cozinhar e resistir

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cozinhar cozinhar e e resistir resistir Ceci Nery e Thiago Flores

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cozinhar e resistir Ceci Nery e Thiago Flores

nรณ coletivo


Cozinhas Compartilhadas A produção da alimentação é política e cultural, revela as distintas formas de fazer e de habitar das pessoas, suas escolhas e práticas que afetam diretamente o cotidiano e a relação estabelecida com o território e redes formadas pelos processos até chegar a comida ao prato. A coleção Cozinhas Compartilhadas sistematiza práticas e investigações em torno de produções culinárias em determinados contextos para compartilhá-las e desdobrá-las em outras conversas, estimular a troca e a experiência com o outro, buscando sempre construir conhecimento a partir das relações tecidas entre pessoas. Cada publicação traz uma vivência particular do Nó Coletivo, formado por Ceci Nery, Paula Lobato e Thiago Flores, em torno do cozinhar em um contexto específico.


Cozinhar e resistir 06

Cozinhar e resistir

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Ocupação Eliana Silva

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Ocupação EAD

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Cozinheirxs da ocupação

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Ocupar, cozinhar e resistir

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Alimentos de resistência

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Equipamentos

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Produzir alimentos, espaço e relações


Cozinhar e resistir Nos anos de 2013 e 2014 atuamos como pesquisadores do grupo PRAXIS, da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais, na Ocupação Eliana Silva, desenvolvendo,através do diálogo, copesquisas, projetos e prestando assistência técnica em arquitetura à comunidade Eliana Silva é uma ocupação urbana pelo direito à moradia, localizada na região sul de Belo Horizonte, organizada pelo Movimento de Luta por Bairros e Favelas (MLB), nela residem cerca de 300 famílias que reivindicam o uso da propriedade que estava anos sem cumprir função social Durante nossas atuações e vivências nesse território descobrimos a estima das mulheres pela Cozinha Coletiva, equipamento construído sempre no início de uma ocupação, usado para alimentar todas as famílias enquanto essas ainda estão em estruturas provisórias e não possuem suas próprias cozinhas. Interessados pela construção de equipamentos e projetos comunitários e na forma como os 6


moradores se organizam para alcançar esses objetivos coletivos, realizamos uma conversa com um grupo de mulheres que esteve mais presente no uso da cozinha para entender como foi essa experiência. Dois anos depois nossa unidade da universidade foi ocupada e estivemos na cozinha trabalhando com várias pessoas para alimentar a todos. Essa experiência nos reviveu várias das idéias e aprendizados que as mulheres da Eliana Silva nos partilharam e ensinaram nessa ocasião. A atual publicação é um registro da cozinha coletiva que esteve ativa durante os 55 dias da ocupação da Escola de Arquitetura da UFMG em 2016 e uma reflexão, a partir dessa experiência, sobre cozinha, política e resistência. Decidimos introduzi-la com a voz dessas mulheres: Cediléia, Eudir, Lia e Rondinelia, que gentilmente nos ensinaram muito com suas histórias desde nosso contato com a ocupação Eliana Silva, e cruzar essas duas experiências assimétricas quanto situação política, grupos sociais e dimensão de ocupação, porém muito próximas quanto a relação dos cozinheiros com o fazer para muita gente, a ocupação e a própria comida. 7


Cozinha Comunitária Ocupação Eliana Silva Transcrição de conversa realizada em 2014 com as moradoras Cediléia, Eudir, Rondinélia e Lia sobre a cozinha comunitária da ocupação

Cozinha para muita gente Cedileia_a cozinha surgiu da necessidade de alimentação pro momento, que era de ocupação, tinha muita criança, muita senhora e aquele esforço das pessoas que estavam 8


ocupando já era de dias aí surge a necessidade de alimentação. Mulheres e alguns homens, lembram que tem que comer, lembram de cuidar da força física. Fizeram uma estrutura de lona, cercaram com madeira no primeiro momento. Apareceu doação de panela e de alimentação e fogão. Dona Eudir estava presente no primeiro momento. Desde o início ela já ajudou a organizar, ela era a mãezona que cuidava da alimentação. Então essa foi a primeira necessidade: cercar o espaço de lona, fogão, doação de gás e alimentação. Depois com o passar dos dias foi melhorando, aí deixou de ser lona e passou a ser cercado de tábua e telha de amianto. Já teve a cobertura de telha de amianto, energia fornecida com gerador emprestado pela SINDIELETRO, porque tinha muita criança e aí tinha a organização das pessoas, homens, mulheres e jovens que se organizavam por horário: de manhã tinha uma turma que fazia café, a dona Eudir estava sempre a frente do café e comandava aí selecionava as pessoas para fazer o café. Juntavam pessoas do sindicato do comércio, simpatizantes do movimento MLB que ocupavam em cuidar de doação de alimentos, pão, biscoito, leite, isso dona Eudir distribuía de acordo com a 9


necessidade do horário, não podia repetir, tinha que organizar a quantidade, tinha que ser muito regrado porque a gente não sabia se ia ter no dia seguinte. Depois fomos melhorando a esrutura, além das telhas, das tábuas e das laterais apareceu uma geladeira, depois pallets para colocar no chão, pra forrar o chão pra não ficar aquele barro, aquela sujeira toda, pra ter um ambiente o mais limpo possível. Depois os homens conseguiram fazer um “gato” da energia. Isso é o primeiro, segundo, terceiro, quinto, décimo quinto dia e cada dia melhorava. Thiago_nossa que rápido! São poucos dias assim... Cedileia_muito rápido porque comida é necessidade básica, então não pode demorar com nada. Os homens fizeram “gato” da energia, da água aí já conseguiu puxar pra cozinha, já tinha pia doada, já tinha torneira pra mexer com água direto, energia da CEMIG né? Um “gato” que fizemos e aí foi mais coisa, mais vasilha, mais prato, mais talher, mais copos de doação e mais alimentação... Ceci_e quando não tinha água como faziam? 10


Cedileia_a gente buscava lá no vizinho. nas ruas laterais ali em baixo. Eudir_os homens buscavam a água, água pra cozinhar, tomar banho, dar banho nas crianças. Cedileia_e a partir daí sempre foi assim, alimentação quando faltava, que não tinha doação, pro gás principalmente, que o gás era quase diário, ou até dois por dia. Thiago_quantas pessoas que estavam aqui? Cedileia_eram cerca de 300 famílias. 300 famílias né? Mais de mil pessoas para comer, pra almoçar, jantar, tomar café de manhã e de tarde. Então quando acabava o gás e não tinha doação a gente fazia vaquinha. Acabou o gás! Passava com megafone: vaquinha pra comprar gás!! Aí todo mundo dava R$10,00 centavos, R$1,00, rapidinho juntava o dinheiro e comprava um gás. E assim foi até o final, até que as pessoas conseguiram construir as primeiras casas, isso dentro de um mês foram construídas mais de150 casas e a partir daí a cozinha já começou a regredir porque as pessoas levavam fogão pro seu barraco e passavam a cozinhar na sua barraquinha. A cozinha foi acabando aos poucos até que acabou de vez. 11



panelas de Eudir


Território pedagógico Ceci_Como foi pra vocês essa experiência de cozinhar pra muita gente, vocês já tinham participado disso antes, como vocês conseguiram se organizar pra cozinhar pra mil pessoas? Eudir_no começo foi muito difícil, aqueles panelão que as comidas queimavam em baixo... Rondinélia_queimava em baixo, cozinhava no meio e em cima ficava cru. era terrível, vocês tinham que ver! Eudir_ no começo era muito complicado, mas a gente cozinhava um pouco, despejava, aí 14


a gente foi aprendendo, colocava em umas bacias, né? Ia enchendo as bacias, colocando lá e faziam aquelas filonas enormes, né? Foi muito bom, eu gostei... Thiago_mas foi a primeira vez que vocês cozinharam pra muita gente? Cedileia_foi a primeira vez, o aprendizado veio da necessidade. Foi um aprendizado muito rico a gente aprendeu como associação funciona, organização, interesse coletivo funciona muito bem e aprendemos também que a partir do momento que alguns deixam de se interessar pela coletividade não funciona mais e aprendemos também a aproveitar a comida, né? Porque o que a gente recebia de doação já era para aproveitar né? E aprendemos que podia usar mais ainda, que aquelas cascas que a gente joga fora podiam servir para alguma coisa, daí surgiu a necessidade e uma ideia de horta, de fazer uma compostagem, de levar para o ambiente que se pretendia que fosse horta. Foi muito rico esse momento, de sofrimento mas foi de uma riqueza grande pra vida inteira da gente, pros filhos e quem conhecer a história da Eliana Silva vai saber dessa história rica nossa, esse momento de riqueza e de aprendizado pra gente. 15


Construção coletiva Ceci_e quando tem outras ocupações, outras coisas, vocês vão ensinar, ajudar... Cediléia_com certeza a gente sempre vai ajudar. Outras pessoas aqui foram, eu não pude ir, agora que eu estou começando a tentar fazer alguma coisa. Eudir_naquela que teve ali (Nelson Mandela) eu fui lá, fiz pipoca e dividi, ajudei eles lá. Fui na Rosa Leão e ajudei também. Ceci_como a senhora fazia lá nas outras ocupações? Eudir_nessa ali (Nelson Mandela) a mulher estava fazendo pipoca em uma vasilha pequena, eu falei com ela: tem que fazer nessa vasilha, vai virando, faz a fila das crianças. Aí ela fez assim, eu ensinei, ela aprendeu… Na Rosa Leão eu ajudei também, na cozinha, eu fui três vezes lá, ajudei a dividir comida, ajudei a limpar, fiquei o dia todinho lá. Já estamos ensinando as outras pessoas. Quando é pra distribuir comida as crianças e os idosos têm prioridade. Thiago_e de onde vinha a comida? 16


Eudir_Tinha uma dona aqui que levava nós numa horta, a gente ia lá pedir, uma horta que tem, como chama? Uma hortona que tem ali embaixo na comunidade da Vila Pinho. Eles davam folha, davam cebola... e saía no supermercado pedindo, saía nos açougues pedindo as coisas e eles traziam... Rondinelia_a gente tinha, a gente se organizava por grupo né? Levantava de manhã, tinha um que mexia com a padaria e trazia o pão, aí a gente tomava o café, esperava, se reunia pra ver o que tinha na cozinha naquele dia pra gente fazer o almoço e a janta. A gente fazia os convites e saía nos supermercados, nas padarias, nos açougues aí tinha uma turma que ia nos açougues outra turma ia pro supermercado, outra pro sacolão pra pedir frutas, verduras e legumes. Chegavam lá para as 11h00 aí a gente juntava aquilo tudo e ia fazer o almoço e naquele dia a gente sabia que ia comer! Com o tempo tinha muita gente que trabalhava e pegava cesta básica, a gente juntava a cesta básica porque já tá todo mundo aqui, porque as pessoas moravam de aluguel, então a sua família está aqui, ao invés de você guardar a suas sestas básicas vocês trazem pra cá. Aí a gente fazia isso, a gente recebia as cestas básicas e trazia pra cá. 17


Ceci_Aí vocês já começaram a ter um estoque? Rondinelia_É, já começou a ter uma escora. Mesmo assim a gente guardava aquela cesta básica pro dia que, por exemplo, o dia que a polícia chegasse aqui, que a gente não podia sair, quem estava dentro não podia sair e quem estava fora não podia entrar, então aquilo ali era tipo uma reserva, é uma reserva né? Como tinha muita criança, muita gente idosa, com problema de saúde, passando mal, muita gente que tomava remédio então não podia ficar sem alimentação. Aí a gente tinha aquela reserva das cestas básicas, a gente tinha um lugar para estocar, tinha um baú né, Cediléia? A gente fez tipo um baú e guardava ali e tinha um cadeado, as pessoas ficavam com as chaves porque muitas vezes a polícia chegava e rasgava e jogava fora, rasgava os sacos de arroz, os sacos de açúcar. A gente tinha que ter um lugar escondido estratégico para manter alguma coisa, principalmente para as crianças e os idosos que tinham pressão alta, que tomavam insulina... Cediléia_A gente colocava o baú em um canto e colocava um monte de coisa por cima, tipo panela, fazia tipo um armário para disfarçar pra polícia... 18


