cozinhas e quintais cozinhas e quintais do povo Xacriabรก do povo Xacriabรก Ceci Nery, Paula Lobato e Thiago Flores nรณ nรณ coletivo coletivo
cozinhas e quintais do povo Xacriabรก Ceci Nery, Paula Lobato e Thiago Flores
nรณ coletivo
Cozinhas Compartilhadas A produção da alimentação é política e cultural, revela as distintas formas de fazer e de habitar das pessoas, suas escolhas e práticas que afetam diretamente o cotidiano e a relação estabelecida com o território e redes formadas pelos processos até chegar a comida ao prato. A coleção Cozinhas Compartilhadas sistematiza práticas e investigações em torno de produções culinárias em determinados contextos para compartilhá-las e desdobrá-las em outras conversas, estimular a troca e a experiência com o outro, buscando sempre construir conhecimento a partir das relações tecidas entre pessoas. Cada publicação traz uma vivência particular do Nó Coletivo, formado por Ceci Nery, Paula Lobato e Thiago Flores, em torno do cozinhar em um contexto específico.
Cozinhas e quintais do povo Xacriabรก 11
Receitas de Terezinha
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Rosangela, Neuza, Creuza e Reizinha
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Quintais
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Plantas nativas
Durante as férias de julho de 2016 fomos passar 10 dias em uma aldeia da etnia Xacriabá, no Norte de Minas. O território é dividido em 52 aldeias, dentre delas nos hospedamos na Catinguinha. A viagem foi parte de um programa de formação transversal em saberes tradicionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Fomos com um grupo de aproximadamente 40 pessoas para construir, junto com a população local, uma casa Xacriabá. utilizando de técnicas tradicionais da região: o pau-a-pique e o adobe. A proposta foi recebida pela liderança do território indígena como uma contrapartida a casa que os 6
mestres Xacriabás construíram com os alunos na UFMG em uma disciplina de artes e ofícios dos saberes tradicionais, parte do programa de formação transversal da instituição, que propõe uma nova ecologia de saberes, fazendo conviver outros conhecimentos na academia. No tempo na aldeia fizemos amizade com as mulheres que cozinhavam para o grupo de alunos diariamente e outras que participavam da obra, todas elas preocupadas com o fortalecimento da cultura e identidade Xacriabá. A partir de conversas, passeios, preparo de comida, festas pudemos aprender muito: saberes tradicionais ligados a forma de viver e resistir em um lugar com clima árido, economia estagnada e poucas oportunidades. Registramos aqui receitas de cozinha e de quintal partilhadas com elas nesse período, além de outras possibilidades culinárias que pesquisamos para elas a partir de demandas que surgiam nas conversas e dos recursos disponíveis no território. Esta publicação foi realizada como retribuição a Rosângela, Neusa, Creuza, Reizinha, Terezinha, Libertina, Alibertina e tantas outras, tudo o que nos ensinaram durante esse período e registro das práticas e saberes dessas mulheres. 7
COZINHAS
cozinha da Terezinha
Receitas de Terezinha Conhecemos Terezinha no primeiro dia da nossa viagem. Ela nos levou a uma caminhada para conhecer parte da aldeia e nos apresentou as casas de alguns de seus parentes e a da professora de cultura, Dominga. Durante o percurso ela ia nos ensinando sobre as plantas do cerrado e contando do projeto que desenvolve junto às crianças de fortalecimento dos quintais atravÊs do plantio de mudas. 11
