Patrimônio Cultural de Arapoti
Referências
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
P a t r i m ô n i o c u l t u r a l d e A r a p o t i : r e f e r
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n i o C a r l o s M a t h i a s C a v a l h e i r o - - C u r i t i b a , P R : F a r o l d o s R e i s , 2 0 2 2
B i b l i o g r a f i a I S B N 9 7 8 - 8 5 - 6 9 1 2 6 - 0 8 - 9 1 C u l t u r a e i n s t i t u i ç õ e s 2 P a t r i m ô n i o c u l t u r a lA r a p o t i ( P R ) 3 P a t r i m ô n i o h i s t ó r i c o - B r a s i l 4 P e s q u i s a I C a v a l h e i r o , A n t ô n i o C a r l o s M a t h i a s Índices para catálogo siste mático: 1 P a t r i m ô n i o h i s t ó r i c o e c u l t u r a l : A r a p o t i : P a r a n á : M e m ó r i a e p r e s e r v a ç ã o : H i s t ó r i a 3 6 3 6 9 0 9 8 1 6 2 M a r i a A l i c e F e r r e i r a - B i b l i o t e c á r i a - C R B - 8 / 7 9 6 4
INCENTIVO
Projeto aprovado no Programa de fomento e Incentivo à Cultura | PROFICE da Secretaria de Estado da Cultura | Governo do Estado do Paraná
CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ – ARAPOTI
PROFICE Nº 6736 – EDITAL Nº 01/2017
PROPONENTE
Antônio Carlos Mathias Cavalheiro
Letícia Nardi (Proponente Substituta)
EQUIPE
Núcleo Mídia e Conhecimento Fábio André Chedid Silvestre
Danielle Dalavechia Fernanda Cheffer Moreira
Revisão de texto: Luís Carlos Morais Filho
PESQUISA 2015-2016
CONTRATANTE
Florestal Alvorada Florestamento e Reflorestamento LTDA CNPJ: 43.343.052/0001-73
Distrito Industrial Ari Fanchin – Jaguariaiva – PR – CEP 84.200-000
EXECUÇÃO
EPPC – Estudos e Projetos em Patrimônio Cultural LTDA - ME CNPJ: 15.698.400/0001-51
EQUIPE TÉCNICA
Antônio Carlos Mathias Cavalheiro
Coordenador Geral. Historiador. Arqueólogo (Mestrado)
Letícia Nardi
Coordenadora Técnica. Arquiteta e Urbanista (Especialização e Mestrado)
PROGRAMA DE IDENTIFICAÇÃO DAS REFERÊNCIAS CULTURAIS
Bernard Cassiano Greim — Pesquisador. Arquiteto e Urbanista Jacqueline Monteiro dos Santos — Pesquisadora. Historiadora
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
Cláudia Bibas do Nascimento – Historiadora e Educadora Kendra Figueira Andrade – Geógrafa e Pedagoga Marcelo Weber Macedo – Ilustrador e Artista Plástico
www.patrimonioculturalarapoti.com.br
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PREFÁCIO
O que dizer de um trabalho tão rico de um universo que ainda permanece oculto a milhares de pessoas; que traz, à luz de nosso olhar, uma parte do Patrimônio Cultural do nosso Estado. Da forma como foi planejado e organizado, é possível afirmar que ultrapassa os limites geográficos iniciais, trazendo um exemplo para todos os 11 milhões de habitantes do Paraná.
Isso foi alcançado pela metodologia aplicada e o cuidado que a equipe tomou em pesquisar, visitar e buscar o maior número de informações, físicas e eletrônicas, junto ao poder público e instituições privadas, além do contato pessoal, fundamental para sentir e perceber cada elemento pesquisado.
Penso que os objetivos de identificar e registrar essas referências não só foram atingidos, mas chegaram à excelência, a qual pretendo não descrever para incentivá-los a experimentar um pouco da riqueza citada, inicialmente com as fichas utilizadas, imagens obtidas e a apresentação adequada e detalhada de todas essas informações conquistadas e sistematizadas de um modo simples e claro.
As categorias escolhidas, como lugares, objetos, celebrações, formas de expressão e saberes, permitem uma organização clara e de fácil compreensão, sem deixar de apresentar todo o histórico e fundamentos dos elementos e do município.
Acredito que o leitor, ficará encantado com o resultado e passará entender melhor e valorizar mais esse mundo que se abre, dividido em qualidade e quantidade de nosso Patrimônio Cultural, da nova disciplina – Educação Patrimonial - que passamos a observar e estudar; tudo isso com o requinte de fazer parte do dia a dia dos paranaenses.
Assim, trata-se de um livro indispensável por tudo que apresenta, em especial pelo registro e modelo adotado. Registrem-se a qualidade e competência da equipe que o elaborou. Sugiro que o método seja seguido por outros profissionais ou municípios, pois o livro proporciona excelente fonte de reflexão e de inspiração para novos projetos.
Consolidem e ampliem seus conhecimentos; aproveitem essa linda obra.
Vinicio Bruni
Chefe de Coordenação do Patrimônio Cultual do Estado do Paraná.
APRESENTAÇÃO 11
IDENTIFICAÇÃO DAS REFERÊNCIAS CULTURAIS 12
FICHA DO PROJETO 17
FICHA DO TERRITÓRIO 21
LOCALIZAÇÃO 22
HISTÓRIA 23
CONTEXTOS HISTÓRICOS E SOCIOECONÔMICOS VINCULADOS AO TERRITÓRIO DO MUNICÍPIO DE ARAPOTI 28
ATUALIDADE 63
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO SEDE DO MUNICÍPIO 65
ESTAÇÃO FERROVIÁRIA 66
IGREJINHA DE SÃO JOÃO BATISTA 76
FAZENDA CAPÃO BONITO 86
ACERVO DA CASA CULTURA 96
FESTA DE SÃO JOÃO BATISTA 102
FESTA DE ANIVERSÁRIO DE ARAPOTI 110
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sumário
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO CERRADO DAS CINZAS 119
CONFECÇÃO E SUBSTITUIÇÃO DAS VESTES DE NOSSA SENHORA DO CARMO 120
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO DISTRITO DE CALOGERAS 129
CAPELA DO DISTRITO DE CALÓGERAS 130
FAZENDA BARREIRO SÃO JOSÉ 140
HOMENAGEM AO PROFETA JOÃO MARIA 150
OFÍCIO DA SELARIA 158
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO DESLOCAMENTOS E PASSAGENS 167
ARMAZÉM ALVAREZ 168
CAPELINHA DE NOSSA SENHORA APARECIDA 176
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO FONTE DE ÁGUA SULFUROSA 183
FONTE DE ÁGUA SULFUROSA 184
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO COMUNIDADE NEGRA TRADICIONAL 195
ANTIGA SEDE DA FAZENDA BOA VISTA E CEMITÉRIO 196
FESTA DE SÃO SEBASTIÃO (Localidade do Bugre) 210
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO ANTIGA FÁBRICA DE PAPEL 219
ENCONTRO DOS ANTIGOS FUNCIONÁRIOS E MORADORES DA FÁBRICA DE PAPEL (FÁBRICA MÃE) 220
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO IMIGRAÇÃO HOLANDESA 231
COLÔNIA HOLANDESA DE ARAPOTI 232
ACERVO DO MUSEU DO IMIGRANTE HOLANDÊS 246
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO LIVRO – ARAPOTI: REGISTRO HISTÓRICO 255
LIVRO: ARAPOTI – REGISTRO HISTÓRICO 256
CONSIDERAÇÕES FINAIS 264
REFERÊNCIAS 266
APRESENTAÇÃO
Cadernos do Patrimônio Cultural do Paraná — Arapoti é resultado de uma ampla pesquisa realizada no território do município de Arapoti, visando a identificação das suas referências culturais. A pesquisa foi realizada entre 2015 e 2016 e atualizada entre 2019 e 2021, considerando à realização deste projeto cultural.
No processo inicial, a pesquisa foi acompanhada pela Superintendência Estadual do IPHAN no Paraná, no contexto de um licenciamento ambienta,l e teve como denominação Programa de Identificação das Referências Culturais de Arapoti
Com duração de dez meses, entre setembro de 2015 e junho de 2016, a pesquisa abrangeu a identificação e a sistematização de dados sobre as referências culturais do município, a realização de ações educativas com funcionários da empresa contratante e a produção do material didático A Caixa de Memórias: bens culturais de Arapoti, distribuído para os alunos do Ensino Fundamental I das escolas da rede municipal de ensino em 2016.
Durante todo o processo, a equipe de execução do trabalho pesquisou, visitou, entrevistou, conversou, entrou em contato com um universo de informações que denotaram sentidos e sentimentos diversos relacionados ao território de Arapoti, considerando a vivência cotidiana e a memória de pessoas e grupos que o habitam.
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Ficou evidente um rico capital cultural, histórico e de vivências sociais que poderão fazer parte de ações de preservação e valorização das referências culturais locais, assim como a pesquisa realizada poderá ser desdobrada e aprofundada nas diversas temáticas abordadas. É um ponto de partida para pensar e estimular a comunidade arapotiense na busca pela valorização de suas referências culturais.
Com as informações da pesquisa em mãos, entregues em formato de relatório técnico para a Prefeitura Municipal de Arapoti e para a Superintendência do Iphan no Paraná, decidimos propor o projeto cultural, no âmbito do Programa de Fomento e Incentivo à Cultura do Estado do Paraná — Profice, para complementar a pesquisa e publicá-la em formato de caderno, visando distribuir e difundir o conhecimento para a comunidade arapotiense. Para além da publicação, o projeto cultural produziu o site www.patrimonioculturalarapoti.com.br, ações educativas e o seminário Patrimônio Cultural de Arapoti.
IDENTIFICAÇÃO DAS REFERÊNCIAS CULTURAIS
A metodologia utilizada para identificar as referências culturais do município de Arapoti é baseada no Inventário do Patrimônio Cultural proposto na parceria entre o Iphan e o Ministério da Educação para o Programa Mais Educação (Série Educação Patrimonial), compilada posteriormente na publicação Educação Patrimonial: Inventários Participativos (IPHAN, 2016). Para o Programa realizado em 2015 — 2016 foram definidas e executadas quatro etapas distintas: Levantamento Preliminar e Planejamento, Pesquisa de Campo, Sistematização das Informações e Ação Devolutiva para a Comunidade, com duração de 10 meses de execução.
Objetivos
O objetivo principal consistiu em identificar e registrar referências culturais significativas para as comunidades residentes no município de Arapoti-PR por meio da realização do Inventário do Patrimônio Cultural. A aplicação do Inventário pressupôs o cumprimento de três etapas: (1) pesquisa em instituições, acervos museológicos, bibliográficos, documentais e iconográficos; (2) entrevistas com profissionais e pesquisadores da área da cultura no âmbito do município; (3) contato com a comunidade local que produz e conhece os bens culturais pesquisados, por meio de entrevistas e enquetes direcionadas.
Metodologia
Conforme as práticas de inventário relacionadas ao patrimônio cultural, a identificação de referências segue categorias preestabelecidas. No caso do Inventário do Patrimônio Cultural, as categorias definidas para a classificação dos bens culturais são: Lugares, Objetos, Celebrações, Formas de Expressão e Saberes. O método utiliza fichas próprias, que fizeram parte de todo o processo do inventário e foram preenchidas e complementadas ao
longo do período de trabalho. São elas: a Ficha do Projeto, que é a ficha estruturante para planejar, executar e organizar as informações coletadas, a Ficha do Território, que auxilia na definição e delimitação do território a ser pesquisado, e as Fichas de Identificação, que abrangem a definição e a descrição dos bens culturais inventariados.
Apesar da amplitude de possibilidades que a metodologia oferece e das categorias abrangidas, sua utilização expôs possibilidades e restrições para o desenvolvimento do trabalho em Arapoti. Por um lado, possibilitou uma visão ampla, a partir de categorias que evidenciaram a vivência dos grupos naquele território, e procurou compreender suas referências mais significativas. Por outro lado, o município abrange uma extensão territorial de 1.360 km² que abriga a população de aproximadamente 28.000 habitantes, configurando uma cidade contemporânea formada a partir da contribuição de grupos diversos, que se estabeleceram e se mesclaram ao longo do seu período de formação.
Portanto, um universo amplo e complexo que envolve dinâmicas sociais, culturais e econômicas que se inter-relacionam.
A pesquisa institucional, bibliográfica e documental visou aprofundar e embasar a compreensão do contexto histórico, geográfico, social e econômico do município e dos bens culturais abrangidos pela pesquisa, e foi realizada, ao longo de todo o período da pesquisa em instituições como Prefeitura Municipal de Arapoti, Museu do Imigrante Holandês, Secretaria de Estado da Cultura, Associação Brasileira de Preservação Ferroviária – Regional Paraná. Também foram consideradas as pesquisas em sítios na internet e a interlocução com diversos agentes que detém informações sobre o município e sobre os bens culturais, conforme descrito ao longo do Relatório.
A interlocução com profissionais, pesquisadores e pessoas com experiência na área de História e Cultura no âmbito do município iniciou-se a partir do contato com o poder público municipal, por meio da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Arapoti. Foi solicitado que essa instituição se manifestasse a respeito daquilo que era oficialmente reconhecido ou amplamente compartilhado em termos de história e cultura no município. Partindo das referências oficiais sobre a preservação do patrimônio cultural, é possível constatar que o município de Arapoti não possuía, naquele momento, legislação específica para a sua proteção. Também não há bens culturais do município protegidos pelas legislações estadual e federal de reconhecimento do patrimônio cultural. Apesar disso, a contribuição da Secretaria Municipal de Educação foi significativa: as referências foram citadas em diversos momentos e lembradas pela Secretária, assim como por funcionários da Prefeitura Municipal, considerando o cotidiano das temáticas abordadas, além de suas vivências pessoais. Foram repassados contatos de pessoas ligadas às temáticas e localidades pesquisadas. O contato com a comunidade local que produz e vivencia os bens culturais pesquisados foi estabelecido a partir das referências fornecidas por diversos atores sociais, considerando a realização de entrevistas e interlocuções. Também foi conduzida, com o auxílio da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Arapoti, a realização das enquetes com os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental das escolas da rede municipal.
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13 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
As interlocuções e entrevistas foram fundamentais para delimitar os universos relacionados a determinadas localidades ou a grupos distintos, porém, ao mesmo tempo, foi possível identificar inter-relações e cruzamentos em diversos contatos e referências. A realização das enquetes foi prevista pela equipe de pesquisa com intuito de apreender de maneira mais ampla as referências culturais reconhecidas, valorizadas e compartilhadas, considerando o envolvimento da comunidade local em diversas regiões do município. Com o auxílio da Secretaria Municipal de Educação e Cultura, a enquete foi aplicada nas escolas municipais, para os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, no mês de dezembro de 2015. Os formulários entregues tinham questões para serem respondidas pelos alunos em conjunto com pais e familiares, caracterizando uma tarefa de casa. A intenção foi obter informações a partir das referências familiares de cada aluno.
Categorias
LUGARES
Alguns territórios ou parte deles podem ter significados especiais. Esses significados costumam estar associados à forma como ele é utilizado ou valorizado por um certo grupo; são as experiências dessas pessoas que dão sentido especial a um lugar. Pode ser um bosque, um rio, um sítio arqueológico, uma praça, uma construção, ou mesmo um conjunto desses elementos (uma paisagem inteira).
OBJETOS
Muitos objetos são de uso cotidiano e podem estar em nossas casas, nas ruas, na escola, nos locais de culto, em rituais de devoção religiosa etc. Qualquer desses objetos pode se tornar uma referência cultural, por diferentes razões. Equipamentos profissionais como barcos, carroças, carros de boi, ferramentas de artesãos podem estar fortemente associados aos grupos que os utilizam ou a uma época na qual foram muito importantes e, por isso, acabam por ganhar um valor especial, mesmo que já nem sejam utilizados atualmente. Por vezes, eles também podem ser criados com intenção apenas artística, sem finalidade utilitária alguma. Podem ser desenhos, esculturas, pinturas e filmes. Eles podem ser encontrados em espaços culturais, arquivos, bibliotecas, ruas e praças ou mesmo em coleções particulares. Há ainda a chamada “arte aplicada” ou “decorativa”, na qual, junto ao cuidado com o uso prático do objeto, há também um cuidado especial com formas, cores, texturas: é o caso das rendas aplicadas em um vestido, filigranas que decoram um colar, tapeçarias, cerâmicas e mosaicos que decoram um piso ou uma parede. Todos os objetos possuem uma história, uma função e um significado. Essas funções e significados mudam de tempos em tempos e de acordo com os usos (e desusos!) que as pessoas lhes dão. Investigar essas mudanças ao longo do tempo ajuda a compreender a história e o modo de vida dos grupos que produzem ou utilizam um objeto. A história do objeto pode dizer muito mais sobre a vida das pessoas do que a função prática para a qual ele foi criado. Cabe ao grupo identificar aqueles objetos que possuem características e significados especiais que justificam a realização do seu estudo por meio de um inventário.
CELEBRAÇÕES
Todos os grupos possuem momentos em que as pessoas se reúnem para fazer uma celebração, que pode ter diferentes motivações: religião, lazer, comemoração de datas especiais para o local, cidade, estado ou país. As celebrações importantes para uma comunidade passam de geração para geração. Com o decorrer do tempo, alguns elementos podem ser modificados, retirados ou inseridos na celebração. É muito interessante saber quais foram essas transformações e por que isso aconteceu, uma vez que contam sobre os propósitos, os desejos e a história da comunidade. Algumas transformações ocasionaram o fim de algumas celebrações. Por que isso ocorreu? Que pessoas se lembram da época em que elas ocorriam? As celebrações envolvem várias pessoas e grupos na sua preparação. Cada etapa — organização do espaço, preparação de comidas, danças, encenações, apresentações — tem como responsáveis pessoas diferentes. Mesmo que seja organizada por um indivíduo, uma família ou pela prefeitura, a celebração é importante para muita gente, porque possui significados diferentes para cada pessoa ou grupo que participa.
FORMAS DE EXPRESSÃO
Nas formas de expressão, estão presentes os valores e significados da cultura de um grupo. Elas fazem parte de todos os momentos da vida coletiva, desde o cotidiano até os momentos de celebração, transmitindo a visão que as pessoas têm da vida. Algumas são marcantes para os grupos sociais, pois dão visibilidade e sintetizam suas identidades. São muitas as maneiras pelas quais uma comunidade expressa e comunica sua cultura. Para isso, muitos recursos são utilizados. Dentre eles, estão as diversas linguagens, como, por exemplo, a linguagem visual: pintura, escultura, fotografia, filmes, artesanatos. Outras envolvem alguma atividade corporal ou encenação, como a dança, o teatro, um espetáculo, um corso, uma procissão. Há as formas de expressão literárias que podem ser escritas ou orais. São tradições orais os provérbios, lendas, mitos, contos, cânticos, ditados, rimas, trovas, adivinhações, orações, ladainhas, expressões regionais, gírias e muitas outras formas. Algumas tradições, mesmo sendo orais, comumente são veiculadas de forma escrita, como a literatura de cordel.
SABERES
São formas próprias de produzir algum bem ou realizar algum serviço, como a receita de uma comida ou uma técnica especial utilizada para tocar ou produzir um instrumento musical. Podem ter sentidos práticos ou rituais, sendo que, às vezes, reúnem as duas dimensões. É o caso das práticas relacionadas à cura, presentes nas benzeduras ou pajelanças. Envolvem o conhecimento de técnicas e matérias-primas, que dizem muito sobre o meio ambiente e o modo como as pessoas interagem com ele. Por exemplo, os ofícios tradicionais de pescador, quebradeira de coco babaçu, catadores de açaí, garimpeiro, seringueiro; ou a maneira de construir uma casa de taipa, adobe, ou madeira, como nas palafitas.
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15 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
ficha dO PROJETO
Título do projeto:
Programa de Identificação das Referências Culturais do Município de Arapoti — PR
Município - Estado: Arapoti Paraná
Integrantes da equipe de pesquisa:
Antônio Carlos Mathias Cavalheiro
Coordenador Geral
Letícia Nardi
Coordenadora Técnica
Jacqueline Monteiro dos Santos Pesquisadora
Bernard Cassiano Greim Pesquisador
Período de realização: setembro/2015 a junho/2016
Preenchimento: abril / 2016
Instituições participantes:
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
Superintendência Estadual do Iphan no Paraná
Responsável:
José Luiz Desordi Lautert
Contato: Alessandra Spitz Guedes Alcoforado Lourenço
Prefeitura Municipal de Arapoti
Secretaria de Educação e Cultura
Responsável: Rosi Rogenski Ferreira
Museu do Imigrante Holandês
Contato: Jan Egrert Borg e Koosje Bronkhorst
Comunidade Negra Tradicional — Fazenda Boa Vista e região do Bugre
Contatos:
José Maria dos Passos Carneiro
Maria do Rosário dos Passos Carneiro
Nelson de Jesus dos Passos Carneiro
Paróquia de São João Batista
Responsável: Padre Celso Miqueli
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17 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI
Bens culturais pesquisados:
1. Sede do Município
• Lugares: Antiga Estação Ferroviária
• Lugares: Antiga Sede da Fazenda Capão Bonito
• Lugares: Igrejinha de São João Batista
• Objetos: Acervo da Casa da Cultura Memorial Capão Bonito
• Celebrações: Festa de São João Batista
• Celebrações: Aniversário da Cidade
2. Localidade de Cerrado das Cinzas
• Forma de Expressão: Confecção e substituição das vestes de Nossa Senhora do Carmo
3. Distrito de Calógeras
• Lugares: Capela do Distrito de Calógeras
• Lugares: Antiga Sede da Fazenda Barreiro
• Celebrações: Homenagem ao Profeta João Maria / Comemoração à Santa Cruz
• Saberes: Ofício da Selaria
4. Deslocamentos e passagens
• Lugares: Antigo Armazém Alvarez
• Lugares: Capela de Nossa Senhora Aparecida
5. Fonte de Água Sulfurosa
• Lugares: Antiga Fonte de Água Sulfurosa
6. Comunidade Negra Tradicional Fazenda Boa Vista e Região do Bugre
• Lugares: Antiga Sede da Fazenda Boa Vista e Cemitério
• Celebrações: Festa de São Sebastião
7. Antiga Fábrica de Papel
• Celebração: Encontro dos Amigos, Funcionários e Moradores da Fábrica de Papel (Fábrica Mãe)
8. Imigração Holandesa
• Lugares: Vila Evangélica e Lombas
• Objetos: Acervo do Museu do Imigrante Holandês
9. Livro
• Objetos: Livro Arapoti — Registro Histórico
Documentação produzida
horas de gravação de som 05h29m64s
ilustrações material didático
transcrições de entrevistas
Fichas das categorias do patrimônio cultural utilizadas no Projeto
1. Sede do Município
2. Cerrado das Cinzas
3. Distrito de Calógeras
4. Deslocamentos e passagens
5. Fonte de Água Sulfurosa
6. Comunidade Negra
7. Antiga Fábrica de Papel
8. Imigração Holandesa
9. Livro
Lugares Objetos Celebrações Formas de Expressão Saberes
Total
TOTAL 03 02 02 02 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 05 03 10 20
fotografias 1.684
Categorias
horas de gravação de video 09h28m74s
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19 REFERÊNCIAS CULTURAIS 18
ficha dO território
DENOMINAÇÃO DO TERRITÓRIO
Município de Arapoti-PR
Denominação anterior — Cachoeirinha
Distritos Calógeras e Caratuva
Localidades mais antigas — Cerrado das Cinzas
LOCALIZAÇÃO
O município de Arapoti está localizado na porção nordeste do estado do Paraná, configurando a Mesorregião Centro Oriental Paranaense e compondo a Microrregião do município de Jaguariaíva. Arapoti tem como municípios limítrofes: Jaguariaíva, Piraí do Sul, Ventania, Wenceslau Braz, Ibaiti, Pinhalão, Tomazina e São João da Boa Vista.
Os principais acessos terrestres são a PR-092 — Rodovia Governador Parigot de Sousa; e a PR-239 — Rodovia Vacilio Boiko, ambas pavimentadas. Dista 247,13 km de Curitiba (Capital) e 29,3 km de Jaguariaíva, cidade polo da Microrregião. Sua área é de 1.362,46 km², que representa 0,6826 % da área territorial do estado do Paraná.
Localiza-se na Latitude 24º09’28” Sul e na Longitude 49º99’37” Oeste, estando a uma altitude de 860 metros.
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21 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI
HISTÓRIA
Texto: Jacqueline Monteiro dos Santos
O MUNICÍPIO DE ARAPOTI
As raízes da ocupação e da povoação, pelo elemento branco, das terras que deram origem ao atual o município de Arapoti, são encontradas, de maneira especial, no decorrer do século XVIII, acompanhando os passos traçados pela ampla região dos Campos Gerais, onde habitantes de São Paulo, Santos e Paranaguá viam, na conquista de sesmarias e na fundação de fazendas, um riquíssimo negócio a ser explorado comercialmente, tendo-se em vista o abastecimento dos mercados de São Paulo e, especialmente da região das Minas Gerais:
Para criar o gado destinado às minas, os paulistas escolheram a região no sul da Província de São Paulo. Era um território de imensas coxilhas cobertas por um tal de capim mimoso, muito bom para engordar animais. Naquele tempo, quando não existia o Paraná e tudo era território de São Paulo, a região escolhida pelos criadores chamouse Campos Gerais de Curitiba. O empreendimento começou com a organização de currais. Em seguida, no início do século XVIII, a família de Pedro Taques de Almeida, em conjunto, requereu a posse da primeira sesmaria nos Campos Gerais. Essa sesmaria era uma imensidão de terras, [que] abrangia os atuais municípios de Jaguariaíva, Piraí do Sul, Castro e parte de Ponta Grossa (PEDROSO, 1994 apud PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAPOTI, 1995).
Em seguida, dezenas de outros pedidos de Sesmarias foram atendidos pela Coroa Portuguesa, permitindo uma relativa movimentação em toda a região compreendida entre os rios das Cinzas e Jaguariaíva. Destacam-se, nestas solicitações, aquelas requeridas por João Leite Penteado, em 4 de julho de 1726, e pelo Padre Lourenço Pente Penteado, em 23 de julho de 1726, que, posteriormente, deram origem à Fazenda Jaguariaíva (RITTER, 1980, p. 247):
JOÃO LEITE PENTEADO Localizada onde há 8 anos se apossara de campos realengos onde metera gado vacum nas proximidades das terras do mestre de campo Manoel da Silva, principiando do Itaembé até a Fazenda de Monte Negro, no rio das Cinzas. Ficou conhecida como Fazenda de Jaguariaíva. Dimensão: 1 x 3 léguas.
PADRE LOURENÇO LEITE PENTEADO Localizada no caminho que ia de São Paulo para a Vila de Curitiba, umas terras abandonadas pelo mestre de campo Manuel Dias da Silva até a Fazenda do requerente, chamada Jaguariaíva, que serviam para a criação do gado de Manoel Pinto Ribeiro, sem ter delas tirado Carta de Sesmarias. Dimensão: 1 ½ x 1 ½ léguas.
Esta fazenda, situada em um terreno ondulado que oferecia às vistas, em todas as direções, de imensos pastos entremeados por alguns bosques de araucárias (SAINTHILAIRE, 1978), posteriormente foi passada para as mãos de Dona Maria Custódia Ribeira e Francisco de Salles Britto, que a venderam, em 1795, a Luciano Carneiro Lobo, um dos homens mais ricos dos Campos Gerais. Abrangendo uma pequena porção do sudoeste do atual município de Arapoti, a fazenda, visitada por Saint-Hilaire na década de 1820,
22 23 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Compunha-se de uma dúzia de ranchos destinados aos negros e de algumas choças, cujos moradores trabalhavam no domínio e na casa do proprietário. Esta era a mais importante de todas as que eu havia visto a partir de Sorocaba, mas na parte oriental de Minas Gerais seria considerada como uma das menores de suas habitações. Ao chegar, entrava-se por um extenso corredor, onde havia três quartos pequenos e escuros reservados aos hóspedes. O apartamento das mulheres também se comunicava com esse corredor, existindo em cada extremidade uma saleta, numa das quais instalaram o oratório. O prédio não era forrado e as paredes dos quartos destinados aos hóspedes não iam até o telhado. Um renque de árvores da espécie denominada figueira do campo e de aroeiras [...] abrigava a casa dos ventos do quadrante sul, frequentemente violentíssimos nessa elevação, e dava boa sombra. Atrás dessas árvores, ficavam os currais, onde, por ocasião, se encontrava avultado número de animais.
Outra localidade que teve, durante o século XIX, grande importância para as origens históricas e o desenvolvimento ocupacional de Arapoti, foi a Fazenda Capão Bonito, adquirida em 1899 por Romana Duarte de Carvalho através de uma escritura pública de compra venda. Os terrenos, conformados por campos de grande qualidade para a criação de mil a mil e quinhentos animais, assim eram contornados:
Começando no portão do Quizó, descendo por este pela cabeceira do Cachoeirinha, dividindo com Fortunato de Almeida Camargo, descendo por este até a barra com o José Vaz, subindo por este dividindo com Dona Maria do Nascimento Carneiro até um valo, que cai neste mesmo arroio, e daí subindo pelo mesmo, dividindo com Ermelino Antônio de Sampaio até um outro valo, que cai no mesmo à esquerda, e seguindo por este valo a cair no arroio do Cerradinho até uma barra que vem do portão da Lagoa, e daí subindo por este até um valo, que divide com a Fazenda Barreiro, e seguindo por este valo acima, digo e seguimos por este valo até cair na cabeceira de João Antônio, descendo por este até a barra com a água que desce do Capão Bonito, dividindo com Fortunato de Almeida Camargo, subindo por este até a barra de uma mesma água, que vem do Capão Bonito, e subindo por esta até um valo, que vem do Capão Bonito, seguindo pelo dito valo, que divide o Campo da Lagoa com Fortunato de Almeida Camargo até uma cabeceira , que tem onde imbica o valo referido, descendo por esta cabeceira até uma barra, que tem e divide o Quizó com o potreiro da casa do “Capão Bonito”, seguindo por essa cabeceira acima até um valo, seguindo por este valo até o portão do Quizó, onde começam estes [...] (TABELIONATO DE NOTAS E PROTESTOS DE JAGUARIAÍVA-PR apud PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAPOTI, 1995).
A colonização das terras arapotienses, pertencentes ao município de Jaguariaíva, ganharam novos contornos e maior força a partir da instalação do Distrito Judiciário de Cerrado (Lei Municipal de Jaguariaíva nº02, de 8 de outubro de 1908), primeiro nome dado ao local. Neste primeiro núcleo efetivo, a principal atividade era composta pela safra de porcos. Comprados nos Campos de Guarapuava, os porcos magros eram tratados e engordados no Cerrado e, posteriormente, “levados [pelos tropeiros] para Itapetininga para vender, tocadinhos por chão”. No retorno, eram trazidos diversos cargueiros carregados de tecidos, açúcar, sal e outras coisas para os comércios locais. Em 1916, um novo Distrito foi criado (Decreto nº 69, de 2 de fevereiro de 1916), aglomerando ao seu redor várias famílias e formando uma vila: São José do Paranapanema, posteriormente conhecida
por Calógeras (Decreto-Lei nº 199, de 30 de dezembro de 1943). Povoada desde, pelo menos, meados do século XIX, esta localidade foi delineada e caracterizada pela vinda de diversos migrantes de Minas Gerais:
João Batista Mendes e sua esposa Maria Leocádia Mendes, naturais de Minas Gerais, descendentes de portugueses, arremataram em leilão as partes [das fazendas Faxinal, Junqueira e Barreiro] e se fixaram na região. Vieram seus filhos mais velhos, alguns parentes e pessoas que moravam com a família. Nessa época também vieram de Minas Gerais, a família Gouvêia, que arrematou terras em Siqueira Campos, onde formaram a Colônia Mineira. [...] No ano de 1885, Maria Leocádia Mendes fez a doação de um alqueire de terras para a Igreja Católica, onde foi construída uma capela de madeira, cujo padroeiro era São José (NOVOCHADLO, 1995).
A povoação tanto de São José do Paranapanema quanto dos demais territórios de Arapoti foi amplamente intensificada com a abertura do Ramal de Paranapanema. Iniciado no ano de 1912 com a intenção de agregar o norte paranaense — até então amplamente vinculado ao Estado de São Paulo através de Ourinhos e da Estrada de Ferro Sorocabana à dinâmica econômica estadual e atrair a produção — principalmente cafeeira — para a exportação através do Porto de Paranaguá, este ramal cortou a Fazenda Capão Bonito, atraindo novas pessoas à região, que vieram a se instalar nas duas margens da estrada “dando origem às duas primeiras ruas que hoje
Indicação em mapa
Produzido em 1938 pelo Departamento de Terras e Colonização do Estado do Paraná, das localidades de São José do Paranapanema, Cachoeirinha e Cerrado. Os dois primeiros encontram-se indicados como Vilas e, o último, como Povoação.
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se chamam: Moisés Lupion e Telêmaco Carneiro” (POSSATTO, 1995). Com o avanço dos trilhos, foi instalada na região, em 1915, a Estação Ferroviária Cachoeirinha, ao redor da qual muitos dos antigos moradores do Distrito do Cerrado se fixaram atraídos pelo comércio e novas possibilidades econômicas. Antes desse ocorrido, o Cerrado “era uma próspera comunidade da ‘boca do mato’, com cartório, delegacia e animadas festas religiosas. Foi a estrada de ferro a mesma que promoveu o nascimento de Arapoti — que, passando ao largo do Cerrado, decretou a sua decadência” (PEDROSO, 1995).
Ao mesmo tempo em que os trilhos avançavam por Cachoeirinha, um novo fenômeno chamou a atenção de maiores contingentes: a instalação da Southern Brazil Lumber & Colonization. Pouco tempo depois de sua instalação na região, que resultou na construção de uma fábrica de papel no início da década de 1920, foram loteadas e vendidas diversas áreas anexas, ingressando nas terras da região muitas famílias de nacionais e imigrantes, como “Alvarez, Dias, Trigo, Esteves, Barros, Biscaia, Tzaskos, Zelazowiski, Michalowski, Vendrechoski e muitas outras” (POSSATTO, 1995). Seus descendentes, apegando-se à localidade, deram início à agricultura na região, plantando arroz, feijão, batata, cebola e verdura, cujos produtos eram transportados em carroças e comercializados.
Na época da fundação da então conhecida Indústria Brasileira de Papel, somente papelões eram trabalhados, sobretudo o branco de tipo couro, pois já possuía uma grande aceitação nos mercados nacionais. Contudo, com o rápido crescimento e o aumento de demandas, em 1928, a direção da fábrica adquiriu novos e modernos equipamentos, ampliando o horizonte da empresa. Em pouco tempo, começaram a ser fabricadas e comercializadas novas qualidades de papéis. Poucos anos depois (1936), a produção foi incrementada com a construção de uma fábrica de celulose. Se, no início, o número de operários não ultrapassava 250 pessoas, após as ampliações, atingiu um total aproximado de 400. As casas dos funcionários, localizadas em um perímetro que contornava o parque industrial, eram cobertas por tabuinhas de pinho; para os ainda solteiros, existiam amplos barracões.
Para suprir a necessidade de madeira, havia um extenso cultivo de pinheiros, que se estendia em uma área de nove quilômetros e abrangia aproximadamente quatro milhões de pés; para o transporte das grandes toras, utilizavam-se, inicialmente, carroças puxadas por oito cavalos e, posteriormente, caminhões alugados. Havia, na própria área da fábrica, uma pequena serraria para preparar a madeira e uma oficina mecânica para a manutenção dos mais variados equipamentos. Depois de finalizados, os papéis, transportados também em carroças e carroções, rumavam para o depósito de Cachoeirinha. Deste ponto, eram remetidos para a Estação de Cachoeirinha e enviados, através dos trilhos, para São Paulo, Curitiba e outras localidades.
Na década de 1940, a Indústria foi incorporada ao patrimônio do Governo Federal, tendo então como diretor o Coronel Themístocles Cordeiro de Melo. Em sua gestão,
tanto a fábrica quanto o povoado local conquistou diversas melhorias: novas casas, escola pública, hospital, farmácia, olaria e até mesmo água encanada. Em meados da mesma década, foi solicitada, junto à diretoria da Rede Ferroviária, a construção de um ramal para a estrada de ferro, conectando diretamente a fábrica de papel até a Estação Cachoeirinha. O pedido foi autorizado e, já em 1950, a produção era transportada através dos sete mil e quinhentos metros que conectavam as duas localidades (TRINDADE, 1995).
Em 1949, a Indústria entrou em concorrência pública, sendo adquirida pelo grupo Lupion. Desde então, passou por diversas mãos, sendo então finalmente fechada no final da década de 1990. No ano de 2004, tendo-se em vista a sua enorme importância para a comunidade de Arapoti, deu-se início a um processo de tombamento do prédio histórico; entretanto, em pouco tempo, ele foi amplamente depredado, conforme apontado por uma visita técnica realizada em 2008:
Situação Atual O quadro encontrado é desolador. Todas as instalações (edifícios e equipamentos), embora existindo vigilância, vêm sofrendo depredação. O maquinário vem sendo destruído e parte de um dos edifícios foi recentemente incendiado (FÁBRICA DE PAPEL DE ARAPOTI AUTOS DE TOMBAMENTO 01/2004).
Diante deste quadro, e tendo-se em vista que “ao avaliar a distância e o isolamento do sítio para qualquer atividade sustentável; ao avaliar o montante de investimentos para a restauração, para a manutenção e conservação do conjunto” e, portanto, “um valor muito alto que, certamente, não teriam retorno a curto e médio prazos”, o pedido de tombamento foi arquivado. Pouco tempo depois (2010), a estrutura foi, finalmente, demolida.
Retornando no tempo, em 1954, devido ao constante crescimento, fundamentado principalmente na exploração da madeira1, o Distrito de Arapoti, juntamente com Calógeras, foi desmembrado de Jaguariaíva e elevado à categoria de município, tendo sua instalação efetivada em 18 de dezembro de 1955. Em finais desta mesma década, diante da rápida ascensão das Colônias de Imigrantes Holandeses dos Campos Gerais, houve o planejamento, por parte dos núcleos coloniais de Carambeí (fundada em 1911) e Castrolanda (criada em 1951), de um novo estabelecimento. Este projeto, nomeado de Imigração e Colonização, partia da hipótese de que cada colônia tinha o efeito de uma mancha de óleo, espalhando desenvolvimento e sustentabilidade para as regiões ao redor. Diante deste quadro, as Colônias, após várias procuras e tentativas de aquisição, “conseguiram comprar uma boa área do município de Arapoti”, onde implantaram seu projeto e instalaram a Colônia Arapoti:
No ano de 1959 e 1960, algumas pessoas das outras colônias foram preparar as terras, construir as primeiras casas para as pessoas que viriam da Holanda. Duas famílias das
1 A madeira serrada de Arapoti era encaminhada para Itararé, tendo como destino São Paulo. As pontas dos pinheiros eram também aproveitadas, sendo transformadas em lascas e utilizadas pela Fábrica de Papel.
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outras colônias se instalaram [...] já no primeiro semestre de 1960. O primeiro grupo de sete famílias mais três solteiros chegou [...] em 09 de junho de 1960 (SALOMOS, 1995).
Em 1960, foi fundada a Cooperativa Agropecuária Arapoti Ltda. Em 1966, a Cooperativa já contava com 55 associados e, se expandindo cada vez mais, em 1984 possuía 250 membros. Com os imigrantes, Arapoti foi, progressivamente, “transformando a paisagem de campos nativos”, tornando-se um grande e expressivo “produtor de leite, suínos, aves, milho, soja, trigo, aveia e outros produtos”, além do “gado holandês de alta linhagem” (POSSATTO, 1995).
Atualmente, o município é formado por três Distritos (Arapoti, Calógeras e Caratuva, sendo este último criado pela Lei Estadual nº 5751, de 28 de março de 1968). Repleto de lembranças vinculadas a um passado marcado pela constituição de fazendas que deram origem aos pequenos povoados , pela implantação da Linha Férrea e, especialmente, pela fundação da Fábrica de Papel e pela chegada de imigrantes holandeses, Arapoti é um local embebido por um amplo e instigante imaginário coletivo que, transmitido de geração a geração, é preservado do esquecimento e mantido, cotidianamente, vivo.
CONTEXTOS HISTÓRICOS E SOCIOECONÔMICOS VINCULADOS AO TERRITÓRIO DO MUNICÍPIO DE ARAPOTI
Desbravamentos do litoral e do planalto paranaenses: uma breve viagem por sua etno-história
Desde o final do século XV, quando se iniciou, efetivamente, o processo de desbravamento e ocupação dos vastíssimos espaços territoriais da América do Sul consubstanciado pela “descoberta” de um “novo mundo” realizada por Cristóvão Colombo, pela doação à Espanha, por meio de uma bula papal, “das ilhas descobertas e por descobrir que ficassem a leste de uma linha meridiana imaginada ‘a cem léguas das lhas dos Açores e Cabo Verde’” (MARTINS, 1953, p. 49) e, sobretudo, pela assinatura, em 7 de junho de 1494, de um tratado2 entre as Coroas de Castela e Aragão (Espanha)
2 Este acordo, conhecido historicamente como “Tratado de Tordesilhas”, definiu, de maneira direta, os rumos históricos a serem traçados pelas novas e longínquas terras além-mar. Conforme o documento, para a definição dos polos de abrangência, seria estabelecido um meridiano a 370 léguas ao poente do arquipélago do Cabo Verde; as terras situadas a ocidente pertenceriam à Coroa Espanhola e, aquelas situadas a Oriente, à Coroa Portuguesa: “[...] por bem de paz e concórdia e por conservação do devido e amor que o dito senhor rei de Portugal tem com os ditos senhores rei e rainha de Castela e de Aragão, etc.; a suas altezas praz, e os ditos seus procuradores em seu nome e per virtude dos ditos seus poderes outorgaram e consentiram que se faça e assine polo dito mar oceano uma raia ou linha direita de pólo a pólo, a saber do pólo árctico ao pólo antárctico, que é de norte a sul. A qual raia ou linha se haja de dar e dê direita, como dito é, a trezentas e setenta léguas das ilhas do Cabo Verde pera a parte do poente, por graus ou por outra maneira como melhor e mais prestes se possa dar de maneira que não sejam mais. E que tudo o que até aqui é achado e descoberto, e daqui adiante se achar e descobrir por o dito senhor rei de Portugal e por seus navios, assim ilhas como terra firme, des a dita raia e linha dada na forma suso dita, indo pela dita parte do levante dentro da dita raia à parte do levante ou do norte ou do sul dela, tanto que não seja atravessando a dita raia; que isto seja e fique e pertença ao dito senhor rei de Portugal e a seus sucessores pera sempre jamais. E que todo o outro, assim ilhas como terra firme achadas e por achar, descobertas e por descobrir, que são ou forem achadas polos ditos senhores rei e rainha de Castela e de Aragão, etc., e per seus navios, des a dita raia dada na forma suso dita, indo por a dita parte do ponente depois de passada a dita raia pera o ponente ou ao norte ou sul dela, que tudo seja e fique e pertença aos ditos senhores rei e rainha de Castela e de Leão, etc., e a seus sucessores pera sempre jamais”. (Tratado de Tordesilhas, 1494).
e Portugal a fim de evitarem conflitos de interesses, criarem zonas de navegação e dividirem o mundo em dois grandes polos de influência numerosos exploradores e aventureiros lançaram-se aos tempestuosos mares rumo às longínquas terras do além-mar, à procura de fontes produtoras, matérias-primas e, sobretudo, as tão cobiçadas e desejosas riquezas minerais. Estas riquezas, inicialmente encontradas pelos espanhóis nas regiões dos planaltos mexicano e peruano, rapidamente estimularam as imaginações e as esperanças dos portugueses que, percorrendo o litoral e o interior de suas novas possessões tanto por meios fluviais — através dos rios Amazonas, Paraná, Paraguai, Prata, entre outros quanto terrestres, não tardaram em descobrir ouro de aluvião nas regiões de Iguape, Cananéia, Vale do Ribeira e, especialmente, Paranaguá (COLNAGHI et al., 1992; WACHOWICZ, 2010). Foram estes caçadores de ouro que, “vindos de primitivas vilas paulistas, pelo Canal do Varadouro, penetrados de audácia e ambição [...]” (MARTINS, 1953, p. 210) iniciaram o povoamento do Paraná, estabelecendo, às margens da costa atlântica, sua primeira ocupação efetiva. Foram, portanto, os anseios pelo ouro e o achado de algumas faisqueiras que “atraíram os primeiros vindos. Foram elas [as minas] que trouxeram grupos iniciais de povoadores brancos e que lhes possibilitaram a existência durante quasi um século, no litoral e em certas regiões do planalto” (MARTINS, 1953, p. 217).
As incursões pelos sertões, contudo, para além da exploração territorial e da constante busca por reluzentes metais, foram motivadas, também, pelo apresamento, submissão e espoliação do indígena, braço de trabalho sobre o qual se assentou a colonização lusitana e que, por muito tempo, foi tratado como um “[...] ‘remédio da pobreza’ do paulista e seu maior e talvez único ‘meio de lucro’” (BALHANA et al., 1969, p. 53):
[...] o que só digo é que carecem muito aquelas Capitanias, deste mesmo gentio, quer liberto quer cativo, porque sem eles V. Majestade terá minas nem nenhum outro fruto daquelas terras, por ser tal a propriedade daquela gente, que o que não tem gentio para o servir, vive como gentio [...] (CARVALHO, Bartolomeu Lopes apud BALHANA et al., 1969, p. 26)
Para o estabelecimento e a manutenção do sistema colonial português, embasado, sobretudo, nos engenhos em torno dos quais nasceram a agroindústria canavieira, a economia açucareira e a formação da sociedade patriarcal , foi utilizada, como sustentáculo, a mão de obra escrava. Era o índio neste período primordial e, mais tarde, o negro, a força de trabalho que sustentava “todas as estruturas superiores da sociedade colonial: nos trabalhos domésticos, nas derrubadas e lavouras, ‘na jornada das minas e na condição das cargas’, como soldados das guerras no sertão contra outros índios que deveriam ser caçados [...]” (BALHANA et al., 1969, p. 27). Esta ampla rede de tráfico humano, explorada e mantida através de bandeiras, era encabeçada por homens cujas ações eram orientadas “no sentido de tirar o máximo proveito das brechas que a economia colonial eventualmente oferecia para a efetivação de lucros rápidos e passageiros” [...] ou no “sentido de buscar alternativas fora dos quadros da agricultura voltada para o mercado de subsistência” (DAVIDOFF, 1998, p. 25).
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A constante e progressiva busca por novos aluviões auríferos e por uma mão de obra a ser utilizada nos mecanismos e mercados econômicos em desenvolvimento levou, assim, vários exploradores a margearem e adentrarem, cada vez mais, os sertões paranaenses, atingindo as vastas regiões do Primeiro e Segundo Planaltos Paranaenses. A transposição da enorme barreira natural que separa a costa do interior ou seja, da Serra do Mar foi realizada, especialmente, por meio do Caminho do Peabiru, rota pré-cabralina de mais de duzentas léguas de trilhas vicinais que “dirigiase do atual litoral paulista, em São Vicente, sobre Itu, Piratininga-Sorocaba, para o Sul, rumo ao Paranapanema e de lá uma das principais nascentes do rio Ribeira acima, até os campos de Castro” (MAACK, 1959 apud BALHANA et al., 1969). Atravessando tanto o Brasil quanto o Paraguai, a Bolívia e o Peru, este vastíssimo caminho indígena unia, por meio de suas vias, os litorais paulistano, paranaense e catarinense ao peruano, sendo a mais importante passagem transcontinental da América do Sul.
Foi através das trilhas do Peabiru que, desde cedo, importantes exploradores, oficiais e viajantes europeus palmilharam e desbravaram os incógnitos sertões paranaenses, como Aleixo Garcia, Álvar Núñez Cabeza de Vaca e Ulrich Schmidel (1552). Garcia, um dos náufragos da expedição de Juan de Solis, partindo da Ilha de Santa Catarina penetrou os sertões do continente acompanhado de três outros europeus, atravessando o rio Paraguai e atingindo Chuquisaca, onde se deparou com a “resistente barreira do Império Inca” (BALHANA et al., 1969). Cabeza de Vaca, também saindo de Santa Catarina, cruzou por terra extensas paragens com o intuito de atingir os primeiros núcleos espanhóis no extremo oeste do Paraná, acabando por transcorrer os Campos Gerais e a trilhar, em direção oeste, perigosos caminhos até o território de Assunção (CABEZA DE VACA, 1945).
Deixando a ilha se Santa Catarina em 18 de outubro de 1541, Cabeza de Vaca, junto a 250 homens, 26 cavalos e vários indígenas que, “de su voluntad se ofrescieran [...] a ir en companhia del Gobernador y su gente, así para enseñar el caminho como para otras cosas necesarias” (CABEZA DE VACA, 1945, p. 213), após vários dias de marcha em meio a florestas e montanhas, atingiu o curso superior do rio Iguaçu em 1º de dezembro e, dois dias depois, o rio Tibagi, que aos seus olhos era “un rio enladrillado de losas grandes, solado, puestas en tanta orden y concierto como si a mano se hobieran puesto [...] y aunque el rio no era muy ondable, corría el agua com gran forza y fuerza” (CABEZA DE VACA, 1945, p. 168).
Desse ponto, seguiu em direção oeste, transpondo o rio Ivaí e vencendo, já em finais de dezembro, a escarpa do terceiro planalto pelo vale do rio pedra Preta. Em seguida, tomando a direção sul, atingiu o alto Piquiri e o rio Cobre para alcançar, em 31 de janeiro de 1542, o rio Iguaçu nas proximidades da foz do rio Cotegipe. A partir daí, a expedição foi dividida em dois grupos: uma parte que seguiu por caminho terrestre ao longo do vale do Iguaçu; a outra, embarcada em canoas adquiridas dos índios da região, desceu rio abaixo. Após percorrerem outros tantos aventurosos caminhos,
no dia 11 de março de 1542 a expedição finalmente atingiu seu destino: a cidade de Assunção3 sede da administração espanhola no rio Paraguai.
Ao longo de seu vasto e extenso trajeto pelos sertões paranaenses, Cabeza de Vaca e sua expedição conheceram e tiveram contato com diversos agrupamentos de populações nativas, com as quais mantiveram, conforme seus relatos, cordiais e amistosas relações:
[...] a cabo de los dichos diez y nueve días, teniendo acabados los bastimentos que sacaran cuando empezaron a marchar, y no teniendo de comer, plugo a Dios que sin perder ninguna persona de la hueste descubrieran las primeras poblaciones que dicen del campo, donde hallaron ciertos lugares de índios, que el senõr y principal había por nombre Añiriri, y a una jornada de este Pueblo estaba otro, donde había otro señor y principal que había por nombre Cipoyay, y adelante de este Pueblo estaba otro Pueblo de índios, cuyo senõr y principal dijo llamarse Tocanguanzu (CABEZA DE VACA, 1945).