Eudir lavando as panelas grandes


Cozinhando coletivamente Rondinélia_Tinha umas pessoas, como a dona Rosa, que enquanto a gente estava fazendo o arroz, fazendo a carne que a gente ganhava, elas estavam lá fora descascando as verduras, descascando batatinha, cortando alface, a couve. Cediléia_lavando....uma turma lavava, outra turma cortava, outra descascava... Eudir_era muito bonito! Rondinelia_As vasilhas sujavam e a gente colocava lá na pia e sempre tinha uma turma de gente para lavar as vasilhas. Ceci_e essas músicas que vocês cantavam? Eudir_era as meninas, dona Antônia né, gostava de cantar as musicas de Amado Batista, Roberto Carlos... Ceci_E vocês conseguiam nessas horas também trocar receitas, aprender umas com as outras, aprender os segredinhos dos temperos? 20


Eudir_Uma já fazia um arroz temperado, outra já fazia uma macarronada, no domingo sempre fazia uma coisa diferente, né? Um arroz temperado né? Uma macarronada assim bem feita, bastante carne, batatinha, esses trem... e tinha também umas peles que o pessoal doava ou fazia feijoada. Thiago_depois que a cozinha acabou vocês fizeram mais uma vez isso? Se juntar para cozinhar? Cediléia_Quando tem eventos, as vezes vem estudante fazer mutirão, quando é aniversario da Eliana Silva. A maioria das vezes é feita aqui na creche, quando é aberto, quando é mais reservado faz na casa da dona Eudir... Rondinélia_Natal, Ano Novo, Páscoa sempre tem, dia das crianças, na pascoa nós fazemos os ovos de pascoa aqui mesmo. Lia_cada um tem seu dom né? Você serve pra isso, é igual, uns servem pra cozinha outros servem pra lavar banheiro, limpar a casa. Eu tenho força na cozinha. Picar uma verdura, fazer um arroz, juntar mutirão de gente pra cozinhar. 21


Cozinha e Convivência Lia_no dia que eu participei do negócio dos alunos, foi 200 não foi? Nós choramos aqui ó, cozinhando e o medo de não dar... Ceci_mas vocês ainda conseguem juntar as mesmas pessoas para cozinhar? Muita gente quando precisa? Lia_as vezes não, nem sempre, por exemplo, cozinho hoje e na outra já não cozinho mais, porque assim dá força pra... dá oportunidade pra cada um aprender, cada um participar, né? 22


A gente que não cozinha, mas em compensação a gente sai pra fora pra ganhar as coisas, né? Então tem união do povo, a gente fala, aquele que encaixa ali vai levando… A gente chega, fala que vai ter um evento na Eliana Silva e que vai uns estudantes conhecer e fazer um parquinho, igual fez, então as pessoas ficam curiosas pra vir aqui e acabam participando também, gostam do movimento. Elas vem aqui, as vezes até almoçam e elogiam a comida, que está muito gostoso. Ceci_eu não sei porque que estou de fora, mas eu acho que a cozinha é um espaço para as pessoas se conhecerem, criarem vínculos porque essa coisa da comunidade estar forte ela precisa ter vínculos afetivos, uma pessoa conhecer a outra e eu acho que a cozinha tem uma força muito grande pra unir as pessoas... Rondinélia_eu mesma sinto falta daquelas conversas gostosas, aquelas brincadeiras, sabe? A gente está ali distraído, chorando, cortando cebola aí vem um solta uma piada, a gente dá risada, né? Vem um e às vezes faz alguma coisa que o pessoal acha ruim, mas você acha que foi engraçado, uma conversa diferente, uma musica diferente... hoje isso está me fazendo falta porque está cada um na sua casa, né? Tá muito “eu”, “o meu”... 23


Cediléia_eu concordo da necessidade mas eu particularmente acho que necessidade de cozinha comunitária agora é para eventos mesmo, eventos externos ou internos mas coletividade na cozinha agora é para eventos. No dia a dia já não tem mais necessidade e não tem mais como organizar, cada um já tem sua casa... Eudir_eles vão fazer a cozinha na creche, e quando eles fizerem eu vou cozinhar. Thiago_agora quando vocês cozinham para evento onde vocês cozinham? Lia_aqui mesmo, na creche. Rondinélia_coloca um fogão, montamos uns blocos uns em cima dos outros, montamos um fogão e fica uma estrutura boa a panela não cai, faz uma estrutura firme. Cediléia_tem a situação também que alguém empresta casa, dona Celi aqui do lado uma vez emprestou a casa dela para gente cozinhar, foi uma feijoada que nós fizemos na comemoração de um ano da ocupação. Aí a comida foi feita lá e servida aqui (na creche), existem essas situações também, de emprestar a casa... 24


Eudir lavando as panelas grandes


Projetos comunitários Cediléia_a horta também surgiu a partir da cozinha, foi a necessidade de aproveitar aquelas sobras para alguma coisa. Ceci_mas vocês ainda conseguem juntar forças pra fazer essa horta funcionar? Cediléia_então, como já individualizou, as pessoas se individualizaram, já estão com as casas prontas, então tá difícil de juntar a mão de obra, juntar pessoas agora fica muito difícil, 26


até porque tem custos né, a estrutura da horta tem custo de cercar que a horta não pode ficar vazia, uma questão de higiene, tem mão de obra, tem também preparação pra gente lidar com a terra porque tem gente que não tem tanta experiência assim de cuidar de uma horta. Então a ideia partiu da cozinha e o objetivo da horta é de ajudar na creche, manter de alimentação na creche... bom também pra horta adquirir uma renda pra comunidade, pra ônibus, pra alimentação caso a prefeitura não entre logo, pra outras coisas também, pra ajudar a manter o MLB, algum custeio do MLB, então agora está difícil de mobilizar pessoas. Rondinélia_o projeto é esse entendeu? Ao invés da gente sair pedindo, a gente ter, a gente produzir. Ceci_é bonito porque é uma relação de afeto com a ocupação toda né? É uma preocupação coletiva, de gastar um tempo seu para fazer uma coisa coletiva... Lia_apesar disso tudo, tem que ter iniciativa, a pessoa fala assim: “eu vou fazer a horta”, abre caminho, porque se abrir caminho, os curiosos vão estar lá e nessa curiosidade as pessoas vão ajudando. 27



Eudir lavando as panelas grandes



vista de cima Ocupação Escola Arquitetura e Design (EAD)


Ocupação da Escola de Arquitetura e Design da UFMG Em 24 de outubro de 2016 a Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG amanheceu trancada. A decisão se deu no dia anterior, quando em uma assembleia estudantil, um grupo de alunos decidiu pela ação radical e direta de congelar o funcionamento da unidade como estratégia de mobilização contra a PEC241 (atual PEC55). Nesse dia várias pessoas ao chegarem ao prédio foram surpreendidas. Não havia ninguém dentro, enquanto a praça externa, usualmente vazia e em estado de abandono, estava habitada por pessoas, cadeiras, aulões abertos, panfletos, cartazes e uma curiosa cozinha móvel: dois carrinhos, um equipado com fogão e outro com pia, que reuniam cozinheiros, alunos e transeuntes ao redor deles, enquanto era preparado o primeiro almoço da Ocupação. Não sabiam que aquele era o primeiro de 55 almoços, 55 dias de ocupação, tempo que a praça foi sala de aula, cozinha, dormitório, salão de dança, oficina, recepção, feira e vazio. Quando idealizamos a cozinha móvel nunca pensamos que ela iria acontecer, ainda menos num momento tão oportuno. A ideia sempre existiu junto com nossas práticas em cozinha 32


e o processo da Cozinha Comum da Escola de Arquitetura (relatado na publicação Cozinha a Muitas Mãos). O projeto foi enviado para o edital Rumos, do Itaú Cultural, no segundo semestre de 2015. Sabendo da ideia a professora Marcela Silviano Brandão nos convidou para desenvolvê-lo dentro de uma disciplina que iria lecionar sobre artesanias construtivas, decidimos participar, e outras pessoas acolheram o projeto dentro e fora da disciplina: Gabriela Rezende, Leonardo Andrade, Camila Felix, Bernardo Carvalho e Eric Crevels. Pesquisamos tecnologias, materiais disponíveis na faculdade e produzimos um modelo batizado de Cozinha Cigana, ainda muito pesado e com problemas de funcionamento. Levamos para estréia em uma feira da faculdade. A felicidade de ter realizado o projeto com muita inventividade, proatividade e custo zero durou pouco, passada as férias Frederico Toffani, na época diretor da unidade, mandou desmontar o veículo alegando ser um trambolho no espaço da instituição. Passado alguns meses tivemos a notícia de aprovação do projeto Cozinha Comum Itinerâncias no edital Rumos e, junto aos arquitetos do No Prumo, elaboramos o conceito e desenvolvemos o desenho da cozinha móvel. As decisões de projeto passaram por discussões a respeito do que tipo de experiência o dispositivo deveria proporcionar. 33


imagem cigana

Cozinha Cigana


Construir dois dispositivos foi uma forma de pensar que eles poderiam estruturar um espaço entre eles e se acoplar no próprio espaço da cidade. As prateleiras móveis permitem uma flexibilidade de uso e podem virar mesas no espaço público. A solução de água depender de um ponto de abastecimento vem da ideia de se promover trocas e relações para a ativação da estrutura. O fogão horizontal de três bocas permite ser manuseado por mais usuários ao mesmo tempo além de permitir um contato desses com os que picam e descascam os alimentos na bancada da frente. Tudo pensado de forma a promover diálogos entre os usuários; o uso do espaço público é re-estruturado e re-significado com a presença dos dispositivos, que atraem as pessoas através da criação de uma espacialidade, e estratégias de comunicação gráfica (cartazes, varal de receita, letreiro do carrinho). O projeto aprovado prevê, além da construção do dispositivo, sua atuação em 4 territórios da cidade a serem definidos, o primeiro a Escola de Arquitetura da UFMG, pois já estávamos inseridos ali na construção da Cozinha Comum (atualmente Cozinha Dona Lourdes) e o dispositivo poderia ser uma forma de transitar com a experiência da cozinha autogestionada, que já existia dentro da unidade, para a vizinhança. 35


mรณdulo I: pia

mรณdulo II: fogรฃo


cozinha itinerante


Os dispositivos são para uso partilhado, entre o coletivo e parceiros de cada território, promovendo uma co-investigação sobre as relações estabelecidas com alimentação em cada um deles. Inicialmente o processo na Escola de Arquitetura tomou o formato de eventos públicos com discussões específicas envolvendo alunos e vizinhos, além de preparos mais espontâneos, a partir das proposições que surgiram na interação com o bairro e as pessoas. Foi na terceira semana de projeto que se iniciou a Ocupação. Diante dessa movimentação tomamos a decisão de flexibilizar a estratégia de ação dos dispositivos no território para contemplar a ocupação ao invés de atuar de forma alheia ao que acontecia ali, permitindo que a proposta fosse transformada e apropriada junto a essa situação. Consideramos que os módulos de cozinhar na rua seriam de grande utilidade para a Ocupação se manter forte com as atividades do lado externo, além de que esse seria um momento para experimentar novas potências dos veículos. A ocupação se organizou através de Grupos de Trabalho (GTs), e dentre eles havia o GT cozinha, responsável por alimentar todas pessoas que participavam do movimento. Aos poucos um grupo 38


dispositivo em uso

preparo coletivo


de mais de 30 alunos se reuniu para integrar o GT de alimentação, encarregado de preparar as 3 refeições diárias para todos ocupantes. Muitos dos participantes desse grupo já eram envolvidos com a Cozinha Dona Lourdes*, outros viram no momento da ocupação uma abertura para se aproximarem da cozinha da faculdade já que houve uma reconfiguração dos espaços da escola e das relações estabelecidas entre todos. Além da preocupação de se organizar para manter sempre a produção de alimento ativa sem sobrecarregar os cozinheirxs, o grupo desde o início da ocupação assumiu outras questões, desdobradas em pesquisas de novos cardápios, saberes alimentares e possibilidades de preparo. A principal preocupação do grupo foi realizar uma alimentação inclusiva. Partiu-se do pressuposto de que a alimentação vegetariana e vegana, ao contrário de serem restritivas, como é comum apontarem, são dietas inclusivas, uma vez que pode ser consumida e atender as necessidades do corpo tanto de pessoas que comem carne, quanto intolerantes a lactose. Através da troca de receitas entre os cozinheirxs e com pessoas de fora foi desenvolvido um grande repertório de refeições e lanches vegetarianos e veganos extremamente nutritivos. 40

