Dicionario de religiosidade sample

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© Casa de Santo Antônio DICIONÁRIO DA RELIGIOSIDADE POPULAR cultura e religião no Brasil Conceituação, pesquisa e texto: Franciscus Henricus van der Poel Sobre o autor: João das Neves

Introdução: Carlos Rodrigues Brandão Apresentação: Lélia Coelho Frota

Pela Província Santa Cruz: Francisco Carvalho Neto, ofm Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Index Consultoria em Informação e Serviços Ltda. Poel, Francisco van der P744 Dicionário da religiosidade popular : cultura e religião no Brasil / Francisco van der Poel (Frei Chico).— Curitiba : Nossa Cultura, 2013. 1152 p. : il. ISBN 978-85-858066-102-6 1. Religiosidade popular – Brasil – Dicionários. 2. Cultura popular – Brasil – Dicionários. I. Frei Chico. II. Título.

CDD (20. ed.) 248.2 CDU ( 2.ed.) 248.2

IMPRESSO NO BRASIL/PRINTED IN BRAZIL

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Produção Gráfica, Revisão e Arte-finalização: Posicom

IMPRESSÃO: GRÁFICA E EDITORA POSIGRAF S.A.

EDITORA NOSSA CULTURA LTDA Editores: Samuel Ramos Lago Paulo Fernando Ferrari Lago Editor-assistente: Claudio Kobachuk Marketing: Renata Sklaski Comercial: Rosângela Britto Rua Grã Nicco, 113 - Bloco 3 - 5º andar Mossunguê – Curitiba – PR – Brasil Tel: (41) 3019-0108 – Fax: (41) 3019-0108 http://www.nossacultura.com.br

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Dicionário da Religiosidade Popular


COLABORADORES PARCEIRA PRINCIPAL:

REVISÃO DA BIBLIOGRAFIA FINAL:

Maria Lira Marques Borges, artesã de Araçuaí (MG)

Elenice Rêgo dos Santos Cunha, assessora do Sistema de Bibliotecas da PUCMG, em Belo Horizonte (MG)

ORIENTAÇÃO GERAL:

TRADUÇÕES DO LATIM, FRANCÊS E

Lélia Coelho Frota, da Associação Brasileira de Críticos de CASTELHANO: Arte, ABCA/AICA Hamilton Francischetti e Leilah M.T. Atem Francischetti

PESQUISA DA RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA ATUAL: Alunos do Centro Ecumênico de Atualização Litúrgico-Musical (CELMU) em Agudos (SP), entre 1994 a 2009

REVISÃO GERAL DO CONTEÚDO: Carlos Rodrigues Brandão, doutor em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP) e livre docente em antropologia do simbolismo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP)

REVISÃO TÉCNICA DE 1422 VERBETES AFRO-BRASILEIROS (2003): Centro de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Cândido Mendes/ RJ Diretora: Rosana Heringer, doutora em sociologia pelo IUPERJ Coordenação: Osmundo Pinho, doutor em ciências sociais pela UNICAMP e pesquisador do Centro de Estudos Afro-Brasileiros da UCAM-RJ Línguas africanas: Robson Cruz, doutorando em antropologia e sociologia no IFCS/UFRJ Tráfico e escravidão: Mariana Pinho Candido, PhD Candidate in African History a York University, Toronto Religiões afro-brasileiras: Claude Lepine, livre-docente, pós-doutora pelo CNRS, doutora em antropologia social pela USP e professora aposentada/voluntária na UNESP/Marília Religiões afro-brasileiras: Rita de Cássia Amaral, doutora e pós-doutora em antropologia social pela USP História da África: Carlos Franco Liberato de Souza, mestre em estudos de Ásia e África - Especialização em África - no Centro de Estúdios de Ásia e África de El Colégio de México e professor do Departamento de História da UFS

DESENHO DAS CAPITULARES: Maria Lira Marques Borges

FOTOGRAFIA: Francisco van der Poel, “FX” (269 fotos) Vilmar Oliveira (67 fotos) Deniston Diamantino (21) Acervo do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) 15 fotografias: Francisco Moreira da Costa (14) e José Moreira Frade (1) Geraldo Lara (1) Henrique Cristiano Matos (1) Júnia Bertolini (1) Marconi Pereira Rocha (1)

CAPA: Cruzeiro dos martírios; a direita pretos velhos e cabocla Jurema; a esquerda Kelma, Wilma, e Eliane, caboclinhas de congados Belo Horizonte (MG)

SECRETARIA: Manoel Nascimento Nunes Neto, licenciado em Letras; Reginaldo Barroso, Alisson Rodrigues de Jesus e Leonardo Antônio Andrade Alves

REVISÃO LÍNGUA PORTUGUESA: Hamilton Francischetti, Léia Elias Coelho, Wesley Pioest e Tania Growoski

Dicionário da Religiosidade Popular

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CONSULTORIA de Aquino (ISTA), em Belo Horizonte (MG); frei Celso Márcio Teixeira OFM, doutor em teologia e historiador; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE Centro de Documentação e Disseminação de Informações, frei Olavo Timmers OFM (†1990), cronista Belo Horizonte (MG)

ATUALIZAÇÃO DE ESTATÍSTICAS:

ARTE E ETNOGRAFIA:

MEDICINA POPULAR:

Dr. João Amilcar Salgado, diretor do Centro de Memória Lélia Coelho Frota, da Associação Brasileira de Críticos de da Medicina de Minas Gerais (UFMG) Arte, ABCA/AICA

CINEMA:

MÚSICA:

Manoel Nascimento Nunes Neto, graduado em Cinema Adhemar Campos Filho (†1997), pesquisador da música barroca mineira em Prados (MG) e compositor; frei Joel pela FAAP - SP Postma OFM, diplomado em música sacra em Haia (HoECONOMIA: landa); padre Jocy Neves Rodrigues (†2007) pesquisador do Leopoldo Thiesen, doutor em filosofia pela Universidade Departamento de Assuntos Culturais (DAC) da UniversiEstadual de Campinas (UNICAMP/SP) dade Federal do Maranhão (UFMA)

FILOLOGIA E ANTROPOLOGIA CULTURAL:

PSICOLOGIA:

José Manuel Pedrosa, professor de teoria da literatura e críDr. Carlos Alberto Corrêa Salles, presidente do Instituto tica literária da Universidade de Alcalá (Madrid) C.G. Jung, Belo Horizonte (MG); Dr. José Jorge de Morais Zacharias, psicólogo, músico e estudioso do candomblé queFOLCLORE: to, São Paulo (SP) Henrique Weitzel, mestre em letras, de Juiz de Fora (MG), Jupira Duffles Barreto, diplomada na Escola Nacional de Música, no Rio de Janeiro (RJ), Sebastião Rocha, educa- TEOLOGIA: dor popular, antropólogo e presidente do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, em Belo Horizonte (MG), Frei Bernardino Leers OFM, doutor em teologia; frei Zanoni Neves, mestre em antropologia social pela Unicamp Luís Fernando Peixoto OFM, doutor em Teologia; padre (SP) e Domingos Diniz, professor na escola Guignard de Alberto Antoniazzi, doutor em teologia Belas Artes, em Belo Horizonte (MG), todos confrades da Comissão Mineira de Folclore (CMFL). Maria Aliete REFLEXÃO CRÍTICA: Farinho Galhoz, investigadora do Centro de Tradições Populares Portuguesas “Prof. Manuel Viegas Guerreiro”, da Geralda Soares, pedagoga e indigenista de Araçuaí (MG); Universidade de Lisboa Rodolfo A. Cascão Inácio, educador popular, diretor de teatro popular e ecologista, de Belo Horizonte (MG); Rui HISTÓRIA: Anastácio, comunicador social, violeiro e ecologista no proMaria da Conceição de Rezende, diretora artística do Museu jeto “Saúde e Alegria”, no Pará; Vilmar Oliveira e Tadeu da Arquidiocese de Mariana (MG), e Dr. Celso Falabella Martins, promotores culturais no vale do Jequitinhonha; de Figueiredo Castro, administrador de empresas, ambos confrades do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Reginaldo Veloso, educador popular, liturgista, composiGerais (IHGMG); frater Henrique Cristiano Mattos, tor e poeta, Recife (PE); dom José Belisário da Silva OFM, doutor em história e professor no Instituto Santo Tomás São Luís (MA) 4

Dicionário da Religiosidade Popular


AGRADECIMENTOS Aos colaboradores e conselheiros mencionados.

Ao saudoso dom Luciano Mendes de Almeida pela sintonia e pelo incentivo pessoal.

Ao povo do Vale do Jequitinhonha (MG), aos hansenianos da Colônia de Santa Isabel em Betim MG e a numerosos Ao professor Samuel Ramos Lago, e a Giem Guimarães da representantes dos diversos cultos afro-brasileiros, pela con- Editora Posigraf que acreditaram neste dicionário diferente. fiança em mim depositada. À editora Nossa Cultura que assumiu generosamente a ediAos meus superiores franciscanos: dom Diogo Reesink, ção, publicação e distribuição do Dicionário. Patrício de Moura Fonseca, Luciano Brod, dom Dario Aos meus conterrâneos de Zoeterwoude, Holanda, pelo Campos e Francisco Carvalho Neto, por terem me apoio solidário através do leilão anual “Missieveiling”. incentivado a prosseguir no trabalho de pesquisa e promoção da cultura popular. Também aos freis João Maria van Dam, Não é possível lembrar aqui todos os amigos colaboradores. Francisco Duarte, Moisés Bastos, Dari Bernardino Pinto e Obrigado a todos. a muitos outros confrades, pela compreensão.

O autor declara, para os devidos fins de direito, que não foi possível identificar quem detém os direitos de alguns textos e/ou imagens constantes deste Dicionário. Se, porventura, ocorreu alguma omissão involuntária quanto a créditos de fotos, os direitos encontram-se reservados aos seus titulares. Dicionário da Religiosidade Popular

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FX DONA MARIA JOSÉ RIBEIRO, BANDEIREIRA DO CONGADO DE N. SRA. DO ROSÁRIO (SETE LAGOAS, MG. 2002)

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Dicionário da Religiosidade Popular


OFERECIMENTO AO BRASIL MESTIÇO ao mestre da folia e companheiros

aos rezadores e benzedeiras, às pastorinhas

e ao “velho”, aos cristãos e mouros da cavalhada ao

almirante e aos marujos da chegança, às dançadeiras e

tocadores de São Gonçalo aos festeiros, leiloeiros e mordomos

de bandeira e mastro, aos congadeiros, aos reinados do rosário

de Maria, aos capitães e oficiais, aos caboclinhos, aos que em junho

festejam Santo Antônio, São João, São Pedro, São Marçal e a Senhora Santana aos romeiros de Aparecida do Norte, do Círio de Nazaré e do padre Cícero de Juazeiro, aos devotos da Santa Cruz e do Senhor do Bom-Fim às caixeiras e à tribuna do Divino Espírito Santo aos penitentes e aos

encomendadores de almas ao santeiro e à

bordadeira do sagrado aos

pagadores de promessas

às erveiras e raizeiros, aos pajés, caciques e seus povos, aos filhos de Nzambi, às zeladoras

mães de santo, aos pais de santo, aos ogãs e aos filhos de santo, às lideranças populares da luta pela sobrevivência, pela igualdade e pela terra aos contadores da história de índios e escravos, dos antepassados do Brasil mestiço enfim, a todos os praticantes da esperança num Deus compassivo e libertador de seu povo.

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PALAVRA DO AUTOR Começo do princípio do início de alguma coisa... Ao leitor, paz e bem!

Prandi, Carlos Rodrigues Brandão, Alba Zaluar, Maria de Lourdes Borges Pereira, Dulce Martins Lamas e Lélia Por dez anos, entre 1968 e 1978, tive o privilégio de mo- Coelho Frota, percebi que a tarefa não ia ser fácil. rar no Vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas. A partir de Araçuaí, em parceria com Maria Lira Marques, passei a Em busca de um padrão, desejava reunir informações que fosregistrar as rezas, benditos, batuques, técnicas de trabalho, sem representativas do universo religioso e cultural do povo remédios, sabenças e histórias do povo do Vale. O Jequiti- brasileiro. Foi aí que optei por não escrever um manual, mas nhonha mudou o meu modo de pensar sobre a verdadeira uma espécie de abecedário. Então, passei a garimpar e peneireligião: aprendi que quem pretende entender a religiosidade rar na fé do povo tudo que estava ao meu alcance: descrições popular e ter o direito de explicar seus significados há de se de festas, romarias, costumes; os rituais com rezas, gestos, tornar simples com os simples e pobre com os pobres. Con- benditos e pontos; depoimentos populares - e coloquei as fesso que a fé dessa gente me levou a uma espécie de conver- palavras do povo sempre em itálico; dados socioeconômicos, são. Na arte de pensar como eles, estou apenas começando a história do Brasil e da igreja, o confronto popular-oficial, a tudo aprender. as contribuições da antropologia, da teologia, da sociologia e tantas outras informações. Os “links” (sempre em negrito) Em 1978, mudei-me para Betim, região central de Minas. entre os verbetes permitem ampliar as pesquisas. Mergulhei então na religiosidade popular. Estudei e viajei, compartilhei festas e romarias, visitei terreiros, naveguei pelo Busquei associar tudo aquilo que possibilita o aproveitario São Francisco, caminhei pelo Nordeste. Tudo isso me mento criativo, em busca de um “pensamento redondo” e levou a uma leitura ampla e profunda da realidade brasileira: não apenas linear. Uma boa dose de intuição me soprou que a violência do Brasil colonial no qual a religião chegou com a ficaria melhor chamar aquele abecedário com o nome “Dicruz e a espada, a romanização da igreja no final do império cionário da Religiosidade Popular” e assim realçar o trabae na república, os leigos da Ação Católica, Dom Hélder lho sistemático, a busca da coerência e o grau da organização Câmara, as comunidades de base, a teologia da libertação, os do material reunido. Na realidade, trata-se de um primeiro carismáticos, a Pastoral da Terra, o avanço dos evangélicos, passo, um princípio do muito que ainda há por fazer. enfim, pode-se escrever a história do povo brasileiro também sob a perspectiva da religião. Veja como é curioso: 61% da Não havia outro dicionário para me servir de modelo, população brasileira se declara católica, mas apenas 15% dos mas havia muito material a ser avaliado: pesquisas no católicos frequentam regularmente a sua igreja. Jequitinhonha e outras regiões; literatura disponível sobre Em 1985, ainda em Betim, fui transferido para a colônia o assunto; documentos em arquivos do Brasil e de Portugal; de Santa Isabel. Nos 16 anos seguintes, foi escrita a maior conversas com antropólogos que viveram na África bantu. parte do presente Dicionário. A regência do coral Tangarás Quarenta anos de esforços resultaram na presente obra de Santa Isabel me deu a oportunidade de vivenciar com os enciclopédica, que reúne 8.570 verbetes e 6.433 notas de hansenianos uma experiência bonita de superação do sofri- rodapé! Mas não custa lembrar: quanto mais a pessoa estuda, tanto mais ela percebe seu pouco saber. mento humano pela arte. Após publicar alguns livros e artigos, e já imaginando reunir em uma obra maior as minhas reflexões, investigações e registros do Jequitinhonha com os trabalhos de estudiosos da cultura popular brasileira como Renato Almeida, Luís da Câmara Cascudo, Paulo Freire, Ronaldo Vainfas, Reginaldo 8

Dicionário da Religiosidade Popular

Uma das dificuldades do estudioso da Religiosidade Popular é lidar com assuntos que não cabem nas nossas teorias: a espinhela caída, as simpatias aplicadas, o transe, para citar só alguns. Preconceitos não faltam. Sem estigmatizar nem o pobre, nem o rico, a pobreza há de acabar!


A experiência religiosa dos pobres é de grande importância para qualquer igreja cristã. No Brasil católico atual, há muitas comunidades populares que continuam manifestando sua fé num Deus vivo através de formas culturais de origem indígena, africana e lusa. A força da cultura popular está justamente na sua harmonia com a vida real e com a memória dos pobres. Um povo que possui organização, lideranças próprias, ideais e projetos, tem a sua visão da história e sabe avaliar o curso dos acontecimentos. Por exemplo, se eu pergunto a um valejequitinhonhense se ele é pobre, vou ouvir: “não sou pobre, mas sou fraco”. Ora, fraco aí é o oposto de poderoso. Do fundo de sua consciência ele sabe que há neste mundo dos homens uma escala de valores, que é posta em questão no casamento da roça, no bumba meu boi, no testamento de Judas, no palhaço da folia de reis ou no carnaval. Para o homem da roça, o humor e a irreverência diante das autoridades são partes essenciais da cultura. Hoje sei que perguntas não ficam sem respostas, mas é preciso saber ouvir para entender – sempre prestar muita atenção.

em dinheiro, em paredes ou em para-choques de caminhão foram levados a sério. Diante dos meus olhos, muitas coisas aconteceram, e parte significante delas está nesta obra, passos de uma caminhada na qual me vejo apenas no começo do princípio. O ponto de vista das culturas populares é que dá sentido aos verbetes. Quando escrevemos: “Santo Onofre toma conta da despensa e protege as famílias pobres contra a fome”, estamos registrando um saber coletivo referendado pela tradição, com apoio da bibliografia em pé de página. O mesmo vale para as informações sobre plantas medicinais e outros remédios.

Este “Dicionário da Religiosidade Popular”, de linguagem fácil, quer ser uma obra útil para educadores, artistas, intelectuais, comunicadores, lideranças populares, agentes de pastoral católicos e evangélicos, agentes dos cultos afro-brasileiros e da pajelança, praticantes de outras religiões, em outras palavras, para todos aqueles que desejam conhecer e O “Dicionário da Religiosidade Popular” mostra as prin- promover a religiosidade popular brasileira. cipais manifestações religiosas populares do Brasil e suas origens. Relata uma história de sofrimentos e exclusão, de Ao trazer os mais variados pontos de vista sobre religião massacres e escravidão. Recorda a organização e a resis- e vida na sociedade brasileira esperamos contribuir para o tência popular. A vida e a experiência religiosa dos povos acerto da caminhada da igreja que amamos. indígenas são lembradas, especialmente no seu entrelaçamento com os cultos afro-brasileiros e tradições orais ca- “A igreja é o povo de Deus” proclamou o Concílio Vaticano tólicas oriundas da Europa medieval. Atenção especial é II, em 1965, e uma evidência foi redescoberta. Logo depois, dada às mudanças recentes no país, tais como a migração num momento de lúcida fé, os bispos da América Latina do povo para as grandes cidades e a conscientização dos reunidos em Medellín, em 1968, fizeram a “opção preferenafrodescendentes, dos quais os bantos formam a maioria. cial e bíblica pelos pobres” e, consequentemente, propuseHá 1.422 verbetes sobre assuntos afro-brasileiros. A escas- ram a valorização da religiosidade popular na igreja. Mais sez de estudos recentes sobre os migrantes e sobre a reli- tarde, em Santo Domingo, em 1992, surge a necessidade de giosidade popular urbana contribui para o caráter provisó- uma evangelização nova e inculturada. Em 2007, o Conrio da obra. Por aí se vê que não temos qualquer pretensão selho Episcopal dos Bispos da América Latina (CELAM), de resumir, muito menos de esgotar o assunto. em Aparecida do Norte (SP), renovou a opção pelos pobres. Este é o nosso caminho. Temas muito variados são abordados neste Dicionário no qual a vida e a religião não se separam. A necessidade de Sou eternamente grato a amigos que foram de grande valia: união na diversidade de culturas, classes e religiões apare- Lélia Coelho Frota, antropóloga, grande conhecedora da ce em vários verbetes. A mestiçagem, antes vista negativa- cultura brasileira, conselheira constante, que durante vinte mente, hoje é entendida como um valor típico da identidade anos contribuiu para melhorar esta obra. Sua morte na manacional brasileira. A globalização provoca uma afirmação drugada de 27 de maio de 2010 impediu que escrevesse seu da individualidade das nações, por via da afirmação do seu prometido prefácio. patrimônio cultural. Maria Lira Marques Borges, mulher, mestiça, pintora, canNa busca da raiz do que seja “popular”, o Dicionário dá voz tora, pesquisadora, sempre pronta para esclarecer o pensar e a benzedeiras, foliões, congadeiros, romeiros, mães de santo, o sentir do povo sofrido do Vale, que desenhou com terras pajés, contadores de histórias, cordelistas, lideranças sociais. do Jequitinhonha as iluminuras que iniciam cada nova letra Suas opiniões e seus imaginários prevalecem em assuntos deste Dicionário. como o aborto, a modernagem, o autoritarismo do vigário. Privilegiamos expressões culturais surgidas e mantidas em Manoel Nunes Nascimento, Leonardo Antônio Andrade vida comunitária: dizeres, versos de roda, cantos, histórias, Alves e os eficientes secretários que me socorreram na pesrituais. Também “dizeres” anônimos e livremente escritos quisa e na gramática. Dicionário da Religiosidade Popular

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Carlos Rodrigues Brandão, antropólogo que durante sete meses fez a revisão do conteúdo do dicionário e escreveu a introdução. João das Neves, diretor e dramaturgo dedicado ao teatro popular, que apresenta o autor da obra. De modo especial, agradeço a meus superiores franciscanos que me liberaram para a pesquisa e promoção da religiosidade popular e aos confrades que me apoiaram. Uma obra dessa envergadura exige algo além do afinco: um cálice de obsessão, pelo menos. Não faz sentido falar em religião sem que haja um Deus vivo presente no mundo. A experiência religiosa na vida do pobre constitui o fio de ouro deste Dicionário. Finalmente, mesmo estando no começo do princípio do início de alguma coisa, nunca desanimei, pois aprendi com os pobres deste país que O POUCO COM DEUS É MUITO.