Estas populações indígenas, identificadas pelo explorador como pertencentes às tribos Guarani, ocupavam vastas porções de terras, cultivando algumas espécies vegetais especialmente o milho e a mandioca e criando galinhas e patos à maneira dos espanhóis. Em épocas de poucas chuvas, assentavam suas aldeias nas beiras dos rios, onde pescavam, criavam animais e desenvolviam o cultivo de suas sementeiras. Já em épocas de cheias, passavam para áreas mais elevadas e seguras, provendo suas necessidades através da caça em substituição à pesca e, sobretudo, praticando a coleta como importante forma de abastecimento (CABEZA DE VACA, 1945, p. 227):
En la ribera [...] segundo la relación hobieran de los naturales, y por lo que vió por vista de ojos, está muy poblado, y es la más rica gente de toda aquela tierra [...], de labrar y criar, porque crían muchas gallinhas, patos y otras aves, y tienen mucha caza de puercos y venados, y dantas y perdices, codornices y faisanes, y tienen em el río gran pesquería, y siembran y cogen mucho maíz, batatas, cazabi, mandubies y tienen otras muchas frutas y de los árboles cogen gran cantidad de miel.
Outras informações sobre os grupos indígenas do século XVI podem ser encontradas nos relatos de viagem realizados pelo cronista alemão Ulrich Schmidel, primeiro viajante europeu que, entre os anos de 1552 e 1553, atravessou o continente de oeste para leste. Após organizar sua longa e penosa jornada até as bordas litorâneas do Atlântico, Schmidel deixou Assunção, acompanhado por 20 índios carijós, no dia 26 de dezembro de 1552. O explorador teve bons motivos para levar justamente índios carijós como acompanhantes de viagem: estes frequentemente migravam para o Atlântico e, sobretudo, eram excelentes conhecedores das condições e dos caminhos a serem encontrados mata adentro (MAACK, 2012, p. 77).
3 De acordo com Erneldo Schallenberger (2006, p. 35), “[...] em 1537, expedicionários espanhóis, liderados por Juan de Salazar, aliaram-se com índios Kário e assentaram o povoamento de Nuestra Señora de la Asunción, que criou status de vila em 1541, com a constituição de um cabildo [...] por iniciativa de Domingo Martinez de Irala”.
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Durante sua travessia pelos longínquos sertões, o explorador, fazendo o percurso contrário daquele empreendido por Cabeza de Vaca, se deparou com vários agrupamentos de índios Cários ou Guaranis que habitavam grandes extensões de terra nas margens dos rios Paraguai e Paraná:
Estos cários dominan gran território [...] son gente baja e gruesa y son mas resistentes y pueden aguentar algomás antes que outra nación. (También) ellos, los hombres, tienen en el labio un pequeno agurejito, en esse meten un cristal que es de un largo como de dos jemes y grueso como un canuto de pluma y el color es amarillo y se le llama [...] paraboe. Las mujeres y los hombres andan completamente desnudos, como Dios el Todopoderoso los há creado. El padre vende su hija, y el marido su mujer cuando ella no le place, y el Hermano su hermana [...] (SCHMIDEL, 1945).
Entre os Cários, os viajantes encontraram “trigo turco o maíz y mandiotín, batatas, mandioca-poropí, mandioca-pepirá, maní, bocaja [coco] y otros alimentos más, también pescado y carne, venados, puercos del monte, avestruces, ovejas indias, conejos, gallinas y gansos y otras salvajinas [...], también [...] em divina abundancia la miel de la cual se hace el vino” (SCHMIDEL, 1945). Além de horticultores, caçadores, coletores e pescadores, ainda migravam “más lejos que ninguna nación que está en esta tierra [...]”, não existindo população alguma que fosse “mejor para ocuparla en la guerra por tierra e que pueda aguentar más [...]”(SCHMIDEL, 1945). Quando entravam em guerra contra seus inimigos, capturavam e prendiam não somente homens, mas também mulheres, idosos e crianças, independentemente de suas idades, matando-os e comendo suas carnes (SCHMIDEL, 1945). Como forma de defesa, alguns grupos rodeavam a aldeia com paliçadas de troncos, trincheiras e profundos fossos com lanças pontiagudas fincadas. Esta estratégia foi, posteriormente, adotada pelos espanhóis para a proteção dos povoados:
[...] este asiento está hecho de dos palizadas de palos en derredor o en circulo y cada poste ha sido tan grueso como un hombre en la grosura y por la mitad [del cuerpo], y [...] ha estado parada una palizada a doce pasos de la otra y los postes han estado enterrados bajo tierra por una buena braza y sobre la tierra tan altos como hasta donde un hombre puede alcanzar con una tizona larga. Los Carios han tenido sus trincheras [...] tan hondos cual altos tres hombres. Dentro de éstos han clavado una lanza hecha de un palo duro y esta ha sido tan afilada y puntiaguda como una aguja. (También) a estos fosos los han cubierto con paja y pequeñas ramitas del bosque y volcado encima un poco de tierra y hierba para que nosotros no viéramos a estos fosos como que habían sido fosos [...] (SCHMIDEL, 1945).
A primeira cidade a ser estabelecida foi Ontiveros (1554), instalada na margem oriental do rio Paraná e, especificamente, em terras de uma povoação indígena denominada Canideyú (CHMYZ, 1976). Logo após, também no vale do rio Paraná, foi criada a Ciudad Real del Guairá (fins de 1556 ou 1557), ocupando terrenos concernentes a uma grande aldeia indígena pertencente ao cacique Guairá. Por último, foi fundada, próximo ao rio Piquiri, a Comunidade de Villa Rica del Espíritu Santo (década de 1570). Esta comunidade, poucos anos depois, transferiu-se para a margem esquerda do rio Ivaí, se fixando em território pertencente ao cacique Coraciberá (CHMYZ, 1976).
Nas vastas extensões do Guairá, marcadas por florestas tropicais, caudalosos rios, férteis solos e um clima propício ao desenvolvimento de atividades agropecuárias com boas temperaturas e ótimas distribuições de chuvas os colonizadores espanhóis estabeleceram e mantiveram constante contato com diversas parcialidades indígenas, sobretudo guaranis, que a seus olhos ofereciam plenas condições para que fossem introduzidos e congregados ao sistema econômico local: além de capazes de dar conta de suas necessidades de subsistência por meio da caça, coleta, pesca e, especialmente, práticas agrícolas e estarem cerceados por diversas qualidades produtivas, faziam parte de uma população doméstica e “amiga” dos cristãos, sendo, com um pouco de trabalho, passíveis de introdução na fé católica (SCHALLENBERGER, 1986). Com tais elementos positivos, os espanhóis não tardaram a inseri-los no processo de colonização, agregando-os em suas comunidades econômicas por meio das encomiendas
Representando “um primeiro ensaio de instituição do domínio da terra para o exercício do império sobre os nativos, isto é, de apropriação do espaço dos povos ameríndios e de sua força de trabalho” (SCHALLENBERGER, 2006, p. 38), a encomienda, calcada na subjugação dos indígenas com suas terras, suas florestas, seus rios e seus modos de vida e em um preceito de trocas entre a Coroa Espanhola e os colonos,
A partir de 1550, com a intenção de impedir a passagem de bandeirantes paulistas e exploradores portugueses rumo às riquezas de seus territórios, para assegurar e efetivar a posse de seus domínios, para conseguir um porto marítimo no Atlântico e, principalmente, para submeter nativos à servidão, os espanhóis iniciaram, a partir de 1550, sua presença colonizadora nas terras ocidentais do Paraná, pertencentes até então à governação espanhola do Paraguai e situadas na ampla região denominada Guairá, territorialidade esta que compreendia os espaços situados entre o rio Paraná na vertente oeste, o Paranapanema ao norte, o Iguaçu ao sul e, ainda, o trado imaginário de Tordesilhas a leste (BALHANA et al., 1969; SCHALLENBERGER, 2006). Movimentações europeias nos territórios paranaenses entre as décadas entre 1540 e 1560 (extraído de CARDOSO; WESTPHALEN, 1981).
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se estruturava da seguinte maneira: o colono, através de concessões oriundas das comunidades locais, tinha o direito de explorar trabalhos de grupos ou comunidades nativas durante todo o seu período de vida; contudo, em troca dessa exploração, deveria pagar um tributo que os índios vassalos deviam ao rei à metrópole, e ainda realizar a proteção e a instrução, nas doutrinações da fé cristã, daqueles que se encontravam sob sua jurisdição. Aos encomendados
cabia lavrar a terra, caçar e pescar para seus senhores, além de prestar serviços na construção de habitações e outros. Era, porém, na coleta da erva-mate, nos grandes ervais nativos da região, que a mão de obra indígena constituía a grande e única forma de trabalho existente (BALHANA et al., 1969, p. 48)
Os indígenas demonstraram, perante este sistema de domínio, uma forte resistência, reagindo com violência às investidas de dominação e submissão. Após ser vencido em seu combate a índios insubmissos, Hernando Arias de Saavedra sugeriu ao rei espanhol Felipe III “a renúncia das armas na submissão do gentil e a sua substituição pela conversão confiada a missionários que lhes levassem a palavra do Evangelho” (MARTINS, 1953, p. 142). A Carta Régia de 1608, resultado desta recomendação, além de criar e estabelecer a Províncial del Guairá, confiava aos missionários jesuítas o encargo de pacificar e, sobretudo, converter os “negros da terra” (BALHANA et al., 1969). Neste sentido, para além do uso da força que comprovadamente havia gerado uma grande resistência dever-se-ia integrar o indígena ao sistema colonial por meio do bom exemplo e da benevolência, ou seja, através da evangelização (SCHALLENBERGER, 1986). Como medida para solucionar a incumbência que lhe foi dada, a Companhia de Jesus concentrou sua ação missionária em torno da organização e fundação de aldeamentos indígenas. Estes aldeamentos também conhecidos como reduções , conforme o jesuíta Antonio Ruiz de Montoya (1985, p. 34), eram povoados ou povos de índios que, vivendo às suas antigas usanças em serras, selvas e vales, foram reduzidos pela diligência dos padres a grandes povoações e à vida política (civilizada) e humana.
As primeiras estações missionárias, fundadas entre 1610 1611, foram Nuestra Señora de Loreto e San Ignacio Mini, ambas localizadas à margem esquerda do rio Paranapanema. O sucesso do empreendimento foi tanto que permitiu o avanço do número de reduções pelos afluentes do rio Paraná, até encontrarem seu limite oriental na região do vale do Tibagi, sendo estabelecidos, entre os anos de 1624 e 1630, os núcleos de San Francisco Xavier (1624), de San Joseph (1625), de Nuestra Señora de Encarnación (1625), de Santa Maria (1626), de San Pablo del Iniaí (1627), de San Antonio (1627), de Los Angeles (1627), de San Miguel (1627), de San Pedro (1627), de Concepción de Nuestra Señora de Guañaños (1627—1628), de San Thomas (1628), de Ermida de Nuestra Señora de Copacabana (1628) e de Jesus Maria (1630).
As comunidades estabelecidas pelos jesuítas, estruturadas e organizadas em bases comunitárias, deveriam, em certa medida, atuar como um espaço onde os índios pudessem viver e produzir sua vida. Assim, para que a conquista e a redução dos
indígenas à vida civil e cristã fosse possível, os jesuítas buscaram estabelecer relações amistosas com os elementos mais influentes de cada grupo, visando aproveitar suas qualidades de liderança: os caciques (SCHALLENBERGER, 2006). Encontrando apoio na tradição tribal dos indígenas, a vida comunitária foi
[...] mantida e respeitada. Abaixo da autoridade superior do Cura, ou seja, do padre diretor da Redução, estava aquela do alcaide [...] e do corregedor [...]. Estas funções, no entanto, eram exercidas pelos próprios chefes dos grupos indígenas aldeiados, obedecida a hierarquia tribal (BALHANA et al., 1969: 52)
A definição dos locais onde deveriam ser criados os povoados, muitas vezes influenciada pela representatividade do cacique, esteve voltada, essencialmente, para a contemplação dos aspectos coletivos e familiares da vida reducional. Além de possibilitar boas condições de clima, de relevo, de solo e de hidrografia, a localização da comunidade deveria levar em conta, também, os aspectos culturais existentes na agricultura rudimentar, na caça e na pesca (SCHALLENBERGER, 2006).
As reduções, além de possuírem uma estrutura organizacional consubstanciada no catecismo e na aproximação dos indivíduos à mística religiosa, foram também objetos de um amplo planejamento arquitetônico. Delineadas por “um mesmo risco com ruas direitas e encruzadas em ângulos retos”, as aldeias possuíam casas “geralmente térreas, cobertas de telha, branqueadas, e com varandas pelos lados para preservarem do calor e da chuva [...]” (CASAL, 1945 apud BALHANA et al., 1969, p. 52). Cada comunidade era dividida em quadras de forma retangular ou quadrada que seguiam rumo à praça, que se localizava no centro da povoação. A Igreja, a casa dos padres, a escola, as oficinas, os depósitos e o cemitério, de maneira geral, ficavam em um único lado, enquanto nos demais eram mantidas as moradias indígenas, feitas de taipa e cobertas por tetos de duas águas (BALHANA et al., 1969, p. 52).
O cultivo da terra e a criação de animais se constituíam nas principais fontes de alimentação nas reduções. As lavouras, trabalhadas em regimes comunais, eram compostas especialmente por plantações de milho, trigo, vinha e mandioca, oferecendo, junto à grande capacidade dos Guarani na lida agrícola, importantes reservas alimentícias para todo o povoado. A princípio, a cada família
[...] davam os jesuítas as sementes precisas e dois bois para o trabalho de aração; Viram, porém [...], que este sistema não se acomodava [...], e estabeleceram o regime das lavouras coletivas, armazenando os produtos a distribuir pela comunidade na proporção de suas necessidades (MARTINS, 1953, p. 75).
Nas lavras eram conhecidas a irrigação, a rotação de culturas e a tração animal, assim como o uso de instrumentos de ferro. O plantio era realizado por linhas cruzadas, onde, em cada cruzamento, as sementes eram semeadas. A criação de gado, feita em grande escala, permitiria assegurar proteínas à população durante muitos anos.
Sempre com produções além do necessário para a manutenção subsistência, os
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aldeamentos também exportavam os excedentes, concorrendo “no tráfico dos artigos de exportação mais importantes” (BALHANA et al., 1969).
As atividades desenvolvidas eram separadas por gênero. Os homens se dedicavam às atividades do setor primário ou seja, à agricultura e à pecuária , enquanto as mulheres eram norteadas para as artes e para os trabalhos domésticos (BALHANA et al., 1969, p. 51), se destacando na produção de tecidos de algodão e lã. Ainda, os ofícios manuais ensinados pelos jesuítas estimularam o surgimento de índios especializados e capazes de atender todas as necessidades e funções da redução:
Todos os demais trabalhos de interesse para o conforto e progresso das reduções, foram sistematizados. Os próprios padres não somente os dirigiam como eles próprios os realizavam como estimulo e ensinamento. Fizeram-se, para isso, cortadores de madeira, carpinteiros, oleiros carreteiros, lavradores, tratadores de animais, etc. (MARTINS, 1953, p. 75).
A população do aldeamento, sobretudo infantil, reunia-se todas as manhãs na igreja para rezar e participar das missas. Em seguida, os adultos se dirigiam para os trabalhos na lavoura, nos ofícios ou, ainda, nas manufaturas e os pequenos para a escola, onde aprendiam a ler, a escrever e a lidarem com a música (MARTINS, 1953; WACHOWICZ, 2010).
O ensino, embasado fundamentalmente na doutrina cristã, era de responsabilidade dos padres. Buscava-se, nas práticas pedagógicas desenvolvidas tanto no ensino escolar quanto na música, na dança e nas artes cênicas , empregar recursos de expressão simbólica, “onde as linguagens falada e impressa representavam verdadeiros monumentos culturais para a conquista espiritual” (SCHALLENBERGER, 2006, p. 133). Assim, além de serem criados dicionários e gramáticas e produzidos textos catequéticos e político-culturais, a educação era também embasada na recitação e na repetição, atingindo, direta ou indiretamente, todos os membros da redução (SCHALLENBERGER, 2006, p. 133).
Apesar do grande progresso e de sua rápida expansão, as comunidades jesuíticas tiveram pouco tempo para viver a experiência do Guairá. Além de experimentarem uma série de animosidades, desavenças e oposições com os habitantes dos povoados espanhóis, foi necessário lidar com outra ameaça, maior e muito mais poderosa: as bandeiras paulistas. Conforme Maack (2012, p. 87),
Durante a época das bandeiras paulistas que então se iniciara, a obra dos jesuítas foi destruída a fogo e espada, com crueldade sem igual, de tal forma que não restou o mínimo vestígio do relevante serviço social realizado pela Igreja. Os bandeirantes paulistas reconheceram firmemente o perigo do Estado jesuíta e o destruíram impiedosamente quando ainda em formação. Um Estado desta natureza seria tanto um empecilho à expansão portuguesa para o interior, tão necessária, como para a limitação da esfera de interesses portugueses e espanhóis.
O reconhecimento do empecilho jesuítico não foi o único estímulo. Os paulistas, procurando pelos sertões “peças altamente qualificadas” e de fácil apresamento para abastecer a agroindústria do litoral brasileiro, “preferiam buscar suas presas nos aldeamentos [...], pois [...] os índios ali aldeados [...], além de reunidos em grande número, estavam praticamente incorporados à civilização e [...] já acostumados aos hábitos do trabalho rural” (BALHANA et al., 1969, p. 53).
Divididos em bandeiras e explorando os sertões paranaenses em busca da tão almejada mão de obra indígena, os paulistas não tardaram em atacar o Guairá, assolando e devastando todas as reduções jesuíticas e levando ao fenecimento as vilas espanholas da região:
Em 1629 arrebataram os índios das reduções de São Miguel, Santo Antônio, Jesus Maria, Encarnacion, São Francisco Xavier e São José, situadas na região do alto Tibagi. Já em 1632 foram destruídos os povoados missioneiros do Ivaí e do Piquiri, juntamente com Cidade Real e Vila Rica do Espírito Santo (SCHALLENBERGER, 2006, p. 82-83).
As bandeiras, ao destruírem todas as fundações e núcleos coloniais do Guairá, puderam reclamar para si o êxito de terem conseguido arrancar, dos jesuítas e da Coroa Espanhola, as terras entre os rios Paranapanema e Iguaçu (MAACK, 2012). A partir deste momento, caracterizado pela ampla retirada e pela fuga dos guaranis, a região do Guairá particularmente o vale do Tibagi e o terceiro planalto acabou sendo paulatinamente ocupada e habitada por indígenas Kaingang, que se opuseram tenazmente aos avanços luso-brasileiros nos séculos seguintes: “ao pacífico e dócil guarani rendeu, pois, o caingangue, índio renitente à civilização, da qual viveu à margem até meado do século XIX, evitando até então, o quanto pôde e por sistema o contato com nossa gente” (MERCER; MERCER, 1934, p. 14). Apesar da grande resistência indígena e das várias tentativas de expulsar os brancos, as terras foram paulatinamente invadidas e conquistadas através de conflitos armados e derramamento de sangue, sendo seus habitantes derrotados, espoliados, escravizados e até mesmo mortos. Até o final do século XIX, quase todos os grupos indígenas dos Campos Gerais haviam sido conquistados, com a exceção daqueles que residiam nas florestas entre os rios das Cinzas e Laranjinha.
Desbravamento e ocupação dos campos gerais: a exploração aurífera
Apesar das inúmeras penetrações territoriais para o apresamento e para a escravização do indígena, foi a incansável e persistente busca por metais que resultou, ainda na primeira metade do século XVII, na ocupação das terras litorâneas (Paranaguá) e do Primeiro Planalto Paranaense (Campos de Curitiba):
Os bandeirantes tiveram o mérito de permitir o conhecimento do território, mas não tiveram nenhum assentamento ou centros permanentes para uma economia objetiva. Essa permanência só aconteceu com o processo de garimpagem e posteriormente agricultura e pecuária. (LICCARDO et al., 2004, p. 47)
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Com as primeiras “faíscas” de ouro, encontradas em regiões próximas a Paranaguá em finais do período quinhentista, deu-se início a importantes fluxos de pessoas em buscas de fortunas, acabando por desenvolver, na região, um amplo desbravamento do interior – apoiado pelos indígenas, que eram “descidos de suas aldeias por suas próprias vontades, para virem residir com os homens civilizados”, ou apossados por meio de “guerras defensivas e humanitárias” (NEGRÃO, 1962 apud BALHANA et al., 1969, p. 119) – e o estabelecimento de vilas:
Verdadeiros pioneiros [os mineradores], enfrentavam destemidamente o sertão bravio, estimulados pelo desejo de enriquecimento rápido. Agrupavam seus acampamentos, formando um arraial, onde moravam em toscas cabanas de pau, cobertas com folhas de palmeiras ou capim. Com frequência, esses rudes mineradores contraíam casamento, ou simplesmente amigavam-se com índias da região [...] (WACHOWICZ, 1967 apud COLNAGHI et al., 1992, p. 16)
A exploração do ouro1 — evidenciada de forma esparsa e modesta até finais do século XVII e a economia a ela atrelada não demoraram, contudo, a iniciar seu processo de gradativo declínio. À ideia de esgotamento somaram-se também as novas notícias de grandes descobertas auríferas na região das Gerais lugar este que, rapidamente, começou a oferecer oportunidades de enriquecimento a muitos exploradores , levando à emigração de considerável parte dos mineradores do planalto e do litoral para a região central do Brasil (MARTINS, 1953). Neste cenário, apesar de a economia da mineração não se extinguir, teve seu dinamismo perdido: Assim,
A mineração não mais geraria renda suficiente para manter o nível geral das atividades econômicas na região de cujo povoamento fora a causa. Com isso a economia como um todo iniciou seu processo de contração, sendo a população obrigada a adequar-se a níveis bem mais baixos de produtividade e renda, deslocando os fatores de produção para outras atividades que lhe permitissem sobreviver (COLNAGHI et al., 1992, p. 17).
Este amplo processo de esvaziamento da principal atividade primária produzida até então resultou no surgimento de uma nova estrutura social, representada, a partir daí, por proprietários de terras muitos dos quais haviam sido, em tempos anteriores, detentores de concessões de mineração. Neste novo cenário, a pecuária e a agricultura se tornaram as principais atividades e, principalmente, a base de sustentação da população que permaneceram na região:
Bovinos para a carne, o leite, o couro, outros subprodutos e também para tração; equinos para a locomoção, o trabalho do pastoreio e o transporte; muares para o transporte de cargas em caminhos mais longos e íngremes: essas foram as principais fontes das atividades nas fazendas (CONALGHI et al., 1992, p. 22).
Escasseados novos descobrimentos e as produções das minas, os grupos advindos passaram a explorar o pastoreio e esse novo gênero de vida foi exigindo esforços sedentários, fixados em torno dos ‘currais da criação e foram surgindo os sítios e nas zonas deles os arraiais estáveis, nebulosas aldeias, vilas e cidade (MARTINS, 1953, p. 218).
A fase de estagnação paranaense teve uma curta duração. Apesar do grande influxo demográfico oriundo dos achados de ouro na região dos Caetés e do Vale do Rio das Velhas , um novo estímulo econômico e social lançou novas e definitivas bases para a consolidação da ocupação2 e do desenvolvimento do Primeiro Planalto e, especialmente, dos Campos Gerais: o Tropeirismo.
Campos Gerais: sesmarias, fazendas e tropeiros
A nova região aurífera3, localizada no centro do Brasil e que arrastou uma grande quantidade de migrantes para o seu cerne, rapidamente começou a sofrer um grande problema: o dos transportes. A carência de gêneros, numa população que se dedicava exclusivamente à cata do ouro e que ultrapassava um milhão de pessoas (COLNAGHI et al., 1992), trouxe consigo vários transtornos relacionados a provisões e abastecimentos “que raiaram pelo drama da fome” (BALHANA, 1969, p. 62). O principal porto natural de escoamento era o Rio de Janeiro, mas dele “a separavam centenas de quilômetros de caminhos acidentados que serpenteavam por grandes serras como a dos Órgãos e a Mantiqueira” (CONALGHI et al., 1992, p. 25). Diante deste panorama, assinalado pela ampla necessidade de sustento das pessoas ligadas à pratica da mineração e, também, pela ausência de animais essenciais para o lidar cotidiano, o único meio de transporte tangível era o lombo de animais, sobretudo muares.
Surgiu portanto, em função do ouro mineiro, uma crescente e constante demanda por animais na região central do Brasil, respondida e suprida, essencialmente, pelo Extremo Sul4, que encontrou nas Minas Gerais e, posteriormente, nas fazendas paulistas e na região fluminense o mercado para o produto de suas atividades econômicas:
Ao surto de novos descobrimentos de ouro noutras regiões do país, nas Minas Gerais, principalmente, a criação se desenvolveu, e aos Campos de Curitiba vinham os aventureiros da Vila de Santa Ana do Parnaíba, centro de compra e venda de ouro e de formação de bandeiras descobridoras, buscar o gado preciso para as suas entradas e permanência nos sertões de Sabará e de Ouro Preto (MARTINS, 1953, p. 217).
2 Essa consolidação, oriunda de uma vasta expansão da comunidade curitibana, “ocupou os campos de Curitiba; incorporou as fazendas mais antigas, paulistas, dos Campos Gerais; atravessou os matos da Serra da Esperança, ocupando os campos de Guarapuava; daí atravessou as matas do Iguaçu, ocupando os campos de Palmas; marchando mais para o sul, entrou nos campos de S. João, de onde retrocedeu, por encontrar a expansão em sentido contrário dos fazendeiros do planalto catarinense. De Palmas ocupou o Campo Erê, de onde, em procura por um caminho em direção às Missões, região produtora de muares, atravessou o Passo de Goio-Em [...] chegando até Santo Angelo, com a primeira ocupação dos campos de Nonoai” (MACHADO, 1962, p. 132)
3 Conforme Colnaghi et al (1992, p. 25), “em poucas décadas [...] o Brasil passava a ser o maior produtor mundial de ouro e a nova região aurífera sobrepassava em riqueza a região açucareira nordestina, até então geradora de cerca de 90% da riqueza gerada no Brasil como um todo”.
1 Conforme David Carneiro (1962, p. 19), “[...] as minas mais importantes que teve o Paraná nos fins do século XVII e metade do seguinte foram, além de Penajoia, Uvaporanduva (no Canguirí), do Pau Vermelho, [...] a do Pantanal, da Carioca, do Limoeiro, do Ribeirão (nos morros da Carreira), depois Capituva e Guarumbi. Ao todo houve, segundo o Dr. Ermelino 21 minas diferentes, desde Cubatão a Tagassaba até Faisqueira e Pinto no sopé, e galgando o rio da Serra Negra, as de Guarumbí, Açungui, Nandira e Ariraia até o Itapitanguí”.
4 As capitanias do Nordeste, grandes produtoras de bovinos, foram coibidas, através de cartas régias, a não fornecerem seus animais à região aurífera: “Preocupado com o desvio de ouro para as Capitanias do Nordeste, o Rei de Portugal enviou cartas régias em 1701, 1702 e 1703 para o governador da Capitania do Rio de Janeiro, proibindo a comunicação entre as capitanias canavieiras e mineiras, a vinda do gado delas e ordenou que se dessem sesmarias para a criação de gado no Sul” (BACH, 2010, p. 20).
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Os Campos Gerais5, narrados pelo viajante francês Auguste de Saint-Hilaire, na década de 1820, como uma “das mais belas regiões” do Brasil e como “um desses territórios que [...] se distinguem em qualquer região pelo seu aspecto e natureza” (SAINT-HILAIRE, 1978: 15-16), tornaram-se um dos basilares deste novo quadro econômico e colonial. Conformados por opulentíssimas paisagens de campos limpos, capões de matas de Araucária e importantes redes de interflúvios, estas terras não demoraram em atrair a atenção de ricos e poderosos habitantes de São Paulo, Santos e Paranaguá, que, desde o século XVIII, estimulados pelos elevados preços que os gados poderiam alcançar, ali conquistaram, via doação, várias sesmarias6 e fundaram fazendas para lidar com “um negócio a ser explorado comercialmente, tendo em vista o abastecimento de São Paulo e, principalmente, das regiões mineiras [...]” (BALHANA et al., 1969, p. 30). As motivações eram tão vivas e acentuadas que, até meados do século, os pedidos de concessão de terras abrangeram um total superior a noventa. As sesmarias, neste cenário, se diferenciavam por sua extensão e localização, formando três principais elementos: fazendas, sítios e chãos urbanos, onde “os sítios foram unidades produtivas de retaguarda das fazendas”, atuando como “unidades produtivas organizadas para a sustentação das fazendas e dos centros urbanos” (RITTER, 1980, p. 81-82). Assim, até meados do século XIX, esses campos encontravamse já ponteados de fazendas e de invernadas “desde as de grande vulto até as dos sitiantes ou pequenos povoadores” (MARTINS, 1953, p. 218). Assim,
De Itararé ao Registro de Curitiba, em 359 quilômetros de percurso, havia fazendas [...] no Morungava, no Iapó, Guartelá, Castro, Carambeí, Pitanguí, Santa Cruz, Caiacanga, nascentes do Tibagi, etc. e já nos Campos de Curitiba, até o rio Negro, numa extensão de 449 quilômetros do mesmo ponto de partida às proximidades da sede da Comarca, em Itaquí, Piedade, Ferraria, Bacacheri e Borda do Campo (MARTINS, 1953, p. 218).
Nem toda a extensão dos Campos Gerais estava coberta pelos latifúndios. Na “Relação das Fazendas”, de 1772, ao lado dos 29 latifúndios da parte norte dos Campos Gerais, existiam 10 sítios, pequenas propriedades realmente exploradas [...]. Na parte central, a mesma “Relação” assinala 12 grandes fazendas e 13 sítios. Em resumo, no ano de 1772, em toda a extensão dos Campos Gerais, desde Itararé até os Campos da Lapa [...] existiam 50 grandes fazendas e 125 sítios (MACHADO, 1968, p. 34).
A produção e a criação das fazendas, contudo, era insuficiente para as grandes demandas de abastecimento da região central do Brasil. Nos pampas, entre o rio Uruguai e o litoral, haviam sido formados rebanhos bravios, oriundos de animais fugidos dos estabelecimentos espanhóis e portugueses e, sobretudo, das reduções
5Conforme Ritter (198, p. 149) “[...] a área dos Campos Gerais, coberta de vegetação gramínea e limitada por espessa mata, com exceção a leste que confinava com os Campos de Curitiba por matas ciliares, a noroeste ligava-se aos Campos de Piratininga através das faxinas e Campos do Itararé e do rio Verde, recebia esta denominação em razão de sua enorme extensão, não constituindo ‘uma comarca nem tão pouco um distrito’. Começavam à margem esquerda do rio Itararé e estendiam-se até as proximidades do Registro de Curitiba. A partir desta última região começavam a se diferenciar, apresentando majestosas florestas. Além das matas de araucárias, numerosos rios e riachos contribuíam para a fertilidade dos campos. Nessas terras férteis, de ‘boas aguadas’, os requerentes de sesmarias formariam suas fazendas e sítios”.
6 Segundo Ritter (1980: 173), “no início do século XVIII encontramos [...] com frequência nas Cartas de Sesmarias, a afirmativa do requerente da necessidade de terras para ‘levantar currais’ e organizar lavoura para ‘sustentação da família. Estas sesmarias geralmente tinham a dimensão de três léguas em quadra”.
jesuíticas que percorriam essa imensa área ainda escassamente ocupada. Contudo, não existia nenhuma ligação terrestre entre esta riquíssima região, situada no Rio Grande do Sul, e separada de Curitiba por várias léguas de inóspitos e desconhecidos campos. Foi, nessa conjuntura marcada pela inexistência de um caminho regular entre os planaltos sulinos, que o capitão-general de São Paulo, Antonio Caldeira Pimentel, em finais da década de 1720 determinou a abertura de um caminho que ligasse os campos de Viamão aos de Curitiba e que proporcionasse a subida das tropas de gado. Entretanto, não apenas o gado vacum transitou pela nova rota. Em 1731, quando o então Caminho de Viamão encontrava-se já concluído, a primeira tropa, conduzida por Cristóvão Pereira de Abreu e composta por “duas mil e tantas cabeças entre cavalos, muares e eguas” (BALHANA et al., 1969, p. 65), rumou do Rio Grande do Sul, penetrou pelos Campos Gerais e, finalmente, atingiu São Paulo. Esta longa viagem inaugurou a “Era do Tropeirismo”, trazendo consigo não apenas a inauguração de uma nova fase de atividades econômicas para os habitantes do Paraná, mas também o surgimento de agrupamentos humanos permanentes muitos dos quais tornar-se-iam pontos de passagem, vilas e cidades onde eram realizadas prestações de serviços, cultos religiosos e comercializações de produções agropecuárias e, sobretudo, de uma forte cultura e maneira de viver que permaneceriam gravados tanto na geografia quanto na memória e na história da região:
Foi o ciclo da criação [e comércio] pastoril que iniciou a vida doméstica, a atividade prática, o estabelecimento da ordem nos turbulentos e instáveis “arraiais de mineradores”. Foi a criação “o quasi único aspecto tranquilo de nossa cultura; por ela abriram-se as comunicações terrestres iniciadas pela conquista e conservou-se, como ainda hoje se conserva, nas estâncias sertanejas, o verdadeiro ou único tradicionalismo da vida nacional” (João Ribeiro, História do Brasil, 184) (MARTINS, 1953, p. 223).
Até o final do século XIX7, incontáveis tropas provenientes do Rio Grande do Sul, do Uruguai e do Paraguai percorreram o Caminho de Viamão com destino à Sorocaba, onde anualmente era realizada uma grande feira que recebia, recolhia, reunia e negociava os animais do extremo sul com paulistas, fluminenses, mineiros e nortistas. Neste contexto, os Campos Gerais constituíram “estágio indispensável antes de Sorocaba para que [os animais] se refizessem do perdido peso que a longa viagem aniquilava”, pois “o Paraná era a ligação geográfica entre São Paulo e Rio Grande, e servia como entreposto” (CARNEIRO, 1962, p. 44-45). Baseada, preponderantemente, no comércio de tropas muares e bovinas, a comunidade paranaense em delineamento ocupou vastíssimas regiões para isso apropriadas: todo o espaço formado, essencialmente, por campos naturais. Assim,
A floresta foi o limite de sua expansão, pois que, de acordo com o mercado existente, a floresta não oferecia possibilidades de exploração comercial. As vastas regiões
7 Conforme Balhana et al. (1969: 65), neste século, “sob a base da grande propriedade de terras de campo natural, da criação de gado, do tropeirismo e da invernagem, e do trabalho escravo de índios e de negros, caracterizou-se [...] a classe dominante regional, configurada em famílias fazendeiras, vivendo em suas terras e detendo o poder político local e regional, por meio de oligarquias parentais”.
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de florestas só seriam ocupadas e valorizadas no século XX, quando o mercado o justificasse, mas por outras comunidades, com outras tradições de culturas econômicas: os plantadores de café e de cereais, originários de outras regiões sócio-econômicas situadas fora do Paraná, em expansão, ocuparam as grandes regiões e ricas áreas florestais que rodeiam a região dos campos limpos (BALHANA et al., 1969, p. 87)
As Fazendas e a Invernadas
As fazendas de gado conhecidas, sobretudo, como fazendas de criar , essenciais para a expansão e fixação demográfica da comunidade paranaense assim como para o desenvolvimento da Colônia, foram inicialmente estabelecidas, nos Campos Gerais, ao longo do antigo caminho existente entre Curitiba e São Paulo aberto desde os primeiros tempos de povoamento e associavam-se, sobretudo, às sesmarias entregues aos primeiros povoadores da região. Para o seu estabelecimento era necessário, primeiramente, que o empreendedor enviasse para a área algum entreposto, que junto a alguns escravos tomava posse das terras, para onde eram conduzidas algumas cabeças de gado; posteriormente, alegando posse, era solicitada uma doação de sesmaria, sendo esta concedida após aprovada a existência de culturas plantadas e/ou criação, assim como moradias habituais (MACHADO, 1968, p. 30). A grande propriedade, proporcionada pela sesmaria, “dava ao seu beneficiário perspectivas de influência e poder consolidados pela sua atuação política e econômica” (RITTER, 1980, p. 88). Os “senhores de fazendas”, no século XVIII e no início do XIX, tinham, com muita frequência, subordinados no cargo de administradores, cuidando do setor econômico e gerindo a estrutura das fazendas. Estes homens, denominados de vaqueiros ou fazendeiros, eram remunerados com a quarta parte das crias após cinco longos anos de trabalhos; depois de transcorrido esse tempo, podiam fundar fazendas, uma vez que possuíam animais o suficiente para almejarem suas próprias terras:
Os fazendeiros não eram proprietários, mas empregados. Remunerados com a quarta parte das crias, pouco a pouco formavam seu patrimônio. Apossavam-se de terras próximas às fazendas ou arrendavam-nas dos proprietários e alguns solicitavam sesmarias. Muitos deles eram parentes ou pertenciam ao clã do sesmeiro (RITTER, 1980, p. 193).
Entregues a uma vida predominantemente campeira, à hegemônica presença de uma classe senhorial e a uma estratificação grandemente assinalada pela relação senhor-escravo, as famílias fazendeiras, baseadas em seus vínculos hierárquicos, desenvolveram uma economia praticamente autárquica, voltada, ao mesmo tempo, para dois essenciais elementos: para a subsistência e para o comércio de gado. Ali,
Com o algodão que vinha da região de Sorocaba e com a lã de seus próprios carneiros, em rodas de fiar e teares, manejados pelas mulheres, fabricavam o pano de sua roupa.
Com a madeira de seus capões, construíam suas casas, suas mobílias, suas cercas, seus galpões. Com o ferro em barra armazenado, reparavam seu instrumental de trabalho.
Do couro de suas crias faziam os aperos de seus cavalos, os arreios, lombilhos, xergas, buçais, cinchas, botas (BALHANA et al., 1969, p. 88).
Na economia quase autossuficiente das fazendas o trabalho fundamental era necessariamente o da produção de alimentos, que consistiam, sobretudo, na carne de porco, no milho, o feijão, na mandioca e no arroz. Estes artigos, básicos para a subsistência e produzidos na própria fazenda, geralmente não eram comercializados. Embora a criação bovina fosse a mais abundante, a carne de boi não foi utilizada como alimento diário, pois era produto de exportação e, em consequência, razão econômica para a existência e a manutenção das estruturas agrárias (BALHANA et al., 1969). Nas terras da própria fazenda, ainda, era possível plantar, colher, moer e panificar o trigo, que fornecia, conforme o viajante Saint-Hilaire, um pão “bem branco e muito saboroso”; do leite oriundo de algumas vacas eram feitos diversos laticínios, que constituíam a principal alimentação dos pobres e dos escravos. As casas, rodeadas por vastos pomares e hortas onde frutas tropicais se misturavam às europeias laranjeiras, pessegueiros, ameixeiras, macieiras, jabuticabeiras, figueiras, cerejeiras, pereiras, marmeleiros, ananazes, limoeiros, romãzeiras, parreiras, entre outros estavam muito longe de apresentarem o luxo e a ostentação evidenciada nas residências de poderosos e abastados proprietários das Minas Gerais: eram, frequentemente, locais dotados de extrema simplicidade, mobiliados de forma rústica e com poucos e utilitários elementos (SAINT-HILAIRE, 1978). Nas modestas construções, o espaço existente nas paredes era preenchido por laços, chicotes, selas cabeçadas, esporas, espingardas e garruchas, demonstrando que a prioridade não era o luxo, mas sim os objetos necessários para o lidar cotidiano.
A estrutura das fazendas, geralmente similares, era delineada por um amplo complexo com numerosas construções e instalações. De maneira mais abrangente, eram edificados cercados, currais, açudes, senzalas e, ainda, a casa do proprietário; os cercados, normalmente, eram feitos de pau a pique e os maiores, chamados de manga, possuíam dimensões de meia légua quadrada e eram onde se colocava os animais para a engorda. A benfeitoria mais importante da fazenda era o curral, frequentemente construído de forma retangular e edificado com madeiras; ali cabiam, sempre, mais de duzentas rezes adultas. Nos currais eram recolhidas as vacas paridas separadas dos bezerros para serem ordenhadas pela manhã o gado que exigia tratamento e os bois destinados à venda. Em muitas das fazendas, havia a cacimba, que consistia em um amplo poço aberto na areia de rios e riachos; outras se utilizavam de açudes, com profundidade máxima de cinco metros. A Casa das Fazendas, quase sempre, era uma habitação coberta de telhas, com muitos cômodos e, principalmente, uma varanda que proporcionava sombra e abrigava as montarias. A casa do fazendeiro o administrador era, frequentemente, uma choupana de paredes de taipa, também coberta de telhas (RITTER, 1980, p. 81-82).
Aos escravos que não eram apenas negros, mas também indígenas alicerces essenciais da sociedade dos Campos Gerais, cabiam as mais diversas funções. Os homens marcavam gados, domavam potros xucros, castravam novilhos, forneciam sal aos rebanhos e vigiavam diariamente o gado, atentando para roubos, doenças, ferimentos,
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ataques de animais ou flechadas de índios; ainda, participavam das reparações que fossem necessárias nas estruturas da fazenda e cuidavam das plantações (GUTIÉRREZ, 2004); ainda, podiam exercer o trabalho de capatazes e administradores, “o que demonstra a ascensão social desse tipo de trabalhador” (RITTER, 1980, p. 196) e a sua importância para o funcionamento das fazendas. As mulheres eram encarregadas, sobretudo, das atividades domésticas, limpando e cozinhando, produzindo farinhas, queijos e velas, confeccionando tecidos de lã e algodão, roupas e cobertores e, também, cuidando das crianças, dos pomares caseiros e das hortas (GUTIÉRREZ, 2004).
Se os escravos negros eram adquiridos por meio da compra, os indígenas eram conseguidos através da apreensão, muitas vezes direta. Vivendo em um panorama delineado pelo constante e intensivo conflito com os “gentios da terra”, que frequentemente atacavam e destruíam fazendas situadas próximo às matas, os fazendeiros empreendiam pelo menos uma vez ao ano caçadas aos bugres, matandoos, ferindo-os, afugentando-os e, sobretudo, reduzindo-os à escravidão, aplicando sua mão de obra nos labores campeiros. Elucidativa desta situação é a famosa e memorável Fazenda Fortaleza, inserida na ampla territorialidade dos sertões do Tibagi8 Esta propriedade, que “tinha nada menos de vinte e uma léguas de extensão” (BIGGWHITTER, 1974, p. 368) e que havia sido construída por José Félix da Silva em finais do século XVIII, se achava “profundamente encrustada nas terras ocupadas pelos selvagens”, que frequentemente a “invadiam e causavam desordens”, sendo perseguidos pelos homens do coronel que, além de investirem contra os desordeiros, “matavam alguns, aprisionavam mulheres e crianças” (SAINT-HILAIRE, 1978, p. 44). A Fazenda, de acordo com informações obtidas pelo viajante e estudioso inglês Thomas P. Bigg-Wither (1974, p. 368369), que percorreu as terras paranaenses entre os anos de 1872-1875,
Tinha sido construída [...] para servir de forte e ponto de reunião geral contra os índios que, naquele tempo, infestavam a região, disputando a sua posse com os novos c colonizadores brasileiros. Antes da existência do forte, os índios davam muito trabalho aos fazendeiros, atacando o pequeno número, particularizadamente, que ficava na roça durante o dia, ou então à noite, nos ranchos de madeira, não lhes dando assim sossego o ano inteiro. A Fortaleza foi construída e tornou-se, como se resolveu, o ponto de reunião de todos os fazendeiros para ataque ou defesa. Os índios, por fim, encontraram quem os vencesse. Cuidadosamente guardado durante o dia e a noite, este novo forte resistiu as tentativas de destruição.
A formação social e a mão de obra nas fazendas, contudo, não era composta apenas de senhores e escravos. Existia, também, uma terceira categoria, menor, intermediária e muito frequente: a dos agregados. Juridicamente livres mas subordinados à classe
8 A Fazenda Fortaleza é amplamente conhecida, no Paraná, pela tumultuada e conflitosa relação familiar nela vivida: “José Félix da Silva [...] passava por ser um dos homens mais ricos da Província de São Paulo, sendo ao mesmo tempo famoso por sua avareza. Esse homem tinha-se casado com uma mulher pobre e, como a tratasse com extrema severidade ela planejou desembaraçar-se dele mandando assassiná-lo. Empreitou dois facínoras para que dessem cabo dele, mas o homem de se defendeu valentemente e conseguiu escapar. Não obstante, perdeu durante a luta todos os dedos de uma mão, e a outra ficou também muito ferida, além disso, os golpes que recebeu nos pés o deixaram permanentemente manco. [...] Ela foi posta na cadeia, mas o marido conseguiu tirá-la à custa de muitas manobras e petições. À época de minha viagem fazia já muitos anos que ele a mantinha confinada na fazenda, de onde ele próprio também não se afastava [...]” (SAINT-HILAIRE, 1978, p. 42-43).
senhorial, essa população, composta por homens e mulheres de diferentes idades, residia geralmente em pontos mais distantes da sede das fazendas, atuando como “feitores, capatazes, capangas, compadres, formando uma rudimentar clientela dos donos de fazenda” (BALHANA et al., 1969, p. 93). No Paraná, o agregado, apesar de ter menores condições econômicas que os fazendeiros, “às vezes apossava-se de terras e formava seus sítios” (RITTER, 1980); ainda, era possível que recebesse um quinhão de terras dos proprietários mediante um tributo pago sobre a terra ou a entrega de uma parte de sua produção. A estrutura e relação “escravo-senhor”, com o fim da escravidão, foi substituída, passando a ser “patrão-camarada”:
Em geral caboclos, mas não excluindo negros e mulatos, os camaradas assumiram inteiramente sua nova função pelos princípios do século XX. Peões, domadores, caseiros, servidores domésticos, suas relações com os patrões representavam ligeiras alterações do patriarcalismo brasileiro. Com suas famílias, moravam em casas de madeira ou ranchos, espalhados pelos campos das fazendas; mantinham relações de compadrio com seus patrões; suas filhas e filhos menores [...] eram criados pelos fazendeiros nas casas destes, onde executavam serviços domésticos. Não se chamavam mucamas nem moleques, mas cumpriam a mesma função. Eram castigados pelo padrinho com castigos corporais nos raros momentos de rebeldia. [...] Quando cresciam, eram os camaradas, assalariados, mas presos por certos laços de lealdade que não rompiam facilmente (BALHANA et al., 1969, p. 95).
Com a independência, os chefes das notabilíssimas famílias fazendeiras começaram a ser inseridos na vida política, não só apoiando os presidentes de Província, mas participando e atuando diretamente nela (BALHANA et al., 1969). Esses chefes, oriundos de antigas e abastadas linhagens que tinham se tornado latifundiárias já na primeira metade do século XVIII, assumiram cargos públicos, corpos militares e, também, hierarquias eclesiásticas (GUTIÉRREZ, 2004). Se, no início da criação das fazendas, os proprietários eram absenteístas deixando suas terras sob a administração de um capataz , no decorrer do século XIX, quando a pecuária já possuía uma valiosa força econômica e política , grande parte residia em sua própria fazenda, cuidando e dirigindo seus negócios.
Além da criação e exportação de gado, as fazendas forneceram outra atividade rentável, que se tornaria o principal negócio do território paranaense durante o século XIX: o aluguel de pastagens para a realização de invernadas. Tendo-se em vista que somente os estancieiros do Rio Grande podiam criar mulas, tão necessárias para o suprimento das crescentes demandas das Capitanias e Províncias de São Paulo, Minas, Goiás, Mato Grosso e Rio de Janeiro que se abasteciam na feira de Sorocaba , os fazendeiros dos Campos Gerais observaram que reservar espaços em suas propriedades para arrendamento aos tropeiros viandantes poderia ser uma importante fonte de lucro, com renda muito mais fácil do que a da criação de gado e com menores exigências de capital e de mão de obra. Nesse panorama, até mesmo o gado vacum, originário das recentes terras guarapuavanas e remetido em tropas para São Paulo, deveria ser invernado nos Campos Gerais (BALHANA et al., 1969: 97).
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Neste cenário, os criatórios propriamente ditos foram reduzindo suas espacialidades nos campos paranaenses à medida que o novo modo de uso da propriedade se alastrava. Já em meados do século XIX, as fazendas da região invernavam, por ano, aproximadamente “30.000 cabeças de raça muar destinadas às Feiras de Sorocaba” (BALHANA et al., 1969, p. 97).
O arrendamento dos campos não era tão somente uma entrega das pastagens para o tropeiro em troca de uma retribuição monetária. O fazendeiro oferecia as terras, o trato dos animais com o fornecimento de sal9 e, ainda, a condução da tropa para a feira de Sorocaba por peões e capatazes da própria fazenda (BALHANA et al., 1969, p. 98):
As cláusulas de um contrato de arrendamento, de 1862, esclarecem o negócio: o fazendeiro arrendava uma “boa invernada com macega de dois anos, para 650 ou 700 mulas”, recebia a tropa e dela “cuidaremos com nossos cavalos, daremos sal de 15 em 15 dias”, e depois de alguns meses, “mandaremos conduzir a tropa para a Feira de Sorocaba [...]”. O arrendatário tropeiro “paga os potreiros e dá 10 mulas mansas para a condução da tropa e nós entraremos com o resto dos cavalos”; o pagamento seria feito na Feira de Sorocaba por ocasião da venda das mulas “a 5 mil réis por besta”.
Diante do crescente comércio de tropas, os fazendeiros se transformaram, também, em tropeiros. Percorrendo o Caminho das Tropas rumo ao sul para comprar muladas, invernavam os animais em suas próprias fazendas e, posteriormente, os encaminhavam e comercializavam em Sorocaba. O tropeirismo, além de condizente com o gênero de vida já levado nos Campos Gerais, conforme Aída Mansani Lavalle (1996, p. 820) “era o melhor emprego de capital dos fazendeiros dos Campos Gerais” e envolvia todos os homens válidos da família, abrangendo desde pais e filhos até genros e netos. Na segunda metade do século XIX, os homens da então recente Província do Paraná já se encontravam “em maioria entre os que fazem passar, trazidos do sul, tantos animais; também não admite dúvida que à mesma Província pertence a maior parte do capital empregado em semelhante comércio que, na comum estimativa, é perto de mil contos” (ZACARIAS, 1854 apud BALHANA et al., 1969, p. 99).
Com o desenvolvimento cada vez maior dos negócios, os fazendeiros paranaenses tentaram eliminar de suas investidas econômicas o intermediário gaúcho, que atuava no comércio de tropas tão somente como um revendedor. Para alcançar tal objetivo, além da compra de propriedades no extremo sul, foi aberta uma nova estrada que, partindo de Chapecó e sem passar pelos pampas rio-grandenses, atingia diretamente Corrientes, localidade esta donde provinha grande parte dos animais (BALHANA et al., 1969).