*saiba mais no volume “Cozinha a Muitas Mãos” dessa coleção


Outra preocupação central da cozinha na ocupação foi ser inventiva e cozinhar com o que tem, pois muitos ingredientes foram recebidos de doação e, na maior parte das vezes, deviam ser consumidos rapidamente devido ao risco de expirarem. Buscar sempre formas diferentes de se preparar e misturar ingredientes que chegavam todo dia levou a desenvolver sempre novos cardápios. Além disso a criatividade também estava presente no aproveitamento completo de cada ingrediente: cascas e sementes são nutritivas, fazem render mais a comida e reduzem a quantidade de lixo gerado pela cozinha. O preparo, feito sempre de forma coletiva, se organizava de forma diferente a cada dia, com uma ou duas pessoas com mais experiência administrando o que tem de ser feito, enquanto aqueles que queriam aprender começavam com funções mais simples como picar, ralar, etc. Assim as pessoas aprendiam umas com as outras num formato de pedagogia livre, onde todos tem o que ensinar alguma dica de receita, forma de preparar, tempero, logística para lidar melhor com o tempo, organização para manter o espaço limpo e a cozinhar para muita gente. 41


Cozinhando na praça chamamos atenção de pessoas da rua que se surpreendiam ao ver em uma ocupação política uma cozinha móvel com pratos bem elaborados, alguns se aproximavam e, conversando sobre as comidas, passaram a se interessar pelo movimento e apoiar a ação dos estudantes. Nesse período algumas vizinhas conversaram, falaram de receitas pessoais, doaram alimentos ou dinheiro para o movimento, e chegaram até a cozinhar conosco. Mara entrou na Ocupação para fazer suas receitas de tradição árabe. Tônia nos visitou para fazer seu pudim de leite condensado com gerânio. Observando esse potencial da cozinha enquanto dispositivo de diálogo dentro da Ocupação surgiu a ideia de realizar o “Cafezinho contra a PEC”, uma intervenção urbana com a cozinha, levando um dos dispositivos a pontos de ônibus intermunicipais próximos a faculdade, onde vários trabalhadores embarcam todos os dias,e oferecendo a essas pessoas café e lanche, convidando elas a ouvirem sobre o que foi debatido na ocupação sobre a PEC55 e seus prováveis efeitos para os próximos anos. Junto ao café foram entregues também materiais gráficos desenvolvidos pelo GT de comunicação. Toda essa experiência e aprendizado com a Cozinha Dona Lourdes e a Cozinha Comum 42


Itinerante na Ocupação EAD e sua vizinhança nos levou a querer passar o que aprendemos a outras ocupações. Ao analisarmos a lista de pedidos de doações de outras ocupas da cidade nos alarmamos ao perceber que tanto secundaristas quanto universitários pediam por enlatados e condimentados. Conversando com pessoas dos GTs de cozinha de outros lugares pudemos observar que para muitos a atividade de cozinhar é vista apenas como subsistência e não articulada a outras questões de ordem política, muitos se alimentavam de macarrão e outros carboidratos simples todos os dias, o que é muito prejudicial a saúde. Preocupados com como a comida estava sendo feita em outras ocupações organizamos algumas dicas de cozinha que acreditamos serem muito importantes para se manter uma ocupação com alimentação saudável e que dê energia a todos, além de aproximar as questões alimentares das discussões centrais do movimento estudantil. Essas dicas foram organizadas em formato digital, divulgadas pela página da Cozinha Dona Lourdes no Facebook, e em cartilha impressa.

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servindo comida


5.outubro


6.outubro


7.outubro


8.outubro


9.outubro


10.outubro


Cozinheirxs da Ocupação Ocupar a escola não é uma forma de interromper seu funcionamento, mas sim de reconfigurá-lo. As ações táticas tomadas pelos indivíduos que se se articulam em torno de interesses coletivos estruturam novas formas de se organizar em relação ao espaço. Ocupar suspende fronteiras que estavam sedimentadas no espaço do edifício e nos próprios indivíduos que o ocupavam, alienados pelo funcionamento usual da instituição. A ocupação da Escola de Arquitetura e Design da UFMG permitiu a integração entre alunos que não estabeleciam trocas antes, que se reuniram em grupos de trabalho de acordo com interesses compartilhados. 52


Foi assim na cozinha: começou com meia dúzia de pessoas, já familiarizadas com o espaço, tomando frente. Pouco a pouco, o deslocamento da cozinha para o lado de fora e a facilidade de se circular pelos territórios e grupos da faculdade, permitiu que várias pessoas se encontrassem na cozinha. A ocupação afetou a cozinha, assim como a pré-existência de uma cozinha afetou a ocupação. Cada um desses indivíduos que já participavam ou passaram a participar da Cozinha Comum foi afetado pela experiência coletiva e também a afetou, com suas histórias de cozinha, receitas, presença e ideia, partilhadas no ato de fazer junto. O registro mais potente de tudo que aconteceu nesse período é a transformação de cada uma dessas pessoas individualmente e do fortalecimento de uma sensação de coletividade. Fizemos a cada uma dessas pessoas, que são também autores do trabalho registrado aqui, uma pergunta “qual sua história com o ato de cozinhar, e como ela reflete em sua relação com alimentação hoje?”, e as convidamos para uma conversa acerca do que compartilhamos como cozinheiros em uma ocupação por 55 dias. 53


Ana Gama Pouso Alegre, MG

Wenderson Túlio Carneiro Itamarandiba, MG

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Meu primeiro contato com a alimentação não era distante do fogão e pia. Em um local onde as mulheres eram destinadas a cuidar da casa, cozinhar um prato gostoso era sinônimo de “já está pronta para casar”. A partir do momento que fui adquirindo minha independência, levei quase 10 anos para admitir que gosto de cozinhar, sem amarras, traumas ou pressões. Para mim, isso é uma atividade social e algo que vai muito além de gênero, pois me empodera não porque a mulher é vista com a missão de zelo sobre esse saber na família, mas por que eu tenho o poder de transformar alimentos em refeições, quando quero e posso. Cozinha, portanto, já não é mais uma obrigação imposta, mas uma tarefa de reflexão, aprimoramento e orgulho. Eu sempre tive uma alimentação péssima e uma fome voraz, esses fatores fizeram aflorar em mim o gosto pela cozinha. Nasci em uma região pobre de Minas, mas de uma cultura gastronômica riquíssima. Comecei cozinhando novinho com o auxílio da minha mãe, que não tinha muita disposição para cozinhar as receitas mais complexas que eu pedia à ela e assim continuei aprimorando essa atividade que era nova para mim. Nos últimos anos venho aprendendo mais sobre alimentação saudável e consciente e tenho tentado aplicar cada vez mais essa nova realidade nos pratos que faço, os amigos tem gostado.


A cozinha para mim foi, desde o princípio, um local que me parecia muito acolhedor e interessante; por vergonha ou receio, nunca havia me aproximado demais do ambiente, até a ocupação. Com toda a nova experiência de uma cozinha comunitária, a minha aproximação com ela e seus integrantes se deu de maneira bem fluida, e foi bastante prazerosa durante todo o processo. Como sou vegano, houve toda uma logística de formas de alimentação inclusivas e saudáveis possíveis de serem realizadas com o que havia disponível. A convivência com outras pessoas nesse ambiente fez com que houvessem intensas trocas de saberes relacionadas às receitas e às formas de cozinhar, trocas essas que me influenciaram a ter uma melhor alimentação.

Hugo César Nogueira Pedrosa BH, MG

Comecei a me envolver na cozinha comum nos primeiros dias de ocupação. A cozinha estava fora da escola, sem portas e paredes e pareceu mais convidativa. A necessidade e a entrega por um objetivo comum agruparam pessoas com a caracteristica comum de cuidar no ambiente da cozinha. Foi construído a partir disso um outro sentido para o fazer culinário, de luta, construção, nutrição e amor. Camila Nascimento BH, MG

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Andre Jacomini BH, MG

Não lembro exatamente como comecei a participar da Cozinha na Ocupação, mas fui rapidamente acolhido e inteirado acerca das responsabilidades e demandas. A nova lógica proposta pelo tipo específico de produção, que enfrenta diferentes noções financeiras e propõe um respeito pelo alimento diferenciado de quando se cozinha no ambiente familiar, moldou uma nova concepção de alimentação e de busca por cardápios mais saudáveis e acessíveis. O maior legado da Cozinha foi a reversão da lógica da necessidade da carne, tão comum no âmbito das mesas brasileiras, que se configura como um alimento caro e de difícil manuseio, ao passo que é possível elencar novas opções quando está exposto a experimentações, como foi realizado na Cozinha.

Comecei a frequentar a cozinha Dona Lourdes antes mesmo da ocupação, pessoas fantásticas em bem comum que representa totalmente os nossos ideais de cooperativismo, comunidade e autogestão. Nem posso calcular o quão incrível isso foi para seguir um caminho muito mais saudável, vegetariano e o amor ao fazer as minhas próprias comidas de todas as refeições diárias (contando o aprendizado de fazê-las). Juliana Oliveira Hermsdorf Ipatinga, MG

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Das poucas lembranças que guardo da minha infância é muito presente a figura de minha avó. Morando em um apartamento onde era sua antiga casa no bairro Serra, me recordo dela regando plantas com uma mangueira na sala, ao lado da mesa de refeição, onde reunia seus filhos e netos através da comida. Sempre panelas grandes, para oferecer a qualquer visita que passasse por lá uma comida simples que tornava deliciosa por seu tempero. Me encantava, mas a cozinha ainda era lugar da mulher. Esperava meus pais viajarem para chamar amigos para cozinhar junto. Com a cozinha da faculdade e os banquetes públicos esses momentos íntimos se expandiram em grandes reuniões, momentos de conhecer gente nova e aprender a estar junto através do fazer e da partilha.

Minha mãe sempre cozinhou muito bem e meu pai sempre exigiu dos filhos que tivéssemos uma alimentação variada e saudável (frutas, verduras, legumes...). Na adolescência eu já brincava de cozinhar mas foi depois de mudar de cidade e morar sozinha que comecei a me dedicar mais. Gosto da comida que sei como foi feita e de onde veio (na medida do possível) e por isso prefiro prepara-la, mas gosto também de viajar e conhecer a comida de cada lugar. A cozinha da ocupação produziu novas experiências e aprendizados e me motivou ainda mais a cozinhar, principalmente coletivamente.

Thiago Flores BH, MG

Sara Canton BH, MG

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Giovanna Camisassa BH, MG

Luísa Greco BH, MG

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Acho que essa história começa com observar. Minha mãe sempre soube fazer pratos misturando um pouco disso e daquilo, e de repente umas comidas gostosas ficavam prontas. Nas férias íamos para a casa da minha avó em Viçosa e éramos recebidos com um monte de pratos. Depois vinha fazer biscoito de Castanha do Pará, rosca rainha... Depois da primeira queimadinha, foi só crescendo o amorzinho por experimentar receitas e perpetuar as antigas. Já fui difícil com a comida e até hoje tenho problema com coisas com a textura de cenoura hehe Mas depois de passar as frescurinhas de criança, a Ocupa foi um momento de muita abertura pra mim. Minha alimentação ainda tem muita coisa industrializada e isso é um desafio pra mim, mas acho que tenho conseguido mudar um pouco. Até hoje é isso!

