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nter
i n t e r v e r
Nosso dia-a-dia, o espaço em que convivemos, onde ocupamos e nossa relação com ele, entre ele, e por ele. O hábito nos torna mais analítico? mais crítico? O prédio da FAU é aqui o foco da discussão. São suscitadas algumas questões relacionadas com o espaço e sua condição, evidenciando a problemática física de onde passamos tantas horas do dia, semana, mês... o caráter crítico da narrativa do conjunto das intervenções expostas é proposital. Chegou-se a gerações que nunca viram a cobertura da FAU a olho nú, e puderam receber a claridade amarelada – mais intencional que o azulado cético atual – dos domus. Minha turma vai se formar sem saber o que é trabalhar no estúdio 3. As pranchas de apresentação coladas nas empenas duram pouco pois molham e estragam. E dentre intermináveis motivos possíveis de citar o motivo da temática, olhar para o que os estudantes, independentemente de disciplinas, trabalhos, notas e portifólios, criam para se expressar. É a forma mais honesta, e interessante (no meu ponto de vista), de se discutir o estado atual do ambiente que estudamos, trabalhamos, viramos noites... O objetivo não é se chegar a soluções, pois muitas das questões levantadas apontam a problemas não pontuais. Nem depreciar, ainda mais, nosso prédio. Mas conversar: olhar uma intervenção e levantar questionamentos. Por serem objetos atípicos em locais rotineiros, chamam atenção. E por serem pensadas para aquele determinado lugar, por um – ou mais – determinado motivo, apontam a o que talvez não nos dedicaríamos a refletir.
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SOBRE A CURADORIA INTER-VER, é uma exposição de 11 trabalhos independentes, feito pelos próprios estudantes da FAU. Por serem desarticulados das atividades acadêmicas são chamados de intervenção. Os trabalhos estiveram pelo prédio em períodos distintos, uns concomitantes a outros, (mas nunca planejados para serem uma mostra coletiva). Uma obra curatorial, catracas a-funcionais, para abrir a exposição. É o primeiro contato. Um contato físico, inclusive, que já de antemão informa o que esta sendo proposto no prédio, espaço este que não tem frequentemente exposições, pois não é um centro cultural. 9 obras que discutem, principalmente, o tema das reformas e o descaso para com o prédio. (lambe-lambe no piso dos departamentos, painel Athos Bulcão no estúdio 3, bolhas no estúdio 3, corpo na lona, FAU mostra projeto, mão do Mário, plantas nos domus, “solte o sol”, stencil rosas). e uma “última”, cadeira na empena do AI, (digo última pois ela propõe um encerramento para o ciclo de reflexões levantado pelas obras, mas não fisicamente, pois não há um percurso pré-definido da mostra), que discutirá a efemeridade das intervenções no prédio, afinal, apenas 2 das intervenções ainda estão no prédio. Os trabalhos são apresentados por nomes que eu mesma dei. Afinal, nunca houve uma etiqueta para rotulá-los. As imagens ilustrativas são de diversas fontes (são espalhadas pela internet, dificultando à referênciação original). As medidas dadas são aproximadas pois, como muitas das intervenções não existem mais, são palpites da memória. E os autores foram omitidos, por motivos de privacidade.
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“gostaria de deixar bem clara minha posição sobre o que seja curadoria. Meu parecer é de que não é apenas uma reunião como por vezes parecem ser certas exposições, verdadeiras “ajuntações” de obras, de determinado grupo, tendências ou artistas. Realizar uma curadoria, a meu ver, deve objetivar a projeção de um determinado enfoque pessoal através das obras a serem selecionadas, sob um tema específico [...]. A curadoria pressupõe a meu ver a conceituação de uma exposição a partir de uma intenção definida. [...] Como fruto de pesquisa ou reflexão amadurecida”. AMARAL, Aracy. Anais do XXIII Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte / organização Roberto Conduro, Sonia Gomes Pereira. Rio de Janeiro : Comitê Brasileiro da Arte, 2004 : UFRJ : UERJ.
