ara alguém que evita os holofotes a ponto de ocultar seu nome verdadeiro, nunca
mostrar o rosto e nunca dar entrevistas a não ser por email, Banksy é notavelmente famoso. Em sua cidade natal, Bristol, uma exposição de seus trabalhos teve filas diárias de três horas para entrar, durante três meses. Sua arte de rua em Londres motiva atualmente a publicação de livretos-guias e a organização de excursões. Suas obras são vendidas em leilões por centenas de milhares de libras. Seu enigmático documentário Exit Through the Gift Shop [Saída pela Loja de Presentes] foi indicado ao Oscar. Ultimamente, a súbita aparição de um novo Banksy na parede de algum prédio torna-se um evento comentado nos noticiários da televisão britânica.
WILL ELLSWORTH-JONES
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“[…] um retrato inteligente e digno de crédito sobre um artista único, capitalista relutante e extremamente controlador, que faz questão de manter e preservar seu próprio mito.” – THE OBSERVER
N O J H T R O W WILL ELLS
ES
Mas quem é essa figura? Como se tornou o que é hoje? O que estimula esse se manter à distância? Aqui, neste primeiro relato completo da carreira de Banksy, Will Ellsworth-Jones reúne as diversas peças e mostra como, no espaço de apenas uma década, alguém cujo trabalho era considerado por muitos como mero vandalismo tornou-se uma espécie de tesouro da Grã-Bretanha. Ellsworth-Jones conversou com conhecidos e adversários grafiteiros, e descobriu a extraordinária lealdade ainda sentida mesmo pelas pessoas que trabalharam com Banksy em seus desconhecidos dias iniciais. Ele narra os inusitados esforços já feitos para possuir um Banksy – os gastos de milhares de libras para retirar paredes e preservar caixas d’água sucateadas. E discute as contradições do campeão da arte fora-da-lei e da luta contra as autoridades, em seu crescente interesse em controlar sua imagem e suas obras. O resultado é uma biografia apropriadamente não-oficial e totalmente não-autorizada dessa personalidade genuinamente enigmática, que tanto o público quanto a crítica ainda assim
Visite-nos: @NossaCultura facebook.com/EditoraNossaCultura www.nossacultura.com.br
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Por trás
consideram que conhecem muito bem.
B A N K S Y das Paredes
artista? Até onde podemos conhecer e compreender alguém que se esforça tanto para
W
ILL ELLSWORTH-JONES
foi repórter-chefe e correspondente em Nova Iorque do jornal The Sunday Times, além de ter trabalhado como editor nas revistas Telegraph, Independent, e Saga. Seu livro de estreia foi uma pesquisa histórica sobre aqueles que se opuseram conscientemente à Primeira Guerra Mundial, We Will Not Fight [Não Lutaremos – não lançado no Brasil].Vive em Londres.
15/08/13 14:01
rth o w s l l E l Wil
-Jones
tradução
Ivan Justen Santana
diretor editorial
Paulo Fernando Ferrari Lago editor
Claudio Kobachuk assistente editorial
Getúlio Ferraz tradução
Ivan Justen Santana preparação
Claudio Kobachuk e Getúlio Ferraz
Título Original: Banksy: The Man Behind the Wall. Copyright © Will Ellsworth-Jones 2012. Todos os direitos reservados pela Editora Nossa Cultura Ltda, 2013.
revisão
Claudia Cabral Oliveira projeto gráfico e diagramação
Maurélio Barbosa capa
Maurélio Barbosa imagem de capa
© bowie15 / iStockphoto.com
editora nossa cultura ltda
Rua Grã Nicco, 113 - Bloco 3 - 5º andar Mossunguê Curitiba - PR – Brasil Tel: (41) 3019-0108 - Fax: (41) 3019-0108 http://www.nossacultura.com.br
dados internacionais de catalogação na publicação (cip) index consultoria em informação e serviços ltda. curitiba
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Ellsworth-Jones, Will BANKSY : por trás das paredes / Will Ellsworth-Jones ; tradutor Ivan Justen Santana. — Curitiba : Nossa Cultura, 2013. 352 p. Título original: BANKSY: the man behind the wall ISBN 978-85-8066-122-4 1. BANKSY, 1974- . 2. Artistas grafiteiros – Biografia. 3. Grafitos. 4. Arte de rua. I. Título.
CDD (20.ed.) 920 CDU (2.ed.) 929BANKSY Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Nota: A edição desta obra contou com o trabalho, dedicação e empenho de vários profissionais. Porém podem ocorrer erros de digitação e impressão. Grafia atualizada segundo o acordo ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.
Para Lara e Daniel e em mem贸ria de Barbara
s o t n e m i c e Ag ra d E
m primeiro lugar, à minha esposa Barbara, que morreu em feve-
reiro de 2012. Apesar das longas internações e de todas as dores fora dos hospitais, ela fez questão de que nenhuma das suas tribulações impedisse este livro de ser escrito. Às vezes, mesmo internada, ela se preocupava muito mais se eu tinha escrito o suficiente no dia anterior a uma visita do que com seus próprios problemas, muito mais graves e urgentes. Nas fases mais desesperadoras, especialmente no início, quando parecia impossível furar a muralha de silêncio ao redor de Banksy e eu duvidava se algum dia concluiria o livro, eu me dizia que seria inconcebível desapontá-la dessa forma. A seguir, agradeço a Graham Coster, editor da Aurum Press, que teve a ideia original deste livro, ajudou-me a desenvolvê-la, e foi um ombro bastante compreensivo durante os usuais – e inusitados – altos e baixos. Há algumas pessoas que foram de ajuda considerável, mas que não ficariam nada gratas se eu as citasse aqui, pois seriam então banidas do círculo mágico de Banksy. Mas elas sabem de quem estou falando – agra deço muito a elas, e a todos que de fato ajudaram e estão citados no livro. Minha gratidão vai também a três pessoas que tiveram grande pa ciência para me iniciar no mundo do grafite. O jovem artista grafiteiro
Nico Yates, que assina como Spico, e que durante um café da manhã em Deptford me deu minha primeira grande aula sobre grafite. Graças também a David Samuel e John Nation, que com semelhante paciência expandiram essa aula pelas ruas de Londres e Bristol. Agradeço, como sempre, a Don Berry, que me deu conselhos fundamentais em momentos difíceis, e fez o trabalho de edição inicial do manuscrito – como sempre sugerindo várias alterações para melhor. Meus agradecimentos também a Bernie Angopa, Drusilla Beyfus, Mick Brown, Jessamy Calkin, Gary Cochran, Jon Connel, Carolynne Ellis-Jones, David Galloway, Gail Gregg, Cathy Giles, Jonathan Giles, Henry Greaves, Nick Greaves, Rory e Michael McHugh,Vicki Reid, Mern Palmer-Smith, Francesca Ryan, Claire Scobie, Robin Smith, Emma Soames e Angela Swan. Todos esses ajudaram de diversas maneiras. Os erros, entretanto, são todos meus.