O ato de cozinhar se transformou pra mim depois de diversas experiências da cozinha como ação política, como momento de partilha, como pausa mas também de muita feitura. Começou na EAD, quando decidimos montar a Cozinha Comum somada à ideia de cozinharmos diariamente. A troca de saberes e a improvisação dessa prática fazem parte do espaço que é criado através do comer junto. Esse processo se intensificou com a Ocupação, onde a cozinha teve papel essencial para não só a necessidade de comer, mas também - e principalmente - pela necessidade de criarmos um espaço cotidianamente compartilhado.


A cozinha sempre foi meu lugar preferido da casa, talvez por gostar muito de comer. Minha mãe sempre foi uma boa cozinheira e desde novo me ensina algumas coisas. Depois de mais velho me dediquei mais ao ato de cozinhar quando, há uns três anos, resolvi cortar carne da minha alimentação. Com isso, tinha que fazer minha própria comida e também passei a questionar a origem dos alimentos. Hoje voltei a comer carne, mas tenho me envolvido cada vez mais no movimento da Agroecologia e Agricultura Urbana, onde tenho aprendido e questionado ainda mais o processo atual de produção de alimentos, mas também ver caminhos possíveis para uma produção mais justa, segura e acessível para todo mundo.

Da infância eu me lembro da minha mãe, Clarice, que além de tantas coisas ainda é uma excelente boleira, abrindo e desossando frangos, sovando pães, fazendo bolos, tudo sempre com muita destreza e propriedade. Em 2012, prestes a sair da casa dos meus pais, com muita ajuda da minha mãe comecei a me aventurar na cozinha e acredito que por isso, o que cozinho tem estreita relação com o que vi e aprendi com ela. Atualmente eu valorizo alimentos feitos a mão, frescos, que se opõem ao monossabor do glutamato monossódico e que não se baseiam tanto em refinados e superprocessados. O que eu cozinho e como eu me alimento tem forte influência desses valores.

Victor Gabriel de Souza Lima Alencar BH, MG

Wesley H. Sousa Três Lagoas, MS

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Ceci Nery Ouro Preto, MG

Brenda de Castro Viçosa, MG

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Não consigo distinguir quando comecei a pensar conscientemente sobre o alimentar, quase todas histórias da minha família passam por um cheiro, um sabor ou um questionamento político sobre alimentação. Minha bisavó, pioneira na sua geração, começou a se interessar por alimentação saudável, em uma cidade no sertão de Pernambuco. Não sei como isso chegou pra ela, mas todo seu posicionamento libertário influenciou a geração de netos, e nasci com uma mãe vegetariana. Era natural estar envolvida com sabores e comidas estranhos ao paladar dos meus amigos. Estar na cozinha sempre me deu prazer. A pouco tempo tenho experimentado cozinhar como prática de construção coletiva, onde o partilhar, o corpo presente, vem transformando minha presença atuante no mundo.

Minha mãe sempre foi uma cozinheira dessas de mão cheia mas que não costumava me deixar nessa função. Quando me mudei pra BH acabei tendo que colocar em prática o que eu observava porque fazia o almoço em casa e não tinha outro jeito. Quando aconteceu a ocupação da EAD, convivi com muita gente dentro da cozinha (ajudando a picar frutas, verduras, legumes, lavando a louça!) e aprendi dicas valiosas, como utilizar restos de alimentos que eu nem imaginava que serviam para alguma coisa, (casca de banana, por exemplo)! Além disso, ver o esforço dos cozinheiros em prol da alimentação das outras pessoas me fez ver que para além de tarefa cotidiana, cozinhar é um gesto de gratidão e amor às outras pessoas.


A minha relação com a cozinha sempre foi muito ligada a minha paixão enorme por doces, quando era pequena minha babá fazia bolos deliciosos toda semana, quando cresci aprendi com ela algumas de suas receitas e comecei a dividir com ela o posto de boleira oficial da casa; logo quando ela se aposentou vi que a ligação e a paixão ligada aos doces era muito mais relacionada ao afeto que vinha por trás deles, fazer um bolo sem ser para deixar alguém feliz não fazia sentido algum. Hoje em dia tenho uma relação de amor e ódio com a cozinha, tenho que cozinhar para me alimentar bem independente do ânimo e da vontade de cozinhar, mas nos momentos especiais e que tem boas companhias a cozinha, pra mim, se torna um dos maiores instrumentos de demonstração de amor. Quando eu tinha quatro anos pedi ajuda pra minha mãe e fiz meu primeiro bolo. Fomos juntas no quintal colher alguns limões capeta, e eu, sentada em cima da mesa da casa da minha avó, fui tagarelando o que eu achava que tinha que ter em um bolo. Assim começou o que seria um relacionamento sério e intenso com a cozinha: cheio de dedos cortados, queimaduras, momentos frustrantes (quando as receitas desandavam) e repleto de momentos felizes. O que eu mais gosto nem é das horas passadas na boca do fogão, mas sim das expressões de satisfação daqueles que provavam e aprovavam minhas invenções de moda. Pra mim cozinhar é isso: trazer a tona memórias e proporcionar momentos de partilha de vida.

Marcia Cecilia Ferreira Irrazabal São José dos Campos, SP

Fernanda Comparth P. Oliveira Nova Lima, MG 61


Ana Pitzer BH, MG

Matheus Brisola BH, MG

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Minha mãe sempre foi dessas donas de casa famosas pro preparar quitutes maravilhosos que atraem muita gente. Encantada, desde bem nova comecei ajudar nos preparos e foi assim que aprendi quase tudo que sei sobre cozinha e alimentação. Influenciada por ela, sempre busquei criar e modificar receitas usando ingredientes diversificados e alternativos. Acredito muito no poder da cozinha de agregar pessoas e promover diálogo. Tudo que fazemos está ligado com alimentação e não há nada mais prazeroso do que poder cuidar do que você e as pessoas ao seu redor irão comer. A cozinha na ocupação foi muito importante para mim tanto como um local de troca e aprendizado como uma ferramenta poderosa para me encorajar a participar ativamente do movimento.

Eu sempre tive uma relação muito próxima e afetiva com a cozinha. Minha mãe e meu pai disputavam quem faria o almoço no final de semana (e consequentemente quem não lavaria a louça). Eu ficava observando, aprendendo, e a medida que eu fui crescendo, fui botando a mão na massa, vendo mais possibilidades no cozinhar, nas formas de comer, e principalmente depois de virar vegetariano. Hoje, eu vejo muito da relação entre o que eu decido comer e o meu corpo, as trocas interpessoais (o cozinhar junto ou comer junto) e, sem dúvida, com o alimento.


Por um bom tempo a cozinha foi território distante, cresci à beira da mesa onde a comida chega quente e temperada. Hoje, cozinhar é hábito, terapia e de fato, um ato. Digo ato no sentido do agir, e sobretudo no contexto das cozinhas comuns. Um a um, os alimentos são lavados, picados, cozidos e provados, em um processo com enorme potencial mobilizador. Na esfera do comum, o agir adquire caráter de ferramenta para além do cozinhar, desperta interesses e ideias que ali mesmo são incorporados. É aí que o cozinhar ganha sentido: no uso de alimentos não convencionais; no aproveitamento; na muda plantada na cidade. Coletivo ou individual, o ato de cozinhar é uma forma gostosa de levar costumes que desejamos, do modo de preparo às mãos, sabores e cores que ocupam nossas cozinhas.

Minha história com o ato de cozinhar não é tão antiga. Já fazia almoço em casa há um tempo, mas pude praticar mais quando morei sozinho. Foi também quando tive total controle da minha alimentação, e comecei a me preocupar mais com o que comia. Além disso, pude experimentar mais com receitas e alimentos diferentes que não tinha na casa dos meus pais. Meu envolvimento com a cozinha da escola de arquitetura foi importante nesse sentido, pelas dicas compartilhadas e ótimas experiências de cozinhar com mais gente.

Gabriela Rezende BH, MG

André Siqueira Contagem, MG

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Ágar Camila Mendes Saraiva BH, MG

Lucas Monteiro Barbacema, MG

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Cozinhar sempre foi um grande prazer para mim, mas nunca me importei tanto com o fato de estar comendo ou não produtos processados ou com a origem dos alimentos. Depois de vivenciar a ocupação como parte da cozinha da Dona Lourdes, mudei completamente esse pensamento. Então, hoje tenho uma relação muito diferente com a alimentação. Quero cuidar do que eu como, pois sei que é a principal maneira de cuidar de mim mesma. Diminui os processados, até plantei minha própria hortinha. Cozinha é um ato de carinho.

Movido por preguiça, falta de habilidade e pela facilidade de se comprar o alimento já preparado, sempre tive uma alimentação ruim e despreocupada com a saúde. No entanto, cozinhar sempre fez parte dos meus objetivos, seja para uma melhor alimentação, ou pelos benefícios que a própria ação traz. Participar da cozinha da ocupação aprofundou meu interesse e ressignificou a relação que eu tinha com o alimento. Além dos ganhos interpessoais e das trocas de saberes, a Cozinha Comum é a grande responsável pela minha aproximação definitiva com o ato de cozinhar e com uma alimentação saudável e, sobretudo, gostosa.


Sempre estive na cozinha, desde que nasci! Nem que fosse me esquentando na beira do fogão à lenha, enquanto observava e aprendia o amor de cozinhar com mamãe e vovó. Porque lá em casa, cozinha é onde passamos a maior parte do tempo e onde tudo acontece. Isso não mudou muito quando fui morar longe da família, passei a cozinhar sozinha e com amigos. Na faculdade, com o surgimento da cozinha comum, não pude ficar de fora. A cozinha extrapolou sua representação de espaço de produção de alimentos, relações e trocas, que pra mim já era fascinante. Sua face política se abriu diante de mim. Cozinhar e comer no coração de uma metrópole com pessoas diversas, nos permite cotidianamente discutir e repensar esse ato, em busca de alimentação consciente e sustentável.

Comecei a aprender a cozinhar quando criança, o que é comum. Quando cheguei nos meus desesseis anos é que comecei a gostar mesmo de cozinhar. Fazendo comidas e docinhos, bolos e lanches para minha família e para mim mesma descobri que o ato de preparar o próprio alimento dá outro significado à refeição. Parece mais familiar, envolve afeto. O que fui percebendo ao cozinhar em família é que esse também é um fator de união. Quando se cozinha para si, você tem mais certeza do que come, quais são os ingredientes e se você quer mesmo consumir aquilo, o que é impossível ao comer na rua ou ao pedir comida por telefone, é mais saudável.

Laysla Araújo Dionísio, MG

Alice Oliveira Bottaro BH, MG

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Victor Rocha Isaias Fortaleza, CE

Vinicius Bicalho BH, MG

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Minhas memórias iniciais ligadas ao ato de cozinhar são de momentos como quando eu tinha que ralar coco para que minha mãe misturasse à fécula de mandioca para fazer tapioca. Eu tenho um apreço especial pela culinária nordestina por entender a alimentação como o traço de uma cultura e saber que muito do que se come, principalmente nos festejos populares, vem de uma resistência alimentar afroindígena. Eu considero que aprendi a cozinhar “de verdade” quando tive que morar sozinho e ter uma rotinha diária de fazer o que iria consumir. A cozinha comum foi essencial para que eu pudesse experimentar novas técnicas e alimentos. O que me marcou mais nessa experiência foi perceber que é possível se alimentar com baixo custo de forma saudável, saborosa e vegetariana.

Desde eu que eu era um pequeno garoto, eu gostava de cozinhar, botar carne na chapa em Pará de Minas nos finais de semana com meu pai era um evento. Me sentia útil, e me aproximava dele, e de alguma maneira aquilo mexia muito comigo, para além desse reconhecimento direto, mas era como afirmar um lugar de importância, que na verdade nenhum dos irmãos queriam. Hoje, já um grande garoto, amo cozinhar, me acalma e me diverte. Geralmente sou eu quem cozinha e inventa moda aqui em casa, e cada vez mais venho experimentando e, as vezes, acertando nos temperos. PS.: cozinho pouco com meu pai hoje, voltas que o mundo dá...


