneamento básico prevê, inclusive, a prestação regionalizada do serviço público de saneamento. Para completar, São Bernardo do Campo discute a implantação de incineradores, indo na contramão do debate da sustentabilidade, combate ao aquecimento global e da defesa da saúde pública”. Neo Mondo - Abril 2014
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NEO MONDO INFORMA por Eleni Lopes
WikiParques, a Wikipédia dos parques nacionais
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visitação turística em unidades de conservação (UCs), especialmente nos parques nacionais, tem crescido a cada ano. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em 2012, 5,6 milhões de visitantes passaram pelas UCs brasileiras e esse número pode ser ainda maior neste ano. Como forma de incentivar ainda mais o turismo sustentável nestes locais, internautas do mundo inteiro contarão com o WikiParques, idealizado pela Associação O Eco e pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. A partir da mesma tecnologia utilizada pela conhecida Wikipédia, essa nova plataforma colaborativa (www.wikiparques.org) disponibiliza, inicialmente, informações 38
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gratuitas sobre os 69 parques nacionais do País: principais atrações, contatos, mapas de acesso, histórico, além de informações sobre a biodiversidade protegida no local. Todas essas informações podem ser editadas e complementadas por qualquer internauta, além de poderem ser compartilhadas nas principais redes sociais. Também será possível adicionar outras unidades de conservação à plataforma (com a inclusão de verbetes e fotos), como parques estaduais, Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), estações ecológicas, monumentos naturais entre outras. Atualmente, é possível visitar apenas 18 dos 69 parques nacionais brasileiros. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem como meta abrir todos para visitação até 2020.
Aplicativo
online
para dimensionar o desaparecimento das abelhas
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oi lançado o aplicativo BeeAlert, a primeira plataforma online por georeferenciamento que poderá dimensionar a morte ou envenenamento de abelhas, bem como o fenômeno de seu desaparecimento, conhecido mundialmente como Síndrome do Colapso da Colônia ou CCD. O BeeAlert é um aplicativo de fácil utilização, que pode ser acessado em qualquer computador, smartphone ou tablet. Em sua primeira versão, a ferramenta foi concebida em português, mas até o final de março serão publicadas as versões em inglês e espanhol. A solução tecnológica, testada e submetida a um grupo de pesquisadores e produtores apícolas, visa mostrar em tempo real o local e a intensidade de ocorrências.
O sumiço das abelhas é um problema que já mobiliza agricultores, apicultores, meliponicultores e pesquisadores de várias partes do mundo e que agora passa a fazer parte das grandes discussões mundiais sobre a produção de alimentos. A importância das abelhas ultrapassa as atividades de produção dos subprodutos apícolas, como o mel, cera, própolis, geleia real e veneno. É importante enfatizar que as abelhas, com mais de 25 mil espécies no mundo, são os principais insetos polinizadores da natureza e exercem grande relevância nas atividades agrícolas pela fecundação de mais de 70% das culturas agrícolas e de 85% das plantas com flores de nossa biodiversidade. Neo Mondo - Abril 2014
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NEO MONDO INFORMA
Segurança hídrica
em RISCO O
mais recente Relatório sobre Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades às Mudanças Climáticas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) alerta que as mudanças climáticas já observadas e as projetadas para as Américas do Sul e Central colocarão em risco a segurança hídrica das regiões e terão impactos diretos no abastecimento doméstico e industrial. O documento foi apresentado no dia 31 de março, em Yokohama, no Japão. O capítulo 27, aborda as projeções das mudanças climáticas paras as Américas do Sul e Central. Destaca a vulnerabilidade atual de abastecimento de água nas zonas semiáridas das duas regiões e nos Andes tropicais que deverá aumentar ainda mais por causa das mudanças climáticas. E o problema poderá ser agravado pela redução das geleiras andinas, pela diminuição de chuvas e pelo aumento da evapotranspiração nas regiões semiáridas das Américas do Sul e Central, previstos pelo IPCC. Se esses prognósticos forem confirmados, o abastecimento de água das grandes cidades e de pequenas comunidades nas duas
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regiões será afetado. Além disso, comprometerão a geração de energia hidrelétrica e a produção de alimentos, aponta o relatório. O principal usuário de água nas Américas do Sul e Central é a agricultura, seguida pelo abastecimento dos 580 milhões de habitantes das duas regiões, excluídos os 14% que hoje nem sequer têm acesso ao recurso, aponta o documento. Ainda de acordo com a publicação, a energia hidrelétrica é a principal fonte de energia renovável nas duas áreas, correspondendo a 60% das matrizes energéticas, enquanto em outras regiões essa contribuição é, de 20% em média. Como a projeção é de aumento de chuvas em algumas regiões do Brasil, os sistemas de energia hidrelétrica baseados principalmente no Rio Paraná poderão ter um ligeiro aumento na produção de energia. No entanto, o restante do sistema hidrelétrico do País – especialmente os localizados no Nordeste – poderá enfrentar diminuição na geração de energia, comprometendo a confiabilidade de todo o sistema, aponta o relatório.