BANKSY: Por trás das paredes VIII
S u m á r io
Agradecimentos
VII
Introdução
1
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1 A Arte de se Infiltrar 2 Era uma vez 3 O Grafite Decodificado 4 Encontrando o Próprio Estilo 5 Todos a bordo para a excursão Banksy 6 Anonimamente Feliz 7 O Artista e Organizador 8 O Fora da lei volta ao Lar 9 Bem-vindo à equipe Banksy 10 Os Negócios de Banksy 11 Falsificando 12 Psst… Alguém aí quer comprar uma parede? 13 Como o Controle de Pestes Desbaratou os Vermes 14 Bonjour, Monsieur lavagem cerebral 15 Arte sem teoria
23 37 57 73 95 119 139 155 181 207 225 249 267 289
Fontes
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Bibliografia
317
Índice remissivo
319
s
I ntro duç ão E
le é o fora da lei que foi arrastado, relutante, mas reiteradamente,
cada vez mais em direção ao sistema da arte. Ele é o artista que zombou tanto dos museus quanto das galerias de arte. Ainda assim, escolheu montar sua primeira grande exposição num dos museus mais velhuscos imagináveis – entre os animais empalhados e os pianos antigos do Bristol City Museum and Art Gallery [Museu e Galeria de Arte da Cidade de Bristol] – obtendo enorme sucesso. Quando, em 2010, a revista Time selecionou-o para a lista das cem pessoas mais influentes do planeta, com gente do calibre de Barack Obama, Steve Jobs e Lady Gaga, ele forneceu uma foto de si mesmo com um saco de papel (reciclável, obviamente) cobrindo a cabeça. Pois ele é um artista único no século XXI: famoso, porém desconhecido. Ele alega que precisa desse anonimato para se proteger da lei e da ordem. Isso já foi verdade, mas, a essa altura de sua carreira, para a maioria das cidades um novo Banksy numa parede seria muito bem-vindo. A discussão seria sobre a melhor forma de cuidar dele, e não sobre como trancafiar o responsável. Este livro não tenta desmascará-lo. Histórias de investigações em Bristol, sua cidade natal, para convencer prováveis amigos de infância a revelar a identidade dele não gerariam muito interesse. Mais
importante é o fato de que os fãs, os seguidores e até mesmo os só vagamente conscientes da existência dele não queiram saber quem é o cara. O crítico do New Statesman que dispensou toda a história como ‘ostentação de anonimato’ faz parte de uma reduzida minoria. Nós todos apreciamos o mistério do cara que de algum modo conseguiu ser descrito como um Robin Hood, não exatamente roubando os ricos para alimentar os pobres. O que de fato este livro faz, entretanto, é acompanhar a espiral ascendente, do fora da lei – só mais um dentre muitos – que marcava com spray as paredes de Bristol na década de 1990, até o artista cujo trabalho ultrapassa valores de cem mil libras em respeitáveis casas de leilão da Grã-Bretanha e da América. O ‘de-fora’ que se tornou um ‘de-dentro’. Não foi uma viagem fácil. Uma organização adequadamente nomeada Pest Control [Controle de Pestes] foi montada para autenticar as obras de Banksy, distinguindo-as das falsificações, e também para protegê-lo dos ‘de-fora’. A Pest Control usa todo tipo de expediente, desde contratos legalmente bem elaborados até chamadas telefônicas cuidadosamente calculadas, feitas pelo próprio artista, sempre que o controle é necessário. Oculto por um saco de papel ou, mais comumente, pelo uso de e-mail, Banksy quer proteger e preservar sua própria narrativa, e faz isso muito bem. A Pest Control solicitou que esse livro fosse assinalado como ‘não oficial’, para “evitar qualquer dúvida do público quanto ao livro ter sido chancelado pelo artista”, e este é mesmo um livro totalmente ‘não oficial’ – integralmente não-autorizado. Porém, em muitos aspectos, a solicitação ilustra como Banksy ou sua equipe não notam a ironia no fato de um artista grafiteiro não autorizado tentar autorizar o modo como as pessoas pensam e escrevem a seu respeito. O que é triste, pois suas obras falam por si. Seu talento único o coloca à frente de um movimento totalmente novo no mundo das artes: a arte de rua [ou arte
BANKSY: Por trás das paredes 2
urbana]. Um artista tecnicamente habilidoso que levou – literalmente – a arte a lugares onde ela nunca esteve, casando tal habilidade com um olhar agudo ao mundo que nos cerca. Ele é ao mesmo tempo um artista e um comentarista social, com o humor de um grande cartunista. O que vem inevitavelmente com tudo isso é uma certa bagagem acumulada. Existe a paranoia, se algo tem crescido ao longo dos anos nessa história, e também, obviamente, existe o dinheiro envolvido. Ele diz: “Eu não faturo tanto quanto as pessoas pensam”, o que é verdade, ele não está – ainda – na faixa de faturamento de Damien Hirst, mas algum dinheiro ele certamente ganha. Inicialmente, quando seus preços subitamente começaram a disparar, muitas vezes não era Banksy quem obtinha as vastas quantias que faziam manchetes, e sim os seus fãs. Normalmente, era gente de sua cidade natal, Bristol, fãs que havia anos compraram uma pintura por umas cem ou duzentas libras, não como um investimento, mas simplesmente porque gostaram dela, e posteriormente conseguiram revendê-la por milhares de libras. Durante um curto período, sua obra foi essa mercadoria que escapa a todas as definições, conhecida como arte do povo. Mas quando os investidores de arte entraram em ação, o dinheiro começou a fluir para o próprio autor. Ele acusa os outros de serem capitalistas, mas apesar de doar peças para caridade, financiar eventos de outros artistas grafiteiros e tentar vender impressões a um preço razoável (apenas para vê-las anunciadas pelo dobro do preço no eBay), ele também é um capitalista – por mais relutante que o seja. Com todas as concessões e manipulações que isso implica, esse é o aspecto da vida que traz mais desconforto ao artista em suas atividades. Com o sucesso, vêm a inevitável inveja e as acusações de ser um vendido. Certamente há muitas pessoas no mundo da arte de rua que o criticam. Mas quase que universalmente, seja entre donos de galerias,
Introdução Introdução 3