Cozinhar nunca foi uma tarefa fácil para mim. Sempre estive habituada a fazer lanches rápidos e nada saudáveis. Descobri há pouco tempo que tinha intolerância à lactose e isso mudou muito minha rotina alimentar. Participar da cozinha comum durante a ocupação foi uma experiência incrível de empoderamento. Quis participar da cozinha porque era lugar agradável, de acolhimento, onde sempre tinha alguma coisa para ajudar, e saí de lá com o sentimento de que até eu, que não tenho muita experiência com o ato de cozinhar, posso fazer comidas saudáveis, sem lactose e deliciosas. Aprendi que cozinhar, além de ser um ato político, é também um ato de muito amor e felicidade compartilhada.

Sempre observei as minhas avós e mãe cozinhando e logo já comecei a fazer alguma coisa ali e outra lá. Ajudando picar, apanhar algum tempero na horta. Tomei consciência de que de todos os meus primos eu era o único que ficava na cozinha, mas ainda não entendia o porquê de ser uma obrigação das mulheres estarem lá, fazendo comida para todos da família, enquanto os homens faziam tudo de menos tarefas domesticas. Permaneço na cozinha, porém observo uma mudança que vem quebrando os papeis de cada gênero. Papeis uma ova! gêneros uma ova! vamos ser apenas gente e de preferência na cozinha!

Larissa Reis BH, MG

Marllon Luiz Morais BH, MG

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Rafael Amato BH, MG

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A cozinha foi sempre um ambiente muito importante para minha família e desde pequeno fui incentivado a cozinhar. Fui aprendendo ao longo do tempo algumas receitas e me virava bem cuidando da minha própria alimentação. Durante a ocupação da Escola, no entanto, fui desafiado a interagir com um número maior de pessoas e a pensar no preparo da comida dos meus colegas com afeto e responsabilidade. Um pouco antes do início da ocupação, aderi a uma dieta vegetariana o que impulsionou ainda mais a me envolver com a cozinha e com a preocupação de uma alimentação inclusiva. O aprendizado foi gigantesco! Novas receitas, novos amigos e a vontade de continuar cozinhando coletivamente.


A cozinha sempre foi o espaço de encontro e afetos na família, não tinha outro melhor da casa para compartilhar memórias, vivências, costumes. na casa da vó, ela ensinou eu e meus primos a fazer rosca, manteiga, bolacha de nata, e ali, entendi o que é cuidar do outro, numa mistura de subsistência e de desejos. há alguns anos, quando decidi não comer mais carne, minha alimentação e meu ato de cozinhar se transformou, e se transforma até hoje. O vegetarianismo me levou a uma alimentação mais consciente, e a ter abertura para outras formas de cozinhar e alimentos não convencionais. Na cozinha dona lourdes, a cada encontro, uma receita, uma memória, um tempero, um desejo. pra mim, a cozinha é um espaço de relações, experiências, afetos, junto a uma necessidade básica, que se torna em um modo de amar.

Ana Cecilia Souza Itajubá, MG

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notas

14.outubro


15.outubro


notas

16.outubro


17.outubro


notas

18.outubro


19.outubro


Ocupar, cozinhar e resistir transcrição de conversa realizada durante a Ocupação da Escola de Arquitetura e Design da UFMG com membros do GT cozinha comum

União Thiago_a ideia de termos essa conversa é a de fazer um registro do que está acontecendo na ocupação. Nós acreditamos que o registro mais potente disso tudo é a experiência de cada um, o que estamos aprendendo individualmente e coletivamente e entendendo a partir dessa vivência. Ceci_é um momento da gente aqui na cozinha também parar e pensar sobre o que está acontecendo, e acho que isso é muito importante para todo mundo e para a escola de arquitetura. Essa ocupação é um marco para a Escola, a cozinha também, e com certeza esse momento irá transformar as relações aqui dentro. 76


Queríamos primeiro entender o que fez vocês se envolverem com a cozinha. Matheus_quando eu cheguei aqui eu não tinha contato direto com a Cozinha Dona Lourdes porque quando ela começou eu estava de intercâmbio e quando eu voltei não tive tempo por causa de estágio e aulas. No primeiro dia de ocupação me colocaram no GT (Grupo de Trabalho) de comunicação, me enfiaram nele: “Você é do design? Então vai pro GT de comunicação, fazer uns flyers”. E foi extremamente cansativo, estressante e ruim. Daí no outro dia que eu vim dormir aqui eu, a Fernanda e o Vinicius resolvemos ir pro GT de cozinha. Para mim o que me fez me envolver cada vez mais foi essa sensação completamente oposta do que a que o GT de comunicação tinha me proporcionado. A relação dentro da cozinha é calorosa, próxima, de descontração e afetividade, todo mundo coletivamente tentando solucionar um caos que era de todos. Essas relações foram sendo estabelecidas sem hierarquia, todo mundo resolvendo junto pensando no que cozinhar… isso criou outra relação de trabalho, diferente da comunicação que resolvia algo entre todos e cada um ia pro seu computador fazer e liberar arquivo. 77


Ceci_é uma gestão que a gente está descobrindo todo mundo junto. Cada dia acho que a cozinha funciona de um jeito diferente, dependendo das pessoas também. Matheus_tem pessoas que tem uma postura de liderança mais clara, e a gente vai se configurando a partir disso, de forma fluída. Camila_no primeiro dia eu nem sabia que estava acontecendo ocupação. Mas eu cheguei e resolvi ficar, ver o que estava rolando. Daí o que estava precisando de fazer eu fazia. Acho que isso é muito de cada pessoa…. Não tinha nenhum amigo meu envolvido na ocupação. Daí no segundo dia eu trouxe pão e fui entrando na cozinha pouco a pouco. Nunca tinha entrado na Cozinha Dona Lourdes, eu sabia dela mas não frequentava muito a faculdade. Sara_ eu tive um contato muito pequeno com a cozinha antes da ocupação. Umas três vezes vindo acompanhar o Wesley. Daí outro dia para usar a geladeira… Eu cheguei de intercâmbio recentemente, e o DA (diretório acadêmico) era um espaço que eu não me sentia a vontade de entrar. Mas com a ocupação todos os espaços da faculdade ficaram mais abertos. As pessoas também ficaram mais abertas, até eu mesma. 78


Ceci_várias pessoas já falaram isso, e é muito legal pensar que a cozinha é de frente ao DAzinho, tem o mesmo espaço, mas as pessoas se sentem mais a vontade. Matheus_uma coisa legal é que com a ocupação e com a cozinha nós criamos relações com pessoas que não esperávamos isso. Sara_mas acho que essa é uma característica da cozinha em todos os lugares que existe. Quando conhecemos pessoas de fora de Minas a gente ouve que a festa da família mineira acontece na cozinha e não na sala. Você recebe as pessoas pela cozinha. Acho que a cozinha por si só tem esse potencial agregador e estar na cozinha para mim foi isso… era um lugar que me sentia mais segura para fazer as coisas. Victor_acho que isso também vem de um envolvimento anterior. Não com aqui mas com cozinhar. Tem mais experiência pessoal. Thiago_quando nós trouxemos a cozinha para cá uma das primeiras coisas que aconteceu já no primeiro evento era a galera se aproximar por sentir um cheiro, um barulho diferente, algo que mexe muito com as sensações do corpo. 79



cozinha na ocupação


Estrutura livre Vinicius_uma coisa que acho legal é que a cozinha nunca teve uma estrutura grande e rígida. Ela está aqui, se você quiser vem e faz. É uma coisa natural. André_a gente tem personalidade muito forte também, isso às vezes é um problema, pois não fica muito convidativo para alguns. A gente não é tão convidativo quanto poderia ser. Ceci_mas é porque você fica muito tenso cozinhando, porque tem que fazer aquela comida sair. Sara_e a gente fica numa angústia de vez em quando de fazer as coisas darem certo... igual os problemas que aconteceram com pimenta, e acontece de algumas vezes virem reclamar de alguma coisa da comida. Paula_é que qualquer erro que acontece as pessoas que não ficam agradadas reclamam muito. Então além da responsabilidade de fazer a cozinha funcionar nessa escala muito grande, a gente não pode errar. Aí eu sinto que as 82


pessoas têm uma relação um pouco infantilizada com a cozinha. Ceci_Infantilizada, mas também vêem a cozinha como prestação de serviço. André_Mas a gente que cozinha desenvolve uma relação muito diferente com a comida, eu morro se um bolo meu sola. Vinicius_Eu tinha cozinhado uma vez aqui, no dia que almocei aqui com as intercambistas alemãs. E foi muito engraçado porque eu não conhecia ninguém além da Isabela e nós cozinhamos todo mundo junto. E essa liberdade, que não é a liberdade de você ir e fazer sozinho, mas é aquela liberdade de você poder experimentar junto, propôr. Daí olhando aqui na ocupação, é o GT que mais se permite errar nesse sentido. Como alguém vir com a ideia “Vamos fazer um caldo com canela”, quem que teve essa ideia idiota? Mas ficou tão bom. E a melhor parte é que esses erros que acontecem dentro do GT são aprendizados e são fundamentais. E a gente caiu no GT da cozinha eu, Matheus e Fernanda, mais ou menos do mesmo jeito. A gente estava no GT da comunicação e foi muito estressante. Lá na comunicação era cada um fazendo o seu, daí a gente tentava criar uma integração 83


mas acabava em disputa, um tentando ser mais crítico do que o outro… Sara_teve uma época que alguém falou de criar um GT para receber as novas pessoas que iam chegando na ocupação. E a cozinha é um ótimo lugar, porque sempre tem alguma coisa para fazer e se a pessoa se identificar com outro grupo ela pode mudar. Paula_eu estava pensando um pouco sobre isso e acho que nossa ocupação tem uma forma muito pré-definida. Que foi dividido durante o ato de ocupar e muitos dos GTs estão trabalhando de uma forma muito convencional e mecânica. Enquanto que a cozinha é tanto uma espacialidade quanto uma proposta muito diferente. A cozinha, esses carrinhos, essas coisas todas que surgiram enquanto a ocupação está aqui não são coisas que tem em todas ocupações. Não é algo que tem um molde de uso. E acaba que a gente consegue fazer as coisas de forma muito livre, ir experimentando e fazendo, Mesmo em dias de demanda grande a gente consegue ter autonomia de experimentar o que fazer. Ao mesmo tempo não são coisas que te vinculam para sempre. Você não precisa assumir tarefas e ficar preso nelas a semana inteira, com prazos… 84


cotidiano ocupacao

preparo e aprendizado


Cozinha ocupada Thiago_acho que cabe pensar como a cozinha se transformou na ocupação e como ela transforma a ocupação. Acho que se transformar sempre foi um jeito da cozinha se reerguer e existir. Cada vez que mudamos ela de lugar, ou inventamos um novo jeito de usar ela, com almoço todo dia, oficinas, ela se atualiza e mobiliza novas pessoas. Acho que a Ocupação também é mais uma transformação da cozinha. Teve a Ocupação e os carrinhos, os dois chegaram meio juntos e gerou uma grande transformação na história da cozinha. André_sem querer ser prepotente, eu acho que a cozinha é a base da ocupação. Se não 86


fosse comida teria uma zona, o povo ficaria desesperado porque tem que fazer já muita coisa e ainda parar para fazer comida ou cada um iria sair para comer. Iria ser uma desassociação muito grande. Sem falar que a cozinha não só está virando uma porta de entrada para as pessoas conhecerem a ocupação mas também está virando o marco dessa ocupação. As pessoas conhecem a gente por causa da cozinha, não porque temos a ação X, Y ou Z. Matheus_uma coisa que acho super legal que a cozinha conseguiu criar dentro da ocupação uma dinâmica um pouco divertida. Porque assim, uma coisa que percebo com as pessoas, é que cria uma curiosidade com o que vamos preparar. Eu já vi várias pessoas perguntando. Essa dinâmica do que a cozinha está fazendo, de como isso vai afetar a galera, da surpresa “nossa vocês fizeram bolo de manga, chutney”. Essa inventividade da cozinha tem promovido uma curiosidade nas pessoas. Andre_e acho legal que isso não é uma coisa que é falada, é experimentada. Matheus_no dia que fizemos pão de feijão por exemplo era uma atração. A gente abria 87