9 O sal, conforme Auguste de Saint-Hilaire, servia para manter o gado com um bom estado de saúde. A distribuição, em algumas fazendas, era feita de dois em dois meses e, em outras, quatro vezes ao ano. Para reunir os animais e fornecer-lhes o atrativo, “os vaqueiros galopam pelos campos gritando [...] toma, toma; o gado responde soltando mugidos e acorrendo de todos os lados. O sal é colocado no chão, em pequenos montes, tendo-se o cuidado de escolher para a distribuição um local perto de um córrego qualquer. O gado, depois de comer o sal, vai beber água, depois volta, come o que restou, lambe a terra e só vai embora quando já não resta a menor partícula do seu petisco favorito.” (SAINT-HILAIRE, 1978, p. 20). Essa prática, para Saint-Hilaire, conservava o gado manso, mesmo sendo criado à solta pelos campos
A transformação dos fazendeiros em tropeiros e das fazendas de criatório em áreas de invernada foi acompanhada pela ampliação monetária, pelo desenvolvimento de um comércio contrário à autossuficiência das fazendas e, principalmente, pelo predomínio econômico das cidades (MACHADO, 1962). As residências senhoriais e suas mobílias, amplamente marcadas por sua rusticidade à época da passagem de SaintHilaire (1820), modificaram-se gradativamente, recebendo novos tons de opulência e refinamento: xícaras de porcelana chinesa, talheres de prata, grandes espelhos, marquesas, escarradeiras de louça, cadeiras austríacas, cálices, relógios de paredes, entre outros, começam a aparecer, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, como elementos preferenciais das moradias mais abastadas. Para a manutenção dos novos gostos, as cidades tornaram-se repletas de casas comerciais onde se vendia e se comprava de tudo: “[...] remédios, alimentação, ferragens, louças, jóias, artigos de couro, etc.” (BALHANA et al., 1969, p. 100). Um exemplo desta ampla variedade de produtos e mercadorias pode ser observada e calculada através do fornecimento de uma casa comercial de Castro à Fazenda Jaguariaíva, que contada no inventário da proprietária, realizado no ano de 1871 (BALHANA et al., 1969, p. 100-101):
Os medicamentos constituíam longa lista [...]. Grande número de tecidos: morim francês, algodão enfestado, chita de Londres, riscado francês, algodão trançado azul, cadarço de lã, retrós, baeta azul, algodão mescla, baeta vermelha, cassa imperatriz, mousseline, cadarço de linho para cós, cassineta, [...] cortes de vestidos de lã e seda, colcha de chita [...]. Gêneros alimentícios e bebidas: sal, bacalhau, macarrão, barril de vinho tinto de Lisboa, barricas de farinha de trigo, açúcar, café, barricas de aguardente, latas de azeitona, garrafas de cerveja branca, vinho Lacrima Christi, Cognac Superior, vinho Bordeaux, latas de chá Lypton. Artigos variados: lampião de querosene, palitos, velas de espermacete, cadeiras, facas dom cabo de marfim, [...] copos de cristal, espelhos, tigelas, canecas douradas, pratos de travessa grandes, [...] fechaduras, espingardas, espoletas, chumbo, botões de madrepérola, alfinetes, pregos de bater, [...] roupas feitas, calças e camisas de tecidos grosseiros, toucas de seda [...] (BALHANA et al., 1969, p. 100-101).
Tropeirismo do Sul do Brasil e os Tropeiros
Entre os séculos XVIII e XIX o muar teve grande importância para a organização e o desenvolvimento econômico do Brasil. Todo o sistema de transporte fosse do ouro, do café, da erva-mate ou de outras cargas era sustentado no lombo do burro, que, com suas bruacas percorria dezenas de milhas de caminhos e picadas adentro, e na figura do tropeiro, que, andando e desandando os vastos, longínquos e difíceis territórios, conduzia as tropas de animais e controlava seu comércio entre o Extremo Sul e o Centro Sul.
Consolidador da economia interna colonial, este amplo sistema, conhecido como tropeirismo, além ter atuado como um elemento de aproximação dos atuais estados sulinos com as regiões de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, foi responsável pela movimentação, durante seu longo período existencial, não somente de animais e mercadorias, mas especialmente de homens, mulheres, hábitos e costumes, que
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criaram raízes não apenas nos Campos Gerais, mas em todos os locais por onde passaram as trilhas e picadas do “Caminho das Tropas”. Perdurando até o final do século XIX, as atividades dos tropeiros desenvolviam-se em um trajeto que abrangia mais de 1000 quilômetros: saindo das estâncias gaúchas, as tropas, divididas entre 500 a 600 animais, eram guiadas através de difíceis trechos até os Campos Gerais, onde repousavam após a perda de peso durante a longa jornada — até recomporem-se fisicamente, adquirindo novas forças e multiplicando seu valor de venda. Chegando preferencialmente em fevereiro, as tropas descansavam nas invernagens até outubro, quando então eram conduzidas rumo à Feira de Sorocaba.
Pouso Noturno de Tropeiros
Autor: Joaquim da Rocha Ferreira (Acervo do Museu Paulista — USP).
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Este percurso, entre os anos de 1760 e 1810, foi atravessado em sentido sul-norte por mais de quinhentos negociantes, ajudados por um número ainda maior de peões, capatazes, fiadores, cobradores, fiscais, entre outros homens, como aqueles que forneciam víveres ou estancieiros que alugavam campos de invernada (GIL, 2009).
O negócio de animais não era controlado por algum monopólio ou algum grupo especializado; também não era aberto apenas a proeminentes membros de uma elite local, “mas estava igualmente no quadro de possibilidades de uma grande quantidade de pessoas que tinham condições de conseguir algum recurso” (GIL, 2009, p. 56).
Acessível, portanto, a todos aqueles que “tivessem áreas de capim com aguadas e matas, características que nas pradarias dos planaltos abundavam” (GUTIÉRREZ, 2004), esta atividade atraiu a atenção de diversos paranaenses, que fizeram passar, pelo Caminho das Tropas, dezenas de milhares de animais.
Além de beneficiar os comerciantes, a transação de muares se tornou um importante e rentável negócio para a Coroa, que arrecadava elevadas importâncias através de pedágios estabelecidos entre as províncias. Nestes pontos, estrategicamente posicionados e conhecidos como “Registros”, as tropas eram registradas, podendo então circular de maneira legal pelos territórios. Quanto mais distante a viagem, maior seria o valor pago em pedágios. O comércio tropeiro era essencialmente ligado à Estrada das Tropas. Tal Estrada possuía muitas semelhanças com os caminhos coloniais, consistindo em uma picada sem manutenção, larga o suficiente para a passagem de um animal por vez (GIL, 2009). As viagens, pelo caminho, eram realizadas sem pressa e possuíam diversas variáveis e contratempos que poderiam afetar sua duração. Lenta e exigindo um considerável tempo para ser executada, a condução de animais de carga que saturavam seus longos com aproximadamente 150 quilos de produtos sofria vários percalços que influenciavam no rendimento das andanças e no deslocamento das tropas: chuvas, rios e atoleiros, encostas com aclives, áreas brejosas, lajes de pedra, entre outros (HERBERTS, 2009). O trecho mais difícil de todo o percurso era aquele situado no sertão de Lages: composto por uma extensa região desabitada e formada por muitos rios e precipícios, possuía caminhos tão estreitos “que as mulas carregadas de canastras não conseguiam passar” (BACH, 2010, p. 11).
No transcorrer do século XIX, apesar do declínio da exploração aurífera das Minas Gerais, a importância do tropeirismo não esmoreceu. Muito pelo contrário. As tropas, amplamente utilizadas, permaneceram responsáveis pelo transporte das mercadorias, levando-as aos mais distantes rincões brasileiros. Com a vinda e o estabelecimento da Família Real Portuguesa e com a política de abertura dos portos às nações amigas, incrementou-se a produção do açúcar, do algodão e, especialmente, do café, aumentando e até mesmo alargando o amplo panorama circunscrito pela atividade tropeira.
Caminhos de tropas
Brasil Meridional nos séculos XVIII e XIX (extraído de RODERJAN, 1990).
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O Declínio do Tropeirismo
Em 1881 o Presidente da Província do Paraná João José Pedrosa (apud MACHADO, 1962, p. 147), manifestou-se sobre um quadro que, paulatinamente, vinha se agravando anos atrás: “um ramo de comércio, que de alguns anos a esta parte, ha decaido consideravelmente, é o de animais muares e cavalares que, trazidos do Rio Grande, eram levados à Feira de Sorocaba”. Esta circunstância, a seus olhos, se devia “à diminuição da procura por animais nas Províncias que deles se supriam por intermédio desta (Paraná), e isso em razão do prolongamento das estradas de ferro, que vão excluindo os serviços feitos outrora por bestas”.
A crise dos negócios de invernagem já havia se manifestado alguns anos antes. Agravando-se continuamente, a partir de 1875 o número de muares entrados em Sorocaba começou a declinar, de “tal maneira que em 1860 aquele número atingia a casa dos 100.000 e, no final do século, não passava de 5.000 por ano” (MACHADO, 1962, p. 148). As tropas de mulas encaminhadas das invernadas dos Campos Gerais ao mercado sorocabano não encontravam facilmente compradores, sendo então reconduzidas ao Paraná, onde se esgotavam por preços que “desmoralizavam o negócio” (MACHADO, 1962, p. 148).
Diante desta circunstância, houve diversas preocupações, por parte do governo e dos próprios fazendeiros, em reascender a economia vinculada à criação de gado, relegada por muito tempo ao abandono. A situação para a reintrodução, contudo, encontrava-se muito diferente daquela do século XVIII:
Naquela época havia um mercado em carência, que apelava para os produtores, oferecendo-lhes altos preços. Agora, nas últimas décadas do século XIX, aqueles mercados contavam com outras fontes de suprimento, já organizadas para isso, enquanto que as fazendas do Paraná, depois de restringirem a produção durante tanto tempo, teriam, então, de se refazerem para competir (MACHADO, 1962, p. 148).
A província [...] de S. Paulo, que de muitos annos tem offerecido os unicos mercados consumidores para a exportação de nossas boiadas, muito ha desenvolvido e melhorado a creação do gado em seu proprio território. Calculando pela diminuição que nestes últimos annos tem sofrido a nossa exportação, póde-se aventurar que aquella Província, dentro de pouco tempo, deixará completamentede ser tributaria da nossa nesse ramo de comércio. Sinto ter de confessar aqui a inferioridade do nosso gado para poder competir com outro importado no grande mercado do Rio de Janeiro (SOBRINHO, 1886, p. 42).
Esse panorama, além de trazer um rápido processo de empobrecimento para os fazendeiros, carregou consigo a desagregação da estrutura das fazendas, que não mais cumpriam sua função de integrar a comunidade no conjunto nacional e que não mais conseguiam manter as grandes famílias dentro do contexto social da Província e do Estado (MACHADO, 1962). As baixas rendas geradas pelas propriedades, o aumento dos núcleos familiares ao mesmo tempo em que todas as terras dos Campos Gerais já haviam sido ocupadas, entre outros fatores, dissociaram a família fazendeira da propriedade. Diante
disso, os novos membros se viram forçados a procurar outras fontes de renda, partindo para as cidades ou para outros campos, como aqueles de Passo Fundo, Palmeira das Missões, Soledade, Nonoái e Santa Maria. Muitas terras herdadas nos Campos Gerais foram ofertadas e vendidas a novos donos (MACHADO, 1962).
Além do surgimento das estradas de ferro, da deterioração dos negócios de invernagem, da queda da produção das fazendas e da perda dos principais mercados consumidores, outros fatores, oriundos do século XX, contribuíram diretamente para a derrocada do tropeirismo: introdução de veículos automotores, abertura e construção de rodovias e anéis de conexão entre vários estados brasileiros e, também, a crescente utilização de maquinários agropastoris.
Imigração no Paraná e imigrantes nos Campos Gerais
As imigrações humanas fazem parte de um fenômeno constante, permanente e universal. Neste amplo movimento de povos e populações, a América, desde remotos tempos, atuou como um continente de imigração, recebendo e agregando em suas vastíssimas extensões territoriais um numeroso contingente de imigrantes.
Todo o povoamento americano “se fez através de contingentes imigratórios procedentes sobretudo da Ásia, nos tempos pré-colombianos, e da Europa e da África, após o descobrimento” (BALHANA et al. , 1969, p. 156). Trata-se, portanto, de uma história de longa duração sobre imigração, colonização e estruturação de novas sociedades que, embora distantes no tempo, nas motivações, nos ritmos e nas amplitudes, são marcadas por algumas constâncias (BALHANA, 1989, p. 120; 1996, p. 39).
Durante os mais de cinco séculos que transcorreram após a primeira viagem de Cristóvão Colombo e sua chegada à América, mais de setenta milhões de imigrantes, com distribuição bastante desigual no tempo, no espaço e nas quantidades, se estabeleceram em solo americano e ali iniciaram uma nova vida.
No período colonial, quando a Europa expandia suas fronteiras para regiões além-mar e as práticas econômicas vigentes favoreciam, de modo exclusivo, as metrópoles, a imigração era orientada por um proeminente caráter restritivo e seletivo determinado, especialmente, por interesses e necessidades socioeconômicas (BALHANA, 1989, 1996). Neste sentido, aqueles que conquistavam permissões e licenças legais para se estabelecer nas colônias americanas eram, via de regra, alguns privilegiados súditos da metrópole. Estas ocupações, entretanto, situavam-se especialmente nas regiões litorâneas, pois os primeiros colonos “não contavam com recursos materiais e humanos que lhes permitissem estender por todo o território conquistado sua efetiva presença colonizadora” (BALHANA, 1996, p. 40).
Esta situação, com o decorrer do tempo, foi paulatinamente se transformando. Em meados do século XVIII, diante da preocupação em estimular o crescimento das
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populações livres das áreas colonizadas e em estender a presença europeia nos sertões, as políticas imigratórias começaram a perder seu forte teor restritivo e a tornarse mais abrangentes.
Com a entrada do século XIX, as metas geopolíticas, delineadas essencialmente pela necessidade de asseguração das posses de territórios ainda indefinidos e contestados, foram fortalecidas com a transposição da Família Real ao Brasil. Frente às ansiedades e preocupações com os grandes vazios demográficos existentes nas terras sob seu domínio, o príncipe regente D. João VI, no mesmo ano de sua chegada aos trópicos brasileiros, decretou, em 25 de novembro de 1808, que
Sendo conveniente ao Meu Real Serviço, e ao Bem publico aumentar a Lavoura, e a População, que se acha muito diminuta nesse Estado; e por outros motivos, que Me forão presentes: Hei por bem, que aos Estrangeiros residentes no Brazil, se possão conceder Datas de terras por Sesmarias pela mesma forma, com que segundo as Minhas Reaes Ordens se concedem de quaesquer Leis, ou Disposiçoens em contrario.
A Meza do Defembargado do Paço o tenha afim entendido, e o faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em vinte e cinco de Novembro de mil oitocentos e oito. (BRASIL, Decreto de 25 de novembro de 1808. Impressão Régia, Rio de Janeiro, 1808).
Com esta abertura mais direta, que tornou possível o acesso à propriedade de terra aos estrangeiros, vários europeus começaram a cruzar os oceanos e a se instalar em terras brasileiras: além dos alemães que rumaram a Ilhéus, na Bahia, em 1818, e dos suíços alemães que partiram para Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, em 1819, vários germânicos começaram a se estabelecer nas primeiras colônias alemãs no sul, como São Leopoldo, em 1824, Três Forquilhas e Torres, em 1828, e, ainda, São Pedro de Alcântara e Rio Negro esta última em territórios paranaenses , em 1829.
Apesar das várias críticas realizadas a esse amplo programa de colonização e suas consequências, que culminaram, sobretudo, no artigo 4º do capítulo II da lei orçamentária de 15 de dezembro de 1830 lei esta que deixava abolia “em todas as Provincias do Imperio a despeza com a colonisação estrangeira” uma nova fase de incentivo à imigração se tornou possível e assegurada a partir de 1834, com a publicação da Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, onde foi transferida às autoridades provinciais a competência de “promover, cumulativamente com a Assembléa e o Governo Geraes, a organização da estatistica da Provincia, a catechese, a civilisação dos indigenas, e o estabelecimento de colonias”.
Estas medidas do governo imperial, entretanto, ocasionaram uma importante alteração no modelo político de imigração, fomentado, agora, pela questão relacionada ao necessário suprimento da mão de obra. Nessa época, caracterizada pela expansão da economia de expansão brasileira, que deslocava para São Paulo o centro da produção cafeeira, e pela política cada vez mais restritiva ao tráfico de escravos, houve uma constante angústia e preocupação com os problemas vinculados à mão de obra (BALHANA, 1996, p. 43).
Assim sendo, diante desse contexto, [...] desde 1842, o Conselho de Estado aliara-se aos interesses dos grandes proprietários paulistas que defendiam, contra a imigração para a formação de núcleos coloniais independentes, baseados na pequena propriedade, exclusivamente a imigração de trabalhadores agrícolas para suas fazendas. Na defesa acirrada dos seus interesses, visando terras para o cultivo cada vez mais avançado do café e os braços para sua cultura, estes proprietários propuseram o acesso à terra unicamente por meio da compra, o que impediria aos imigrantes, recém-chegados ao Brasil, a propriedade da terra, obrigando-os à prática do aluguel de seu trabalho (BALHANA, 1989, p. 123).
Correram paralelas, portanto, duas orientações e duas práticas imigratórias: uma oficial e incentivada pelo Governo, que visava à criação de núcleos coloniais de estrangeiros, e outra particular mas também estimulada por fatores governamentais , que objetivava sobretudo, a obtenção de trabalhadores agrícolas para as grandes fazendas.
Esta situação, à primeira vista díspar e paradoxal, era resultante de uma contradição vivenciada no período e assinalada por dois principais fatores: a carência de uma mão de obra para a agricultura extensiva e de exportação e a necessidade de fomento de pequenos proprietários especialmente colonos morigerados e laboriosos para a produção de lavouras de subsistência (BALHANA et al., 1969; BALHANA 1989; 1996).
O agravamento das condições de abastecimento e a elevação dos valores dos gêneros de primeira necessidade na própria Província de São Paulo levaram à adoção de posturas menos radicais ao acesso das terras.
O Decreto nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854, favorecia a imigração através de estímulos concedidos à posse de terras, possibilitando, a qualquer indivíduo, independentemente de sua nacionalidade, o ingresso às terras e, sobretudo, prestando auxílios em favor da colonização (BALHANA, 1989).
O colono começou a ser visto como um remédio para problema da carestia e da alta dos preços, sendo o imigrante, então, considerado como aquele capaz de criar uma civilização camponesa à maneira europeia (ANDREAZZA; NADALIN, 1994, p. 64).
Diante deste panorama, foram privilegiadas as condições peculiares de diversas províncias, como a do Paraná, “onde não existiam grandes propriedades rurais exigindo mão de obra assalariada em larga escala” (BALHANA et al., 1969, p. 160).
Com a emancipação político-administrativa paranaense, ocorrida em 1853, os governantes da região buscaram constantemente desenvolver uma política imigratória adaptada às realidades locais. Neste sentido, ao contrário do que ocorria nas outras regiões do Império, onde a imigração era dedicada, especialmente, ao suprimento da carência de mão de obra nas grandes lavouras exportação, no Paraná tinha-se o intuito de criar uma agricultura de abastecimento (BALHANA, 1996). Era para lamentar, conforme Francisco Liberato de Mattos, Presidente da Província do Paraná no ano de 1858,
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[...] que esta província, cujos terrenos produzem com abundancia a mandioca, o arroz, o café, a canna, o fumo, o milho, o centeio, a cevada, o trigo e todos os generos alimenticios, compensando tão prodigiosamente os trabalhos do agricultor, receba da marinha e por preços tão exagerados a mór parte daqueles generos. Este estado de cousas porem tenho que continuará, e que só quando colonos morigerados e laboriosos vierem povoar bossas terras vastas e fecundas, apparecerá a abastança dos generos alimenticios e abundantes sobras do consumo irão dar nova vida ao commercio de exportação dos productos agricolas (MATTOS, 1858, p. 35).
Para atuar contra a decadência da produção agrícola e trazer significativos progressos no âmbito rural, havia
[...] a necessidade de [promover] a emigração de colonos morigerados e laboriosos, que, conhecedores de processos mais acabados, e habituados ao uso de instrumentos mais vantajosos ao maneio e cultura das terras, se empreguem nos vastos campos que possue a provincia, e cuja prodigiosa fertilidade abrange todo o genero de producção agrícola [...].
Não contando a provincia proprietarios habilitados a receber colonos por salario ou parceria, porque, como sabeis, sua lavoura é a chamada pequena e portanto a que menos se presta a colonisação por aquelles meios, é pelo de venda ou aforamento de pequenos lotes de terra por modico preço, que se hade realisar, em meu entender, a colonisação da provincia, a qual por ele se avantajará a mór parte das do Imperio pela proverbial salubridade de seu clima e agradavel temperatura, porque tanta preferencia lhe dão os filhos do norte da Europa (MATTOS, 1858, p. 21).
Em consonância com esta realidade, o Governo Provincial, atrelado às medidas tomadas pelo Governo Imperial em relação à promoção e facilitação da imigração, organizou e introduziu um plano de colonização baseado no estabelecimento de colônias agrícolas nos arredores dos centros urbanos, com desígnio de inseri-las junto aos mercados consumidores (BALHANA, 1996). Até o final da década de 1870, dezenas de colônias e núcleos coloniais com uma composição bastante heterogênea haviam proliferado na Província, agregando em suas terras grupos de alemães, italianos, poloneses, franceses, suíços, ingleses, entre outros.
Os positivos e satisfatórios resultados alcançados no Planalto Curitibano incitaram a atenção, também, de diversos imigrantes estabelecidos em outros locais da região sul, atraindo-os para o Paraná, onde “se dispersaram pelas colônias já existentes, ou formaram colônias particulares, ou ingressaram nas atividades artesanais [...]” (BALHANA, 1969, p. 168). Com esta situação, que em muito enriqueceu o quadro populacional do Paraná, registrou-se “um surto demográfico não apenas urbano, mas sobretudo rural, surgindo uma paisagem nova, constituída de pequenas propriedades de reimigrantes que espontaneamente se fixaram nos arredores de Curitiba” (BALHANA, 1996, p. 42).
Na passagem do século XIX para o século XX, o Paraná contava com um contingente de imigrantes formado por, aproximadamente, cem mil imigrantes europeus e seus descendentes de diversas etnias e origens.
A Imigração nos Campos Gerais: o Caso dos Alemães-Russos de Volga
Na década de 1870, momento este no qual a decadência da estrutura agrária dos Campos Gerais pautada, até então, na figura do fazendeiro e de suas extensas fazendas de invernagem já era muito visível aos olhos das autoridades provinciais, um novo elemento fez surgir a expectativa de renovação das condições econômicas e sociais da região: a introdução de novos contingentes populacionais, compostos especialmente por imigrantes.
Neste ambiente de mudanças sociais e econômicas, “as autoridades alimentavam esperança de que o sistema agrícola dissociado da criação, que caracterizava a estrutura agrária paranaense, fosse modificada pelos imigrantes europeus portadores de outra tradição rural” (BALHANA, 1963, p. 36). Foi diante deste quadro que chegaram aos Campos Gerais, a partir de 1877, as primeiras levas de alemães do Volga (sul da Rússia). Fugindo das ameaças de alistamento forçado10, muitos colonos, junto com suas famílias, abandonaram as terras às quais pertenciam e embarcaram em vapores destinados ao Brasil. Chegando aos trópicos americanos, foram distribuídos pelos campos de Ponta Grossa, Palmeira e Lapa. Estes imigrantes, espontâneos e em busca de uma nova pátria para refúgio e abrigo, não aportaram às nossas praias guiados pela fantasia de colher riquezas imaginarias, mas apenas attrahidos pela amenidade do nosso clima e pela uberdade de nossas terras, trazendo comsigo os instrumentos de trabalho e o fructo de suas economias [...], em proveito proprio e com grande vantagem para o paiz (OLIVEIRA JUNIOR, 1878, p. 54).
Com a vinda e instalação desses colonos nos Campos Gerais, os donos de fazendas, já há muito enfraquecidos política e economicamente, se esforçaram por vender suas propriedades ao Governo para a colonização: “as terras compradas pelo Govêrno a fim de instalar os novos colonos foram, via de regra, antigas fazendas, e não constituíam um bloco único. Assim, cada uma das colônias estabelecidas nos três municípios, era composta por vários núcleos coloniais dispersos e, por vêzes, bastante distantes um do outro” (BALHANA, 1963, p. 41). Conforme Bento de Oliveira Junior, Presidente da Província do Paraná no ano de 1878, os habitantes locais
[...] desinteressadamente se prestaram a auxiliar todos os serviços concernentes ao estabelecimento dos colonos [...]. Além das demonstrações de prazer com que foram os colonos recebidos pela população do logar, tiveram ainda pessoas mais abastadas a lembrança de oferecer a cada chefe de familia, duas vaccas, o que muito os contentou, visto como pretendiam eles adoptar aqui o mesmo systema de agricultura que tinham na Europa, dedicando-se simultaneamente a cultura de cereaes e criação de
10 Estes imigrantes, conforme Altiva Pilatti Balhana, “haviam primeiramente ido fixar-se na região do Volga, entre os anos de 1764 e 1769, oriundos da Alemanha, em grande parte naturais de Hessen, Württenberg, Pfalz e Franken, na época de Catarina II, princesa alemã do Anhalt-Zerbst. Ela, como seria natural, lhes fez vantajosas concessões porque desejava introduzir culturas agrícolas nas ‘incultas estepes do Volga’. Por isso consentiu, por decreto, que os alemães do Volga gozassem do direito de administração própria, jurisdição alemã, escola, igreja, enfim cultura alemã e mais ainda a isenção de serviço militar. Estes privilégios foram pouco a pouco sendo retirados até que, em 1874, se quis também retirar-lhes a “liberdade militar” [...] (BALHANA, 1962, p. 162-163).
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gado. Todas estas manifestações revelam que os habitantes daquela localidade comprehenderam perfeitamente que o estabelecimento de tão importante nucleo colonial vae abrir [...] uma nova era de prosperidade e riqueza, para que ele estava talhado pelas felizes condições naturaes em que se acha (OLIVEIRA JUNIOR, 1878, p. 53).
Apesar de todos os esforços, a colonização russa sofreu um ruidoso fracasso. Pouco tempo após instalados, os imigrantes começaram a se retirar. Os motivos para esta “fuga” em larga escala seriam, conforme a imprensa de S. Petersburgo, basicamente dois: a presença de um clima inconveniente e, sobretudo, uma terra imprópria para a agricultura que, por consequência, deixou os novos colonos na mais profunda miséria (apud BALHANA et al., 1969, p. 175; BALHANA, 1996, p. 165-166). Dos 20 mil colonos aguardados, desembarcaram apenas 3.809 e, destes, permaneceram nos Campos Gerais um número inferior à metade, deixando desocupadas 367 das 659 casas construídas para seu alojamento (DANTAS FILHO, 1880, p. 66).
Os colonos que persistiram em permanecer dedicaram-se a plantações em pequena escala, cultivando milho, feijão, centeio e batatas, fumo, trigo, aveia e diversas qualidades de hortaliças. Suas culturas, muitas vezes bem restritas, mal dava conta de prover o sustento dos próprios colonos. Frente a esse quadro, os “russos” se sintonizaram à estrutura econômica por outros meios, criando um sistema de transporte que, por muito tempo, foi um elemento de relativa importância na economia do mate e no transporte de outras mercadorias (MACHADO, 1968). Este fato foi de grande significação, “pois somente participando do comércio do mate é que eles encontrariam uma atividade capaz de garantir sua sobrevivência e prosperidade” (BALHANA, 1962, p. 169).
Não apenas dos transportes viveram os imigrantes russos. Além de levarem cargas e mais cargas de um canto a outro, desenvolveram o comércio das “vendas” de beira de estrada, comprando erva e produtos agrícolas dos pequenos produtores compostos geralmente por caboclos e os revendendo para o comércio das cidades (MACHADO, 1968). Através dessas atividades de distribuição, os imigrantes “russos” logo se incorporaram às classes dominantes das cidades, transformando-se me grandes comerciantes.
Novas Correntes de Imigração nos Campos Gerais
Após as malogradas iniciativas oficiais de colonização dos Campos Gerais, alguns novos contingentes de imigrantes foram, ainda, encaminhados aos núcleos abandonados pelos “russos”. Contudo, tanto os antigos quanto os novos colonos já haviam assentido à ideia, por anos perpassada, de que os campos não podiam ser cultivados e só deveriam ser usados para atividades pecuárias. Desta maneira, as áreas que foram e ficaram efetivamente ocupadas eram aquelas associadas, simultaneamente, a campos e matas: “os colonos cultivando as terras de mata e utilizando o campo para o pasto, ingressaram na rotina do sistema de rotação de terras, adaptandose às práticas agrícolas da estrutura arcaica” (BALHANA, 1962, p. 170). Estas colônias, social, econômica e culturalmente sem expressão, pouco contribuíram no estímulo de
novos empreendimentos colonizadores na região. Perante essa situação, somente muitos anos depois houveram novos pensamentos relacionados à reconquista dos Campos Gerais para a exploração agrícola. Essas novas tentativas resultaram, a partir de então, em iniciativas particulares (BALHANA, 1962; BALHANA et al., 1969).
As novas conjunturas, inauguradas pela realização de grandes obras públicas, esboçaram novas perspectivas para a questão da introdução de imigrantes, oferecendo a estes grandes oportunidades de trabalho. Um grande pontapé, neste sentido, foi dado pelas companhias construtoras de ferrovias, amplamente interessadas na colonização das regiões abertas pelos cortes traçados por seus vastos trilhos na intenção de valorizá-las. Neste panorama, os empreendimentos da Brazil Railway Company, empresa responsável pela construção da extensa linha férrea que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul, foram decisivos para a fixação, com sucesso, de uma saliente e considerável quantia de imigrantes nos Campos Gerais. Com o objetivo de estabelecer uma estrutura capaz de viabilizar a construção do ramal ferroviário que conectaria as cidades de Ponta Grossa e Castro, a Brazil Railway implantou, em meio a uma região de limpos campos, um núcleo de colonização de destinado a imigrantes com interesse em dedicarem-se a atividades agropecuárias. Esta colônia, chamada Carambeí, apesar de inicialmente destinada a povos alemães, rapidamente atraiu a atenção de grupos holandeses, que viram a oportunidade de construir, ali, um espaço caracteristicamente neerlandês.
A despeito das várias dificuldades com as quais os colonos esbarraram no início de suas investidas, Carambeí constituiu, efetivamente, a primeira experiência bem-sucedida de colonização nos Campos Gerais. Altamente marcada por sua aposta no sistema de cooperativismo, já nos primeiros anos a colônia se destacou na indústria de laticínios, que rapidamente ganhou grande relevância como atividade econômica local. Com seu rápido crescimento e novos estímulos, oriundos das facilidades de crédito oferecidas pelo Banco do Brasil e da crescente introdução de maquinários agrícolas, suas atividades agrícolas se expandiram, dedicando-se, especialmente, ao cultivo de trigo e arroz, de modo a não prejudicar a constante produção de leite. Junto a estas atividades, Carambeí também desenvolveu, de maneira ampla, a criação de aves de corte e a suinocultura.
Mesmo diante de difíceis tempos, o núcleo colonial exerceu uma saliente influência sobre a região dos Campos Gerais, sendo seu exemplo seguido por novos colonos e pelos próprios brasileiros. Neste cenário, destaca-se a colônia Terra Nova, fundada nas proximidades de Castro em 1932 pela companhia alemã Gesellschaft für siedelung im Ausland. Possuindo dois núcleos Maracanã e Garcez que ocupavam uma área de 5.828 hectares, a colônia foi instalada, assim como Carambeí, em terras mistas de campos e matas. Os colonos cultivavam as matas através do sistema de rotação de terras e possuíam gados. O progresso, conquistado lentamente graças à influência favorável de sua proximidade com Carambeí, trouxe em seu bojo três cooperativas agrícolas, a mecanização agrícola e o cultivo extensivo de arroz (BALHANA, 1962).
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A fundação de outra colônia na região veio contribuir, diretamente, para a melhoria da situação econômica de Carambeí e da região dos Campos Gerais. Castrolanda, estabelecida em 1951 através de financiamentos do Governo Federal e Estadual e do Christian Emigration Centre, era composta por diversas famílias holandesas que, entre 1951 e 1954, “trouxeram 1.250 cabeças de gado, e 2.500 metros cúbicos de máquinas e implementos agrícolas” (BALHANA, 1962, p. 172). Localizada entre Castro e Carambeí, a colônia foi fundada, especialmente para a produção de laticínios. No início, os colonos vivenciaram algumas dificuldades, logo suplantadas pela plantação em larga escala de trigo, batatas e arroz, como também pelo gradativo aumento da produção de leite e elaboração de laticínios. No ano de 1955, foi criada, junto à cooperativa de Carambeí, a “Cooperativa Central de Lacticínios do Paraná Ltda.”, iniciando-se, a partir de então, a construção de uma grande e moderna usina, equipada para a “pasteurização de leite, fabricação de yogurt, chocolate com leite, manteiga, queijo” e outros alimentos derivados do leite (BALHANA, 1962, p. 173).
Diante de seu constante e próspero desenvolvimento, Castrolanda se deparou com a necessidade de aumentar a produção de leite e atender ao crescimento natural de sua população. Para tanto, além de comprarem terras vizinhas, elaboraram um projeto, junto com a Cooperativa Batavo (de Carambeí), de “Imigração e Colonização” que previa, em traços gerais, a compra de seis mil hectares para a instalação de 100 famílias, sendo 60% delas composta por novos imigrantes e 40% por famílias estabelecidas nas colônias já existentes. O plano, posto logo em execução, resultou na criação, em 1960, do núcleo holandês Arapoti, inserido no município de mesmo nome. As atividades econômicas foram baseadas na produção leiteira, cultivo de arroz, trigo e soja, além da fruticultura (BALHANA, 1962; BALHANA et al., 1969).
No mesmo ano de constituição de Castrolanda, frente ao êxito da iniciativa holandesa na região, foi instalada no município de Palmeira, por colonos reimigrantes alemães e procedentes de Santa Catarina, a colônia Witmarsum. Resultado de um movimento colonizador espontâneo realizado por reimigrantes menonitas11, a colônia ocupava uma área de 7.800 hectares e era dividida em cinco núcleos de povoamento bem dispostos em torno de um centro administrativo, comercial e social. Sua base econômica residia, sobretudo, nas práticas agropecuárias, se destacando a produção e o fornecimento de leite pasteurizado à população dos campos de Curitiba. Em 1952, com o objetivo de melhor coordenar a próspera indústria, foi criada a Cooperativa Mista Agro- Pecuária Witmarsum Ltda. (BALHANA, 1962; 1969; BALHANA et al., 1969).
Desde a formação do núcleo colonial, a população local teve contato direto com os moradores das colônias holandesas, que, com suas experiências e práticas agrícolas animaram seus vizinhos a tentar a produção de algumas culturas, principalmente a do
11 Os menonitas são seguidores da seita anabatista holandesa “obbenita”, posteriormente reformulada por Simon Menno, que a alastrou na Alemanha Setentrional, fazendo lá muitos adeptos. Os menonitas, em traços gerais, negam a transmissão do pecado original e condenam práticas juramentos e violência, sendo contrários, portanto, ao alistamento militar e à guerra, razão pela qual foram frequentemente perseguidos (BALHANA, 1962).
arroz. Ainda, plantavam trigo sarraceno, milho, centeio, batatas e melancias, além de desenvolver a cultura de pastagens artificiais (BALHANA et al., 1969).
Foi constituída na década de 1950, também, a colônia do Tronco, situada muito proximamente à cidade de Castro. Formada, sobretudo, por reimigrantes holandeses, sua instalação se deu em porções da fazenda Bela Vista, onde constituíram uma cooperativa para a compra de fertilizantes. Esta colônia, diferente de Carambeí e Castrolanda, não foi tão florescente, seguindo o exemplo de outros núcleos coloniais da mesma época: Santa Cruz e Pau Furado, instalados em Ponta Grossa, e Santa Maria, implantada em Tibagi (BALHANA et al., 1969). Diante de seu constante e próspero desenvolvimento, os holandeses depararam-se com a necessidade de aumentar sua produção de leite, bem como atender ao crescimento natural de sua população. Esta situação levou- os a considerar seriamente a expansão da área colonizada, sendo realizada, para tanto, a aquisição de novas terras situadas nos arredores.
Entretanto, como se fazia necessária uma expansão em maiores escalas, as cooperativas Batavo e Castrolanda se reuniram para elaborar um projeto de “Imigração e Colonização” que previa, em traços gerais, a compra de seis mil hectares para a instalação de 100 famílias, sendo 60% delas composta por novos imigrantes e 40% por famílias estabelecidas nas colônias já existentes. Para atingir esse objetivo e colocar o plano em execução, foi criada, em 1957, a Cooperativa Central de Imigração Holandesa. Apoiada em um empréstimo realizado pelo Fundo Americano para o Desenvolvimento, a Cooperativa, depois de muita procura, acabou adquirindo uma propriedade nas terras no recém-formado município de Arapoti: a Fazenda Bela Manhã, de propriedade de Rivadávia Menarim.
Após os vários preparativos e o aliciamento de pessoas na Holanda entre os anos de 1958 e 1959, as primeiras famílias imigrantes, depois uma longa viagem no navio francês Charles Tellier, desembarcaram em Santos em junho de 1960, rumando logo em seguida para sua nova e próspera terra. Quando lá chegaram, a maior parte da fazenda já havia sido loteada e vendida (MUSEU DO IMIGRANTE HOLANDÊS, 2010).
A Colônia Holandesa de Arapoti foi acompanhada pela Cooperativa Central de Imigração por aproximadamente seis anos; contudo, por desinteresse na emigração da Holanda para o Brasil, foi desativada e incorporada à Cooperativa Central de Laticínios. Foi sob a iniciativa e o apoio da extinta Cooperativa que a nova colônia conquistou a Cooperativa Agropecuária Arapoti LTDA (CAPAL), formada inicialmente por 21 associados sendo, a maioria, imigrantes. A Cooperativa Central de Laticínios teve uma grande influência no cotidiano dos imigrantes em Arapoti não apenas pelo apoio e estímulo no processamento e venda de produtos, mas, também e sobretudo pela assistência técnica, tanto na agricultura quanto na pecuária.
No ano de 1961, a CAPAL se associou à Cooperativa Central de Laticínios, abrindo uma fábrica de laticínios conhecida como “Fábrica de Queijo”. Durante muitos anos, toda a
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produção de leite da colônia foi beneficiada e comercializada por esta Cooperativa. O leite, por muito tempo, foi o principal produto da Colônia, sendo objeto de exploração da maioria dos produtores até o início da década de 1970. A partir de então, foram introduzidos novos elementos, como frangos, suínos, trigo, soja, milho e feijão (MUSEU DO IMIGRANTE HOLANDÊS, 2010). A venda, inicialmente destinada ao mercado consumidor de Curitiba, não tardou em se expandir, logo atingindo São Paulo e toda a região sul do Brasil. Na década de 1960, com o apoio governamental da eletrificação rural, foi criada a CERAL (Cooperativa de Eletrificação Rural de Arapoti), que desde então veio desempenhando um notável trabalho em Arapoti:
Desde 1968 a CERAL desempenha um papel importante na eletrificação em Arapoti, mantendo e administrando linhas de energia em toda a região, furando poços artesianos em muitas chácaras e fazendas, além de fazer a manutenção das mesmas e, ainda, mantendo uma loja com produtos do ramo. Em 2003 atingiu um marco histórico, concluindo juntamente com duas outras cooperativas, a usina hidroelétrica de Pesqueiro, gerando eletricidade no Rio Jaguariaíva (MUSEU DO IMIGRANTE HOLANDÊS, 2010).
No ano de 1986, a CAPAL adquiriu a Fazenda Nova Esperança, de propriedade de Luiz Claudio Guimarães. Além desta área, muitas outras foram compradas e, posteriormente, revendidas aos associados. Estas terras, em sua grande parte, eram formadas por estepes quase sem árvores, com pequenas áreas de matos nativos; nas áreas de solo mais arenoso, a vegetação era conformada pela presença de uma arborização mais rala e sem valor arbustos.
Na década de 1980, foi fundada a Cooperativa Central “Coopersul” pelas três cooperativas de origem holandesa e mais duas de origem alemã: a Agrária e a Witmarsum. Esta Cooperativa exercia, como função básica, o processamento da soja. Neste mesmo período, foi adotada, pelos colonos a prática do plantio direto, que visou diminuir, a partir da utilização das curvas de nível, a imensa dificuldade gerada pela erosão do solo.
Diante deste amplo panorama, caracterizado pela constituição de um novo mosaico étnico, social e cultural, percebe-se que o êxito do processo de substituição na estrutura agrária, consubstanciada no reerguimento econômico dos Campos Gerais e na sua reconquista para as atividades agrícolas, foi condicionado, especialmente, pela introdução de novos contingentes populacionais essencialmente imigrantes e, sobretudo, pelo desenvolvimento de uma economia de mercado capaz de estimular iniciativas colonizadoras. Vivendo e construindo relações de adaptabilidade em sua nova região, o colono imigrante, reimigrante ou brasileiro , portanto, coloriu a paisagem dos Campos Gerais com novas tonalidades e cores:
[...] Em suma, pelo tipo de propriedade, pelas formas de utilização da terra, pelo sistema de produção, pelos padrões de relações de trabalho, os colonos [...] representam o aparecimento, nos Campos Gerais, de uma ‘burguesia’ rural, em substituição à aristocracia fundiária, representada pela sociedade campeira ali dominante (BALHANA; MACHADO, 1968, p. 222-223).
ATUALIDADE
Demografia e habitação
O contingente populacional do município de Arapoti é de 25.855 habitantes (IBGE, 2010). Comparando com os dados do ano 2000, a população sofreu um acréscimo de 8,26%, conforme a tabela a seguir:
Observa-se o movimento de crescimento da população urbana em detrimento da população rural, confirmando a tendência delineada nas últimas décadas em que a grau de urbanização foi crescendo gradativamente no Paraná e no Brasil.
Taxa de urbanização (2010): 84,23%
Densidade demográfica (2021): 20,90 habitantes/km²
Com relação ao gênero, a população mostra paridade entre o sexo masculino e feminino, sendo a porcentagem definida como 50,1% e 49,9% do total, respectivamente (IBGE, 2010).
Quanto à idade, existe uma concentração maior da população adolescente e jovem no município, sendo as faixas etárias predominantes de 10 a 14 anos (9,9%) e de 15 a 19 anos (9,86%). Em um universo mais amplo, constata-se o predomínio da população na faixa entre 10 e 34 anos (44%) no município (IBGE, 2010).
Educação
Conforme dados do IBGE (2010) a taxa de analfabetismo no município é de 7,68%, considerando pessoas maiores de 15 anos que declararam não serem capazes de ler e escrever um bilhete simples ou que apenas assinam o próprio nome, incluindo as que aprenderam a ler e escrever, mas esqueceram. Os dados referentes à escolaridade no município mostram a aprovação de 92,9% no Ensino Fundamental e 82,8% no Ensino Médio. As taxas de abandono são de 2,4% no Ensino Fundamental e 11,5% no Ensino Médio.
Agropecuária
Arapoti é um município no qual a produção agrícola e pecuária se destacam. Conforme dados do Censo Agropecuário (IBGE, Resultados definitivos, 2019), dispõe de 41.307 ha para a lavoura temporária (320 estabelecimentos), 30.694 ha para pecuária e criação
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64 de outros animais (443 estabelecimentos), e 41.940 ha para a produção florestal de florestas plantadas (51 estabelecimentos).
Destacam-se, em termos de rendimento e rentabilidade, as culturas temporárias de milho, soja e trigo (IBGE. Produção Agrícola Municipal 2018 Rio de Janeiro: IBGE, 2019). Na pecuária, os efetivos que mais se destacam são os galináceos, com 161.251 cabeças e o rebanho de porcos, com 173.969 cabeças. Com relação aos produtos de origem animal, o município possui uma expressiva produtividade de leite com produção de 75.346 litros e mel de abelha, com produção de 576.000 kg (IBGE. Produção da Pecuária Municipal 2018. Rio de Janeiro: IBGE, 2019). Na silvicultura, as áreas de plantação de eucalipto e pinus somam 23.037 ha (IBGE. Produção da Extração Vegetal e Silvicultura 2018. Rio de Janeiro: IBGE, 2019).
Na relação entre o número de estabelecimentos e o número de empregos, os dados disponíveis na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) são os seguintes:
ATIVIDADE ECONÔMICA ESTABELECIMENTOS EMPREGOS
EXTRAÇÃO DE MINEIRAIS 1 5 INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO 57 1005
SERVIÇOS IND. DE UTILIDADE PÚBLICA 1 16
CONSTRUÇÃO CIVIL 19 84
COMÉRCIO 216 1623
SERVIÇOS 187 1866
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 2 702
AGROPECUÁRIA 196 996
ATIVIDADE NÃO ESPECIFICADA OU CLASSIFICADA
Fonte: Ministério do Trabalho e Previdência apud IPARDES, 2022.
No setor industrial se destacam, em termos de quantidade de empregos, a indústria do papel, papelão, editorial e gráfica; e a indústria química, de produtos farmacêuticos, veterinários, de perfumaria, sabões, velas e matérias plásticas.
No setor de serviços, a maior quantidade de empregos está vinculada à administração pública direta e indireta; seguida das administradoras de imóveis, valores mobiliários, serviços técnicos profissionais, auxiliar de atividade econômica.
FICHA De identificação SEDE DO MUNICÍPIO
Arapoti é um município paranaense que abrange em seu território os distritos de Arapoti, Calógeras e Caratuva. A sede do município ocupa, aproximadamente, 2/3 do território municipal, abrangendo a porção leste do território, onde está a maior concentração e contiguidade do sistema viário e dos bairros adjacentes.
Nesse território urbano, com aproximadamente 7 km² de área (PARANACIDADE, 2016, interativo), a população convive em um universo contemporâneo, que faz interagir a carga histórica da ocupação do território, a contribuição de grupos diversos, que se estabeleceram e se mesclaram ao longo do seu período de formação, e as dinâmicas econômicas e sociais que impulsionaram o seu desenvolvimento como cidade. Portanto, um universo amplo e complexo que envolve dinâmicas sociais, culturais e econômicas que se inter-relacionam no cotidiano, gerando um imenso capital cultural.
inicial da cidade, sendo referências urbanas. A Igrejinha continua referenciando as manifestações de fé religiosa católica no cotidiano e em momentos excepcionais como na Festa de São João Batista. O acervo da Casa da Cultura Memorial Capão Bonito representa a diversidade da história, de contextos socioeconômicos e de grupos sociais, com possibilidade de expansão de temáticas que representem a identidade arapotiense. Nesse sentido, compreende-se que a configuração atual da comemoração do Aniversário da Cidade agrega referências contemporâneas que vão se estabelecendo no território municipal, influenciadas pela maior conexão com outras culturas, com referências massificadas que ali se conectam a um universo agrícola e campeiro.
Dentro desse contexto, a definição das referências culturais que compõem essa proposta de identificação e inventário considerou aspectos que evidenciam dinâmicas socioculturais que se estabeleceram no território ao longo do tempo, portanto o componente histórico agrega valor cultural aos bens relacionados, mas não é critério único. A Antiga Estação Ferroviária, a Antiga Sede da Fazenda Capão Bonito e a Igrejinha de São João Batista são uma amostra representativa de lugares e edifícios que remetem à ocupação e à configuração bens culturais
Sede do Município
• Antiga Estação Ferroviária
• Antiga Sede da Fazenda Capão Bonito
• Igrejinha de São João Batista Lugares
OBJETOS
• Acervo da Casa da Cultura Memorial Capão Bonito
• Festa de São João Batista
• Aniversário da Cidade
Trabalho
inventariados
celebrações
65 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI
LUGARES
ESTAÇÃO FERROVIÁRIA
ESTAÇÃO DE ARAPOTI
ESTAÇÃO CACHOEIRINHA
Edifício do início do século XX que abrigou a estação ferroviária de passageiros e cargas da sede do município de Arapoti. Mais recentemente, abrigou a Casa da Cultura Memorial Capão Bonito. Em 2017, um incêndio destruiu completamente a edificação.
ONDE ESTÁ
Os trilhos do trem localizam-se de forma paralela entre as ruas Moisés Lupion e dos Expedicionários. A estação estava localizada na Praça da Estação, ao final da Rua Manoelito Carneiro até 21 de novembro de 2017, quando foi completamente destruída por um incêndio. O embasamento em pedra permaneceu intacto e, atualmente, sobre ele, está sendo construído um novo edifício em madeira, que deverá rememorar a antiga estação.
Antiga Estação Ferroviária
Praça da Estação
Ramal do Paranapanema – Km 28,000 (1935)
Latitude: 24°08’53”S / Longitude: 49°49’22”O
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67 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
HISTÓRIA
A conformação do núcleo urbano de Arapoti tem ligação direta com o surgimento da linha férrea e da estação. A abertura do Ramal de Paranapanema foi iniciada no ano de 1912 com a intenção de agregar o norte paranaense (até então amplamente vinculado ao Estado de São Paulo) através de Ourinhos e da Estrada de Ferro Sorocabana à dinâmica econômica estadual e atrair a produção, principalmente cafeeira, para a exportação através do Porto de Paranaguá. Este ramal cortou a Fazenda Capão Bonito, atraindo novas pessoas à região que vieram a se instalar nas duas margens da estrada “dando origem às duas primeiras ruas que hoje se chamam: Moisés Lupion e Telêmaco Carneiro (POSSATTO, 1995).
Com o avanço dos trilhos, foi instalada na região, em 1915, a Estação Ferroviária Cachoeirinha, ao redor da qual muitos dos antigos moradores do Distrito do Cerrado se fixaram, atraídos pelo comércio e por novas possibilidades econômicas. O ramal ligava Cachoerinha com São José do Paranapanema (atual Calógeras) e, a partir da década de 1940, a construção de um novo ramal passou a ligar a Fábrica de Papel aos depósitos da Estação Ferroviária, configurando um importante ponto de escoamento da produção. Inicialmente, os papéis eram transportados por carroças e carroções até Cachoeirinha, onde ficavam estocados em um depósito e depois eram enviados através dos trilhos para São Paulo, Curitiba e outras localidades.
Depois da abertura da linha Apucarana-Uvaranas, em 1975, o Ramal do Paranapanema entrou em decadência por ter uma linha obsoleta e cheia de curvas. O último trem de passageiros (Trem do Norte, mais tarde conhecido como “Trem da Miséria”), rodou até junho de 1979.
história história
Em 2001, o tráfego de cargueiros foi suspenso pela ALL e hoje apenas esporádicos autos de linha passam pelos trilhos local, praticamente abandonados em toda sua extensão (GIESBRECHT, s/d). Na década de 1990, a Prefeitura Municipal de Arapoti adquiriu a área pertencente a Rede Ferroviária Federal, transformando o edifício na sede da Casa da Cultura Memorial Capão Bonito. No final do ano 2000, foi concluída a restauração da estação, que antes estava completamente abandonada. O local manteve-se alguns anos em bom estado de conservação, porém com o passar do tempo surgiram novos problemas. A construção entrou em processo de degradação novamente, até ser interditada em 2013. Em novembro de 2017, um incêndio destruiu completamente a edificação em madeira, deixando como remanescente o embasamento em pedra e a rampa de acesso. Sobre essa estrutura, atualmente, está sendo erigido um edifício também em madeira, que deverá rememorar o edifício da Antiga Estação Ferroviária, a partir de um projeto desenvolvido no âmbito da Prefeitura Municipal de Arapoti.