Frei Francisco van der Poel

Nota 1: Este Dicionário possui três tipos de fontes bibliográficas: (1) obras citadas nas 6.433 notas de rodapé; (2) bibliografia final com 1.400 livros e (3) bibliografia complementar em 885 verbetes. Nota 2: A maioria dos livros citados encontra-se no “Acervo Frei Chico”, na biblioteca da PUCMG em Belo Horizonte (MG). Nota 3: O método adotado neste Dicionário pode e deve ser aprimorado em outras edições e, para tanto, peço a ajuda de todos os que gostarem de usá-lo. No desejo de termos uma obra interativa e em constante atualização, peço que enviem suas sugestões e críticas para o email: dicionariorelpop@gmail.com 10

Dicionário da Religiosidade Popular


INTRODUÇÃO Um mundo posto num livro Quem acaso folheie este livro cujo nome, Dicionário, bem sugere a sua vocação e a sua estrutura, mas que na humildade de seu autor esconde a sua dimensão e a sua densidade, e que, com um pouco mais chegaria às 1152 páginas, poderia imaginar o seu autor como um desses religiosos de longas barbas, pernas frágeis, e cujas maiores viagens irão de uma cela franciscana a uma capela e desta a uma biblioteca. Uma casa de livros piedosos, onde por anos e anos velhos e novos livros se apoiam em incontáveis estantes. Um desses frades vindos do Norte do mundo - pois o seu nome e o seu sobrenome bem o sugerem - que ainda prega os seus sermões com fortes “erres” carregados de acentos estrangeiros. Um velho holandês cujas viagens de agora, quando os cabelos e a barba já imitam as neves de sua terra natal, raramente ultrapassam os muros do convento onde ele viveria, em algum lugar das Minas Gerais.

ruelas entre as lamas de janeiros e as poeiras de julhos, dos bairros de periferia, dos povoados sertanejos, dos arraiais mineiros dos sertões. Enfim, dos recantos onde, no Brasil e em Minas Gerais, vivem as mulheres e os homens que ao longo de quase todos os mais de oito mil verbetes deste livro “penam” as suas vidas (a expressão é bastante comum entre eles), vivem os seus duros labores e trabalhos de todos os dias, parem e criam os seus filhos e, em outros momentos – aqueles que mais estarão presentes aqui – a sós, aos pares, em pequenos grupos de parentes, amigos ou vizinhos, ou em comunidades maiores, dizem as suas preces, revivem a sua fé, festejam solidariamente os seus santos e realizam as suas celebrações, romarias, procissões, rezas, festas, folguedos ou o que seja. Comemorações coletivas das muitas maneiras de sentir e crer em seres que, entre um Deus-Todo-Poderoso e a imagem de uma Santa-Cruz, são os incontáveis sujeitos sagrados que uma antiga, múltipla e fervorosa religiosidade popular ano após ano rememora e celebra. Celebra e preserva como uma entre tantas outras tradições religiosas populares, neste nosso mundo acelerado em que tudo e todos - de máquinas eletrônicas a deuses - são obrigados por nós, os seres humanos de nosso tempo, a deixar apressadamente de serem quem são, para mudar, para transformar-se em algo novo, diverso, sem raízes, para continuar existindo entre nós e a nosso favor.

Alguma coisa no parágrafo acima pode ser verdadeira: a origem europeia, a cor da barba e dos cabelos, a residência em Minas. Até mesmo a frequência assídua à capela do convento e, sejamos francos, uma presença ainda mais assídua à biblioteca. Não apenas a do convento, mas sobretudo a de sua cela. Um quarto que precisou tornar-se bem maior do que a cela que deveria abrigar um frade, pois além dele, o quarto de nosso autor é também a morada de inúmeros livros, incontáveis revistas, folhetos, almanaques populares, cordéis ou o que seja. E, mais ainda, de objetos de cultura e de vida religiosa, entre imagens de santos e outros artefatos populares, que quase ameaçam fazer de um lugar de orar, No próprio duplo nome pessoal com que se apresenta aos dormir, ler e escrever, também um pequeno museu. outros, o autor deste trabalho se divide. E este é o seu primeiro travesso segredo. Pois ele se chama Franciscus Uma outra parte do que está sugerido no primeiro parágrafo Henricus van der Poel OFM, um solene nome entre o é bem ilusória. Pois quem queira encontrar o homem que ao Latim e o Holandês. Mas, em toda a parte por onde passou longo de quarenta anos pesquisou e escreveu este Dicioná- entre os seus 43 anos de vida aqui no Brasil, ele é conhecido rio, deverá sair por aí, entre sinuosas estradas de terra. Deve- sempre como: Frei Chico. Nome, aliás, com que prefere se rá percorrer caminhos do Norte de Minas, especialmente os apresentar quando conhece alguém. E assim também é o seu que acompanham de perto e de longe as curvas das margens Dicionário, que contém um pouco de Franciscus e bastante do rio Jequitinhonha. Deverá deixar as cidades grandes, o mais de Chico, como veremos logo a seguir. centro dos centros urbanos, os prédios das cidades universitárias, as ruas asfaltadas dos bairros “médios” ou “nobres”, Frei Chico, antes de haver sido o autor deste e de outros limesmo das cidades menores. E deverá sair em busca das vros, foi e segue sendo um andarilho da fé em busca da vida, Dicionário da Religiosidade Popular

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das crenças e da arte do povo. Ao longo hábito marrom (desbotado) que cobre o seu corpo e ao branco “cordão de São Francisco”, ele acrescentou o violão, que muitas vezes carrega para onde vai e, dentro dos bolsos, uma ocarina e uma gaita de boca. E leva algo mais. Leva por costume pequenas cadernetas e lápis e canetas com que, por anos a fio, anotou ao vivo raros e preciosos instantes do saber, crer e viver a fé dos vários povos que habitam isto a que costumamos dar o nome genérico de “povo brasileiro”. E por anos a fio ele repetiu este gesto de pesquisa atenta em um momento de festa a um santo padroeiro, no intervalo de uma dança ritual ou de uma reza de terço. De vez em quando ele comete a santificada travessura de acrescentar a tudo isto um pequeno palhaço de pano que carrega pendurado em seu cordão franciscano.

da arte do povo brasileiro, de Lélia Coelho Frota 2. Como outros dicionários, apresenta dimensões desproporcionais e, em seu caso, plenamente justificáveis, pois como o próprio autor reconhece, as dimensões do que pesquisa são na verdade inesgotáveis. É o resultado de uma coleta de muitos anos de tradições religiosas brasileiras que aqui comparecem em uma criteriosa ordem alfabética. De algum modo temos neste livro tudo o que é essencial na experiência de fé, crença, memória, prece, prática, ritual, celebração, cenários, cenas e objetos de culto religioso do povo brasileiro... “de A a Z”. No entanto, o leitor notará logo entre as primeiras páginas uma aparente transgressão. E ela é justamente uma das inovações mais relevantes neste Dicionário/Abecedário. Frei Chico transferiu na versão final para a sua introdução o que seria o subtítulo de sua obra, o que revela sua sábia compreensão daquilo com que está lidando: começo do princípio do início de alguma coisa. Um dicionário mais rigorosamente acadêmico deveria conter apenas os verbetes de maneira diretamente ligados ao seu tema original. Assim, um livro como este deveria conter somente os verbetes das múltiplas realidades da religiosidade popular brasileira.

Ao contrário de outros inúmeros investigadores de tradições populares brasileiras e autores de estudos acadêmicos ou não sobre seus muitos temas, que apenas estudam, pesquisam e escrevem, Frei Chico, ao lado de pesquisar a religiosidade popular, adquiriu o costume de vivê-la intensamente. Ele soube aprender a tocar os instrumentos musicais de uma Folia de Santos Reis, soube decorar longos benditos e rezas e, junto com Lira Marques, do Vale do Jequitinhonha, soube e sabe como cantar as canções tradicionais unindo sua voz com a dos corais que, do Vale à Colônia Santa Izabel, em Betim, ele ajudou a criar. Frei Chico foi além desta prática, prudente e aconselhável, mas limitante. Ele olhou e estudou a “religiosidade do E, mais do que tudo, ele soube viver como sua a fé rústica povo brasileiro” desde seus outros ignorados ou contraditóe sertaneja de uma gente que até hoje peregrina dias e noi- rios ângulos. Esta é a razão pela qual a presença de ideias, tes em busca de um lugar onde um santo não reconhecido doutrinas, instâncias e movimentos da Igreja Católica, por pela Igreja é cultuado pelo povo, como o Padre Cícero. Ou exemplo, estarão presentes em inúmeros verbetes. O mesmo uma gente que, entre a roça de Candomblé e o adro de uma acontece com momentos em que o seu dicionário trata de pequena capela rural, gasta o dinheiro de muitos dias de tra- problemas causados pela secular e opressora desigualdade balho para que alguns orixás ou uma santa sejam celebrados social em nosso país. Enfim, ao afirmar em sua introdução em seus dias com fé e festa. que pretendeu trabalhar com um “pensamento redondo”, o autor apenas sugere de longe o que esta expressão curiosa Este Dicionário da Religiosidade Popular foi pensado antes pretende dizer de fato. O “popular” da religiosidade do povo como um abecedário. Seria um nome mais popular e tra- brasileiro não é enquadrado aqui apenas em sua dimensão dicional. No entanto, as suas dimensões e a seriedade com mais “tradicionalmente” folclórica. Seria fácil fazer assim. que seus temas são tratados obrigaram nosso Frei Chico a reconhecê-lo como um dicionário. Sob o olhar deste frei músico, cantor, criador de corais e investigador persistente, acostumado a conviver com a vida Este enorme livro não é um dicionário qualquer, no cotidiana, bem mais do que apenas com alguns momentos sentido mais profissional do termo, embora guarde com os das tradições pias ou de “devoção e diversão” das nossas fesbons dicionários um parentesco bem próximo. Não deve tas populares, o que o Dicionário desdobra, verbete a verbeser confundido com uma versão mais restrita e sacral do te, é a experiência de vida de pessoas e povos. Povos e pesnotável Dicionário do folclore brasileiro1 de Luís da Câmara soas que vão de indígenas a negros em suas etnias, e deles às Cascudo que, merecidamente, recebeu recentemente uma mulheres e aos homens lavradores, seringueiros, pescadores nova e bem-cuidada edição. Também não se confunde e quantos mais ofícios e modos de vida haja entre os dias das com o inestimável Pequeno (apenas no formato) dicionário difíceis vidas dos diferentes povos do Brasil. 1 Cascudo, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Global, 2001. 12

Dicionário da Religiosidade Popular

2 Frota, Lélia Coelho. Pequeno dicionário da arte do povo brasileiro – século XX. 2005. Aeroplano Editora, Rio de Janeiro. 439 pp.


Por isso e por algo mais, este livro-dicionário pode ser lido de diferentes maneiras. Pois além de abrigar um “pensamento redondo”, ele envolve o que bem poderia ser uma “obra aberta”. O leitor pode ir a ele como se vai a um Dicionário da Língua Portuguesa, ou a um dicionário técnico e específico, em busca de uma única palavra contida em um verbete. Esta palavra pode ser mais genérica e abstrata, como “economia”, por exemplo. Ou pode ser mais concreta e específica, como “povo”, ou mais ainda, como “congo” ou “congada”. Muitos verbetes sugerem uma segunda leitura. Ela será mais demorada do que a primeira, mas também mais proveitosa. Entre temas e situações culturais convergentes, em várias situações um verbete remeterá o leitor a outro. E, quando lido e consultado, este segundo verbete poderá enviar o leitor atento a outro... ou outros. Assim, a entrada no Dicionário em nome da procura do conhecimento ou reconhecimento de uma única palavra, poderá levar o leitor a uma breve ou longa (melhor longa do que breve, no caso) leitura cruzada.

culturais ou especificamente religiosas existiram e existem ainda hoje, entre os povos e as etnias de negros trazidos como escravos ao Brasil?”. Ao entrar com perguntas deste feitio, o leitor poderá consultar criticamente o Dicionário organizando por sua conta e risco o próprio fio de suas sequências e interações de leitura. Muitos anos, incontáveis momentos de entrevistas, de partilhas, de anotações in loco e, depois, de leituras, de consultas e de estudos foram necessários para, um dia, o autor iniciar este livro. Um livro que começa antes de seu início e deve terminar bem depois de seu final. Trabalho de um investigador incansável, que contou com uma equipe da qual me alegro muito ter feito parte.

Uma obra aberta em pelo menos dois sentidos. Primeiro porque pode ser “entrada, percorrida e saída” desde vários pontos, em diferentes páginas e através de diversos percursos. Um livro que, dependendo do caso, pode começar a ser lido em uma das últimas páginas e terminar em uma das O leitor poderá seguir a própria indicação das sequências primeiras. Um livro destinado a diferentes leituras, porque sugeridas em cada verbete. Assim, ele percorrerá toda uma aberto a diversas perguntas e densidades de “procuras”. “linha”, ou uma “carreira” de palavras-verbete correlatas. Sairá deste percurso com o conhecimento de toda uma sé- E também um livro inacabado. Talvez mesmo, inacabável. rie de saberes que se entrecruzam e completam. E este é o momento em que este Dicionário salta de sua função de um Pois quando o seu autor o anuncia como “o começo do prin“dicionário” mais formal e rígido, para tornar-se um quase- cípio do início de alguma coisa...”, ele sabe muito bem que -livro completo sobre um tema interativo de, ou à volta de, de tudo o que “os povos do Povo Brasileiro” vivem, creem, nossas religiosidades populares. sentem, pensam, criam, partilham e praticam, até mesmo as mais de mil páginas deste Dicionário abarcam mesmo Assim, o leitor poderá fazer uma leitura “católica”, uma lei- apenas um começo. Elas contemplam somente uma parcela tura “ jeje”, uma leitura “bantu”, ou uma leitura “yorubá” e são, portanto, um primeiro passo. Entre tantos livros e dide nossas culturas populares. Da mesma maneira, inician- cionários sobre tantos temas distantes e próximos ao que se do o seu percurso no verbete “folia”, ele poderá ir à “folia poderá ler neste livro, faltava justamente um livro como este. do Divino” e, dela, à “Festa do Divino Espírito Santo” ou mesmo às interações entre a “igreja oficial” e as “tradições Faltava o olhar atento e entusiasmado de um homem de populares” em torno de cada uma das três pessoas da San- religião, um frade franciscano. Mas, de modo algum um tíssima Trindade. olhar ortodoxo e catequético. Nada menos “catequético”, nada menos “ortodoxo” do que este livro de um valor inesE desta leitura cruzada ou interativa, poderá sugerir uma timável. Porque bem ao contrário do que costuma aconteterceira. Ela será por certo mais difícil e animará apenas aos cer com os livros de homens das diferentes denominações que virão ao nosso Dicionário com preocupações bem maio- cristãs, o itinerante Dicionário de Frei Chico não parte da res do que a consulta a um verbete ou o conhecimento de pergunta bem conhecida: “o que é que nós temos para enuma cadeia temática de verbetes interativos. O livro de Frei sinar ao povo brasileiro?”. Sua temerária pergunta é a exata Chico poderá facultar, a quem queira, uma leitura proble- oposta: “o que é que nós temos a aprender com o povo bramática. Não no sentido de que ela venha a ser uma leitura sileiro?”. E ela se desdobra assim: “de que maneiras, através cheia de problemas. E é bem possível que seja, dependendo de suas duras experiências de vida de povo-e-pobre, essa dos propósitos do leitor. Problemática no sentido de que o gente que aqui aparecerá crendo, orando, cantando, danleitor pode “entrar no livro” para investigar toda uma com- çando, partilhando a fé e a vida, tem a nos dizer, a nos enplexa questão, toda uma trama de problemas etnográficos. sinar, como algo de próprio, de verdadeiramente seu, como um múltiplo testemunho?” Um exemplo: “como ao longo de nossa história algumas tradições populares do Nordeste do Brasil surgiram e foram Vivemos um tempo em que inúmeros livros, vindos das se transformando?”. Outro exemplo: “que diferenças étnicas, mais diferentes origens filosóficas, ideológicas, políticas ou Dicionário da Religiosidade Popular

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práticas, insistem em nos querer ensinar como viver, como sentir, como pensar e como agir. Vivemos também um tempo em que, cansados de nós mesmos e dos outros com quem compartimos frações de nossas vidas, fugimos da experiência real de nosso mundo cotidiano. Fugimos da vida que vivemos e dos desafios que ela nos propõe e nos refugiamos em livros, filmes e viagens internéticas povoadas de estranhos seres de outros mundos, de outras galáxias, de outras irrealidades. Há toda uma crescente pressão “globalizada” que nos força a migrarmos da pessoa ao personagem e da realidade ao simulacro. Que o diga o sucesso que obtêm as produções midiáticas que aos poucos nos querem fazer crer que a misteriosa substância de nossas vidas reais é virtual, e que as virtualidades de seus espetáculos e simulacros é que são a nova e irreversível realidade. Que uma celebração de negros devotos em seu terreiro, que um demorado canto de alguma comunidade indígena no largo da aldeia, que uma romaria nordestina em busca de um lugar sagrado no meio dos sertões, que uma pequena Folia de Santos Reis, que torna os nossos natais camponeses tão mais belos do que o simulacro dos natais de falsas neves, renas e noéis, nos tragam de volta à verdadeira realidade e ao real encantamento de nossas próprias vidas. De nossos próprios mundos de vida. Que a imorredoura lembrança do que de Norte a Sul deste país pluriétnico e multicultural ainda se crê, cria e convive entre as tradições populares aqui descritas, nos ajude a não esquecer quem de fato somos, de onde viemos e qual a realidade verdadeira de nosso próprio ser e conviver. Que a leitura apressada, lenta ou frequente deste Dicionário da religiosidade popular nos ajude neste tão urgente e precioso reencontro conosco mesmos, através das raízes de nossas culturas e das tradições religiosas de nosso povo.

Carlos Rodrigues Brandão

Rosa dos Ventos – Caldas – Sul de Minas Dezembro de 2011, em tempo de espera da saída das Folias de Santos Reis por todo o Brasil.

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SOBRE O AUTOR O caminho não existia “Este palhaço chama-se Frei Chico. Ele vai comigo em tudo o que faço: palestras, shows e até cantoria de buteco. Sou anarquista, mas também sou representante da Igreja oficial. Se de um lado uso o hábito franciscano, de outro está a roupa colorida, a calça enrolada e o brinco na orelha. Sou sério e irreverente. Dou aula, mas não sei nada.” Afinal, quem é este cidadão do mundo que se esconde atrás do palhaço que carinhosamente é tratado como seu homônimo brasileiro? O nome é pomposo: Francisco van der Poel. Difícil de pronunciar, este van der Poel, vindo lá das Holandas, a sugerir, quem sabe, uma ascendência nobre, onde reis, rainhas, duques e viscondes não se misturavam à plebe inculta e rude das cidades medievais. Mas Frei Chico, o nosso, é diferente. Preso à corda branca do hábito de franciscano, que jamais deixou de usar, está o palhacinho de calças listradas e sorriso perene a lembrar que a religiosidade popular sempre se traduz em festa. Porque é na festa da religião que se vivenciam as alegrias capazes de exorcizar as dores e tristezas do dia a dia. Religião como festa. Coisa tão simples e tão difícil de entender pelas pessoas sérias, cujo pensamento ortodoxo as conduz à intolerância e ao menosprezo.

Horizonte. Enviado para o Vale em fins de 1968, em plena vigência da ditadura, lá permaneceria durante 10 anos. Ao lado dos oprimidos, aprendeu a amar o Brasil. A convivência diária com uma população extremamente pobre, mas capaz de manter viva sua cultura de extraordinária riqueza, mostrou a Frei Chico que “o povo guarda suas coisas enquanto têm sentido para ele”. É aí que pulsa uma religiosidade peculiar, alegre e generosa, plena de humor e festança. Ele sabia e sabe que ajudar o povo é, em primeiro lugar, dar valor àquilo que ele já tem: seus ideais, seus líderes, sua história, sua arte e cultura. E foi entre seus líderes anônimos que Frei Chico encontrou dona Filó, cozinheira da casa paroquial, com ela aprendendo cantos de beira-mar, benditos de santos, batuques e cantos do Rosário, com os quais elaborou o primeiro repertório do Coral Trovadores do Vale, por ele criado. Músico de formação erudita, soube perceber e acolher como diamantes raros aquelas canções que vinham de tempos imemoriais. Foi entre líderes anônimos que iria encontrar Maria Lira Marques Borges, artesã e cantora do coral que até hoje é referência obrigatória para todos os corais do Vale que a ele se sucederam. Maria Lira que, apaixonada como Frei Chico pela cultura de sua gente, o conduziu à residência de colegas do coral e Vale do Jequitinhonha adentro, onde quer que houvesse uma canção, uma rezadeira, um bendito, numa pesquisa incansável e sistemática, ponto de partida para este DICIONÁRIO.

Quando, em 1968, Frei Chico aportou ao Vale do Jequitinhonha, seu primeiro sentimento deve ter sido de frustração, pois “não queria gastar a vida limitando-me a um trabalho pastoral com o 10% dos católicos que frequentam as igrejas dos padres”. Mas a frustração não se estendia à sua vocação sacerdotal, que logo encontrou sua razão de ser no envolvimento com rezas e benditos, com as folias, os pontos de terreiro, com o candomblé e as músicas de trabalho. Ali, E, em consequência dessas andanças, travou conhecimento onde a religião é vivida visceralmente. com Lélia Coelho Frota, poeta pelo dom dos deuses, pesquisadora incansável da arte do povo brasileiro pelo dom de Sua curiosidade o levou a correr Brasil afora, embebendo-se um coração de norma culta, mas aberto para a beleza ímpar e se comovendo, estimulando e registrando toda e qualquer da arte popular. Com ela, sua convicção de estar no caminho manifestação de um universo religioso ignorado e discrimi- certo se solidificou. Com ela, pôde estabelecer um diálogo nado pela Igreja oficial. cujo fruto mais saboroso aqui está para ser por todos nós saboreado e reverenciado. Frei Chico foi parar no Vale do Jequitinhonha (MG), quase que por acaso. A Província Franciscana da Santa Cruz O caminho não existia, se fez como nas palavras do poeta (PSC), a que pertence, tinha e ainda tem sua sede em Belo “ao andar”. Do Vale do Jequitinhonha à Colônia Hanseniana Dicionário da Religiosidade Popular

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de Santa Isabel, do Coral Trovadores do Vale aos Tangarás de Santa Isabel. Frei Chico não é apenas um pesquisador. É antes um vivenciador, pois não pesquisa a distância ou através de mergulhos esporádicos. Pesquisa compartilhando. Talvez por isso chame o seu DICIONÁRIO de “O começo do princípio de alguma coisa...”. Por isso ainda, deve ter percebido, desde sempre, que tão inseparável do hábito franciscano, que desvela sua sólida formação intelectual, está o palhacinho pendente do cordão branco, recordação da casa materna, onde atrás corria um rio. O Reno. O Araçuaí, o Jequitinhonha, o São Francisco, todos os rios do Brasil misturam-se às memórias de sua infância. Frei Chico, seu violão, sua ocarina e o inseparável palhacinho percorreram todo o Brasil, sempre ao lado do povo: aprendendo, revelando e valorizando sua cultura, razão de ser deste DICIONÁRIO DA RELIGIOSIDADE POPULAR.

João das Neves

Diretor e dramaturgo dedicado ao teatro popular.