Inscrições abertas para o melhor e mais inovador plano de produção sustentável
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BBEST 2014, segunda edição da Brazilian BioEnergy Science and Technology Conference, e o BE-Basic, consórcio público-privado holandês voltado para o desenvolvimento de uma economia sustentável, abriram inscrições para o Prêmio Internacional de Design para Estudantes. A competição selecionará o melhor e mais inovador plano de negócios criado a partir de projetos de pesquisa científica e tecnológica voltados para a produção sustentável de produtos de base biológica. Podem participar estudantes e equipes de estudantes em nível de mestrado e doutorado. A organização do prêmio espera receber propostas com a descrição de processos de fabricação de produtos químicos, novos materiais ou de combustíveis renováveis, elaboradas segundo os
conceitos mais atuais da pesquisa científica e tecnológica em bioenergia e capazes de gerar benefícios para a sociedade. As propostas devem ser apresentadas em inglês. Os interessados podem fazer o registro inicial de sua participação em mensagem para brazil@be-basic.org. Depois da elaboração do plano de negócios, os candidatos devem concluir a inscrição com o envio, até 20 de setembro, da proposta final, contendo o plano de negócios e uma prova de bolsa concedida para desenvolvimento do projeto de pesquisa que originou o trabalho apresentado. Para mais informações sobre o Prêmio Internacional BE-Basic de Design para Estudantes e sobre a segunda edição da conferência BBEST, acesse http://www.bbest.org.br/index.php/be-basic-competition
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Arrozes PRETO e VERMELHO têm alta atividade antioxidante
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ubstituir o arroz branco comum pelos tipos coloridos, preto ou vermelho, contribui para um envelhecimento mais lento das células do corpo, prevenindo doenças crônicas. Isto porque os grãos com estas cores apresentam um maior teor de compostos fenólicos, substâncias com atividade antioxidante. Quando o assunto são as proteínas, o arroz selvagem, aquele de cor escura, grãos finos e longos, é líder com o maior teor deste nutriente. Dentre os grãos integrais, a quantidade de proteínas está mais relacionada ao formato alongado do grão do que à coloração. Estas afirmações são feitas a partir dos resultados da pesquisa de doutorado da farmacêutica-bioquímica Isabel Louro Massaretto, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), da USP. Também avaliou o efeito do cozimento no arroz e descobriu que o processo provoca perda dos compostos fenólicos. Mesmo assim, o arroz preto e o vermelho ainda permanecem com alto teor destas substâncias.
Os grãos vermelhos e pretos têm 15% mais proteínas e 2,5 vezes mais fibras em relação ao arroz branco, o mais consumido no Brasil. Tanto o branco quanto o preto e o vermelho pertencem à mesma espécie (Oryza sativa L.). A diferença é ser o grão de cor clara o resultado do polimento das estruturas que o recobrem, podem ser coloridas. Quando não são polidas, o alimento é considerado integral. A atividade antioxidante é a propriedade de componentes de alguns alimentos em retardar o envelhecimento das células, ajudando também a prevenir algumas doenças crônicas. O arroz preto e o arroz vermelho detêm este atributo por possuir, em suas composições, compostos fenólicos. Em relação ao integral branco, o arroz preto contém antocianinas e oito vezes mais compostos fenólicos. Já o arroz vermelho, rico em protoantocianidinas, apresenta quantidade seis vezes superior.
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Santander e Bradesco premiados pelo BID S
antander e o Bradesco estão entre os vencedores da quarta edição do prêmio beyondBanking, concedido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Criado em 2010, a iniciativa reconhece “os melhores projetos e iniciativas realizados na região (da América Latina e do Caribe) para contribuir à criação de um setor financeiro mais sustentável”. Também conquistaram o prêmio outros cinco bancos: Banco Atlántida (Honduras), Bancóldex (Colômbia), Banco Solidario (Bolívia), Banco de Crédito de Perú (Peru) e BBVA Bancomer (México). “Criamos este prêmio com a intenção de identificar as melhores práticas de sustentabilidade na indústria financeira da América
Latina e do Caribe e divulgar iniciativas bem-sucedidas que buscam não só obter rendimentos financeiros, mas também sociais e/ou ambientais”, disse Gema Sacristán, chefe da Divisão de Mercados Financeiros do BID e responsável pelo programa beyondBanking, em comunicado. Nesta edição, o Bradesco venceu na “equalBanking”, de “apoio à diversidade e igualdade de gênero”, por seu programa Ações de Acessibilidade Bradesco. Já o Santander conquistou a “planetBanking”, de “busca de respostas para os efeitos da mudança climática”, pelo Programa Reduza e Compense CO2.
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