No fim do dia Terezinha contou que seu aniversário seria no dia seguinte e nos convidou para celebrar com ela. Perguntamos se podíamos ajudar na preparação da comida e ela achou uma ótima ideia. Terezinha propôs então de iniciarmos naquele dia o preparo do doce do cacto “cabeça de frade”, tradicional em festas de aniversário e casamentos na aldeia. O doce é feito utilizando-se um cacto típico da região. Ao fim da tarde saímos em busca da “cabeça de frade”. Terezinha nos levou até um local no meio do mato onde tinha nos mostrado mais cedo um tipo de cacto selvagem crescendo e nos disse para procurarmos por ele. Ela logo encontrou e nos ensinou a retirá-lo: com o facão cortou e retirou o mato que cercava o cacto, depois enfiou o facão fundo na terra e fez uma alavanca por debaixo dele. Para nossa surpresa ele saiu muito facilmente, devido a sua raiz muito curta. Ela falou para coletarmos cerca de 40 cabeças de frade, que seriam suficientes para as mais de 60 pessoas que esperava receber em sua casa. Pensamos que demoraríamos horas para encontrar essas plantas, mas logo fomos aprendendo a identificá-las na paisagem do Cerrado, e rapidamente já tínhamos a quantidade necessária. 12
Levamos os cactos para a escola na qual estávamos hospedados para limpá-los, retirar a casca e os espinhos, deixando já tudo limpo para o preparo no dia seguinte. Para isso basta cortar com o facão toda a camada externa e fazer um corte mais fundo onde tiver espinhos ou terra no interior da planta. Por dentro da casca dura e espinhenta o cacto era escorregadio e esponjoso, cheio de água e nutrientes que ajudam a planta a sobreviver no clima árido. Terezinha nos passou a lista de ingredientes que iríamos precisar para continuarmos a receita no dia seguinte: 3 litros de leite; 5 Kilos de açúcar; 2 pacotes de canela e 1 de cravo. Guardamos o frade em uma bacia descoberta, fora da geladeira. A compra foi feita na cidade próxima, pois esses ingredientes não são encontrados na aldeia.
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Receita de Beiju de Terezinha
No dia seguinte fomos à casa de Terezinha ajudar nos preparativos do aniversário. Quando chegamos, para nossa surpresa, a varanda e a sala estavam diferentes do dia anterior, decoradas com enfeites de papel crepom recortados em ondinhas. Terezinha já havia iniciado o pré-preparo das coisas mais demoradas. Como pretendia cozinhar vários pratos diferentes, nos dividimos em grupos, todos coordenados por ela: parte de nós foi preparar a cabeça de frade, outros foram descascar e cortar abóbora para fazer um molho de macarrão, enquanto outros preparavam beijus e chás de lanche.
Para se fazer o beiju misturamos a fécula de mandioca com água aos poucos, esfarelando com a mão pra não dar pedaços grandes. Temperamos com um pouquinho de sal e açúcar. Com a mistura pronta, fazemos uma concha com as duas mãos, pegamos uma porção e jogamos em uma panela pequena. Utilizamos o próprio punho para dar forma ao biju, apertando ele nas laterais da panela. Deixamos ele no fogo até a massa ficar grudadinha, então viramos ele para dourar o outro lado. Após preparados os primeiros beijus testamos acrescentar na massa mais açúcar e canela, compartilhando saberes e construindo outro sabor ao prato. 14
Continuamos a receita da cabeça de frade colhida, descascada e picada no dia anterior. Demos continuidade ao preparo lavando os pedaços do cacto: era preciso banhá-los na água corrente duas vezes para tirar uma especie de leite impregnado na planta. Depois de limpo o próximo passo é ralar esse recheio da planta. Tentamos ralar com o ralador convencional, como é costume na aldeia, porém o recheio é escorregadio e fibroso, o que torna esse procedimento muito difícil. Pegamos um liquidificador emprestado com um vizinho e, ao invés de ralar, trituramos os pedaços, agilizando o preparo. Depois de triturada, colocamos o frade para ferver no fogão a lenha, que fica do lado de fora da casa, por mais ou menos meia hora, para tirar o aperto. Após esse tempo escorremos a água e voltamos para o fogo adicionando leite e açúcar. Os temperos de cravo e canela foram batidos na quina do pilão, mas sem pilar de verdade: se embrulha em um pano e bate com a lateral do pau de pilar. Continuamos mexendo e acrescentando leite à mistura, durante a tarde 15
inteira, até a hora da chegada dos convidados. Ao final ela já estava com uma consistência parecida com pudim e pronta para ser servida.