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Dicionário da Religiosidade Popular


FX

APRESENTAÇÃO

Lélia Coelho Frota

(† Rio de Janeiro, 25 de maio de 2010)

Opinião de Lélia Coelho Frota “A obra se baseia na experiência do historiador Francisco van der Poel OFM, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Comissão Mineira de Folclore, que vem ministrando cursos e palestras em diversas universidades brasileiras. Como pesquisador de gabinete e de campo, Francisco van der Poel apresenta no “Dicionário da Religiosidade Popular” um alentado corpo de 8570 verbetes, que procuram dar conta de seu interesse e estudos sistematizados sobre a religião no Brasil. Abrange todos os credos, católicos, afro-brasileiros, protestantes, judaicos, e até indica centros de zen-budismo no país ou árabes, entre outros menos praticados. Não tem, portanto, qualquer viés de proselitismo. A vasta bibliografia que acompanha essa obra pioneira no Brasil, é o próprio testemunho da sua amplitude de pensamento e do seu caráter interdisciplinar. Estão ali títulos da área da história, da antropologia social, do folclore, da arte, da música. Da mesma forma que Gilberto Freyre construiu sua antropologia a partir da presença afrobrasileira entre nós, a obra de Darcy Ribeiro tem como um dos seus fulcros principais o estudo de sociedades indígenas, a de Roberto da Matta, basicamente, o estudo do brasileiro através de alguns traços determinantes da sua inserção no universo social, como por exemplo as oposições complementares público/privado, cotidiano/carnaval, casa/ rua, entre outras, Francisco van der Poel nos apresenta aqui uma monumental primeira abordagem da religiosidade no país. Dá-se nesta obra, com certeza, um relevo especial às religiões das camadas pobres do país, praticamente desconhecidas do grande público. O autor não se detém, contudo, apenas aos ritos e usos cotidianos da ligação com o sagrado no âmbito rural, ou mesmo da pobreza nas cidades, mas também aborda largamente religiões de aparecimento

urbano e disseminadas pelo país inteiro, como a umbanda, deixando igualmente claras as suas imbricações com o kardecismo. Grandes criações do povo brasileiro, como o samba urbano, por exemplo, têm também na obra indicadas as suas ligações com o sagrado. Quase todos os verbetes da obra, como por exemplo, alimentação, medicina popular, música, entre centenas de outras entradas, têm averbados em itálico as palavras dos sujeitos sociais que as proferem ou escrevem. Esta é uma obra que servirá de fonte básica de consulta para estudos brasileiros em vários âmbitos do conhecimento a jornalistas, a cineastas e mídia audiovisual em geral, escritores, estudantes, e aos próprios atores sociais que constam dela. A obra não se limita ao registro dos séculos XX e XXI, mas vai também a fontes históricas do passado, buscando tornar explícitos comportamentos e mentalidades que hoje fluem com circularidade, sempre em transformação, por todos os segmentos sociais da nossa população. A obra possui inegavelmente, ao valorizar a riqueza do tema, muitas escolhas de verbetes que apontam para uma busca de justiça social, para o atingimento de uma solidariedade maior entre os diferenciados segmentos da nossa sociedade. Cada leitor retirará dela o que lhe interessar ou motivar, pois o objetivo do autor é fazer um grande painel do seu tema, painel pioneiro, que tem, como uma das decorrências do seu conteúdo revelar muita riqueza transcultural do nosso povo. Riqueza que estará presente - entre outros fatores socioeconômicos -, pela sua beleza e verdade, na sociedade justa que queremos construir.” (Texto escrito em 2009 para recomendar a edição do Dicionário).

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PELA PROVÍNCIA SANTA CRUZ

Os franciscanos ao longo da história octocentenária da Ordem, para além das presenças missionárias, atuações em paróquias, dedicação à educação nos colégios e universidades, promoções sociais e culturais, contribuíram de modo muito expressivo e com marcas significativas no campo da investigação e da pesquisa. Esse dicionário que agora vem a lume é resultado de mais de quarenta anos de dedicação do nosso Frei Francisco van der Poel, - que para todos será sempre chamado de Frei Chico. Um trabalho silencioso de pesquisa e escuta da alma do nosso povo. Agradecemos a ele pela sua dedicação e também, de modo muito especial, à fraternidade franciscana da Província Santa Cruz, que o liberou para tal serviço a fim de que pudesse se dedicar com entrega e empatia ao conhecimento e ao diálogo com as culturas e religiões diferentes desse nosso imenso Brasil.

Mas não é um livro de museu. Pelo contrário, a fé que se descortina nas páginas do Dicionário está viva, de uma forma ou de outra. Algumas tradições estão mais granuladas, outras modificaram seu formato, outras permanecem em pleno vigor. Os olhos atentos poderão perceber quão presente e viva está a fé “de uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta”.

Mesmo não tendo nascido em nossas terras, Frei Chico, assim como tantos outros frades holandeses, se enveredou de tal forma em nosso Brasil, que hoje tem mais propriedade que muitos de nós para poder falar das coisas de nosso povo. Não se contentou com uma visão panorâmica da fé popular, mas desbravou a mata fechada da consciência religiosa de nossa gente. E reconhecemos contentes que o Brasil apresentado por nosso irmão é um belo mosaico miscigenado, de coloridos europeus, africanos e indígenas que, numa feliz metamorfose, deu e continua a dar sentido à vida de muitos homens e mulheres de nossa terra. Em muitas passagens, nos deparamos com tradições de nossa infância, nos reportamos a nossos pais e avós. Voltamos no tempo para contemplar no rosto sofrido de nosso povo, sua forte reverência pelo Sagrado Nome do Criador, cultuado por diferentes raças, cores e línguas.

Assim, demonstrando nossa felicidade pelo sucesso de nosso confrade, em nome de todos os franciscanos, parabenizo nosso irmão, Frei Chico van der Poel, por este trabalho tão esperado, e que, finalmente, chega até nós. Auguramos que este dicionário ajude a muitos a entender melhor a gênesis religiosa de nosso povo, permanecendo, porém, o alerta feito pela Sarça a Moisés: que devemos sempre tirar nossas sandálias dos pés, porque este lugar é santo (cf. Ex 3,5).

O sinônimo que se usa para verbete é ‘voz’. Pois nesta obra, Frei Chico nos faz ouvir muitas vozes, como numa roda de conversa. Ali estão as mulheres do interior, o homem do campo, de pouco estudo, de sabedoria experimentada nas curvas da vida. Na mesma roda estão os especialistas, gente entendida nos mais diversos assuntos e que não só deixaram suas vozes no interno do dicionário, como também colaboraram com nosso confrade para que esta obra fosse possível. A todos Frei Chico dá a palavra, sem a pretensão de sintetizar os arguSão Francisco de Assis, em sua Regra, dizia que os frades mentos. Aqui todos têm vez e voz, o iletrado e o especialista. deveriam se alegrar quando estivessem entre os pobres (cf. RnB 9,2), pois foi justamente no meio deles que Frei Chico se inspirou para compor esta obra que chega agora às Uma peculiaridade salta aos olhos: conscientes de nossas nossas mãos. Há alguns anos, entre os frades se dizia que “os ‘raízes’ culturais, o dicionário não se limita a elas, mas antes, pobres são nossos mestres” e pelo presente dicionário, nosso nos possibilita conhecer ‘o fruto’ de toda a mistura de raças e crenças que nosso Brasil produziu ao longo de sua história. confrade dá mostras desta verdade.

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Dicionário da Religiosidade Popular

Frei Francisco Carvalho Neto ofm Ministro Provincial


ABREVIAÇÕES E CONVENÇÕES

A

a.a. = autor anônimo ou desconhecido a.C. = antes de Cristo ACN = Associação Costa Norte adj. = adjetivo A.M. = ave-maria A.T. = Antigo Testamento abr. = abril AC = Acre ago. = agosto AL = Alagoas AM = Amazonas AP = Amapá Art. = artigo Assoc. = associação

B

BA = Bahia Bibl. = Biblioteca

C

c. = cerca de (usa-se para datas aproximadas) Cân. = cânone, artigo. Cap. = Capítulo. CE = Ceará cf. = confira ou compare cm = centímetro CM = Congregação da Missão (lazaristas) Col. = Coleção. Comp. = Companhia. Côn. = Cônego. Conc. = Concílio

D

déc./décs. = década/décadas dez. = dezembro DF = Distrito Federal Doc./doc. = documento dr. = doutor

E

ed. = edição/edições Ed. = Editora ES = Espírito Santo et al. = e outros Expr./expr. = expressão

F fasc. = fascículo fev. = fevereiro fls. = folhas

G GATT = Acordo Geral de Tarifas e Comércio G.P. = glória-ao-pai GO = Goiás

H hab. = habitantes h = horas

I IHWH = Javé, nome de Deus Inf. = Informante

J jan. = janeiro jun. = junho jul. = julho

K km = quilômetro

L Livr. = Livraria

M m. = metro

M. = mártir

MA = Maranhão mai. = maio

mar. = março

MG = Minas Gerais

MS = Mato Grosso do Sul MT = Mato Grosso

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N

N. = nome, fulano n. = número ou nota N.B. = latim: Nota Bene, note bem. N.S.J.C. = Nosso Senhor Jesus Cristo N.T. = Novo Testamento nac. = nacional No = Número nov. = novembro

SE = Sergipe séc./sécs. = século/séculos set. = setembro sic = assim mesmo no original SJ = Sociedade de Jesus (Jesuítas) SP = São Paulo sr. = senhor SSVP = Sociedade de São Vicente de Paula (Vicentinos) Subst. = substantivo

O

T

OFM = Ordem dos Frades Menores (Franciscanos) OFM Cap = Ordem dos Frades Menores (Capuchinhos) OFS = Ordem Franciscana Secular (Ordem terceira de S. Francisco) OP = Ordem dos Pregadores (Dominicanos) Org. = Organizador ou organização OSB = Ordem de São Bento ( Beneditinos) out. = outubro

t. = tomo Tb./tb. = também TEN = Teatro Experimental do Negro tip. = tipografia TO = Tocantins typ. = typographia.

P

UNESCO = Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura

p. = página P. = pergunta P.F.E. Santo = Pai, Filho, Espírito Santo P.N. = pai-nosso P.N. A.M. G.P. = pai-nosso, ave-maria, glória-ao-pai PA = Pará PB = Paraíba PE = Pernambuco PI = Piaui p. = página p.ex. = por exemplo pp. = páginas Pp. = Papa PR = Paraná Prov. = provérbio Psal. = Psalmus, termo latino que significa “salmo” Publ. = Publicação

R

R. = resposta Refr. = refrão. RJ = Rio de Janeiro RN = Rio Grande do Norte RO = Rondônia RR = Roraima RS = Rio Grande do Sul

S

S. = São s.d. = Sem data S.S. = Sua Santidade (título do Papa) Ssmo. = Santíssimo Sb = Sabedoria SC = Santa Catarina SDB = Sociedade de Dom Bosco (salesianos) 20

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U

V

V. = virgem v. = volume/ tomo V.S. = Vossa Senhoria

SÍMBOLOS >> = mais sobre o assunto □ = ilustração † = falecimento; sinal da cruz w = subdivisão em verbete. (...) = em citações, indica texto deixado fora. [Iconogr.] = Iconografia. [texto] = insere explicação do autor. § = parágrafo


ABREVIAÇÕES BÍBLICAS 1Cor = 1ª carta aos Coríntios 1Cr = 1º livro das Crônicas 1Jo = 1ª carta de João 1Mc = 1º livro de Macabeus 1Pd = 1ª carta de Pedro 1Rs = 1º livro dos Reis 1Sm = 1º livro de Samuel 1Tm = 1ª carta a Timóteo 1Ts = 1ª carta aos Tessalonicenses 2Cor = 2ª carta aos Coríntios 2Cr = 2º livro das Crônicas 2Jo = 2ª carta de João 2Mc = 2º livro de Macabeus 2Pd = 2ª carta de Pedro 2Rs = 2º livro dos Reis 2Sm = 2º livro de Samuel 2Tm = 2ª carta a Timóteo 2Ts = 2ª carta aos Tessalonicenses 3Jo = 3ª carta de João Ab = Abdias Ag = Ageu Am = Amós Ap = Apocalipse At = Atos dos Apóstolos Br = Baruc Cl = carta aos Colossenses Ct = Cântico dos Cânticos Dn = Daniel Dt = Deuteronômio Ecl = Eclesiastes (Coélet) Eclo = Eclesiástico (Sirácida) Ef = carta aos Efésios Esd = Esdras Est = Ester Ex = Exodo Ez = Ezequiel Fl = carta aos Filipenses Fm = carta a Filêmon Gl = carta aos Gálatas Gn = Gênesis Hab = Habacuc Hb = carta aos Hebreus Is = Isaías Jd = Carta de Judas Jl = Joel Jn = Jonas Jo = Evangelho segundo João Jó = Jó Jr = Jeremias Js = Josué Jt = Judite Jz = Juízes Lc = Evangelho segundo Lucas Lm = Lamentações Lv = Levítico

Mc = Evangelho segundo Marcos Ml = Malaquias Mq = Miquéias Mt = Evangelho segundo Mateus Ne = Neemias Nm = Números Os = Oséias Pr = Provérbios Rm = carta aos Romanos Rt = Rute Sf = Sofonias Sl = Salmos Tb = Tobias Tg = Tiago Tt = carta a Tito Zc = Zacarias

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COMO USAR FESTA (1) | [Do latim, “festa” e “dies festus”. Com origem remota do latim “feriae”, “ferias”, dias de paralisação dos trabalhos em honra dos deuses.] O mesmo que função, brinquedo, festejo (MA); ver Lazer; Prazer. w A festa popular acontece na comunidade com solidariedade e alegria. Pode ser organizada, mas há gratuidade, é contagiante e tem sentido escatológico. Quer dizer, celebra uma infinita esperança no futuro e mostra a relatividade das coisas; ver Festa do Divino (reflexão); Lúdico. A festa nos eleva e mostra algo maior do que nós. Diz um verso goiano: Esta festa não se acaba/ esta festa não tem fim./ Se esta festa acabar, ai meu Deus,/ o que será de mim.// ver Felicidade; Festividade estruturante; Fantasia. ♦ Subdivisão no verbete. Num dia de festa, espontaneamente são feitas coisas que em outros dias não se faz: dançar, vestir roupa bonita, convidar parentes e amigos, soltar foguetes, comer com fartura. É preciso querer a festa. Dizem: O melhor da festa é esperar por ela. w Anotamos um depoimento popular de Nova Era (MG): Aguentar, a gente aguenta. Porque a vida não é só sofrer não senhora. A gente adoece e sara; é pequeno, depois fica grande; uns estão morrendo, mas têm outros que ‘tão nascendo. Têm as horas de alegria também. Igual quando nasce um fio, as plantação dá certo, tem festa de congado... E, Geraldo Vandré canta: Hoje é dia de festa/ todos vão se encontrar./ Toda dor, todo pranto/ hoje vão se acabar.// ver Sofrimento. w Várias festas do povo coincidem com a abundância de colheitas; ver Apartação. w A festa popular cria e mantém tradições. Pedro Bandeira diz: As festas do meu sertão/ é reisado e vaquejada,/ é dibuia do feijão,/ adjunto, agrupamento.//2 w Tudo o que foi dito acima tb vale para a festa religiosa. O carnaval e as festas juninas são festas católicas. w No congado em Nova Lima (MG), diz o canto de uma embaixada: Oi meus caros varsais/ que povo é aquele/ que vem entrando/ para o reino adentro,/ sem cumprir minha licença?// Se for povo bom de guerra,/ dê um grito de guerra e mais guerra./ Se for povo bom de festa,/ dê o grito de festa e mais festa.// ô patrão, é o povo do rosário,/ joelho dobrado e calcanhar desconjuntado/ que vem festejar o rosário de Maria.// Hoje é dia dela?/ É sim senhor./ Hoje é dia dela?/ É sim senhor.// 3 w Segundo um preconceito do velho socialismo e do capitalismo utilitário, “a festa popular é fuga”. Mas parece que o contrário é verdade: quanto mais opressão e pobreza, tanto mais festa (liberdade celebrada). Para o pobre, a festa é o único dia certo do ano. Este não pode faltar. É um momento de esperança. A boa comida, a roupa bonita e a união de todos permitem acreditar que o mundo presente pode mudar; ver Comunhão; Irreverência; Desordem; Ressaca. w Ver tb. Racionalismo; Relação das Faustíssimas Festas; Mutirão; Leilão. w >> REIS, João José. A morte de uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 1991; TINHORÃO, José Ramos. As festas no Brasil Colonial. São Paulo, Ed. 34, 2000; JANES, István & KANTOR, Iris. Festa, cultura e sociabilidade na América Portuguesa. (2v.) São Paulo, Hucitec/ USP/FAPESP/Impr. Oficial, 2001; AMARAL, Rita. Festa à brasileira: sentidos do festejar no País que não é sério. Site: www.ebooksbrasil.org (2000); COX, Harvey. A Festa dos foliões. Petrópolis, Vozes, 1974. _________________________________________________ 1 GOMES, Núbia Pereira de Magalhães; PEREIRA, Edimilson de Almeida. Mundo Encaixado: significação da cultura popular. Belo Horizonte, Mazza. Juiz de Fora: UFJF, 1992. p. VII. 2 BANDEIRA, Pedro. O Sertão e viola. Folheto. p. 75. 3 DINIZ, Domingos. (Coord. e texto.) Manifestações Folclóricas no Município de Nova Lima. Nova Lima, Prefeitura Municipal, 2000. pp. 133-134.

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Dicionário da Religiosidade Popular

FESTA | nome do verbete (1) Primeira parte do verbete [Do latim, ou do grego etc.] Etimologia ♦ Subdivisão no verbete Negrito: encaminha para um verbete que contém informações relacionadas ao assunto

Itálico: distingue o falar do povo. Notas de rodapé ver significa veja o verbete COMUNHÃO (neste caso) e os seguintes, se houver, separados por ponto e vírgula até o próximo ponto final. Ver tb. encaminha para mais verbetes relacionados ao assunto. >> significa: mais sobre o assunto. Bibliografia complementar.

Títulos de livros e revistas estão sublinhados para evitar equívocos com o negrito, que remete a outros verbetes, e com o itálico, que identifica o falar do povo.


Dicionรกrio da Religiosidade Popular

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A.m.

A

A.M. | Abá

“Sem ler livro nenhum Marcela descobriu a precisão vital de rezar pelos antepassados se quisermos a cura.” (Adélia Prado, em “Manuscritos de Filipa”) A.M. | Letras iniciais da mais tradicional saudação à mãe de Jesus: “Ave Maria!”; ver Saudações de Nossa Senhora. w Monograma encontrado em medalhas e outros objetos dedicados a Nossa Senhora. w Em livros e folhetos de oração, A.M. refere-se à oração da ave-maria (cf. Lc 1,28). Às vezes, A.M. aparece em conjunto com P.N. (pai-nosso) e G.P. (glória ao pai), p.ex.: uma oração contra os inimigos pode trazer no final P.N., A.M., G.P. w Ver tb. Rosário; Folheto de Orações. A.M.D.G. | Letras iniciais da frase, em latim, Ad Maiorem Dei Gloriam, “para a maior glória de Deus” (1Cor 10,31). w Divisa dos jesuítas encontrada em igrejas e em documentos. A CARTA MISTERIOSA DO PADRE CÍCERO ROMÃO BATISTA SOBRE OS SINAIS DO FIM DO MUNDO | Folheto de autor desconhecido impresso em Juazeiro do Norte (CE). Os versos aqui selecionados falam das profecias de padre Cícero (1844-1934) e mostram que existe uma continuidade entre o patriarca de Juazeiro e o frei Damião (18981997): Este meu livrinho é/ pra quem tem fé em Jesus/ que morreu pra nos salvar/ crucificado na cruz/ (pra quem) crer na Virgem da Conceição/ e Deus Pai da criação/ quem nos dá conforto e luz.// Jesus Espírito Divino/ Eterno Pai verdadeiro/ deixai que eu faça um aviso/ que abala o mundo inteiro/ o padre Cícero Romão/ visitou frei Damião/ na matriz de Juazeiro.// Agora recentemente/ o frei Damião estava/ dormindo e teve um sonho/ que o padre Cícero chegava/ com uma carta na mão/ junto com uma oração/ e na sua mão entregava.// Quando frei Damião acordou, um anjo em forma de pombo deixou cair-lhe nas mãos a carta com avisos do padre Cícero: Meus filhos, o mundo velho/ sei que brevemente cai/ é a lei de Lúcifer/ dessa vez o povo sai/ já avisei muita gente/ agora eu vim novamente/ e o mundo está vai não vai.// Seguem conselhos para pais de família, mulheres casadas e para moças solteiras, p.ex.: Deixem de farra, uso e dito/ anarquia e sedução/ moda, escândalo e orgia/ namôro e chumbegação/ quem nada disso deixar/ nunca poderá chegar/ no trono da salvação.// Outros avisos são contra jogo, espiritismo, xangô e catimbó. O folheto encerra esta parte dizendo: Feiticismo e bruxaria/ é arte do satanaz/ e quem faz mal ao próximo/ nunca acertará jamais/ com a entrada triunfal na mansão celestial/ do Rei dos reis, Pai dos pais.// Seguem as profecias do fim do mundo: Meus filhos, o nosso mundo/ está muito diferente/ daqui pra 85/ há de morrer muita gente/ verão soluços e gemidos/ aflição e alaridos/ choro e ranger de dentes.// Meus filhos, o nosso mundo/ está sendo castigado/ morte, traição e roubos/ vai surgir de todo lado/ Devido a necessidade/ muitos não tem vontade/ de roubar mas é forçado.// Meus filhos, eu vos aviso/ para deixarem o pecado/ eu vim do reino da Glória/ por Jesus Cristo enviado/ Noé também avisou/ mas ninguém acreditou/ fora tudo castigado.// Foi palavra que Deus disse/ na Escritura Sagrada/ que por causa de orgia/ a nação é castigada/ e nossa presente era/ dois mil anos 24