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história
69 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
A Estação Ferroviária será sempre uma referência para a população como a propulsora do desenvolvimento urbano e econômico da sede do município. Durante muito tempo, a maioria das atividades da cidade girava em torno da estrada de ferro e da Estação, que era considerada a construção mais importante do local e a porta de entrada e saída de Arapoti para as outras localidades. Além disso, era um marco urbano, um ponto de referência.
Quanto à edificação em si, era um dos poucos remanescentes da arquitetura em madeira que dominou a região ao longo de século XX. No Ramal do Paranapanema havia diversas outras estação semelhantes que hoje não existem mais, como em Calógeras (demolida), Wenceslau Bráz (demolida), Siqueira Campos (demolida), Quatiguá (demolida), Joaquim Távora (destruída por incêndio), Conselheiro Zacarias (demolida), Platina (demolida e substituída), entre outras.
A memória do local e de sua dinâmica ainda é muito presente na cidade. Em 2016, com 94 anos, Ivo Possato (in memoriam) relatou que o nome “Cachoeirinha” surgiu devido a uma fazenda que existia no local e tinha esse nome. Na época de sua juventude, foi o funcionário mais jovem da Estrada de Ferro São Paulo — Rio Grande. Com treze anos, começou como telegrafista e aos quinze foi nomeado e tomava conta da estação. Trabalhou durante três anos nessa função, até que com dezesseis anos queriam transferi-lo para o sul, porém seu pai não permitiu. O agente na época era o Seu João Tripp. Ivo Possato, entrevista, 2016).
Iris Alvarez entrevista, 2016), uma descendente dos proprietários do antigo Armazém Alvarez, relata que
A estação era tudo! Tanto é que tinha uma carroça e tinha um carroceiro, ele ia todo dia! Porque vinha carga pelo trem. E também mandavam... compravam aqui da região milho, feijão, algodão. Era uma época que plantaram muito algodão; algodão já vinham caminhões buscar. [...] Esses dias me veio aí na cabeça e perguntei para os meus irmãos mais velhos... Uma temporada mandavam ovos daqui para Santos de trem! Eu não acredito até, mas aquelas caixas de por os ovos rolavam por aí até pouco tempo[...]
Porque havia aqui um espanhol que tinha um primo em Santos que tinha lanchonete, não sei o que mais. Mas aí eu fico pensando: será que não tinha nada mais perto pra comprar ovos? (risos) Ia de trem! Ia de trem [...] Lembro até o nome do homem que ia, parece que é Ricardo.
Iris (entrevista, 2016) conta também que vinham pelos trilhos várias publicações, como livros, revistas e jornais. Além disso, integrantes de sua família colecionavam fotos autografadas de atrizes de Hollywood, que após serem solicitadas através de cartas, chegavam em Arapoti de trem.
Antônio Alves (entrevista, 2016) que trabalhou no cinema localizado na vila da Fábrica de Papel, conta que os filmes e materiais chegavam na cidade através do trem. Era feita uma programação para todo o ano e os filmes eram enviados de Curitiba.
Fotografia: Acervo Shirley Dias
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Significados
Estação Cachoeirinha. Fotografia: Prefeitura Municipal de Arapoti
Estação Ferroviária de CachoeirinhaAo centro João Klüppel, agente ferroviário, e sua esposa Romana Carneiro Klüppel (Dona Manita).
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Klüppel.
Naquela época, a Estação era o ponto de conexão mais importante entre a realidade da pequena Cachoeirinha com o resto do país e com outros lugares do mundo, aproximando fornecedores e compradores, culturas, famílias, amigos, entre muitas outras coisas. Jan Hagen, que veio da Holanda, conta que, nos primeiros anos [década de 1960], a Colônia Holandesa de Arapoti mantinha uma relação mais próxima com a Colônia Holandesa de Castrolanda. Desse modo, conta que certa vez foi até lá de trem com um amigo, “[...] embarcamos onze horas da noite aqui de trem, e seis ou sete da manhã a gente chegava em Castro. Muito tempo pra chegar lá” (Jan Hagen, entrevista, 2016).
Se comparado aos dias de hoje, a velocidade do trem sucumbe às facilidades dos veículos que circulam nas estradas de rodagem, perdendo gradativamente sua importância conectiva no Brasil. Atualmente, as informações sobre os quatro cantos do mundo estão disponíveis em qualquer meio de comunicação digital. Apesar disso, as novas gerações ainda citam majoritariamente a Estação Ferroviária como um edifício importante para ajudar a contar a história da cidade.
Apesar dessa importância, Silvia Nakano, arquiteta que coordenou a elaboração do livro Arapoti: registro histórico, reflete em sua entrevista que o fracasso no intento de preservar a Fábrica de Papel (cuja solicitação de tombamento foi negada pelo Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico) causou o desinteresse da população em empenhar esforços na preservação da Estação Ferroviária, levando ao seu abandono (Silvia Nakano, entrevista, 2016)
DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
Quando a estação estava em uso, era responsabilidade da Linha Férrea: C. E. F. São Paulo Rio Grande (1915 1942), Rede de Viação Paraná Santa Catarina (1942 1975), RFFSA (1975 1996). Durante aqueles anos, toda a comunidade de Arapoti estava envolvida com o local, seja utilizando o trem de passageiros como transporte, trabalhando, esperando cargas ou mercadorias que vinham pelos trilhos, ou até mesmo como um local de passeio.
Até 2017 o edifício estava sob a responsabilidade da Prefeitura Municipal e ligada à Secretaria de Educação e Cultura. Embora fechado, continuava sendo a sede da Casa da Cultura Memorial Capão Bonito, que foi transferida temporariamente para outro local.
Elementos naturais
A Estação Ferroviária estava inserida no conjunto urbano em um contexto de paisagem ferroviária. Em frente à localização do antigo edifício, há uma praça retangular, que possui uma área com vegetação mais densa e de grande porte próxima ao edifício, e um espaço mais aberto com menos vegetação próximo à rua. Na parte voltada para a plataforma de embarque, destaca-se a linearidade marcada pelos trilhos. Existe uma tendência de utilização do espaço como parque. No local, mais próximo aos muros dos fundos também há vegetação de grande porte.
Elementos construídos
Era um edifício em madeira que seguia uma tipologia básica muito semelhante à de outras estações do Ramal Paranapanema. Possuía um volume retangular, com um pequeno recorte em uma das laterais. O embasamento e a plataforma são em pedra, e as paredes eram em madeira no sistema tábua e mata-junta. Apresentava cobertura em duas águas com telhas francesas. O telhado prolongava-se além da construção, formando um beiral frontal e a cobertura da plataforma, ambos apoiados sobre mãos-francesas aparentes em madeira. Na lateral voltada para a praça, existiam duas portas de acesso, com uma escada externa de pedra em cada uma. Além disso, nesta fachada estavam presentes janelas do tipo guilhotina. Já a fachada voltada para a plataforma de embarque possuía oito portas de madeira e vidro. O edifício como um todo media aproximadamente 15x30 metros.
Atividades que acontecem no lugar
Até o evento do incêndio, estação encontrava-se fechada, porém a população continua utilizando o entorno, como a praça, a plataforma e a área dos trilhos onde estão os vagões, como espaço de descanso ou lazer.
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Manutenção e Conservação
A manutenção do local é responsabilidade da Prefeitura Municipal. Em dezembro de 2021 a área estava fechada com tapumes, devido à execução das obras de construção do edifício em madeira sobre a estrutura remanescente do embasamento.
Avaliação
A Estação Ferroviária era, provavelmente, a referência histórica mais forte ainda existente para os arapotienses, no momento da pesquisa. Enquanto ainda funcionava com sua finalidade original, foi um lugar amplamente utilizado por toda a sociedade e percebe-se que ainda há uma geração de pessoas que usou o local e tem uma relação de memória muito forte.
Após a desativação da linha férrea e um tempo de abandono, o local passou a ser utilizado como Casa da Cultura. A partir de então houve uma aceitação e apropriação do lugar para esse novo uso por parte da população. Mesmo fechada, a estação era referenciada como a “Casa da Cultura”.
O risco da manter o edifício fechado, sem uso, desprovido de manutenção e conservação contribuiu para a sua destruição completa. A perda do edifício original é irreparável, porém a construção de um edifício que promova a rememoração do lugar da Estação Ferroviária é positivo. Dessa forma é possível que novos vínculos sejam estabelecidos com as gerações mais novas e que a história do município possa continuar a ser contada a partir da sua referência edificada mais significativa.
Recomendações
• Consolidar um memorial que reestabeleça a relação do lugar com a memória da cidade em torno da temática ferroviária.
• Valorizar o entorno, promovendo melhorias na praça frontal e na área dos trilhos, podendo ser inclusive proposta a utilização daquele espaço como um parque linear para atividades esportivas e de lazer.
• Promover ações/oficinas que envolvam a comunidade e chamem a atenção para o tema do patrimônio cultural de Arapoti e sua preservação.
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LUGARES
IGREJINHA
IGREJINHA DE SÃO JOÃO BATISTA
Igreja católica de devoção à São João Batista. Por um longo período de tempo, essa edificação foi a Igreja Matriz de Arapoti até a construção do outro edifício adjacente, de maior tamanho.
Onde está
Igrejinha de São João Batista
Praça da Matriz ou Praça Romana Duarte de Camargo, nº 48 — Centro
Entre as ruas Moysés Lupion, Mario Carneiro de Melo, Emiliano Carneiro e Amantino de Camargo.
Latitude: 24°08’38”S Longitude: 49°49’32”O
Períodos importantes
Todo o dia 24 de cada mês há ritos de celebração em homenagem ao padroeiro São João Batista e no dia 24 de junho realiza-se a comemoração maior, sendo, inclusive, feriado municipal.
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História
Por volta do ano de 1927, um grupo de famílias que residiam em Cachoeirinha (hoje Arapoti), sentiu a necessidade de construir uma capela. Dessa forma houve a doação de um terreno por Romana Duarte de Camargo para a igreja. Seu esposo, João Klüppel, encarregou-se de levar o projeto adiante promovendo quermesses no mês de junho para arrecadação de dinheiro e materiais necessários. Iniciou-se a construção da capela em madeira que ficou pronta em 1929 e recebeu São João Batista como padroeiro. Na inauguração participou o bispo de Ponta Grossa, pois a igreja pertencia àquela Diocese. O custo da capela na época foi de $5.261,40 (Réis) (PARÓQUIA DE SÃO JOÃO BATISTA, 1995).
No ano de 1948, a capela de madeira já estava bastante danificada, sendo o desejo dos moradores do Distrito de Cachoeirinha, aproximadamente cem famílias, construírem um templo em alvenaria. Foram protagonistas na tarefa de angariar fundos para a tarefa, Maria Geralda Palma Rolim e Rosa Possatto. Inicialmente, as duas senhoras fizeram um levantamento daquilo com que poderiam contar para o início da obra, e depois propuseram para a comunidade que cada família desse uma contribuição mensal até o término da construção (PARÓQUIA DE SÃO JOÃO BATISTA, 1995).
Foi contratado Giacomo Giacomini para edificar a igreja, seguindo o projeto do construtor Carlos Guizzi, de Itararé, que o doou. Após a demolição da igreja antiga, foi feito o lançamento da pedra fundamental, com a participação da população, das autoridades locais e do padre de Jaguariaíva. Um ano depois, com fundos provenientes de doações, quermesses, festas e leilões, a igreja ficou pronta. Móveis, lustres, órgão, altar, vitrais e sino também foram doações da comunidade. Na cerimônia de inauguração, esteve presente o bispo de Jacarezinho, Dom Geraldo de Proença Sigaud, e foi realizada a primeira crisma em Cachoeirinha.
história
história
Igrejinha de São João Batista durante as comemorações do Corpus Christi. Fotografia: Acervo da Paróquia São João Batista. Data: 1999
Desde os primórdios, a Igreja de São João Batista esteve vinculada a paróquias do município de Jaguariaíva ao qual o Distrito pertencia, sendo inicialmente atendida pelos padres capuchinhos da Ordem dos Padres Menores e, a partir de 1964, pela Congregação Societas Cristi. Em 25 de julho de 1970 é criada a Paróquia São João Batista de Arapoti, tendo como Bispo Diocesano Dom Pedro Filipak e como pároco, o Padre Tadeu Jazac.
No início da década de 1980, por iniciativa do Padre Tobias Ferreira Rosa, outro movimento comunitário levou a edificação do templo maior, que hoje é o edifício principal, próximo ao antigo. Depois de concluída a obra da nova Igreja Matriz, capacitada para acolher maior número de pessoas, a “Igrejinha”, como ficou conhecida, foi desativada. Foi cogitada a sua demolição, porém, após manifestações e iniciativas da população, os devotos conseguiram impedir a sua destruição. Tal iniciativa gerou um processo de preservação do edifício, que foi declarado como Patrimônio de Interesse Histórico do Município de Arapoti, através da Lei Municipal nº 340/1990.
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história
79 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Após a proteção legal, a Prefeitura Municipal arcou com uma intervenção de reforma, em 1992, na gestão do então Prefeito Homar Negrão. Segundo Nilce Lobo (entrevista, 2016) isso ajudou a resistir um tempo. Ali eram feitos alguns batizados, um casamento menor a pedido da família, mas as missas passaram a ser todas na igreja grande. Porém, o tempo passou e a falta de manutenção levou à degradação da estrutura de madeira do telhado, e o edifício foi interditado por questões de segurança.
Houve várias tentativas da comunidade, foram feitas listas de pessoas que pudessem ajudar nessa restauração, mas, infelizmente, nada foi adiante. “Uma das empresas grandes da época até tentou nos ajudar, doou nove mil reais na época, mas não era suficiente pra começar nada” (Nilse José Lobo, entrevista, 2016).
O movimento em favor da restauração começou a tomar forma a partir de 2012, com a chegada do padre Benedito Vieira Neto, que iniciou um processo de articulação e organização que envolveu a criação de uma comissão com as pessoas que desejavam participar. Formaram-se as comissões administrativa e a financeira. Foi lançada a campanha “Quem ama restaura”, que contou com a contribuição de famílias e empresas; foram realizados eventos como jantares para angariar fundos. A Prefeitura Municipal destinou verba para o pagamento da mão de obra referente à restauração, através da Lei 1.339/2012, na gestão do prefeito Luiz Fernando De Masi. Já os materiais necessários foram arrecadados pela comissão. A primeira etapa da restauração foi concluída em 24 de junho de 2013, quando a Igrejinha foi reaberta para a comunidade. Já em março de 2015, a campanha foi retomada com incentivo do padre Celso Miqueli para realizar a substituição da cúpula, elemento que conformava a versão inicial do edifício. Tal obra foi concluída no final do ano, e, no dia 20 de dezembro, foi realizada uma missa de inauguração (Nilce José de Souza Lobo, entrevista, 2016).
Significados
O lugar é um ponto de referência para parte significativa da população de Arapoti. Juntamente com a Estação, é um dos lugares mais antigos e considerados de grande relevância cultural, sendo bastante citado pelas crianças na enquete realizada nas escolas. É revelador também o envolvimento da comunidade em impedir a demolição da edificação pelo seu significado histórico/cultural após a construção do novo templo. Além disso, a atuação comunitária possibilitou a realização da restauração do edifício.
Segundo Nilce de Souza Lobo (entrevista, 2016),
[...] a comunidade de Arapoti em geral se conecta com o lugar. Não só a comunidade católica tinha interesse (na preservação) da Igrejinha. Muitos que hoje são evangélicos um dia pertenceram à Igrejinha, casaram ali, batizaram seus filhos ali. Até mesmo a comunidade holandesa. Pelo acervo (de fotos) da colônia holandesa que a gente conseguiu recuperar a parte externa, porque não se tinha o registro, assim de uma foto boa. As pessoas não tinham máquina fotográfica. A cooperativa ajudou financeiramente também.
Igreja São João Batista. Primeira igreja de madeira construída em Cachoeirinha. Inaugurada em 1929.
Fotografia: Acervo Paróquia São João Batista.
Dia da inauguração
Fotografia: Livro – Arapoti: registro histórico
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da Igreja São João Batista. Romana Duarte Camargo ao centro, com sua família, autoridades e população local.
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A Igrejinha também possui um caráter de referência ou marco urbano, sendo que sua torre com a nova cúpula pode ser vista de diversos pontos da cidade. A Igrejinha foi um dos templos incluídos na Rota do Rosário, que é um projeto de desenvolvimento regional no Norte Pioneiro do Paraná, fundamentado no turismo religioso sustentável. Além de Arapoti, nessa primeira fase estão incluídos os municípios de Jacarezinho, Bandeirantes, Ribeirão Claro, Siqueira Campos, Tomazina e Ibaiti (ROTA DO ROSÁRIO, s/d).
DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
A Igrejinha de São João Batista está vinculada à Paróquia de São João Batista, cujo pároco atual é o Padre Anderson Marchiori. A comunidade católica de Arapoti em geral, e os Amigos da Igrejinha, responsáveis pela campanha em prol da restauração do local, participam ativamente das atividades ali realizadas.
Elementos naturais
A Igrejinha está inserida em frente à Praça Dona Romana Duarte de Camargo, que possui um projeto paisagístico recente que valoriza o conjunto edificado composto pelos dois templos religiosos. A vegetação da praça é predominantemente rasteira, com destaque para o exemplar de Araucária (Araucária angustifolia) no centro da praça. Em frente ao templo mais novo, emolduram a entrada exemplares de ciprestes e palmeiras.
Elementos construídos
Trata-se de uma edificação em alvenaria, com cobertura em telhas francesas. A fachada é marcada por um volume central da torre, encimado por uma cúpula. Centralizado na fachada também está o acesso ao edifício. As aberturas frontais, com vãos em arco pleno, apresentam vitrais que induzem a verticalidade. Cimalhas arrematam o edifício e a torre.
As laterais são marcadas por pilastras, e existem entre elas cinco aberturas também com vitrais. O volume da nave possui telhado em duas águas mais alto em relação à área do altar e da sacristia, cujo volume avança em direção à fachada lateral, configurando um acesso secundário. Nos fundos, um volume semicircular configura o altar.
Interiormente, a igreja apresenta um arco na transição entre a nave e a capela, um coro de madeira na entrada, piso em lajotas cerâmicas, forro de madeira e bancos em madeira.
Segundo Ivo Possato (entrevista, 2016), a cúpula original da Igrejinha foi executada por vontade do padre da época, que era polonês e desejava uma construção em estilo semelhante ao das edificações de seu país. Dessa forma, a comunidade juntou os recursos necessários, e o padre viajou até o Chile, onde mandou fazer a cúpula em bronze que depois foi instalada na igreja. Posteriormente, esse elemento foi retirado e vendido.
A cúpula recentemente instalada é uma réplica da original e foi executada pelo senhor Nicolau Bobato Neto, descendente de ucranianos, natural da Colônia Herval Grande, no município de Prudentópolis. Nicolau trabalha nessa profissão há 30 anos e atualmente contabiliza a construção de 107 igrejas e mais de 500 cúpulas. É o único no Paraná e um dos poucos do Brasil que mantêm essa tradição. Segundo eles, no início, as estruturas eram de madeira, mas depois, com a questão ambiental passaram para estruturas metálicas e de alumínio. Além do senhor Nicolau, auxiliaram no trabalho o seu filho Ivo Bobato e o auxiliar Lucas Juliano (PASCOM, 2015)
A edificação da Igrejinha possui aproximadamente 24x12 metros, perfazendo uma área de 280 m². A torre possui altura estimada de 15 metros.
Atividades que acontecem no lugar
A Igrejinha fica aberta de segunda a sábado das 07h00 às 17h30.
Programação
Segunda-feira: 19h30 Terço dos Homens
Terça-feira: 19h30 Terço das Famílias
Quarta-feira: 19h30 Terço das Mães Intercessoras
Quinta-feira: 6h30 Missa 7h às 18h00 Adoração
Sexta-feira: 19h30 Terço das Famílias
(primeira sexta-feira do mês) 19h30 Missa
Sábado: 9h Missa das crianças
Todo dia 24: Dia da misericórdia
Igrejinha Porta Santa 6h: Procissão Penitencial
7h: Adoração Silenciosa do Santíssimo 15h: Devocional de São João Batista com bênçãos especiais da água, sal, mel, vela, óleo, crianças e gestantes/mães
19h30: Missa
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Manutenção
A Paróquia de São João Batista está encarregada da manutenção, realizando limpeza, pintura e pequenos reparos com auxílio das comissões e da comunidade.
Conservação
Tendo em vista a recente restauração, o local encontra-se bem conservado.
Avaliação
O envolvimento da comunidade para a preservação do edifício por meio de campanhas denota a importância que a Igrejinha, tem como referência para os católicos. Como dito anteriormente, também é um local de forte referência histórica e simbólica, sendo uma das construções mais antigas ainda existentes no local e uma referência urbana. Ao redor da Igrejinha, também ocorrem eventos importantes do calendário do município, como a Festa de São João Batista.
A inclusão do templo na Rota do Rosário e a abertura da Porta Santa do Jubileu da Misericórdia, fazem com que o local retome sua relevância e sua importância religiosa como local de culto e peregrinação.
Como é uma construção antiga, a ausência de programa de manutenção constante e da disponibilização de verbas regulares pode prejudicar a sua conservação. Além disso, percebe-se a falta de um cuidado maior com o entorno da edificação, principalmente com relação ao sistema viário. Apesar de a nova configuração da Praça Dona Romana Duarte de Camargo contribuir para a valorização do bem cultural, o trânsito intenso de veículos pesados pode prejudicar, a longo prazo, a estrutura da edificação.
RECOMENDAÇÕES
• Realizar constantes manutenções e ações de conservação no edifício, sempre amparadas por profissionais qualificados, de forma a evitar maiores danos ou problemas.
• Promover melhorias no entorno da edificação, principalmente no que condiz ao sistema viário, cujas melhorias poderiam beneficiar a valorização da área.
• Manter o edifício em constante uso, promovendo atividades com caráter religioso.
• Valorizar o caráter comunitário que envolve os participantes da Igrejinha.
• Elaborar pesquisas mais aprofundadas sobre a história Igrejinha de São João Batista e suas atividades religiosas, reunindo ao máximo documentos, fotografias, informações orais.
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85 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
FAZENDA CAPÃO BONITO
CASARÃO
— PRIMEIRA CASA DE ARAPOTI LUGARES
Casa que era a sede da Fazenda Capão Bonito, que foi uma das propulsoras do surgimento do município de Arapoti. Está passando por obras para abrigar um centro cultural.
Onde está
Antiga Sede da Fazenda Capão Bonito — Casarão
Rua Luiz Possato, s/nº – Bairro Jardim Ceres — Arapoti-PR
Latitude: 24º 8’28.40”S / Longitude: 49º49’48.10”O
Períodos importantes
As visitas ao local, que ocorrem geralmente com um agendamento prévio.
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87 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
história
História
No dia 4 de agosto de 1899, foi lavrada a escritura de compra e venda da Fazenda Capão Bonito, adquirida do Cel. Luiz Ferreira de Mello, por Dona Romana Duarte de Camargo, viúva de Emiliano Agostinho de Oliveira. Nessa fazenda, instalou-se Dona Romana com sua filha Georgina e seu genro Telêmaco Carneiro de Melo, casados em 1895. Esse casal teve os seguintes filhos:
Emiliano, nascido em 09/09/1896, pai de Joaquim, Jarbas e Jacira, de seu primeiro casamento com Jandira Prestes; Jandira e Terezinha de seu segundo casamento com Tereza Alves de Souza.
Maria Rita, nascida em 14/11/1897, casada com José Nunes, mãe de Laércio, Bianor, Naurolino, Araci e Rivadal.
Manoelito, nascido em 22/04/1900, casado com Avani Lobo, pai de Maria José, Alaor, Vilma e Maria de Lourdes.
Romana, nascida em 22/11/1901, casada com João Klüppel, mãe de Emílio e Emiliano Klüppel.
Mario, nascido em 10/10/1903, casado com Maria Silva, pai de Alayde Carneiro (Nena).
Maria do Espírito Santo, nascida em 27/03/1911, casada com Licinio Reis, mãe de José Carlos e Liomar.
Antônio, nascido em 06/12/1913, casado com Virginia Kauer, pai de Neuza e Rafael (PARÓQUIA SÃO JOÃO BATISTA, 1995).
história
história
A fazenda foi comprada por Dona Romana Duarte de Camargo por trinta contos de réis. Os terrenos, conformados por campos de grande qualidade para a criação de mil a mil e quinhentos animais, assim eram contornados:
Começando no portão do Quizó, descendo por este pela cabeceira do Cachoeirinha, dividindo com Fortunato de Almeida Camargo, descendo por este até a barra com o José Vaz, subindo por este dividindo com Dona Maria do Nascimento Carneiro até um valo, que cai neste mesmo arroio, e daí subindo pelo mesmo, dividindo com Ermelino Antônio de Sampaio até um outro valo, que cai no mesmo à esquerda, e seguindo por este valo a cair no arroio do Cerradinho até uma barra que vem do portão da Lagoa, e daí subindo por este até um valo, que divide com a Fazenda Barreiro, e seguindo por este valo acima, digo e seguimos por este valo até cair na cabeceira de João Antônio, descendo por este até a barra com a água que desce do Capão Bonito, dividindo com Fortunato de Almeida Camargo, subindo por este até a barra de uma mesma água, que vem do Capão Bonito, e subindo por esta até um valo, que vem do Capão Bonito, seguindo pelo dito valo, que divide o Campo da Lagoa com Fortunato de Almeida Camargo até uma cabeceira, que tem onde imbica o valo referido, descendo por esta cabeceira até uma barra, que tem e divide o Quizó com o potreiro da casa do “Capão Bonito”, seguindo por essa cabeceira acima até um valo, seguindo por este valo até o portão do Quizó, onde começam estes [...] (TABELIONATO DE NOTAS E PROTESTOS DE JAGUARIAÍVA-PR apud PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAPOTI, 1995).
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89 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
A propriedade, voltada para a criação de animais, foi sendo fragmentada e adquirida por outros proprietários. Sabe-se que entre as décadas de 1940 e 1960, a casa era propriedade da família Pedroso. No livro Arapoti: registro histórico, Maria de Lourdes Osternach Pedroso, filha de Osmar Pedroso, relata vários episódios sobre vida naquela época, naquela casa. Aos oito anos, conta que ela e os irmãos vivenciaram muitas aventuras naquele lugar, considerado distante da cidade.
Em dias de chuva, eles caminhavam pelos carreiros formados pelo trânsito de gados; aprenderam, a contragosto, a caçar pássaros e veados; nadavam no banhado transformado em piscina pelo pai, em um local chamado Burrinho, que também era o lugar onde as mulheres iam lavar roupa. Ela também relata os inesquecíveis passeios de bote no Rio das Cinzas; as viagens de carroça; e os passeios de bicicleta, junto com a turma de amigas. O trajeto desde sua casa na Fazenda Capão Bonito até as ruas quase desertas da então vila Cachoeirinha eram constantes.
Na vila, ela fazia compras no armazém, comprava pão e buscava as correspondências e o jornal no correio. A bicicleta também era o meio de transporte para o passeio até a Fábrica de Papel. A família viveu na casa até 1964, quando a propriedade foi vendida e a família se mudou para Ponta Grossa. Anos depois, ao voltar ao local, as impressões de Maria de Lourdes são outras:
[...] Um dia, na década de 1990, voltei ao lugar de minha juventude e não o encontrei. Desembarquei em uma próspera cidade desconhecida que, ao caminhar em busca do progresso, vem apagando os vestígios do meu passado” (PEDROSO, M. apud PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAPOTI, 1995).
Parte dos poucos remanescentes materiais da história da cidade, o edifício da antiga casa sede da Fazenda Capão Bonito pertence atualmente à Prefeitura Municipal de Arapoti. A partir de 2014, o edifício passou a abrigar o acervo da Casa da Cultura Memorial Capão Bonito. Atualmente, encontra-se em obras de conservação e melhoria da estrutura para abrigar um centro cultural.
Casa da sede da Fazenda Capão Bonito, construída em 1876.
Fotografia: Acervo Hebe Carneiro Nunes
Significados
O lugar é reconhecido pela comunidade como a casa mais antiga de Arapoti e seu principal significado é histórico. Além disso, vários dos bairros que hoje compõem a sede do município surgiram de desmembramentos e loteamentos da Fazenda Capão Bonito. A presença da edificação é uma memória das grandes propriedades rurais que dominavam a região no século XIX e início do século XX.
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Primeira casa de Arapoti. Antiga sede da Fazenda Capão Bonito.
91 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Fotografia: Acervo Prefeitura Municipal de Arapoti.
DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
A casa sede da antiga Fazenda Capão Bonito recebe a visita de escolas ou pessoas de diversas outras origens que têm interesse em conhecer o local. A responsabilidade sobre o espaço é da Prefeitura Municipal de Arapoti.
Elementos naturais
Na escritura de compra e venda de 1899 são citados, dentro da fazenda, o Rio Barra Mansa, o Ribeirão do José Vaz e seus afluentes, que não tinham denominações, duas lagoas que não secam e outras que servem apenas em tempo chuvoso (TABELIONATO DE NOTAS E PROTESTOS DE JAGUARIAÍVA-PR apud PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAPOTI, 1995). Atualmente, a área é bastante reduzida, restando apenas o entorno imediato da edificação. Nesse espaço, há uma árvore de grande porte que compõe a paisagem de entorno do edifício.
Elementos construídos
Na escritura de compra e venda de 1899, é citada a presença da casa de moradia com galpões e estrebarias (TABELIONATO DE NOTAS E PROTESTOS DE JAGUARIAÍVA-PR apud PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAPOTI, 1995).
Construído em 1876, o edifício preserva a sua estrutura tipológica de origem, apesar de ter sofrido modificações. À planta, predominantemente quadrada, foi acrescido com um apêndice ao fundo, cujas paredes mesclam a técnica do pau-a-pique com a alvenaria de tijolos cerâmicos. Originalmente, a casa possuía cobertura com telhas cerâmicas do tipo capa e canal, que foram substituídas por telhas francesas.
Na parte frontal da construção, o piso da residência está elevado do solo, e o acesso
ocorre através de uma escada, que também sofreu alterações ao longo do tempo.
Também nessa fachada, há uma varanda marcada por um guarda-corpo de madeira e seis pilastras de madeira, que conferem ritmo à fachada.
Nessa área, o piso em ladrilhos hidráulicos foi totalmente substituído por revestimento cerâmico contemporâneo. Ao redor de toda edificação existem janelas do tipo guilhotina e marco de madeira. Essas janelas foram substituídas com o passar do tempo e, atualmente, perderam sua tipologia original externa, assim como as escuras internas.
Interiormente, a edificação apresenta duas grandes salas centrais, com uma abertura em arco dividindo-as, e ambientes secundários nas laterais. Tanto o piso interno como o forro são em madeira e parecem bastante antigos.
Medidas
A área da fazenda adquirida por Romana Duarte de Camargo era de uma légua quadrada.
A casa sede possui aproximadamente uma área de 170 m².
Atividades que acontecem no lugar
A casa está passando por obras de conservação e ampliação da sua estrutura para abrigar um centro cultural.
Manutenção
É responsabilidade do poder público municipal, através da realização de reparos na edificação e manutenção das áreas externas.
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93 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Conservação
As obras que estão sendo realizadas na casa tem o intuito da sua conservação. Em dezembro de 2021, a obra estava entrando em fase final de conclusão, portanto, a casa está bem conservada.
RECOMENDAÇÕES
• Planejamento para a utilização do edifício da casa sede da Fazenda Capão Bonito, com uso cultural e público, realizando um plano de longo prazo e atividades que estimulem a participação da população.
Avaliação
A Fazenda Capão Bonito é um forte referencial histórico para as pessoas do município, sendo amplamente conhecida como “a primeira casa de Arapoti”. Possui valor também por suas características arquitetônicas e por ser um vestígio das grandes propriedades rurais que existiam na região.
Entretanto, apesar de sua importância, percebe-se que o local não é amplamente vivenciado pela população. No período em que abrigou o acervo da Casa da Cultura Memorial Capão Bonito, eram raras as visitas ao local. Esse fator pode ser justificado pela distância do centro e, naquele momento, pela ausência de adequações para se consolidar como local de visitação pública. Com as intervenções realizadas, é possível que essa realidade mude.
• Realizar manutenções constantes no edifício e prever todos os anos no orçamento a verba para a sua execução.
• Elaboração de uma pesquisa mais aprofundada sobre a história da Fazenda Capão Bonito, do edifício e de seus proprietários ao longo do tempo, reunindo e registrando informações, fotos antigas e documentos.
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95 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
OBJETOS
ACERVO DA CASA CULTURA
MEMORIAL CAPÃO BONITO
Acervo museológico constituído por aproximadamente 250 tipos de peças de mobiliário, objetos, reproduções de fotografias, ilustrações, pinturas a óleo, oriundos de da Prefeitura Municipal, da antiga Rede Ferroviária Federal e de doações feitas pela população arapotiense.
Onde está
No momento da pesquisa, em 2016, o acervo estava acondicionado no edifício da Antiga Sede da Fazenda Capão Bonito (conhecido como Casarão), sob responsabilidade da Prefeitura Municipal de Arapoti. O local de origem da exposição era a Antiga Estação Ferroviária, que, em 2016, estava fechada, devido ao péssimo estado de conservação do edifício. Em 2021, devido às obras de conservação no edifício da Antiga Sede da Fazenda Capão Bonito, o acervo foi encaixotado e se encontra no Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de Arapoti.
Sede da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Arapoti
Rua Dois, nº 131, Centro Cívico, Arapoti-PR
Latitude: 24° 8’33.95”S / Longitude: 49°49’27.02”O
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97 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Na década de 1990, o edifício da Estação Ferroviária de Arapoti deixou de ser usado para fins ferroviários, devido à diminuição gradual do uso do trem para o transporte de passageiros. Nessa época, a Prefeitura Municipal de Arapoti adquiriu a área pertencente a Rede Ferroviária Federal, transformando o edifício na sede da Casa da Cultura Memorial Capão Bonito. Nesse momento, os objetos e mobiliários que estavam na Estação Ferroviária passaram a fazer parte do acervo do Memorial. Ao longo do tempo, outras peças vinculadas com a temática ferroviária foram incorporadas, a partir de doações oriundas dos municípios de Ponta Grossa, Jaguariaíva e Jacarezinho.
Ao longo dos anos, a Prefeitura Municipal de Arapoti reuniu e doou uma série de objetos para o acervo da Casa Cultura como mobiliários, aparelhos eletrônicos, objetos, louças, quadros e reproduções de fotografias. Entre eles, foram incorporados ao acervo a máquina de projeção e um jogo de cadeiras fixas do cinema da Antiga Fábrica de Papel. Em 2009, foi realizado pela Prefeitura Municipal de Arapoti o Projeto Resgatando Nossa História, que entre outras iniciativas, promoveu a exposição de fotografias antigas da cidade. Essa exposição, pensada inicialmente para ocorrer durante a realização do Projeto, acabou se tornando acervo permanente da Casa da Cultura.
Em 2011, foi promovida uma campanha para enriquecer os registros históricos da cidade e promover a conscientização sobre sua importância e sua preservação. “Não serve mais para você, serve pra gente”, a campanha teve o intuito de arrecadar objetos e fotos antigas que ajudassem a contar a história de Arapoti. Alguns itens constantes no acervo são oriundos dessas doações, como máquinas de escrever, câmeras fotográficas e louças em porcelana.
Em 2012, o Sr. Nelson Bonardi, residente em Arapoti, doou uma grande quantidade de troféus pertencentes aos clubes de futebol da cidade. Devido ao péssimo estado de conservação do edifício da Estação Ferroviária, em 2014, o acervo da Casa da Cultura Memorial Capão Bonito foi transferido para a Antiga Sede da Fazenda Capão Bonito, no Bairro Jardim Ceres. Em 2021, devido à obra de conservação, o acervo foi acondicionado em caixas e depositado na sede da Secretaria Municipal de Educação e Cultura.
Significados
A intenção da formação do acervo é o registro da história da cidade, por meio de objetos, documentos e fotografias, relacionando-o às transformações ocorridas ao longo do tempo. Os objetos reunidos no acervo se referem a temáticas diversas, que evidenciam períodos históricos distintos e a vivência social de grupos, lugares, instituições, entre outros universos, agregando sentidos e significados diversos. O mobiliário e os objetos relacionados com a Rede Ferroviária e com o edifício da Estação Ferroviária fazem parte das memórias de uma geração que vivenciou à época do transporte ferroviário.
história história história
O maquinário de projeção e as cadeiras do antigo cinema são raros remanescentes de toda a estrutura da Antiga Fábrica de Papel, cuja demolição gerou uma sensação de perda bastante difundida na cidade. Os troféus representam as conquistas dos times de futebol da cidade e geram orgulho. As fotos e documentos antigos evidenciam a história e as transformações urbanas, que muitos presenciaram e tem histórias para contar.
98 História
99 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
O acervo da Casa da Cultura está sob a responsabilidade da Prefeitura Municipal de Arapoti, mais precisamente da Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Atualmente, a responsabilidade pelo espaço é da Divisão de Cultura, da Secretaria Municipal de Educação e Cultura.
Características
O acervo é bastante diversificado em termos de materiais e dimensões. O mobiliário em madeira representa o maior volume de peças, mas há uma quantidade razoável de imagens, ilustrações e quadros, assim como troféus. Há também objetos menores e frágeis, que constituem louças de época.
Atividades relacionadas ao objeto
A interação com os objetos do acervo se efetiva prioritariamente na visitação ao espaço expositivo. Em 2021, o acervo se encontrava indisponível para visitação, pois o local de guarda passava por obras de conservação. Não há previsão para retornar as atividades culturais e expositivas.
Manutenção
A responsabilidade pela manutenção do acervo é da Prefeitura Municipal de Arapoti, mais precisamente da Divisão de Cultura vinculada à Secretaria Municipal de Educação e Cultura.
Conservação
Em 2016, foi possível verificar que, de um modo geral, o acervo estava em bom estado de conservação, sem danos graves ou riscos de degradação eminente. Apesar dessa boa condição, não estavam sendo empreendidas ações de conservação dos objetos. Em 2021, não foi possível acessar o acervo, que está acondicionado em caixas de papelão.
O acervo é representativo de diversos períodos, de diversos grupos, entidades e instituições que vivenciam ou tiveram importância para a conformação urbana e para a comunidade arapotiense. Sua formação é, em certa medida, colaborativa, configurada pela doação, portanto representa a diversidade de temáticas e narrativas existentes no ambiente urbano, com possibilidades de ampliação do acervo. Por outro lado, a estrutura da Secretaria Municipal de Educação e Cultura é reduzida em termos de recursos técnicos e orçamentários e não proporciona a devida conservação, utilização e valorização do acervo. O acervo está em uma situação provisória. Em 2021, o acervo se encontrava em situação provisória, aguardando a definição do local para o qual seria transferido.
RECOMENDAÇÕES
• Realização de um Plano Museológico, que contemple ações de preservação, conservação e valorização do acervo, considerando a realização de pesquisa, a elaboração e atualização da documentação museológica (referente a aquisição, arrolamento, registro ou inventário, classificação, catalogação, pesquisa); a guarda e a exposição adequadas e condizentes com o acervo.
• Adequação de um espaço museológico permanente, que assegure a guarda, a conservação e a valorização do acervo, como uma sede única e intransferível; assim como a interação constante e efetiva com a população local e com outros públicos interessados. Sugere-se a elaboração de projeto museográfico, que promova a valorização do acervo, considerando o caráter interativo com as diversas temáticas e narrativas sociais que compõem a história de Arapoti.
• Realização de ações educativas que envolvam o acervo, no contexto escolar ou em grupos sociais e comunitários, fomentando um processo dialógico sobre a história da cidade e seus bens culturais.
100
Avaliação
101 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
FESTA DE são joão Batista
Festa religiosa em homenagem à São João Batista, padroeiro do município. Além da parte religiosa, a festa possui um caráter de auxílio e cooperação para as entidades sociais locais.
Foto: Acervo Paróquia de São João Batista.
Onde está
A festa acontece no entorno da Igreja de São João Batista, na Praça da Matriz (ou Praça Dona Romana Duarte de Camargo).
Endereço: Entre as ruas Moisés Lupion, Mario Carneiro de Melo, Emiliano Carneiro e Amantino de Camargo.
Latitude: 24°08’39”S Longitude: 49°49’31”O
Períodos importantes
A festa acontece na semana do dia 24 de junho e dura no máximo seis dias. Normalmente se inicia um dia antes do dia 24 de junho, que é feriado municipal.
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CELEBRAÇÕES
103 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
história
História e Significados
Segundo Ivo Possato (entrevista, 2016), a Festa de São João Batista é tradicional e sempre possuiu um enfoque bem religioso. Antigamente tinha fogueira, foguetes, procissão, desfile de máquinas na rua. De acordo com Ivo, a festa era diferente da comemoração que ocorre hoje em dia, que não ocupa mais as ruas com a mesma intensidade.
Conforme Nilce de Souza Lobo (entrevista, 2016), antigamente a festa contava com menor infraestrutura, e era mais restrita à parte religiosa e à venda de alimentos, que eram o churrasco, pastel e quentão. Havia também brincadeiras e eram utilizados megafones. Mais antigamente, a maioria das pessoas morava na área rural, então muitos vinham para o dia da festa em cima de caminhões. Ao longo do tempo, a festividade foi perdendo a sua relevância, e ficando restrita apenas à parte religiosa, sem outras atividades complementares.
A homenagem a São João Batista voltou a ter um caráter festivo a partir de um convênio realizado entre a igreja e a Associação São José, que mantém o Centro de Educação Infantil Nosso Cantinho. Em 1999, como a Associação vinha passando por dificuldades financeiras, surgiu a ideia de pedir permissão para o pároco da Igreja, Padre Jair, para fazer uma quermesse de uns três dias para angariar fundos. O padre aceitou a proposta e a festa foi realizada, sendo que metade das receitas ficou para a igreja e a outra metade foi para o Centro de Educação Infantil. Nos anos seguintes, a festa continuou sendo realizada, sempre com esse fim filantrópico.
Com o tempo, a Paróquia quis construir o edifício para a administração e a catequese, e então a divisão dos lucros da festa se configurou em vinte por cento para a Associação e oitenta por cento para a Paróquia. Com o passar do tempo, outras entidades começaram a participar e se envolver, como a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), o Lar do Idoso, AASCA (Associação de Assistência Social Cristão de Arapoti) e PACAA (Programa de Atendimento à Criança e ao Adolescente de Arapoti).
Em 2016, foi possível constatar que, além das entidades,
Todas as escolas participam, a comunidade holandesa participa ativamente, inclusive fazendo doações. Por exemplo ano passado eu consegui 36 porcos de doação. Eles são evangélicos, mas também participam. Deixou de ser uma festa até então religiosa, porque é uma festa familiar Nilce de Souza Lobo, entrevista, 2016
A festa se tornou grandiosa e dividida em duas partes que ocorrem simultaneamente: a religiosa e a festiva/cultural, sendo organizada por comissões distintas (Nilce de Souza Lobo, entrevista, 2016). Nos anos de 2020 e 2021, a festa não foi realizada em função da situação de emergência da pandemia de covid-19.
história
história
DESCRIÇÃO
Programação
Mesmo seguindo uma mesma linha, a programação varia em cada ano, de acordo com as propostas das comissões. Em 2015 a festa teve a seguinte programação:
Dia 19/06 sexta-feira
- Missa, novena e bênçãos especiais
- Abertura da festa
Dia 20/06 sábado
- Almoço mineiro
- Abertura da festa (barracas e parque)
- Atrações culturais
- Missa, novena e bênçãos especiais
- Festival sertanejo
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105 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Fotografia Acervo Paróquia de São João Batista. (s/d)
Dia 21/06 domingo
- Corrida de São João Batista
- Missa, novena e bênçãos especiais
- Almoço churrasco
- Leilão de animais
- Atrações culturais
- Missa
- Festival sertanejo
Dia 22/06 segunda-feira
- Barracas/Parque
- Missa, novena e bênçãos especiais
Dias 23/06 terça-feira
- Barracas/Parque
- Missa e encerramento da novena, queima de fogos e dos pedidos da Igrejinha
- Fogueira
- Atrações culturais
Dia 24/06 quarta-feira
- Missa em louvor a São João Batista
- Cavalgada/Carreata e bênçãos de veículos e motos
- Almoço
- Atrações culturais e apresentação da Rainha da Paróquia São João Batista
- Show de prêmios
Pessoas envolvidas
A festa envolve a comunidade de Arapoti de forma variada. Todos os anos são formadas duas comissões, uma responsável pela parte religiosa e outra pela parte festiva e cultural. Além disso, participam: as entidades do município (Associação São José, APAE, Lar do Idoso, AASCA e PACAA), que são as principais beneficiadas; as escolas nas atividades culturais; pessoas de outras religiões, como por exemplo, os integrantes da colônia holandesa; a comunidade em geral através de doações de prendas (animais como bois e porcos); moradores das áreas rurais.
Há pessoas ou famílias que possuem funções específicas como, por exemplo, Nilce de Souza Lobo, que teve atuação na reativação da festa; a família Alvarez, que é responsável pela fogueira; a equipe do Show de Prêmios, da organização das danças, da cozinha, entre outros.
Comidas e Bebidas
Durante a festa, são vendidos vários alimentos que não são comidas típicas do local, mas foram estabelecidas temáticas de acordo com a programação. Dessa forma há o dia do almoço mineiro, do churrasco e do feijão tropeiro. Também estão presentes as
barraquinhas que vendem outras comidas como yakissoba, salgados, crepes, sopas, cachorro-quente, espetinhos, bolos, sanduíche de pernil, sucos, café cremoso.
Expressões corporais
Durante os dias de festa, são feitas várias apresentações que mesclam referências culturais contemporâneas, entretanto não são atividades culturais tradicionais ou típicas do lugar.
Também há a apresentação de quadrilhas. Nas celebrações religiosas, são realizadas encenações durante as missas e novenas, que, assim como as danças, variam de ano a ano.
Expressões orais
Entre as atividades culturais da festa estão as apresentações musicais. Há o Festival Sertanejo, que é uma competição de roda de viola, onde são cantadas músicas sertanejas de raiz. Ocorre durante três dias, sendo que vêm pessoas da região para participar e, ao final, são oferecidos prêmios. Outra atividade é a apresentação do coral da colônia holandesa. As expressões religiosas variam. Geralmente é realizada a novena, que começa nove dias antes do dia do padroeiro, e são também realizadas missas especiais em homenagem a São João Batista e bênçãos especiais. É feita uma carreata/cavalgada e, ao término, são abençoados os veículos dos fiéis.
Objetos importantes
O espaço é decorado com motivos de festa junina. Um elemento importante é a fogueira, que é feita todos os anos sob a responsabilidade da família Alvarez.
Estrutura e recursos necessários
Para a realização da festa é fechada uma parte da rua próxima à Praça da Matriz, e são montadas tendas onde ocorrem as atividades. Os recursos utilizados para realizar a festa são oriundos de doações. Essas doações são diversificadas, podendo ser animais para o leilão, automóveis ou motos para o Show de Prêmios, madeira para a fogueira.
Outros bens culturais relacionados
Igrejinha de São João Batista (ver ficha específica).
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107 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Fotografias: Acervo Paróquia de São João Batista. (s/d)
A festa de São João Batista em Arapoti consegue conciliar a parte religiosa e a parte cultural. Trata-se de uma celebração que possui um grande envolvimento da comunidade da cidade, atraindo mesmo pessoas praticantes de outras religiões. O caráter filantrópico da festa é outro ponto forte, pois motiva a população para trabalhar para a concretização de ações sociais.
Dentre os aspectos negativos para a valorização da celebração como um bem cultural está a interrupção da sua realização durante um longo período de tempo. Esse fato fez com que alguns aspectos culturais do passado se perdessem, inclusive registros e informações. Sob o formato mais recente, as atividades vinculadas a celebração adquiriram um caráter contemporâneo, sem haver uma ligação direta com os aspectos históricos. Inclusive, o número de edições da festa passa a ser a partir desse formato, sendo em 2015 a décima sexta edição. Tal fato não tira o valor das manifestações atuais, que continuam sendo uma referência vigente.
RECOMENDAÇÕES
- Realização de pesquisa e registro sobre a história da festa, com a reunião de fotos, registros audiovisuais, documentos, informações orais;
- Manutenção d caráter comunitário da festa, com a participação dos diversos grupos que contribuam para a consolidação dessa celebração tradicional.
Fotografias: Acervo Paróquia de São João Batista.
108 Avaliação
109 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
CELEBRAÇÕES
FESTA DE ANIVERSÁRIO DE ARAPOTI
FESTA DE PEÃO DE BOIADEIRO DE ARAPOTI
FESTIVIDADES DO ANIVERSÁRIO DE ARAPOTI
Festa em comemoração ao aniversário da emancipação político-administrativa de Arapoti. Engloba quatro a cinco dias de festa, com atrações diversas e destaque para o rodeio de peão de boiadeiro.
Onde está
A festa ocorre na Arena de Rodeio montada na área do Centro Cívico, próxima à Prefeitura Municipal.
Latitude: 24°08’30”S Longitude: 49°49’29”O
Períodos importantes
A festa tem como referência o dia 18 de dezembro, que é a data da emancipação político-administrativa de Arapoti.
Fotografia: Acervo COFAA - Comissão Organizadora das Festividades do Aniversário de Arapoti
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111 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Não há informações sobre comemorações mais antigas em torno do aniversário da cidade, alguns interlocutores lembram vagamente de desfiles e missas em homenagem a data. Sabe-se que há aproximadamente quinze anos a Prefeitura Municipal decidiu investir em comemorações natalinas, implantando a Casa do Papai Noel. Foram incluídas nesse contexto as comemorações do aniversário, fortalecendo os dois eventos.
A arquiteta Sílvia Nakano (entrevista, 2016 relata que quando chegou ao município, em 1994, a festa de aniversário já era tradicional, e possuía relação com as festas natalinas. Além da arena do rodeio, havia barracas que vendiam produtos diversos e a presença do Papai Noel.
O local onde a festa é realizada foi anteriormente a sede do CTG Trempe de Aço. Segundo Javert Marin Ferreira (entrevista, 2016), o terreno foi doado pela Fábrica de Papel, que pertencia ao Grupo Bamerindus, para a criação de um parque de rodeio. Após um tempo, o CTG mudou sua sede para outro lugar.
No formato atual, grandioso, com a realização de rodeios e apresentações de artistas com projeção nacional, desde o início da década de 2000. Nesse modelo mais recente, a festa é organizada por uma comissão independente, patrocinada massivamente pelo empresariado local e atinge um público regional. No ano de 2015, a festa comemorou os 60 anos de Arapoti.
Em 2019 ocorreu a versão mais recente, cuja realização foi suspensa nos anos de 2020 e 2021 em função da situação de emergência da covid-19. Em dezembro de 2021, foi possível observar a montagem de uma estrutura para as comemorações natalinas e algumas barracas com vendas de bebidas e comidas.
Significados
Além do caráter cívico, de comemorar o aniversário da emancipação do município, o principal significado da celebração é festivo, com grande ênfase no rodeio e nas apresentações musicais.
Enquanto outras festas no município possuem um significado mais comunitário, a Festa de Aniversário de Arapoti assume proporções de um grande evento, chegando a ter uma abrangência em nível regional. A presença central do rodeio durante a festa enfatiza também a tradição do município que valoriza sua vocação rural e agropecuária.