o forno e chegava 5 pessoas para ver como estava. Ai passava mais um pouquinho vinha mais 5 pessoas… Ceci_as pessoas estão perdendo algumas resistências alimentares também, por exemplo ao aprenderem várias possibilidades de se comer sem carne. Wesley_acho que dessa forma que a cozinha extrapola a ocupação já, na transformação dessas questões. Repensar os ingredientes, o modo de trabalhar eles, que o arroz não é só branco. E isso é muito doido porque a gente passa pelos alimentos sem pensar a respeito deles toda hora, sem crítica. Victor_acho que sim, afetou internamente as pessoas da ocupação mas também no começo da ocupação a cozinha atraía muitas pessoas de fora. As pessoas passavam, ficavam interessadas no que a gente estava fazendo e sempre perguntavam, pediam comida. Foi um jeito de aproximar dessas pessoas. Diminuiu um pouco isso agora, acho que é um problema da ocupação mesmo, que deu uma estagnada como um todo. E uma coisa que fiquei pensando é que a gente já começou uma movimentação forte em torno da comida aqui. Acho que a gente 88


tem que aproveitar isso para na pós-ocupação começarmos a questionar a cantina. De fato a comida não é boa, é caro… Ceci_de fato uma das coisas que nos motivou a querer ter uma cozinha na escola é isso: não tem opção, o que tem é caro, não atende, então a gente poderia ter autonomia para preparar nossas coisas. Wesley_isso é uma das coisas que mais me motiva para estar na cozinha. Poder pensar que podemos ter outros alimentos que não aqueles congelados há 10 meses e que a única opção vegetariana é soja. Paula_no contrato da cantina é colocado que os alimentos servidos sejam congelados, é um requerimento da UFMG que seja assim. Então rever isso envolve algo muito maior. Vinicius_essa questão da comida, justamente por normalmente ser tão “vou ali e compro” e poder ter essa relação muito menos afetiva com o alimento, acho que era problemático para uma grande parte das pessoas. Inclusive para mim que pensava que não ia ficar aqui cozinhando porque tinha que ir para aula. Mas daí com a ocupação a necessidade de fazer, 89


de ter que cozinhar. Precisa de fazer a comida, ela tem que sair e tem que acontecer. Daí bota a mão na massa. E é legal que juntou um grupo de pessoas que está afim disso mas não de fazer macarrão com molho de tomate, é uma galera que já tem o mínimo de interesse de experimentar a cozinha e fazer isso. E acho que todo mundo aprendeu com todo mundo aqui, outro dia fiz receitas da ocupação lá em casa. Matheus_também queria reforçar essa questão de estarmos criando pessoas mais conscientes em relação a alimentação. Eu mesmo passei a odiar margarina. E também uma consciência econômica. Igual outro dia foi levantado na assembleia que a gente fica fazendo coisa que dá muito trabalho, tipo pão, a gente pode ir na padaria e comprar o pão de sal. Mas a galera não pensa que o pão de sal é muito mais caro. E a gente faz porque a gente tem os ingredientes disponíveis aqui, que chegam de doação, é muito mais barato, muito mais saudável, agradável e vai sustentar muito mais, e a gente gosta de cozinhar. Thiago_normalmente nós temos uma relação com a comida que é a relação de produto, né? Algo a ser consumido. E aqui a gente cria a relação do fazer, do processo, que é afetiva. 90


cotidiano ocupacao

preparo coletivo de almoรงo


organização Ceci_e como é cozinhar para muita gente? Como se organizar, pensar as receitas… Paula_é legal porque tudo foi mudando né? Em um mês ficou tudo diferente. Victor_não é uma pitada de sal, é sempre uma mão. Andre_eu lembro a gente fazendo pão e vendo “então a receita tem tantas coisas… 5 receitas dessa, 5 dessa, 4 daquela….”. A gente fez umas 20 receitas! Quando a gente ia fazer isso na vida? Vira uma padaria, né. 92


Matheus_nesse dia a gente estava fazendo pão para o pessoal levar pra Brasília. Eram seis pessoas aqui na cozinha e a gente pensou que tínhamos que fazer pão para todo mundo que estava indo para durar 12 horas. Então saiu uma equipe para comprar o que estava faltando, outra equipe ficou aqui para começar. Quando voltamos, quem ficou tinha organizado a mesa para sovar o pão, a mesa para fazer cada receita, tudo organizadinho, os ovos e leites separados, o que fez a produção ser muito mais legal. Porque enquanto um estava fazendo um pão o outro estava fazendo outro e colocava etiqueta falando que horas tinha que tirar cada receita. Sara_eu acho muito bonito porque é muito uma relação de afeto. A gente não vai dar umas bolachas de água e sal para o pessoal comer. E eu lembro de ver o povo agradecendo com as sacolinhas de comida, isso foi muito emocionante. Camila_acho que isso é uma característica de todo mundo da cozinha, de querer cuidar das pessoas, querer sempre o melhor. Por isso ficamos discutindo o que fazer para o povo levar. Eu acho que não é uma preocupação comum de qualquer pessoa. 93


Matheus_é, por exemplo a gente trocou metade da receita de pão por farinha integral, para o pessoal ter fibra, ter o que alimentar. Vinicius_eu lembro o pessoal achando muito chique quando fizemos o pão na forminha de cupcake, como uma trouxinha com recheio. E isso não é chique, é pão aberto. Mas é esse cuidado ne? Não é só comer, é comer com prazer, com o olhar, com as sensações. E era muito legal as pessoas colocando aquilo no prato e era o que mais queriam comer. Falando como ficou bonitinho. Ceci_o que acho legal é que todo mundo fala que a comida é chique mas a gente cozinha com o que recebe de doação. Isso faz parte também do cuidado o que a gente pede de doação, que a gente sempre coloca coisas saudáveis e isso influencia no que recebemos. Wesley_também temos que pensar no lugar na cidade em que a gente está, né? O que facilita chegar certo tipo de doação. Ceci_é a galera no campus quando acaba algo pede para outra ocupação de lá. Matheus_mas isso porque a escola de arquitetura está integrada na cidade, não é igual 94


o campus que está cercado, isolado e protegido. Estamos perto de um sacolão, um supermercado. Andre_eu acho que é o fato de estarmos na Savassi. Aqueles dois meninos que vieram de São Paulo eles ocupam a fábrica de cultura que fica no meio da favela do Capão Redondo. E eles falam que comida é complicado porque o povo da favela vai lá comer. Aqui na vizinhança vem poucas pessoas. Paula_mas bem no início chegam pessoas para ver como estava funcionando e achavam legal esse negócio de chegar, poder comer e contribuir com o quanto você acha que deveria atraiu muita gente até do nosso ciclo mesmo. Ceci_mas isso é outra questão, como é cozinhar na rua? Andre_mas eu acho que essa rua nossa é uma ideia de rua. Não acho que essa rua seja rua. Ceci_mas assim cozinhar fora, deslocar a cozinha para o lado de fora e o que isso provoca em nós que cozinhamos, nas pessoas e na cidade. As relações que criamos com os vizinhos…

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Matheus_sábado mesmo aconteceu de duas senhoras que estavam passadno virem a gente cozinhando e perguntarem se estávamos precisando de alguma coisa. Daí falaram da amiga que tem coisas orgânicas e que poderia trazer para a ocupação. Então ainda que existam pontos de estarmos expostos, “vulneráveis” de certa forma, também tem outra situação que é do ambiente agregador. Que é transpor essa cozinha, esse espaço familiar para o cotidiano urbano. Sara_eu acho que não dá para desconsiderar que é rua. Por menor que seja a escala. Outro dia veio uma senhora e me contou que produz o sabão dela, daí ela indo embora eu lembrei dos óleos que temos aqui, daí perguntei o que ela usava e ela respondeu “óleo e gordura”, daí ela foi para o trabalho, voltou na hora do almoço, trouxe uns galões com funil, a gente pegou os óleos e entregamos para ela. Wesley_eu acho que o que o Andre estava querendo levantar, falando do pessoal de Capão Redondo, era de quando pensar nossa ocupação, nossa cozinha sempre entender nossa situação e contexto social na cidade, que são bem específicos e distintos de outras ocupas. 96


André_tem a questão da nossa estrutura, temos cozinha, os carrinhos, ponto d’água. A questão territorial, estamos na Savassi, só tem gente rica no entorno que não precisa de comer aqui. Sara_o fato da gente receber doações de mais de 300 reais mais de uma vez. Qual outra ocupação de BH isso já aconteceu. Thiago_eu fico lembrando muito de quando eu e a Ceci conversamos sobre cozinha com as mulheres da Eliana Silva, que no início da ocupação, quando ninguém tinha casa e cozinha, as cozinheiras se alternava em grupos de 5 a 10 pessoas para cozinharem para 300 famílias. E desenvolveram uma rede de comércios locais para abastecer a cozinha delas. E acho que chega num dimensionamento que não tem muito espaço para criatividade e inventividade que nós podemos experimentar. E elas tem que fazer todas refeições realmente, porque é a comida que sustenta a ocupação. Camila_eu acho que muito da estratégia de o que pedir tem que ser considerado. Porque as pessoas do campus na lista de coisas que estão pedindo não tem legumes, eles não tentaram pedir isso. Tinha enlatados, leite condensado... 97



cafĂŠ contra a PEC


hábitos alimentares Thiago_esse casal dessa ocupação de São Paulo que você falou que esteve aqui disse que foram conhecer a Ocupação Eliana Silva e disseram que conversaram com eles sobre vegetarianismo perguntando porque eles pautam o cardápio na carne lá, dizendo que na ocupação deles eles assumem uma comida vegetariana por ser algo mais econômico. E eles falaram que teve um retorno, da galera pensar essa possibilidade. Camila_se você for pensar no poder aquisitivo, no campus tem unidades onde estão pedindo carne, é bem mais caro do que pedir vegetais. Então é uma opção mas tem uma cultura por trás disso. Andre_acho que é uma coisa de preconceito, porque eu era desse jeito. 100


Paula_mas não precisa ser necessariamente um preconceito que a pessoa nutre. É você não achar que tenha outra opção que não seja carne. Você entende que a carne é necessária. Como se ela fosse o sustento da refeição. Wesley_é essa coisa montada, como se a carne fosse a proteína, o feijão o ferro, o arroz carboidrato… Thiago_e essas pesquisas são financiadas. Tem aquela história que a presença do leite em nossa cultura se deu por conta de pesquisas financiadas e encomendadas por empresas de laticínio, para fazer as pessoas acreditarem que tinham que beber leite todo dia. É uma questão cultural associada também a uma questão de mercado, uma cultura produzida e induzida por esse mercado. Matheus_e é uma cultura criada no ocidente. No oriente grande parte da população não tem as enzimas necessárias para digerir leite. Porque o desenvolvimento foi diferente. Thiago_todos são muito reféns dessa cultura produzida pela mídia e os padrões estabelecidos a partir daí. E acho que o Matheus está certo quando diz que é uma 101


cultura ocidental, uma amiga indiana já me falou que lá é comum comerem carne uma vez por semana ou até uma vez por mês. Marllon_um amigo meu me falou que eles nem deixam de comer carne de vaca por ser um animal sagrado, mas por pensarem que é muito melhor ter ela para dar leite do que comer a carne dela. Wesley_sim, é muito mais inteligente você ter o animal vivo e a partir dele poder produzir outros tipos de alimentos. André_la em casa quando me perguntaram como está sendo na ocupação, o que a gente está comendo, e eu falei que a gente não está comendo carne, ficaram preocupados. Não existe esse pensamento de “você está substituindo a proteína?”, porque carne é carne. Sara_eu sempre fico vendo falando sobre vegetarianismo e falando sobre essa coisa da B12, e a B12 era encontrada nos vegetais. Só que as coisas foram desenvolvendo de um jeito e nós fomos ficando tão dependentes da carne que nosso corpo parou de conseguir metabolizar elas dos vegetais, mas a vitamina está lá. 102