Macarrão com abóbora
A receita de frade possui pequenas variações na aldeia. No dia seguinte Rosângela, outra moradora da aldeia, nos contou que faz a sua receita utilizando doce de leite. Um jovem da reserva disse que faz a sua receita em tablete, esfriando o doce após o preparo. Terezinha utilizou a abóbora picada para cozinhar e refogar junto ao macarrão formando um molho. Ela disse que jogaria a casca fora, mas para evitar o desperdiço sugerimos a ela levarmos as sementes e as cascas ao forno e servimos no jantar. Ela disse que não tinha o costume de fazer aquilo, explicamos que a casca da abóbora possui muitos nutrientes além de ficar saborosa na comida. A casca e sementes ficaram no forno até secar e ficarem crocantes, não sabemos se as pessoas da festa gostaram, mas os cascas foram comidas muito rapidamente.
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Carne com farofa
Quando chegamos a sua casa Terezinha tirou a carne de boi do congelador e nos pediu para colocá-la no telhado. O sol forte e a telha aquecida ajudam a descongelá-la. Para preparar a carne na frigideira ela utiliza um tempero preparado à base de sal grosso misturado com ervas diversas da horta e estocado nos própios pacotes de sal. Mistura-se Cebolinha; coentro; pimenta de cheiro; alho, batido com óleo de oliva e um pouquinho de água, colocado numa bacia com sal. Para fazer a farofa que acompanha a carne ela cozinhou feijão catador no fogão a lenha até ficar sequinho. Refogou em uma panela óleo, temperos e cebola até escurecer, então jogou o feijão e começou a mexer, depois acrescentou cebolinha verde e a farinha de mandioca e continuou
Baião de dois
mexendo até dar ponto de farofa.
Para acompanhar toda a refeição Terezinha cozinhou baião de dois de andu com arroz. Primeiro colocou o andu para cozinhar no fogão a lenha até ficar sequinho. Ela nos explicou que o fogão doméstico não é usado para receitas que demoram muito tempo devido ao alto custo do gás. Começou a cozinhar o arroz numa panela separada um tempo depois do feijão, depois misturou os dois numa mesma panela para terminar de cozinhar. 17
Contamos a Terezinha como são as celebrações de aniversário na capital, sobre o bolo com velas, as músicas e a forma de reunião. Ela ficou interessada em aprender uma receita de bolo, assim como outras mulheres na aldeia, sempre dependeu de comprá-los na cidade porque não é uma receita comum a elas. Escolhemos a receita de bolo de banana que aprendemos em BH com nosso amigo Felipe Jawa, pela simplicidade de seu preparo. Não é necessário liquidificador nem batedeira, basta picar as bananas em rodelas, misturar o açúcar e deixar descansando. Em reação com a banana o açúcar irá derreter e virar uma calda, nesse momento misturamos um pouco com a colher e acrescentamos os 2 ovos e o copo de óleo para misturar de novo, até virar uma massa homogênea. É muito importante que se misture todos os ingredientes molhados primeiro. Depois é só acrescentar a farinha, o cravo e a canela e por fim o bicarbonato e o fermento, mexendo bem devagar.. Feito isso devemos untar uma forma de tamanho médio retangular ou redonda, espalhando óleo em suas paredes e depois salpicando e batendo farinha de trigo até que forre todas superfícies. Com a forma untada podemos derramar a mis18
tura e colocar para assar em fogo médio para alto. Após cerca de 40 minutos o bolo estará fofinho e pronto para comer. Bananas picadas a gosto 1 copo de óleo de soja ou girassol 2 copos de farinha de trigo 2 copos de açúcar cristal ou mascavo 2 ovos 1 colher sopa rasa de pó royal 1/2 colher sopa rasa de bicarbonato de sódio Canela e cravo a gosto