Dicionário da Religiosidade Popular

não intera/ breve será consumada.//(...) Nos últimos dias verão/ o oceano gemendo/ o mundo pegando fogo/ as pedras se derretendo/ a luz do sol se apagando/ e o céu escurecendo.// Termina recomendando a Oração de Nossa Senhora do Monte Serrat; ver Sagrada Escritura. A MOÇA QUE VIROU COBRA | Folheto do poeta popular Severino Gonçalves; ver Moça. A MORRER CRUCIFICADO | Hino tradicional cantado na quaresma, durante a via-sacra. Suas 21 estrofes constam do “Cânticos Espirituais” (1876), p. 114. Trata-se de uma tradução livre do Stabat Mater, com música brasileira1. São transcritas aqui apenas as estrofes 1-6 e 14: A morrer crucificado/ teu Jesus é condenado/ por teus crimes, pecador.// Com a cruz é carregado/ e do peso acabrunhado/ vai morrer por teu amor.// Com o madeiro oprimido/ cai Jesus desfalecido/ pela tua salvação.// De sua mãe dolorosa/ no encontro lastimosa/ vê a viva compaixão.// Em extremo desmaiado/ de Simeão, obrigado,/ aceita a viva compaixão.// O seu rosto ensanguentado/ por Verônica enxugado/ contemplemos com amor.//(...) Meu Jesus, por vossos passos/ recebei em vossos braços/ este grande pecador.// w Ver tb. Pranto de Nossa Senhora. A NEGRA DA TROUXA MISTERIOSA PROCURANDO TU | Folheto do poeta Rodolfo Coelho Cavalcante, que traz exemplos de ética, moral e moralismo na religiosidade popular. A “Negra da Trouxa” apareceu na Bahia. Foi assim: Um viajante de Feira (de Santana)/ com a negra se encontrou,/ ofereceu-lhe carona,/ mas ela não aceitou,/ dizendo que só queria,/ mostrar a mercadoria/ que o Satanáz mandou.// A negra desceu a trouxa/ da cabeça e foi mostrando/ ao viajante que ali ficou só observando,/ cada objeto que ela/ tirava da trouxa dela/ ia o rapaz se assustando.// Minissaia, soutien,/ vestido curto, lascado,/ tamanco alto da moda/ esmalte roxo, encarnado.../ peruca loura e comprida,/ Elixir de Longa Vida/ para homem já cansado...// Lápis para sobrancelha,/ maiô para se banhar,/ baton de creme-de-nata/ para mulher se enfeitar;/ cachaça Cana-Caiana/ fabricada em Itabaiana/ de ver a palha voar!// Maconha, LSD,/ patuá de macumbeiro/ para mulher ganhar homem,/ rosário de feiticeiro.../ do inferno o panorama,/ retrato de “mulher-dama”/ que usa rapaz solteiro.// A negra tirou da trouxa/ as modinhas atuais/ por exemplo: “Bebo Sim”,/ “Jesus Cristo” e outras mais,/ que o povo na zombaria/ canta de noite e de dia/ nos piores lupanais!// Tinha “Todo Mundo Nu”,/ “Casamento de Maria”/ e o “Procurando Tu”/ com sentido de anarquia./ Foi mostrando outras mais,/ que todo e qualquer rapaz/ do interior já sabia.// “Ovo de Codorna” era,/ disse a negra em gargalhada/ pelos capetas d’agora/ no inferno mais cantada.../ Mostrou brinquedo de gente,/ por exemplo: uma corrente/ de mulher nua, gravada.// A negra tirou da trouxa/ “O Choro da Quebradeira”,/ olhos de mulher devassa,/ lábios de namoradeira,/ algemas de criminosos,/ retratos de mentirosos,/ bagunça de fim de feira!...// A negra não satisfeita/ expôs o troço miúdo:/ calça curtinha de homem,/ óculo de moça, graúdo,/ pemba, cruz, foice e baralho,/ rosário, figa, chocalho,/ adornos de cabeludo!// Havia dentro da trouxa/ orgulho, ódio, ambição,/ falsidade, hipocrisia,/ homicídio, sedução,/ sequestros e utopias,/ calúnias e vilanias,/ luxo, prostituição!...// Mulher falsa ao seu marido,/ desrespeitos paternais,/ falta de decoro público,/ desobediência aos pais,/ costumes introvertidos,/ algemas para bandidos,/ tarados sexuais!...// Bebedores de aguardente/ que 1 CARVALHO, Filipe Rosa. Cantar e rezar. Lisboa: [S.n.] 1954. p. 96. Consta como um “canto brasileiro”.

destruíram seus lares,/ homens que vivem do jogo/ nos ambientes vulgares/ mãe cruel, vituperina,/ que o próprio filho assassina/ semelhantes aos chacais.// A negra bazofiando/ dentro da trouxa tirou/ um caderno avermelhado/ e ao viajante mostrou/ o porvir da humanidade,/ os cáus da sociedade/ que até o moço chorou.// Nos versos seguintes, há uma previsão para o mundo a partir de 1970. O autor do cordel termina dizendo: A negra pegou a trouxa/ e partiu para adiante.../ Naquela hora caiu/ para trás o viajante./ Valei-me, Mãe dolorosa,/ que a Negra Misteriosa/ não agarre o Cavalcante!// Existem semelhanças entre os pecados enumerados da trouxa e certos pecadores encontrados no inferno. w Ver tb. Humor; Moda. A NÓS DESCEI DIVINA LUZ | Hino tradicional cantado no início do terço cantado das novenas, especialmente no pentecostes e na festa do Divino. Tb. a santa missão começava sempre com este hino: A nós descei, Divina Luz,/ em nossas almas acendei/ o amor, o amor de Jesus.// Sem vós, Espírito Divino,/ cegos só podemos errar/ e do mais triste desatino/ no mais profundo abismo/ sem fim, sem fim penar.// w As festas oficiais geralmente começavam com o hino latino ao Espírito Santo: veni-creator. A VIDA DE PEDRO CEM | Folheto do poeta João Martins de Athayde que mostra o exemplo do avarento que acaba castigado, pois na riqueza não se pode confiar como diz a expr. popular: O homem que junta dinheiro, não tem fé em Deus; ver Confiança. w Alguns versos iniciais: Pedro Cem era o mais rico/ que nasceu em Portugal/ Sua fama enchia o mundo/ seu nome andava em geral/ não casou com rainha/ por não ter sangue real.//(...) Em cada rua ele tinha/ cem casas para alugar/ Tinha cem botes no porto/ e cem navios no mar/ Cem lanchas e cem barcaças/ tudo isso a navegar.// Tinha cem fábricas de vinho/ e cem alfaiatarias/ cem depósitos de fazenda/ cem moinhos, cem padarias/ e tinha dentro do mar/ cem currais de pescarias.//(...) Diz a história onde li/ em todo esse passado/ que Pedro Cem nunca deu/ uma esmola a um desgraçado/ Não olhava para um pobre/ nem falava com criado.// Pedro Cem, muito rico e nada caridoso, teve vários sonhos avisando que seria castigado e sua riqueza iria se acabar. Mesmo assim, não ajudava ninguém e dizia: Porque ainda que Deus/ querendo me castigar/ não afundará num dia/ meus cem navios no mar/ as cem fazendas de gado/ custarão se acabar.//(...) E as centenas de contos/ nos bancos depositados/ e tudo isso em poder/ de homens acreditados/ ainda Deus querendo isso/ seus planos serão errados.// Depois disso, Pedro Cem começou a receber notícias de navios afundados, riquezas roubadas, bancos quebrados, vinhos derramados e gado adoentado. O que sobrou não dava para pagar nem a décima parte dos prejuízos. Lançando a mão à mochila/ saiu no mundo a vagar/(...) // Ele dizia nas portas:/ Uma esmola a Pedro Cem/ que já foi capitalista/ ontem teve, hoje não tem./ A quem já neguei esmola/ hoje a mim nega também.//(...) Não desespero, pois sei/ que grande crime espio (expio)/ nasci em berço dourado/ dormi em colchão macio/ hoje morro como os brutos/ neste chão sujo e frio.// Quem planta flores, tem flores/ quem planta espinho tem espinho./ Deus mostra ao espírito fraco/ o que nega ao mesquinho/ a virtude de um negócio/ a boa ação um pergaminho.// w O folheto lembra o dito popular bastante conhecido: Quem tudo quer, tudo perde! ABÁ | [Do iorubá “àbá”, sugestão.] No candomblé iorubá, princípio segundo o qual as coisas têm objetivo, direção. 2 Esperança. w Segundo Monique Augras, é 2 SODRÉ, Muniz; LIMA, Luís Felipe de. Um vento sagrado: história


Abacé | Abc do São Francisco ou Abc do Rio São Francisco um dos três poderes de Olorum: o princípio da existência (iuá), a força sagrada (axé) e o princípio da permanência (abá).3 w Segundo Volney Berkenbrock, "abá é a terceira das forças de Olorun que sustentam e possibilitam o sistema orum-aiyê”.4 ver Orum. ABACÉ | O mesmo que gongá. ABADÃ | Nome dos tambores usados no babaçuê; são de madeira, com couro de um lado só. ABAIXO DE DEUS | Expr. usada ao falar de pessoa ou coisa muito importante, p.ex., Abaixo de Deus é fulano que me ajuda.// Abaixo de Deus foi a jendiroba que me curou. w Prov.: Acima de Deus nada; abaixo de Deus tudo. ABALUAÊ ou ABALUAIÊ | O mesmo que Obaluaiê. ABARÁ | [Do fon “ablă”.] Bolinho preparado com massa de feijão-fradinho, temperado com pimenta, azeite de dendê e cebola. Algumas vezes é misturado com camarão, enrolado em folha de bananeira e cozido em água. w No candomblé iorubá, comida de santo oferecida aos Ibeji, a Iansã e a Obá. ABARÉ | [Do tupi “aua’re”, clérigo ou frade.] Nome que os índios davam aos padres desde o séc. XVI, particularmente aos jesuítas.5 Ao missionário jesuíta Leonardo Nunes (†1554) chamavam “abaré-bebê”, padre que voa. w Na umbanda, médium desenvolvido. ABASSÁ | O mesmo que gongá. ABATÁ | [Do iorubá “bàtá”, tambor com dois lados em forma de ampulheta.] Pequeno tambor de origem iorubá com um couro em cada extremidade. É usado nos terreiros da nação nagô, pendurado no pescoço do tocador, sendo batido dos dois lados. A palavra iorubá “bàtá” significa tambor para o culto de Egungun e de Xangô. Ritmo cadenciado para Xangô, Iansã, Oxalá, Odudua. w Batacotô, tambor de guerra de origem iorubá. Esses tambores foram destruídos durante a Revolta dos Malês (1835) e sua importação foi proibida a partir de 1855. Batá-kotô, toque de guerra usado igualmente pela sociedade “Geledé” (máscara), na ilha de Itaparica (BA). Durante muito tempo seu uso significava pena de prisão ou morte. w No Maranhão, tambor cilíndrico usado nas casas de tambor de mina. ABC | Versos de roda (Itinga-MG): Fui caçar no ABC/ A letra da minha paixão/ Eu achei a letra Mê/ Coloquei no coração.// ver Alfabeto antigo. w Totalidade do saber sobre um assunto. Carta ou cartinha do ABC: cartilha; ver Abecedário. w Forma antiga de poesia: séries de versos que começam pelas letras do alfabeto. São encontrados inclusive na Bíblia. Há, p.ex., quatro ABCs no livro das Lamentações 1 a 3. No ano de 393, Santo Agostinho compôs um “Psalmus abecedarius” contra a seita de Donato. w Um "ABC dos Exemplos” consta do Compêndio Narrativo do Peregrino da América, texto moralista do padre baiano Nuno Marques Pereira (1652-1718). w Forma de poesia popular em que cada estrofe começa com uma letra do alfabeto, do A ao Z, terminando às vezes com o til. Quando falam de fatos recentes, os abecês tb. são chamados de “pasquins” ou pisquins.6 No Rio Grande do Sul, existe o ABC da guerra dos Farrapos. É frequente na literatura de cordel: ABC do Amor, ABC da Meretriz, ABC dos Aposentados, ABC de João Augusto, ABC da Cachaça. w Os versos na sequência do ABC facilitam a memorização e de vida de um adivinho da tradição Nago-Ketu brasileira. Rio de Janeiro: Mauad, 1996. p. 175. 3 AUGRAS, Monique. O duplo e a metamorfose. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 58. 4 BERKENBROCK, Volney J. A experiência dos Orixás: um estudo sobre a experiência religiosa no candomblé. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 187. 5 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem tupi. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1982. p. 41. 6 Discos Marcus Pereira. MPL 9392, 1979.

a participação. Às vezes, são de grande seriedade, como no ABC do Vaqueiro em Tempo de Seca (CE) na letra “O”: Ó bom Deus de piedade/ A mim me queira livrar,/ Enquanto vida tiver/ E bens alheios tratar.// 7 w Existem diversos ABCs religiosos: ABC de Nossa Senhora, ABC das almas, ABC de Santo Antônio; ver Abecedário de natal; Canto Popular. w Na sua "Missa Breve" (1973), Edu Lobo canta: Eu disse um A por nosso amor/ eu disse um B, brandosa e bela./ Eu disse um C, corpo querido/ Depois um D da dor da terra/ Esperança aberta/ Festa ferida/ Guerra dos homens/ Hora roída/ Eu disse um Q, querença antiga/ Eu disse um Rê, rosa ferida/ Num S eu sou salve rainha/ Depois num T, treva daninha/ Última espera/ Vida Vazia/ (X) Choro sangrado/ Zelando o mundo.// ver Música Popular Brasileira (MPB). ABC DAS ALMAS | Encontrado no livrinho “Mês das Almas do Purgatório”8 no final do ofício das almas. Ambos, ofício e ABC, são textos moralistas em linguagem erudita. Algumas letras: Ai de nós que se dilata/ a nossa ardente prisão./ Quando veremos a Deus/ no reino da salvação?// Bem podiam nossos filhos,/ nossos irmãos, nossos pais,/ moderar nossos tormentos,/ dar alívio aos nossos ais.// Com sufrágios, com pedidos,/ a Deus, nosso Salvador/ p’ra tirar-nos destas chamas/ pelo seu divino amor.// Não peques, pois que os pecados/ condenam sendo mortais,/ estas chamas só consomem/ simples pecados veniais.// Purgatório onde existimos,/ chamado “igreja purgante”,/ é o lugar que habitamos/ entre fogo devorante.// ver Irmão das almas. ABC DE BOM JESUS DA LAPA | ABC conhecido entre os barranqueiros do rio São Francisco. ABC DE NATAL | ver Abecedário de natal. ABC DE NOSSA SENHORA | O canto parece ser antigo, pois há fragmentos dele em várias regiões do país. Em Ponte dos Carvalhos (PE), padre Geraldo Leite, conhecedor da religiosidade popular, recuperou e divulgou o ABC de Nossa Senhora na déc. de 1970: Diz um A Ave Maria; diz um B Bondosa e bela; diz um C Cofre de graça; diz um D Divina estrela./ Diz um É Esperança nossa; diz um Fê Fonte de amor; diz um Guê Guia do povo; diz um Agá Humilde flor./ Diz um I Imaculada; diz um Ji Janela aberta; diz um Ká Koros de anjos; diz um Lê Luz sempre certa./ Diz um Mê Mãe dos mortais; diz um Nê Nuvem de brilho; diz um Ó Orai por nós; diz um Pê Por vossos filhos./ Diz um Quê Querida mãe; diz um Rê Rainha da Paz; diz um Si Socorrei sempre; diz um Tê Todos mortais./ Diz um U Única saída; diz um Vê Vale fecundo; diz um Xis Xis dos mistérios; diz um Zê Zelai o mundo.// 9 ver Alfabeto antigo. w Enquanto a igreja não divulga nas suas publicações a riqueza dos textos tradicionais da religiosidade popular, as editoras espiritualistas percebem o desejo do povo de encontrá-los. Por isso, pesquisam e os publicam em manuais de bruxaria e outras obras esotéricas. No "Verdadeiro Livro da Cruz de Caravaca", (Ed. Espiritualista, RJ, s.d.), consta da p. 49, uma variação deste ABC: Ave Maria; Bondosa e bela; Cheia de Graça; Divina Rosa.// És uma vida; Fulgente Luz; Ganhaste o céu; Honras Jesus.// Imenso amor; Jamais sem fim; Kirie, o teu filho; Louvou-te, assim.// Mãe da alegria; Nos vendavais; Oras, Maria; Pelos mortais.// Quando, Senhora; Rezo contrito; Sinto nessa hora; Tudo infinito.// Um teu perdão; Virá por fim; X de um mistério,/ Zelar por mim.// w Existe tb. um ABC de Nossa Senhora Aparecida. Diz o verso do til: Til é letra derradeira/ que 7 ROMERO, Sílvio. Cantos populares do Brasil. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1954. v. 1. pp. 27-230. 8 PEREIRA, José Basílio. Mês das almas do purgatório. 11. ed. Salvador: Mensageiro da Fé, 1947. pp. 119-122. 9 No LP “Nação do Divino”, disco independente.

Abc

pede por nosso bem./ Milagrosa padroeira,/ abençoai-nos, amém.// 10 w Ver tb. Fecundidade. ABC DE NOSSA SENHORA APARECIDA | Segundo Luís da Câmara Cascudo, o “Abecedário em louvor à milagrosa Nossa Senhora da Conceição Aparecida” é lembrança de sua coroação em Aparecida do Norte (SP), em 8 de setembro de 1904. Ficou bastante conhecido pelo Sul do Brasil. Alguns versos: À vós, pura e imaculada/ Conceição Aparecida/ vem rezar ajoelhada/ a minh’alma desvalida.// Beijando-vos com fervor/ o vosso manto sagrado/ confesso-vos meu amor/ contrito e resignado.// Conceição Aparecida/ neste Itaguassu formoso,/ dai-me a paz “apeticida”,/ fazei-me sempre ditoso.// Domingos Martins Garcia,/ foi um dos três pescadores/ que vos acharam, divina/ salvação dos pecadores.// Era Felipe Pedroso/ um outro, que, na canoa/ foi um pescador ditoso que o Pai celeste abençoa.// Falta-me agora falar/ de João Alves, pescador,/ que quando as redes colhia/ abraçou-vos com amor.// 11 ver Nossa Senhora Aparecida. ABC DIVINO | Canto registrado em Paracatu (MG). Mostra que nem todo ABC emprega todas as letras do alfabeto. (Refr.) O ABC Divino/ foi feito com fundamento/ recorda sua vida/ levantai seu pensamento.// Versos: As almas se bem soubessem/ consideravam toda hora/ a morte e a paixão de Cristo/ e as dores de Nossa Senhora.// A lançada que lhe deram/ de tão longe traspassou/ Traspassou Jesus no peito/ e Maria no coração.// O madeiro era tanto/ a Jesus acompanhavam/ em suas faces cuspiam/ e suas barbas puxavam.// Abri as portas, Senhora/ dá horta pelo jardim/ pelas vossas cinco chagas,/ não fechai assim pra mim.// No dia 25 de agosto,/ é de ver o sol correr/ e também tem de ver/ a terra toda tremer.// Quem souber e não ensinar/ quem ouvir, não aprender/ quando for no dia do juízo/ todos hão de arrepender.// Essas três letras, Senhora/ foi feita por mão do Senhor/ justo é o fim do mundo/ misericórdia, Senhor.// Misericórdia meu Deus/ Misericórdia Senhor/ Misericórdia vos peço/ a nós grandes pecadores.// Vou rezar este bendito/ pra o Senhor do Bonfim/ pra livrar nós do castigo/ para sempre amém, Jesus.// 12 ABC DO JUAZEIRO | Poesia de Francisco Germano, poeta sertanejo do Rio Grande do Norte. Versos iniciais: Agora peço atenção/ ao povo e ao companheiro/ pra tratar de um ABC/ peço licença primeiro/ e esta deve ser tanta/ segundo a beata santa/ do padre do Joazeiro.// Bem me parece este padre/ um Sagrado Testamento/ vindo para nos livrar/ de tanto iludimento/ Deus mandou-o nos avisar/ para nós acompanhar/ o melhor regulamento.// Conduz este padre santo/ a favor dos pecadores,/ primeiramente a virtude/ do maior dos pregadores,/ uma santidade exata/ e uma santa beata/ da Santa Mãe das Dores.// Devemos o acompanhar/ e fazer o que ele manda/ Vamos fazer deixação/ da cegueira em que se anda,/ com a vista tão escura, ele mesmo nos procura/ e nós tirando de banda...//13 ver Sermão. ABC DO NEGRO | ver ABC dos Negros. ABC DO SÃO FRANCISCO ou ABC DO RIO SÃO FRANCISCO | Encontramos dois ABCs com este nome: um anônimo e outro de Jove da Mata. Anterior a esses, achamos um texto registrado da boca do remeiro Seu Tomé por Manoel Ambrósio, em 1912: “... conheço muito estes logá, como as palmas de m’eas mão; e vocês qué vê? Mió conte Deus: Negoço do 10 SANT’ANNA, José. Folclore poético: quadras anônimas. Olímpia: Museu de História e Folclore Maria Olímpia, 1997. p. 88. 11 CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. pp. 79-81. 12 Cantos Regionais, na diocese de Paracatu. Unaí: 1979. (mimeografado) p. 5. 13 Apud: CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. pp. 135-138. Dicionário da Religiosidade Popular