“do curador , se espera que abra um sentido possível no interior do trabalho de arte, de cada um exibido, ou do conjunto deles, e ao mesmo tempo, que dê espaço para que outros sentidos possam surgir.” “o trabalho de arte é totalidade aberta e o curador, como crítico, sem deixar de colocar seu ponto de vista, precisa manter o trabalho em sua condição primordial de ser também abertura para o mundo”. “uma boa obra tem a capacidade de nos dizer algo sobre o espírito de seu tempo de um modo muito próprio e que não poderia ser dito de outra maneira.” ALVES, Cauê. Sobre o ofício do curador / [organizador] Alexandre Dias Ramos ; [textos Rejane Cin-
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INTERVENÇÕES
EXPOSTAS
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Obra curatorial: catracas a-funcionais 40 catracas de metal 0,8 x 1,2 x 0,2 extensão: 41m
com a finalidade de recepção da exposição. Seu caráter de barreira física já recebe quem entra com um empecilho, despertando uma indignação – já que o prédio não tem nem portas, quanto mais catracas. Mas ao mesmo tempo esclarecendo que há uma intervenção – que na verdade não é só uma, mas 11. Outra questão fortemente suscitável com a intervenção é o próprio fato das catracas na vida cotidiana, em prédios da USP, e na FAU – tema que vem sendo abordado em reuniões do grêmio, congregação, entre outros. Tais catracas levam nas hastes da barreira o nome da exposição, e apoiado no poste de sustentação, uma publicação da exposição contendo informações sobre as obras, localização, organização, entre outros.
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lambe-lambe no piso dos departamentos papel sulfite impresso lambe-lambe 84 x 83,7 cm 2011
no contexto da controversa reforma dos departamentos, assim que encerrada a obra, uma imagem do Villanova Artigas expressando espanto, foi lambida na parede ortogonal, como se o arquiteto olhasse para a mudança do projeto original. Algum tempo depois que a intervenção foi feita, uma frase em giz foi escrita, em forma de expressão de gibis, interagindo com o contexto.
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painel Athos Bulcão no estúdio 3 papel seda colorido lambe-lambe 33 x 2 m 2011
um coletivo de estudantes da própria FAU, como crítica ao espaço subutilizado do estúdio 3 devido às inúmeras e constantes goteiras da cobertura projetam um painel que preenche todo comprimento de uma das empenas do próprio estúdio, atribuindo cores e atenção ao espaço que – até o dia de hoje – foi abandonado.
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bolha no estúdio 3 tecido sintético leve costurado 20 x 20 m 2011
também fazendo referência ao abandono do espaço do estúdio 3, e sua constante inundação em período de chuvas, esse projeto foi uma instalação durante EXPOFAU. Um tecido grande o suficiente para abrigar pessoas no seu interior, propunha um “novo espaço” para o “ex-túdio”, pois molhado pelas goteiras, o tecido adquiria um certo peso próprio, permitindo criar um espaço interno que mutava devido à gravidade. Propondo, inclusive uma interação sensorial com a obra, já que a cada instante o espaço interno mudava.
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cadeira na empena do AI cadeira de madeira serrada 40 x 80 x 40 cm 2010
uma cadeira cerrada verticalmente em uma determinada angulação foi pendurada na empena externa do AI, sendo, portanto, visível de diferentes partes do prédio – das rampas, estúdios, biblioteca, caramelo, fosso, entre outros. Esse móvel em condições físicas incomuns, não funcional e posicionado atipicamente questionava, entre outros aspectos, a persistência das intervenções no prédio. Denotando quanto tempo uma intervenção óbvia e quase que oni-visível é “aceita”. No caso, durou cerca de 2 meses, quando começaram as férias. No ano seguinte já havia sido removida.
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corpo na lona tecido e enchimento 35 x 170 x 15 cm 2011
um boneco de proporções semelhantes a um corpo humano, vestido com roupas usuais foi colocado, como se estivesse apenas deitado, sobre uma das lonas que hoje cobrem todo o teto do prédio. Essa intervenção ocorreu logo que essas lonas começaram a ser colocadas.