DESCRIÇÃO
Programação
A programação tem variações em cada ano, mas as atrações seguem sempre uma mesma linha. Em 2015, o programa foi o seguinte:
Todos os dias Rodeio em Touros a partir das 19h
história história
história
Dia 17/12 Abertura oficial com Waltinho dos Santos a partir das 20h, entrada dos pavilhões e queima de fogos.
De 17/12 a 20/12 — Rodeio em Touros, Praça de Alimentação e Parque de Diversões.
Dia 19/12 às 8h — 1° Copa de 3 Tambores (Rodeio)
De 19/12 a 20/12 — 3° Trilhão Aralama (Trilha de motos)
Atrações musicais
16/12 quarta-feira: Grupo Trancão Gaúcho / Mc Baker
17/12 quinta-feira: João Bosco e Vinícius
18/12 sexta-feira: Bruno e Barreto
19/12 sábado: Pedro Henrique e Fernando
20/12 domingo: Di Paullo e Paulino
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História
113 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Em anos anteriores também houve outras atrações como inauguração de equipamentos urbanos, cavalgada, prova pedestre, rodeio mirim em carneiros, missa em ação de graças, entre outros. Cerca de um mês antes da festa é realizado o Baile da escolha da Rainha de Arapoti, organizado em parceria entre a Comissão Organizadora das Festividades do Aniversário de Arapoti (COFAA) e a Secretaria de Educação e Cultura de Arapoti. Nesse baile são eleitas a rainha, a 1ª princesa e a 2ª princesa da festa, que representam o município também em outros eventos oficiais.
Pessoas envolvidas
A organização e responsabilidade pelos encargos financeiros para a realização da festa são geridas pela Comissão Organizadora das Festividades do Aniversário de Arapoti (COFAA), pessoa jurídica de direito privado com natureza de associação privada.
A Prefeitura Municipal disponibiliza a estrutura dos serviços públicos essenciais para a realização do evento, como ambulâncias, Conselho Tutelar, Defesa Civil, Vigilância Sanitária, entre outros. Há uma grande mobilização dos empresários locais para patrocinar a realização da celebração. São vendidos espaços de publicidade na arena de rodeio e durante as locuções dos apresentadores.
Como as atrações da festa são variadas e os principais shows são gratuitos, existe grande adesão da população de Arapoti na participação das atividades. Além disso, devido ao destaque das atrações musicais, que geralmente incluem artistas de projeção nacional, muitas pessoas de outras cidades também participam da festa.
Comidas e Bebidas
Durante a festa são instaladas barracas que vendem os mais variados tipos de comidas e bebidas. Por exemplo: crepes, sanduíches, pipoca, churros, batidas, cerveja, refrigerantes.
Roupas e acessórios
Por se tratar de uma festa de peão de boiadeiro, grande parte dos participantes utilizam roupas que remetem ao universo country/sertanejo. Desse modo, existem as roupas específicas para os peões, para a rainha e as princesas e para as pessoas que se
apresentam nas danças e atrações culturais. Muitos dos participantes da festa também utilizam vestuários e acessórios inspirados no universo sertanejo.
Expressões corporais e orais
Durante a abertura da festa são realizadas uma série de apresentações de grupos locais que externam a cultura do rodeio. Em 2015, os fogos de artificio marcaram o início da festa no dia 17 de dezembro. Em seguida, a apresentação das bandeiras do país, do estado e da cidade é protagonizada por um grupo de meninas vestidas com roupas em estilo country. Em outra apresentação, crianças e peões contracenam a benção de Nossa Senhora para a realização bem-sucedida do evento. Grupos compostos por crianças, adolescentes e adultos apresentam uma série de espetáculos de dança que representam o universo sertanejo.
O rodeio é o ponto central da comemoração. Por esse viés do esporte e da competição, possui uma série de ritos e regras a serem cumpridos, visando o domínio do homem sobre o animal, sua expressão mais forte. Para abrilhantar o evento, a apresentação da abertura e do rodeio é feita por Waltinho dos Santos, o Furacão Bandeirante, locutor profissional afamado no âmbito regional, responsável por essa função em diversas outras cidades/rodeios.
Por fim, os shows de artistas de projeção nacional, prioritariamente vinculados à música sertaneja, atraem um grande público, inclusive de caráter regional.
Estrutura e
recursos necessários
Para a realização da festa, é necessária a montagem de uma grande estrutura, que requer o fechamento de um espaço de uso público. A estrutura principal é a arena do rodeio, montada a partir da instalação de grades e a configuração do piso com serragem. Em uma das extremidades é montado o palco onde são feitas as apresentações musicais e são instalados telões. Nas laterais estão as arquibancadas, sendo uma delas de livre acesso do público. A outra configura um camarote com acesso restrito para quem compra ingresso.
Além disso, são implantados banheiros, parque de diversões e diversas barraquinhas e tendas onde são comercializados os produtos. A montagem da estrutura é de responsabilidade da Comissão Organizadora das Festividades do Aniversário de Arapoti (COFAA). Não são cobrados ingressos para participar da festa, que é patrocinada pelo comércio do local.
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115 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Fotografias: Acervo COFAA
Para as novas gerações, a Festa de Aniversário de Arapoti é a principal referência de celebração no município, sendo que foi amplamente citada em enquetes aplicadas aos alunos das escolas.
Enquanto outras festas apresentam um processo de organização mais orgânico e comunitário, essa celebração tem um caráter mais “profissionalizado”, justificado pelo tamanho da festa, que tem maiores proporções.
Diferentemente da maioria das outras celebrações que ocorrem no município, não possui um fundo religioso, e, dessa forma, apresenta uma abrangência maior sobre a população. Há uma adesão bastante grande, favorecida pela presença de cantores de projeção nacional, que atraem um público maior, até mesmo das cidades vizinhas. Atualmente, a festa se consolidou como uma referência forte e uma atração turística.
Observa-se, entretanto, que essa celebração possui um caráter predominantemente contemporâneo, excluindo parcelas históricas. Embora represente a vocação da cidade para atividades ligadas ao campo, o rodeio de peão de boiadeiro é um modelo importado recentemente, não se tratando de uma tradição antiga no local, diferente, por exemplo, do rodeio tradicionalista, vinculado às atividades do CTG, que se configura de forma mais tradicional no município.
RECOMENDAÇÕES
• Reforçar o caráter cívico da festa, cujo principal motivo de sua realização é o aniversário da emancipação político-administrativa do município. Inserir atividades na programação que incentivem o conhecimento das novas gerações sobre a história e tradições de Arapoti, e uma maior ligação com o local.
• Incentivar a participação da população do município nas apresentações culturais. Inserir, juntamente com as atrações musicais nacionais, outros artistas locais.
116 Avaliação
117 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Fotografias: Acervo COFAA
FICHA De identificação Cerrado das cinzas
A localidade de Cerrado das Cinzas é considerada a mais antiga configuração urbana no território onde hoje se encontra o município de Arapoti. Formalmente, o Distrito Judiciário do Cerrado foi instalado em 6 de março de 1909, sendo pertencente à Comarca de Jaguariaíva-PR.
No Distrito foram implantados o Cartório e a Delegacia; se estabeleceram e permaneceram vendas, farmácia, açougue, padaria, hotel, clube, barbearia, ferraria, cemitério, escola e outras coisas mais (ABREU, 1995). Conforme Ivo Possato (entrevista, 2016),
[...] era tradicional porque tinham lá os proprietários, vamos dizer, que eram os grandes fazendeiros e eles viviam lá. Então eles fizeram doação de área lá na época para Prefeitura, para Igreja.
Assim se estabeleceram as instituições.
Naquela época a religiosidade católica e a devoção à Nossa Senhora do Carmo beirava a unanimidade, e a crença popular perpetuou a noção da doação do terreno para a Santa, conforme estrofe do poema de Bernardet Turkiewicz (1995), “[...] Na Senhora do Carmo A fé do povo era tanta Que chegaram até doar / Terra para a santa”. A construção da Estação de Cachoerinha, em 1913, onde atualmente é Arapoti, influenciou a dinâmica socioeconômica da região e a população, que se concentrava no Distrito de Cerrado, foi aos poucos migrando para mais próximo da infraestrutura ferroviária, gerando uma centralidade maior. O processo foi lento, até a década de 1940 havia um intenso
movimento na localidade, porém nos períodos posteriores o esvaziamento populacional se evidenciou, conforme relata Calmon, “com a estrada de ferro as pessoas mudaram pra mais perto da estação, os mais velhos foram morrendo e o Cerrado foi se acabando”. Em 1995, data do seu depoimento, residiam no Cerrado 47 famílias, havia o posto de saúde, escola e telefone público. Além disso, ressalta a presença de Nossa Senhora do Carmo que, “Nossa Senhora do Carmo continua conosco protegendo a toda a hora” (ABREU, 1995).
A devoção à santa é ainda muito presente e compartilhada. Mesmo em outros lugares do município, a invocação ao seu nome e a presença da imagem na igreja homônima gera uma relação direta com a localidade, sendo seu símbolo máximo. Apesar disso, a celebração da festa em sua homenagem, antigamente grandiosa, não tem acontecido nos últimos anos. A devoção fica por conta de eventos religiosos menores e mais restritos, que acontecem anualmente no dia 16 de julho como a missa, a procissão e a confecção e substituição das vestes da santa em agradecimento às graças alcançadas.
bem cultural inventariado
Cerrado das Cinzas
Forma de Expressão
Confecção e substituição das vestes de Nossa Senhora do Carmo
Fotografia: Livro Arapoti: Registro Histórico 118
119 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI
CONFECÇÃO E SUBSTITUIÇÃO DAS VESTES DE NOSSA SENHORA DO CARMO — LOCALIDADE
DE CERRADO DAS CINZAS
Forma de devoção religiosa que envolve a confecção e a substituição das vestes da imagem de Nossa Senhora do Carmo (imagem de vestir ou santo de roca) durante os dias de homenagem a ela, no mês de julho. As vestimentas, configuradas por vestidos e, por vezes, mantos, são confeccionadas anualmente por devotas que as oferecem em agradecimento pelas graças alcançadas.
Onde está
A Capela de Nossa Senhora do Carmo está localizada no Bairro de Cerrado das Cinzas, que dista aproximadamente 14 km da Sede do Município de Arapoti. O acesso ao Cerrado das Cinzas é feito pela Rodovia Governador Parigot de Souza PR-092 (Sentido Norte), e, no Km 224, a entrada a esquerda leva à localidade através de uma estrada em parte recoberta por cascalho e em parte de terra percorrida por aproximadamente 6 km. A imagem de Nossa Senhora do Carmo se encontra no interior da capela homônima. Algumas das vestimentas confeccionadas ao longo dos anos estão guardadas na igreja.
Capela de Nossa Senhora do Carmo Rua Nossa Senhora do Carmo, s/nº. Bairro Cerrado das Cinzas Arapoti-PR
Latitude: 24° 4’7.41”S Longitude: 49°53’8.18”O
Períodos importantes
Anualmente, o dia 16 de julho é a data da festa litúrgica em homenagem à Nossa Senhora do Carmo.
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Fotografia: Livro Arapoti: Registro Histórico
FORMA DE EXPRESSÃO
121 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
A devoção à Nossa Senhora do Carmo se inicia na localidade de Cerrado das Cinzas quando a imagem chega ao local pela mão de moradores locais. Conforme entrevista de Terezinha de Andrade Pontes, o avô [ou bisavô] do seu esposo Benedito de Almeida Pontes trouxe a imagem de uma viagem ao estado de São Paulo, com uma tropa de porcos. Na ocasião, os tropeiros encontraram uma capela no caminho, que estava aberta e sem sinal de uso, no altar estava a imagem da santa. Prometeram que na volta, se encontrassem o local nas mesmas condições, levariam a imagem da santa; e assim o fizeram (Terezinha de Andrade Pontes, entrevista, 2015).
Também conforme Terezinha, inicialmente foi construída uma pequena capela na localidade para abrigar a imagem, mas muitos contam que a santa não queria ficar no local e saía para passear, voltando com o vestido molhado de orvalho. Conforme depoimento do Calmon José de Abreu, registrado no livro Arapoti: registro histórico, a santa foi entregue para Nhá Chimpa, que cuidou em sua casa, até construírem uma igreja só para ela (PMA, 1995).
Nessa época, Cerrado das Cinzas era a principal localidade da região. Calmon relata que seu pai, Marcos José de Abreu, era delegado e contava que ali havia cartório, delegacia, vendas, farmácia, açougue, padaria, hotel, clube, barbearia, ferraria, cemitério, escola. A família de Benedito de Almeida Pontes, esposo da Sr.ª Terezinha, era natural do lugar e possuía um armazém de secos e molhados, denominado Armazém São Benedito.
Posteriormente foi construída uma igreja em madeira, que até 1977 foi a edificação que abrigou os cultos religiosos. Não havia um padre permanente, então os fiéis se reuniam e realizavam o “domingo de mês”, em que um domingo durante o mês havia uma celebração religiosa comandada por leigos. Durante a semana atividades religiosas, como a catequese, aconteceram, em vários períodos, com a participação efetiva de Cecília Zelazowski e Terezinha Pontes.
Sob a liderança das duas, foi arrecadado dinheiro para a construção do segundo edifício da igreja, que foi implantado em terreno maior, contíguo ao cemitério, em uma parte mais alta da localidade. O edifício era de vidro e coberto com telhas de fibrocimento, porém menor que o edifício de madeira. Posteriormente, essa edificação foi demolida e foi construído o edifício que configura a igreja atual. Em 2016, as missas estavam sendo realizadas nos dias 16 de cada mês com o intuito de fortalecer o vínculo da comunidade com as atividades religiosas.
Significados
A Capela de Nossa Senhora do Carmo é, como instituição, uma das referências mais antigas da localidade de Cerrado das Cinzas, juntamente com o cemitério, que permanece em seu lugar de origem. A religiosidade sempre foi um fator que agregou os moradores daquela localidade e a devoção à Nossa Senhora do Carmo certamente fortaleceu os
história história
vínculos comunitários. A igreja se tornou o local de reunião, de encontro, assim como uma causa pela qual muitos contribuíram, como na realização de festas e leilões; e para a construção dos templos.
Além disso, apesar do caráter comunitário, a devoção à Nossa Senhora do Carmo não se restringe à localidade de Cerrado das Cinzas. Nas entrevistas de Terezinha e Cecília, assim como no depoimento de Calmon, é enfatizada a presença de pessoas de outros lugares para celebrar a festa litúrgica. Terezinha cita a presença e a colaboração de uma senhora que vinha de Mato Grosso especialmente para a festa. Loíde Ferreira Wolz, moradora do Distrito de Calógeras, conta em sua entrevista que sua avó Maria Jucinda de Gouvêa era muito devota de Nossa Senhora do Carmo. Relata que
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História
história
123 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
[...] ela ia uma semana antes para os preparativos lá no Cerrado das Cinzas, isso há mais de cem anos. Ela tinha um colar de ouro de três voltas, e ela ofertou para Nossa Senhora do Carmo. Por três vezes roubaram e as pessoas tiveram consciência pesada e devolveram na primeira e na segunda, mas na terceira não, “tchau, tchau”. Levaram (Loíde Ferreira Walz, entrevista, 2016).
DESCRIÇÃO
Etapas
Quanto à confecção e substituição das vestes de Nossa Senhora do Carmo, é possível que façam parte de uma tradição trazida de Portugal, visto que os santos de roca (ou imagens de vestir), comuns naquele país, tinham como uma de suas características principais a possibilidade de serem vestidos nas encenações religiosas.
Na localidade de Cerrado das Cinzas, ao ato de confeccionar e substituir as vestes de Nossa Senhora do Carmo agregou-se o sentido de devoção e agradecimento para as graças alcançadas. A doação da roupa para o momento solene da festa litúrgica é um ato de fé propagado e compartilhado pela comunidade. Conforme cita Cecília,
[...] Esse todo mundo doa. Vinha de Curitiba... Vinha de tudo canto. Quando você vê, aparecia. Na festa aparecia. Um mais bonito que o outro. Eles tinham muita fé em Nossa Senhora. Eles faziam promessa, e eles cumpriam com roupinha. [...] Mas é antigo! É relíquia!
[...] Às vezes, tinha festa, era dois, três... Você tinha que saber pôr. Um para missa, outro para novena. Cada um queria ver Nossa Senhora vestida com a roupa que eles faziam.
[...] A pessoa queria ver a roupinha nela. E eles faziam por causa de doença, alguma coisa, faziam a intenção e eles alcançavam a graça. Eles alcançavam. Isso é um verdadeiro milagre. É um milagre ter aquilo lá. Eles já faziam com essa intenção [de receber uma graça]. Tinha um guarda-roupa, naquele tempo era roupinha mais curta, depois foi fazendo mais longa, mais bonitinha, diferente (Cecília Kicheleski Zelazowski, entrevista, 2015)
Nos últimos anos, a homenagem a Nossa Senhora do Carmo tem sido restrita a missa e a procissão no dia 16 de julho, sem o acontecimento de uma festa grandiosa. Apesar dessa condição, a confecção e a troca das vestes é vigente, acontece todos os anos. Ainda hoje, há a expectativa de que a roupa confeccionada seja utilizada durante a homenagem, simbolizando a concretização do ato de devoção, agradecimento e homenagem a santa.
• Ao se aproximar a data da festa, as devotas comunicam a pessoa responsável pela Igreja que pretendem confeccionar a vestimenta. É comum que haja uma fila de espera de um ano para outro; quando ocorre, há um acordo para estabelecer quem fará a vestimenta nesse ano, quem fará no próximo ano.
• Na semana que antecede ou até mesmo no dia da homenagem, as vestimentas chegam à Capela de Nossa Senhora do Carmo. Normalmente são confeccionados dois ou três vestidos por ano, que vem de diferentes lugares.
• Há a definição de qual vestimenta será usada no momento da missa e qual será utilizada no momento da procissão.
• Atualmente, a pessoa responsável pela igreja é quem faz a troca das vestes. Somente ela pode estar presente e executar a substituição de uma veste por outra.
• Após a realização da homenagem, os vestidos são retirados e guardados em um armário localizado na capela, juntamente com as demais peças.
Pessoas envolvidas
A expressão tem um caráter religioso que é acompanhado e orientado pelo líder da Igreja Católica. Em 2016, os Padres Celso Miqueli e Aleandro José da Silva eram os responsáveis pela Paróquia de São João Batista, que abrange a comunidade de Cerrado das Cinzas.
A cada ano são escolhidos os responsáveis pela igreja, que guardam as chaves, coordenam a organização das finanças e das atividades religiosas. A comunidade local tem participado de maneira mais ativa, e as tarefas têm sido amplamente divididas. Com relação às homenagens à Nossa Senhora do Carmo, elas são preparadas de maneira comunitária, com orientações da liderança religiosa. No que condiz às vestimentas e a forma de devoção, a organização está sob a responsabilidade das senhoras mais envolvidas com as atividades da igreja.
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125 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Os devotos que confeccionam ou mandam confeccionar os vestidos como forma de agradecimento são pessoas fundamentais no processo, porém não são pessoas fixas.
A maioria tem ou teve relação com a comunidade ou com a localidade de Cerrado das Cinzas. Como referência dos tempos mais antigos, é possível citar a Sr.ª Cecília Zelazowski, a Sr.ª Terezinha de Andrade Pontes, o Sr. Calmon José de Abreu (que mora em Ponta Grossa) e a família Barros.
Materiais
Ao longo dos anos, foram confeccionados vestidos e mantos de diversos tipos de tecidos, como seda, lese, rendados, crochê; alguns vestidos possuem enfeites bordados com miçangas.
Produtos e suas principais características
A forma de expressão se materializa na confecção de vestes sob medida para cobrir a imagem da santa, sendo cada vestido o produto dessa manifestação. Ao longo dos anos muitos modelos foram confeccionados, alguns de forma mais simples, outros bastante requintados, combinado o vestido com mantos do mesmo tecido.
Expressões orais e corporais
As principais expressões que visam homenagear a santa, associadas à confecção das suas vestes, são a realização anual da missa e da procissão no dia 16 de julho.
Objetos importantes (instrumentos musicais, rituais, decoração do espaço)
O objeto mais significativo associado à forma de expressão é a imagem de Nossa Senhora do Carmo. Com aproximadamente 40 cm de altura, tem a cabeça e a parte superior do corpo esculpida em madeira. A imagem, que é bastante antiga, materializa a expressão da fé. As vestimentas também são objetos importantes vinculados à devoção. São confeccionados e posteriormente guardados com cuidado.
Estrutura e recursos necessários
A manutenção das atividades e da vivência religiosa católica na comunidade é necessária para o fortalecimento da forma de devoção. Uma das condicionantes principais é a conservação da imagem na Capela de Nossa Senhora do Carmo, na localidade de Cerrado das Cinzas. Para a realização da devoção, o conhecimento sobre o ofício da costura e os materiais necessários para a confecção das vestes são imprescindíveis, assim como a logística para levar ou enviar a roupa para que esteja no local no dia da homenagem.
Avaliação
A devoção à Nossa Senhora do Carmo tem uma temporalidade antiga e se mantém vigente. A localidade de Cerrado das Cinzas é um marco referencial para a história do
município, e há pessoas e famílias que vivem em Arapoti ou em municípios próximos que mantém uma forte ligação com a localidade e/ou com a comunidade, portanto a devoção à Nossa Senhora do Carmo transcende a vivência comunitária. As atividades vinculadas à Igreja Católica na localidade têm sido incentivadas pela liderança católica responsável pela comunidade, que estimula sua participação e envolvimento nas atividades religiosas e na organização do espaço litúrgico.
Por outro lado, a dinâmica de ocupação da localidade tem sido de utilização mais ostensiva da terra pela silvicultura ou agricultura, acarretando na diminuição do contingente populacional e da vivência comunitária. A dinâmica religiosa da comunidade também se transformou ao longo dos anos, sendo incorporada outras religiões. Não há mais um consenso comunitário sobre a importância de manter as tradições vinculadas à religiosidade católica.
RECOMENDAÇÕES
- Elaborar pesquisas mais aprofundadas sobre a história da localidade de Cerrado das Cinzas, da Capela de Nossa Senhora do Carmo e das festas e atividades religiosas, reunindo ao máximo documentos, fotografias, informações orais.
- Inventariar o acervo de vestimentas existentes na Capela de Nossa Senhora do Carmo, considerando reunir o máximo de informações possíveis sobre cada peça quem doou, em que ano, características.
- Promover ações de conservação do acervo de vestimentas, considerando a guarda em local adequado que concorra para preservação efetiva das peças e materiais.
- Promover ações de valorização das manifestações religiosas da localidade de Cerrado das Cinzas, considerando a realização de ações educativas e de difusão sobre a história e a cultura locais.
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Fotografia: Livro Arapoti: Registro Histórico
127 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
FICHA De identificação distrito de calógeras
O Distrito de Calógeras, antigamente denominado São José do Paranapanema, dista aproximadamente 25 quilômetros da sede do município de Arapoti, localizando-se na porção nordeste do território. Essa condição longínqua gerou, historicamente, poucos vínculos sociais e culturais significativos entre os dois territórios. As conexões se deram simultaneamente e por interesses e necessidades diversas com Arapoti e na mesma intensidade com outros municípios da região, principalmente Wenceslau Braz, Jaguariaíva e Ponta Grossa.
Por meio do Decreto nº 69, de 2 de fevereiro de 1916, o Presidente do Estado do Paraná cria o Distrito Policial denominado São José do Paranapanema, sob a jurisdição de Jaguariaíva (PMA, 1995). Antes desse momento histórico, na segunda metade do século XIX, famílias oriundas de Minas Gerais, se estabeleceram em áreas pertencentes às antigas fazendas Faxinal, Junqueira e Barreiro, consolidando a ocupação efetiva do território e a sua vocação agrícola e pecuária.
Atualmente, o Distrito possui uma dinâmica socioeconômica bastante pacata, na área onde a população está mais adensada. Poucas ruas configuram o local, que se desenvolveu paralelo à PR-092, onde se localizam o Colégio Estadual de Calógeras, a Escola Municipal Orlando Pinto Mendes, a Unidade de Saúde e a Igreja de São João Batista. No ambiente rural, as grandes fazendas pecuárias deram espaço a agricultura extensiva mecanizada e a exploração da silvicultura.
A identificação das referências culturais na localidade considerou aspectos que evidenciam a dinâmica sociocultural estabelecida no território ao longo do tempo, porém, nesse contexto, o componente histórico teve um peso maior na escolha dos bens relacionados. A antiga casa sede da Fazenda Barreiro remete às primeiras configurações de ocupação da localidade; aliado a esse ambiente rural, a resistência do antigo ofício da selaria nos dias atuais também expõe o universo rural primordial para a ocupação efetiva. A presença da edificação da Igreja de São João Batista representa o peso da Igreja Católica na vivência religiosa, social e familiar da localidade. Em contraponto, sobrevive a fé popular no Profeta São João Maria, que tem seu espaço e faz conviver ritos mais tradicionais, como à homenagem a Santa Cruz, com a fé genuína em um andarilho que, em essência, pregava a esperança em um mundo mais justo.
• Igreja de São João Batista
• Antiga Sede da Fazenda Barreiro Lugares
• Homenagem ao Profeta João Maria Comemoração à Santa Cruz
• Ofício da Selaria saberes
Fotografia: Livro Arapoti: Registro Histórico 128
bens culturais inventariados Distrito de Calógeras
celebrações
129 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI
CAPELA DO DISTRITO DE CALÓGERAS / CAPELA DE NOSSA SENHORA DO ROCIO E SÃO JOÃO BATISTA LUGARES
Capela católica de devoção à São João Batista e Nossa Senhora do Rocio. É a principal referência do catolicismo no Distrito de Calógeras.
ONDE ESTÁ
O edifício se localiza na Praça Maria Leocádia, na área central do Distrito de Calógeras. Partindo da Sede do Município de Arapoti, o acesso ao Distrito de Calógeras é feito pela Rodovia Governador Parigot de Souza PR-092 (Sentido Norte).
Capela de Calógeras
Praça Maria Leocádia Distrito de Calógeras Arapoti-PR
Latitude: 23°59’37.19”S Longitude: 49°49’23.95”O
PERÍODOS IMPORTANTES
As duas principais celebrações católicas são em homenagem a São João Batista, no mês de julho, e em homenagem a Nossa Senhora do Rocio, em novembro.
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Fotografia: Acervo da Paróquia de São João Batista (1991)
131 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
HISTÓRIA
A história do Distrito de Calógeras, antigo São José do Paranapanema, remete ao final do século XIX e se vincula a vinda do casal João Batista Mendes e Maria Leocádia Mendes e sua família, de Minas Gerais, para se estabelecer na região, adquirindo, em leilão, partes de terras das fazendas Faxinal, Junqueira e Barreiro.
Posteriormente, membros da família Gouveia, também oriunda de Minas Gerais, se estabeleceu na região de São José do Paranapanema, dispersando-se da Colônia Mineira (atual município de Siqueira Campos), formada inicialmente por cerca de 15 famílias vindas do sul da Província de Minas Gerais. Os Gouveia adquiriram, na região de São José do Paranapanema, partes de terras pertencentes à Fazenda Junqueira.
Na Fazenda Barreiro, se estabeleceu a família Xavier, pertencente ao tronco de Firmino Xavier da Silva, que construiu a casa sede no ano de 1900, conforme depoimento de uma de suas descendentes, Helena Maria Xavier, que mora na residência (Helena Maria Xavier, entrevista, 2016).
Em 1885, sabe-se que Maria Leocádia Mendes fez a doação de um alqueire de terra para a Igreja Católica, sendo construído no local uma capela em madeira em homenagem à São José. A capela pertencia à Paróquia de Jaguariaíva, cujos responsáveis eram os padres capuchinhos.
história
história
Com a construção do Ramal do Paranapanema, via férrea pertencente à C.E.F. São Paulo Rio Grande, é edificada na localidade a estação ferroviária São José, como ponto de linha, condição que se manteve até 1919, quando foi aberto o prolongamento (GISBRECHT, s/d). A estação, além da igreja, se tornou outro ponto de referência para a localidade. Segundo Loíde Ferreira Wollz, Nossa! Era ponto de referência, ponto atrativo. Não tinha atividade nenhuma, lazer nenhum, então era nos domingos... A gente via o trem passar. Eram os casais, de tudo quanto era idade... Tudo de braços dados. Os pais com a filharada, todos iam ver o trem passar. A gente também andava muito de trem. Pra Wenceslau, pra Arapoti, pra Jaguariaíva, Ponta Grossa. Era muito bom. Bem, pra Wenceslau (iam em) busca do comércio, farmácia, o único médico que tinha. [...] Arapoti já era muito raro. Jaguariaíva a gente ia mais por causa de médico, já tinha mais médicos lá [...] Fazer compras mais em Wenceslau Loíde Ferreira Wollz, entrevista, 2016).
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história
133 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
No final da década de 1940, assim como o Distrito, a estação, hoje demolida, substituiu o nome de São José do Paranapanema para Calógeras, em homenagem ao engenheiro João Pandiá Calógeras, conforme o Decreto-Lei nº 199, de 30 de dezembro de 1943.
Nessa época, a localidade já possuía Escola, implantada desde o início do século XX, e a Delegacia de Polícia. Em 1935, Orlando Baptista Mendes, filho do casal João Batista Mendes e Maria Leocádia Mendes doou o terreno para a construção de uma nova escola e do prédio da delegacia.
A igreja, porém, continuava sendo uma referência de manifestação da fé, participação comunitária e sociabilidade. Conforme depoimentos registrados no livro Arapoti: registro histórico (1995), as festas religiosas eram muito animadas com os bailes, jogos de búzios e procissões que eram acompanhadas pela ‘Banda Musical’ procedente de Jaguariaíva ou de Piraí do Sul. As comemorações eram realizadas nas principais ruas do distrito e no coreto em frente a capela, onde ficava a banda.
Para reforçar sua importância, na década de 1950, a antiga capela de madeira foi demolida e construída a edificação em alvenaria existente atualmente. Joaquim Carlos de Gouveia foi quem custeou e administrou essa empreitada, sendo devidamente homenageado pelo povo de Calógeras em placa afixada no interior da edificação, datada de 31 de julho de 1955.
Nessa época, o padroeiro da localidade foi substituído, sendo instituída a homenagem a São João Batista, que era comemorado na localidade, conforme imagem constante no livro Arapoti: registro histórico cuja legenda descreve: “Aos meus pais ofereço a fotografia de nossa festa. Festa de São João Batista e Divino Espírito Santo realizada em São José do Paranapanema nos dias 27 e 28 do mês de junho de 1942” (José) (PMA, 1995).
Atualmente, a Igreja Católica continua sendo uma referência importante para os moradores de Calógeras, não estando vinculada somente a manifestação religiosa, mas sendo o Salão Paroquial local de reunião e atendimento de ações sociais e da área da saúde, conforme a fala do Padre Nereu Antônio Domingues.
As celebrações e festas religiosas continuam sendo momentos de importante manifestação da fé: a homenagem a São João Batista é realizada em junho, com missa, novena e procissão. A maior festa, porém, tem sido dedicada à Nossa Senhora do Rocio, realizada em novembro. Conforme Loíde Ferreira Wollz,
[...] diz que bem antigamente ela já era padroeira aqui. E agora com o tempo acharam que é melhor voltar (Loíde Ferreira Wollz, entrevista, 2016).
“Aos meus pais ofereço a fotografia de nossa festa. Festa de São João Batista e Divino Espírito Santo realizada em São José do Paranapanema nos dias 27 e 28 do mês de junho de 1942” (José).
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Igreja do Distrito de Calógeras
Fotografia: Acervo Lourdes Mendes
135 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Fotografia: Livro – Arapoti: registro histórico
Significados
Em muitas localidades, a Igreja Católica continua sendo o ponto de referência da comunidade, tanto por sua importância religiosa, pela vivência comunitária e social, quanto pela sua vinculação direta com a história do lugar e por sua referência urbana, devido à sua localização, normalmente privilegiada. Esses aspectos se fazem presentes na relação entre a comunidade e a capela do Distrito de Calógeras.
Apesar de não ser o primeiro, o edifício da Igreja materializa a conformação inicial de ocupação do território, sendo relembrado pelo padre Nereu a doação inicial do terreno onde hoje se encontra boa parte da área ocupada do Distrito. A igreja, nesse local também cumpre um papel comunitário, sendo o local de realização de diversas ações sociais, reforçando seu caráter de centralidade no âmbito local.
DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
A Capela de Calógeras faz parte da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, do bairro Vila Romana e está sob a responsabilidade do Padre Nereu Antônio Domingues.
Elementos naturais
A Capela de Calógeras tem sua fachada principal voltada para a Praça Maria Leocádia, que a emoldura com as árvores de grande porte existentes no local. Porém, apesar do espaço aberto, a vegetação acaba por esconder parte da volumetria do edifício.
Elementos construídos
O complexo onde está implantada a Capela de Calógeras possui, além da edificação destinada ao culto, mais antiga, o Salão Paroquial e uma área coberta sem fechamento.
A edificação da capela é de conformação simples, composta por volumetria única da nave principal, que é arrematada em parede arredondada na parte posterior, configurando o plano de fundo do altar.
O volume da sacristia configura parte da fachada lateral direita. O conjunto possui torre sineira lateral quadrangular com arremate em balaustrada. A edificação atual foi construída na década de 1950 em tijolos cerâmicos; a cobertura do edifício e da torre eram, originalmente, em telhas cerâmicas tipo francesa, substituídas por telhas em fibrocimento no corpo do edifício e por chapas metálicas na torre.
As janelas são vitrôs em ferro, com abertura basculante; a porta principal também em ferro possui gradil ornamentado; em ambas são utilizados vidros coloridos. A exceção são os vãos superiores da torre sineira, fechados com veneziana em madeira.
O edifício do salão paroquial é implantado ao lado da capela, perfazendo a fachada principal do conjunto. É uma edificação com caráter simplório, configurando um galpão. A área coberta é contígua, executada em estrutura pré-moldada de concreto; ambos são cobertos por telhas de fibrocimento.
Atividades que acontecem no lugar
São realizadas missas, festas religiosas, reuniões, ações sociais, aulas de catequese e outros cursos destinados a comunidade, sendo utilizado o complexo da Capela, do salão paroquial e a área coberta. O pátio descoberto é utilizado para a investidura do mastro e da bandeira, nos dias de homenagem aos santos.
Manutenção
O Padre Nereu Antônio Domingues é o responsável pela Capela e organiza com a comunidade a realização de melhorias, pinturas e pequenos reparos.
Conservação
Os edifícios se encontram em bom estado de conservação.
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137 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
A Capela tem importância fundamental para os seguidores da fé católica, portanto, a sua presença é marcante para a comunidade do Distrito de Calógeras. É a referência de batizados, casamentos, missas de falecimento, festividades, que geram sociabilidades e vivências marcantes. A comunidade se envolve na manutenção dos espaços e na organização das atividades, mantendo vigente o uso do espaço. Também é evidente a importância histórica do lugar, que participou da configuração inicial e é um marco da ocupação efetiva do território, portanto uma referência urbana.
Por outro lado, a dinâmica de ocupação da localidade tem acarretado na diminuição do contingente populacional e da vivência comunitária. A dinâmica religiosa da comunidade também se transformou ao longo dos anos, sendo incorporadas outras religiões. Não há mais um consenso comunitário sobre a importância de manter as tradições vinculadas à religiosidade católica.
RECOMENDAÇÕES
- Realizar constantes manutenções e ações de conservação no edifício, sempre amparadas por profissionais qualificados, de forma a evitar maiores danos ou problemas.
- Promover melhorias no entorno da edificação, em questões como manutenção e paisagismo das áreas verdes, iluminação pública, entre outros.
- Manter o edifício em constante uso, promovendo atividades de fundo religioso e comunitário.
- Valorizar o caráter comunitário das ações que envolvem os participantes das atividades realizadas na Capela de Calógeras.
- Elaborar pesquisas mais aprofundadas sobre a história da Capela de Calógeras e suas atividades religiosas, reunindo ao máximo documentos, fotografias, informações orais; assim como sobre a história do Distrito de Calógeras.
138 Avaliação
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FAZENDA BARREIRO SÃO JOSÉ
FAZENDA DOS PAIÓIS
FAZENDA DA HELENA LUGARES
Propriedade localizada em área rural do Distrito de Calógeras, cuja sede é uma edificação construída em 1900, pertencente à família Xavier.
ONDE ESTÁ
Dista aproximadamente 22 quilômetros da sede do município e é acessada através da PR-092, em sentido norte, ao distrito de Calógeras.
Latitude: 24°01’19”S Longitude: 49°47’44”O
PERÍODOS IMPORTANTES
Todo ano, no dia 13 de junho, é feita uma celebração religiosa em homenagem a Santo Antônio.
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história
HISTÓRIA E SIGNIFICADOS
A história desse lugar está diretamente vinculada ao início da ocupação efetiva do território do atual Distrito de Calógeras, antigo São José do Paranapanema, no final do século XIX, quando o casal João Batista Mendes e Maria Leocádia Mendes e sua família, vindos de Minas Gerais, se estabeleceram na região, adquirindo, em leilão, partes de terras das fazendas Faxinal, Junqueira e Barreiro.
A vinda posterior de outras famílias oriundas de Minas Gerais e de imigrantes da Colônia Mineira (atual município de Siqueira Campos) consolidou a ocupação. Sabese que na Fazenda Barreiro instalou-se a Família Xavier (PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAPOTI, 1995).
Segundo Helena Maria Xavier (entrevista, 2016), a casa da Fazenda foi construída pelo seu bisavô Firmino Xavier da Silva, também conhecido como Velho Firmino ou Nhô Firmo, no ano de 1900. Firmino era filho do Davi, oriundo de Portugal.
A casa foi feita com madeira do local, dobrada na serra e trazida até ali por carro de boi.
O lugar foi escolhido para construção provavelmente pela presença de corpos d’água próximos. Helena (entrevista, 2016 afirma que não foi utilizada mão obra escrava, que ela foi construída pelo “Velho Firmino, Mané Jorge, e um... Eles diziam ‘Nhô Nico’. E o outro, não me lembro o nome”.
Fotografia: Acervo Helena Maria Xavier
história história
Gustavo, o avô de Helena, nasceu enquanto a casa era construída. Antes moravam em outra casa, de ripão e cobertura com tabuinhas, que ficava perto de onde estavam localizados os paióis da Fazenda.
Segundo ela, Davi era proprietário de 1800 alqueires de terras e a primeira casa sede ficava em direção à Jaguariaíva. Depois da sua morte,
[...] ficou para o “Velho Firmino” 1800 alqueires, daí o ‘Velho Firmino’ fez testamento, então essa fazenda. Aqui é 200 alqueires, aqui foi feito o testamento do meu avô, o Gustavo. [...] 200 alqueires aqui, 100 alqueires no Córrego Fundo, que ele deu pra nora, que era Joana Xavier, e 40 alqueires de campo em Calógeras Helena Maria Xavier, entrevista, 2016).
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No terreno da Fazenda Barreiro havia três alqueires dedicados à criação de porcos, nove alqueires de invernada [gado] e pasto para as vacas de leite o leite oriundo da criação era apenas para consumo local; eram feitos queijos e requeijão. Os produtos eram distribuídos entre a vizinhança, que vinha até ali buscá-los. Entre as criações estavam porcos, éguas, cabritos, carneiros e outros animais.
Outro hábito era fazer “safras”. Nas palavras de Helena entrevista, 2016),
[...] derrubava um matão desse aí naquele tempo [...] Aqueles dez, doze alqueires. Queimavam, plantavam. Daí quando a roça estava embonecando, faziam cerca e soltavam o porco. A safra. Os porcos destinados à safra recebiam uma marcação (no caso, o número 4) para se distinguirem e não se misturarem com os demais. Depois de “prontos”, eles eram levados inicialmente a pé, por tropas, depois em caminhões para serem vendidos.
Entre as plantações estavam o milho e o feijão, que antes era batido na vara. Toda a família trabalhava na roça e o labor ia até a noite. Era comum também que viessem outras pessoas para trabalhar no lugar. Helena relata que havia muita gente nos arredores e que vinham trabalhar em troca das refeições ou de algum mantimento que estivessem precisando, “[...] Diziam: ‘Ó, nós não quer dinheiro’[...] Tomava um café da manhã, almoçava, tomava um café da tarde. Na hora de ir embora ‘preciso disso’, o açúcar... Minha mãe arrumava tudo e levavam tudo o que eles precisavam” (Helena Maria Xavier, entrevista, 2016).
Na Fazenda havia outras edificações, como a garagem do pé de bode, as estrebarias e o moinho. O moinho era destinado ao milho, e ali era feito fubá e quirera. Muita comida era feita à base do milho. Outros costumes do lugar: os homens tomavam banho no rio, e as mulheres banho de bacia. Costumavam fazer puxirão (mutirão para realizar alguma tarefa) e muitos bailes, sendo que inclusive os pais de Helena Natália Pontes Xavier e Mário Venerano Xavier se conheceram no baile de casamento do irmão de Natália, Pedro, que foi realizado em Calógeras. Iam de carroça até Calógeras. Helena Maria Xavier, entrevista, 2016).
Com a morte dos pais, Helena assumiu definitivamente a administração da casa e continua mantendo sozinha a rotina de atividades agrícolas. Há uma pendência judicial para a realização do inventário da propriedade que envolve sua irmã e alguns primos. Essa condição a mantém naquele lugar, resistindo para preservar os bens materiais e as memórias de seus antepassados.
DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
É o local de residência e trabalho de Helena Maria Xavier. Também passam pelo lugar vizinhos, parentes (a irmã e os sobrinhos) e conhecidos (como alguns integrantes da família Carneiro dos Passos). Em junho, durante a tradicional celebração de Santo Antônio se reúne um público maior no local.
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Fotografias: Acervo Helena Maria Xavier
Elementos naturais
A casa está inserida em um contexto rural, e a localização de sua construção foi escolhida por ser o encontro de dois córregos de água. Na área próxima à edificação principal há um espaço mais aberto, onde estão as mangueiras dos animais e áreas de cultivo para consumo próprio, e mais além há áreas de vegetação secundária mais densa.
Elementos construídos
A casa sede é uma construção que mescla a técnica da taipa de mão (pau-a-pique) e madeira do tipo tábua e mata-junta. A edificação apresenta uma conformação em “L”, com a configuração de varandas tanto para os pátios externos quanto para o pátio interno. Originalmente apresentava cobertura com telhas cerâmicas do tipo capa-ecanal, atualmente substituídas por telhas cerâmicas francesas.
O piso, em tábua de madeira, se apoia em estrutura também em madeira, que sustenta a parte da edificação suspensa do solo. Segundo Helena, originalmente o piso da cozinha era de chão batido, hoje em madeira, como o restante da casa. As janelas, tanto nas paredes de taipa como nas de madeira, são em folhas de abrir de madeira.
No terreno também estão presentes outras construções mais simples de madeira e chão batido, os paióis que servem para abrigar ferramentas, instrumentos de trabalho, a carroça, a charrete, entre outros objetos e máquinas que remetem ao trabalho agropecuário.
A área da propriedade é de 200 alqueires, sendo que a edificação possui cerca de 18x18 metros, configurando uma área de 300,00 m².
Atividades que acontecem no lugar
No dia 13 de junho de cada ano, é realizada a celebração para Santo Antônio. No local, há um quadro do santo que era da bisavó de Helena, Vitória. Quando ela faleceu, a devoção ficou a cargo de sua filha Joana. Cerca de trinta anos antes de seu falecimento, Joana doou o quadro para Helena. Desde o ano de 1999, Helena é responsável pela
celebração. Todos os anos, no dia do santo, às 14h, são realizados ou uma missa ou um terço. Depois do terço, é servido um lanche , incluindo pão, biscoitos, refrigerantes, balas, pirulitos, pé-de-moleque, bolos, sanduíches.
Segundo Helena (entrevista, 2016) no tempo em que a celebração era responsabilidade de sua bisavó Vitória, os biscoitos vinham de cargueiro para alimentar os participantes. Algumas pessoas vinham de longe e ficavam para pousar. Havia café da manhã e almoço. O terço era rezado às 15h, e depois havia um café de despedida. Eram feitas fogueiras e eram erguidos mastros. As pessoas traziam as bandeiras e os colocavam no quadro, e o mastro era erguido depois do terço. Nunca houve foguetes, por causa dos animais de criação.
Atualmente, quando há missa, algumas pessoas vêm na parte da manhã para fazer as leituras e cantar. O padre vem para o almoço (antigamente o Padre Francisco de Arapoti prestigiava o evento, ultimamente é o Padre Nereu de Calógeras que participa). É uma devoção que tem mais de cem anos. Helena relata que confia muito em Santo Antônio, porque é ele quem cuida dela. Fala que quando alguma coisa é perdida, é só pedir para o santo que logo é encontrada novamente. É também o santo casamenteiro.
Hoje as pessoas vêm a cavalo, de bicicleta, de moto, de carro e a pé. Participam entre sessenta e oitenta pessoas, incluindo vizinhos, pessoas de Arapoti, Calógeras, Wenceslau Bráz. É a única celebração rural que ocorre nas redondezas (Helena Maria Xavier, entrevista, 2016).
Manutenção
A manutenção é realizada pela proprietária do local.
Conservação
A edificação apresenta diversos problemas de conservação, agravados pela localização num ambiente isolado e de difícil acesso. Entre os problemas percebidos estão a infestação de cupins, o rebaixamento da estrutura do piso, a perda de partes das paredes de taipa e a inserção de materiais como cimento, madeira danificada nas paredes de tábua e mata-junta e no guarda-corpo da varanda, entre outros.
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A Fazenda Barreiro São José se insere como representante de uma tipologia de propriedade rural que foi comum na região ao longo dos séculos XIX e XX. Chama atenção o fato de a casa sede ainda ser utilizada como residência, assim como o restante da propriedade ainda cumprir suas funções agropecuárias originais, mesmo que em dimensões reduzidas. No passado foi um lugar movimentado e cheio de acontecimentos. Ainda há muitos elementos materiais que retratam os diversos períodos e a história do local, incluindo baús, fotos, imagens religiosas, aparatos domésticos, instrumentos de trabalho no campo, meios de transporte como a carroça e a charrete, entre muitas outras coisas.
É também um ponto remanescente de devoção religiosa na área rural, graças à homenagem a Santo Antônio que é realizada todos os anos.
Por outro lado, existe o risco de perda dessa referência histórica e cultural. O fato de estar em um local de difícil acesso e haver somente uma pessoa imbuída no seu uso, conservação e preservação evidencia a fragilidade da sua manutenção, visto que, quando, por necessidade ou escolha, Helena Xavier se desligar daquele lugar, provavelmente ele ficará abandonado.
RECOMENDAÇÕES
- Fazer um levantamento arquitetônico completo do local, incluindo desenhos técnicos e fotografias.
- Se possível, executar obras de conservação coordenadas por profissionais qualificados, de forma a conter a degradação da construção.
- Procurar manter a edificação sempre em uso e seguindo as rotinas de manutenção e conservação.
- Fazer um registro do dia da homenagem a Santo Antônio, colhendo depoimentos e observando como acontece a celebração.
- Elaborar um inventário dos objetos antigos e bens móveis que estão no lugar e procurar mantê-los juntos como uma coleção, evitando que peças sejam dispersadas ou extraviadas.
- Difundir informações e conhecimentos sobre a referência da Fazenda Barreiro em ambientes escolares e comunitários do distrito de Calógeras e do município de Arapoti.
148 Avaliação
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Homenagem ao Profeta João Maria
Comemoração
à Santa Cruz
Manifestação de fé popular em homenagem ao Profeta São João Maria e à Santa Cruz, que acontece há quatro gerações junto a um olho d’água e a uma capela.
Demonstrações de fé ao Profeta São João Maria são comuns em toda a Região Sul do Brasil; no Paraná, a crença e as manifestações acontecem em vários municípios, como Lapa, Ponta Grossa e Tibagi. A devoção à Santa Cruz é uma tradição da religiosidade católica comemorada em vários estados brasileiros, principalmente em contextos rurais.
Onde está
A lugar onde acontece a celebração é parte da área pertencente à Fazenda Faxinal, que foi subdividida ao longo dos anos. O lugar é popularmente conhecido como Santa Cruz. Partindo da Sede do Município de Arapoti, o acesso ao Distrito de Calógeras é feito pela Rodovia Governador Parigot de Souza PR-092 (Sentido Norte). A localidade fica no lado esquerdo da Rodovia, após cerca de 2 km percorridos por estrada de terra.
Nesse local fica um olho d’água que, conforme a crença, foi frequentado pelo Profeta João Maria. Ali foi construída uma capela com um altar onde fica a reprodução de uma fotografia do Profeta. Mais recentemente, foi construída no terreno uma cobertura maior para a realização da missa.
Períodos importantes
A celebração ocorre anualmente, no primeiro domingo do mês de maio. Em 2016, a comemoração aconteceu no dia 1 de maio.
Fotografia: Acervo da Família Wolz (2006).
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CELEBRAÇÕES
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história
No sul do Brasil, a crença na figura do Profeta João Maria remonta a meados do século XIX, quando João Maria Agostini (Giovanni Maria d’Agostini), de origem italiana, começa a peregrinar pelas áreas rurais do Sul do Brasil usando roupas simples e um cajado para oferecer conselhos e a cura de algumas enfermidades utilizando seus conhecimentos sobre os efeitos terapêuticos de algumas ervas nativas e sua crença no poder milagroso das fontes de água. Ele recomendava aos agricultores que protegessem as vertentes de água, evitassem as queimadas e não maltratassem os animais (MACHADO, 2013).
A condição de peregrino o levou a influenciar comunidades rurais nas províncias de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, gerando nesses locais um ambiente cultural de autonomia do campesinato nacional (MACHADO, 2013) em torno da personalidade do monge. Conforme Machado (2013), alguns movimentos vinculados a esse contexto são: a concentração Campestre (Santa Maria, RS, 1848), o movimento do Canudinho de Lages (Lages, SC, 1897), o movimento dos Monges do Pinheirinho (Encantado, RS, 1902), a Guerra do Contestado (PR e SC, 1912 1916), o movimento de Fabrício das Neves (Irani e Concórdia, SC, 1924), o movimento dos Monges Barbudos do Fundão (Soledade, RS, 1935—1938) e o movimento dos Sertanejos do Timbó (1942).
Durante esse período, outros assumiram a identidade de João Maria. Sabe-se que, no Paraná, no contexto da Revolução Federalista, no final do século XIX, João Maria de Jesus deixou registros de sua passagem. Outro personagem chamado João Maria esteve ligado à Guerra do Contestado, batalha que envolveu os estados do Paraná e Santa Catarina em meados do século XX. Porém, apesar dos diferentes contextos e de um período amplo, a fé popular fundiu a crença em uma única personalidade, popularmente conhecida como São João Maria. Conforme texto existente na capela no Distrito de Calógeras, houve uma forte influência dessas personalidades no estado do Paraná, citando que
Em Ponta Grossa, o “monge dos excluídos”, João Maria de Jesus, se instalou em um olho d’água no bairro de Uvaranas, entre o final do século XIX e os primeiros anos do século XX. Os registros são imprecisos, mas dizem os relatos orais que ele teria chegado em Ponta Grossa após ter sido expulso da cidade da Lapa, nos Campos Gerais, pelos chamados “coronéis” da época (Família Wollz, s/d).