cotidiano ocupacao

vizinha cozinhando na ocupação


espaço pedagógico Thiago_quando a gente pensa a cozinha como um projeto maior a gente está produzindo conhecimento e discurso o tempo todo. E de forma sensível, a alcançar as pessoas da ocupação para elas poderem pensar por exemplo porque na vida toda eu tive na minha cabeça que precisava comer carne para ter proteína, ou porque não aproveitar a casca de certas frutas e legumes… E acho que aí também está um dilema da nossa existência, porque ao mesmo tempo que essas partes que estamos usando como a casca, a semente, são as partes mais nutritivas são as partes que concentram mais agrotóxicos. Então não tem como discutir o reaproveito desses alimentos sem discutir a política de agrotóxico brasileira que é das mais permissivas do mundo. Ceci_e acho que temos que pensar qual a potência da cozinha para a faculdade, e o que poderia se transformar aqui a partir dessa experiência? Em produção de conhecimento, metodologias… Sara_no início da ocupação, acho que foi alguma professora que veio aqui falar, que a gente tinha que tomar cuidado para não 104


demonizar a PEC, porque esse discurso de demonizar a coisa afasta as pessoas. Acho que em relação a alimentação vegetariana e vegana é a mesma coisa. Talvez pensar no consumo mais consciente de carne seja mais inteligente do que pregar vegetarianismo. Talvez o mais interessante seja isso, pensar como o consumo de carne ou a questão dos agrotóxicos, que também está muito atrelada pois se produzo muito alimento que não para para nós, é para o gado. Victor_eu ia sugerir de pensarmos que a cozinha pode ser um espaço pedagógico. E pensar no alimento no seu ciclo todo: pensar na produção, talvez culminar numa horta na faculdade, numa composteira, pensando nesse fim do ciclo. Thiago_eu acho que oficinas para fazer esses momentos de construção e educação poderiam funcionar de um jeito legal no cotidiano da faculdade. Sara_acho que temos que pensar também em como será no momento em que acabar a ocupação. Wesley_as moças da faxina já cultivam algumas coisas ali atrás, seria muito legal envolver elas na construção de algo nesse sentido. 105


Ceci_as faxineiras demonstram interesse por essas iniciativas, mas aqui mesmo na cozinha elas evitam entrar para obedecerem o Miguel, superior delas. Elas são muito controladas em relação ao que podem fazer, onde podem entrar, e isso impede que elas tomem parte das coisas com parte da comunidade que são. Thiago_a gente conversa muito com as faxineiras e aprendemos demais com elas sobre as plantas, receitas… mas tem essas normas colocadas sobre elas que desgastam toda relação. Wesley_eu acho que a gente enquanto alunos temos o poder de pressionar a diretoria em relação a essas pautas. Victor_o grupo que participo é lá no IGC, e também tem essa coisa das faxineiras no mesmo esquema. Mas nós conseguimos conversar com algumas e elas agoam as plantinhas, levam pra casa. Então ainda que seja pontual, pode haver um envolvimento. Dá para fazer como um berçário de mudas, uma composteira que é mais fácil… Wesley_ou a cozinha aqui da EA tentar parceria com gente que planta, e ter uma rede de trocas. 106


cotidiano ocupacao

almoรงo coletivo

100


notas

22.outubro


23.outubro


notas

24.outubro


25.outubro


notas

26.outubro


28.outubro



cozinha na ocupação


Alimentos de resistência Aprendemos com mulheres de força e de luta que a cozinha é a base de qualquer movimento de resistência e, nessas situações, quem está na cozinha assume a responsabilidade de manter os corpos em luta. Na ocasião dessa conversa, em 2014, ainda não podíamos entender o real significado dessa fala. Nós, jovens de classe média, dificilmente enfrentaríamos uma situação em que fosse necessário encarar esse desafio. Essas palavras, marcadas em nossa memória, se corporificaram com a ocupação de nossa escola, imediatamente reconhecemos e assumimos esse papel de manter energia vital do movimento. No primeiro dia ainda estávamos confusos com a situação que nos foi colocada. Vários grupos de trabalho se articularam e a cozinha começou a funcionar em praça pública. Tínhamos estrutura, uma cozinha móvel, mas como preparar em pouco tempo alimentação para um grupo grande de pessoas? A primeira coisa que pensamos foi: vamos fazer comida que se possa comer com as mãos! Não dispúnhamos de utensílios para servir a todos e não queríamos gerar resíduos com utensílios descartáveis, essa foi 116



a primeira de muitas adaptações de receitas, modos de fazer e pensar comida que o grupo da cozinha desenvolveu. As preocupações que envolviam a cozinha na ocupação tornavam complexa a tarefa, requer dos cozinheiros inventividade e flexibilidade para produzir o alimento frente a diversas variáveis. Aqui não há lugar para um planejamento estratégico, onde se domina todo o terreno e prevê as próximas jogadas, mas sim uma série de procedimentos táticos, onde devemos “jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha” (2). Força essa cexpressada nos ingredientes disponíveis, dinheiro de caixa, restrições alimentares dos ocupantes, condição da cozinha, programação do dia, meteorologia e os saberes e trocas entre os próprios cozinheiros. A ação tática na requer dos cozinheiros, apesar da heterogeneidade entre eles, se reconhecerem enquanto grupo e terem para si princípios (constantemente renegociados), que norteiam a atividade da cozinha, independente de quais indivíduos assumi-la em determinado preparo: alimentação inclusiva, reaproveito, uso de partes não convencionais, diálogo com pessoas de fora, horários de refeição, etc. 118







Atravessados pela situação da ocupação e envolvidos em seu processo, decidimos realizar um banquete como um momento de reconhecimento da produção de conhecimento que vinha sendo desenvolvida na cozinha ao longo de duas semanas. Elaboramos um cardápio trabalhando nossa atuação na cozinha de maneira cruzada com uma pesquisa de alimentação como símbolo de resistência cultural. Estruturamos nossa estratégia em dois dias de planejamento, com a intenção de levar para discussão no dia do evento a importância política de nossas escolhas alimentares. Entre uma refeição e outra, um grupo em construção, de pessoas que se integravam a cozinha da ocupação, decidiu trabalhar ingredientes que além de serem historicamente reconhecidos como importantes elementos da cultura alimentar brasileira, fossem economicamente acessíveis e utilizados na nossa alimentação cotidiana e também alimentos regionais que deixaram de ser consumidos por uma massificação industrial. Usamos como base dos preparos milho, feijão, mandioca e banana; para acompanhar levamos quiabo, maxixe, abóbora, jabuticaba, inhame. No dia do evento nos dividimos, era necessário preparar o almoço e em paralelo o banquete, foi uma produção muito 124


grande de comida, que conseguimos fazer com poucas compras e aproveitamento de alimentos doados. Cada comida foi pensada para a ocasião e tentava despertar o estranhamento com misturas e formas de comer inusitadas, muitas pessoas não conheciam ingredientes, como maxixe, dendê, ou nunca tinham comido capitão, que é um bolinho de feijão com farinha amassado com as mãos; usamos cascas de frutas como recipientes; aproveitamos partes não usuais dos alimentos, como talos e cascas; envolvemos comida com folhas comestíveis. Nossa intenção era levar a discussão usando a comida, de maneira sensível, como instrumento, provocador de diálogos. Hoje percebemos que o movimento de transformação dos hábitos alimentares acontece em um tempo lento, o da resistência nas escolhas cotidianas. Essas ações pontuais, que despertam curiosidade, espanto ou estranhamento tem uma potência muito grande, pois nos convidam a fazer testes e experimentações, inserindo elementos novos ou recuperando antigos modos de fazer, irrompendo formas padronizadas dos nossos hábitos e inserindo novas práticas possíveis ao nosso cotidiano. 125


Cardápio do banquete “Memórias de Resistência” *Tapioca (mandioca) com recheios de: -Quiabo com dendê -Doce de banana -Patê de inhame com alho torrado *Mandioca cozida com manteiga e azeite *Mingau de milho verde na casca de laranja com confit de limão *Banana verde frita *Maxixe recheado com feijão de corda *Capitão de feijão de corda com farinha de rosca *Pudim de abóbora com coco e confit de limão *Pao de banana *Pao das 10 dobras *Bolo de milho *Chutney de jabuticaba com molho de pimenta *Folhas de couve e hortaliças para servir *Chás e águas aromatizadas *Pao de milho *Bolo de mandioca *Geleia de manga *Bobó de mandioca no tomate assado com ervas *Bolo de banana *Suco de laranja com cha de hibiscos *Cha de hibiscos com melão

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banquete



banquete


Equipamentos A cozinha externa da Ocupação iniciou apenas com os dois carrinhos de cozinhar que haviam sido construídos pouco antes do início do movimento. Ao longo da Ocupação outros mobiliários foram sendo improvisados, essenciais para estruturar a produção alimentar. Fogão sob rodas Nos primeiros dias de ocupação o fogão era carregado para fora cedo para manter a ocupação externa e a noite levado para dentro para fazer a janta. Em alguns dias colocaram ele sob rodas para facilitar o deslocamento. Carrinho de compras Utilizado para facilitar o transporte de ingredientes e utensílios da cozinha interna da faculdade para a praça.

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Cozinha Móvel Dois módulos de cozinha, um com pia redonda e outro com fogão horiontal de três bocas. Cozinha coletiva móvel que na Escola de Arquitetura foi pensada para funcionar como extensão da cozinha comunitária e de gestão compartilhada já existente ali desde 2013.

Mesas de apoio mesas utilizadas como apoio para a cozinha móvel. Durante o dia funcionava como mesa de preparo para descascar, picar e fatiar e na hora de refeições como mesa de refeitório.

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Produzir alimentos, espaço e relações Realizar uma ocupação externa em uma praça da cidade que, como tantas outras, conta com escasso mobiliário urbano, áreas de permanência ou de reunião e elementos de suporte a atividades dos usuários, requer já em um primeiro momento uma ação direta de se construir, ainda que de forma efêmera, estruturas que dêem suporte às atividades da Ocupação. Na Escola de Arquitetura e Design da UFMG essa ação era cotidiana. Todos dias, ao acordar, eram carregados toda sorte de mobiliários, estruturas e equipamentos que poderiam ser úteis para a programação diária que no fim do dia, eram levados de volta ao interior do prédio, onde ficavam protegidos. Cadeiras, sofás, tapetes, caixas de som, bancos, mesas, carrinhos de supermercado, a cozinha móvel e os equipamentos improvisados para estruturá-la de forma mais adequada a Ocupação. A configuração desses mobiliários respondia a cada dia a necessidades específicas das atividades propostas na agenda da ocupação e a condições climáticas. Sempre em metamorfose, “o espaço é o resultado de um matrimônio 132


Dias de sol


ou um encontro, sagrado enquanto dura, entre a configuração territorial, a paisagem e a sociedade’’(1), constante processo, ressignificado e atualizado por quem o habita, em resultados efêmeros. A ação dos estudantes e a configuração das estruturas fixas e móveis configurava a praça como sala de aula, auditório, ágora, salão de dança, refeitório, cozinha, vazio, oficina, feira, casa e o que mais o encontro da circunstância, estruturas e da ação dos alunos criasse. Nas mais diversas configurações a cozinha constantemente era instalada na fronteira entre a ocupação e a rua. A princípio para a conversa dos cozinheiros e ruídos do preparo não atrapalharem as atividades, ou para se buscar um pouco de sombra embaixo de uma árvore. Mas logo nos primeiros dias da ocupação foi percebida a potência agregadora do dispositivo, capaz de instaurar diálogos com transeuntes, visitantes, outros alunos e entre os próprios participantes do movimento. O preparo aberto e coletivo facilitava a aproximação de alguém que queria ajudar fazendo algo, a troca de saberes culinários, receber uma visita com uma comida gostosa ou receber doações, quase sempre direcionadas a cozinha, na forma de ingredientes ou dinheiro para comprá-los. 134


Dias de chuva


Assim, as mesas com café, água e panfletos passaram a ser colocadas nas bordas da praça. As de preparo ficavam próximas aos carrinhos durante a feitura das refeições e para servir eram colocadas bem no centro da praça, para interromper as atividades e reunir todas pessoas na partilha da comida, ocupantes ou não. Em dias de chuva a configuração da ocupação se alterava. A praça se esvaziava e toda atividade aconteceu no hall de entrada da unidade. Exceto pela cozinha, que na maior parte das vezes ficava do lado de fora, embaixo da marquise, para mostrar as pessoas da rua que ainda estava acontecendo atividades na ocupação, o que muitas vezes as atraía para o diálogo. Em dias de chuva forte ou pouco movimento na rua, a cozinha se instalou do lado de dentro, próximo a porta de entrada, limitada pelo alcance da mangueira que se abastecia no ponto d’água da praça e esgotava a água nas plantas do lado de fora. Essa configuração, ainda que permitisse maior integração dos cozinheiros com as atividades da Ocupação, dificultava o encontro com as pessoas de fora.