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Para beber durante a festa Terezinha serviu vários chás e refrigerante. Segundo as mulheres da aldeia é muito comum em ocasião de festa ter refrigerantes para ajudar na digestão ou até mesmo misturar um pouco de bicarbonato de sódio no suco para gaseificar a bebida. O dia com Terezinha nos ajudou a compreender a forma como utilizava sua casa e seu quintal no preparo da comida e na realização de festa. No interior de sua casa fica o fogão a gás, que foi utilizado para o preparo de coisas fritas, chá ou alimentos de pequeno tempo de preparo (arroz, carnes, biju, bolo, abobora moranga). O fogão a lenha (utilizado no preparo do feijao e da frada) fica do lado de fora, em um ponto onde o vento leva a fumaça para longe da casa. Isso permite que seja usado para um preparo mais coletivo e fique fora do campo de visão do visitante. A louça é lavada também atrás da casa, na mesma torneira usada para tomar banho. Na lavação utilizam bacias, assim toda água usada é armazenada e reaproveitada para regar as plantas do quintal. A água do cozimento do feijão foi reaproveitada para alimentação dos porcos. 20
Utilizamos o murinho de frente da casa, no quintal, para preparar a cabeça de frade (picar) e o cômodo do lado para bater no liquidificador. O ato de cozinhar não se restringia a um cômodo, mas explodida pelo ambiente interno e externo da casa, criando fluxos e usos distribuídos por vários espaços. No momento da festa a ocupação do quintal se deu da seguinte forma: Terezinha levou ao quintal cadeiras e tapetes para serem utilizados como assentos. No primeiro momento houve um culto evangélico, no qual o muro da varanda foi utilizado como uma espécie de altar para apoiar livros e para a aniversariante ficar. No momento da festa o lugar do culto deu lugar às comidas, as vasilhas foram dispostas no murinho onde as pessoas foram se servir. A única fonte de luz vinha da casa, e o quintal foi ocupado desde o muro que servia de balcão para a comida até a cerca que dividia a área da casa com a rua. As pessoas estavam distribuídas em grupos, alunos da UFMG mais próximos do muro sentados no tapete ou cadeiras, junto a algumas crianças, e a maior parte dos habitantes locais mais afastada. Alguns homens mais velhos próximos a suas motos na cerca da casa. 21
festa de aniversรกrio de Terezinha
cozinha da Escola Bukinuki
Rosangela, Neuza Creuza e Reizinha Todo o grupo de alunos da UFMG ficou hospedado na Escola Bukinuki. As crianças estavam de férias então foi possível utilizar a estrutura das salas de aulas como dormitório. Um grupo de mulheres ficou responsável, a pedido do cacique, pelos cuidados com nossa alimentação, com a limpeza da escola e de seu quintal: Rosângela, Neuza, Creuza e Reizinha. Tínhamos a intenção de, cozinhando junto com elas, partilhar saberes da alimentação, saúde e de práticas de quintal. Contudo, no primeiro dia, as mulheres não estavam muito a vontade com a nossa presença e não se mostraram abertas a esse partilhamento na cozinha. Resolvemos tentar uma aproximação lenta, com conversas e trocas informais, aprendendo e observando suas formas de fazer, enfim, criando amizade. 25
Biscoito de Polvilho
Aos poucos essa aproximação aconteceu. Nas conversas compartilhávamos histórias e saberes, fortalecendo uma amizade e estabelecendo confiança. Dentro da cozinha buscamos entender suas formas de fazer ao mesmo tempo em que compartilhamos com elas as receitas de nosso cotidiano que remetiam aos que nos ensinavam ou utilizavam os mesmos ingredientes. Em um dos dias, após o almoço, elas nos chamaram para prepararmos biscoito de polvilho.Foi para nós uma surpresa muito especial, e nossa primeira aproximação para um preparo junto a elas. Para preparar o biscoito de polvilho elas misturaram numa bacia: 1 kilo de fécula de mandioca; 1 prato raso de farinha de trigo com fermento; 2 copos de açucar, 1 pitada de sal. Acrescentaram gradualmente ovo (cerca de uma dúzia) e leite quente (sem ferver) até começar a dar o ponto, quando a massa fica com uma textura parecida com massinha.