As marcas de sua passagem são identificadas pela presença de fontes de água e de cruzes erguidas em seus pontos de pouso e de parada. Nesse contexto, se estabelece a relação com a comemoração à Santa Cruz, uma tradição vinda com os colonizadores portugueses para homenagear o artefato que rememora a morte de Jesus e seus diversos significados em vários tipos de crenças e religiões.
No Distrito de Calógeras, a presença do olho d’água e de relatos orais que passam de geração para geração são as bases para a crença popular e a manutenção da fé, vivenciada até os dias atuais. O local foi comprado por Juarez Wollz há aproximadamente 40 anos.
história
história
Segundo Loíde Ferreira Wollz (entrevista, 2016), sua esposa, apesar de trabalhar com a selaria, seu Juarez sempre se interessou pela agricultura e, como ele tinha acesso ao terreno, os proprietários ofereceram e facilitaram a compra em duas ou três etapas de uma área de aproximadamente 80 alqueires. No local, já existia uma capela destinada ao Profeta João Maria, e o culto era tradicional. Conforme Loíde, [...] desde que nós nos conhecemos por gente, já conhecemos esse lugar lá, que faziam as rezas, as procissões. E depois passou uma, duas, a terceira, nós somos os quartos já a dar continuidade nessa devoção. Ela conta ainda que uma vez por mês tinha uma domingueira, como se dizia, de reza, de comes e bebes Loíde Ferreira Wollz, entrevista, 2016)”.
Mais recentemente, a comemoração acontece uma vez por ano.
152 História
CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Fotografia: Acervo da Família Wolz (2006). 153
Significados
A crença popular no Profeta João Maria está vinculada à crença religiosa e a um viés político e social. Suas influências comunitárias mesclavam a realização de curas, orações, batismos, casamentos, benzimentos com sugestões e conselhos relacionados a organização social e a preservação ambiental. Reforça a fé popular a atribuição de diversos milagres, principalmente relacionados com as curas, assim como seus ensinamentos sobre
[...] ecologia, plantações, remédios, rezas, maneiras de ser e de agir, o que, como e quando se devia ou não falar, adorar, esperar, batizar, quais e quando os santos deviam ser invocados e reverenciados, como se relacionar com pessoas de outro sexo, idade e etnia e do que as pessoas deveriam se afastar e libertar (TOMAZI, 2009)
O caráter messiânico das suas previsões para o Brasil e para a humanidade, assim como a crença na sua reencarnação ou ressurreição legitimou a fé popular que se propagou, principalmente, em ambientes hostilizados pelas autoridades locais.
Durante a pesquisa, o depoimento de Aristides Teixeira de Oliveira (entrevista, 2016), morador da região do Bugre, na porção sudoeste do território do município, revelou que seu pai acreditava em São João Maria, dizendo tê-lo encontrado em uma ocasião na qual o Profeta se identificou como seu padrinho. Aristides mantém a fé em João Maria. Sobre o altar destinado a São Sebastião, na capela de sua propriedade, conserva a reprodução de uma foto do Profeta.
No Distrito de Calógeras, a crença em São João Maria se vinculou as festividades relacionadas à Santa Cruz, que fazem parte de uma tradição da religiosidade católica. A cruz, com um forte simbolismo tanto na crença do Profeta, quanto na crença católica, é o elemento que une essas duas comemorações.
DESCRIÇÃO
Programação
No ano de 2016, a comemoração se iniciou aproximadamente às 14h00, com o encontro dos cavaleiros em frente à Igreja de Calógeras para a cavalgada que se tornou tradicional.
Nesse percurso de aproximadamente 3km, a bandeira da Santa Cruz é levada até o local da comemoração. Os demais participantes, assim como o padre, aguardam a chegada da cavalgada para a realização da missa, que acontece em um local coberto, visto que o espaço da capela é pequeno. Nesse local, monta-se um altar enfeitado com vasos de flores e uma cruz também recoberta com flores.
Na continuidade da missa, realiza-se uma pequena procissão até o local onde foi erguido o mastro da Santa Cruz, substituindo o mastro do ano passado.
Ao fim da cerimônia religiosa, foi realizada a confraternização entre os participantes, sendo servido o lanche oferecido pelos festeiros, assim como comidas e bebidas trazidas pelos participantes.
Durante todo o período da comemoração, a capela se mantém aberta e são feitas orações.
Pessoas envolvidas
O casal Loíde Ferreira Wollz e Juarez Wollz, como proprietários da área, se envolvem diretamente na manutenção e conservação do local. Loíde sempre está à frente da organização da comemoração.
Todos os anos é escolhido um ou dois casais festeiros, que organizam o evento, arrecadam donativos e providenciam as comidas e bebidas. A comunidade próxima participa de forma voluntária na preparação do local.
Comidas e Bebidas
A comida e a bebida são providenciadas pelos casais festeiros de cada ano. São servidos, normalmente, sanduíches e refrigerantes. Os demais participantes também levam comidas e bebidas e é realizado um lanche coletivo, em um espírito de partilha.
Roupas e acessórios
Não há roupas e acessórios específicos para participar da celebração. As pessoas que participam da cavalgada, normalmente usam chapéus, botas e cintos em couro
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155 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Fotografias: Acervo Família Carneiro dos Passos (2016).
Expressões corporais e orais
Um dos momentos mais expressivos da celebração é a realização da procissão, sendo percorrido o interior do terreno, com os participantes cantando e rezando. Ao final da procissão, é levantado o mastro da Santa Cruz.
Objetos importantes
Para a celebração, o objeto mais importante é a bandeira de Santa Cruz, que é renovada anualmente.
Estrutura e recursos necessários
A propriedade pertence à família Wollz, que durante todo o ano realiza ações de manutenção do terreno e da capela. A comunidade próxima angaria doações para a realização da comemoração, para a compra de comidas e bebidas e para melhorias no local. A comemoração não tem fins lucrativos, o dinheiro arrecadado das doações é revertido para a própria comemoração ou para a melhoria e/ou conservação do lugar.
Avaliação
A homenagem ao Profeta João Maria e à Santa Cruz é uma celebração que possui uma temporalidade antiga, que ganhou o caráter de tradição vinculada ao olho d’água existente no Distrito de Calógeras. As pessoas envolvidas são descendentes de antigos devotos, portanto receberam essa tradição como herança e sentem a necessidade de dar continuidade e passar para as futuras gerações. Além disso, a interação com a Igreja Católica na exaltação à Santa Cruz, amplia a quantidade de fiéis que se relacionam com o evento. Por outro lado, há pouca quantidade de informações existente e compartilhada sobre as origens e o histórico da celebração e dos significados envolvidos.
RECOMENDAÇÕES
- Manter, tanto quanto possível, o caráter comunitário, com a participação de voluntários que auxiliem na manutenção, conservação do local e na organização da celebração.
- Preservar os locais de culto e celebração, assim como o olho d’água.
- Elaborar pesquisa sobre a história do Distrito de Calógeras, sobre a crença no Profeta João Maria e sobre a celebração da Santa Cruz naquele local, reunindo ao máximo documentos, fotografias, informações.
- Incentivar o interesse das gerações mais novas para conhecerem os significados da celebração.
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Fotografias:
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Acervo Família Carneiro dos Passos (2016).
SABERES
Ofício da Selaria
Fabricação artesanal de artefatos de couro utilizados em trabalhos e práticas relacionados aos animais equestres, bovinos e muares em suas funções de tração, carga ou recreação. No município de Arapoti, o saber relacionado ao trabalho com o couro é atribuição do único seleiro da região, o sr. Juarez Wollz, com mais de 70 anos, que trabalha com o ofício desde os 10 anos de idade.
Onde está
A selaria do Sr. Juarez Wollz se localiza na Rua Orlando Batista Mendes, no Distrito de Calógeras. Partindo da Sede do Município de Arapoti, o acesso ao Distrito de Calógeras é feito pela Rodovia Governador Parigot de Souza PR-092 (Sentido Norte). A rua é paralela à Rodovia, no lado direito.
A selaria funciona no mesmo local há aproximadamente 25 anos.
Latitude: 23°59’31.50”S / Longitude: 49°49’10.71”O
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Juarez Wollz nasceu no Distrito de Calógeras, quando o lugar ainda se chamava São José do Paranapanema. É filho de Henrique Wollz e Gertrudes Correia Wollz, ele natural do Rio Grande do Sul, ela de Santa Catarina.
A família já tinha migrado para o Paraná quando decidiu estabelecer-se na localidade de São José do Paranapanema. Conforme conta Juarez,
[...] Eles estavam em Clevelândia, e estava muito ruim lá, e o norte naquele tempo era afamado. Só que demorava vir aqui, aquele tempo não tinha locomoção, né. Tinha uns compradores de porco, que iam comprar lá em Clevelândia, lá para o oeste, para os lados de Guarapuava, Palmas. Eles falaram que aqui era bom, e como estava ruim lá, eles vieram para cá. [...] Mas chegaram sem nada, chegaram com um saco nas costas. Naquele tempo não tinha mudança, vinham de trem, levava um par de dias para vir de trem. Ficaram hospedados na estação aqui em Calógeras, ficaram três dias ali. (Juarez Wollz, entrevista, 2016).
Logo que estabeleceram uma morada, o pai começou a trabalhar no ofício da selaria e sapataria, que já exercia, e prosperou, ele montou três casas lá em Wenceslau [Braz] com o dinheiro da selaria, de sapateiro Juarez Wollz, entrevista, 2016).
Juarez começou a aprender o ofício de seleiro com aproximadamente 10 anos de idade e nunca mais parou. Foi o único dos filhos do Sr. Henrique que seguiu a profissão do pai. Porém, não se mudou para Wenceslau Braz, decidiu ficar em Calógeras, pois gostava de um contato maior com os cavalos, com a agricultura e a pecuária, que antigamente funcionavam basicamente com a força humana e animal. Nesse tempo, os acessórios em couro eram imprescindíveis para o trabalho, as selas, os arreios, as guaiacas etc. Conforme Juarez Wollz entrevista, 2016), “[...] antes usava muito, o povo arava a terra só com cavalo, não tinha essa lavourada com trator”.
Na região de Arapoti, a diminuição das áreas de pecuária bovina e a ampliação das áreas de agricultura e silvicultura, que utilizam cada vez mais maquinários e recursos tecnológicos, fez com que a força animal fosse se tornando escassa nos campos e, consequentemente, diminuiu drasticamente as encomendas dos artefatos em couro. Juarez lamenta:
Eu gosto de ficar aqui, só para passar, mas nem que queira fazer movimento, não tem saída mais. Não se usa mais. Vamos supor, caiu noventa e oito por cento. Mas não caiu cem por cento. Eu tenho serviço que vem de fora, a gente faz essas montarias, vem gente de Jaguariaíva, de Piraí [do Sul], de Wenceslau [Braz]. O que mais sai é selaria e botas. Por encomenda. Vendia muitas botas, mas agora caiu também. Antes tinha que fazer três, quatro pares por dia para vencer as encomendas. Agora caiu demais. Eu tinha sapateiro, tudo, que ajudava a fazer. Tinha ajudantes, três, quatro. Agora não tem e não pode nem ter por que não tem serviço (Juarez Wollz, entrevista, 2016).
história história história
Juarez comprava o couro em Itapeva, São Paulo, onde tinha um grande curtume que fechou. Atualmente, o couro vem de um curtume de Coronel Vivida, no Paraná. As fivelas e acessórios em prata e alpaca, ele comprava de uma fábrica em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, que também fechou.
As encomendas hoje se destinam aos praticantes de cavalgadas ou aos participantes de rodeios, muito comuns na região. O ambiente rural fez se difundir a cultura do tradicionalismo gaúcho e dos rodeios crioulos que atraem um público significativo e movimentam os pequenos municípios e localidades. Porém hoje a concorrência é maior com os produtos vendidos em lojas, ou aqueles feitos com lona e plástico. Juarez também cita que as pessoas não valorizam um produto que tem durabilidade, diz que “[...] agora
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História
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o povo compra qualquer coisa, enjoa e já larga mão”. Apesar disso, ainda mantém uma freguesia fiel, que valoriza a confecção de um produto artesanal ou estabelece uma relação de confiança para o conserto de peças, inclusive compradas prontas.
Na selaria, os instrumentos para a fabricação dos artefatos também fazem parte da história: o instrumento de cortar o couro e a máquina de costura foram trazidos pelo pai de Juarez. Ele estima que a máquina tenha aproximadamente 130 anos, visto que já era velha quando foi comprada. Diz que nasceu e se criou lidando na máquina, “[...] até hoje é só ela. Não enguiça, às vezes enguiça e eu mesmo ajeito ela”.
Apesar de ter a consciência de que o seu trabalho tem cada vez menos reconhecimento nos dias atuais, o Sr. Juarez não pretende deixá-lo, pretende continuar no mesmo lugar, se dedicando ao ofício que é a sua vida.
Significados
Cavalos, bovinos e muares sempre foram animais que exerceram funções importantes, auxiliando o homem no contexto da agricultura e da pecuária e em seus deslocamentos diversos. Essa parceria foi, ao longo do tempo, se aperfeiçoando e tornando necessárias adaptações e a utilização de acessórios e instrumentos que a facilitassem. O couro foi o material escolhido para a fabricação dos artefatos e o aperfeiçoamento do ofício foi se estabelecendo ao longo dos anos, conforme novas técnicas, materiais e necessidades surgiam.
No contexto contemporâneo, mesmo na área rural, a relação de trabalho com o animal de carga ou de tração diminui. Principalmente cavalos e touros são utilizados em ambientes de esporte e recreação, como nos rodeios e cavalgadas. O próprio Juarez é participante de várias cavalgadas na região, conforme relata quando questionado se as aprecia [...]. Gosto, tenho cavalo também. Sempre estou nas cavalgadas. ‘Em roda’ aí, tem ano que tem onze vezes (Juarez Wollz, entrevista, 2016). Ele não organiza, mas participa sempre da cavalgada no dia da homenagem ao Profeta João Maria e da comemoração da Santa Cruz, que ocorre na sua propriedade todo mês de maio. Questionado se as pessoas que participam das cavalgadas encomendam artefatos de selaria, ele responde, orgulhoso do reconhecimento:
[...] Vem. É isso que eu digo. Lá para Mangueirinha, Barra Mansa, Cerrado das Cinzas, então a gente vai nessas festas e tem muitos conhecidos. A turma conhece a gente. Eu fui numa cavalgada e de repente uma criançada veio me conhecer: “Ah você é o Seu Juarez?”, eu falei: “Sou eu” (Juarez Wollz, entrevista, 2016).
Ele cita também que já confeccionou botas para pessoas importantes, prefeitos, juízes, promotores, delegados, advogados de Arapoti e das cidades vizinhas.
Para Juarez, tem um significado importante também a localização da selaria, que ao longo do tempo se tornou ponto de encontro dos amigos. Ele diz que era cheio de gente, sábado, domingo. Sábado era cheio de gente. Além disso, acredita que o ofício e o estabelecimento não teriam espaço em outras locais da cidade ou em outras cidades, “[...] podia ter uma casa em Arapoti para mim, um ponto dado para eu trabalhar e eu não quero. Esse serviço meu não dá mais em Arapoti, não dá em Wenceslau, é só aqui mesmo que a turma vem, é conhecido” (Juarez Wollz, entrevista, 2016).
DESCRIÇÃO
Etapas
Cada artefato tem o seu modo de fazer específico, mas em todos eles as etapas de compra dos materiais, o corte e a costura do couro estão presentes.
Pessoas envolvidas
Atualmente, o ofício da selaria é exercido somente por Juarez Wollz, que atua em todas as etapas de produção.
Materiais
O couro é a matéria prima principal para a confecção dos artefatos, que em sua maioria necessitam de fios para a costura; fivelas, tachas e argolas metálicas; tecidos e enchimentos. No caso da sela, um dos principais elementos é a estrutura, normalmente feita em madeira.
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Modos de fazer ou técnicas
O modo de fazer que envolve o trabalho com o couro depende de conhecimentos específicos, adquiridos ao longo dos anos: a experiência para a escolha da peça de couro; a habilidade para o corte preciso, a costura e o arremate caprichados e a confecção de detalhes. No trabalho de Juarez, essas características são aliadas a uma forte carga histórica e ao modo tradicional de produção dos artefatos em couro, que utiliza de instrumentos e maquinários muito antigos.
Produtos e suas principais características
Conforme o Sr. Juarez, os principais produtos confeccionados são as selas e as botas, mas também tem cintos, chicotes, guaiacas, barrigueiras.
Objetos importantes (ferramentas, instrumentos utilizados)
Entre as ferramentas e instrumentos utilizados por Juarez Wollz estão a máquina de costura, o cortador de couro, os moldes para a confecção das botas e das selas, as agulhas, os furadores e a prensa.
Estrutura e recursos necessários
A estrutura física da selaria de Juarez Wollz é bastante simples, com a oficina e a loja funcionando no mesmo espaço. O balcão serve para mostrar os produtos e também para cortar e moldar o couro.
Atualmente, o estabelecimento não dispõe de estoque de materiais e de produtos, confeccionando os produtos somente por encomenda.
Transmissão do saber
Infelizmente, o saber relacionado ao ofício do seleiro não está sendo transmitido. Nenhum descendente de Juarez Wollz se dedica à profissão e como o serviço se tornou cada vez mais escasso, ele não consegue manter funcionários e ajudantes.
Avaliação
O saber associado ao ofício da selaria tem um importante significado para Juarez Wollz, que se mantém atuando por mais de 60 anos, tornando-se tradicional na região. Seu trabalho é valorizado, tanto por aqueles que apreciam os produtos artesanais, quanto por aqueles que estabeleceram uma relação de confiança para o conserto das peças. A valorização também é associada a um interesse presente, na região, por atividades relacionadas às cavalgadas e aos rodeios. Por outro lado, é evidente a diminuição do uso de artefatos de couro no cotidiano das atividades rurais, que se tornaram mais mecanizadas. A grande oferta de produtos industrializados no mercado também facilita a aquisição e acaba por diminuir o interesse para os produtos artesanais. Com menos procura, vai diminuindo
gradativamente a rede de fornecedores de materiais e prestadores de serviço que sustenta o ofício da selaria.
No caso específico da selaria de Juarez Wollz, apesar da existência de uma clientela fiel e de amigos, a ausência de ações que promovam a transmissão do saber para outras pessoas e a escassez de conhecimentos e informações registradas sobre sua trajetória e sobre as técnicas e instrumentos utilizados para a confecção dos artefatos são fatores que corroboram para a diminuição do interesse deste saber como um bem cultural.
RECOMENDAÇÕES
- Realização de pesquisa e registro das atividades de Juarez Wollz, considerando sua trajetória histórica como seleiro, com a reunião de fotos e documentos antigos; e o registro audiovisual da confecção dos diversos artefatos produzidos.
- Difusão de informações e conhecimentos sobre o ofício da selaria em ambientes escolares e comunitários do município de Arapoti.
- Preservação dos instrumentos e maquinários utilizados por Juarez Wollz como um acervo relevante para o registro da história do ofício da selaria.
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FICHA De identificação DESLOCAMENTOS
E PASSAGENS
O amplo território do atual município de Arapoti é formado por diversas localidades que ao longo do tempo foram estabelecendo conexões viárias e que atualmente configuram algumas das rodovias que cortam o município. Inicialmente, estradas de terra, que eram percorridas a cavalo ou a pé, faziam a ligação entre, por exemplo, Cachoerinha e São José do Paranapanema, Capão Bonito, Cerrado das Cinzas, Caratuva. Nos caminhos, se estabeleceram vivências; há edificações, residências, capelas, vendas, armazéns.
Nesse contexto, foram identificados dois marcos referenciais que distintamente representam locais estratégicos de passagem. No encontro entre a Rodovia Governador Parigot de Souza e a estrada para a localidade de Capão Bonito, permanece a edificação do antigo Armazém Alvarez. A construção em madeira que abrigava o comércio e a residência da família de origem espanhola foi edificada e seguiu o estilo arquitetônico e os conhecimentos de um construtor polonês, simbolizando a integração dessas duas nacionalidades, cujos imigrantes se estabeleceram na localidade conhecida como Capão Bonito e possuem muitos descendentes espalhados por Arapoti.
A outra referência que persistiu no tempo em um local de passagem é a Capela de Nossa Senhora Aparecida, implantada a beira da Rodovia Vacilio Boiko, nas proximidades do que se convencionou chamar Cruzo da Ventania (se referindo a estrada que segue para esse município). Sabe-se que a capela foi edificada inicialmente por um andarilho, em madeira, mas quem a conservou foi a família que se estabeleceu nas proximidades, proprietária de um restaurante e armazém. A edificação em madeira foi danificada por incêndios, sendo substituída pela capela em alvenaria que até hoje é parada de diversos fiéis, que oram e agradecem.
bens culturais inventariados Deslocamentos e Passagens
Antigo Armazém Alvarez Capela de Nossa Senhora Aparecida Lugares
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LUGARES
ARMAZÉM ALVAREZ SÍTIO ALVAREZ
Casa do Imigrante Espanhol
Propriedade em área rural construída para a família Alvarez, formada por imigrantes de origem espanhola. Além da residência, uma parte do imóvel funcionava como armazém.
ONDE ESTÁ
Dista cerca de cinco quilômetros da sede do município, seguindo-se pela Rodovia Governador Parigot de Souza PR-092, em sentido noroeste. A edificação é implantada no início da estrada que segue para a localidade de Capão Bonito. Próximo ao Posto Hulk e Cerâmica Irmãos Almeida.
Latitude: 24°06’52.7”S / Longitude: 49°51’13.1”O
PERÍODOS IMPORTANTES
A casa é o local de reunião da família e normalmente no mês de junho é organizada uma festa junina com fogueira, da qual participam familiares vindos de Castro, Curitiba, entre outras cidades.
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HISTÓRIA
De acordo com Ivo Possato (entrevista, 2016), o loteamento da região onde está localizado o armazém foi implantado pela empresa Southern Brazil Lumber & Colonization, na década de 1920, após a desativação da serraria que havia no local. Eram lotes de dez a quinze alqueires.
Íris Alvarez (entrevista, 2016), filha dos proprietários, relata que o imóvel foi edificado por iniciativa de seu pai, Domingos Alvarez, que era um imigrante espanhol. A família se estabeleceu ali na década de 1930 e o local foi escolhido por ser um ponto estratégico, de passagem. Ela conta que
Quem construiu foi o Sr. João Rogenski, mais um tio, irmão de mamãe que veio e trabalhava com ele. Tanto é que a casa tem assim, vamos dizer, acho que uma arquitetura mais polaca porque ele era polonês. [...] O lambrequim, aquela coisa. O tipo mesmo da casa. Tinha muitas desse tipo por aí porque eram os poloneses que construíam.
Sabe-se que na região do Capão Bonito conviveram muitas famílias descendentes de espanhóis e poloneses, assim como nas áreas conhecidas como Km 34 e Km 36. Seus descendentes se espraiaram por Arapoti, e é possível reconhecer seus sobrenomes em nomes de ruas, placas de comércio e serviços oferecidos na cidade; e também em uma breve visita ao cemitério municipal.
história
história
Em Capão Bonito, o armazém passou a abastecer toda essa região. No início, o atendimento na mercearia era realizado pela senhora Francisca Delgado Alvarez, esposa de Domingos. Além disso, Francisca trabalhava como costureira. Domingos era funcionário da rede ferroviária, mas administrava o armazém e no seu tempo livre cuidava do pomar e cultivava em sua propriedade.
Íris (entrevista, 2016 relata que no armazém vendia-se de tudo um pouco, e o abastecimento era feito por viajantes, que traziam as mercadorias de lugares como São Paulo e Curitiba. Algumas cargas vinham de trem, e era necessário enviar um carroceiro para buscá-las na estação de Cachoeirinha/Arapoti.
A família era grande; Domingos e Francisca tiveram onzes filhos, e a vida era difícil, principalmente pela falta de luz e água na região. Os filhos foram crescendo, estudaram
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história
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na escola isolada que existia na região, que ofertava somente até a terceira série. A quarta e quinta séries tiveram que ser feitas em escolas mais distantes, e o restante dos estudos completado em outras cidades. Conforme conta Íris (entrevista, 2016),
[...] quando abriu o ginásio em Jaguariaíva, que fui fazer o ginásio. Depois precisou fazer a escola normal e não tinha, daí fui pra Castro, tinham os irmãos que estudavam também. Daí foi comprada uma casa lá pra colocar o pessoal que estudava e acabou ficando tudo por lá.
Atualmente, a edificação não tem um uso contínuo, mas é de propriedade dos descendentes de Domingos Alvarez, que, para fazer a manutenção da casa e pagar os empregados que cuidam dali, arrendam uma parte do terreno para plantação.
Significados
O armazém era um ponto de encontro. Vinham pessoas de variados lugares,
[...] era muito movimentado. Vendia de tudo! De tudo! Funcionava o domingo inteiro, daí o pessoal vinha, se reuniam aí pra conversar, ficavam ali na frente. Já era um ponto de encontro. Alguns bebiam, caíam! Às vezes brigavam, tinha de tudo! Íris Alvarez, entrevista, 2016).
Além de estabelecer essa relação de conexão com outras pessoas e mercadorias vindas de variados lugares, também é um remanescente material que representa vivência dos imigrantes de origem espanhola e polonesa que se fixaram no território do município e contribuíram significativamente para sua consolidação e desenvolvimento, com diversos descendentes estabelecidos na cidade.
O Armazém Alvarez é um dos poucos remanescentes da arquitetura em madeira própria dos imigrantes que povoaram a região no início do século XX. Seu local de implantação e a relação entre comércio e residência conforma um exemplar único que guarda em si valores arquitetônicos e históricos que suscitam a sua preservação.
Nos dias de hoje, a edificação tem um significado especial para a Família Alvarez, é um ponto de encontro, um local de reunião para reconectar os laços familiares, as histórias e memórias dos antepassados.
DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
Na época de funcionamento do Armazém Alvarez, vinham pessoas dos mais variados lugares: sede do município, Fábrica de Papel, colonos da região, entre outros. Ivo Possato (entrevista, 2016), que era morador de Cachoeirinha (hoje Arapoti), relata que ia até lá de bicicleta ou a pé para fazer compras no local. Atualmente, o local está mais restrito aos seus proprietários, entretanto ainda desperta o interesse e a curiosidade de várias pessoas que passam por ali, sendo que muitas param para olhar, tirar fotos.
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Armazém Alvarez, 1931. Fotografia: Acervo Omero Alvarez
Elementos naturais
A paisagem do lugar apresenta características rurais. O acesso ao local ocorre através de uma estrada de chão batido. Em frente ao imóvel, há uma área gramada com árvores de grande porte, como palmeiras e araucárias. Nas laterais estão as terras para plantação e cultivo, que atualmente são arrendadas para terceiros.
Elementos construídos
Trata-se de uma edificação em madeira no sistema de tábuas e mata-juntas, colocadas na vertical e cujo embasamento é em tijolos cerâmicos. Apresenta uma linguagem própria da arquitetura realizada pelos imigrantes poloneses.
A construção possui dois blocos, formando uma configuração em “L”. O bloco frontal apresenta um sótão com mansarda sobre o pavimento térreo, acessado através de uma escada interna.
A porção do armazém é acessada através de duas portas e pequenas escadas localizadas na parte frontal da edificação. Trata-se de um amplo salão, onde é possível observar o sistema estrutural de madeira da construção. Já a parte residencial do imóvel é acessada a partir de uma varanda voltada para o jardim existente em frente.
As portas são de madeira e de abrir, e as janelas são de madeira e vidro, sendo as folhas externas no sistema guilhotina e as internas no sistema de abrir. A estrutura do telhado é feita também em madeira e a cobertura com telhas cerâmicas do tipo francesas. Na parte da varanda existe um arremate feito com lambrequins.
O edifício apresenta aproximadamente 20x20 metros.
Atividades que acontecem no lugar
Atualmente, o local não funciona mais nem como armazém, nem como residência. Entretanto, os proprietários visitam a propriedade constantemente e há muitos anos promovem uma festa junina no local.
Manutenção
A manutenção é realizada pela família dos proprietários e pelos caseiros, com ajuda dos fundos conseguidos com o arrendamento das áreas ao redor para lavoura.
Conservação
O local encontra-se bem conservado.
Avaliação
O principal ponto positivo em relação ao Armazém Alvarez é o fato de ser um remanescente e representante físico da imigração espanhola e polonesa que ocorreu no município de Arapoti no início do século XX. Além disso, os armazéns possuíam papel de destaque no cotidiano das pessoas naquele tempo, sendo o principal local de abastecimento e um local de encontro. O bom estado de conservação valoriza ainda mais a relevância do local. Como ponto negativo, vemos a falta de conhecimento do local pelas novas gerações e a ausência de uso contínuo do edifício, fazendo com que ele fique fechado por períodos consideráveis.
RECOMENDAÇÕES
- Continuidade de manutenções periódicas no edifício de maneira a evitar a sua degradação e futuros problemas.
- Utilização mais frequente do local, evitando que fique fechado por períodos muito prolongados, pois essas são ocasiões onde se acelera o aparecimento de possíveis patologias para o imóvel.
- Procurar manter o mais íntegra possível a configuração do local, não apenas a construção, mas todos os elementos que configuram a paisagem.
- Valorizar o local como um ponto de memória da contribuição dos imigrantes. Para tanto, se faz necessária a elaboração de pesquisas mais aprofundadas sobre a história das localidades próximas, reunindo ao máximo documentos, fotografias, informações orais.
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CAPELINHA DE NOSSA SENHORA APARECIDA LUGARES
Capela dedicada à Nossa Senhora Aparecida, localizada na beira da rodovia PR-239 nas divisas entre os municípios de Arapoti e Jaguariaíva.
ONDE ESTÁ
A capela está localizada próxima ao Rio das Cinzas, na porção sul do território do município. Partindo da sede do município, o acesso ao local se dá pela PR-239 Rodovia Vacilio Boiko, a aproximadamente 16 quilômetros da sede do município. A capela se situa na beira da rodovia. Latitude: 24°12’52”S / Longitude: 49°56’25”O
PERÍODOS IMPORTANTES
Há o hábito da reunião para a reza do terço, no primeiro domingo de cada mês.
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HISTÓRIA
De acordo com Maria Terezinha da Rosa Amaro (entrevista, 2016), a capela já existia há algum tempo quando seus pais José Lopes da Rosa e Leonilda Lopes da Rosa se estabeleceram e abriram um restaurante no local conhecido como “cruzo da Ventania”, em 1952. O estabelecimento passou a ser chamado Restaurante do Seu Lopes. Segundo ela, a capela já existia no mesmo local que se encontra hoje, mas era em madeira.
Ali foi muito bonito. A gente fazia (as orações) todo primeiro domingo de mês. Antes disso quando nós chegamos ali eram três tabuinhas assim e a capelinha feita ali. [...] Esse alguém que montou ela ali, diz que foi um andarilho. Daí ele ficou por ali, aquele “rodízio, rodízio” por ali, é que o contaram pra nós e ficou.
Como o pai de Maria Terezinha era uma pessoa religiosa, ele resolveu aumentar a estrutura da capela e com essa melhoria, “[...] a redondeza dali pegou o costume de todo primeiro domingo do mês a gente rezava o terço”. Costume que se manteve por um tempo, mas depois foi morrendo, ficando apenas o hábito de acender velas. Por excesso de velas acesas, ocorreu um incêndio que destruiu a capela de madeira. Nesse momento, conta Maria Terezinha (entrevista, 2016),
[...] papai fez aquela de material, bem reforçadinha e assim mesmo começou outro incêndio, prejudicou bastante por a cobertura ser de madeira. Daí ele fez novamente sozinho, com a ajuda de um senhor que ajudava ele. Papai era pedreiro de infância, depois fazendeiro, mas continuou sendo (pedreiro) que era a profissão que ele sabia fazer tudo.
história história história
Depois de construída a capela em alvenaria, foi retomado o costume de rezar o terço no primeiro domingo de cada mês, mesmo depois de a família de Maria Terezinha ter se mudado para Arapoti.
Na década de 1950 e 1960, não havia igrejas próximas, e a Capela de Nossa Senhora Aparecida atraía muitos fiéis por se localizar em um entroncamento entre Arapoti, Ventania e Piraí do Sul. A imagem de Nossa Senhora Aparecida já estava no local quando a família chegou e foi mantida, porém, em um dos incêndios, foi consumida pelo fogo. A nova imagem foi trazida de Castro e, com o tempo, os fiéis foram trazendo outras imagens colocando-as no altar. Atualmente, a capela é repleta de imagens, quadros, fotografias, bilhetes e flores deixados pelos fiéis como gesto em agradecimento às graças recebidas.
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DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
A família de Maria Terezinha da Rosa Amaro. Seus pais José Lopes da Rosa e Leonilda Lopes da Rosa (Falecidos)
Maria Baiana (Realizava a limpeza do local)
Pessoas de variados locais que vão até a capela rezar
Elementos naturais
A capela está inserida em um ambiente rural na beira da PR-239. Ao redor, a paisagem é marcada por plantações de pinus e pela presença do Rio das Cinzas.
Elementos construídos
A edificação atual, em alvenaria, é dívida em dois volumes conectados: a nave e a capela. O acesso ocorre através da nave, onde há um portão metálico que protege a abertura frontal, as aberturas não possuem vedações. Em cada lateral existe uma janela quadrada, sem esquadrias. Na capela há uma pequena abertura em formato de meio-círculo na lateral esquerda. A nave possui um pé-direito mais alto que a capela. Em cada uma das partes há um telhado de duas águas com telhas romanas. Também está presente um beiral em cada lateral. A fachada é marcada por pilastras em cada uma das laterais, uma cruz no ponto mais alto do frontão e uma moldura na abertura de acesso. No interior há piso cerâmico, as paredes são pintadas de azul em um tom mais claro que o exterior.
A edificação apresenta aproximadamente 3x6 metros, e altura de 4 metros.
Área estimada 18 m².
Atividades que acontecem no lugar
A reza do terço, todo primeiro domingo de mês, ainda é costume. No restante no tempo, a capela fica aberta para a visitação de pessoas que queiram conhecer, rezar ou fazer pedidos e agradecimentos.
Manutenção
A capela é mantida pela família da senhora Maria Terezinha e por usuários do local.
Conservação
O lugar encontra-se bem conservado
Avaliação
Mesmo estando em um local afastado de aglomerações urbanas ou núcleos de habitação rural, a capela de Nossa Senhora Aparecida continua atraindo pessoas que vão até lá fazer suas orações. A edificação está localizada em ponto estratégico. É o remanescente de outras atividades e construções que estavam presentes nesse lugar, como o restaurante/mercado da família Lopes da Rosa.
Como os moradores da região mudaram-se dali, percebe-se que fica cada vez mais difícil e que são cada vez mais esporádicas as visitas ao local, o que pode levar ao seu desaparecimento com o tempo.
RECOMENDAÇÕES
- Promover a utilização do local e manter a realização do terço no primeiro domingo de cada mês.
- Realizar manutenções constantes na edificação de maneira a evitar a sua degradação e futuros problemas maiores.
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181 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
FICHA De identificação FONTE DE ÁGUA SULFUROSA
As fontes de água são elementos naturais que sempre atraíram os homens, definiram locais de ocupação provisória e definitiva na maioria dos territórios que hoje conformam as cidades. A fama de milagrosa e terapêutica às águas dessas fontes também é difundida em várias localidades, gerando, em diversos contextos, uma profusão de estâncias hídricas com diferentes propriedades medicinais.
Em Arapoti, a fonte de água sulfurosa se localiza na região do Rio Lambedor, na porção sudoeste do território do município.
O que se sabe é que desde os primeiros tempos da ocupação efetiva do território, essa fonte era referência em função das propriedades terapêuticas de sua água.
Na década de 1930, tais propriedades ganharam fama e foi construído um hotel refinado para atender os turistas que vinham de outras cidades do estado e de outros estados para temporadas de repouso no local. Não se sabe até que data o hotel funcionou, até a década de 1960 era bastante frequentado, conforme a fala de Ivo Possato (entrevista, 2016). Tornou-se um símbolo de riqueza natural do município, fazendo parte do seu hino.
Atualmente, o local está abandonado e é difícil o acesso. Há uma bica improvisada na qual algumas pessoas vão buscar água. Como referência cultural, compreendeu-se importante o registro desse lugar de memória.
bens culturais inventariados
Fonte de Água Sulforosa
Fonte de Água Sulfurosa
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Lugares
183 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI
LUGARES
FONTE DE ÁGUA SULFUROSA / FONTE DO LAMBEDOR
ANTIGA ESTÂNCIA HIDROMINERAL DO LAMBEDOR
Lugar onde se localiza uma fonte de água natural com alto teor de enxofre, que gerou, ao longo dos anos, a crença de possuir propriedades benéficas à saúde. Antigamente, o local era acessado por uma estrada e havia uma pousada que contava com piscina para os frequentadores se banharem com a água sulfurosa. Atualmente, o local está abandonado e há poucos vestígios das construções, restando somente uma bica de água improvisada, onde algumas pessoas utilizam galões e garrafas para levar a água.
ONDE ESTÁ
A fonte de água sulfurosa se localiza na região do Lambedor, na porção sudoeste do município de Arapoti. Partindo da sede do município, a equipe acessou o local pela PR-239 Rodovia Vacilio Boiko, seguindo a direita no cruzamento com a PR-090 Rodovia Engenheiro Ângelo Lopes. O acesso é através da porteira da Fazenda São José, no lado direito da rodovia.
Conforme o depoimento de Sônia Aparecida Machado, até o ano de 2014, a estrada dentro da Fazenda São José permitia o acesso de veículos até uma clareira próxima ao local da fonte. De carro, foi possível transitar pelas vias abertas entre a plantação; o restante do caminho foi percorrido a pé por aproximadamente 3 km ao longo da antiga estrada, que se encontrava coberta de vegetação e com a superfície erodindo em alguns pontos.
Latitude: 24°15’26.38”S / Longitude: 50° 9’26.79”O
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185 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
HISTÓRIA
Uma reportagem de 1938 do jornal O Estado destaca a água do Lambedor como um prodígio da natureza paranaense, com um grande teor de lítio, e por esse motivo há duzentos anos é conhecida pelo nome de santa (O ESTADO, jan. 1938). Nessa mesma reportagem, o proprietário da área, Coronel Joaquim Carneiro Lobo, descreve um episódio que
[...] se repete desde muito e dá indício e firmeza das tradições terapêuticas da água: Os caboclos caminham às vezes 20 léguas para levarem um garrafão do precioso líquido. Retornado ao seu lar, distribuem a água em cálices. Estes são desdobrados em litros. E entregues à visinhança, esta a usa com a fé de que opera milagres (O ESTADO, jan. 1938).
Conforme Mercer (1978), no início da década de 1930, o Coronel Joaquim Carneiro Lobo era o proprietário da Fazenda Motuca, na divisa entre os municípios de Jaguariaíva e Piraí, e contratou o Sr. Edmundo Alberto Mercer para fazer as medições das suas terras e do Sr. José Lobo. Neste local, onde ficam as águas sulfurosas do Lambedor, Edmundo Mercer projetou e construiu um confortável hotel e todas as suas instalações (MERCER, 1978, p. 176).
A Estância Hidromineral do Lambedor, de propriedade do Coronel Joaquim Carneiro Lobo possuía, em 1938, 28 quartos e era constantemente visitada por paranaenses e paulistas (O ESTADO, jan. 1938), que acessavam o local com o serviço de modernos autos que seguiam por estrada de rodagem até a fonte, situada a 78 km de Jaguariaíva e a 48 km de Piraí. Desde essa última, depois de transpor as encostas da serra das Furnas, chegavam
história
história
[...] a uma belíssima paisagem, a semelhança de vivendas suissas, onde está situado o balneário, circundado de outeiros que impedem a ventania que varre constantemente os campos immensos e nus. Em meio de magníficos robles e de uma vegetação verdejante se ergue o prédio do hotel onde há o melhor conforto ao lado dum tratamento que excede a toda expectativa. [..] A noite a iluminação elétrica dá novas formas a paisagem enquanto que um rádio nos transmite as últimas notícias do mundo (FONTOURA, 1937).
Toda a estrutura e conforto são fruto do empenho do Coronel Joaquim Carneiro Lobo para fazer da estância um estabelecimento de primeira ordem, considerando a imposição de alguns obstáculos como a falta de estradas e a inexistência de uma fábrica de garrafas no local, que baratearia o artigo em mais de 40%. Quanto à estrada, naquele momento, já estava se encaminhando uma solução, graças a visão administrativa do Interventor Manoel Ribas, que havia mandado locar a nova rodovia, facilitando o trajeto das águas (O ESTADO, jan. 1938).
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história
187 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
As propriedades da água sulfurosa foram matéria de outra reportagem do jornal O Estado, em junho de 1937, dizendo que “são unânimes as referências feitas pelos que receberam os seus benéficos effeitos e experimentaram curas surprehendentes”. Ainda é relatada a fala do Dr. Wirmond de Lima, então diretor geral da Saúde Pública do Estado que afirmou possuírem as águas do Lambedor “o maior potencial de propriedade radioactivas segundo o exame feito no laboratório de pesquisas daquelle Departamento, sob a direcção do especialista Antenor Pamphilo, recomendando-as como as melhores do mundo” (O ESTADO, jun. 1937).
Ao longo do tempo, as propriedades da água ganharam fama no estado e no país, conforme Ivo Possato relata em sua entrevista, sendo muito procurado até a década de 1960, quando o local começou a ser menos frequentado. Ele diz que, nessa época, tinha muita frequência de gente de fora, que vinha fazer temporada para se curar. Ele e a família frequentavam o hotel, todos os anos passavam alguns dias hospedados lá Ivo Possato, entrevista, 2016).
No site da Secretaria de Estado de Esporte e Turismo do Paraná, há a referência de que entre as décadas de 1960/1970 foram exploradas como áreas de lazer, engarrafamento da água ou estâncias balneárias lugares que atualmente se encontram desativados, entre eles a Água Mineral Lambedor, em Arapoti. Conforme o texto, além de desenvolver a atividade turística dentro do país, esses lugares assumiram um papel importante na cura de determinadas doenças infecciosas. Porém, na década de 1940, com a difusão do uso de medicamentos antibióticos, esses lugares tiveram sua importância, como centros de tratamento de saúde, diminuídas (PARANÁ, s/d).
Na sua entrevista, Ivo Possato lamenta o estado de abandono em que se encontra o local da fonte de água. Cita que ao longo do tempo o estabelecimento se tornou propriedade de pessoas que não fizeram nenhuma melhoria no local, somente queriam explorar a fonte de água, buscavam resultados (Ivo Possato, entrevista, 2016).
Em 2016, a fonte era caracterizada por uma bica improvisada, não existindo edificações no entorno. Conforme o depoimento de Sônia Aparecida Machado, até o ano de 2014, era possível visualizar vestígios das antigas piscinas, que estão totalmente encobertas. Naquele momento, foi possível visualizar um muro de arrimo e alguns objetos e peças relacionadas à captação e ao engarrafamento da água, como um antigo engarrafador em ferro fundido.
Significados
A crença nas propriedades terapêuticas da água sulfurosa é antiga e tem um sentido miraculoso para quem obtém a cura de alguma enfermidade. É um significado que se estabeleceu a partir da crença popular e se espalhou pela região, fortalecendo seu sentido medicinal, curativo, terapêutico.
Acesso para antiga Fonte Sulfurosa do Lambedor.
Fotografia: Prefeitura Municipal de Arapoti
A partir da década de 1930, a visão empreendedora do Coronel Joaquim Carneiro Lobo transformou a água sulfurosa em um produto rentável sob dois aspectos: o do turismo e o do seu engarrafamento e distribuição. Aliando o conforto de um estabelecimento hoteleiro ao sentido de cura, o local atraiu a atenção de pessoas abastadas, inclusive de outros estados, que até lá se deslocavam para temporadas de descanso e restabelecimento, entre eles o Interventor Manoel Ribas, que, em julho de 1938, havia retornado de uma temporada de justo repouso nas águas do Lambedor (CORREIO DO PARANÁ, jul. 1938).
Esse viés de riqueza natural do município tomou grandes proporções e se estabeleceu durante longo tempo, foi eternizado, inclusive, no hino municipal de Arapoti, instituído pela Lei Municipal nº 04/68, de 12/07/1968, com letra e música de Sebastião de Lima, conforme segue:
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Verde planalto de belezas mil
És um recanto feliz do meu Brasil
Orgulho dos filhos teus
Terra mais rica não há
Arapoti, Arapoti!
Celeiro natural do meu Paraná
Rio das Cinzas
Imponente e majestoso
A cingir qual diadema este solo generoso.
E a fonte sulfurosa
Presente da natureza
A mostrar, quão venturosa
Esta terra de riqueza.
Em cada passo em direção ao progresso
Consolida a esperança de um grandioso sucesso
Nasceste do braço forte de herói desbravador
És um milagre do norte
Terra de luz e esplendor.
O lugar e a crença na propriedade terapêutica da água são compartilhados somente pelas pessoas mais antigas da cidade. O senhor Ivo Possato confirmou, em 2016, com 94 anos, que mandava buscar a água na fonte e a bebia com frequência.
O local também se tornou objeto de estudo dos alunos da prof.ª Sônia Aparecia Macedo, que buscou pesquisar na cidade sobre a história da fonte e o porquê de esse recurso natural estar citado no hino municipal. Por dois anos, ela organizou visitas ao local para que os alunos o conhecessem. Durante a visita com a equipe de pesquisa, ela desistiu de retomar as visitas com os alunos, devido às péssimas condições de acesso e ao abandono do local. Por fim, a fonte de água sulfurosa se estabeleceu como um lugar de memória para a população do município de Arapoti, e, apesar de o suporte material e de os elementos estruturantes do bem cultural terem sido depreciados, sua importância histórica e cultural permanece.
DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
Durante a pesquisa, não foi possível estabelecer contato com o proprietário atual da área. A Prefeitura Municipal de Arapoti mostrou interesse em pesquisar e fomentar a utilização da área para lazer. Funcionários do poder público municipal acompanharam a equipe de pesquisa até o local e se comprometeram a entrar em contato com o proprietário para pedir autorização para a retirada do antigo engarrafador, com o intuito de que fizesse parte do acervo da Casa da Cultura Memorial Capão Bonito.
Elementos naturais
A fonte de água sulfurosa é o elemento estruturante do lugar. A fonte se encontra em um vale cercado de pequenas elevações que a protegem. Atualmente, a fonte está inserida no contexto de mata remanescente e protetiva de um córrego, com avanço da área de plantação até o limite.
Elementos construídos
Na área mais próxima ao local da fonte, é possível reconhecer somente um muro de arrimo em tijolos cerâmicos, possivelmente construído na década de 1930. Apesar do péssimo estado de conservação, a estrada é bem delimitada e o embasamento da ponte denota uma obra de engenharia bem executada.
Vestígios
Certamente uma investigação mais aprofundada poderá revelar vestígios materiais da ocupação, da estrutura e das instalações da estância hidromineral. Como o local é uma referência bastante antiga de captação de água, é possível a existência de vestígios relacionados ao uso do espaço, anterior à existência do hotel, assim como de grupos humanos pretéritos, anteriores ao Período Colonial.
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Atividades que acontecem no lugar
Nas proximidades da fonte de água sulfurosa, há atividade agrícola intensa, com lavouras de soja, trigo e milho. A fonte de água é escassamente procurada para captação de água, feita em garrafas ou galões menores, devido à dificuldade de deslocamento.
Conservação
O local está abandonado, e seu acesso é dificultado pela péssima condição da estrada. O acesso a pé vai se tornando cada vez mais complicado à medida que a referência da estrada se perde em meio à vegetação e à erosão. A fonte de água possui uma bica com tubulação plástica e um galão plástico sob ela, em uma estrutura provisória que não fornece possibilidade de ampla utilização da água, que se torna cada vez mais escassa.
Avaliação
O lugar tem importância histórica e cultural para o município, pois alia crenças populares que se difundiram pela região ao investimento em uma estrutura hoteleira que se tornou referência para o município e a região. Tanto a crença nas propriedades curativas da água quanto a referência do lugar estão presentes nas memórias de diversos personagens da cidade, suscitando seu valor como lugar de memória.
Por outro lado, o local está em completo estado de abandono, e o acesso é cada vez mais restrito, em função das condições da antiga estada e do avanço da área de plantação.
O poder público municipal aventou algumas possibilidades de revitalização do lugar como área de lazer. Corrobora para a falta de interesse sobre o tema, a escassez de conhecimentos e informações levantadas e registradas sobre a história, as memórias e as estruturas relativas à fonte de água sulfurosa.
RECOMENDAÇÕES
- Realização de pesquisa e registro de informações sobre a fonte de água sulfurosa, com a reunião de fotos e documentos antigos, o registro de depoimentos de pessoas que frequentavam o local.
- Realização de estudo de viabilidade para verificar a possibilidade de revitalização da fonte e do local, considerando a realização de ampla pesquisa histórica e arqueológica sabre as ocupações anteriores.
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FICHA De identificação comunidade negra tradicional
Os Campos Gerais eram um território amplo, de campos limpos mesclados a capões de matas de Araucária. As terras foram sendo cedidas em sesmarias onde, no contexto do Tropeirismo, se estabeleceram fazendas grandiosas e diversos sítios de invernada. Uma economia que se desenvolveu calcada no trabalho escravo, tanto de indígenas, quanto de negros. Este contexto se estabeleceu, aos moldes do sistema escravocrata tradicional brasileiro, na Fazenda Boa Vista, na porção sudoeste do território do município de Arapoti. Nesse lugar, o sobrenome Xavier, dos primeiros proprietários, foi emprestado aos negros, que formaram as suas famílias e se perpetuaram no local. Vários proprietários passaram e se mudaram; os negros e seus descendentes permaneceram ali, permaneceram em constante conexão com o lugar.
Ao longo do tempo, as áreas das fazendas foram fragmentadas e a pecuária deu lugar a agricultura extensiva. Os negros permaneceram no local, cuidando de distintas áreas da Fazenda, até quando puderam. Alguns descendentes eram até recentemente empregados dos proprietários anteriores; hoje, alguns vivem em uma área próxima da sede da Fazenda, na região do Bugre. Consolidaram-se ali, principalmente, as famílias Xavier da Silva, Teixeira de Oliveira e Carneiro dos Passos, que se mesclaram e perpetuaram vários descendentes, que se espalharam por Arapoti e diversas outras cidades do estado.
Na Fazenda Boa Vista, como referência material, estão presentes a casa sede da fazenda, uma construção do século XIX, que estava em estado de arruinamento, e o cemitério antigo. Estruturas que passaram por um processo de reconstrução e revitalização recentemente. Também se perpetuou a celebração em homenagem a São Sebastião, na região do Bugre, que contextualiza um extenso calendário de festas em homenagens a santos que aconteciam em várias áreas da fazenda, inclusive na sede, do qual essa é a única remanescente.
O registro desses bens tem um caráter histórico, que representa todo um universo rural estabelecido extensivamente naquela região, entre os séculos XVIII e XIX. Também a vivência comunitária da festa e forma de apropriação do sentido de lugar pelos descendentes de escravos parece paradoxal são eles literalmente lutando pela preservação de referências culturais que representam a casa grande.