seja entre artistas de rua que acharam um mercado para seu trabalho, existe um reconhecimento, às vezes até de má vontade, de que “sem Banksy eu não chegaria até aqui”. Pois ele é o porta-estandarte de todo um novo movimento na arte, quer sejam os seus praticantes grafiteiros ‘puros’, quer sejam artistas do estêncil, tais quais o próprio Banksy, ou quer sejam até mesmo artistas que tecem em crochê suas obras de interferência urbana. É um movimento que surgiu das ruas e penetrou na consciência de um público muito mais amplo. Numa entrevista enviada por email para divulgar o seu filme Exit Through the Gift Shop [Saída Pela Loja de Presentes], Banksy sugeriu: “Há toda uma nova audiência lá fora, e nunca foi tão fácil vender para ela, especialmente nos níveis mais baixos. Você não tem que cursar uma faculdade, carregar pra cima e pra baixo o seu portfólio, enviar transparências pelo correio para galerias esnobes, nem ir pra cama com alguém influente. Tudo o que você precisa agora é de algumas ideias e uma conexão de banda larga. Essa é a primeira vez que o mundo essencialmente burguês da arte está ao alcance do povo. Temos que fazer valer a oportunidade.” Ele está correto, até certo ponto. Sem dúvida existe um novo exército de fãs de Banksy prosperando na internet, fãs que fazem fila durante horas para ver as suas raras exposições, ou esperam em pé uma noite inteira para conseguir comprar uma impressão recém-lançada. Ao encontrar um fã de Banksy, você pode mencionar Trolleys [Tróleis] ou Morons [Idiotas] ou Flying Copper [Tira Voador], entre muitas de suas obras, e ambos saberão instantaneamente de qual das suas muitas impressões vocês estão falando. O clube Banksy não requer dos seus participantes uma graduação em História da Arte. A longo prazo, Banksy certamente “faz valer a oportunidade” conforme ele mesmo sugere, embora, assim como entre os mem bros de tantos outros movimentos, seja difícil imaginar que muitos
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de seus colegas artistas serão lembrados. Não obstante, é notável a altura a que tem chegado a arte de rua nestes dez anos, desde que Banksy emergiu. A força de um movimento artístico é frequentemente medida pelos preços que os líderes atingem nas casas de leilão. Mas há outras maneiras, além do preço de um Banksy, para medir o quanto a arte de rua se tornou, mesmo que de modo confuso, uma parte aceita das nossas vidas. No final de 2010, eu viajei ao Museu e Galeria de Arte Herbert, em Coventry, para a abertura de uma exposição itinerante de impressões de arte de rua, da coleção do Museu Victoria & Albert.Todos os grandes nomes estavam representados na exposição, de Banksy a D*Face; de Swoon a Shepard Fairey. Mas havia mais: seis artistas de rua ‘emergentes’ foram convidados para pintar as paredes brancas da galeria. Um DJ foi importado para dar um tempero à noite de abertura, e havia até mesmo uma parede para artistas grafitarem num tipo de competição. O conselho da cidade proscreve o grafite como uma “atividade ilegal e antissocial” e gasta milhares de libras por ano apagando-o, mas lá estava o executivo-chefe do conselho – ouvido em meio ao público levemente estridente da noite de abertura – dando boas-vindas à arte de rua, tanto figurativa quanto literalmente, no exato momento em que saía do frio lá de fora e entrava na sala de estar da cultura. Pouco tempo depois, eu estava no meio de Hackney, leste de Londres, buscando pelas ruas congeladas um centro comunitário onde uma reunião seria realizada para ‘Salvar o Coelho’. Ali não havia DJ, nem coquetel com bebida de graça. Na noite anterior, o centro comu nitário fora usado para uma sessão de bingo entre os moradores locais. Mas naquela noite uma audiência um pouco diferente, mais séria, estava reunida para tentar salvar um enorme – cerca de quatro metros de altura – e bastante atraente coelho. O coelho foi pintado por Roa,
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artista belga de rua, na parede ao lado de um estúdio de gravação (com a permissão do proprietário) numa das avenidas principais do distrito. O conselho local avisara os proprietários do estúdio que o desafortunado coelho era “uma mancha no meio ambiente local” e teria que ser apagado. O conselho não levou em conta nem a popularidade da arte de rua nem o novo poder da internet. E que animal para ser contestado e proscrito! Não um rato, nem uma serpente, mas um belo e fofinho coelho. Uma petição on-line angariou mais de duas mil assinaturas numa semana – ‘O coelho precisa viver’, ‘Pelo amor dos meus bichinhos’, ‘Só por não ser um Banksy, não significa que não tem valor’, ‘Não esfreguem o coelho’ foram alguns dos comentários que vieram com as assinaturas. De modo geral, a opinião era que o coelho era pro vavelmente a melhor coisa ocorrida no trajeto de uma avenida tediosa e triste no meio de Hackney, e merecia toda a iluminação possível. No fim das contas, as autoridades locais cederam e preservaram o coelho, assim como também perceberam que apagar grafites ou arte de rua havia se tornado uma tarefa muito mais embaraçosa do que costumava ser. Mas uma obra de arte um pouco mais adiante, na mesma avenida em Hackney, ilustra melhor o modo como os grafiteiros se defrontam com a ordem estabelecida. Era uma enorme obra tipográfica, formada com carinhas sorridentes, na qual se lia simplesmente: A MAIS ESTRANHA DAS SEMANAS. À parte o seu tamanho, não era exata mente um slogan de grande apelo, a não ser que você soubesse da história por trás. A peça foi pintada por Ben Eine, impressor eventual de Banksy, e um artista grafiteiro de trabalho próprio, com cerca de vinte prisões e sete condenações por pichação e vandalismo para comprovar. Pouco antes de realizar a peça, Eine recebera um telefonema do gabinete do primeiro-ministro, solicitando uma pintura para