Para dar forma ao biscoito pegam um pouquinho da massa e enrolam na mão como uma tirinha, depois torcem e juntam as pontas dele. Quando enrolado coloca para fritar no óleo quente. Se sua forma for muito grossa, pode criar bolhas de ar no biscoito que irão estourar no óleo da fritura; se for muito fina, 26
pode desmanchar. Se o óleo aquecer demais, é preciso desligar o fogo por um tempo. Durante o preparo alguns biscoitos explodiram, Rosângela nos disse que poderia ser porque usamos a farinha sem fermento e acrescentamos o fermento nela nós mesmos, ou por causa da forma do biscoito. Esse incidente nos ajudou a aproximar das cozinheiras, que fizeram piada com o óleo e os biscoitos respingando pela cozinha. No outro dia a Rosângela levou de presente, para cada cozinheiro desastrado, um artesanato feito por ela.
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Rosângela
Rosângela é uma das mulheres muito fortes que conhecemos nessa viagem. Ela sempre se mostrou aberta e muito disposta a compartilhar seus saberes conosco. Entre uma conversa e outra contava suas histórias de vida e nos ensinava algumas receitas. Uma de suas vontades é criar uma cozinha comunitária na Catinguinha. Na aldeia não existem muitas possibilidades de geração de renda para a população, assim a abertura de um espaço comunitário de produção possibilitaria uma melhora na economia local. Além disso capacitaria as pessoas a conseguir empregos e adquirir autonomia na produção da comida. Na cozinha nos ensinou receitas de doce, bolo de queijo e de banana. O bolo de banana fica baixinho, mais parecendo um pudim. Ela aprendeu essa receita quando morava fora da aldeia. Ali não se tem o costume de misturar banana com ovos. Dona Alibertina nos disse que pensava que fazia mal. Ensinamos pra ela a farofa de banana com ovo e ela ficou muito interessada em provar.
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Doce de Mamão
O doce de mamão precisa ser feito com muito cuidado. Primeiro se descasca o mamão, em seguida o corta em cubinhos ou se rala. Em seguida ferve até a textura ficar quase igual à de cenoura. Deixa o mamão separado enquanto se faz uma calda de açúcar mais grossinha, com cravo e canela em pau. Misturar tudo e deixar esfriar. Também se pode fazer com doce de leite no lugar da calda. É só misturar um pouco de leite para ficar mais
Bolo de queijo
ralinho e juntar o mamão.
1/2 banda de queijo curado 1/2 pacote de trigo com fermento 3 ovos 1/2 copo de oleo 1 colher de manteiga Açucar Leite para dar o ponto Bater tudo e assar, vai ficar baixinho por causa do queijo. 29
Oficina de pão
A aldeia não é auto-suficiente em uma série de necessidades básicas, os moradores dependem de comprar na cidade muitos bens essenciais ao dia-a-dia. Em uma conversa com as mulheres nos contaram sobre não terem uma padaria local, e dependerem de comprar pães em outros lugares. As pessoas da aldeia não tem o conhecimento de como produzir o pão, assim Hugo e Juliana, que acompanhavam a viagem, propuseram às mulheres uma oficina de pães para dar instrumentos para serem autônomas nesse consumo. A receita ensinada, além de econômica, é muito simples de fazer. Para cada quilo de farinha de trigo: 2 copos de água morna 4 colheres de sopa rasas de fermento biológico 1 colher de açúcar O açúcar serve para alimentar o fermento, e a água quente ativa ele. Mistura os 3 e deixa descansar uns 15 minutos. Segundo Hugo o fermento pode ser usado em pouca quantidade, isso muda o tempo que o pão vai precisar para crescer. Quando ele vai fazer, usa só 1 colher e deixa crescendo a noite toda. Depois de ativar o fermento coloca tudo junto numa bacia e mistura. Pra checar se o fermento está bom é só ouvir o barulhinho dele, que para o Hugo se parece com barulho do mar. 30
1 colher de chá de sal por kilo de farinha. Para misturar colocar 4 colheres de óleo, azeite, manteiga pra cada quilo de farinha. Vai colocando água e mexendo aos poucos, até o ponto de pão que a gente conhece. Segundo o Hugo não tem um jeito certo de sovar, e isso é interessante que cada pão tem uma característica diferente, que vem da pessoa. A primeira sovada pode ser mais leve, e a segunda deve ser mais forte. O Hugo falou que quando sentir a massa com uma textura de refrigerante está no ponto certo para parar e deixar descansar por uns 30 minutos. Depois sovar mais uma vez e mais forte, separar em pedaços menores e enrolar como quiser.