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Abc

Abc do Senhor Bom Jesus de Iguape | Abc dos Reis

Juazeiro./ Nobreza de Santa Sé./ Riqueza de Pilão Arcado./ Usura do Chique-Chique./ Pabulage da Barra./ Prego d’Urubu./ Fome da Carinhanha./ Fartura do Sargado./ Preguiça do São Romão./ Cachaça do Pracatu./ E acrescenta: Antão, seu piloto? Que não sou individe que anda com gerematia; não baculo a ninguém; nunca baculei. Cond’eu digo uma coisa, pod’s’iscrevê.14 w No primeiro, o poeta anônimo, em vez de seguir as letras do alfabeto, enumera os portos dando a cada um sua cor local: Juazeiro das lordeza/ Casa Nova da carestia/ Sento Sé da nobreza/ Remanso da valentia.// Pilão Arcado da desgraça/ Xiquexique dos “bundões”/ Icatu só dá cachaça/ Barra só dá ladrões.// Morpará fora do mapa/ Bom Jardim da rica flor/ Urubu da Santa Cruz/ Triste o povo da Lapa/ se não fosse o Bom Jesus.// Cariranha é bonitinha/ Malhada é que não é./ Passo fora no Morrinho/ Pago imposto em Jacaré./ Januária é da cachaça,/ São Francisco é da desgraça,/ São Romão feitiçaria,/ Pirapora da p...// 15 w O segundo ABC, de Jove da Mata, trata da injustiça no vale do Rio São Francisco (1941): A justiça em São Francisco/ tem se tornado famosa,/ vulgarizou o seu nome/ numa baila vergonhosa/ quer na roça ou na cidade/ o seu nome está na prosa.// Basta dizer que o fórum/ parece mais um covil/ o juiz que o preside/ afeiçoou-se ao lôdo vil/ de ser baixo e turbulento/ é este o seu perfil.// Com a nova Constituinte/ a coisa modificou,/ o ministro da justiça/ o direito reformou,/ em São Francisco, ao contrário,/ no ostracismo ficou.// Desde que o mundo é mundo/ São Francisco é falado,/ e agora mais do que nunca/ São Francisco está danado,/ com sua justiça faminta/ tal corvos em bando alado.//(...) Getúlio Vargas, o Presidente/ governador da Nação/ governa todo o Brasil,/ mas São Francisco não./ São Francisco é governado/ fora de legislação!// Haja vista o que se deu/ numa viagem que fiz/ encontrava o fazendeiro/ era uma surpresa infeliz,/ perguntava apavorado/ Será gente do juiz!//(...) Judas vendeu o grande mestre/ e depois se arrependeu./ Em São Francisco a justiça,/ por vezes, já se vendeu;/ e se há arrependimento,/ isto lá nunca se deu!//(...) O juiz de São Francisco/ é sem dó e sem entranhas,/ contra os pobres roceiros/ move grandes campanhas/ e pra defender o capital/ não lhes faltam artimanhas!// Parece que aquele homem/ não conhece a caridade,/ por isso vive agindo/ com brutal ferocidade,/ não respeitando pobreza/ viuvez, nem orfandade.//(...) “Yoyozinho” do céu/ que é grande justiceiro/ habita lá nas alturas/ mas vê o universo inteiro,/ olhai para o São Francisco/ e desarmai o bandoleiro.// Zangue zangue quem zangar/ meu abecê escrevi/ e canto com causa justa/ as misérias que já vi./ É o extrato da história/ da terra onde nasci!//(...) Til é um acento gráfico/ e com ele vou fundar/ as misérias de São Francisco/ faz vergonha de contar/ e se ofende a vosmecês,/ por Deus queiram me desculpar.// “Yoyozinho” é entidade conhecida na umbanda do vale do rio São Francisco. O folclorista Saul Martins disse: “Este poema nasceu a 21 de maio de 1941, na fazenda Mata do Engenho. Foi escrito com o sangue do coração! Foi escrito num momento em que eu teria de transformar-me em bandido e arrancar a vida de um juiz inefasto que arrancou o pão da boca de meus filhos, justamente num momento em que eles mais precisavam. Depois de muito ponderar e meditar as coisas, resolvi tornar-me poeta em vez de bandido e cantar a minha própria dor! Rogoberto Ferreira da Silva, juiz de Direito de São Fran14 AMBRÓSIO, Manoel. Brasil interior: palestras populares, folk-lore das margens do S. Francisco. São Paulo: Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, 1934. pp. 206-207. 15 TRIGUEIROS, Edilberto. A língua e o folclore da Bacia do São Francisco. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1977. p. 25. 26

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cisco, que homem horroroso! Acompadrou-se com o ditador da terra, homem que só conhece como Deus do Céu e da terra dinheiro! Em nome da justiça, com seus processos mais ou menos cúpidos invadia as fazendas e vendia o gado a seu compadre.”16 ABC DO SENHOR BOM JESUS DE IGUAPE | Consta do livro “Novo Goffiné Brasileiro”; ver Bom Jesus de Iguape. Texto semelhante ao ABC do Senhor Bom Jesus de Mattosinhos. ABC DO SENHOR BOM JESUS DE MATTOSINHOS | Encontrado em folha impressa e amarelada: A, B e C quero escrever/ em louvor ao Bom Jesus/ Bom Jesus allumiae-me/ com vossa divina luz.// Amoroso Bom Jesus/ venho aqui visitar,/ O prazer que se me offerece/ eu não vos posso explicar.// Bem me custa vir vos ver,/ nesse throno assim atado!/ Bom Jesus, tantos tormentos/ por causa do meu pecado.// Como não hei de sentir/ grande dor no coração?/ Por vossa misericórdia/ Bom Jesus, dai-me perdão.// Divino meu Bom Jesus,/ Divina consolação!/ Por vossa misericórdia/ livrai-me de tentação.// Eu sou um romeiro vosso/ que a vós venho em romaria./ Peço-vos, meu Bom Jesus,/ que andeis sempre em minha guia!// Faltou minha retentiva,/ mas quero a continuar,/ com vossa divina luz/ para me allumiar.// Guiai-me por bom caminho,/ Bom Jesus de compaixão!/ Por vossa misericórdia/ livrai-me de tentação.// Hoje aqui já imagino/ qual a tua imaginação./ Bom Jesus, quando me for/ à triste separação.// Imaculado cordeiro,/ immolado à salvação/ dos humanos pecadores,/ tem de mim dó, compaixão.// Já tenho de mim tristeza/ no meio desta alegria,/ Bom Jesus, vossa lembrança/ vae na minha companhia.// Kalendário vou contar!/ de dias de terna ausência/ deste templo, deste altar,/ q’habitaes com complacência.// Lembrar-me-hei eu de vós/ em qualquer longas alturas/ Bom Jesus de piedade/ remédio das creaturas.// Mas eu tenho uma esperança/ de outro prazer alcançar/ Bom Jesus, favorecei-me/ que eu espero cá voltar.// Nem por isso vos custou/ como a mim mal parecia/ o Bom Jesus me ajudou,/ venho em sua companhia.// Oh quantos milagres vejo/ que não se pode contar!/ Bom Jesus, vosso remédio/ a todos pode curar.// Por muitos que aqui vejo/ outros que já não existe/ Menino em taxo a ferver/ Bom Jesus lhe acudiste.// Que exemplo fizeste a quem/ o rosário abandonou/ uma cobra no pescoço/ de Maria Jesus tirou.// Resplandece vossa igreja/ com ternura e alegria/ Bom Jesus crucificado/ Filho da Virgem Maria.// Só vós viestes ao mundo/ para remir o peccador/ Bom Jesus de misericórdia/ Bom Jesus crucificado.// Todos pedimos perdão/ de nosso grande peccado/ por vossa misericórdia/ Bom Jesus crucificado.// Uni-nos ao vosso peito,/ pela lança transpassado,/ para que por vosso amor/ nos livremos do pecado.// Vos acharam lá na praia/ vos lavaram em água pura/ Bom Jesus de piedade,/ remédio da creatura.// Xacoco, chego a vós/ com meu coração rendido./ Bom Jesus me perdoai/ quando vos tenho offendido.// Ynclito é vosso nome/ emquanto o mundo viver/ Bom Jesus allumiai-me/ para nunca vos offender.// Zephiros brandos e brisas,/ auras plácidas e aragem,/ nos mandai as vossas velas/ para virmos de romagem.// ~ (til) é a última letra,/ vai pedindo clara luz!/ Bom Jesus allumiai-me,/ para sempre. Amém, Jesus.// Trata-se de qual “Senhor Bom Jesus”? Parece que o Senhor “nesse throno assim atado” (letra B) e que “acharam lá na praia” é o “Senhor Bom Jesus de Iguape”. Pode-se ainda observar a coincidência nos versos da letra E com o respectivo verso do ABC citado no verbete Bom Jesus de Iguape. 16 Apud: AZEVEDO, Teófilo de. Literatura popular do Norte de Minas. São Paulo: Global, 1978. pp. 113-116.

ABC DOS NEGROS | Tb. chamado Alfabeto do Negro (São Sebastião do Maranhão-MG). w Poesia longa que divulga a discriminação do negro; ver Religião e realidade social. w Leonardo Motta colheu uma versão do ABC dos Negros, no Maranhão: A: Agora tocou à sorte/ dizer o que o peito sente,/ falar dos “13 de maio”/ que também querem ser gente.// B: Bacalhau de couro cru/ com três palmos de comprido,/ é o que dá ensino a negro/ mode não ser atrevido.//(...) J: Jogo de branco é dinheiro/ de caboco é frecharia/ vida de cabra é cachaça/ de negro é feitiçaria.//(...) V: Viola desafinada/ não pode tocar lundu./ manguá em costa de negro/ é quem tira calundu.//(...) “Til”: Til como letra do fim/ por ser acento moderno/ inda tenho fé de ver/ “13 de maio” no inferno.// Segundo Luís da Câmara Cascudo, este texto é posterior a 13 de maio de 1888 e anterior a 15 de novembro de 1889.17 ver Bacalhau. w As estrofes seguintes são parte de uma versão encontrada no vale do Jequitinhonha (MG): Andava em algum tempo/ quando tinha imperador/ as coisas andavam melhor/ porque negro tinha senhor./ As coisas todas arruinaram/ depois que negro forrou.//(...) Cara de negro é terrível/ é coisa sem formosura./ Tudo de negro não presta/ só tem boa dentadura./ Foi o que Deus confiou/ para negro roer rapadura.// Devemos imaginar/ e prestar bem atenção/ que ainda não se sabe/ de onde veio esta nação,/ se foi obra do capeta ou livosia do cão.//(...) Homem negro não é/ é coisa que eu garanto./ Deus não quer nada com negro/ nem negro nada com santo./ Negro é como urubu/ na hora que toma espanto.//(...) Oração de negro é coco,/ barriga de negro é mala,/ doce de negro é sabão,/ casa de negro é cangalha,/ queixo de negro é miséria,/ desengano de negro é bala.// Razão negro nunca teve/ pelas más ações que faz./ Festa que negro vai/ não pode acabar em paz./ Pois eles já vão mandados/ por ordem de satanás.//(...) Uns negros vivem morrendo/ fazendo papel do cão./ Tanto os negros como as negras/ só vivem na má intenção.// 18 Numa versão registrada por Leonardo Mota lemos: Nêgo não nasce, aparece!/ e não morre, bate o cabo!/ Branco dá a alma a Deus/ E nêgo dá a alma ao diabo.// 19 ABC DOS PREGUIÇOSOS | ver Preguiça. ABC DOS REIS | Em Serro (MG), padre Celso de Carvalho registrou: Alegrai-vos, Mãe de Deus,/ Mãe do nosso Sumo Bem./ Cantamos com alegria:/ Cristo nasceu em Belém.// Bem a barcos e baraços/ sibilou a serpente;/ cantamos com alegria/ os reis magos do Oriente.// Correi pastores das aldeias/ deixando vosso cajado./ Ajudai os três monarcas/ a fazer o seu reinado.// Das três pessoas divinas/ iguais na sabedoria/ uma desceu do céu à terra/ por verdadeiro Messias.// Entre palhinhas deitado/ achou-se o meu bom Jesus/ que desceu a este mundo/ para nos encher de luz.// Feliz pode já cantar/ a descendência de Adão:/ Nasceu o Menino Deus/ para a nossa redenção.// Grande alegria tiveram/ os três reis orientais/ A jornada empreenderam/ deixando seus tronos reais.// Humildes, cheios de glória,/ perseguiram na jornada/ guiados por uma estrela/ de areia fabricada.// Indo com grande alegria/ e com toda a devoção,/ visitar o Deus Menino/ e prestar adoração.// Julgando finda a jornada/ a Herodes perguntavam/ aonde nasceu Jesus.// Lembrando pode informar/ que lêra nas profecias/ que em Belém era nascido/ o verdadeiro Messias.// Mostrando ser inocente/ como quem quer 17 CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. pp. 75-77. 18 POEL, Francisco van der. O rosário dos homens pretos. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1981. pp. 110-112. 19 MOTA, Leonardo. Cantadores: poesia e linguagem do sertão cearense. 2. ed. Rio de Janeiro: A Noite, 1953. p. 82.


Abc dos Ricos ou da Carapuça | Abiã adorar,/ recomenda aos três monarcas/ para notícia lhe dar.// Não podia os três monarcas/ deixarem de prosseguir/ a jornada que fizeram/ sem da cidade sair.// Ordenou o Santo Verbo/ provisão sem dar por verso./ Foi guiar os três monarcas/ no caminho adverso.// Por chegar em boa hora/ quando a luz do céu sumiu/ tendo findado a jornada/ novo caminho se abriu.// Quando chegaram a Belém,/ finda a bendita jornada/ logo viram uma estrela/ da cidade retirada.// Resplandecia o Menino/ a Virgem e São José./ Rei Herodes perguntou/ que menino este é?// Soberano Rei da Glória,/ com toda sabedoria,/ que desceu do céu à terra/ por verdadeiro Messias.// Toda a santa companhia/ do alto império se moveu./ Na Lapinha de Belém/ pareceu o Menino Deus.// Uvindo uma grande voz/ que lá do céu lhe dizia:/ este é o Filho amado/ da Virgem Santa Maria.// Vinde todos bem contentes/ no presépio adorar/ aquele Deus humanado/ que veio para nos salvar.// Xegaram e viram o infante/ no presépio reclinado./ e por José e Maria/ humildemente adorado.// Zunindo por toda a terra,/ com prazer e alegria,/ só Herodes e ‘Adiava’/ sofreram malincunia.// O til também é letra/ porque serve de padrão/ para exemplo deste mundo/ e de todo folião.//20 w Ver tb. Abecedário de natal. ABC DOS RICOS OU DA CARAPUÇA | G: Grande no mundo é só Deus/ Esse é o primeiro sem segundo./ (...) // H: Homem, filho do pecado,/ Não se ilude com capital.// Se não fazer obras boas,/ sua riqueza não vale,/ perde todo bem no mundo,/ inda perde o Tribunal.// J: Já que Deus é justo/ como nós sabemos que é,/ o inferno já tá cheio/ de capitão e coroné,/ de homem rico e orgulhoso/ que trai o pobre em má fé.// M: Muito dinheiro faz a guerra,/ faz orgulho e soberba,/ faz o homem pronunciar,/ sem ter sabedoria/ faz nêgo entrar no fogo/ sem sentir a agonia.// Observemos o final típico: Til é a letra do fim,/ junto com o ponto final.// Só assenta a carapuça/ para o seu fulano de tal,/ que gosta de vender caro/ pra ajuntar capital.// Em quem assenta essa carapuça/ muitas horas até duvida,/ sentado no seu cantinho/ seus carinhos e bebida,/ deixando o tempo correr,/ fazendo sempre pra vida.// A valença é desculpar/ coronel e cidadão,/ quem mata, não quer ter crime,/ quem rouba não quer ser ladrão,/ quem peca quer ser um santinho/ quem mente quer ter razão.// Quem achou interessante/ que desejar conhecer/ quem foi o inventor/ do delicado ABC,/ Foi Virgílio Tomas da Silva,/ criado de Vocemecê.// (Inf.: Jesuíno Pereira da Rocha, 14/05/1982, que aprendeu em 1926 com o mestre Virgílio, professor rural na região de Água Suja.)21 ABÊ ou ABÉ | [Do fon “Agbè”, divindade que representa o mar.] Na Casa Grande das Minas (São Luís-MA), a vodum Senhora do Mar, irmã gêmea de Badé. w Em candomblé iorubá: ver Iansã. w Em candomblé banto: ver Matamba. ABÉ BAXÉ DE ORI | No candomblé iorubá, a feitura do santo, parte da iniciação; ver Ori. ABEBÉ ou ABEBÊ | [Do iorubá “abêbê”, abano.] No candomblé iorubá, leque ritual portado pelas iabás, orixás femininos. Símbolo do poder materno. 22 w Leque-de-Oxum feito em metal amarelo. Insígnia de Oxum. As filhas de Oxum dançam com o abebé. w Iemanjá usa um leque de metal prateado. w Logunedé usa o abebê. ABECEDÁRIO | Uma espécie de dicionário de informações variadas em ordem alfabética e de linguagem simples destinado a uma ampla gama de 20 CARVALHO, Celso de. Pe. O ciclo de natal num velho recanto de Minas. Diamantina: 1950. (manuscrito) pp. 6-9. 21 Apud: SOUZA, José Evangelista de. Raízes e histórias: a saga de viver. Petrópolis: Vozes, 1989. pp. 205-211. 22 SODRÉ, Muniz; LIMA, Luís Felipe de. Um vento sagrado: história de vida de um adivinho da tradição Nago-Ketu brasileira. Rio de Janeiro: Mauad, 1996. p. 175.

ouvintes e leitores. w O "Compêndio Narrativo do Peregrino da América”, de autoria de Nuno Marques Pereira, publicado em 1728, foi extraído do abecedário composto por um homem falecido no reino de Portugal, para deixar uma “regra com que se haviam de governar os filhos”. A obra de Nuno M. Pereira foi muito divulgada no séc. XVIII, alcançando 6 edições. Popularizou-se no Brasil no séc. XIX, depois que o cel. João José Carneiro de Mendonça, de Paracatu (MG), o retomou com o título de “Abecedário Moral”. A letra “A” da primeira edição portuguesa do Peregrino diz: Amor de Deus seja estudo/ da vossa melhor lição/ propondo no coração/ amar a Deus sobre tudo.//23 w O termo "abecedário" aparece como sinônimo de ABC: ver Abecedário de natal. ABECEDÁRIO DE NATAL | Poesia declamada pelos bastiãos da folia dos santos reis, em Londrina (PR): Com A, eu escrevo anjo/ Que voando desceu do céu/ Para anunciar Maria/ Foi o anjo Gabriel.// Com B, escrevo bondoso/ O nosso pai de bondade/ Que mandou seu filho ao mundo/ Pra salvar a humanidade.// Com C, escrevo Cristo/ O filho do Criador/ Que nas suas pregações/ Pregava a paz e o amor.// Com D, escrevo Davi/ Que é filho de Jessé/ O principal ascendente/ De Maria e de José.// Com E, escrevo esperança/ Lembrando aquela estrela/ Que guiou os três Reis Santos/ Numa missão verdadeira.// Com F, escrevo feliz/ Aquele dia sagrado/ Em que os três reis se ajoelharam/ Nos pés do menino amado.// Com G, eu escrevo glória/ À sempre virgem Maria/ Por conceber e dar à luz/ Ao glorioso rei Messias.// H, não falo Herodes/ Pois prefiro escrever hino/ Que os anjos cantarolavam/ Quando nasceu Deus menino.// Com I, escrevo inocente/ Recordando a profecia/ “Era Raquel que chorava/ Os filhos que já não via”.// Com J, escrevo justiça/ Também escrevo Jesus./ Quando nasceu em Belém/ Encheu o mundo de luz.// Com L, eu escrevo Lapa/ Lugar em que Jesus nasceu/ Os galos todos cantaram/ Nasceu o rei dos Judeus.// O M lembra Maria/ A Santa mãe protetora/ Pra exemplo de humildade/ Pôs seu filho em manjedoura.// Com N, escrevo natal/ Dia da natividade./ É de todas a maior data/ No mundo da cristandade.// Depois vem a letra O,/ Que me recorda a oração/ rezada em Jerusalém/ Pelo velho Simeão.// O P, forma uma palavra/ Que está sempre em minha mente/ Ofertada pelos magos/ Pois P me lembra os presentes.// O Q, é um quebra-cabeça/ Ponto de interrogação./ É necessário dar quorum/ Pra decidir a questão.// O R me lembra os reis !/ Não pode ser diferente/ Os maiores reis da terra/ Dos reinos do Oriente.// Depois vem a letra S/ Que me lembra santidade/ Pai, filho e espírito santo/ No mistério da trindade.// O T são os testamentos/ Que Deus deixou para o povo/ Ver a Escritura Sagrada/ Tem o velho e tem o novo.// O U me lembra união/ Uma palavra sagrada/ Na vida, pode ter tudo/ Sem união, não tem nada.// Com V, escrevo vitória !/ E a vida que Deus me deu./ Vivam os meus três reis santos !/ E viva o filho de Deus !// Com X eu escrevo xá/ Que da Pérsia é soberano/ Faço um jogo de xadrez/ E dou dez (X) para os romanos.// O Z quer dizer zeloso/ É o filho de Maria./ Ele é o alfa e o ômega/ Encerrando a profecia.//24 ABEL | [Do hebraico, sopro ou vaidade.] Segundo filho de Adão e Eva, foi o primeiro homem a oferecer um sacrifício (de animais) a Deus. Era pastor de ovelhas, e Caim, seu irmão mais velho, agricultor. Quando Deus aceitou o sacrifício de Abel, Caim sentiu ciúme e o matou. Na procissão de cinzas e outras procissões 23 SOUZA, Antonio Cândido de Mello e. Abecedários. In: RECORTES. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. pp. 257-266. 24 GARBOSI, Francisco. Mensagens e embaixadas de folia de reis. Londrina: Bird Gráfica, 1994. pp. 1-73.