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FAU mostra projeto estrutura de ferro e cadernos de sulfite 3,5 x 2,4 x 2 m 2013
a intervenção faz alusão ao evento expositivo dos estudantes, a mostra de projetos. Uma instalação – também no espaço subutilizado do estúdio 3, foi montada a partir das estruturas de ferro das próprias mesas do estúdio que estavam quebradas e/ou cheias de cupim. Essas estruturas foram empilhadas de forma desorganizada, e por ela, foram colocados cadernos de projetos passados dos estudantes, que o departamento de projetos despejou no corredor dos estúdios, e por lá ficaram despercebidos por cerca de 2 meses. Interessante pontuar que houveram estudantes que se sentiram ofendidos com
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mão do Mário sulfite lambe-lambe 1,0 x 1,0 m 2010
uma alusão gráfica da mão do personagem de video-game, o Mário, com uma montagem também interessante, pois sua composição é de papéis sulfite quadrados representando os pixels do próprio video-game. A “mão” aponta para uma grande fenda no concreto, onde se pode ver o exterior do prédio.
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plantas nos domus domus de fibra de vidro, terra, plantas 1,8 x 0,7 x 1,8 m 2009
com os pr贸prios domus da cobertura da FAU, fez-se jardineiras com plantas de verdade. Foram dispostas em pontos de goteira, onde as plantas viviam a partir dessa 谩gua.
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“solte o sol” tecido, tinta 1,4 x 12 m 2013
a intervenção compôs um TFG sobre a poesia concreta. Um verso do poema solte do Paulo Leminski. No verso do tecido mais outros versos, solte/todo o sol/ toda sorte. Seu posicionamento, no vão do fosso, e seus dizeres, abrem margem a uma forte crítica às lonas, e consequentemente à reforma da cobertura.
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Stencil rosas Tinta spray, stencil 20 x 15 cm 2011
uma pintura a partir de stencil na tampa interna de um vaso sanitário no banheiro da diretoria. Essa intervenção foi feita em meados da reforma dos banheiros. Na ocasião, todos os sanitários dos andares superiores (tanto os do lado direito, quanto do lado esquerdo) foram interditados para serem reformados conjuntamente, restando para os estudantes, apenas o piso do fosso. Nesse contexto, houve muita discórdia entre a diretoria e os estudantes, pois não eram bem-vindos nestas dependências, além de serem muitos conturbando o espaço. No ocorrido da intervenção houveram rumores dessa pintura, e logo o diretor e a vice diretora foram averiguar a “pixação”, o interessante é que eles gostaram, e desde então ela é mantida onde foi feita.
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disposição das intervenções pelo prédio
83479 6 10 5 2 11 1
10 1
6 37 84 9 2 5
1- catracas a-funcionais 2- lambe-lambe no piso dos departamentos 3- painel Athos Bulcão 4- bolha no estúdio 3 5- cadeira na empena do AI 6- corpo na lona 7- FAU mostra projeto 8- mão do Mário 9- plantas nos domus 10- “solte o sol” 11- stencil rosas
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bibliografia AMARAL, Aracy. Anais do XXIII Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte / organização Roberto Conduro, Sonia Gomes Pereira. Rio de Janeiro : Comitê Brasileiro da Arte, 2004 : UFRJ : UERJ Sobre o ofício do curador / [organizador] Alexandre Dias Ramos ; [textos Rejane Cintrão... et al.] -- Porto Alegre : Zouk, 2010. Grupo de Estudos sobre Curadoria do Museu de Arte Moderna de São Paulo Exposições organizadas em 1998 e 1999 / organização de Felipe Chaimovich ; textos de Tadeu Chiarelli, Helouise Costa, Ricardo Resende, Marcos Moraes, Rejane Cintrão, Regina Teixeira de Barros e Felipe Chaimovich ; coordenação editorial Magnólia Costa ; entrevistas Thais Rivitti, Carolina Soares ; traduções Maria Eugênia Mourão e José Carlos Hernández Prieto ; projeto gráfico de Carlito Carvalhosa e Martha Tadaies -- São Paulo : MAM, 2008. ARAUJO, Renan. Novos Curadores/ 748.600. São Paulo: Imprensa Oficial: Paço das artes, 2011. O’Doherty, Brian. Museums in crisis. New York, G. Braziller, [1972]. ix, 178 p. “Articles ... first appeared in the special museum issue of Art in America, v. 59, no. 4.”.
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projeto de curadoria e projeto grรกfico: marina diez