Após a oficina elas levaram os pães pra casa da Rosângela e da Val para assar e comemos junto com as mulheres no dia seguinte.
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No processo de partilhar cozinhas com Terezinha, Rosangela, Neuza, Creuza e Reizinha, pudemos estabelecer trocas a partir de algo necessário para a sobrevivência diária, a cozinha. Trocar receitas, dicas e formas de preparo permitiu um aprendizado mútuo e estabeleceu uma situação de coletividade entre nós, que naquele momento representávamos a UFMG, e essas pessoas da aldeia, transpondo, com certas limitações e dificuldades, distâncias estabelecidas entre nossos grupos. Partilhar a cozinha é entrar no território afetivo do outro, é preciso descobrir em cada situação a melhor forma de aproximar. Criamos, pela experiência compartilhada essa maneira de nos inserir nas diferentes situações que pudemos estar juntos com as mulheres da aldeia, ora sendo convidados, como no aniversário de Terezinha, ora adentrando pouco a pouco, o que aconteceu na cozinha da escola. A partir disso se desdobram diversas trocas informais pelas conversas não previstas que ocorrem na situação. A cozinha na aldeia alcança um lugar político que extrapola o já potente conhecimento territorial e cultural. Na situação do cozinhar junto as mulheres encontram espaço para discutir questões de ordem social da aldeia. 32
pĂŁes depois de assados
QUINTAIS
Conversando com os moradores da Catinguinha e visitando seus quintais aprendemos muitas coisas a respeito do cuidado com as plantas e com o solo. Com saberes locais tradicionais e tecnologias muito inventivas as pessoas conseguem produzir mudas e proliferar vida em uma terra pobre e seca. Registramos aqui algumas receitas e soluçþes que observamos em nossas caminhadas e conversas na aldeia. Acrescentamosalgumas receitas que nós mesmos pesquisamos, que utilizem os recursos locais da aldeia Catinguinha e atendam necessidades que compreendemos durante nossas conversas. 37
viveiro de mudas da casa da Alibertina
construção de viveiros
o viveiro de mudas ajuda a protegê-las e criar um microclima onde estarão protegidas do sol e em local com maior umidade.
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cobertura morta
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Material seco para cobrir os canteiros retem umidade, protege de sol e chuva direta, protege de ervas invasoras, afasta pragas
farinha de osso
A farinha de osso enriquece o solo em fósforo, cálcio e magnésio. Apesar de ser cara para se comprar sua produção é muito fácil.
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inseticida de mamona
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prevenir e controlar fungos e insetos aplicar no início da doença ou como prevenção
urina de vaca
alternativa barata para controle de pragas e doenรงas. Estimula o crescimento das plantas deixando elas mais fortes e resistentes.