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presentear “o homem mais poderoso do mundo”. (“Eu não achei que seria pro Ronald McDonald,” disse Eine, “então tinha que ser pro Obama.”) Aquela havia sido realmente uma semana muito estranha; David Cameron, em sua primeira visita à Casa Branca como primeiro-ministro britânico, presenteou o presidente Obama com uma pintura feita por um artista grafiteiro já condenado pela justiça. Era isso que Eine comemorava na avenida Hackney, e de fato Obama comprovou-se útil, na ocasião posterior em que Eine estava pintando ao lado de outro grafiteiro, Pure Evil [Puro Mal], num local onde apenas tinham ‘certa permissão’ do proprietário. Quando a polícia devidamente apareceu, foi a conexão com Obama que ajudou a convencê-los a não prender nenhum dos responsáveis. Eine agora passava a ser famoso, seus preços subiram e em numa exibição realizada por ele em São Francisco todas as peças foram vendidas. À medida que o crescimento da arte de rua vai confundindo e embaraçando as administrações locais, também por vezes os próprios artistas ficam confusos. “Eu vou viajar tanto quanto puder, pintar tanto quanto puder e vender o menor número de pinturas possível. Eu prefiro não ganhar dinheiro”, disse Eine logo após sua mostra ter con seguido exatamente isso. O grafite ainda consegue me irritar intensamente, da mesma forma que os conselhos locais ao tentar limpar vizinhanças deprimentes, especialmente quando o vejo nos prédios de apartamentos onde eu moro; eu penso: “Quem fez isso e pra quê?” Mas o que mais me surpreendeu ao conversar com grafiteiros – e não os Banksys da vida, mas aqueles um pouco mais abaixo na escada – é o poder redentor que às vezes o grafite possui. O fato de haver situações em que ele traz esperança e até mesmo uma vida para pessoas – quase sempre garotos e jovens adultos – que não tinham nenhuma perspectiva até descobrirem o entusiasmo e a habilidade de grafitar nas ruas.
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Um número bem minúsculo desses grafiteiros1, se tanto, vai chegar a algum lugar próximo daquele que Banksy atingiu. Mas sem Banksy seria impossível imaginar a arte do grafite, ou como agora é mais frequentemente chamada a ‘arte urbana’,‘arte de rua’ ou, mais ridicula mente, ‘arte outsider’, ocupando o lugar que possui hoje. Em 2001, Banksy autoeditou um magro livro de estreia – quantos artistas, grafiteiros ou não, já fizeram algo assim? Ali, ele escreveu: “O modo mais rápido de chegar ao topo do seu negócio é virar ele de cabeça pra baixo.” O que este livro tenta fazer é viajar com o artista enquanto ele faz exatamente isso.
No Brasil, há uma distinção bastante nítida, pela existência de duas palavras:‘pichador’ e ‘grafiteiro’. O autor deste livro usa ‘graffiti artist’ para todos os casos. Adotamos assim na tradução o termo ‘grafiteiro’, indistintamente. (N. do T.) 1
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Um
A Arte de rar s e Inf ilt N
uma quarta-feira, em meados de outubro de 2003, um homem
de barba, alto, ligeiramente desalinhado num sobretudo escuro, com lenço no pescoço e um tipo de chapéu maleável que os jogadores de críquete costumavam usar, entrou na galeria Tate portando uma grande sacola de papel. Banksy (era ele mesmo) passou direto pelos seguranças, provavelmente mais preocupados com o que os visitantes pudessem levar para fora do que com o que chegavam trazendo, e seguiu seu caminho desimpedido até a Sala 7, no segundo andar. Era um local bem escolhido que ele deve ter sondado antes. Pois essa não é uma parte da galeria na qual você simplesmente adentra: não há uma entrada direta a partir de um corredor principal, e é preciso passar por outra seção para chegar até ali. Um local geralmente muito tranquilo, que permite ao público do museu a passagem entre espaços menores, em vez de ter que percorrer apenas um grande salão. Tendo escolhido sua área na galeria, ele teve então que escolher uma parte da parede. Encontrou espaço suficiente entre uma paisagem bucólica do século XVIII e a porta que conduzia à Sala 8, e tomou conta daquele pedaço. Pôs a sacola de papel no chão, apanhou um quadro da sacola e depois simplesmente pendurou o quadro lá. Foi um gesto
bastante corajoso; a Tate não se sentiria muito feliz em descobrir que alguém estava roubando não os seus quadros, mas os espaços nas paredes. Talvez a experiência de seus anos iniciais, quando pintava com spray as ruas de Bristol, tenha ajudado a acalmar os nervos, pois ele não deu nenhuma mostra de pânico quando pôs a mão na sacola outra vez e tirou um impressionante painel branco no qual estava a legenda de sua obra. Afixou-o adequadamente ao lado. E depois foi embora. Certa vez um entrevistador de uma rádio norte-americana perguntou a Banksy se ele fazia esse tipo de incursões sozinho. Ele respondeu: “Faço, sim, porque levar outras pessoas junto não é o tipo da coisa que se faz.” Estritamente falando, ele disse a verdade – uma pessoa só bastou para entrar e colocar a pintura na parede. Mas havia outros envolvidos no planejamento. Um deles se lembra de passar um tempo com Banksy, num café, revendo as opções: “Comentamos um com o outro que era como planejar um assalto a banco.” Ele teve no mínimo um cúmplice, e possivelmente mais alguém dentro da galeria, pois só sabemos exatamente como conseguiu dar esse golpe porque alguém o filmou durante a ação. Após o filme ser levemente editado para obscurecer seu rosto, foi disponibilizado na internet. Por fim, uma série de fotografias foi colocada em seu livro recordista de vendas, Wall and Piece2. Quanto ao quadro em si, Banksy disse que era uma pintura a óleo não assinada, que ele achara num camelô de Londres. Alegou que a considerou “genuinamente boa”, mas estava sendo bastante gentil; era uma paisagem campestre pouco inspirada, com a luz solar mal conseguindo filtrar-se através das árvores sobre um descampado, e parecia vagamente com uma capela. Ao longo de todo o primeiro plano da tela ele gravara em estêncil aquele tipo de fita que a polícia usa para isolar dos curiosos
Lançado originalmente em 2005, foi publicado no Brasil com o título de Guerra e Spray – tradução de Rogério Durst – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012. (N. do T.)