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da semana santa, Abel é uma das figuras bíblicas que aparecem. w Vítima de homicídio, símbolo da inocência. w Diz um adivinho popular: Se Abel matou Caim,/ como ter conhecimento:/ Está escrito no Velho/ ou no Novo Testamento? R.: Em nenhum. Foi Caim que matou Abel.25 w Uma charada recolhida na Bahia diz: Já houve um homem no mundo/ o qual sem culpa morreu./ Nasceu primeiro que o pai/ sua mãe nunca nasceu./ Sua avó foi sempre virgem/ até que o neto morreu.// R.: Abel. Nota: a avó é a “mãe terra”.26 ABELHA | Inseto que produz mel e cera desde a criação do mundo. É cantada na modinha de viola “A Vida das Abelhas” do violeiro José Lopes Moreira, de Santa Isabel (SP): Abelha é um bicho abençoado/ eu não tenho medo dela/ proquê o mel é remédio/ pra curá as coisa da goela./ E tem uma cera bonita,/ é uma cor meio amarela./ Diz que é muito abençoado,/ é do que uso fazer vela,/ é que levam pra Pirapora,/ e tem serventia em tudo/ quanto é capela.//27 w Existem orações para amansar as abelhas e evitar as picadas; p.ex., São Pedro quando andou no mundo/ vestido de perneira e gibão/ maribondo, esconde seu ferrão.// (Inf.: Alcides, Araçuaí-MG/1977.) w Ditado: Pelas abelhas de São Pedro pagam as de São Paulo. w Abelhas figuram entre os atributos de Santo Ambrósio, dono uma melíflua retórica, e de Santa Rita, casta como as abelhas. ABENÇA | Forma popular de pedir a bênção. ABENÇOAR | O mesmo que dar a bênção ou benzer. w Pedir ao Deus Criador que abençoe a vida dos homens; ver Benzedor; Benzedeira. w Ao fazer adobes, o trabalhador abençoa o primeiro que sai da forma riscando nele uma cruz. w A visita da folia dos santos reis a uma casa é considerada uma bênção. Em Paracatu (MG), os foliões cantam: Os três reis aqui chegou/ todos três encarriado/ abençoando os morador/ e essa bendita morada.//28 Na religiosidade popular, distinguem-se bichos abençoados: aranha, joão-de-barro, galo e lavandeira; e bichos amaldiçoados: bode, pato e burro; ver Natal e seus símbolos; Animais e religião. Semente abençoada: ver Algodão. w Na umbanda, os pretos velhos abençoam o povo e ajudam a vencer as demandas. Vários pontos cantados falam desta bênção, p.ex., um ponto de Maria Mina da Bahia (RJ): Andei sete noite, andei sete dia/ chegou Maria Mina/ com seu povo da Bahia./ Pimenta lá da Costa/ azeite de dendê/ Chegou Maria Mina/ pra seus filhos vir benzê./ Chegou Maria Mina/ dona do Gongá/ Chegou Maria Mina/ que veio trabalhar.// ver Tia Maria do Rosário. Tb. os caboclos abençoam o povo. w Em alguns benditos de penitência, encontramos as palavras (de Jesus): Ajoelhem-se, meus filhos,/ que eu vos quero abençoar.// ver Nossa Senhora pediu. Tb. na bênção final da missa o povo costuma ajoelhar-se. No interior, ainda há meninos que ajoelham ao pedir a bênção aos pais. ABERÉM | [Do mina “gblɛ̌n”, massa de milho fermentada.] Bolinho feito de arroz ou de milho moído, salgado e cozido, embrulhado em folhas secas de bananeira. w No candomblé iorubá, comida de santo oferecida a Oxumarê e Omolu. ABIÃ | [Do iorubá, “abíiyùn”, nascido do (colar de) coral.] Iniciante no candomblé iorubá. O estado de abiã é um estágio inicial da iniciação. Aquele que já fez o bori, a lavagem das contas, mas ainda não fez o santo; ver Orô. Com a iniciação o abiã passa a filho de santo ou iaô; ver Ouvir. 25 SANT’ANNA, José. Folclore poético: quadras anônimas. Olímpia: Museu de História e Folclore Maria Olímpia, 1997. p. 101. 26 CABRAL, Alfredo do Vale. Achegas ao estudo do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1978. p. 107. 27 Apud: LIMA, Rossini Tavares de. Moda de viola: poesia de circunstância. São Paulo: Laser Press, 1997. pp. 56. 28 MELLO, Antônio de Oliveira. Minha terra: suas lendas e seu folclore. 2. ed. Paracatu: Prefeitura Municipal de Paracatu, 1985. p. 171. Dicionário da Religiosidade Popular

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Abl

Ablução | Abra a Porta, Povo, Que Lá Evém Jesus

ABLUÇÃO | Lavar para purificar ritualmente. Para participar do culto é preciso cuidar da limpeza interior e exterior, tirar o sujo, a doença e o pecado. Para isso existem as fontes nos santuários; ver Banho; Lavagem do santo. w Abluções rituais existem tb. em irmandades do rosário e nos cultos afro-brasileiros; ver Lavagem de igreja. ABÔ | [Do iorubá “àgbo”, infusão de folhas para uso medicinal.] O mesmo que água dos axés. w No candomblé iorubá, água ritual preparada com as ervas dos orixás, maceradas e fermentadas, à qual vai se acrescentando o sangue dos sacrifícios e outros elementos. O abô é guardado numa talha de barro para ser usado em banhos durante a iniciação e em outros rituais; ver Banho de abô. Antes de fermentada, recebe o nome de amaci. w Seu uso existe tb. na umbanda. ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA | A Declaração dos Direitos do Homem (26 de agosto de 1789), na França, reforçou a luta pelo abolicionismo. Na Inglaterra, a escravidão foi abolida em 1833; em Portugal e domínios, em 1869; nos EUA, em 1862. w No Brasil, desde o começo da escravidão, houve escravos que se revoltavam ou fugiam e formavam quilombos, e houve a república de Palmares; ver Zumbi; Revolta dos Malês. w A abolição, assinada em 1888, resultou de um processo lento e gradual durante praticamente todo o séc. XIX; em 1815, foi firmado o tratado no qual Portugal e Inglaterra concordavam em restringir o tráfico ao sul do Equador; em 1826, após a Independência (1822), o Brasil se comprometeu em acabar com o tráfico de escravos dentro de três anos, coisa que não aconteceu; em 1838, acabou a escravidão nas colônias inglesas; em 1845, os ingleses, desde 1843 proibidos de comprar e vender escravos em qualquer parte do mundo, aprovam o Bill (lei) Abeerden, que os autoriza a apreender os navios negreiros com destino ao Brasil; os ingleses tb. pressionaram o governo brasileiro a aprovar a lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico negreiro; em 1871, foi assinada a Lei do Ventre Livre. A campanha abolicionista crescia, contribuindo para desacreditar o sistema escravista, que acabou gradualmente. Houve um movimento de intelectuais a favor da libertação. O baiano Luís Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882), ex-escravo, jornalista e orador, combateu corajosamente o regime escravocrata em São Paulo (SP). O jurista mineiro Agostinho Marques Perdigão Malheiros publicou “A ilegitimidade da propriedade constituída sobre escravos” (1863) e a “Escravidão no Brasil, Ensaio histórico-jurídico-social” (3v.,1866-1867). Considerava a abolição da escravatura “um ato de inteira justiça, de humanidade, e da mais alta conveniência pública; é a aurora da verdadeira felicidade, é o verbo criador da nossa futura sociedade.” (Introd. da obra.); ver Joaquim Nabuco. A partir de 1880, em meio à urbanização, industrialização e aumento do trabalho assalariado, o movimento abolicionista contou com maior apoio popular e foram fundadas associações públicas; ver Sociedade Brasileira contra a Escravidão. Em Mossoró (RN), a emancipação dos escravos ocorreu em 30 de setembro de 1883. Até hoje a cidade celebra a “festa da Abolição” nesta data. No Ceará, os jangadeiros liderados por Francisco José do Nascimento, apoiaram a abolição, ali conseguida em 1884; ver Greve dos jangadeiros; Sociedade Perseverança e Porvir; Sociedade Cearense Libertadora. Em 1885, foi promulgada a Lei dos Sexagenários. Nessa mesma época, Antônio Bento de Souza e Castro organizou os “caifazes”, grupo abolicionista radical que se envolvia diretamente na luta pela liberdade dos escravos. Os próprios escravos, desde junho de 1886, organizavam fugas em massa; ver Quilombo do 28

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Jabaquara. Na província fluminense houve mais de 20 mil alforrias entre 1873 e 1885. Em 1887, o Clube Militar pediu que o exército fosse dispensado da caça aos escravos fugidos. Foi assim que os fazendeiros, grupo forte no governo, se viram obrigados a aceitar o inevitável. w Brasil, Cuba e Porto Rico foram as últimas nações do Ocidente a manter a escravidão. Porto Rico aboliu a escravidão em 1873 e Cuba em 1886; ver Navio Negreiro. w Em treze de maio de 1888, o projeto de lei de Rodrigo Augusto da Silva, aprovado pela Câmara dos Deputados, foi assinado pela regente princesa Isabel anulando a instituição da escravidão e sua legislação. A nova lei foi chamada “Lei Áurea”. w Tb. em 1888, em Bom Jesus da Lapa (BA), uma famosa romaria reuniu, durante oito dias, imensa multidão de ex-escravos vindos do sertão baiano para dar graças ao Bom Jesus pela assinatura da Lei Áurea. w José do Patrocínio convenceu a opinião pública sobre a não indenização dos proprietários de escravos e, enquanto os ex-donos de escravos contratavam mão de obra assalariada, o ex-escravo foi excluído do progresso. Como ficaram os escravos depois da abolição? Esta questão não foi resolvida, teve graves consequências e continua atual; ver Lamento do negro. Em 1883, Joaquim Nabuco escreveu “O Abolicionismo”. w Muitos abolicionistas, intelectuais e populares eram monarquistas. w Hoje, alguns movimentos e grupos associados a festas populares afro resgatam a participação histórica do próprio negro nas lutas pela liberdade. Numerosos ternos de congado e moçambique comemoram a abolição da escravidão no dia treze de maio, quando cantam sobre suas lutas com destaque para a princesa Isabel; ver São Benedito e a princesa Isabel. Imaginamos que os negros do Congo, Angola e Moçambique, que conservam sua identidade lembrando sempre de seus reinados de origem, talvez por isso, não questionem a monarquia; ver Reinados na África. Entretanto, é importante observar que os quilombolas bantos e iorubás do quilombo de Palmares (AL) estabeleceram um sistema político semelhante ao que seria hoje uma república; ver Quilombo; Rei Congo. w >> BUTLER, Kim D. Freedoms Given, Freedoms Won: Afro-Brazilians in Post-Abolition Sao Paulo and Salvador. New Brunswick, N.J., and London: Rutgers University Press, 1998; CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Brasília: INL, 1975; CARDOSO, Flamarion (org.) Escravidão e abolição no Brasil: novas perspectivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1988; SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura - uma investigação cultural. São Paulo: Companhia das Letras, 2003; MATTOS, Hebe; RIOS, Ana Lugão. Memórias do cativeiro, família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. ABORTO | O aborto tornou-se um problema de saúde pública. A prática clandestina do aborto causa anualmente a morte de milhares de mulheres no Brasil; ver Vida. w Estudos recentes feitos nos principais países latino-americanos destacam dois aspectos desta questão: sua dimensão e a omissão por parte das classes dirigentes civis e religiosas. As autoridades sabem que a lei existente é impraticável; para encarcerar mulheres e médicos infratores seria necessário construir inúmeros presídios. Todas as estatísticas são aproximativas devido à ilegalidade e ao sigilo dos abortos realizados em condições desumanas. Não é possível continuar na omissão. É necessário encarar o inevitável, com dignidade. Certamente quem sofre mais com um aborto é a própria mulher. w A prática é tradicionalmente condenada tanto entre os cristãos quanto entre praticantes de várias outras religiões.

Para judeus, cristãos e islamitas a vida é sagrada. Os humanos são criaturas e imagens do Senhor da vida e filhos de Deus, e vêm daí as consequências éticas e os preceitos. Responsáveis pelo progresso da genética e suas possibilidades técnicas avançadas, homens e mulheres procuram situar-se: quando começa a vida de uma pessoa humana? Segundo diversos documentos recentes da igreja, a vida começa na concepção. w Na história popular da porca dos sete leitões, encontrada em várias regiões do Brasil, o aborto provocado é condenado. É considerado um pecado grave. No folheto “A Mãe que botou o Filho na Lata do Lixo” (c.1980), Cezanildo J.A. e Minelvino F.S. escrevem: É infeliz sem capricho/ instinto de bicho bruto/ a mãe que produz um fruto/ e bota na lata do lixo/ como que sacode um bicho/ pra outro bicho comer./ Faz vergonha até dizer/ que u’a mãe pratica isso./ Na casa de Jesus Cristo/ não entra quando morrer.// No tempo da julgação/ quando a força soberana/ suspender a cinza humana/ que está debaixo do chão/ é triste a situação/ de quem não tiver capricho/ apenas ouve um cuchicho:/ Mulher, e cadê os teus?/ Chorando ela diz a Deus:/ Botei na lata do lixo.// É difícil avaliar até onde essas duas condenações sejam representativas no mundo da religiosidade popular. Hoje, dado o grande número de abortos cometidos, esse tema tornou-se polêmico para o povo. De qualquer maneira, seria necessário avaliar a questão do aborto no contexto maior do pensar popular sobre a vida e o sofrimento. w Entre os índios: ver Suicídio. w Ver tb. Controle da natalidade; Gravidez; Pecado social; Nascimento. ABRA A PORTA: CARTILHA DO POVO DE DEUS (Livro) | Cartilha publicada em 1979 (Paulinas. 500 p.); em 2008, após 27 edições, contava cerca de 400 mil exemplares vendidos. w A obra compreende material para 80 reuniões em CEBs, liturgia do culto e da missa dominical, orações para ocasiões diversas e 300 cantos; tb. folias, excelências, benditos e regras do bem viver. Essas regras reúnem provérbios, explicações sobre direitos humanos, estatuto da terra, organização de sindicatos, plantas medicinais e muitos conselhos. Constam dessa cartilha orações das páginas mais usadas das cartilhas do séc. XIX. w A autoria é de um grupo de agentes de pastoral. O nome da obra foi inspirado num canto popular do reis de boi e outro da semana santa. Ambos rezam: Abra a porta, povo, que lá evém Jesus. ABRA A PORTA, POVO, QUE LÁ EVÉM JESUS | Canto da quaresma e da semana santa (Itinga-MG/1972) conhecido em todo o Brasil, com variações: Abra a porta, povo, que lá evém Jesus./ Ele vem cansado com o peso da cruz.// Sai de porta em porta, sai de rua em rua/ Meu Deus da minha alma sem culpa nenhuma.// Hoje tem três dias que procuro Jesus/ encontrei com Ele nos braços da cruz.// De que vale poder com tanta nobreza?/ Se perder o céu, perde toda riqueza.// O peso da cruz é nosso pecado./ Nós queremos ser grandes, somos castigados.// Somos castigados, perdoai, Senhor./ Que será de nós sem vosso favor?// Madalena, depressa. Cireneu, vem ver./ Lá se vai meu Filho, Ele vai morrer.// Que Jesus é meu e eu sou de Jesus./ Jesus vai comigo e eu vou com Jesus.// Em Olímpia (SP), cantam: Abra a porta céu/ que lá evém Jesus/ Ele vem cansado/ c’o peso da cruz.// Vem de braço aberto,/ coração ferido/ quanto sangue derramado/ Senhor Jesus Cristo.// Jesus é meu,/ Eu sou de Jesus,/ Maria vem comigo/ Eu vou com Jesus.//29 A linguagem dramática dos textos faz supor que este canto pertenceu ao teatro litúrgi29 SANT’ANNA, José. Aspectos folclóricos da Quaresma no Município de Olímpia. In: FESTIVAL DO FOLCLORE, 24, 1988, Olímpia. Anuário do 24. Festival do Folclore. Olímpia: [S.n.], 1988. p. 13.


Abracadabra | Ação Católica Brasileira co antigo; ver Auto; Linguagem do encontrar. w Nas secas do interior da Bahia, o bendito Abra a porta é cantado nas procissões de penitência para pedir chuva. Em Paratinga (BA), cantam: Abra a porta, Pedro,/ que la evém Jesus/ etc.// Estas procissões vão de cruzeiro em cruzeiro. (Inf.: Carlos Fernando Filgueiras de Magalhães, Paratinga-BA/1999.) w Em algumas casas do candomblé de caboclo, do jarê e da umbanda (RJ e MG), este bendito do Senhor dos Passos virou ponto de Oxalá velho, ou Oxalufã; ver Mesa de Santa Bárbara. ABRACADABRA | Antiga fórmula mágica, talvez derivada de Abraxas ou surgida das quatro primeiras letras do alfabeto. Compare com a palavra a-be-ce-dário. Às vezes, é encontrada num triângulo preenchido com suas letras. Na religiosidade popular não é um termo frequente. w Palavra que desencadeia um truque mágico em espetáculos. w Palavreado confuso. ABRAÇO | Gesto importante que faz parte da comunicação entre as pessoas. No abraço há contato corporal, as pessoas se tocam, se apertam, se olham e se cheiram. O abraço faz parte da cultura brasileira. Verso de roda (Araçuaí-MG): Da laranja eu quero o tampo/ Da lima eu quero um pedaço/ Da sua boca eu quero um beijo/ Do seu corpo quero um abraço.// Um batuque associa o engenho de cana ao abraço humano (Araçuaí-MG/1975): O engenho novo ‘tá moendo/ Eu quero ser seu amor sinhá/ Moe a cana e esfarinha o bagaço/ Na volta do “braço” (peça do engenho) me dê um abraço.// w No mundo moderno, da comunicação eletrônica, o abraço não pode desaparecer. w Existem abraços rituais: entre compadres na festa de São João, entre devotos e foliões do Divino ou dos santos reis, abraços de paz entre os cantadores de desafios na festa da santa cruz, entre mouros e cristãos. Outros tantos abraços são dados nas irmandades de Nossa Senhora do Rosário e nos cultos afro-brasileiros. ABRAXAS ou ABRASAX | Palavra presente em livros esotéricos e cabalísticos que lhe atribuem várias explicações. w Originalmente, Abraxas é o misterioso nome divino encontrado nos escritos do gnóstico egípcio Basílides (séc. II). As sete letras de Abraxas significariam o número 365, explicado como riqueza de espírito, ou 365 manifestações da divindade durante o ano. Mais tarde, passou a representar certa pedra com símbolos gnósticos entre os quais está o pentáculo; ver Cabala. ABREVIAÇÕES | Abreviações como I.H.S., X.P.T.O, I.N.R.I., J.M.J., S.A.T.G., P.N., A.M. podem ter um significado enigmático e sagrado; ver Letra. ABRIR | Dar acesso: abrir o coração, abrir os olhos. Acessar: abrir a porta, o cofre, o sacrário, o oratório. Abrir uma cova, uma escola, chagas; ver Abrir e fechar; Chagas abertas, coração ferido. w Numa abertura, valores ficam expostos, mistérios são vislumbrados, segredos revelados, crimes descobertos. Criam-se formalidades legais contra invasões ou roubos. É preciso proteger a privacidade. Algumas aberturas exigem cuidados, outras vêm acompanhadas de delicadezas. Há rituais de abertura, alguns solenes. w São Pedro tem a chave do céu. A expr. “Foi um céu aberto!” indica grande felicidade. w Na missa conga, há o canto que pede a abertura da porta da igreja para que entre o povo negro. w Começar: abrir o jogo, o diálogo, abrir a mesa; no ofício divino, “abrir os lábios” significa iniciar a oração da manhã (matinas ou laudes): “Abri os meus lábios ó Senhor; minha boca anunciará vosso louvor.” O mesmo acontece em ofícios populares. No ofício das almas: Abrirei meus lábios/ em tristes assuntos/ para sufragar/ aos fiéis defuntos.// No ofício de São Francisco: Abrireis meus lábios/ com respeito tanto,/

aos justos louvores/ de Francisco Santo.// No ofício do Senhor Bom Jesus dos Passos: Abramos os lábios/ com divina luz,/ louvemos os passos/ de Cristo Jesus.// ABRIR A MESA | Iniciar trabalhos de adivinhação. Além da preparação do jogo usado, a abertura poderá incluir alguma oração. ABRIR A PORTA | O abrir da porta faz parte dos rituais das folias; ver Chegada; Abrir e fechar; Linguagem do encontrar. w Ao visitar uma casa, o reisado de São Raimundo Nonato (PI/2001) canta: Abri-nos a porta/ que nós quer entrar/ Senhor dê licença na sala cantar.// Entramos, entramos/ com muita alegria/ Vamos dar louvor/ é a Virgem Maria.// Entramos, entramos/ com amor e fé/ Vamos dar louvor ao Senhor São José.// Entramos, entramos/ com amor e luz/ Vamos dar louvor/ ao Senhor Bom Jesus.// (Comunidade de São Victor.) Em Caracol (PI), os reiseiros cantam: Vós ‘mincê’, dona da casa,/ abra a porta e saia fora/ Meteu a chave na porta/ retiniu mais de uma hora.// Porta aberta mesa franca/ recebeis com alegria/ É como a Virgem Maria/ recebeu seu bento Filho.// ABRIR E FECHAR | Abrir portas e janelas para o ano-novo entrar; ver Abrir a porta. w Oração para abrir uma porta fechada: ver São Marcos. w O senhor São Pedro abre a porta do céu; ver Chave. w Nas novenas e terços populares, aparecem cantos para abrir e para fechar o oratório. w Quem anda de “corpo aberto” é vulnerável. Existem rituais para fechar o corpo; ver Amarrar e soltar. w Em Contagem (MG), o capitão do congado dirige a Nossa Senhora do Rosário e ao rei congo a seguinte embaixada: Oh, Rainha Senhora e meu Rei Sinhô/ êta dois nome adorado,/ o nome de Rei e Rainha Senhora!/ Chegô na porta do céu,/ Estava trancado/ com cadeado de bronze./ O cadeado arrebentô,/ caiu no chão/ o chão tremeu,/ a terra geme./ Nossa Senhora disse:/ ‘Entra, meu filho,/ vem vê o rosário de Maria.’/ Hoje chegou o nosso dia/ com prazer e alegria/ Viva o rosário de Maria.//30 w Nos cultos afro-brasileiros, é o guardião (Exu, Nzila, Aluvaiá, Bará) quem abre ou fecha os caminhos. w Ver tb. Horas Abertas. ABSINTO | Planta cheirosa proveniente da Europa; uma espécie de losna. w Na umbanda, usada para afastar maus espíritos. Para o mesmo fim, usam arruda, alho, artemísia e espada-de-são-jorge. ABSTINÊNCIA | Privação voluntária; ver Abstinência da carne; Austeridade. Em 1998, a bula papal “Incarnationis Mysterium” recomenda, para o ano inaugural do terceiro milênio, a abstinência do fumo e do álcool como gesto de solidariedade com os necessitados. w Em sinal de respeito, muitos casais populares não mantinham relações sexuais nas sextas-feiras da quaresma; ver Quinta-feira santa; Celibato; Castidade. w Os penitentes de Juazeiro (BA) observam a abstenção do ato sexual durante três dias após a autoflagelação. É crença, entre os disciplinadores, que as feridas que não cicatrizam espontaneamente resultam do não cumprimento desta abstenção.31 ver Disciplina. w A prof.a Eugênia Dias Gonçalves, de Belo Horizonte (MG), ouviu dos congadeiros: Os capitães-mestres não podem fazer sexo sete dias antes da festa. Se ele desobedecer, vai chegar a lamba (desgraça, palavra que se evita falar em qualquer língua). Fazer sexo deixa a pessoa com o corpo aberto e nestes dias de rituais internos e externos, o ar está impregnado de forças, os capitães de outros reinos 30 GOMES, Núbia Pereira de Magalhães; PEREIRA, Edimilson de Almeida. Negras raízes mineiras: os Arturos. Juiz de Fora: EDUFJF, 1988. p. 275. 31 ARAÚJO, Nélson de. Pequenos mundos: um panorama da cultura popular da Bahia. Salvador: UFBA/ EMAC, 1986. t.2: Litoral Norte/ Nordeste, o São Francisco, Chapada Diamantino e Serra Geral da Bahia. p. 114.