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calda bordalesa
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prevenir e controlar fungos e insetos aplicar no início da doença ou como prevenção
caminhos de รกgua no quintal da Neusa
casa da irmã de Terezinha
No passeio do primeiro dia Terezinha soube nos contar diversas práticas de manejo de plantas que suas irmãs utilizam para cuidar dos quintais. Contou também do viveiro que foi construído atrás da casa de sua mãe utilizado para criar mudas, em suas palavras, para fortalecer os quintais da Catinguinha. Ela nos contou que a iniciativa faz parte de um programa do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/MG). O projeto prevê, após tornar os quintais produtores, cultivar plantas nas nascentes dos córregos secos da região, o que em cerca de 20 anos poderia fazer brotar de novo a água, pois as raízes das plantas puxam a água do lençol freático. Na casa de uma irmã de Terezinha vimos uma estratégia que também usa esse mesmo princípio da raiz puxar água: um caminho que liga o ponto de água onde lava louças e roupas até as plantas do quintal, aproveitando a água que seria desperdiçada. O caminho é pontuado por bananeiras, pois tem raízes profundas e isso além de ajudar a puxar água da terra, retém a que escoa, tornando a terra úmida para o desenvolvimento de outras plantas criadas entre as bananeiras. 46
casa da Libertina A garrafa pet cheia d’água enfiada na terra goteja aos poucos no solo, que assim é mantido úmido por um tempo mais longo, sendo necessário renovar a água da garrafa quando essa esvazia. A garrafa, que antes seria descartada como lixo, vira uma ferramenta de quintal, facilitando o seu cuidado por economizar tempo de rega.
garrafa enterrada Pesquisando em Belo Horizonte descobrimos outra técnica que também reaproveita a garrafa para aguar as plantas. Se você fizer furos nas paredes da garrafa e enterrá-la na terra é possível colocar água pela tampa e a água irá gotejar pelos buracos, molhando diretamente a raiz da planta. 47
casa da Rosangela
A primeira vez que fomos à casa de Rosangela foi para pedir o liquidifcador emprestado. Chegando à casa nos surpreendemos pelas inventividades na construção e decoração. Rosangela falou que a solução do telhado de três águas foi feita pelo esposo, e as decorações ela mesma fez. Já tinha morado em Contagem e trabalhado em Nova Lima e nas casas da região metropolitana de Belo Horizonte se inspirou. Ornamentos de metal: flores, bancos e até um arco-iris. Na segunda visita, à luz do dia, pudemos observar sua interessante forma de otimizar o aproveitamento d’água. Capitada da cisterna, ela goteja num local cercado onde se criam várias plantas. Isso faz aumentar a umidade da terra para as plantas se desenvolver. A água da pia, quando transborda rega plantas no chão e é usada também para regar os vasos que ficam na beira do tanque. A água do banho vai para o galinheiro, servindo de alimentação para os animais. 48
reuso de água Na casa de Terezinha ela aproveita a água usada para lavar louças ou roupas lava nas bacias de alumínio para aguar as plantas. Pesquisando em BH descobrimos uma tecnologia que poderia otimizar esse reaproveito. Uma estrutura de madeira suspende um balde e, na parte inferior do balde, dois buracos conectam duas mangueiras que se estendem na horta. As mangueiras tem pequenos furos para a água gotejar nas plantas. Ao se encher o balde com água nova ou reaproveitada, esta irá descer pelas mangueiras e, gotejando pelos buracos, vai regar as plantas do quintal.
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Plantas nativas As plantas nativas não são cultivadas em quintais, crescem selvagens pela aldeia. Os moradores mais velhos sabem onde encontrar, ao meio do mato, cada uma delas e a relação que elas têem com a saúde e corpo do indivíduo.
Quina Fruto utilizado para tratamento de inflamação
Porcada A semente desta planta tem uma polpa laranja comestível. Quando se chupa essa polpa resta um caroço utilizado para fazer artesanato. 50
Semente de Jatobá Pilar a semente para fazer chá que é bom para tosse e dor no peito
Catuaba Bom para cansaço, nervosismo e depressão, além de estimular a cabeça e memória. Propriedades afrodisíacas para tratar impotência masculina.