2
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um acidente ou uma cena de crime. O quadro foi intitulado Crimewatch UK Has Ruined the Countryside for All of Us [A Vigilância Contra o Crime no Reino Unido Arruinou o Interior para Todos Nós], e a legenda era um dos primeiros entre os muitos pronunciamentos de Banksy: Pode-se argumentar que desfigurar tal cena idílica reflete a forma como nossa nação tem sido vandalizada por sua obsessão com o crime e a pedofilia, e qualquer visita a um belo local isolado agora parece que pode resultar em ser molestado ou encontrar partes de algum cadáver desovado.
(Originalmente, a legenda era ainda mais sarcástica, e acrescentava: “Pouco se sabe sobre Banksy, cujo trabalho é inspirado por resina de cannabis e televisão diária”, mas de modo bastante interessante, quando Banksy tornou-se mais aceito, este trecho foi suprimido da legenda na reprodução da obra no livro Guerra e Spray.) A ideia de converter o antigo em novo não é original, apesar de Banksy dizer que da primeira vez em que pensou nisso, “eu estava completamente convencido de que era uma ideia genial que ninguém tinha tido antes, e pensei: como faço pra impedir as pessoas de roubarem essa ideia? E pensei que a melhor coisa a fazer era colocá-la na Tate com o meu nome do lado.” Na década de 1960, Asger Jorn, um artista dinamarquês que foi membro-chave dos Situacionistas – pequeno grupo baseado em Paris, o qual argumentava que o capitalismo avançado nos reduzira todos a espectadores passivos da vida – deturpou com seus próprios re demoinhos e respingos pinturas compradas em mercados de praça. No catálogo de sua exposição em Paris, ele aconselhou colecionadores e museus a um rumo que eles dificilmente seguiriam: “Sejam modernos. Se vocês têm pinturas antigas, não se desesperem. Preservem suas memórias, mas deturpem-nas para que correspondam à época de vocês. Por que rejeitar o velho se é possível modernizá-lo com algumas pinceladas?”
A Arte de se Infiltrar 11
Num exemplo mais recente, em 1980, Peter Kennard, um artista pacifista que se tornaria amigo de Banksy, pintou Haywain with Cruise Missiles [Haywain com Mísseis de Longo Alcance]. Trata-se de uma famosa pintura de John Constable, deturpada por Kennard, de uma forma bastante mais surpreendente que a realizada por Banksy, pois adicionava três mísseis de longo alcance à parte de trás da carroça de feno celebrizada pelo pintor John Constable [1776-1837]. A Tate comprou essa obra de Kennard em 2007. Porém, não importava que a ideia de acrescentar algo a uma pintura antiga não fosse original, nem im portou que o quadro de Banksy durasse na parede por apenas três horas, até a cola não resistir. (Um estudante de arte que estava lá naquele momento disse: “Quando a coisa caiu no chão um segurança correu até ali demonstrando algum pânico. Ele notou então que era algo estranho e outros seguranças foram chamados.”) O que importou mesmo foi que Banksy conseguiu colocar uma obra na Tate e foi filmado fazendo isso. Apesar de permanecer incógnito, Banksy declarou com satisfação aos jornais que relataram a história: “Muitas vezes as pessoas perguntam se grafite é arte. Bom, deve ser, agora que já foi colocado na fodida galeria Tate.” Ele acrescentou sugestivamente: “Passar realmente pelo processo de ter um quadro selecionado deve ser muito chato. É muito mais divertido ir lá e colocar alguma coisa sua na parede. O negócio todo é eliminar os intermediários, ou o curador, no caso da Tate.” Mas o ‘negócio todo’ foi realmente muito mais do que apenas isso – foi um golpe publicitário que funcionou maravilhosamente. E se deu certo na Tate, por que não experimentar noutros lugares? Ao longo dos dezessete meses seguintes, ele aplicou o mesmo tipo de truque em mais sete galerias, em Paris, Nova York e Londres. Foi divertido; feito com estilo e considerável frieza; ninguém saiu ferido; de modo geral, os museus levaram as ações na esportiva; e isso ajudou
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a tornar Banksy um nome internacional. O reconhecimento que outros artistas passam anos tentando alcançar, ele obteve em meses. Não era simplesmente entrar nessas galerias e colocar um quadro na primeira parede à vista. Primeiro ele fazia um reconhecimento: “Foi engraçado. Eu ia a todas essas galerias e não olhava a arte, olhava os espaços vazios entre a arte,” disse ele. Em 2004, atingiu dois alvos. Em abril, instalou no Museu de História Natural de Londres uma peça razoavelmente complicada: numa caixa de vidro, um rato empalhado, com uma lata de spray, microfone, lanterna, mochila, óculos escuros e um letreiro rabiscado ao fundo, em estilo de grafite, anunciando: ‘Nossa hora vai chegar.’ O então empresário de Banksy, Steve Lazarides, declarou na época: “Eu vi um membro da equipe do museu chegar até a obra, verificar se estava bem afixada, ler o texto e sair dali andando normalmente.” Recentemente, o Museu de História Natural fez a gentileza de tentar descobrir o que havia acontecido com o rato. Uma porta-voz disse: “Não demorou muito para o pessoal do museu notar e retirá-lo, e até onde sabemos ele foi devolvido a Banksy.” Na verdade, foi Steve Lazarides quem rapidamente pediu-o de volta, na esperança de que uma fotografia do rato que entrara e saíra do museu gerasse ainda mais publicidade. Porém lhe informaram que teria que esperar, uma vez que o rato na caixa estava sendo mantido na câmara fria do museu, para assegurar que não contaminasse quaisquer das peças de exposição permanente. Quando o rato finalmente foi liberado e Lazarides foi chamado pela equipe de segurança do museu, ele salientou que deveria haver algo de errado com a segurança, se uma pessoa consegue entrar com um rato dentro de uma caixa daquele tamanho e atarraxá-la numa parede do museu, sem que ninguém disparasse um alarme. Banksy também fez uma visita ao Museu do Louvre, em Paris. É difícil dizer o quão bem-sucedido foi ele desta vez. Em seu livro há uma fotografia, bastante fora de foco, por sinal, de sua própria versão
A Arte de se Infiltrar 13
da Mona Lisa, transformada por uma carinha sorridente, pendurada numa das paredes.Tudo não aparenta estar bem na fotografia.Vemos as costas de um homem, provavelmente Banksy, uma vez que sua cabeça foi deliberadamente desfocada. Ele parece estar com pressa, afixando com uma das mãos uma legenda abaixo de sua Mona Lisa, enquanto segue caminhando. E é isso. O vídeo mostra muito pouco além do que a fotografia já apresenta. Quanto ao tempo em que a obra durou, o livro de Banksy só registra “Duração desconhecida.” Mas foi no Louvre, ela ficou lá por algum tempo, mesmo que curto – e isso já valeu. Mas ele ainda não tinha chegado lá; a obra na galeria Tate obtivera as devidas manchetes, mas o Museu de História Natural e o Louvre realmente não o levaram muito mais adiante. Foi só no ano seguinte que ele realmente elevou seu cacife em Nova York e Londres. Sendo um domingo, 13 de março de 2005 foi um dia movimentado nas galerias; não obstante, ele conseguiu se infiltrar em quatro museus de Nova York, sem ser barrado uma só vez. No Museu do Brooklyn, pendurou outra pintura adulterada, dessa vez de um ridículo aristocrata com peruca, rendas, babados e espada na cinta. Uma das mãos apoiada frouxamente no encosto de uma cadeira e a outra, igualmente frouxa, segurando uma lata de tinta spray. Tudo isso em cores brilhantes, enquanto o fundo escuro está repleto de pichações, incluindo uma sigla da CND [Campanha para o Desarmamento Nuclear] e a simples exigência “Não à Guerra”. Com dimensão de 61 cm x 46 cm, é a maior das pinturas invasivas de Banksy, e o vídeo da execução é o mais nítido de todos. O sobretudo que usou na Tate foi trocado por uma capa de chuva igualmente discreta, e o chapéu, por um modelo mais resistente, mas a barba falsa parecia ser ainda a mesma, e a sacola com a pintura dentro era quase que risivelmente visível. Novamente ele escolheu uma galeria, a Galeria das Identidades Americanas, no quinto andar, onde não havia muitos visitantes. Pode-se vê-lo adentrar com deliberação e frieza,
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colocar a sacola apoiada numa parede, apanhar a pintura, virá-la e afixá-la na parede oposta, pressionando-a com uma intensidade maníaca – determinado a que ela durasse mais do que as três horas que Crimewatch UK resistira na Tate. Logo ele sai.Toda a operação leva exatamente 33 segundos. De acordo com o livro de Banksy, a pintura ficou lá por oito dias até ser descoberta. Relatos do período declaram que foi por três dias. Mas mesmo que tenham sido apenas três dias, ainda assim é uma nota ligeiramente depressora sobre o tamanho de nosso interesse e atenção às pinturas expostas quando percorremos as galerias de arte. Explicando como se saiu com essa, Banksy disse que as galerias “até ficam bastante movimentadas, mas não se você colocar seus quadros nas partes mais chatas”. No Brooklyn, ele escolhera uma parte chata, mas em plena Manhattan ele se arriscou na multidão e ainda assim se saiu bem. Como? Explicou que os cúmplices filmando também lhe forneceram distrações quando necessário: “Eles fingiram uma briguinha entre homossexuais, gritando bem alto e ofensivamente.” Mais reflexivamente, declarou a outro entrevistador: “Eu penso que essa é uma comprovação do estado mental da maioria das pessoas quando vão a um museu, na verdade. A maioria delas deixa o mundo passar na sua frente e não presta muita atenção em grande parte das coisas. Aparentemente nem mesmo a uma pessoa barbuda carregando por lá uma peça de arte e grudando-a na parede.” (Tais declarações em entrevistas soam como se o artista sempre conversasse com todo mundo, mas é claro que não foi bem assim. Ele escolheu a dedo as pessoas com quem falar, tão cuidadosamente quanto selecionou as galerias. O jornal New York Times, a rádio nacional pública NPR – que nos Estados Unidos é a coisa mais próxima da Radio Four britânica – e a agência internacional de notícias Reuters. As entrevistas foram realizadas por telefone ou e-mail e, já que ninguém conseguiu encontrá-lo pessoalmente, tiveram que confiar no fato de que o ouviam ou liam um e-mail do verdadeiro Banksy.)