• Antiga Sede da Fazenda Boa Vista e Cemitério Lugares
• Festa de São João Batista
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culturais inventariados
bens
Comunidade Negra Tradicional
celebrações
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ANTIGA SEDE DA FAZENDA BOA VISTA E CEMITÉRIO LUGARES
Casa sede da antiga Fazenda Boa Vista e a área do cemitério antigo, que distam entre si aproximadamente um quilômetro. A edificação, que estava parcialmente demolida e em estado de arruinamento, passou por um processo de reconstrução recente. Em 2015, a área foi delimitada como sítio arqueológico, sendo inserida no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) sob registro nº PR01795.
ONDE ESTÁ
A antiga casa sede da Fazenda Boa Vista e o cemitério estão localizados na porção sudoeste do território do município de Arapoti a aproximadamente 32 km da sede do município. O acesso ao local é feito pela Rodovia Governador Vacilio Boiko PR-239 (Sentido Sudoeste).
Latitude: 24°13’36.22”S / Longitude: 50° 3’5.99”O
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HISTÓRIA
A Fazenda Boa Vista remete ao início da ocupação efetiva do vasto território dos Campos Gerais, ocupando terras concedidas em sesmaria a Francisco Xavier de Salles, em 24/04/1733 (RITTER, 1980). Até esse período, as incursões pelos sertões serviam à exploração territorial e à constante busca por ouro e outros reluzentes metais, mas também eram motivadas pelo apresamento, submissão e espoliação do indígena, braço de trabalho sobre o qual se assentou a colonização lusitana. Eram o índio neste período primordial e, mais tarde, o negro as forças de trabalho que sustentavam:
[...] todas as estruturas superiores da sociedade colonial: nos trabalhos domésticos, nas derrubadas e lavouras, “na jornada das minas e na condição das cargas”, como soldados das guerras no sertão contra outros índios que deveriam ser caçados [...] (BALHANA; MACHADO; WESTPHALEN, 1969).
O contexto da Fazenda Boa Vista retrata esse universo escravagista de modo completo. O envolvimento atual com esse lugar de descendentes dos povos negros escravizados, pertencentes a famílias como Carneiro dos Passos, Teixeira de Oliveira e Xavier da Silva (que guardam relações de parentesco entre si) remete a histórias contadas por seus antepassados, de muito trabalho e suor dedicados a pecuária bovina e suína.
Ali, também, a luta entre fazendeiros e indígenas pela imposição da ocupação, por um lado, e pela resistência à submissão, por outro, foi vivenciada. Na entrevista realizada com a Família Carneiro dos Passos, o nome do bisavô Tristão Índio dos Passos traduz a cena do seu apresamento, quando laçado, com cinco ou seis anos de idade, e amarrado ao palanque da mangueira (Família Carneiro dos Passos, entrevista, 2016).
A tristeza e a valentia dos seus passos o batizaram, e a condição submissa, unido aos demais de origem negra, perpetuou-se.
história história
Sob essa condição de submissão, Maria José Teixeira de Oliveira lembra que ouvia de seus antepassados que os escravos tinham a cabeça chata de tanto “bardiar” a pedra na cabeça. Também sofriam para se alimentarem,
Daí lá pra eles comerem, os escravos, tinha um cocho bem grande [...] estavam tudo no mato, tinha um círculo bem grande na frente da casa lá, eles batiam aqueles sinos e os escravos tinham que vir correndo pra comer [...] aqueles que não podiam correr, quando chegavam lá já tinham comido tudo. Era uma vida triste, Deus o livre, uma vida muito triste Amazonas Xavier da Silva e Maria José Teixeira de Oliveira, entrevista, 2016).
O cocho é lembrado também por Amazonas Xavier da Silva e por Sebastião Xavier em entrevistas a Orlando Frizanco e Carlos João Thon (2005). Sebastião ainda recorda de um tronco existente no interior da casa grande da Fazenda Boa Vista,
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história
199 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
[..] Quando vivi na Fazenda [entre 1945 e 1955], o tronco era usado para colocar arriames ou apetrechos de montaria, mas todos contavam que na época dos escravos, era usado para castigar quem não obedecesse ou fizesse alguma coisa que desagradasse o patrão. Contavam eles que, ao lado do tronco, havia uma “roda de açoite”, que quando era girada manualmente com um pedal, acionava três chicotes que batiam no escravo amarrado no tronco [...] O tronco fica em um dos cômodos da casa onde os escravos a serem castigados eram fechados, para que os outros escravos não vissem o que estava acontecendo (FRIZANCO; THON, 2005, p. 99).
Essa estrutura escravocrata, posteriormente amenizada com as leis de libertação, sustentava o funcionamento das fazendas que, nos Campos Gerais, participaram ativamente do contexto do Tropeirismo. Conformados por paisagens de campos limpos, capões de matas de Araucária e importantes redes de interflúvios, o território dos Campos Gerais atraía a atenção de ricos e poderosos habitantes de São Paulo, Santos e Paranaguá, que, desde o século XVIII, estimulados pelos elevados preços que os gados poderiam alcançar, ali conquistaram, via doação, várias sesmarias e fundaram fazendas para lidar com um negócio a ser explorado comercialmente, tendo em vista o abastecimento de São Paulo e, principalmente, das regiões mineiras (BALHANA; MACHADO; WESTPHALEN, 1969).
O ir e vir de rebanhos e mercadorias passou pelas terras da Fazenda Boa Vista, e histórias são lembradas pelos descendentes de escravos, que remetem a chegada da imagem de Nossa Senhora do Rosário, que habitava a capela localizada no interior da casa sede, a uma viagem dos escravos a Sorocaba, provavelmente para a famosa feira de bovinos e muares existente naquela cidade. Lembram de histórias das invernadas e dos alojamentos que abrigavam os tropeiros. Também, em um contexto mais recente, se lembram do pai [Otaviano Carneiro dos Passos] tocando as tropas de porco, atividade comum na região até a década de 1960 1970. O percurso em direção a Itararé, São Paulo, requeria o pernoite na Fazenda Matarazzo,
Contava o pai que ao anoitecer eles vinham viajando com aqueles porcos, porco gordo. Chegavam umas horas e eles cansavam. Quando chegavam tarde, eles faziam tipo um paredão de ramos assim em volta para os porcos. Daí todos deitavam. Deitava a porcada e ficavam dormindo. Dormiam um sono. E quando clareava o dia, o porco levantava pra sair e seguiam a viagem Família Carneiro dos Passos, entrevista, 2016).
Ao longo do tempo, o território da fazenda foi sendo desmembrado, e a produção pecuária foi dando lugar a lavouras de soja, milho e trigo, atualmente produzidas de forma extensiva. Nesse território, a partir da ocupação inicial e efetiva, as fazendas se tornavam os locais de moradia e trabalho, unidades de produção e consumo de seus proprietários, escravos e famílias agregadas, que vivenciavam nesse espaço um modo de vida calcado no contexto histórico e socioeconômico que se apresentava. Na Fazenda Boa Vista, esse momento estava marcado como 1830, data existente na fachada da casa sede durante a pesquisa realizada em 1986 pela Coordenação do Patrimônio Cultural, da Secretaria de Estado da Cultura (SEEC-CPC, 1986), que possivelmente se refere ao final do seu período de construção.
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Acervo Secretaria de Estado da Cultura do Paraná Projeto Caminho das Tropas, 1986
O edifício é referência de propriedade para personagens como Francisco Xavier da Silva, Firmino Xavier, Antônio (Antoninho) Xavier da Silva, Epaminondas (Xanda) Nocera, Hugo Waltrich Camargo e Hinderikus Jan Borg (Holandês) até ser objeto de um processo judicial que levou ao leilão da fazenda, sendo adquirida recentemente por um grupo empresarial.
Testemunho do modo de vida e das condições sociais, econômicas e ambientais, refletidas na configuração da moradia e nos materiais e técnicas construtivas existentes, a casa sofreu modificações que refletem as adaptações às necessidades que se impuseram ao longo dos anos. Com a sua estrutura exposta, foi possível verificar as diversas técnicas construtivas utilizadas as rudimentares taipas de pilão e pau-apique mescladas à alvenarias de tijolos maciços.
É certo que ao longo do tempo a casa foi diminuindo sua área, sendo demolidos alguns cômodos. Maria José lembra que foi Hugo Waltrich Camargo quem fez as maiores mudanças na estrutura edificada,
Quando ele comprou [no início da década de 1960], a fazenda ainda estava do jeito que os escravos haviam deixado. Ele fez algumas mudanças nela e inclusive construiu a capela que lá existe. Como ele queria fazer uma sala no local onde havia a capelinha [no interior da residência], construiu a nova capela na área externa da casa Amazonas Xavier da Silva e Maria José Teixeira de Oliveira, entrevista, 2016).
A casa foi inventariada no Projeto Caminho das Tropas, realizado em 1986 pela Coordenação do Patrimônio Cultural, da Secretaria de Estado da Cultura que, em um dos seus módulos, buscou caracterizar a Arquitetura de Fazendas dos Campos Gerais. A casa sede da Fazenda Boa Vista estava em um rol de 20 edificações localizadas nos municípios da Lapa, Balsa Nova, Palmeira, Ponta Grossa, Castro, Tibagi e Palmas, sendo a única representante do município de Arapoti. Essa pesquisa teve por objetivo identificar, visando à preservação, aspectos do patrimônio cultural paranaense relativos ao tropeirismo (ZUCCHERELLI; BRAUN; SANTOS, 2011), porém não garantiu a proteção legal de nenhum dos edifícios.
Outro importante remanescente material da Fazenda Boa Vista é o cemitério, que abrigava sepultamentos do século XIX, sendo referenciada na referida pesquisa a existência de túmulos e lápides com data de 1893, onde estão enterrados os primeiros proprietários, entre eles José Francisco Xavier da Silva (SEEC-CPC, 1986). No local, é possível verificar a existência de uma lápide de 1901, pertencente a Virgilino Caxambú.
O cemitério se configura no interior de uma amurada de pedra, formando um quadrado com 20 metros de lado. No interior desse perímetro maior, é configurado outro muro de pedra, um quadrado com aproximadamente 10 metros de lado. As duas marcas balizam a divisão sempre existente: no perímetro externo, eram enterrados os escravos e seus descendentes; no perímetro interno, a comunidade livre da região.
Não foram sepultados ali somente os proprietários da Fazenda Boa Vista e seus descendentes. O isolamento imposto pela inexistência de estradas e caminhos fazia com que pessoas da região utilizassem aquele local para fazer descansar os seus mortos. Quanto aos escravos, há pessoas enterradas das famílias Carneiro dos Passos, Xavier da Silva e Teixeira de Oliveira. São avós, pais, irmãos, cunhados, primos que imprimem uma ligação perene com aquele lugar, frequentemente visitado por eles.
Para além dos remanescentes materiais, há memórias associadas às celebrações que aconteciam em vários pontos da Fazenda Boa Vista, vinculados a datas específicas ou aos santos protetores. Amazonas cita a dança de São Gonçalo, brincadeiras e bailes realizados aos domingos, dia de folga dos escravos (FRIZANCO; THON, 2005, p. 107).
Vários antepassados da Família Carneiro dos Passos promoviam festas: a mãe [Palmira Xavier dos Passos] contava que na casa sede era homenageada Nossa Senhora do Rosário; eles recordam de uma prima da mãe que fazia a Festa do Divino, cuja bandeira ainda existe em Jaguariaíva; a Festa de São João era promovida pelo Tio Benedito e a de São Pedro, pelo Tio Pedro. (Família Carneiro dos Passos, entrevista, 2016).
Desse calendário extenso de manifestações culturais e religiosas, vinculado àquela localidade, ainda é celebrada a homenagem à São Sebastião, promovida pela família de
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Aristides Teixeira de Oliveira, na localidade do Bugre, a poucos quilômetros da Fazenda Boa Vista. Em 2015, João Maria Carneiro dos Passos, representando a Comunidade Negra Tradicional da Fazenda Boa Vista e Região do Bugre (ITCG, 2006), procurou o Ministério Público do Estado do Paraná — Promotoria de Justiça da Comarca de Arapoti para reclamar a demolição parcial da estrutura da casa sede, com a retirada da cobertura e o desmoronamento de algumas paredes. Foi dado início ao Procedimento Preparatório nº MPPR-0009.15.000081-9 para o estabelecimento de um Termo de Ajuste e Conduta (TAC).
No contexto do Programa de Identificação das Referências Culturais de Arapoti, foi exposta ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a situação desse importante remanescente da história do Paraná, culminando no cadastro a área onde se localiza a casa sede da Fazenda Boa Vista como um Sítio Arqueológico, conforme o Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA).
Esses dois fatores, o processo junto à Promotoria de Justiça da Comarca de Arapoti e o cadastramento do Sítio Arqueológico junto ao Iphan, geraram a oportunidade de restauração da antiga casa sede da Fazenda Boa Vista e a revitalização da área do cemitério, coordenada e executada pela empresa Arquibrasil Arquitetura e Restauração.
Significados
A casa sede da Fazenda Boa Vista e o cemitério são estruturas edificadas que remetem aos séculos XVIII e XIX, portanto materializam a ocupação do território, as condições ambientais e os processos socioeconômicos daquele período. Os materiais e as técnicas construtivas utilizadas, a disposição de cômodos e lápides balizam a compressão da arquitetura e dos modos de vida. São elementos referenciais para conhecer a história da cidade e da região.
Fotografia: Acervo Família Carneiro dos Passos
Além da questão histórica, a Fazenda Boa Vista é uma referência fundamental para as famílias que compõem a Comunidade Negra Tradicional — principalmente Carneiro dos Passos, Xavier da Silva e Teixeira de Oliveira — que ocupam daquela área há mais de 200 anos. Apesar de terem vivenciado outros contextos de moradia, por vezes distantes, a casa sede e o cemitério são pontos de referência para rememorar as suas vivências e de seus antepassados de maneira mais concreta. O lugar é referência de nascimentos, mortes, trabalhos, saberes, moradias, casamentos, crenças, festividades de ao menos três gerações que vivenciaram desde o período da escravidão até os momentos mais recentes. Parte das famílias Xavier da Silva e Teixeira de Oliveira ainda vivem em áreas próximas à sede da Fazenda Boa Vista, e as visitas ao cemitério são momentos familiares significativos.
Para além da Comunidade Negra Tradicional, a Fazenda Boa Vista é uma das referências mais antigas da cidade. Ivo Possato, nos seus 94 anos, lembra do lugar como passagem para a serraria do seu pai, na região do Lambedor,
[...] Então a gente passava ali e chegava sempre lá. Eles eram muito bons. [...] Eu conheci ali toda a população negra dali. Eram escravos primeiro. Depois foram... Mas eu tive acho que dez, quinze empregados só deles, os descendentes que ainda moram ali no Bugre. Então a gente naquela época, todas essas festas a gente frequentava Ivo Possato, entrevista, 2016).
Isis Alvarez, uma das proprietárias do Sítio Alvarez, na região do Capão Bonito, recorda que desde nova tinha curiosidade para saber onde eram a casa e o cemitério dos escravos de que tanto falavam, e somente há uns cinco anos fez uma visita ao local, quando a casa já estava bastante deteriorada.
DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
O contexto atual é de transição e de novos agentes atuando sobre o local. Recentemente, no ano de 2015, a área da Fazenda Boa Vista foi adquirida por um grupo empresarial por meio de leilão. A Comunidade Negra Tradicional da Fazenda Boa Vista e Região do Bugre está se organizando em uma associação que tem como um de seus objetivos a preservação do local. Em novembro de 2015, a área da casa sede foi cadastrada como sítio arqueológico, estando, a partir de então, sob tutela legal do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Com a instauração do Procedimento Preparatório nº MPPR-0009.15.000081-9, do Ministério Público do Estado do Paraná — Promotoria de Justiça da Comarca de Arapoti foi definido um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre esses agentes para a revitalização. Em novembro de 2021, houve a visita de representantes da Prefeitura Municipal de Arapoti com o intento de conhecer o local e inseri-lo em programas turísticos e educacionais do município.
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Elementos naturais
A Fazenda Boa Vista faz parte de um ambiente rural que começou a ser configurado no século XVIII sob o amplo território denominado Campos Gerais, uma região
[...] coberta de vegetação gramínea e limitada por espessa mata, com exceção a leste que confinava com os Campos de Curitiba por matas ciliares, a noroeste ligava-se aos Campos de Piratininga através das faxinas e Campos do Itararé e do rio Verde, recebia esta denominação em razão de sua enorme extensão, não constituindo “uma comarca nem tão pouco um distrito. Começavam à margem esquerda do rio Itararé e estendiamse até as proximidades do Registro de Curitiba. [...] Além das matas de araucárias, numerosos rios e riachos contribuíam para a fertilidade dos campos. Nessas terras férteis, de “boas aguadas, os requerentes de sesmarias formariam suas fazendas e sítios (RITTER, 1980).
As grandes extensões de terra que conformavam as fazendas davam a sensação de um território infinito, sem fronteiras, que cada vez mais se configura de maneira fragmentada. Na região do município de Arapoti, esses campos, que antes abrigavam a pecuária, cederam espaço, a partir da década de 1960, para grandes lavouras de soja, trigo, milho e para a plantação de pinus e eucaliptos destinados à indústria de celulose.
No entorno imediato da casa sede da Fazenda Boa Vista e da área do cemitério, a agricultura extensiva se perpetuou e é presente. Há uma área de aproximadamente 8.000 m² no entorno da casa, desprovida de plantação. No cemitério, árvores de grande porte se destacam na paisagem sobrepujante da lavoura e sombreiam os muros, lápides e carneiros, sendo, principalmente, duas grandes figueiras e as palmeiras.
Elementos construídos
Os dois principais elementos construídos que compõem o lugar são os remanescentes da casa sede da Fazenda e os remanescentes do antigo cemitério. Há outros edifícios, principalmente galpões, nas áreas próximas da casa, porém são edificações mais recentes.
A casa sede é uma construção de meados do século XIX que agrega materiais como pedra, madeira, barro, cal e cerâmica, empregados em técnicas construtivas próprias daquela época. No estado de arruinamento em que a casa se encontrava em 2016, foi possível verificar que o embasamento em pedras irregulares sustenta a alvenaria em taipa de pilão (na parede posterior), técnica que emprega o barro socado, executado em uma armação de madeira chamada taipal, que servia de suporte e forma para a parede. Parte das alvenarias externas expõe a técnica do pau-a-pique e seu engradamento e madeira preenchido com barro. Há, na configuração mais recente, alvenarias de tijolos cerâmicos, que perfazem fechamentos laterais e cômodos introduzidos posteriormente, como o possível banheiro.
Contígua à casa, há a edificação de uma pequena capela, construída entre 1961 e 1982, período cuja propriedade pertencia a Hugo Waltrich Camargo. A edificação da capela é simplória, em alvenaria de tijolos, coberta com telhas cerâmicas do tipo francesa. Sua estrutura não foi danificada ou demolida, portanto os danos se reduzem à ausência de intervenções de manutenção e conservação.
O cemitério tem como estruturas principais os dois muros em pedras irregulares que configuram as divisões de classe, como citado anteriormente. O maior perímetro ocupa uma área aproximada de 400 m². Os túmulos são construídos em alvenarias de tijolos, sendo os mais abastados fechados e ornamentados com lápides em pedra e elementos pré-fabricados de refinada execução para os padrões antigos, sendo interessante a elaboração de uma pesquisa para conhecer sua origem e fabricação. Na parte externa, destinada aos escravos e seus descendentes, o único símbolo do enterramento são as cruzes em ferro fundido com uma plaqueta metálica que contém o nome e datas de nascimento e falecimento.
Vestígios
Ao visitar o local, a equipe de pesquisa observou, nas proximidades da casa sede, fragmentos de louças em superfície. Certamente uma investigação mais aprofundada revelará mais informações sobre a ocupação do local, da estrutura e das instalações da Fazenda Boa Vista e do cemitério. Como o local é uma referência bastante antiga e possui uma localização privilegiada, é possível a existência de vestígios relacionados ao uso do espaço anterior à existência da casa sede, denotando a presença de grupos humanos pretéritos, anteriores ao Período Colonial.
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Atividades que acontecem no lugar
A área da Fazenda Boa Vista é utilizada para a agricultura extensiva, com revezamento de plantação de lavouras de soja, milho e trigo, sendo poupadas as áreas protegidas por legislações ambientais e os perímetros de ocupação da antiga casa sede da fazenda e do cemitério.
Manutenção
A área onde estão implantadas a casa sede e o cemitério é de responsabilidade do proprietário atual, que, por meio de intervenção judicial, promoveu a restauração da casa sede e da área do cemitério, com implantação de banheiros, estacionamento e projeto de paisagismo, com valorização dos bens.
Conservação
Como citado anteriormente, a casa sede da Fazenda Boa Vista se encontrava em 2016, em estado de arruinamento, sem telhado e com paredes desestruturadas, assim como o cemitério. Nos anos seguintes, com o avanço do processo judicial, foi possível realizar ações de restauração da casa sede e do cemitério, que contribuem significativamente para a conservação e preservação dos bens culturais edificados.
Avaliação
A Fazenda Boa Vista é uma referência histórica importante para o município de Arapoti.
Um dos únicos remanescentes de um formato de ocupação vigente nos séculos XVIII e XIX, na região dos Campos Gerais. Também é referência fundamental para os
descendentes de escravos que se apropriaram do sentido do lugar e, paradoxalmente, reivindicam a preservação do local que foi cenário de sofrimentos para os seus antepassados, mas também de lutas e batalhas pela sobrevivência do sentido de comunidade e família.
A busca por mecanismos judiciais para a preservação das estruturas edificadas, por parte da Comunidade Negra Tradicional e a realização do Programa de Identificação das Referências Culturais, que culminou com o cadastro do local como sítio arqueológico, evidenciaram a importância histórica e cultural do local.
RECOMENDAÇÕES
- Em função da forte relação que a Comunidade Negra Tradicional tem com o lugar, é necessário manter a garantia de acesso às áreas da Sede da Fazenda e do cemitério.
- Realização de aprofundamento da pesquisa histórica e arqueológica, para gerar mais conhecimentos e informações sobre a história da Comunidade, da Fazenda e do município de Arapoti com a reunião de fotos, documentos e depoimentos sobre o lugar.
- Promoção de ações constantes de conservação e manutenção da casa sede e do cemitério.
- A longo prazo, planejamento de possibilidades de tornar o local aberto à visitação, com a existência de estrutura segura e condizente com suas características, dentro de limites estabelecidos.
Fotografias: Acervo Família Carneiro dos Passos
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ONDE ESTÁ
CELEBRAÇÕES
FESTA DE SÃO SEBASTIÃO (Localidade
A festa acontece na área rural do município de Arapoti, na localidade do Bugre (área da antiga Fazenda do Bugre), na porção sudoeste do território do município. Dista cerca de 33 quilômetros da sede do município, seguindo pela Rodovia Governador Vacilio Boiko — PR-239 (Sentido Sudoeste).
do Bugre)
Festa em homenagem a São Sebastião realizada anualmente na localidade do Bugre, que reúne cerca de duzentos participantes
Latitude: 28°14’09”S Longitude: 50°04’22”O
PERÍODOS IMPORTANTES
A festa ocorre no período de um dia, durante o domingo mais próximo ao dia 20 de janeiro, que é o dia dedicado em homenagem a São Sebastião.
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211 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
história
A Festa de São Sebastião, na localidade do Bugre, está diretamente relacionada a vivência dos povos escravizados na região da Fazenda Boa Vista. A celebração é a última remanescente de um circuito de festas religiosas que aconteciam no interior da área da Fazenda, em diversos pontos. Conforme relata a Família Carneiro dos Passos (entrevista, 2016), descendente de escravos que viveram na Fazenda Boa Vista, cada família decidia por homenagear um santo de sua devoção — Nossa Senhora do Rosário, São João, São Pedro, São Sebastião, Santo Antônio, São Roque. Também eram realizadas a Festa do Divino, cuja bandeira ainda existe em Jaguariaíva, e a dança de São Gonçalo, que em 2021 voltou a ser encenada.
Muitas histórias e crenças estão relacionadas a estas vivências religiosas. Contam os membros da Família Carneiro dos Passos entrevista, 2016) sobre a tradição da Festa de São João, “[...] a gente... Olha, tem gente que fica aí até arrepiado. Quando acendia a fogueira, que está aquele brasido, os pretos tudo passavam por cima daquele brasido e não queimavam o pé. [...] Mas é que eles tinham muita fé!” Outra crença associada à Festa de São João era que de madrugada a imagem era levada até o rio e cada um experimentava ver a sua sombra na água, aqueles que não vissem a sombra, no outro ano não assistiriam a festa (Família Carneiro dos Passos, entrevista, 2016). Quanto a homenagem a São Sebastião, os festeiros atuais são o casal Aristides Teixeira de Oliveira e Leise de Fátima Oliveira. Aristides herdou a tradição da festa do seu pai, que já havia recebido a incumbência do seu avô,
Essa festa não é de dois, três anos. É festa de tradição. Meu pai morreu com cento e dez anos e essa festa foi do bisavô dele. O nome do meu pai era João [Laureano] Teixeira de Oliveira. Meu avô era Antônio Teixeira de Oliveira. A festa já começou muito antes do meu bisavô. Começou no norte, daí veio vindo, veio vindo e chegou até aqui.
Daí Deus pegou e levou ele, daí ele passou pra mim. Passou a responsabilidade pra mim (Arisitides Teixeira de Oliveira e Leis de Fátima Oliveira, entrevista, 2016).
A festa é realizada no terreno onde fica a residência de Aristides e Leise, onde antigamente funcionava a antiga escola da região. É um sítio que abriga também a casa do casal Amazonas Xavier da Silva (in memoriam) e Maria José Teixeira de Oliveira, pais de Leise, para quem a “casa do sítio” sempre foi a referência do lar (Amazonas Xavier da Silva e Maria José Teixeira de Oliveira, entrevista, 2015).
No local foi construída uma pequena capela, com um altar onde ficam algumas imagens de São Sebastião, outros santos e uma foto de São João Batista, de quem o pai de Aristides era devoto. A construção, como existe hoje, foi edificada há uns dez anos, com dinheiro arrecadado nos leilões feitos nas festas com as prendas oferecidas pelos participantes. Conforme Aristides (entrevista, 2016), “[...] antigamente não existia a capela. Acontecia na casa do falecido pai. Saia a festa, tratava de todo mundo”. A festa tem um caráter religioso, mas não é vinculada à instituição da Igreja Católica. Seu Aristides afirma que antigamente os padres não compareciam à festa.
história história
Em 2016, a presença de dois Ministros da Eucaristia para a realização da missa garantiu a participação e, em anos posteriores, a presença do pároco de Arapoti foi mais constante. Desde antigamente já havia a procissão no campo, como é realizada até os dias de hoje. A imagem de São Sebastião, o festeiro, é levada em um pequeno andaime. No trajeto, cantos e rezas são invocados e são erguidas bandeiras sobre os mastros, em dois locais distintos, sendo o momento comemorado com fogos de artifício. Outro ponto forte é o momento do leilão, realizado na parte final da festa. A prática do leilão é recorrente em festas religiosas, na região de Arapoti, sendo uma tradição em diversos contextos. Na Festa de São Sebastião, esse evento é organizado pelos irmãos de Aristides. Alguns participantes doam prendas, que figuram desde novilhos e leitões até garrafas de bebida alcoólica, panelas e alimentos não perecíveis, que são arrematados pelos demais participantes.
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HISTÓRIA
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Significados
A festa representa um momento de encontro e conexão familiar e comunitária, vinculando as vivências atuais com as memórias mais remotas dos antepassados. É nessa ocasião que são externadas crenças e tradições que passam de geração para geração. Segundo Aristides (entrevista, 2016), São Sebastião foi escolhido como padroeiro por ter sido um homem guerreiro, que defendeu Jesus. Também evoca a crença ao Profeta São João Maria, de quem o pai era devoto. A festa é também o momento de expressar gratidão. Segundo Nelson Carneiro dos Passos, os fiéis levam as prendas e pedem proteção para São Sebastião. Com a graça do santo, têm seus bens e criações multiplicados, podendo oferecer o dobro no ano seguinte Aristides Teixeira de Oliveira e Leis de Fátima Oliveira, entrevista, 2016).
DESCRIÇÃO
Programação
Os participantes começam a chegar cedo ao local da festa. A primeira atividade realizada é o culto que, em 2016, se iniciou por volta das onze horas e foi conduzido por dois Ministros da Eucaristia da Paróquia de São João Batista. O churrasco, preparado desde o dia anterior, é vendido e servido, na sequência. Os convidados compram alimentos vendidos na festa e mesclam com outros pratos trazidos de casa. Há mesas e bancos espalhados pelas áreas sombreadas embaixo das árvores, nas quais famílias e amigos se reúnem para fazer a refeição. Por volta das quinze horas, inicia-se a reza do terço, conduzida pela comunidade no interior da capelinha. Ao fim do terço, inicia-se a procissão, quando a imagem mais antiga de São Sebastião é colocada no andor e levada para percorrer o terreno juntamente com a bandeira do Divino Espírito Santo. Nesse momento, os fiéis rezam e cantam músicas em louvor.
Durante a procissão, são realizadas paradas, onde são erguidos os mastros com as bandeiras do santo e fogos de artifício são acionados. Ao final, a imagem retorna para a capela. Depois dos atos religiosos, os participantes permanecem no local, e no fim
da tarde é feito o leilão, com diversas prendas como porcos, novilhos, bebidas, frutas e utensílios domésticos. Após o leilão, os convidados começam a deixar o local.
Pessoas envolvidas
Os principais envolvidos na organização de festa são o casal Aristides Teixeira de Oliveira e Leise de Fátima Oliveira. Outros familiares — filhos, irmãos, cunhados, primos, além de amigos — também contribuem na preparação. Segundo Aristides entrevista, 2016), antigamente a organização envolvia muita gente, mas agora está mais restrita aos donos da casa. No dia da festa, vêm para participar moradores da região, fiéis de São Sebastião e familiares e conhecidos dos festeiros, tanto de Arapoti como também de outras cidades.
Comidas e Bebidas
A comida sempre foi um elemento importante das festas religiosas vinculadas à Fazenda Boa Vista, desde antigamente. “Dependendo das possibilidades do festeiro ou das doações, eram feitos aqueles “panelão” de feijão com arroz, quirera, carne de porco, e tudo comia. Comia à vontade, até ter barriga” (Arisitides Teixeira de Oliveira e Leis de Fátima Oliveira, entrevista, 2016). Também havia o costume de fazer pães caseiros, sendo que os festeiros sempre tinham fornos de barro em casa para a preparação. Atualmente, o principal alimento é o churrasco. Também são vendidos espetinhos, pães franceses, maionese, salgados, doces e bebidas. É comum que os participantes levem de casa outros acompanhamentos complementares.
Expressões orais
Como dito anteriormente, é realizado um culto na capelinha, que é orientado pelo padre ou pelos ministros da igreja. Após o almoço, é rezado o terço, pelos próprios participantes da festa. Durante a procissão, os fiéis também cantam e fazem orações. Os atos são realizados por todos os participantes, sem haver funções específicas para diferentes pessoas. Durante o leilão, sempre há um leiloeiro que é responsável por apresentar as prendas, que são trazidas até o local onde estão os convidados, e fazer a mediação dos lances.
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215 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Objetos importantes
Na capelinha estão presentes várias imagens de São Sebastião. A mais antiga, colocada no andor durante a procissão, já pertencia ao avô de Aristides e veio do norte. Além disso há outros objetos, como a bandeira do Senhor Divino e o quadro do profeta João Maria. Durante a procissão, são levantados os mastros com as bandeiras de São Sebastião, que são oferecidas pelos participantes da festa. As bandeiras são pintadas em casa pelos fiéis ou encomendadas de outras pessoas.
Estrutura e recursos necessários
No terreno da casa dos festeiros foi construída a estrutura necessária para a realização da festa, com: barracas em madeira onde são vendidas fichas, alimentos e bebidas, e é assado o churrasco; mesas e bancos, também em madeira, embaixo das árvores onde os participantes fazem a refeição e permanecem. A capela não existia inicialmente e foi construída com o dinheiro arrecadado nas festas, principalmente através do leilão.
Outros bens culturais
relacionados
Como citado, a Festa de São Sebastião fazia parte de um circuito anual de festas religiosas que ocorriam na área da Fazenda Boa Vista, esse lugar que ainda guarda vestígios materiais, como as ruínas da antiga casa sede e o cemitério e reúne em torno de si uma Comunidade Negra Tradicional.
Avaliação
A Festa de São Sebastião continua sendo uma referência para as comunidades ligadas a ela, principalmente descendentes dos povos escravizados que habitaram a Fazenda Boa Vista. É um momento de encontro que mobiliza os participantes, que vêm para a festa tanto de lugares mais afastados como das redondezas. Tanto a parte religiosa quanto a parte festiva apresentam bastante participação e interação dos convidados. Ressalta-se também a importância da festa como remanescente de um calendário amplo de festas rurais e religiosas, que desapareceu ao longo do tempo. Uma fragilidade para que a festa continue vigente no longo prazo é o fato de sua organização depender cada vez mais exclusivamente dos festeiros, sem a participação mais efetiva da comunidade.
RECOMENDAÇÕES
- Incentivar o envolvimento de mais pessoas nos preparativos da festa e na manutenção do lugar.
- Elaborar pesquisa sobre a história das festas da região, em especial da Festa de São Sebastião, reunindo ao máximo documentos, fotografias e informações orais.
- Promover ações de valorização da celebração, considerando a realização de ações educativas e de difusão sobre a história e a cultura vinculada à Fazenda Boa Vista, aos povos escravizados e seus descendentes.
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217 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
FICHA De identificação ANTIGA FÁBRICA DE PAPEL
Considerada uma das primeiras plantas de produção papeleira no Brasil, a Fábrica de Papel de Arapoti começou a funcionar no início da década de 1920 e se transformou em um marco socioeconômico para a cidade. A alta tecnologia importada da Europa e a vastidão dos campos de Araucária, inicialmente, e de pinus posteriormente, davam a dimensão desse grande empreendimento, que produziu toneladas de vários tipos de papel ao longo de aproximadamente 70 anos e encerrou suas atividades na década de 1990, quando foi construída a nova fábrica.
Até as décadas de 1950 e 1960, a estrutura da Fábrica de Papel e da vila onde moravam seus funcionários era maior do que o Distrito de Cachoeirinha (atual Arapoti). Além de toda a estrutura industrial, a vila contava com hospital, escola, igreja, cinema, clube e campo de futebol. Era a referência do esforço pelo trabalho; do lar, para muitas famílias que vieram de outras localidades; de comunidade, que se integrou para superar as dificuldades que a vida apresentava; de lazer, para todos que se dispusessem a frequentar os bailes, as festas, os carnavais, o cinema, as partidas de futebol.
Após o fechamento da Fábrica de Papel, houve uma movimentação em torno da preservação dos edifícios e das máquinas. O processo para o tombamento estadual foi aberto e analisado, porém indeferido. Em 2009, iniciou-se, portanto, a demolição total dos edifícios. Restaram poucos objetos, a máquina de projeção e algumas cadeiras do cinema, fotos e documentos que estão espalhados nos acervos pessoais e familiares.
O intenso vínculo com a vila da Fábrica motivou a criação de uma associação que reúne antigos moradores e funcionários e seus descendentes. O espírito de comunidade e fraternidade que havia na vila transcendeu a existência (ou a inexistência) do lugar, se estabelece por meio de um encontro anual de pessoas ligadas à antiga Fábrica de Papel; também há espaços em redes sociais, com compartilhamento de fotos, imagens, histórias, lembranças, homenagens. Para o restante da cidade, beira a unanimidade a referência a esse lugar de memória.
bens culturais inventariados
Antiga Fábrica de Papel
• Encontro de Antigos Funcionários e Moradores da Fábrica de Papel celebrações
Fotografia: Livro Arapoti: Registro Histórico 218
219 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI
CELEBRAÇÕES
ENCONTRO DOS ANTIGOS FUNCIONÁRIOS E MORADORES DA FÁBRICA DE PAPEL (FÁBRICA MÃE)
Encontro anual de antigos funcionários e moradores da vila da antiga Fábrica de Papel (Fábrica Mãe) de Arapoti. O encontro, vinculado à Associação de Amigos da Fábrica de Papel (ASFAP), acontece no mês de novembro, sendo organizado para acontecer em um dia.
ONDE ESTÁ
Não há um lugar fixo para a realização do encontro, cada ano, é realizado em uma cidade diferente Arapoti, Telêmaco Borba, Ponta Grossa ou Curitiba. Em 2015, o encontro foi realizado em Arapoti, no Salão da Paróquia de Nossa Senhora Aparecida, na Vila Romana. Em 15 de novembro de 2019, o encontro também aconteceu em Arapoti, no salão do Centro Estudantil, na Rua Luiz Pinheiro.
PERÍODOS IMPORTANTES
A celebração ocorre todos os anos no mês de novembro.
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221 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
história
HISTÓRIA
A história do encontro de antigos trabalhadores e moradores está diretamente vinculada à existência da antiga Fábrica de Papel, no atual município de Arapoti, a partir do final da década de 1910.
A Indústria Brasileira de Papel foi um empreendimento ligado à instalação da Southern Brazil Lumber & Colonization na região de Cachoeirinha (hoje Arapoti), sendo fundada em 1921, na área da Fazenda Barra Mansa, sob o comando de Luiz Tavares Pereira (CAVALCANTI, 1934). Inicialmente, eram fabricados os papelões branco e couro, que, com grande aceitação no mercado nacional, impulsionaram a aquisição de novos equipamentos, em 1928, passando a produzir e comercializar novos tipos de papel baseados, principalmente, no aproveitamento do pinheiro do Paraná.
No dia 3 de julho de 1934, foi inaugurada a fábrica de celulose, complementar à planta de produção do papel, denotando uma maior independência com relação aos produtos antes importados. Com a presença do Interventor Federal Manoel Ribas e demais autoridades vinculadas à Rede de Viação Paraná-Santa Catharina e ao universo político local, Fritz Arnold, diretor da fábrica, “apresentou e explicou minuciosamente o complicado systema de machinas e as múltiplas operações necessárias no fabrico do papel” (CAVALCANTI, 1934).
Nessa época, a fábrica atingiu um número aproximado de 400 operários, que possuíam casas disponibilizadas pela empresa, dotadas de iluminação, visto que o complexo industrial era alimentado por duas usinas hidrelétricas, movidas pelo Rio das Cinzas e pelo Rio Cachoeirinha.
Conforme Trindade (1948 apud PMA, 1995), a Fazenda Barra Mansa possuía 3273 alqueires de campos e matas, de onde [em 1948] eram extraídos os 220 metros de lenha que a Fábrica consumia diariamente. Além da exploração do pinheiro do Paraná, já havia, desde a década de 1930, a preocupação com a previsão da matéria-prima, sendo a floresta original gradativamente substituída pela plantação extensiva de eucalipto.
Na década de 1940, a Indústria foi incorporada ao patrimônio do Governo Federal, tendo então, como diretor, o Coronel Themístocles Cordeiro de Melo. Em sua gestão, tanto a fábrica quanto o povoado local conquistaram diversas melhorias: novas casas, escola pública, hospital, farmácia, olaria, cinema e água encanada. A companhia preocupavase ainda com a recreação dos funcionários, para a qual
[...] existe um clube onde praticam desportos em geral, além de proporcionar alegres reuniões sociais. Este clube possui uma biblioteca com os melhores autores contemporâneos. Conta com uma bem afinada banda de música com 18 figuras. Possui também um magnífico ‘jazz-band’ (TRINDADE, 1948 apud PMA, 1995).
história história
A existência dessa estrutura extrapolava a vivência dos funcionários e seus familiares, o cinema era um atrativo semanal para os moradores de Cachoeirinha; o hospital era utilizado por pessoas da região em casos graves; e o Guarani Esporte Clube se tornou famoso na região como o “Leão do Norte”.
Nesse ambiente comunitário, a produção não parava, e a Fábrica de Papel se tornava cada vez mais importante para a localidade e para a região. Em meados da década de 1940, foi solicitada, junto à diretoria da Rede Ferroviária, a construção de um ramal para a estrada de ferro, conectando diretamente a fábrica de papel até a Estação Cachoeirinha. O pedido foi autorizado e, já em 1950, a produção era transportada através dos sete mil e quinhentos metros que conectavam as duas localidades (TRINDADE, 1948 apud PMA, 1995).
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Fotografia: Livro Arapoti: Registro Histórico
223 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Em 1949, a Indústria entrou em concorrência pública, sendo adquirida pelo grupo Lupion. Desde então, passou por diversas mãos, sendo então finalmente fechada no final da década de 1990, quando a sua forma de manufatura manual já havia sido superada por tecnologias mais modernas na produção do papel, pois, conforme Antônio Alves,
[...] na Fábrica Mãe, diferentemente das indústrias modernas, tudo era manual. Aqui se via desde o início: da madeira sendo picada, o cozimento para celulose, os desfibradores [com motores ainda de pedra feitos à mão em Jaguariaíva , hidráulico], então tudo manual. Celulose, a fabricação nossa mesmo, não era branqueado, mas saía semibranqueado. Fazia esses rolinhos de 10 quilos. Tinha que cortar no machado e jogar para desfibrar (Antonio Alves, entrevista, 2016).
No ano de 2004, a Prefeitura Municipal de Arapoti e Emiliano Carneiro Klüppel solicitaram ao Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (CEPHA), vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, o tombamento da antiga fábrica de papel, sendo anexado ao processo um abaixo assinado composto de 1577 assinaturas de moradores do município em favor da preservação (CEPHA, Processo de Tombamento 01/2004).
O processo foi iniciado com os seus devidos trâmites, incluindo a comunicação para a empresa proprietária sobre a necessidade de comunicação à Coordenadoria do Patrimônio Cultural (CPC) de qualquer intervenção a ser realizada no edifício e no maquinário existente. Em 2007, a Stora Enzo Indústria de Papel Ltda., responsável pela antiga estrutura, comunicou à instituição estadual casos de invasão e depredação do local, inclusive com riscos de acidentes. Nesse momento, a Secretaria do Estado da Cultura tentou, sem sucesso, articular a realização dos levantamentos necessários para complementar a instrução do Processo de Tombamento. Uma vistoria é realizada em 14 de agosto de 2008, da qual resulta um laudo técnico desanimador:
Situação Atual O quadro encontrado é desolador. Todas as instalações (edifícios e equipamentos), embora existindo vigilância, vêm sofrendo depredação. O maquinário vem sendo destruído e parte de um dos edifícios foi recentemente incendiado (CEPHA, Processo de Tombamento 01/2004).
Diante desse quadro e argumentando sobre a distância e o isolamento do sítio para qualquer atividade sustentável e sobre o montante de investimentos necessários para a restauração, manutenção e conservação do conjunto edificado, o CEPHA definiu pelo arquivamento do pedido de tombamento. No Parecer aprovado na 136ª Reunião do CEPHA, há a recomendação de que a empresa responsável por aquele patrimônio crie, na cidade, um espaço destinado à memória da Fábrica de Papel, transportando peças de valor significativo para o local (CEPHA, Processo de Tombamento 01/2004). A recomendação não foi considerada, as peças se dispersaram, há a notícia que algumas foram levadas para o exterior e, em 2010, a estrutura foi totalmente demolida.
Nesse ínterim, foi construído um novo complexo industrial para a fabricação de papel, nas proximidades da área da antiga Fábrica de Papel. Com essa nova estrutura, os antigos funcionários e moradores começaram a chamar a antiga estrutura de Fábrica Mãe, nome que se estabeleceu para diferenciá-las e acabou se tornando um apelido carinhoso, compartilhado por todos. Desse universo, restaram alguns objetos que se encontram no acervo da Casa da Cultura Memorial Capão Bonito; muitos registros fotográficos e audiovisuais espalhados nos contextos familiares e, mais recentemente, compartilhados nas redes sociais; memórias, histórias e amizades.
Conforme Antônio Alves, o encontro dos antigos funcionários e moradores das vilas começou a ser realizado anteriormente ao fechamento da Fábrica de Papel. No contexto da Fábrica e da vila, havia muitas celebrações durante o ano, sendo uma das principais a comemoração do dia 1º de maio, Dia do Trabalho. Também havia celebrações religiosas, visto que existiam duas igrejas católicas na localidade. Portanto, o espírito comunitário e a vontade de se reunir transcendeu a existência do local.
Em 2004, foi criada a Associação de Amigos da Fábrica de Papel (ASFAP), provavelmente no contexto de luta pela preservação da estrutura física da antiga Fábrica de Papel. Atualmente a ASFAP é responsável pela organização do evento. Sabe-se que em 2008 o encontro foi realizado em Ponta Grossa, em 2009, em Curitiba, em 2010 em Telêmaco Borba, em 2011, em Arapoti. Em 2015 e em 2019, a reunião aconteceu em Arapoti.
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A Fábrica de Papel é uma referência para o município de Arapoti. Sua função estratégica na produção de papel, seu crescimento e desenvolvimento econômicos colocaram a localidade de Cachoeirinha, e posteriormente Arapoti, em evidência no cenário regional e até nacional. Nesse sentido, ter a Fábrica de Papel em seu território é motivo de orgulho para os moradores locais, que relacionam a sua existência a um tempo de prosperidade, modernidade e progresso.
Além da estrutura industrial e da importância para a economia local, a Fábrica de Papel era a referência de cidade. Era um grande povoado. Era para lá que as pessoas se dirigiam caso necessitassem de um hospital, as casas de comércio eram mais abastadas, e opções de lazer, como o cinema, as festas, os bailes e os jogos de futebol atraíam um público diverso.
Para além do público externo, a vivência na vila da Fábrica, habitada por aproximadamente 500 famílias, estabeleceu laços e tramas relacionais que se perpetuam até os dias de hoje. O lugar é referência de nascimentos, mortes, casamentos, amizades que transcendem o passar do tempo e a existência da localidade. Como cita Antônio Alves, que nasceu, se criou e se casou na vila, trabalhou no cinema e na linha de produção de papel desde prensista a gerente de produção:
[...] é porque na realidade ali o vínculo que tinham os moradores da Fábrica Mãe era como se fosse uma irmandade. Todo mundo conhecia todo mundo. A Fábrica não tinha assim ruas com nomes em placa, mas todas as ruas tinham nome (Antônio Alves, entrevista, 2016).
Esse espírito de irmandade é compartilhado até os dias de hoje e é o que impulsiona a realização do encontro anual e da criação de páginas na internet e em redes sociais nas quais são compartilhadas imagens, histórias e informações sobre as pessoas que
vivenciaram o local. As manifestações são frequentes e dão a dimensão da importância daquele lugar, que emana um sentido memorial. O encontro anual é, portanto, o momento de reforçar os vínculos e o espírito de irmandade e amizade que conecta o grupo.
A conexão é forte. Em vários momentos da pesquisa foi possível constatar, nas interlocuções, que são facilmente reconhecidas pessoas e famílias que viveram e trabalharam na Fábrica de Papel ou sentem orgulho de relatar que vivenciaram aquele lugar.
A noção de referência histórica também é amplamente compartilhada pela população de Arapoti. A grande maioria dos interlocutores demonstrou indignação com a demolição total da estrutura, revelando um sentido de perda de uma parte importante da história da cidade. A demolição da estrutura da Fábrica significou também a perda de uma batalha pela preservação da história e da memória local, conforme a fala da arquiteta Silvia Nakano, que cita a falta de motivação para preservar outros edifícios importantes, como a antiga Estação Ferroviária. Ela acha que
[...] um pouco desmotivou [a demolição da fábrica] realmente nessa questão histórica, de não ter recebido um incentivo que precisava. Por que preservar a história? (Sílvia Tieko Nakano, entrevista, 2016).
DESCRIÇÃO
Programação
Os participantes chegam até os locais do evento de maneira individual ou se organizam para irem em grupos, em ônibus locados. Em 2019, a festividade se iniciou na parte da manhã, quando foi servido o café da manhã e se estendeu por todo o dia, com almoço, apresentações musicais, sorteio de brindes e homenagens.
Pessoas envolvidas
Em Arapoti, os responsáveis pela confraternização no ano de 2019 foram o casal Antônio Alves e Joanete da Silva Alves. Muitas pessoas se envolveram para a preparação do local e dos alimentos servidos durante a comemoração. O grupo participante do evento é normalmente formado por antigos trabalhadores e moradores da vila da Fábrica e seus descendentes.
Comidas e Bebidas
A confraternização sempre inclui a realização de refeições conjuntas, como almoços, cafés ou jantares, mas não há uma comida ou bebida preparada especificamente para a ocasião. Em 2019, no período da manhã, foram servidos café com leite e sanduíche; no almoço, foram servidos carne e frango assado, farofa, maionese, arroz e salada.
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Fotografia: Livro Arapoti: Registro Histórico
227 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
Estrutura e recursos necessários
Na cidade sede, é necessário providenciar um local adequado, com espaço para abrigar os participantes, como um salão de festas, por exemplo. Em 2019, o encontro reuniu aproximadamente 400 pessoas. Para a realização do evento, são vendidos convites que, em 2019, custaram R$30,00. O dinheiro arrecadado é utilizado para a elaboração das refeições e para a compra de prendas que farão parte das brincadeiras.
Outros bens culturais relacionados
A celebração está fortemente vinculada à vivência na antiga Fábrica de Papel e na vila construída para os funcionários e suas famílias. Atualmente, existem no acervo da Casa da Cultura Memorial Capão Bonito alguns móveis e objetos que remetem a Fábrica de Papel, entre eles o projetor e algumas cadeiras do cinema e troféus do time Guarani Esporte Clube.
Avaliação
A comemoração é uma referência amplamente compartilhada para um grupo de pessoas que teve sua vida vinculada à Fábrica de Papel, antigos funcionários, moradores e descendentes dispostos a alimentar as histórias e memórias desse momento ainda muito presente no cotidiano da cidade. A existência de uma associação formalizada comprometida com a continuidade da realização do evento corrobora para a valorização desse bem cultural, assim como o compartilhamento de informações em redes sociais.
Além disso, a antiga Fábrica de Papel foi uma referência econômica e urbana importante no município de Arapoti, portanto o sentido de patrimônio histórico é reconhecido por grande parte da população ainda atualmente. Porém, apesar do amplo reconhecimento, a frustração pela não preservação de sua estrutura física gerou, na população local, um sentimento de impotência diante da vontade de preservar a história e a memória do município.
A existência de poucos registros reunidos sobre a história e a memória da antiga Fábrica de Papel e a vila documentos, fotografias, registros audiovisuais, entre outros também corrobora para a dispersão e a perda gradativa das informações, que se encontram nos contextos familiares, que ao longo do tempo vão se transformando.
RECOMENDAÇÕES
- Fortalecimento da Associação dos Amigos da Fábrica de Papel, visando manter a realização do evento e a congregação dos participantes.
- Realização de registro de informações sobre os encontros já realizados, com a reunião de fotos e registros audiovisuais feitos pelos participantes.
- Estruturação de um projeto cultural que abranja a preservação e valorização da história e das memórias vinculadas à antiga Fábrica de Papel, considerando a reunião de documentos, fotos e registros orais. O projeto pode ser elaborado em um convênio entre órgãos e instituições públicas e a Associação dos Amigos da Fábrica de Papel.
Fotografia: Livro Arapoti: Registro Histórico 228
229 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
FICHA De IMIGRAÇÃOidentificação HOLANDESA
Os imigrantes holandeses chegaram a Arapoti no início da década de 1960, em um processo que envolveu a implantação da Cooperativa de Imigração, fundada em 1957 pelas colônias holandesas já instaladas em Carambeí e Castro que precisavam expandir seu campo de ação.