Barbatimão Rosangela disse que o chá é bom pra tudo, trata inflamação e é usado principalmente para as mulheres.
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Cagaita O suco da fruta e o chá da casca são usados para tratar gastrite.
Cheirosinho Faz chá com a raiz, bom para inflamação na garganta
Ruibrabo O chá da raíz possui propriedade digestiva, antinflamatória e antisséptica 52
cerca de casa Xacriabรก
Tanque da casa de Libertina, escrito na parede “só índia xacriabá não tem medo de morrer”
lista de fotografias capa - fogão a lenha no quintal de Terezinha pág.8 - cozinha de Libertina na casa de pau-a-pique pág10 - cozinha de Terezinha pág22 - festa de aniversário de Terezinha pág24 - cozinha da escola Bukinuki pág33 - pães depois de assados pág34 - quintal de Neuza pág38 - viveiro de mudas na casa de Alibertina pág44 - caminhos de água no quintal de Neusa pág53 - cerca de casa Xacriabá pág54 - tanque da casa de Libertinaa, créditos de imagens todas as fotografias, desenhos e diagramas são do acervo dos autores
obra sob domínio público permitido seu compartilhamento, cópia - incluindo fotocópia (xerox) - distribuir, exibir, reproduzir a totalidade ou as partes desde que não tenha objetivo comercial e sejam citados os autores e a fonte.
Agradecemos imensamente todas as pessoas que compartilharam conosco as vivĂŞncias na aldeia XacriabĂĄ e todos os xacriabĂĄs que nos acolheram e partilharam saberes e sabores conosco.
As práticas e registros presentes nessa publicação levam um tempero de conversas, ideias e feituras em parceria com: Adriano Mattos, Afonso Scliar, Ana Cimbleris, Ana Xavier, Bruno Araujo, Camila Morais, Cesar Guimarães, Claudia Mayorga, Daniel Taranto, Dani Rodrigues, Debora Moura, Denismar do Nascimento, Dona Eudir, Elisa Vianna, Emanuelle Souza, Esther de Oliveira, Fernando Carvalho, Francisco Magalhães, Frederico Canuto, Igor HJ, Isabela Lopes, Ivie Zappellini, Kaka, Jango Nery, Joseane Jorge, Junia Ferrari, Laís Grossi, Leonardo Péricles, Lucas Mourão, Marcella Arruda, Marcela Brandão, Marcos Enamorato, Mari Siricutito, Mariana Moura, Marília Augusta Duarte, Marcus Maia, Margarete Leta, Natacha Rena, Núria Manresa, Patrícia Brito, Pedro Pedro, Poliana Souza, Rafa Barros, Rafa Machado, Rafa RG, Renata Marquez, Ricelle Alonso, Rita Velloso, Roberta Guizan, Rondinélia Pereira, Silvia Herval, Tatiana Veloso, Thaís Geckseni, Wellington Cançado, Zora Santos.
Nó Coletivo Ceci Nery + Paula Lobato + Thiago Flores
desenvolve práticas espaciais transdisciplinares de autoria compartilhada que visam empoderamento e emancipação cidadã em contextos diversos. fb: https://www.facebook.com/ncoletivo/
Coleção Cozinhas Compartilhadas - Volume 01: Cozinhas e Quintais do Povo Xacriabá Ceci Nery, Paula Lobato e Thiago Flores Ceci Nery e Thiago Flores Orientadores: Junia Ferrari e Wellington Cançado Produção Gráfica: Thais Geckseni Pesquisa:
Autoria e Design Gráfico:
Esta publicação foi impressa no mês de janeiro de 2017, em Belo Horizonte, Minas Gerais Brasil, pela Àster Graf. O corpo do texto é na fonte Futura IGC e foi impresso sobre papel Pólen 90g e a capa sobre papel Concetto 250g.
cozinhas compartilhadas 2016