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Ele afirmou que estabelecera a meta de colocar uma obra sua no Museu Metropolitano de Arte (em Nova York) por pelo menos 47 dias. Por que um número tão específico? Porque foi esse o período durante o qual uma obra de Matisse, Le Bateau, ficou pendurada de cabeça para baixo antes que isso fosse flagrado por um visitante, o qual informou um segurança sobre o erro. (Ele de fato confundira os museus – um erro fácil de cometer. O quadro estava no Museu de Arte Moderna, e não no Museu Metropolitano.) Mas a peça de Banksy durou apenas duas horas, e é fácil entender o porquê. Na ala das Grandes Pinturas Americanas, o seu retrato alterado de uma legítima senhora da sociedade encarava os espectadores; a moldura de ouro combinava bem com as pinturas ao redor, mas a senhora usava uma antiquada máscara de gás. Era impossível não notá-la. Uma porta-voz da galeria disse que nenhum dano foi feito na parede ou nas outras obras. Ela acrescentou, com ligeiro desdém: “Penso que é justo dizer que seria necessário mais que um pedaço de fita adesiva para conseguir colocar uma obra de arte no Met.” No Museu de História Natural, ele pendurou um intrigante besouro envidraçado, ao qual foram atadas asas do avião de caça Airfix, com mísseis logo abaixo delas. A legenda declarava que se tratava de um besouro ‘Withus Oragainstus’ – relendo com atenção, compreende-se a piada [algo como ‘besouro Conoscos Oucontranós’]. No terceiro andar do Museu de Arte Moderna (MOMA), onde estão as 32 Latas de Sopa Campbell’s, de Andy Warhol, ele colocou sua própria tela Discount Soup Can [Lata de Sopa com Desconto] – apresentando uma lata de sopa de creme de tomate Tesco Value. No livro Guerra e Spray, ele diz que após colocar o quadro na parede, ele ficou uns cinco minutos por ali para ver o que aconteceria a seguir. “Várias pessoas se aproximaram, olharam e se afastaram parecendo confusas, como que se sentindo leve mente enganadas. E eu me senti um verdadeiro artista moderno.”
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A maioria dessas incursões bem-sucedidas veio acompanhada por reflexões de Banksy falsamente ingênuas e ligeiramente irritantes. Após seu sucesso em Nova York, ele mandou um e-mail ao New York Times dizendo que pensara em experimentar também o Guggenheim, mas que se sentiu muito intimidado: “Eu teria que aparecer entre dois Picassos, e não sou bom o suficiente para me sair bem dessa.” Disse que preferia ser conhecido como um “vândalo de qualidade”, em vez de um artista, e prosseguiu: “Eu já percorri um monte de galerias de arte pensando ‘eu podia ter feito isso’, então me pareceu simplesmente certo que devesse tentar. Essas galerias são simplesmente estantes de troféu para um punhado de milionários. O público nunca tem chance de dizer algo sobre a arte que vê.” Terminados os trabalhos em Nova York, Banksy estava de volta a Londres. Em maio, atacou na Galeria 49 do Museu Britânico, uma galeria movimentada, repleta de artefatos da Grã-Bretanha dos tempos do Império Romano. Sob uma estátua de Átis (na mitologia, o jovem amante da deusa-mãe Cibele, caso você se interesse em saber) e parcialmente escondida por uma lápide do século I d.C., Banksy con seguiu colocar uma convincente lasca de rocha bruta. Ao longo dela, em estilo de arte rupestre, estava desenhada a figura de um ‘homem primitivo’ empurrando um carrinho de supermercado. Na legenda, em caracteres quase idênticos aos das legendas das peças do Museu Britânico, lia-se: O artista responsável é conhecido por ter criado uma obra substancial em todo o Sudeste da Inglaterra, sob a alcunha de Banksymus Maximus, mas pouco mais se sabe sobre ele. A maior parte desse tipo de arte não sobreviveu, infelizmente.A maioria é destruída por zelosos funcionários municipais que não conseguem reconhecer o mérito artístico e o valor histórico dos garranchos nas paredes.
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Em seu website, Banksy anunciou uma caça ao tesouro com um prêmio para a primeira pessoa que encontrasse a peça de arte primitiva e lhe enviasse uma fotografia em pé ao lado dela; mas o Museu Britânico chegou lá primeiro, retirando a pedra antes que alguém conseguisse reivindicar o prêmio. Uma porta-voz do Museu Britânico disse que eles estavam “vendo a situação pelo lado mais leve” e “ainda no processo de decidir o que fazer com a obra”. Desde então, ela tornou-se parte do folclore da internet, reforçada por uma declaração no livro de Banksy, de que o homem das cavernas foi adicionado ao acervo do museu. No entanto, uma pesquisa no acervo usando palavras-chave como “Banksy Maximus”,“Homem Primitivo vai ao Supermercado”,“Era Pós-Cata tônica” e, obviamente, “Banksy”, não obteve nenhum resultado. É uma pena estragar a diversão, mas o museu respondeu assim ao meu pedido de mais informações a respeito: “Não foi adquirida pelo museu e não está no acervo.” (Em contraste, Riikka Kuittinen, então curadora do departamento de gravuras do Museu Victoria & Albert, diz que realmente esperava que o V&A conseguisse uma. Ela diz que a teria marcado como uma ‘admissão à coleção’, sendo numerada e armazenada. Mas o artista nunca agiu nesse sentido, e posteriormente o V&A teve que comprar as suas gravuras de Banksy.) Tais incursões não valeram apenas como publicidade, mas foram – em última instância – financeiramente lucrativas. Depois de ter se descolado, o Crimewatch UK de Banksy foi colocado no departamento de bens encontrados da Tate. Não se sabe exatamente o que teria acontecido com a obra. A Tate diz que no momento não possui informações a respeito. Mas apenas alguns dias após a incursão na Tate, uma outra versão de Crimewatch UK, completa com o vídeo de sua colocação na galeria, já estava à venda em outra galeria, pelo preço de quinze mil libras. E seis anos depois, ainda outra versão apareceu nas paredes da Black Rat Gallery [Galeria Rato Preto] em Shoreditch; esta versão