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chegam carregados de força e quem infringiu as regras fica sem condições de resisti-las.32 ver Congado. Tb. os brincantes do maracatu rural de Nazaré da Mata (PE) praticam a abstinência sexual. ABSTINÊNCIA DE CARNE | Costume de não comer carne; ver Tabu alimentar. w Um dos cinco tradicionais mandamentos da igreja era não comer carne nas sextas-feiras da quaresma, a partir dos 7 anos. Hoje esta forma de fazer penitência foi reduzida à quarta-feira de cinzas e à sexta-feira santa, a partir 14 anos, mas muita gente continua cumprindo o antigo mandamento substituindo a carne por peixe ou ovos; ver Bacalhau; Bula da santa cruzada. ABUNDÂNCIA | O mesmo que fartura. w Abundância socializada: ver Festividade estruturante. ABUSÃO (BUSÃO) | Superstição. w No Brasil e em Portugal, fala-se das "abusões do povo". ABUSO | Aviso para quem abusa: Com Deus não se brinca. w A velha rezadeira Luiza Teixeira Ramalho disse à sua irmã Rufina, então com 80 anos, que passava mal após uma caminhada de duas léguas na chapada (Araçuaí-MG/1978): Não se pode abusar da bondade de Deus! w Ver tb. Simonia; Abusão. ACABÁ | ver Akabá. ACAÇÁ | [Do fon “akasá”.] Bolinho feito de arroz ou milho macerado. Depois de cozido, é enrolado em folha de bananeira; comida afro-baiana. w Refrigerante feito de fubá mimoso fermentado em água com açúcar. w No candomblé iorubá, comida de santo servida para Oxalá, Nanã, Iemanjá, Ibeji e tb. para Exu. ACADEMIA MARIAL NACIONAL | Foi instalada em 1985, por ocasião do XI Congresso Eucarístico Nacional em Aparecida do Norte (SP), e funciona na basílica. “Estuda e divulga os conhecimentos de Nossa Senhora numa extensão mais científico-histórico-cultural do que propriamente devoto-cultual”.33 ACALMAR | Para acalmar criança nervosa existem banhos, preces e simpatias. w Tb. existem orações para amansar inimigos ou acalmar animais. ACALANTO | Cantiga de ninar. O termo “acalanto” não é popular. AÇÃO | Realizar alguma coisa. É fazendo que se aprende, pois surge a experiência repetida. O saber possibilita a ação planejada e a prática refletida. Agir e saber enriquecem-se mutuamente. w No entender de Paulo Freire, a educação pretende fazer o homem sujeito de sua ação, isto é, torná-lo capaz de assumir plenamente a sua condição de cidadão, de assumir compromissos e ser por eles responsável. 34 w A ação humana transforma o mundo: ver Cultura; Trabalho. w A simpatia é uma ação de teor mágico; ver Trabalho (3). w Ver tb. Ação de graças; Projeto social alternativo. AÇÃO CATÓLICA BRASILEIRA | A “ação católica” começou na Itália, em 1922, como mobilização dos leigos durante o surgimento do fascismo. w Sugerida pelo papa Pio XI, foi fundada no Brasil em 1929 pelo cardeal dom Sebastião Leme da Silveira Cintra (1882-1942). Finalidade: organização da missão do leigo católico na igreja e no mundo. Esta militância católica teve grande importância social e política e era bastante ligada ao episcopado. Seus militantes desejavam “restaurar tudo em Cristo”; ver Evolução. De 1934 a 1945, foi presidida pelo pensador católico Alceu Amoroso Lima. Os novos estatutos (1959) reforçaram as especializações: juventude estudantil ca32 GONÇALVES, Eugênia Dias. Identidade Negra e Religião. FUNDAC INFORMA. Belo Horizonte, ano 2. fev./1995. p. 2. 33 MAIA, Antônio. CM. Pequeno dicionário de Nossa Senhora. Belo Horizonte: O Lutador, 1986. p. 17. 34 Apud: VIOLA, Solon Eduardo Annes. Direitos humanos. In: STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José. (orgs.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autênticas, 2008. p. 134. Dicionário da Religiosidade Popular

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Aca

Ação da Cidadania Contra a Miséria e pela Vida | Aço

tólica (JEC), juventude operária católica (JOC) e juventude universitária católica (JUC). Em 1960, surgiu a ação católica operária (ACO). Pelo seu método, ver, julgar e agir, ligava a Bíblia à vida. Em boa medida, a Ação Católica fez a igreja aproximar-se da questão social; ver Associação. Após 1964 foram dissolvidas as diversas equipes nacionais, mas o espírito e a prática da ação católica brasileira continuam presentes na atuação de movimentos da igreja como a pastoral operária e a pastoral universitária; ver Esquerda. w A Ação Católica passou por problemas internos. Em 1999, dom José Maria Pires escreveu: "O problema era que a Ação Católica fora definida pelos Papas como a participação dos leigos no apostolado hierárquico da Igreja. A hierarquia não tinha condições de dar, numa opção política correta, o passo que o laicado católico estava dando. (...) Nessa época, jovens universitários da Paraíba me procuraram pedindo não só apoio moral, mas também participação pessoal em uma de suas lutas políticas. Eu lhes observei que, embora concordando com a posição deles, não julgava dever participar diretamente das ações propostas. Deviam contentar-se com meu apoio moral. Eles não se convenceram nem me convenceram. Ao deixarem a residência episcopal, registraram seu inconformismo com minha atitude gravando, com carvão, na parede externa da casa, os seguintes dizeres: O Bispo Quer Luta Abstrata.”35 Ver tb. Romanização; Comunidade eclesial de base; Sociedade Perfeita; Igreja e política. w >> LIMA, Alceu Amoroso. Pela Ação Católica. Biblioteca de Ação Católica, 1. Rio de Janeiro: Empresa Ed. ABC Ltda., 1935; LIMA, Alceu Amoroso. Elementos da Ação Católica. Rio de Janeiro: A.M.C., 1938; DALE, Romeu. OP. (org.) A Ação Católica Brasileira. Coleção Cadernos de História da Igreja no Brasil, 5. São Paulo: Loyola/CEPEHIB, 1985; BEOZZO, José Oscar. Pe. Cristãos na Universidade e na Política. Petrópolis: Vozes, 1984. AÇÃO DA CIDADANIA CONTRA A MISÉRIA E PELA VIDA | Ação inspirada e liderada pelo sociólogo Herbert de Souza, conhecido como “Betinho” (1935-1997). Desde 1992, o movimento interpela cada cidadão sobre os fundamentos de nossa constituição como povo criador e senhor de direitos humanos e exige ações concretas. Olha os problemas do país a partir dos valores éticos e dos princípios democráticos do convívio humano. Visando a garantir os direitos da cidadania para todos, estabelece como prioritário acabar com a fome e a miséria, distribuir alimentos e renda, criar condições de trabalho digno e dar acesso aos recursos da sociedade. Isso tudo questiona a lógica do desenvolvimento, e nos faz lutar para que os cidadãos sejam os verdadeiros atores e beneficiários do desenvolvimento; ver Ética; Terceiro mundo. AÇÃO DE GRAÇAS | Cerimônia pública e solene de agradecimento; ver Rezar. w Todo "obrigado" tem uma história.36 w Jesus reuniu seus apóstolos para uma ação de graças especial na Última Ceia. "Eucaristia” significa ação de graças; é a celebração da memória desta ceia e de tudo o que ela representa. w Nas grandes festas religiosas, era tradição cantar no final da missa o canto do te-deum, “em ação de graças”. w A ação de graças é dada principalmente a Deus. A toda hora se diz: graças a Deus. w Na imprensa, faz-se publicação de graças recebidas por meio de pequenos anúncios; ver Promessa. w Uma popular ação de graças acontece no final do Círio de 35 PIRES, José Maria. Dom. Cultura, igreja, liberdade. Coração informado, n.3. Belo Horizonte: PUCMG/Instituto Jacques Maritain, 1999. pp. 8-9. 36 Expressão do monge beneditino Marcelo Barros, no Curso de Liturgia, na Faculdade da Assunção de Ipiranga, em São Paulo (SP), 1981. 30

Dicionário da Religiosidade Popular

Nazaré. w Ver tb. Dia Nacional de Ação de Graças. AÇÃO PASTORAL | O cristão deve agir com inteligência e coerência, evitando oportunismo e esperteza. O agente de pastoral está a serviço do povo de Deus; ver Ministério. Respeitar a religiosidade popular é essencial na ação pastoral. w A pastoral carece de organização. É preciso definir objetivos e prioridades. Em outras palavras, a ação pastoral da igreja necessita de um projeto claro e de um planejamento viável. O agente competente tb. deve saber improvisar. w O Plano de Pastoral de Conjunto da CNBB é um importante exemplo de ação pastoral organizada; ver Campanha da Fraternidade; Opção pelos pobres; Evangelização. w Em 2011, na diocese de São José dos Campos (SP), foi publicado um folheto com todas as comissões, pastorais e movimentos pastorais existentes na catedral de São Dimas. Nesta paróquia existem as seguintes comissões: (1) para o laicato, vida e família; (2) para a ação missionária e cooperação intereclesial; (3) para animação bíblico-catequética; (4) para liturgia; (5) para o ecumenismo e diálogo inter-religioso; (6) para o serviço da caridade, justiça e paz; (7) para cultura, educação e comunicação social; (8) para os movimentos eclesiais, novas comunidades e associações. Num total de 51 grupos, equipes e movimentos tradicionais e recentes, destacamos: encontros de casais, defesa da vida, dízimo, pastoral dos edifícios, equipes de liturgia e acolhida, ministros extraordinários da eucaristia, da bênção e do consolo, coral, evangelização/discipulado, catequese para todas as idades, pastoral da saúde, pastoral da sobriedade, campanha da fraternidade, vicentinos, apostolado da oração, clube da vovó, mutirão popular, movimento carismático e obra assistencial; ver Ação social. w Eventos (festas, romarias) podem ter resultados permanentes e, até, trazer mudanças estruturais para a igreja, povo de Deus. No Círio de Nazaré de 2007, dom Orani João Tempesta, arcebispo de Belém, expôs com clareza os objetivos da ação da igreja nesta festa. w Ver tb. Conflito pastoral. AÇÃO SOCIAL | Atuar numa sociedade em transformação. Trabalhar as questões sociais, tais como: miséria extrema, desigualdade, baixa escolaridade em grande parte da população, inacessibilidade aos tratamentos de saúde para pessoas menos favorecidas, discriminação por sexo, raça ou religião, violência doméstica e urbana, violência sexual, corrupção no poder público; ver Projeto social alternativo; Serviço social; Política social. w No Brasil colonial, várias irmandades mantinham obras sociais; ver Irmandade (em São Paulo); Obras de misericórdia. Hoje, dioceses, paróquias e congregações religiosas praticam a ação social de vários modos; ver Ação pastoral. Tradicionalmente, obras filantrópicas não pagam imposto. w O engajamento da igreja oficial em grandes obras sociais pode ser questionado; ver Revelação; Assistencialismo; Neoliberalismo. w >> NOVAES, Regina. (ed.) Pobreza e trabalho voluntário: estudos sobre a ação social católica no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: ISER, 1995. ACARAJÉ | [Do iorubá “àkàrà”, bolinho de feijão, e “jë”, comer.] Bolinho feito de feijão-fradinho amassado, frito em azeite de dendê e servido com molho de pimenta e camarão. Comida afro-baiana: ver Cozinha nagô. w No candomblé iorubá, comida de santo servida a Iansã e Obá, naturalmente sem pimenta nem camarão. Tb. é oferecida a Oiá, Xangô, Oxum e Exu. O acarajé de Oxum pode conter camarão seco moído. w Em candomblé banto: comida de Ngurucema; ver Candomblé banto (entrevista). ACAUÃ (CAUÃ, MACAUÁ, UACAUÃ) | Ave noturna de mau agouro. Uma espécie de gaviãozinho que vive em pequenos bandos e come cobras. w Gabriel Soares de Sousa escreveu em "Tratado Descritivo do Brasil em 1587”: “Quando o gentio vai de noite pelo mato que

se teme das cobras vai arremedando estes pássaros para as cobras fugirem.”37 w Osvaldo Orico escreveu: "O lúgubre e arrastado gemido desta ave, ecoando na mata, deflagra uma enfermidade nervosa que se conhece pelo nome de ‘cantar de acauan’.” Apontam-se vários casos em Faro (PA) e Parintins (AM).38 w Bernardo Elis escreveu: "Pelos morros eram as acauãs, com o mais rouquenho grito de maldição: cauã, cauã! Os soldados ouviam e se benziam. As mulheres balbuciavam uma jaculatória. Era sinal de mau agouro”.39 w Em Goiás, observa-se: "Acauan, quando canta perto da casa, pressagia a morte e a desgraça. Chama a seca para o sertão. Para conjurar o agouro, ‘queima-se-lhe o bico’: toma-se um tição em brasa, aponta-se no rumo do canto, e reza-se um Creio em Deus Padre”.40 w A expr. “Acauã morreu na mão dele” significa sujeito seguro, avarento. ACHIRÉ | [Do iorubá, “wá ÿiré”, vir brincar.] No candomblé iorubá, fim do transe num filho de santo. ACIDENTE DE TRABALHO | □ O Brasil tem um dos piores índices de acidentes de trabalho em todo o mundo. A busca do lucro máximo é responsável pelas condições do trabalho em ambientes perigosos e nocivos à saúde do trabalhador. Causas de acidentes: desprezo do patrão pelo trabalhador, ganância do rico e despreparo do trabalhador; ver Capitalismo. w A hora do perigo é um dos momentos religiosos; ver Desastre. w Entre os ex-votos deixados nas salas de milagres há inúmeros relacionados a acidentes de trabalho; ver Risco de morte. w Um acidente de trabalho com um carro de boi está ligado às origens da romaria do Divino Pai Eterno, em Trindade (GO). ACIDENTE DE TRÂNSITO | Lamentavelmente, no Brasil, 40 mil pessoas morrem anualmente em acidentes de trânsito (2011). A metade das mortes é provocada pela ingestão de bebidas alcoólicas. Outras causas: excesso de velocidade, imprudência e péssimas estradas. w À beira das estradas, o lugar de um acidente fatal é marcado por uma cruz. Muitos motoristas carregam no carro um terço ou um São Cristóvão pequenino e rezam nas capelinhas ao longo das rodovias; procuram a proteção divina ao viajar; ver Anjo da guarda. Outros, para escapar de ciúme, ódio e mau-olhado, penduram um chifre ou uma figa na traseira do seu caminhão. w Sempre aparece alguém que coloca uma vela acesa ao lado da vítima que jaz morta na rua ou na estrada. É uma vela-guia para aquela alma. w Muitos ex-votos, deixados nas salas de milagres dos grandes santuários, relatam como pessoas se salvaram de acidentes de trânsito, com a graça de Deus. Em Congonhas (MG), no santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, encontramos a mensagem: “Barroso, 14 de setembro de 1994: Fui atropelado em São Paulo, quebrei as duas pernas e quase faleci na cirurgia por problemas anestésicos. Minha esposa pediu ao Senhor Bom Jesus e fiquei curado. R.N.”41 ver Desastre. w Na 25ª romaria estadual de motociclistas em Farroupilha (RS), em 18 de maio de 2003, havia 12 mil motos na procissão em honra de Nossa Senhora de Caravaggio, e todos os participantes ergueram seus capacetes pedindo a proteção divina nas viagens. AÇO | Várias orações contra os inimigos contrapõem o ferro ao aço, p.ex., (MG): Você é o ferro, eu 37 SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descriptivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. p. 271. 38 ORICO, Osvaldo. Mitos ameríndios e crendices amazônicas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p. 126. 39 ÉLIS, Bernardo. O tronco: romance. São Paulo: Martins, 1956. p. 75. 40 TEIXEIRA, José de Aparecida. Folklore goiano: cancioneiro, lendas, superstições. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. pp. 423 e 427. 41 Apud: VITARELLI, Flávio. Turismo religioso: jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos Congonhas do Campo. 1997. Monografia. (Especialização) Universidade Federal de Ouro Preto. p. 144.


Acorda Maria | Acordar

Aco

ACIDENTE DE TRABALHO: EX-VOTO, UMA PROVA DE FÉ. (APARECIDA DO NORTE-SP, 1975)

sou o aço./ Com dois você me vê, com três eu te embaraço./ Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.// w Vera Guimarães, de Olinda (PE), registrou uma oração contra mau-olhado: Leva o que trouxeste,/ Deus me benza com a Santíssima Cruz (fazer o sinal da cruz)/. Deus me defenda dos maus olhos e maus-olhados/ e de todos os males que a mim desejar (†)//. Tu és o ferro, eu sou o aço (†),/ tu és o demônio e eu te embaraço (†),/ em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Amém. (†)//42 ver Envultar-se. w Faca de aço: ver Vara boleante para castigar o demônio. ACORDA MARIA | Faz mal beber água de noite (RJ e Nordeste) sem primeiro tocar com a mão na água e dizer três vezes: Acorda, Maria!; ver Redemoinho. Na convicção de muitos, faz mal beber água depois de meia-noite sem acordá-la. w A mesma convicção encontramos em Portugal: "Não se deve beber depois da meia-noite sem primeiro a acordar. Quer dizer: baldeá-la com o caneco ou copo, pois a água está a dormir e faz mal o bebê-la sem a despertar."43 No Concelho de Loulé, tb. em Portugal, Idália F. Custódio anotou: “Nunca devemos beber água, à noite, quando acordamos, sem abanar o copo, porque pode fazer mal. Primeiro, diz-se: ‘Jesus’, e depois abana-se o copo, três vezes, e diz-se: Acorda, Maria, acorda!”.44 w No Nordeste brasileiro, Gonçalves Fernandes encontrando o mesmo costume, vê nele a presença das religiões de origem afro, onde Maria, identificada com Oxum, dona das águas doces, estaria dormindo na água.45 42 Apud: SOUTO MAIOR, Mário. Orações que o povo reza. São Paulo: IBRASA, 1998. p. 107. 43 BRAGA, Alberto V. De Guimarães: tradições e usanças populares. Esposende: Esposendense, 1924. p. 95. 44 CUSTÓDIO, Idália Farinho; GALHOZ, Maria Aliete. Memória tradicional de Vale Judeu. Loulé: Câmara Municipal, 1996. v. II. p. 234. 45 FERNANDES, Gonçalves. O folclore mágico do nordeste: usos costumes, crenças e ofícios mágicos das populações nordestinas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938. pp. 82-83.

ACORDA POVO | Tb. chamada bandeira de são joão. w Em Pernambuco, festa religiosa de muita alegria na véspera de São João, que pode incluir o banho do santo. No Recife e em outras cidades de Pernambuco, é realizada em uma das procissões nas quais ainda se dança. Um dos cantos reza: Acorda, povo,/ que o galo cantou/ é São João/ que anunciou.// Que bandeira é essa/ que vamos levar/ é de São João/ para festejar.// Se São João soubesse/ quando era seu dia/ descia do céu/ com prazer e alegria.// A festa termina com uma comemoração na casa dos padrinhos do cortejo escolhidos anualmente. Em Recife (PE), nesta festa de São João Batista, uma parte do povo identifica o santo com Xangô. ACORDAR | Deus fez o galo para acordar os homens; ver Caju. w Para acordar na hora certa e sem despertador basta dizer: São Pedro, me acorde tal hora! (Inf.: Laury Cristiny B. Pereira, Fortaleza-CE/1997.) ver Amanhecer; Bênção; Relógio. w Na hora de levantar, muita gente costuma fazer o sinal da cruz; ver Pelo-sinal; Salvação do dia. w Acordar cedo para trabalhar: ver Madrugada; Roda de São Gonçalo em Goiás. w Há festas, p.ex., a festa do Divino, que acordam o povo com a alvorada; chamam os cristãos para a festa e a louvação. w Alguns congados iniciam a festa do rosário com a matina. w Levantar do sono é uma expressão associada à conversão, principalmente na quaresma e na encomendação das almas. Na semana santa em Porteirinha (MG/2009), registrou-se o bendito: Bendito e louvado seja/ a paixão do redentor/ para nos livrar das culpas/ morreu em nosso favor.// Acorda, pecador, acorda,/ do sono em que está dormente/ lembra-te das benditas almas/ que estão no fogo ardente.// ver Alimentação das almas; Recomendação; Pecador agora é tempo; Alerta pecador; Injustiça. w Na noite de sexta-feira santa, o povo de Itinga (MG) canta: Quem tiver

dormindo acorda,/ vamos adorar Jesus.// ver Adoração da santa cruz; Bendita e louvada seja a paixão. w Segundo a tradição (cf. Lc 2,8-20), anjos acordaram os pastores nos arredores de Belém para anunciar-lhes o nascimento de Jesus: ver Pastorinhas em Pacoval (PA). As pastorinhas e os reis magos de hoje vão acordar o povo. Mello Moraes Filho (18441919) registrou, na Bahia, o canto de chegada de um rancho natalino: Do letargo em que caístes/ acordai, nobres senhores,/ vinde ouvir notícias belas/ que vos trazem os pastores.// Nesta noite tão ditosa é bom que vós não durmais/ porque tão alta ventura/ não é justo que percais.//46 ver Reisado. A folia dos santos reis tem versos para acordar os moradores de uma casa (Itanhaém-SP): Acordai se estais dormindo/ este sono tão profundo./ Acordai e vinde ver/ as maravilhas do mundo.//47 Outros cantam (SP): Acordai quem está dormindo/ levantai quem está acordado/ Venha ver o Deus menino/ na sua porta parado.// ver Flor da laranjeira. w Nas festas juninas: São João está dormindo, São Pedro está acordado: ver São João Batista; Sarandagem; Capelinha-de-melão; Folia de Santo Antônio. w Uma oração popular de Santo Agostinho diz: “Enquanto estou acordado, penso em Deus.” w Para a hora de dormir, encontramos em Betim (MG/1981), as palavras: Senhor, meu Jesus Cristo/ minha alma vos entrego./ Se eu morrer, alumiai-me/ Se eu viver, acordai-me. ver Com Deus me deito; Benzer. w Por ocasião da morte de parentes e amigos é costume passar a noite acordado: ver Vigília; Louvor de anjo no vale do Jequitinhonha. Vigília para agradecer uma graça recebida: ver Velação. w Acordar com o pensamento na mulher: ver Santa 46 MORAES FILHO, Mello. Festas e tradições populares do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979. p. 59. 47 RANGEL, Zilda Moreira. Natal em família. In: BOLETIM do Museu de Folclore Rossini Tavares da Silva. dez./1992. Dicionário da Religiosidade Popular