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Dia de assembleia


A atividade de cozinhar foi praticamente ininterrupta durante toda a ocupação. Era necessário nunca se perder a essência sensível da atividade, pois trabalhar com alimentação é acessar o outro. O ato de cozinhar se misturava na ocupação a uma produção de espaço e de relações, se revelava um potente mobilizador social, mediando relações humanas e não-humanas, mobilizando atores que ampliavam a rede que se construía com a ocupação (2). Há aqui uma força estética e política ao se pensar um processo no qual o material de trabalho e o horizonte que se mira são as próprias relações inter-humanas, e todos produtos parciais que se formalizam (receitas, espaço, situações, impressos, etc) são desdobramentos dessas forças (3). Ainda que após 55 dias de ocupação, ela se encerrou e a PEC55 foi aprovada, uma pequena revolução aconteceu na vida de todos estudantes das mais de mil escolas ocupadas: nas relações que se criaram e se fortaleceram no movimento, e nas cozinhas coletivas, que desafiam a produção hegemônica da alimentação na cidade, reinventam formas de fazer e revelam que na cozinha acontece política, e a consciência alimentar é uma forma de estar ciente de suas escolhas e como elas afetam o mundo. 138



Doações A cozinha da Ocupação se abasteceu com doações de alimentos e dinheiro feitas por quem esteve no movimento, visitantes e apoiadores. No período de 4 a 15 de novembro o cozinheiro André Jacomini contabilizou o que foi recebido de alimentos para abastecer a cozinha.

*Abacaxi 4 unidades *Abobora 5 unidades *Abobrinha 28kg *Açúcar 17kg *Alface 2kg *Alho 7kg *Arroz 20kg *Batata 26kg *Bananas 27kg *Beterraba 2kg *Berinjela 15kg *Biscoito 12 pacotes *Cacau 600g *Café 25kg 140

*Caldo de Galinha 1pct *Cebola 19kg *Cebolinha 7 maços *Cenoura 12kg *Coco 1kg *Couve 2kg *Farinha 28kg *Feijão 10kg *Fermento Químico 2 *Filtro de Café 4pcts *Goiabada 4 pacotes *Hortelã 2 maços *Jiló 2kg *Laranja 20kg


*Leite 32L *Leite Condensado 3cx *Limão 15kg *Maçã 8kg *Macarrão 20kg *Manga 12kg *Massa de Bolo 8 pcts *Melancia 3 unidades *Molho de tomate 12L *Mostarda (folha) 2kg *Óleo 26L *Ovos 12 dúzias *Palmito 1kg *Panettone 3 unidades

*Pão 24 pacotes *Pepino 2kg *Pimentão 3kg *Presunto 1kg *Queijo 3kg *Rabanete 1kg *Repolho 8kg *Sal 9kg *Salsicha 1kg *Suco 19L *Tomate 24kg

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RECEITAS *Kibe de bering *Guacamole *Creme de abóbora *Semente de abóbora assada *Berinjela refogada *Iogurte natural *Feijao tropeiro com orapronobis *Capitão de feijão com abóbora *Capitão de feijão com batata doce *Panqueca de banana com laranja e recheio de geleia de damascos *Jiló refogado *Cuzcuz com queijo e coco *Cuzcuz com goma de mandioca e coco *Cuzcuz com de molho de tomate com espinafre *Feijão de corda, *Molho de berinjela *Mandioca no azeite com alho frito e cebolinha *Espetinho de legumes com curry e ervas finas *Farofa de banana com queijo e mantega

*Bolinho de arroz com molho verde *Farofa de banana com legumes e ovo *Farofa de banana com ervas *Batata rousti *Caldo de mandioca com pimenta *Caldo de mandioca com curry * Tabule com prato de alface *Molho de tomate com ervilha/milho *Caldo de mandioca com canela *Caldo de feijao e legumes *Bolinho de arroz *Torta de legumes *Crepe vegano *Salada de batatinha inglesa *Patê de abobrinha * Abobrinha grelhada *Tapioca com quiabo frito com dendê *Tapioca com doce de banana *Patê de inhame com alho torrado *Mandioca cozida com manteiga

* Suflê de legumes da Fer *Trouxinha de repolho com legumes *Batata recheada com queijo *Batata recheada vegana *Yakisoba vegano do Caio *Bolinho de chuva a Camila *Berinjela à Parmigiana *Capitão de feijão de corda *Legumes no shoyo *Purê de batata com beterraba *Couve refogada *Legumes cozidos *Purê de batata *Bobó de mandioca no tomate assado com azeite e ervas *Batatas chips *Abóbora com pesto ao forno *Salada de folhas com tomatinho *Empadão vegetariano ocupar e resistir *Caldo de mandioca *Carne de banana verde *Creme de beterraba


*Macarrão com molho de legumes e molho de tomate e manjericão *Salada de repolho com limão *Lasanha de berinjela com abobrinha *Arroz Integral com Talos *Talos refogados * Maxixe recheado com feijão de corda *Arroz com cenoura *Arroz com passas *Arroz com legumes *Arroz acebolado *Arroz com espinafre *Banana verde frita *Suco verde *Suco de laranja *Suco de limão *Suco de laranja com chá de hibiscus *Suco de melão com hibiscus *Suco de laranja com maracujá *Chás *Café *Águas aromatizadas *Pão de abóbora *Pão 10 dobras *Pão batata *Pão de café

*Pão de chá *Pão simples *Pão de queijo *Pão de beijo *Pão recehado *Pão de cebola na frigideira *Pão de banana doces *Doce de casca de abacaxi *Geleia de manga *Chutney de jabuticaba com pimenta *Geléia de pimenta *Sorvete de Banana *Mingau de milho na casca de laranja com confit limão *Geléia de Casca de Maçã *Geleia de jabuticaba *Geléia de casca de beterraba *Jambo cristalizado *Chutney de manga *Pudim de leite condensado com gerânio *Salada de frutas *Geleia de maracujá e manga da gabi *Brigadeiro

*Geleia de goiaba * Pudim de abóbora com coco e confit de limão macarrão *Molho branco+espinafre *Alho e óleo *Molho de legumes *Molho da Zizi bolos *Chocolate *Maracujá *Fubá *Cenoura *Maçã *Banana *Limão *Maçã+banana *Bolo de bagaço Milho *Banana caramelo *Cacau+beterraba *Flocão de milho *Chocolate vegano *Maçã+Creme *Merengue invertido de mandioca * Torta de Maçã com Creme Légère





mesa de almoรงo e cartazes


lista de fotografias capa - cozinha comum itinerante na rua pág 12 - panelas da Eudir pág 19 - Eudir lavando as panelas grandes pág 24 - Eudir lavando as panelas grandes pág 28 - Eudir lavando as panelas grandes pág 30 - vista de cima da ocupação pág 34 - cozinha cigana pág 37 - cozinha itinerante pág 39 - preparo coletivo pág 44 - servindo comida pág 78 - cozinha na ocupação pág 83 - preparo e aprendizado pág 89 - preparo almoço coletivo pág 96 - café contra a PEC pág 103 - vizinha cozinhando na ocupação pág 107 - almoço coletivo pág 114 - cozinha na ocupação pág 127 - banquete pág 128 - banquete pág 146 - mesa de almoço e cartazes créditos de imagens págs 34,37, 39, 44, 83, 89, 103, 107 e 146 - Nó Coletivo pág 12, 19, 24, 28 - Eudir pág 30, 96, 114, 127, 128 e capa - Lucca Mezzacappa pág 78 - Artur Souza fotos dos cozinheiros cedidas pelos mesmos todos desenhos e diagramas são de autoria dos autores


notas (1) SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988. (2) LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de Antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994. (3) BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins, 2009.

obra sob domínio público permitido seu compartilhamento, cópia - incluindo fotocópia (xerox) - distribuir, exibir, reproduzir a totalidade ou as partes desde que não tenha objetivo comercial e sejam citados os autores e a fonte.


Agradecimentos especiais a todos cozinheiros da Ocupação: Ágar Camila Saraiva, Alice Bottaro, Ana Cecilia Souza, Ana Gama, Ana Letícia Roosevelt, Ana Pitzer, Andre Jacomini, André Siqueira, Brenda de Castro,Camila Nascimento, Camila Oddi, Fernanda Comparth, Gabriel Morais, Gabriela Rezende, Giovanna Camisassa, Hugo Nogueira, Juliana Hermsdorf, Larissa Reis, Laysla Araújo, Lucas Monteiro, Luísa Greco, Marcia Irrazabal, Maria Clara Mariano, Marllon Morais, Matheus Brisola, Paula Lobato, Rafael Amato, Sara Canton, Victor Alencar, Victor Isaias, Vinicius Bicalho, Wenderson Túlio Carneiro, Wesley Henrique de Sousa.

E a todos demais secundaristas, universitários e apoiadores que se uniram nas ocupações das escolas no Brasil contra os retrocessos do Governo Nacional na Educação.


As práticas e registros presentes nessa publicação levam um tempero de conversas, ideias e feituras em parceria com: Adriano Mattos, Afonso Scliar, Ana Cimbleris, Ana Xavier, Bruno Araujo, Camila Morais, Cesar Guimarães, Claudia Mayorga, Daniel Taranto, Dani Rodrigues, Debora Moura, Denismar do Nascimento, Dona Eudir, Elisa Vianna, Emanuelle Souza, Esther de Oliveira, Fernando Carvalho, Francisco Magalhães, Frederico Canuto, Igor HJ, Isabela Lopes, Ivie Zappellini, Kaka, Jango Nery, Joseane Jorge, Junia Ferrari, Laís Grossi, Leonardo Péricles, Lucas Mourão, Marcella Arruda, Marcela Brandão, Marcos Enamorato, Mari Siricutito, Mariana Moura, Marília Augusta Duarte, Marcus Maia, Margarete Leta, Natacha Rena, Núria Manresa, Patrícia Brito, Pedro Pedro, Poliana Souza, Rafa Barros, Rafa Machado, Rafa RG, Renata Marquez, Ricelle Alonso, Rita Velloso, Roberta Guizan, Rondinélia Pereira, Silvia Herval, Tatiana Veloso, Thaís Geckseni, Wellington Cançado, Zora Santos.

Nó Coletivo Ceci Nery + Paula Lobato + Thiago Flores

desenvolve práticas espaciais transdisciplinares de autoria compartilhada que visam empoderamento e emancipação cidadã em contextos diversos. fb: https://www.facebook.com/ncoletivo/


Coleção Cozinhas Compartilhadas - Volume 03: Cozinhar e resistir Ceci Nery e Thiago Flores Ceci Nery e Thiago Flores Orientadores: Junia Ferrari e Wellington Cançado Produção Gráfica: Thais Geckseni Pesquisa:

Autoria e Design Gráfico:

Esta publicação foi impressa no mês de janeiro de 2017, em Belo Horizonte, Minas Gerais Brasil, pela Àster Graf. O corpo do texto é na fonte Futura IGC e foi impresso sobre papel Pólen 90g e a capa sobre papel Concetto 250g.



cozinhas compartilhadas 2016


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