A Cooperativa de Imigração foi criada com o intuito de implantar algumas novas colônias, mas a experiência da Colônia Holandesa de Arapoti foi a última.
Na área da Fazenda Bela Manhã, de propriedade de Rivadávia Menarim, nas proximidades do Distrito de Cachoeirinha (atual Arapoti), foram delimitadas as propriedades que receberiam as famílias que passariam a produzir o leite para alimentar a cadeia produtiva da Cooperativa Agropecuária Arapoti Ltda. (Capal), que se associou posteriormente à Cooperativa Central de Laticínios do Paraná Ltda. (CCLP).
Para a nova vida, as famílias vieram de navio, desembarcaram em Santos e/ou no Rio de Janeiro e seguiram até as suas propriedades em ônibus; os pertences, inseridos nos contêineres, chegaram em caminhões. Eles se instalaram nas áreas que se convencionou chamar de “lombas”. Quando chegaram, conforme o acordo, as casas deveriam estar prontas para ser ocupadas, o que não aconteceu em cem por cento dos casos.
A decepção inicial com a localidade, que se apresentava mais rústica do que o lugar de origem foi superada, conforme sua concepção, com a união das famílias em torno do desenvolvimento da cooperativa, do
comprometimento com os preceitos e ritos da religião e com o compromisso com o ensino formal, por meio da implantação da escola. Algumas famílias não se adaptaram e voltaram para o país de origem.
A centralidade urbana dos imigrantes holandeses se estabeleceu na Vila Evangélica. Nesse bairro foram implantadas a escola, a igreja e a fábrica de queijo, simbolizando e materializando o tripé cooperativa, igreja e escola, que foram basilares no processo de desenvolvimento da colônia. Esse lugar mantém elementos que convergem as ações da colônia, que atualmente, mais permeável com os aspectos externos, se consolidou como uma experiência bem sucedida.
A história dos imigrantes, da Colônia Holandesa de Arapoti e das cooperativas agropecuária e de eletrificação estão contadas no Museu do Imigrante Holandês, implantado no antigo edifício da fábrica de queijo. O acervo remete à vinda e à vivência na colônia, apresentando a forma de organização democrática, em comissões, momentos cotidianos e datas excepcionais.
bens culturais inventariados Imigração Holandesa
• Vila Evangélica e Lombas Lugares
OBJETOS
• Acervo do Museu da Imigração Holandesa
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231 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI
Louw Droog recebe o leite da Fábrica. Fotografia: Acervo Museu do Imigrante Holandês
LUGARES
COLÔNIA HOLANDESA DE ARAPOTI
VILA EVANGÉLICA E LOMBAS
Núcleo de instalação dos imigrantes holandeses em Arapoti. Inclui tanto a área urbana como os terrenos rurais.
ONDE ESTÁ
O bairro denominado Vila Evangélica se localiza na porção sudoeste do perímetro urbano de Arapoti, tendo como acesso principal a Rua Adrian J. Davidse. As propriedades rurais de cada família estão localizadas nas “lombas” (divisões territoriais que se configuram a partir de um acesso principal e da disposição bilateral dos terrenos, com frente voltada para esse acesso), cujas primeiras se situam ao longo da Rodovia Vacílio Boiko PR-239, sentido sudoeste.
Bairro Vila Evangélica / Acesso — Rua Adrian J. Davidse
Latitude: 24°09’25”S Longitude: 49°49’53”O (Referência: Escola)
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PERÍODOS IMPORTANTES
É o local de moradia e trabalho dos colonos holandeses e de seus descendentes, com atividades ocorrendo ao longo de todo o ano.
Alguns períodos importantes são:
- Expoleite Arapoti – Exposição de gado leiteiro da Capal, que ocorre na metade do ano.
- Dia de São Nicolau (6 de dezembro)
- Dia do Rei/Rainha da Holanda (Final de abril)
- Gincana (1º de maio ou 2 de novembro)
HISTÓRIA
As colônias holandesas implantadas nos municípios paranaenses de Carambeí (desde 1911) e Castro (desde 1951) decidiram fundar, em 1957, a Cooperativa de Imigração, visando o atendimento as novas demandas de imigração e a ampliação de suas atividades. A busca por terras férteis e produtivas perpassou os municípios de Piraí do Sul e Ponta Grossa (SALOMONS apud PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAPOTI, 1995), mas acabou se concretizando em Arapoti, comprando terras de Rivadavia Menarim, por meio de um empréstimo proveniente do Fundo para o Desenvolvimento Internacional (Development Loan Fund) do governo americano (MUSEU DO IMIGRANTE HOLANDÊS, 2010 [Cartaz]).
A colônia foi projetada para receber 60 famílias da Holanda e 40 famílias de Carambeí e Castrolanda. Esse número só foi alcançado em 1994, porque logo nos primeiros anos de implantação da colônia, o interesse pelas emigrações havia diminuído no país de origem e o crescimento somente se concretizou com novas famílias oriundas das famílias que aqui se instalaram (SALOMONS apud PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAPOTI, 1995).
1962. No mês de outubro chegaram as famílias imigrantes Bosch e Davidse no “Centro” (Vila Evangélica)
Fotografia: Acervo Museu do Imigrante Holandês.
história
história
Entre os anos de 1959 e 1960, as outras colônias prepararam as terras e providenciaram a construção das casas para receber os novos moradores. No primeiro semestre de 1960, duas famílias de outras colônias se instalaram no local. O primeiro grupo de imigrantes vindos diretamente da Holanda incluiu sete famílias e três pessoas solteiras e chegou em Arapoti no dia 9 de junho de 1960. A bordo do navio Charles Tellier, saíram da Bélgica, em 21 de maio de 1960, passaram por França, Espanha e Portugal até desembarcarem no Rio de Janeiro, preliminarmente, e definitivamente em Santos, seguindo o trajeto de ônibus até São Paulo e, finalmente até a nova morada, em Arapoti. Conforme Jan Hagen (entrevista, 2016),
[...] chegamos aqui [na Vila Evangélica] e aqui tinha uma casa de fazenda – hoje não tem mais, porque foi construída outra casa [...] mas fomos recebidos por gente de Castrolanda que estava esperando nós com café e pão.
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[...] A nossa casa estava pronta já. Na segunda lomba. Mas tinha algumas famílias que suas casas não estavam prontas ainda. Uma família ficou junto conosco por uma semana, até terminar a casa deles. E tinha duas famílias que ficaram aqui na casa da fazenda.
Nos anos seguintes, continuaram chegando grupos pequenos da Holanda e famílias isoladas das outras colônias. Um dos principais motivos que levou os imigrantes a virem para o Brasil foi o fato de na Holanda a terra estar escassa e seu preço estar muito acima das possibilidades dos pequenos agricultores. Como a maioria das famílias era grande, apenas uma chácara não era suficiente para sustentar todos. Eles viram na imigração a oportunidade do desenvolvimento familiar completo.
Os imigrantes trouxeram consigo sua mudança completa, não sabiam a realidade que encontrariam. Trouxeram desde utensílios domésticos básicos, roupas e alimentos, até tratores, máquinas e ferramentas para o trabalho. Para Arapoti, algumas famílias trouxeram uma ou duas vacas leiteiras. O valor monetário que possuíam serviu para se instalarem e pagarem sua cota na cooperativa fundada – Cooperativa Agropecuária de Arapoti Ltda. (Capal).
Apesar de experientes no setor agropecuário, foi penosa a adaptação de sua produção ao solo e ao clima brasileiro. Em Arapoti, durante os doze anos iniciais, contaram com a ajuda de outros colonos e com a consultoria de engenheiros agrônomos disponibilizados pelo governo holandês. Ao longo do tempo, foi priorizada a produção de leite. A Capal se associou, em 1961, à Cooperativa Central de Laticínios do Paraná Ltda., fundando, em 1963 uma fábrica de laticínios em Arapoti, que ficou conhecida como “fábrica de queijo”, no local onde atualmente está o Museu do Imigrante Holandês.
A Colônia Holandesa de Arapoti reuniu unicamente famílias participantes da mesma religião, vinculadas à Igreja Protestante Reformada. No dia 12 de junho de 1960, foi realizado o primeiro culto, num local provisório, sendo mais tarde construída uma edificação de madeira que era utilizada conjuntamente para a igreja, a escola e para a realização de reuniões. Em 1966, foi construído um edifício exclusivo, em alvenaria (ainda existente) e, em 1991, foi inaugurado o edifício do atual templo.
A escola, que nos primeiros tempos funcionou provisoriamente no mesmo lugar onde eram realizados os cultos, tinha como professoras Anny Salomons e, mais tarde, Rolindes. A escola em madeira foi ampliada de duas para quatro salas, e certo tempo depois foi substituída por uma edificação em alvenaria, construída pelo governo. Ao longo dos anos, a Colônia Holandesa se encarregou de construir o jardim de infância e outro local para aulas, devido à necessidade de mais espaço (SALOMONS apud PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAPOTI, 1995).
No universo da Colônia Holandesa de Arapoti, é unânime a noção de sua estruturação a partir do tripé cooperativa, igreja e escola, que foram os elementos basilares para o desenvolvimento do grupo e sua conexão com a realidade local.
Fotografia: Acervo Comissão Cultural
Maquete no Museu do Imigrante
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Chegada dos imigrantes holandeses em Arapoti.
da Colônia Holandesa
Nem só de trabalho vive o homem. Natação e piqueniques quebram a rotina e adoçam a vida.
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Holandês
A Cooperativa Agropecuária de Arapoti Ltda., elemento propulsor do desenvolvimento econômico da Colônia, foi fundada em 19 de setembro de 1960, e todos os 21 sócios tinham nacionalidade holandesa. Em 1966, eram cinquenta e cinco associados, dos quais cinco eram brasileiros. Em 1984, a cooperativa possuía duzentos e cinquenta sócios no total. A partir do ano de 1973 houve uma maior integração quando dois associados brasileiros foram eleitos como membros da Diretoria, e a língua portuguesa passou a ser a língua falada nas reuniões. (PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAPOTI, 1995).
A língua foi uma das principais barreiras encontradas pelos imigrantes para estabelecer contatos e conexões em Arapoti. Algumas pessoas mais velhas desistiram de tentar aprender, as crianças e jovens, por meio da escola, foram aos poucos descobrindo e se adaptando com a nova língua e ajudando nas tarefas do cotidiano da casa e da cooperativa. Conforme conta Teuntje Elgersma (entrevista, 2016), que chegou ao Brasil em 1962, com doze anos, as aulas eram
[...] um pouco em holandês, mas um pouco em português tinha que aprender, mas era muito difícil. A gente tinha que estudar folhas e folhas de pontos que falavam naquele tempo, e nem sabia o que tava... significava. Era muito difícil. [...] A gente tinha que decorar esses pontos.
Depois de aprenderem um pouco, os pais começaram a mandar os filhos para cidade para comprar as coisas de casa e da cooperativa Elgersma, entrevista, 2016). Assim, a adaptação foi crescente, assim como a integração com o município. Antes, bastante restritos ao convívio social e cultural da Colônia, atualmente se conectam com grupos diversos. Nas interlocuções, citam como exemplos a maioria de estudantes “brasileiros” matriculados na escola da Colônia Holandesa; o cada vez mais frequente casamento entre “brasileiros” e descendentes de holandeses; e a participação cada vez maior de pessoas externas na sua religião Jan Voorluis e Lustiena Voorluis, entrevista, 2016). Além da língua, a alimentação também foi fator de estranhamento. Para quem estava acostumado a uma alimentação a base de batatas, com pratos tradicionais como o stamppot (batata amassada, purê), foi difícil se adaptar ao feijão e arroz, que imperava em solo brasileiro.
Outro fator que traduz a dificuldade inicial de adaptação foi a ausência de luz elétrica na área rural de Arapoti. A maioria das famílias que vieram da Holanda morava em cidades e regiões que possuíam a infraestrutura completa. As casas eram servidas de energia e água encanada. Em Arapoti, nada disso existia. Conforme Teuntje Elgersma (entrevista, 2016) “eles colocaram um carneiro, carneiro comunitário, lá na quarta lomba. Eles tinham aquelas caixas grandes, que era o reservatório, e o carneiro bombava a água para a caixa e a caixa, ela... Como tava no alto, ela botava água [...] nas casas”. A luz elétrica chegou no final da década de 1960, quando o governo brasileiro passou a incentivar a eletrificação rural por meio da formação de cooperativas. Assim, a Capal apresentou um projeto e constituiu a Cooperativa de Eletrificação Rural de Arapoti Ltda. (Ceral), em 1968, sendo propulsora da chegada da energia elétrica em diversos contextos rurais do município (MUSEU DO IMIGRANTE HOLANDÊS, 2010).
Atualmente, as duas Cooperativas são referências de desenvolvimento econômico no município e na região. Até a década de 1970, o leite era o produto de exploração básica da maioria dos produtores da Colônia, depois foram introduzidos os suínos, frangos, trigo e soja e mais tarde o milho e o feijão. As propriedades vinculadas à Capal não se restringem mais à configuração territorial das “lombas”. No senso comum, os holandeses se espalharam por todo o território do município, sendo referência na agricultura e produção de leite.
Significados
Esse complexo de lugares que se estabeleceu a partir da Colônia Holandesa de Arapoti gera uma amplitude de sentidos e significados para os holandeses e seus descendentes que se expande para o município. O lugar da Vila Evangélica e as propriedades rurais materializam, para as gerações mais antigas, a grande empreitada que foi a imigração para o Brasil e a sobrevivência e adaptação em uma cultura tão distinta. A Vila Evangélica é compreendida como uma centralidade que reúne os três elementos basilares que mantiveram a união da Colônia a escola, a igreja e a cooperativa, representada pelo edifício da antiga “fábrica de queijo” (onde se encontra o Museu).
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Para as gerações mais novas de descendentes, como o casal Lustiena e Jan Voorluis entrevista, 2016), o local ainda tem uma importância singular no seu cotidiano, pois participam ativamente desses três ambientes. Dizem que enquanto tiverem sua lavoura e a cooperativa não se mudarão, mas presumem que seus filhos, caso não queiram seguir em profissões vinculadas à agricultura ou à pecuária, terão que ir para outros lugares buscar novas oportunidades. Dessa forma, para eles, a relação que os colonos têm com a terra e a permanência da colônia no tempo é condicionada a sua ligação com esse lugar específico, tanto na área mais urbanizada como na área rural.
O significado cooperativista também é relevante, diferencial na integração da Colônia, sendo quase obrigatória a tomada de decisões e solução dos problemas conjuntos. No âmbito do município, os holandeses ainda são vistos como um grupo fechado, restrito às suas convivências sociais, culturais e religiosas, apesar das muitas aberturas e formas de integração que se estabeleceram ao longo do tempo. Pelo viés econômico, prevalece a opinião de que são um grupo bem-sucedido que contribuiu muito para o desenvolvimento do município.
DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
Todos os imigrantes holandeses e seus descendentes estão fortemente vinculados aos lugares de implantação da Colônia Holandesa. Para manter o espírito colaborativo, desde o início da formação da Colônia, há a formação de comissões e associações destinadas a organizar a vida social e comunitária, principalmente vinculados a escola e a igreja. No Museu do Imigrante Holandês, há uma representação com a descrição do nome de alguns desses grupos que envolvem homens, mulheres, jovens. Entre os grupos atuais, se configuram a Comissão Cultural, o Conselho da Igreja, a Diretoria da Escola, o Grupo de Jovens, entre outras.
A participação é voluntária e normalmente segue um sistema de rodízio, que visa à participação do maior número possível de pessoas. No bairro, moram majoritariamente famílias de origem e descendência holandesa, porém não há regras que proíbam a compra e venda de terrenos e imóveis por pessoas não vinculadas à Colônia. Entretanto, quase não há terrenos disponíveis para novos residentes. As Cooperativas Capal e Ceral se tornaram empreendimentos de grande porte e envolvem a participação e a integração de muitos agentes, funcionários, associados, que fazem parte de uma extensa cadeia produtiva.
Elementos naturais
Na área da Vila Evangélica, há a conformação de um bairro residencial arborizado, com terrenos amplos e uma amplitude visual para as áreas rurais e para a Capal e o Parque de Exposições. Na área das propriedades rurais, a divisão territorial que conforma as “lombas” se caracteriza por um ambiente agrícola, mesclado a edificações residenciais, e aquelas que servem como depósito ou se destinam à pecuária e à produção de leite.
Vestígios
As áreas onde foram implantadas a Vila Evangélica e as “lombas” eram antigas fazendas da região, como a Fazenda Bela Manhã, Fazenda do Tigre e Fazenda Nova Esperança.
Segundo Jan Hagen (entrevista, 2016), quando os holandeses chegaram, havia no local uma casa de fazenda, que ocuparam inicialmente. De acordo com ele, essa casa não era muito grande e abrigou duas famílias no início. Depois, foi ocupada por dois pastores e, por fim, demolida (Jan Hagen, entrevista, 2016)
Elementos construídos
Quando os holandeses chegaram, na década de 1960, já havia algumas casas prontas para recebê-los e outras ainda estavam em construção nas propriedades rurais. Eram residências simples de madeira com duas águas, sendo algumas delas construídas pela empresa M. Lupion & Comp. Ltda. Com o tempo e a prosperidade dos colonos, as casas foram sendo substituídas por outras maiores e de melhor qualidade. Hoje predominam casas de alvenaria contemporâneas, sem caracterização específica como casas de imigrantes.
Na Vila Evangélica, as edificações de madeira também predominavam. Inicialmente a igreja e a escola funcionaram em um mesmo edifício provisório. Nos domingos, eram feitos os cultos, e durante a semana, aconteciam as aulas. Em janeiro de 1961, ficaram prontas duas salas da primeira escola, que era de madeira e depois foi ampliada para quatro salas. Mais tarde, foi construída pelo governo a nova escola, agora em alvenaria. Quanto à igreja, a edificação inicial em madeira cumpriu essa função entre 1960 e 1966. Uma edificação de maiores proporções, em alvenaria e arquitetura sóbria, que ficou conhecida como Igreja do “Trevo”, foi utilizada como templo de 1966 a 1991. Com a inauguração do novo templo, em 1991, esse edifício passou a ser utilizado
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pela escola para reuniões, encontros e apresentações. A igreja atual apresenta uma arquitetura mais elaborada e contemporânea, com campanário separado do corpo principal da edificação. Em 1962, na Vila Evangélica, foi construído o entreposto para recepção de leite, onde também eram fabricados queijos e outros produtos. Com o surgimento das estradas asfaltadas e dos caminhões com tanques refrigeradores, não foi mais necessário deixar o local em funcionamento. Ficou fechado de 1990 até o final de 2004, quando passou a abrigar o “Museu do Imigrante Holandês”. Na área onde está o Museu, há réplicas dos edifícios da primeira escola/igreja, do primeiro escritório da cooperativa e do estábulo para gado leiteiro.
A área das cooperativas Capal e Ceral ocupa a porção sul do perímetro urbano do município, com as entradas principais voltadas para a Rua Saladino de Castro. O conjunto edificado conforma-se em edifícios administrativos e comerciais, além de grandes galpões e silos. O Parque de Exposição Capal, implantado nas proximidades da Vila Evangélica, possui infraestrutura para receber exposições agropecuárias durante a realização da Expoleite. O complexo construído é formado por galpões onde são expostos os animais. Nesse local, há uma réplica de um moinho, típico das paisagens holandesas, que é um símbolo da Colônia Holandesa no município.
Medidas
Núcleo inicial: Aquisição da Fazenda Bela Manhã, de 4.000 ha, que conformou a 1ª Lombra, a 2ª Lomba, a 3º Lomba, a 4º Lomba, a Lagoa e o Rincão. Posteriormente, a colônia aumentou com a aquisição de novas terras: Pisa, 5ª Lomba, 6ª Lomba, Fazenda Nova Esperança e outras terras, compradas diretamente pelos produtores (MUSEU DO IMIGRANTE HOLANDÊS, 2010 [Cartaz]).
Atividades que acontecem no lugar
Expoleite: Exposição de gado leiteiro que acontece desde os primeiros anos da colônia, sendo em 2015 a sua 43ª edição. Além da exposição dos animais, a feira conta com praça de alimentação e apresentações artísticas. Além da Capal, outras cooperativas também participam. Há o Clube de Bezerras, onde os jovens cuidam de uma bezerra durante cerca de seis meses, e durante a exposição competem sobre quem desempenhou o melhor trabalho. Ocorre no Parque de Exposições Capal.
Atividades na Igreja: São realizados dois cultos por domingo. Como ainda há um pastor holandês, há a possibilidade de realizar a celebração na língua natal. Geralmente o culto da noite é em holandês. Em 1° de maio e 15 de novembro, são feitos cultos de ação de graças. Nesses dias, a comunidade se reúne, cada um leva um alimento e doações financeiras. Em algumas datas especiais, como no Ano Novo ou na chegada de um novo pastor, são feitos cafés na igreja.
Comemoração da Páscoa e do Natal: A tradição holandesa é fazer a celebração em dois dias. É feito um culto e às vezes a comunidade reúne-se para tomar um café
depois. A Páscoa e o Natal também são comemorados na escola e em casa. Na Páscoa, a tradição era de os avós pintarem ovos de galinha e depois esconderem para os netos procurarem. É feita uma refeição especial em casa, mas que não é composta necessariamente de pratos típicos.
Dia de São Nicolau: Segundo Jan Hagen entrevista, 2016), antes era comemorado em casa, mas agora as comemorações ocorrem majoritariamente na escola. É o dia onde o personagem de São Nicolau traz presentes para as crianças ou as coloca dentro de um saco, caso tenham se comportado mal durante o ano.
Gincana: Um grupo desenvolve uma rota com coisas para fazer ou descobrir, e os participantes fazem o trajeto de carro (antes iam a cavalo). É realizada no dia 1° de maio ou 2 de novembro.
Olimpíadas Zeskamp: Competição entre as colônias holandesas existentes no Brasil Carambeí, Castrolanda, Arapoti, Holambra I (SP), Holambra II (SP) e Não-Me-Toque (RS).
A cada seis anos, o evento ocorre em Arapoti. Todas as pessoas vinculadas às colônias holandesas podem se inscrever em grupos e participar. Muitos participam somente quando o evento acontece na sua própria cidade, mas há aqueles grupos que viajam todos os anos para prestigiar o evento, principalmente os mais jovens.
Acampamentos: Jan Voorluis entrevista, 2016) comenta que, quando era criança, como as famílias não tinham dinheiro para ir até a praia, costumavam realizar acampamentos na beira do rio. Iam em grupos de aproximadamente dez famílias em uma carreta, montavam uma lona e ficavam no local. Esses acampamentos são realizados até hoje.
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Manutenção
Os espaços públicos, como no restante da cidade, estão sob a responsabilidade da Prefeitura Municipal. Já os ambientes privados, sejam individuais ou coletivos, são mantidos pelos moradores ou suas entidades, como a escola, a igreja e a cooperativa. Nas palavras de Lustiena Voorluis entrevista, 2016):
Uma coisa que eu também vejo, as pessoas falam “Ah os holandeses, eles levam uma vida boa”. Até temos, mas nós sofremos pra ter isso e a gente cuida muito bem do que a gente tem. Nosso bairro é lindo, mas porque a gente cuida. Temos a jardim, a gente cuida. Cata o lixo, isso aprendemos dos nossos pais.
Conservação
No geral o local encontra-se bem cuidado, sendo observadas algumas deficiências em questões de infraestrutura, como por exemplo, a manutenção de ruas, estradas e calçadas.
Avaliação
A imigração dos holandeses é um episódio marcante na história de Arapoti e tem uma relação direta com o lugar onde vivem e trabalham. Observa-se que dois fatores principais influenciam diretamente na manutenção do local como uma referência cultural: a relação dos colonos com a agricultura e com o cultivo da terra, que foi sendo passada desde a primeira geração; e o sentido cooperativista, que preza por um desenvolvimento coletivo baseado na união para busca das melhores decisões e condições. Mesmo com a miscigenação, os holandeses e descendentes de holandeses procuram manter o modo de vida e as tradições. Contribui para a preservação da memória a implantação do Museu do Imigrante Holandês. Uma fragilidade para a manutenção do local como uma referência cultural é o possível desinteresse das novas gerações pela história, modo de vida e costumes de seus antepassados, e o êxodo para outras cidades em busca de outros tipos de empregos ou oportunidades.
RECOMENDAÇÕES
- Fortalecimento da cooperativa, incentivo às atividades agropecuárias e à realização da Expoleite.
- Valorização da história e das memórias vinculadas a Colônia Holandesa, com a manutenção do Museu do Imigrante Holandês (Ver Ficha de Identificação Acervo do Museu do Imigrante Holandês).
- Valorização de atividades típicas, culturais e religiosas, como as olimpíadas, a gincana, acampamentos, cultos, celebrações, aprendizado da língua holandesa.
- Valorizar a integração da Colônia Holandesa com o município de Arapoti, relacionando-a com a sua história e com os demais aspectos que conformaram a ocupação e a vivência desse território.
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OBJETOS
ACERVO DO MUSEU DO IMIGRANTE HOLANDÊS (MUSEU DA IMIGRAÇÃO HOLANDESA)
Acervo museológico do Museu do Imigrante Holandês, constituído de peças de mobiliário, objetos, reproduções de fotografias, documentos e mapas, ilustrações, pinturas a óleo, roupas, ferramentas, maquetes, equipamentos eletrônicos oriundos da doação de diversas famílias pertencentes à Colônia Holandesa de Arapoti e da Capal Cooperativa Agropecuária.
ONDE ESTÁ
O Museu do Imigrante Holandês se localiza no edifício da antiga Fábrica e Posto de Refrigeração de Leite da Cooperativa Central de Laticínios do Paraná, na Vila Evangélica, local primordial para a implantação da Colônia Holandesa de Arapoti. Até hoje, o bairro é uma referência de centralidade, onde se localiza a escola, a igreja e, mais recentemente, o museu. Museu do Imigrante Holandês Rua Geert Leffers, s/nº Vila Evangélica Arapoti– PR
Latitude: 24° 9’26.39”S / Longitude: 49°49’53.42”O
PERÍODOS IMPORTANTES
Um dos aspectos que levou a formação do acervo e do espaço expositivo do museu foi a aproximação das comemorações dos 50 anos da imigração holandesa em Arapoti, em 2010.
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HISTÓRIA
A história do Museu do Imigrante Holandês está diretamente vinculada a formação e desenvolvimento da Colônia Holandesa de Arapoti, a partir do início da década de 1960, quando chegaram as primeiras famílias no município.
A consolidação da Colônia e o desenvolvimento da Cooperativa Agropecuária de Arapoti (Capal) são um marco importante para a história da cidade, que já havia recebido outras correntes migratórias no início do século XX, como os poloneses e espanhóis.
A Colônia Holandesa, porém, se desenvolveu de maneira mais fechada, pautando a sua consolidação em instituições basilares, que contavam com a participação quase unânime dos imigrantes, como a igreja, a escola e a cooperativa. Portanto, a forma de organização e a manutenção de uma instituição forte fez com que se mantivesse hábitos culturais, religiosos e visões de mundo que estabeleceram a identidade do grupo. Uma identidade que, na fala dos imigrantes, “não podia se perder, assim [...] o Museu foi construído porque não podemos perder nossas tradições, precisamos mostrar para a sociedade que nossa cultura não pode se perder” (HILBERT KOK, apud CAMARGO; BENATTE, 2014).
Para reforçar as questões identitárias, alguns aspectos deram propulsão para a criação do espaço de exposição: a existência de museus em outras colônias holandesas próximas (Castro e Carambeí), o desuso do edifício que abrigava a fábrica de laticínios e os preparativos para a comemoração do aniversário de 50 anos da imigração holandesa e da cooperativa. Conforme a fala de Teuntje Elgersma (entrevista, 2016):
Com o desenvolvimento, a técnica de leite, de fazer queijo, para fornecer leite refrigerado em tanques, não tinha mais como transportar de bujão. De lata, né [...]. Então eles mandaram fazer... Chegaram em reunião e concordando, que os proprietários têm que arrumar esses tanques de inox, vinha buscar de tanque a granel pra levar pra Carambeí. Direto. [...] Então isso aqui [o edifício] ficou um tempo assim, vazio, abandonado. E daí iam vender, não sei o que lá, daí um grupo de pessoas da colônia se reuniu “não, nós não vamos vender”. [...] Daí eles cederam isso com a promessa que tinha que manter para a cultura. Não pode mudar nada do lado de fora. Só por dentro.
A partir de 2003, algumas pessoas tomaram a iniciativa de fazer algo com a antiga Fábrica. Em agosto, foi formada uma comissão com cinco pessoas para avançar na ideia de criação do museu, do parque histórico e do centro multifuncional, que culminou na fundação, em dezembro de 2004, da Associação do Parque Histórico de Arapoti. O registro oficial contou com um grupo de sócios que contribuiu com pelo menos R$1.000,00 cada para a realização das obras necessárias para a construção e organização dos espaços (MUSEU DO IMIGRANTE HOLANDÊS, 2010).
De um modo geral, as famílias também contribuíram espontaneamente, doando ou emprestando objetos e fotos. Teuntje Elgersma (entrevista, 2016), por exemplo, contribuiu com fotos que faziam parte da coleção de slides de um tio que tinha ficado na Holanda e
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registrou momentos anteriores à vinda da família para o Brasil. Conforme cita, são registros da arrumação da mudança e do envio de animais, que ninguém possuía. Atualmente, fazem parte da Galeria de Fotos do Museu. A estrutura da exposição revela algumas temáticas e eixos importantes para a Colônia Holandesa, destacando as instituições da igreja, da escola e das cooperativas (agrícola e de eletricidade), que possuem uma sala dedicada a contar a sua história. Também há referências as viagens das famílias e ao modo de vida e organização social que se estabeleceu na Colônia. Destaca-se, na sala que apresenta a história da Colônia Holandesa de Arapoti, a maquete da Vila Evangélica, retratando os primeiros anos, as construções e os sistemas de transporte.
O Museu continua em atividade, assim como a biblioteca que existe no local, sob a responsabilidade da Comissão Cultural. Porém, não há estrutura para que permaneça aberto todos os dias, portanto as visitas ao local precisam ser previamente agendadas.
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O intuito principal da formação do acervo museológico é contar a história da imigração holandesa em Arapoti e suas relações com a cidade e com as demais colônias holandesas fixadas no Brasil. A consolidação da Colônia Holandesa de Arapoti e seu desenvolvimento econômico e social são motivo de orgulho para as famílias imigrantes e seus descendentes, que reconhecem a força do trabalho e a organização comunitária e religiosa como os fatores que impulsionaram esse empreendimento. Ao reunir os objetos que fizeram parte da vida dos imigrantes, é possível guardar lembranças e memórias que provavelmente se perderiam ou se espalhariam nos diversos contextos familiares que cresceram, se misturaram e, em alguns casos, se mudaram. É evidente também a vontade de mostrar para as gerações mais novas e deixar registrada para as futuras gerações a saga empreendida pelos que vieram de outro país para se adaptar e crescer em uma região, de certa forma, inóspita e mais atrasada em termos de recursos tecnológicos e urbanos.
DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
O acervo do Museu do Imigrante Holandês está sob a responsabilidade da Comissão Cultural da Colônia Holandesa de Arapoti. Em sua dinâmica de organização, a Colônia sempre utilizou uma estrutura de gestão formada por comissões que administram vários aspectos da vida comunitária. Há comissões ligadas à escola, à igreja, às mulheres, aos jovens, entre outras. Entre o grupo que participou da organização do acervo e do museu estão Koosje Bronkhorst, e Teuntje Johanna Elgersma e Jan Egbert Borg.
Características
O Museu do Imigrante Holandês está implantado em um terreno de aproximadamente 10.000m², que contém o edifício principal, que abrigava a antiga Fábrica, o Posto de Refrigeração de Leite da Cooperativa Central de Laticínios do Paraná e três edificações em madeira que são réplicas dos primeiros edifícios que abrigavam a igreja e a escola, o escritório da cooperativa e uma estrebaria. No edifício principal, há nove salas distintas, sendo o acervo distribuído em três delas: a Galeria de Fotos, a Sala de Exposição da História da Colônia Holandesa e a Sala do Cooperativismo. Na sala que apresenta a história da Colônia Holandesa de Arapoti, há uma parte da exposição que reproduz ambientes de cozinha, quarto e sala, conforme as antigas casas, com objetos doados pelas famílias. Há também a reprodução do container e dos objetos trazidos na viagem para o Brasil, além de uma maquete que representa a área da Vila Evangélica no início da implantação da colônia. Na Sala do Cooperativismo, dotada de mezanino, estão as primeiras máquinas e computadores, além de documentos, mapas, textos e fotografias que contam a história da cooperativa agropecuária Capal e da cooperativa de eletrificação rural Ceral.
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Fotografia: Acervo do Museu do Imigrante Holandês
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Fotografia: Livro Arapoti: Registro Histórico
Nos edifícios que recriam a antiga escola e igreja e o escritório da cooperativa, são reproduzidos os espaços internos, com móveis e objetos da época ou similares. O acervo é bastante diversificado em termos de materiais e dimensões. Todos os objetos expostos possuem legendas em português e holandês, porém não há um inventário que discrimine os itens constantes.
Atividades relacionadas ao objeto
A visitação ao Museu é a forma de interação com os objetos do acervo e dos espaços expositivos, que recebe visitantes mediante agendamento prévio. Em algumas ocasiões, o local recebe eventos e pequenas feiras comunitárias.
Manutenção
A manutenção do Museu do Imigrante Holandês está a cargo da Comissão Cultural da Colônia Holandesa, cujo contato foi estabelecido com Koosje Bronkhorst e Jan Egbert Borg.
Conservação
De um modo geral, os edifícios e o acervo se encontram em bom estado de conservação. Em uma área do edifício principal, foi observada a infiltração de água através do telhado, estando parte da exposição coberta com plásticos.
Avaliação
O Museu do Imigrante Holandês é uma iniciativa comunitária com o intuito de difundir a história da imigração holandesa em Arapoti. Esse caráter comunitário, evidenciado na gestão democrática instituída com a configuração de comissões, foi importante para a consolidação da Colônia e é fundamental no processo de preservação das histórias e memórias vinculadas a ela.
Por outro lado, a ausência de recursos metodológicos da área de museologia restringe o conhecimento sobre a totalidade do acervo, que está somente na memória das pessoas mais antigas ou engajadas com a formação do acervo; e restringe a utilização mais abrangente e diversificada em termos de público. Também é mínima a difusão de informações sobre o espaço expositivo, a localização do acervo, as possibilidades de visitação e as formas de agendamento.
RECOMENDAÇÕES
- Realização de um Plano Museológico que contemple ações de preservação, conservação e valorização do acervo, considerando a realização de pesquisa, a elaboração e atualização da documentação museológica (referente a aquisição, arrolamento, registro ou inventário, classificação, catalogação, pesquisa); a guarda e a exposição adequadas e condizentes com o acervo.
- Adequação do espaço existente, que assegure a guarda e a conservação do acervo, dotando-o de infraestrutura compatível com as características do edifício para a guarda e a exposição do acervo e para recepção de públicos diversos.
- Elaboração de projeto de conservação e adequação dos edifícios, assim como a previsão de manutenção constante dos edifícios e espaços externos.
- Elaboração de projeto museográfico, que promova a valorização do acervo, considerando o caráter interativo com as diversas temáticas e narrativas que compõem a história da Colônia Holandesa e de Arapoti.
- Dinamização das atividades museais, com a permanência do museu aberto com mais frequência e realização de ações educativas que envolvam o acervo, no contexto escolar ou em grupos sociais e comunitários, fomentando um processo dialógico sobre as referências da Colônia Holandesa e sua interação com a cidade.
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253 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
FICHA De identificação
LIVRO – ARAPOTI: REGISTRO HISTÓRICO
Muitos municípios de pequeno porte no Brasil carecem de pesquisas e informações difundidas sobre a sua história, sobre a memória das pessoas e de instituições. Ao mesmo tempo, há muitos exemplos de iniciativas de autores, historiadores ou apaixonados pelas histórias da cidade, que suprem essa carência, compilando informações, dados históricos, fotos e documentos antigos.
despretensiosamente, com o único intuito de registrar a passagem do tempo, as vivências e as referências históricas do município. O viés colaborativo se evidencia na leitura dos textos e nas referências das fotos, tendo a publicação se configurado em um elemento norteador para essa proposta de identificação e inventário.
Sob outro aspecto, ela, por si só, se configurou em uma referência sobre a história da cidade. Em muitas interlocuções realizadas as pessoas citavam a existência do livro, se reconheciam nos contextos apresentados, se sentiam representadas naquela história.
A partir de uma carência similar em Arapoti, foi dado início a uma pesquisa sobre os dados e informações históricas, que resultou em um esforço coletivo e na participação efetiva das pessoas mais antigas da cidade, que emprestaram fotos e documentos de acervos familiares e expuseram a sua biografia e as informações que sabiam bens culturais inventariados
Livro - Arapoti: Registro Histórico
OBJETOS
• Livro - Arapoti: registro histórico
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255 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI
OBJETOS
LIVRO: ARAPOTI – REGISTRO HISTÓRICO
Livro publicado em 1995, organizado pela Prefeitura Municipal de Arapoti em um convênio com a Indústria Brasileira de Papel (Inpacel), que contém informações, dados, depoimentos e fotografias que perfazem um registro histórico do município.
ONDE ESTÁ
O livro foi publicado e distribuído gratuitamente, portanto várias pessoas da cidade o possuem em seus acervos pessoais. Para consulta pública, está disponível na Biblioteca Pública Cidadã de Arapoti, assim como em alguns órgãos vinculados a Prefeitura Municipal.
Biblioteca Pública Cidadã de Arapoti / R. Plácidio Leite, 148 — Centro Cívico — Arapoti-PR
E-mail: bibliotecacidada@arapoti.pr.gov.br
PERÍODOS IMPORTANTES
O livro foi publicado em 1995, ano em que era comemorado o aniversário de 40 anos da Emancipação Política de Arapoti
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história
HISTÓRIA
A necessidade de produzir um texto histórico para compor o Plano Diretor do município, em 1994, foi o movimento inicial para a busca de informações e dados históricos, sobre os quais não havia registro oficial. Conforme Silvia Nakano, arquiteta contratada para a elaboração do Plano Diretor,
[...] dentro deste projeto que seria como um plano diretor para cidades com menos de vinte mil habitantes [...] logo no início havia uma parte sobre a história da cidade.
A gente já sentiu essa dificuldade de não ter nenhum documento, “quando a cidade surgiu? Não tinha nenhuma referência, não tinha um dado, não tinha nada escrito (Sílvia Tieko Nakano entrevista, 2016).
Como havia um prazo para finalizar, no escopo do Plano Diretor foram inseridas informações repassadas pela Prefeitura Municipal, desprovidas de caráter oficial.
Após sua conclusão, a Prefeitura Municipal, na gestão do prefeito Emiliano Carneiro Klüppel, resolveu dar continuidade à pesquisa em função da comemoração de 40 anos da emancipação política do município; e, em um convênio com a Inpacel, contratou Sílvia Nakano para elaborar um registro histórico com documentos. O trabalho consistia em coletar alguns documentos e realizar algumas entrevistas. Os contatos foram iniciados e foram sendo indicadas outras pessoas, foram aparecendo fotografias e o que era para ser só um registro acabou ficando enorme (Sílvia Tieko Nakano, entrevista, 2016).
Na parte inicial, são apresentados documentos oficiais, com a transcrição de escrituras, certidões de casamento e testamentos que se relacionam com as posses das terras onde atualmente se encontra o município. Por exemplo, a Escritura de Venda de uma Fazenda chamada Jaguariaíva, a certidão de casamento do Sargento-Mor Luciano e Dona Isabel, o testamento de Isabel Branca da Silva, e a escritura de Uma Fazenda denominada Capão Bonito (PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAPOTI, 1995) com a apresentação de personagens que tiveram presença marcante na destinação desse território para a formação da cidade.
As demais partes vão apresentando aspectos peculiares de localidades e temáticas que fazem parte do contexto histórico, econômico, cultural e social do que se configurou como o município de Arapoti, como os distritos de Cerrado das Cinzas e São José do Paranapanema (atual Calógeras); a estrada de ferro e a Estação Ferroviária de Cachoeirinha; os imigrantes espanhóis, poloneses e holandeses; a formação urbana e o ciclo da madeira; a Emancipação Política e Administrativa; as escolas do município; e a Fábrica de Papel.
A parte final é destinada a apresentação de imagens da década de 1990, informações e fotos dos prefeitos, além da formação do Poder Legislativo nos anos de 1993 1996.
história história
Silvia Tieko Nakano (entrevista, 2016 conta que todo o material foi coletado e o livro foi elaborado em um período entre 60 e 90 dias, portanto configurou uma força-tarefa que envolveu a divulgação na rádio e em jornais locais e o apoio da Prefeitura Municipal. Ela relata que muitas pessoas participaram e se envolveram, confiaram no trabalho para disponibilizar fotos e documentos e para compartilhar as informações que sabiam e, mesmo depois de o livro estar pronto, muitas pessoas a procuravam, pois tinham encontrado outras fotos.
Após mais de 20 anos da sua publicação, o livro continua sendo um registro importante da história do município, não havendo outra publicação tão abrangente. Portanto, é uma referência para a pesquisa e para a difusão das informações históricas.
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Significados
Durante todo o processo de pesquisa, o livro serviu como referência. Inicialmente, foi o ponto de partida para conhecer as temáticas e as localidades, pontuar informações e fontes que deveriam ser pesquisadas de maneira mais aprofundada. Ao longo do trabalho, muitos interlocutores citaram o livro como fonte de informação e da história do município. Seu significado como referência histórica é compartilhado pela população de Arapoti, por ter um caráter único, como compilação de informações que podem ser consultadas a qualquer momento, podem ser exploradas no ambiente escolar e podem ser apresentadas para os visitantes.
Também a forma colaborativa com que foi elaborada, com a participação de diversas personalidades locais, fortaleceu o sentimento de uma história contada por todos. O livro não é uma mera compilação de informações e documentos históricos nem uma pesquisa científica, ele segue outro caminho: resgatar a memória social, as raízes, as origens, os fatos e os eventos acumulados no tempo, que dão a densidade e ideia da cultura e costumes do nosso povo (KLÜPPEL, 1995).
Nesse contexto, o livro é repleto de impressões pessoais, histórias vivenciadas, fotos de família. Muitas pessoas se reconhecem ou reconhecem contextos de que participam e/ ou que vivenciaram reproduzidos nos textos e imagens. O Sr. Antônio Alves apresentou a casa onde nasceu e se criou na vila da Fábrica de Papel em uma das fotos do livro; a Sr.ª Terezinha de Andrade Pontes foi quem forneceu algumas imagens da localidade de Cerrado das Cinzas; a Sra. Nilce Lobo relata que uma das histórias contadas no livro aconteceu com a sua cunhada. Essa experiência marcante, vivenciada por uma geração ainda ativa no contexto do município se tornou um bem cultural compartilhado que serve como referência para as futuras gerações.
DESCRIÇÃO
Pessoas envolvidas
O envolvimento e a vontade política do Prefeito Emiliano Carneio Klüppel proporcionaram a realização deste projeto, em convênio com a INPACEL, possibilitando a contratação de Silvia Tieko Nakano, que coordenou a pesquisa na íntegra. No livro, a sessão de Agradecimentos Especiais se dedica ao então Ministro da Agricultura José Eduardo de Andrade Vieira; ao Sr. Marco Antônio Durigon, representante da Inpacel; a Silvia Tieko Nakano; ao Sr. Galdino Alves Júnior; à Sr.ª Maria de Lourdes O. Pedroso, historiadora; e a Shirley Dias Klüppel e Emílio Carneiro Klüppel.
Na continuidade, há uma lista de nomes de pessoas e instituições que contribuíram com depoimentos, documentos, fotos, informações e trabalhos cedidos, além de um agradecimento aos funcionários da Prefeitura Municipal de Arapoti e aos vereadores que ajudaram na elaboração do trabalho. Grande parte das imagens e textos possui referências sobre a autoria e a disponibilização dos materiais para reprodução.
Características físicas
A publicação é uma brochura em capa dura com sobrecapa, no formato 28,5x24 cm, com 158 páginas impressas em papel tipo couchê brilhante. Com exceção da capa e da sobrecapa, que possuem desenhos coloridos, as fotos e textos do miolo são impressos exclusivamente em preto e branco.
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O livro é uma referência amplamente compartilhada sobre a história e as memórias sociais do município, considerando a vivência de uma geração ainda ativa no município, que passa as suas histórias e memórias para as gerações mais novas. Por outro lado, a pequena quantidade de exemplares existentes sem a previsão de novas edições restringe o acesso de um público maior às informações contidas na publicação. Além disso, em função das dificuldades inerentes ao processo, assim como ao seu tempo reduzido, a pesquisa deixou de abranger temáticas e localidades consideradas importantes no contexto histórico, cultural e social do município.
RECOMENDAÇÕES
- Realização de uma pesquisa histórica mais abrangente no município, considerando os diversos períodos pelos quais o território passou, com a pesquisa em fontes primárias a fim de expandir o conhecimento histórico sobre o território do município.
- Verificar a possibilidade de a publicação ser transformada para formato digital a fim de que seja disponibilizada por meio do site oficial da Prefeitura Municipal ou de suas redes sociais.
- Criar um ambiente virtual, gerenciado pelo poder público municipal, que possibilite o compartilhamento de informações, fotos antigas, vivências e histórias do município de Arapoti.
262 Avaliação
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Considerações
finais
O propósito do projeto cultural Cadernos do Patrimônio do Paraná Arapoti de difundir informações e ampliar os debates sobre as referências culturais do município se cumpre com esta publicação, com a disponibilização do site e com a realização das ações educativas e do seminário. No papel de pesquisadores, ficamos satisfeitos em poder compartilhar e contribuir tantas informações sobre Arapoti.
Para além dessa satisfação, existe sempre o fator surpresa em trabalhar com patrimônio cultural, ele é dinâmico. No caso de Arapoti, isso pode ser constatado com boas notícias. No período entre 2016, quando a pesquisa foi inicialmente realizada e 2021, quando finalizamos a atualização, algumas iniciativas importantes foram realizadas para a preservação de alguns dos bens culturais abrangidos na pesquisa:
- A ação judicial em andamento e a nossa iniciativa de cadastramento da Fazenda Boa Vista como sítio arqueológico junto ao IPHAN-PR fomentou o processo de restauração da casa sede e do cemitério, realizado a partir do projeto e da execução da obra sob responsabilidade da empresa Arquibrasil Arquitetura e Restauro.
- Apesar da perda irreparável do edifício da antiga Estação Ferroviária em um incêndio, a gestão municipal empenhou esforços e está executando obra de construção de um edifício memorial, no mesmo local que se encontrava o edifício da Estação.
- A gestão municipal também está promovendo obras de conservação no edifício da antiga casa sede da Fazenda Capão Bonito, além da ampliação da estrutura, com intuito de abrigar um espaço cultural.
- Em 2018, a Comunidade Negra Tradicional recebeu o reconhecimento da Fundação Cultural Palmares como Comunidade Quilombola Família Xavier. Em um contexto de pesquisas e valorização da sua presença no território da Fazenda Boa Vista e região do Bugre, há uma tentativa de retomada de algumas referências culturais, como a Dança de São Gonçalo, encenada em 2021.
- Em 2019, houve alteração na lei de preservação do patrimônio cultural, no âmbito do município, passando a vigorar a Lei Ordinária nº 1944/2019, que regulamentou a atuação do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental do município de Arapoti. Desde então, o Conselho tem se reunido mensalmente, acarretando o tombamento do Complexo da Fazenda Boa Vista e discussões sobre o tombamento do prédio antigo da Escola Municipal Telêmaco Carneiro.
- Alguns dos lugares abrangidos na pesquisa foram identificados com a sinalização turística como atrativos municipais, inclusive o antigo Armazém Alvarez, identificado como Casa do Imigrante Espanhol.
Consideramos que, a partir desse processo e das conquistas, muitas outras ações poderão ser realizadas. Os bens culturais referenciados podem ter um aprofundamento nas pesquisas para serem ou não incluídos no rol de bens protegidos pela legislação municipal de preservação. A nossa pesquisa, por exemplo, não abrangeu o patrimônio natural do município, que é riquíssimo, além de não ter sido possível identificar e localizar sítios arqueológicos, que certamente trazem referências de milhares de anos atrás.
Antônio Cavalheiro
Letícia Nardi
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AMARO, Maria Terezinha da Rosa. Residênci a, Arapoti, PR, 2016. Entrevista concedida a Letícia Nardi e Bernard Cassiano Greim em 25 fevereiro 2016. (Filmada, gravada e descrita).
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FAMÍLIA CARNEIRO DOS PASSOS. Residência, Arapoti, PR, 2016. Entrevista concedida a Letícia Nardi e Be rnard Cassiano Greim em 25 fevereiro 2016. (Filmada, gravada e transcrita).
FERREIRA, Javert Marin; FERREIRA, Maria Rita Mendes. Residência, Arapoti, PR, 2016. Entrevista concedida a Letícia Nardi e Bernard Cassiano Greim em 21 janeiro 2016 . (Gravada e descrita).
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LOBO, Nilce José Souza. Paróquia de São João Batista, Arapoti, PR, 2016. Entrevista concedida a Letícia Nardi e Bernard Cassiano Greim em 21 janeiro 2016 . (Gravada e descrita).
NAKANO, Sílvia Tieko. Escritório, Arapoti, PR, 2016. Entrevista concedida a Letícia Nardi e Bernard Cassiano Greim em 24 fevereiro 2016. (Gravada e descrita).
OLIVEIRA, Aristides Teixeira de; OLIVEIRA, Leise de Fátima. Capela de São Sebastião, Arapoti, PR, 2016. Entrevista concedida a Antônio Cavalheiro, Letícia Nardi e Bernard Cassiano Greim em 16 janeiro 2016 (Filmada e descrita).
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SILVA, Amazonas Xavier da; OLIVEIRA, Maria José Teixeira de. Residência, Arapoti, PR, 2016. Entrevista concedida a Letícia Nardi e Bernard Cassiano Greim em 18 dezembro 2016 . (Gravada, filmada e descrita).
VOORLUIS, Jan; VOORLUIS, Lustiena. Museu do Imigrante Holandês, Arapoti, PR, 2016. Entrevista concedida a Letícia Nardi e Bernard Cassiano Greim em 20 janeiro 2016 . (Gravada e descrita).
WOLLZ, Juarez. Selaria, Arapoti, PR, 2016. Entrevista concedida a Letícia Nardi e Bernard Cassiano Greim em 18 janeiro 2016. (Filmada e descrita).
WOLLZ, Loíde Ferreira. Residência, Arapoti, PR, 2016. Entrevista concedida a Letícia Nardi e Bernard Cassiano Greim em 18 janeiro 2016. (Filmada, gravada e descrita).
XAVIER, Helena Maria. Residência, Arapoti, PR, 2016. Entrevista concedida a Letícia Nardi e Bernard Cassiano Greim em 18 janeiro 2016. (Filmada, gravada e descrita).
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271 CADERNOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PARANÁ - ARAPOTI REFERÊNCIAS CULTURAIS
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