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pertencia a um colecionador particular que presumivelmente a comprara de Banksy. A galeria recebeu uma oferta de 150 mil libras, que o colecionador recusou. (Há um enigma aqui. Banksy achou a pintura original num mercado de rua e pintou as fitas de isolamento policial por sobre a tela; mas ele não poderia ter encontrado três quadros idênticos no mesmo mercado. De alguma forma, a imagem foi transferida. Similarmente, uma pintura idêntica à da infeliz dama da sociedade, que ele usara no Museu Metropolitano de Nova York, apareceu quatro anos mais tarde na exposição de Banksy em Bristol, mas a máscara de gás tinha sido substituída por um disfarce de criança: um grande nariz falso, completado por um bigode ridículo e óculos engraçados. Ela aparecera melhor com a máscara de gás.) A ascensão da humilde lata de sopa foi tão veloz quanto a de Crimewatch UK. Apenas três anos após ele ter colocado a primeira versão no MOMA, uma versão consideravelmente maior da pintura (medindo 122 cm × 92 cm, teria sido difícil entrar despercebido com ela no MOMA) atingiu o valor de 117.600 libras na casa Bonhams, após dois compradores rivais terem saltado rapidamente para além do valor inicial estimado em oitenta mil libras. E isso no auge da crise internacional de crédito financeiro. Certamente não eram os 15 milhões de dólares que os amigos opulentos do Museu de Arte Moderna tinham pago pelas 32 Latas de Sopa Campbell’s de Warhol, em 1977. Mas isso foi quinze anos depois de Warhol tê-las pintado, e o preço refletiu o fato de que as latas de sopa de Warhol, ao glorificarem um objeto tão comum, passaram a ser vistas como algo que mudou a própria natureza do que antes era considerado arte. Quando Warhol lançou inicialmente suas latas, em 1962, sua galeria recém-inaugurada em Los Angeles ofertava-as por cem dólares cada – e não achava compradores interessados. (Por fim, a própria galeria adquiriu o conjunto das latas por mil dólares, um investimento extraordinariamente bom, mas sem grandes retornos naquele momento para Warhol.)
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Embora essas visitas a galerias tenham resultado num bom dinheiro para Banksy nos anos seguintes, esta foi certamente a última coisa que ele teve em mente na época de sua execução. Parece estranho dizer isso sobre um artista que deseja permanecer anônimo, mas suas incursões foram pela fama e reconhecimento, para que pessoas que nunca chegaram perto de uma galeria ou um museu pudessem ver suas imagens pela primeira vez, em jornais ou na televisão, e especialmente na rede mundial de computadores, apreciando-as e esperando encontrá-las dis poníveis no futuro. Muito rapidamente, Banksy tornou-se o primeiro artista internacional da internet. Seu anonimato significava que ele não poderia conceder grandes coletivas de imprensa ou dar entrevistas na TV, e assim ele anunciou pela internet a sua tomada de assalto a Nova York, entregando uma série de fotos para o www.woostercollective. com, um site nova-iorquino dedicado à arte de rua, de modo geral. Ele não estava criando arte eletrônica na internet, mas construindo para si um público seguidor imensamente leal na rede, fãs que dificilmente visitariam uma galeria, mas que adoram visitar websites.Atualmente, ele exibe seus novos trabalhos em seu próprio site, www.banksy.co.uk. Assim, ele pode pintar suas obras em paredes de Israel, Hollywood, Barcelona ou Londres, e todo mundo pode vê-las – o que dá a sua arte uma duração e uma existência que os artistas grafiteiros nunca tiveram antes. A parede pode ser coberta de tinta, mas a obra ainda continua lá. Ele pode anunciar seu filme, promover alguma nova exposição e, por meio de um site associado, www.picturesonwalls.com, pode também vender suas próprias cópias assinadas, e as de outros artistas. E além do site próprio de Banksy, uma vasta ninhada de outros sites surgiu para acompanhar seu trabalho, discutir sobre quem ele é realmente, postar fotos de ‘um Banksy novo’ que alguém pensa ter descoberto, discutir se tal peça é realmente um Banksy, informar-se sobre seus preços, falar mal dele ou defendê-lo bravamente. Em suma, a internet
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dá a todos a chance de se sentirem compartilhando alguma parte de Banksy, mesmo se não são milionários com um Banksy na parede da sala de estar. E além desses fãs dedicados, tanto por meio da grande imprensa quanto da internet, Banksy conquistou para si o reconhecimento internacional. Antes de atacar em Londres, Paris e Nova York, ele era conhecido – tinha, por exemplo, fornecido a ilustração para a capa do álbum Think Tank [Pense Tanque] da banda de pop rock Blur. Mas não era muito conhecido; seus dois primeiros livros, pequenos e autoeditados, foram ignorados por todos, com exceção dos fãs mais dedicados. Então, ao reinventar as regras, ele se tornou um nome conhecido e reconhecido, e fez isso de modo inteligente o suficiente para não ser considerado um golpista publicitário, mas antes disso um bata lhador pelos pequenos e humildes, contra as poderosas galerias e os inescrupulosos negociantes de arte. Em vez de ‘vândalo’, viraram moeda corrente as caracterizações dele como um ‘Pimpinela Escarlate’ [herói popular, ancestral do Zorro], culminando com o Sunday Times tê-lo qualificado como: “Nosso mais improvável tesouro nacional.” Não há simplesmente nenhum outro artista que poderia render capa e matéria na revista do [respeitável jornal] Sunday Times, e alguns meses depois ter uma entrevista “exclusiva” anunciada na primeira página do tabloide The Sun. Não importou tanto assim o fato de tal entrevista ter sido simplesmente pinçada palavra por palavra de itens extras do filme, após o lançamento em DVD – exceto, talvez, para o próprio Banksy. O que importou mais foi que o The Sun o considerou suficientemente interessante ao seu público leitor e dedicou duas páginas a ele. Foi um longo caminho num curto espaço de tempo, desde sua fase inicial em Bristol.
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