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Aco

Acordeão | Adão

Barbosa. w Duas frases de para-choque dizem: A esperança é o sonho do homem acordado. // Dormiu no volante, acordou na eternidade.// w A morte é um sono do qual não acordamos; ver Despedida; Sepultura. w Orações de fechar o corpo pedem para não morrer dormindo nem acordado; ver Oração contra os inimigos; Medo. w "Acordar" tem um significado figurativo: ficar esperto, começar a compreender, mexer-se; ver Simples; Princesa Isabel; Treze de maio. Na capoeira angola, grão-mestre Dunga cantou (Belo Horizonte-MG/2000): Acorda povo, é hora, gente,/ jogo de pau está matando muita gente.// A gente planta uma cultura/ aí vem eles, quer tirar o que é da gente.// Acorda povo, é hora, gente,/ a capoeira tá matando muita gente.// Acorda, pai, acorda, mãe,/ jogo de pau está matando muita gente.// w Acordar a plantação: ver Eclipse; Lua. w Acordar a água depois da meia-noite: ver Acorda Maria; Rio. w Acordar o deus que morreu no solstício: ver Toco de São João. ACORDEÃO | Órgão portátil de palhetas inventado pelo alemão Frederico Buschmann, em 1822. w O mesmo que sanfona, harmônica; tb. fole ou gaita (RS). w Chegou ao Brasil na primeira metade do séc. XIX. O sanfoneiro nordestino Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989) trouxe o instrumento para o primeiro plano na música popular brasileira. O músico paraibano Sivuca (Severino Dias de Oliveira, falecido em 14 de dezembro de 2006) recebeu o apelido de diabo louro da sanfona e contribuiu para a valorização do acordeão. w O acordeão de oito baixos é conhecido como pé de bode. w É usado em folias, congados, catupés, quadrilhas e na festa da santa cruz; ver Polifonia popular. w Entre os descendentes de alemães no Rio Grande do Sul, é comum o uso da gaita e do violão em celebrações nas igrejas, p.ex., na comunidade de Santa Cecília, no município de Cerro Largo (RS). AÇORES | Vários elementos da religiosidade brasileira tiveram origem em Portugal: a festa do Divino no Maranhão, marujos, a espiritualidade dos oratorianos, pão-por-deus e a devoção do Santo Cristo; ver Mesa do Divino Espírito Santo; Erisipela. Em Itajaí (SC), a grande festa da marejada une a culinária açoriana ao pescado do Brasil. w Ver tb. Colonização; Gado; Marquesa. w >> BRAGA, Teófilo. Cantos populares do Arquipélago Açoriano. Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 1982 (cf. ed. de 1869); BARCELOS, J.M. Soares de. Dicionário de falares dos Açores: vocabulário regional de todas as ilhas. Coimbra: Edições Almedina, 2008. ACOSSI SAPATÁ | Em candomblé jeje no Maranhão, vodum das doenças de pele. w Em candomblé iorubá: ver Obaluaiê. w Identificado com São Lázaro. ACRÓSTICO | De alguns manuais antigos religiosos consta um acróstico do nome de Maria. w Ver tb. Letra. AÇÚCAR | [Do árabe “as-sukkar”.] Os grandes engenhos costumavam possuir uma bonita capela ao lado da casa-grande; ver Cana-de-açúcar. w Desde o final do séc. XIX, os antigos engenhos de madeira vêm sendo substituídos pelas usinas. w O açúcar é muito usado nas doenças da garganta e do peito. Manoel Diégues Júnior assinala o seu uso no Nordeste para tratamento de tuberculose, rouquidão, gripe, sarna e hemorragias nos olhos. w É tb. usado em doces como alfenim e manjar, distribuídos aos organizadores e atores das cerimônias religiosas da semana santa, da festa do Divino e outros rituais do povo. w >> FREYRE, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997; RIBEIRO, Joaquim. Folclore do Açúcar. Rio de Janeiro: Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1977. ACUDIR | Sinônimo de salvar e ajudar. w A expr. “foi 32

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um Deus nos acuda” indica uma aflição geral. w Oração (Divinópolis-MG): Com Deus me deito, coberta me cobre./ Se a morte vier, Nossa Senhora me acode.// ACULTURAÇÃO | O conceito surgiu na Alemanha, no início do séc. XX, e se referia à mudança de um sistema cultural por causas externas. A partir de 1928, passou a ser usado por antropólogos anglo-saxões.48 w Nos EUA, o termo inicialmente significava "a modificação de uma cultura primitiva pelo contato com uma cultura avançada”.49 Mas, acabou por significar a adaptação de certa cultura a outra que se impõe com arbitrariedade, como na colonização. Trata-se de um conceito ultrapassado, dados os preconceitos raciais e culturais que sugere. w Atualmente, a igreja católica usa o termo "inculturação”, visando a uma evangelização que busca a encarnação da palavra de Deus na vida de um povo; ver Cristianização. w O prof. Carlos A. Moreira Azevedo disse, no fim do congresso “Missionação Portuguesa e Encontro de Culturas” (1993): "A adaptação missionária foi substituída pela indigenização, aculturação, contextualização e, finalmente, inculturação, que também já começa a ser esquecida em favor da evangelização das culturas. Todo este morrer e erguer de palavras esconde um novo modo de ser e construir a Igreja, porque só gente realmente convertida pelo Evangelho pode ser autenticamente missionária".50 w Em outro sentido, quem vai morar em outro país passa necessariamente por um processo de aculturação; ver Enculturação. w Ver tb. Linguagem; Transculturação; Eclesiocentrismo. w >> RAMOS, Arthur. A aculturação negra no Brasil. São Paulo: Comp. Ed. Nacional, 1942. (As duas partes do livro tratam da herança do negro e da assimilação e aculturação no Brasil.) AD IESUM PER MARIAM | [Latim, a Jesus por Maria.] Lema da congregação mariana desde sua origem, em 1563. ADÃO | □ O primeiro homem, portanto não nascido, mas criado por Deus (Gn 1 - 2); ver Alma de Adão. Adão, feito de barro e do sopro de Deus Criador, afastou-se de Deus. w Às vezes é chamado Santo Pai da humanidade. Existem imagens de Santo Adão. w A moda de viola da criação do mundo, registrada em Goiás, diz: Este mundo foi criado/ por um grande onipotente/ Deus formou ele em seis dias/ e fez tudo diferente/ fez os campo e fez os mato/ fez tudo quanto é vivente/ Fez Adão e fez a Eva/ e pôs no mundo pra semente.//51 w O cearense Patativa do Assaré disse: No mêrmo tempo que Deus/ fez o céu, o má e o chão,/ fez também de barro o home/ que é justamente esse Adão;/ Ele era um belo vivente,/ santo, fié, inocente/ mas depois foi traiçoêro/ fez uma grande desorde/ pru que não cumpriu as orde/ do nosso Deus verdadêro.//52 w O poeta João Martins Athayde, no folheto “O Valor da Mulher”, escreveu: A primeira pessoa da Trindade/ como Pai Criador teve a lembrança/ de dar sua aparênça e semelhança/ a Adão como prova de amizade/ e se Deus quis dar essa sumidade/ a Adão foi porque bem pretendia/ que o homem tivesse autonomia/ sobre todos os viventes deste mundo/ por ser ele o vivente mais profundo/ entre os feitos da grande sabedoria.// w O poeta Manoel d’Almeida 48 LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1988. 49 MORRIS, William. The american heritage illustrated dictionary of the english language. New York: Dell, 1970. Verbete: “acculturacion”. 50 AZEVEDO, Carlos A. Moreira. Discurso de Encerramento. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA, MISSIONAÇÃO PORTUGUESA E ENCONTRO DE CULTURAS, 1993, Braga. Actas... Braga: Fundação de Evangelização e Culturas, 1993. p. 57. 51 TEIXEIRA, José de Aparecida. Folklore goiano: cancioneiro, lendas, superstições. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. p. 265. 52 ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1982. pp. 183-184.

ADÃO, O SANTO PAI DA HUMANIDADE. PERSONAGEM ARQUETÍPICA. (DESENHO A LÁPIS DE FX)

Filho escreveu "Encontro de Lampião com Adão no Paraíso”. Alguns versos: Lampião virou-se rápido/ de um lado da macieira/ avistou um homem nu/ como numa brincadeira/ cobria um palmo na frente/ uma folha de parreira.// Quando Adão se declara dono do pomar, Lampião propõe: Nós podemos decidir/ caso meu amigo queira/ na cabeçada, no murro,/ no pontapé na rasteira,/ quem ganhar fica com tudo/ quem perder sai na carreira.// Quando Adão exalta a beleza de Eva, Lampião diz: Duvido/ dessa sua opinião/ que essa sua mulher tenha/ mais beleza e perfeição/ do que Maria Bonita/ a Rainha do Sertão.// Adão rebate: Pensa que não o conheço/ na vida de cangaceiro/ Sei até que carregou/ a mulher de um sapateiro/ quando assombrava os Estados/ do Nordeste brasileiro.// Lampião pergunta como o conhece. Adão respondeu sorrindo/ numa risada normal:/ Ouvindo os noticiários/ da Rádio Nacional/ da Globo, da Bandeirantes,/ da Tupi e da Jornal.// Como se vê, a criatividade do poeta deixa Adão bem abrasileirado; ver Mitologia popular. w A expr. do Pai Adão indica coisa antiga. No tempo em que Adão era cadete: em tempos remotos. w Há uma charada sobre Adão muito conhecida: Um homem houve no mundo/ que sem ter culpa morreu,/ nasceu primeiro que o pai,/ sua mãe nunca nasceu/ sua avó esteve virgem/ até que o neto morreu.// Câmara Cascudo registrou esta versão de Bernardo Cintura e uma variante que consta do romance “História da Donzela Teodora”: Pergunta o sábio a ela:/


Adarrum ou Adarrun | Adivinhação (2) Que homem foi que viveu/ porém nunca foi menino,/ existe mas não nasceu;/ a mãe dele ficou virgem/ até quando o neto morreu?// Este homem foi Adão/ que da terra se gerou,/ foi feito já homem grande,/ não nasceu. Deus o formou./ A terra foi a mãe dele/ e nela se sepultou.// Foi feito mas não nascida/ essa nobre criatura./ A terra era a mãe dele/ serviu-lhe de sepultura/ para Abel, o neto dela/ fez-se a primeira abertura.//53 Jacopo de Varazze (1229-1298) escreveu, na Legenda Áurea: “Foi conveniente que o filho de uma virgem, isto é, o Adão feito da terra quando esta ainda era virgem, fosse vencido pelo Filho de uma Virgem. Foi poderoso aquele que venceu com sua sabedoria e expulsou o diabo que tinha exortado e derrubado o primeiro homem.”54 w Adão e Eva desfilam entre as figuras bíblicas das procissões da semana santa. Em Santo Antônio do Monte (MG), vão semeando na terra; ver Costela de Adão. Adão, pai dos penitentes: ver Quarta-feira de cinzas. w O pecado de Adão: Eu inté fico abusado,/ seu doutô, quando magino/ em Adão, esse marvado,/ sacudi nois no pecado//.55 ver Estrela do céu; Procissão de cinzas; Fiado; Ferro. w Adão e a enxada: ver Agricultura e religião. w A expr. "Somos filhos de Maria, descendência de Adão” está no canto das seis horas. w Segundo os foliões de São Benedito, em Óbido (PA/1997), o próprio Jesus falou a Adão: Abençoai com a mão direita,/ com a esquerda não quero não.// w Frase de para-choque: Feliz foi Adão que não teve sogra nem caminhão. w A dupla sertaneja Nilo e Nelo resume tudo que supomos que a maioria dos brasileiros sabe sobre o primeiro casal humano: Adão foi o primeiro homem que no mundo Deus criou/ depois com muita cautela com sua costela a mulher formou./ Então lhes deu o paraíso e fez um aviso para o casal:/ Não coma o fruto proibido que é concebido fruto do mal.// Ali tudo era belo foi o jardim que Deus formou/ Mas pra estragar o ambiente veio a serpente o casal tentou/ A mulher chamada Eva não vendo as trevas que causaria/ comeu o fruto proibido ela e o marido e tudo perdia.// Foi assim que veio o anjo e expulsou-os do paraíso/ Por causa da tentação Eva e Adão perderam o juízo/ Por causa desta vaidade a humanidade saiu mal/ Nascemos todos manchados com o pecado original.// Depois do nosso batismo é que nos livramos deste pecado/ E por lembrança de Adão todo o cristão só vê este ditado/ Ele perdeu o paraíso, teve prejuízo por uma cobra/ E o povo ainda diz: Adão foi feliz que não tinha sogra.// w Ver tb. Lilite. w >> PAPINI, Giovanni. O Diabo. Lisboa: Livros do Brasil Ltda., 1953. pp. 126-130. ADARRUM ou ADARRUN | [Do fon “adănhŭn”, tambor de fúria.] No candomblé iorubá, ritmo específico e intenso de atabaques e agogôs para chamar qualquer orixá e favorecer o transe dos filhos de santo. w Parece ser a mesma dança do trovão que Geoffrey Gorer assistiu no Daomé, denominada de "adahoun".56 ADÊ | [Do iorubá “adé”, coroa adornada com franjas.] No candomblé iorubá, coroa ou diadema de metal ou de seda bordada, com pingentes de contas escondendo o rosto. Usado pelas iabás: Oxum, Iemanjá, Iansã e Nanã. Tb. usado por Xangô e Oxalufã. Na África, era a coroa dos reis e das rainhas das nações iorubás que podiam provar ser descendentes do herói mítico e antepassado, Odudua; ver Reinados na África. w Capacete de Obá. ADERALDO (1882-1967) | Aderaldo Ferreira de Araú53 CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. pp. 217-218. 54 DE VARAZZE, Jacopo. Legenda áurea: vida dos santos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. pp. 698-699. 55 ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1982. p. 184. 56 CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 3. ed. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1972. p. 15.

Adi

jo, cantador e poeta cearense, nasceu em Crato (CE). Ficou cego aos 18 anos, mas tornou-se um violeiro, cantador popular em todo o Nordeste brasileiro. Improvisava versos de modo genial; ver Peleja; Imaginário. ADEUS | Palavra corrente que resume a expr. “A Deus”, isto é, da sua vontade dependerá um próximo encontro; ver Saudar e abençoar. w Na despedida do defunto, nas incelências (Ponte dos Carvalhos-PE): Desceu um anjo do céu/ para abrir o Paraíso./ Adeus, irmão, adeus, irmão,/ até o dia do juízo.// Outro canto de Belém (PA) diz: Adeus, minha casinha, eu já vou me embora/ Recomendo a Deus e a Nossa Senhora.// Adeus, minha família, eu já vou me embora/ Recomendo a Deus e Nossa Senhora.// (Inf.: Genival Lima da Silva, Agudos-SP/1999.) w No fim de um baile pastoril publicado por Manoel Querino, na Bahia, todos cantam: Adeus Belém fortunoso./ Jesus, Maria e José./ Se de vós nós apartamos,/ vinde conosco na fé.// Na mesma obra, Carlos Ott registrou em Aporá (BA), o canto de despedida da pastorinha borboleta: Adeus, Senhores, adeus,/ Já são horas de partir/ entre a bonina e a açucena/ já são horas de dormir.// Adeus, Senhores, adeus,/ já vou me retirar/ deixo saudades a todos/ e saudades vou levar.//57 No Rio de Janeiro, pastorinhas cantam: Boa noite, meus senhores,/ um adeus queremos dar./ A aurora vem raiando/ não podemos demorar.//58 w No Espírito Santo, Guilherme Santos Neves registrou um verso de despedida da folia dos santos reis: Adeus, casa, adeus, terreiro,/ adeus, ó dono também,/ os três Reis lá vão embora,/ voltarão o ano que vem.//59 ver Pedir licença. w Em Conceição do Mato Dentro (MG), a marujada canta no final da festa: Adeus, adeus, eu já vou me embora/ Eu vou com Deus e Nossa Senhora.// (Inf.: irmã Maria Luiza Andrade Carneiro, Agudos-SP/1999.) w Em Rosário (MA), um cantador da dança do lelê joga seu verso final: Adeus, ó dona de casa/ digo adeus e já me vou/ Vou correndo mundo afora/ Santo Antônio por protetor.//60 ADIVINHAÇÃO (1) | [Do latim “ad-divinare”, ir aos deuses para saber.] Busca de conhecimentos sobre o que está oculto: objetos perdidos, afogado desaparecido, amor, doença, feitiço ou coisa-feita, o futuro da nação (no fim do ano). w Às vezes, a adivinhação acontece no culto, mostrando que a resposta é uma graça divina; ver Perguntas e respostas; Enigma. Uma das formas antigas é o oráculo, que traz uma revelação divina e misteriosa por intermédio de um vidente; ver errar w Em muitas religiões, a adivinhação é confiada ao sacerdote. Na Grécia antiga e em Roma, a adivinhação era o ofício de 16 áugures sacerdotais que revelavam o futuro pela análise dos sonhos, pela observação dos astros, dos fenômenos meteorológicos ou voo e canto dos pássaros; ver Astrologia. w Embora a Bíblia diga: "Não pratiqueis adivinhações nem encantamentos” (Lv 19,31), o sumo sacerdote dos judeus usa o urim e tumim como oráculos. Quando Saul viu o exército dos filisteus, “consultou a YHWH, mas este não lhe respondeu, nem por sonho, nem pela sorte, nem pelos profetas. Saul disse então: ‘Buscai-me uma nigromante...’” (1 Sm 28,6-7). No Novo Testamento, os apóstolos tiram a sorte quando da substituição de Judas, o apóstolo traidor (At 1,26). Agem assim com liberdade e confiando na providência divina. w O profeta anuncia

a sorte do povo, em nome de Deus. w Adivinhação e provérbio são formas de sabedoria, respectivamente escondida e revelada. Há mitos e histórias em torno de adivinhos. w Em algumas culturas, ocorre a consulta aos antepassados. w Outro meio de adivinhação é a consulta a livros sagrados. São Francisco de Assis (c.1181-1226) praticava o sorteio apostólico: depois de rezar, abria o Novo Testamento três vezes, e considerava os textos encontrados resposta divina à pergunta previamente colocada.61 Os evangélicos consultam a caixinha de promessas com versículos bíblicos. w Em muitos casos, “adivinhar” e “tirar a sorte” são sinônimos; ver Experiências de São João; Sortes de Santo Antônio; Têmporas de Santa Luzia. w O curador popular faz olhada ou revista. A adivinhação vale-se principalmente da intuição. w Nas festas juninas, encontramos as adivinhas de São João: ver São João Batista; Experiências de São João. w Na hora da aflição, muitos devotos recorrem ao recado do santo, principalmente de Santo Antônio. w Adivinhação a favor das almas: ver Sorteio espiritual em favor das almas do purgatório. w Há poucos anos, era comum ver nas praças o tocador de realejo e seu papagaio, que tirava a sorte. w Recear má sorte: ver Agouro; Juízo divino. w Videntes usam o tarô e o baralho comum: ver Cartomancia. Revistas e jornais publicam horóscopos. Ciganos preferem a quiromancia. Alguns usam a bola de cristal. w José G. C. Magnani disse: "Frente à imprevisibilidade do dia a dia, as práticas e jogos divinatórios têm o particular efeito de produzir no aparato psíquico de seus usuários um fortalecimento da sensação de autoconfiança, eliminando ou reinterpretando os focos de tensão e medo".62 w Adivinhação como forma de lazer: dar resposta com sagacidade a charadas e perguntas. A adivinha é mais praticada no meio rural do que na cidade; ver Perguntar. Na déc. de 1950, Alceu Maynard Araújo escreveu: “Uma das recreações sadias que preenchem de modo proveitoso as horas de lazer dos moradores de Piaçabuçu (AL) é a decifração de adivinhas. Sábado à noite, nos grupos de conversa, quando não estão contando estórias de trancoso, o centro de interesse da reunião familiar é a adivinha. Não raro, nas feiras, à sombra de uma árvore, há um grupo de pessoas (ali estão homens idosos, moços e meninos e nunca faltam algumas senhoras) em torno de um colocador de adivinhas.” O autor cita Mané do Dôre, conhecido colocador de adivinhas em festas e reuniões: “Em sentinelas não gosto de botá adivinhas; quando me aperreiam mucho então ponho algumas de religião para não faltá com o respeito ao falecido.” E exemplifica: Qual foi o caminho que se cansou, qual foi a água que teve sede, qual foi a vida que morreu? R.: Cristo. São Luiz tem na frente, São Miguel tem atrás, nas donzelas já no fim e as casadas não têm mais? R.: A letra “L”. Quando Deus andou no mundo, onde pôs a mão na mulher? R.: Na munheca.63 ADIVINHAÇÃO (2) | No candomblé iorubá existe o jogo do edilogun ou dilogun, praticado com búzios, de quatro a 32, mas geralmente, com 16. Os búzios, cortados transversalmente, são jogados sobre uma esteira ou dentro de um círculo de colares rituais dos orixás, caindo, alguns com o lado cortado para cima, outros para baixo. Cada combinação corresponde

57 MORAIS FILHO, Mello et al. Bailes pastoris na Bahia. Salvador: Progresso, 1957. pp. 72 e 239. 58 LAMAS, Dulce Martins. Pastorinhas, pastoris, presépios e lapinhas. Rio de Janeiro: Olímpica, 1978. p. 131. 59 NEVES, Guilherme Santos. Folclore brasileiro: Espírito Santo. Rio de Janeiro: Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1978. p. 60. 60 FERRETTI, Sergio; CÉCIO, Valdelino; MORAES, Joila. Dança do Lelê. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1978. p. 19.

61 LEGENDA dos Três Companheiros. n. 29. (c.1240) In: SILVEIRA, Ildefonso; REIS, Orlando dos (org.). Francisco de Assis, escritos e biografias de S. Francisco de Assis: crônicas e outros testemunhos do primeiro século franciscano. Petrópolis: Vozes, 1981. p. 668. 62 MAGNANI, José Guilherme Cantor. Travessia. São Paulo, 1991, p. 7. 63 ARAÚJO, Alceu Maynard. Escorço do folclore de uma comunidade. São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo, Divisão do Arquivo Histórico, 1962. pp. 107-108 e 267. Dicionário da Religiosidade Popular

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Adj

Adjá ou Adejá | Adventistas do Sétimo Dia

a um signo ou odu de Ifá que permitirá interpretar as respostas dos orixás. Exu é o intermediário que leva pedidos e respostas. Alguns sacerdotes de Ifá (tb. chamado “Orumilá”), os babalaôs, utilizavam o opelê, colar aberto nas pontas, feito com oito meias-nozes de dendê, ou búzios, enfiadas numa trança de palha ou corrente de metal. No Brasil, o uso do opelê parece estar diminuindo. Para consultar o orixá e saber se aceitou uma oferenda tb. são usadas a noz chamada “obi” ou uma cebola, partidas ao meio; esta modalidade de jogo só permite obter duas respostas: sim ou não. w Em candomblé banto, a consulta aos búzios é frequente; ver Calundu; Olhar. Adivinhação (ngombe): ver Cesto de adivinhação; Zamburá. w >> SHAW. Eva. The Wordsworth Book of Divining the Future. Hertfordshire: Wordsworth Editions, 1997. ADJÁ ou ADEJÁ | [Do iorubá “ààjà”, sineta metálica de uso ritual.] Pequeno sino de duas ou três campanas, de origem iorubá, usado nos candomblés, no xangô e na umbanda. Tocado pela mãe de santo, invoca os orixás e incentiva o transe. Convida tb. à cerimônia de dar comida ao santo. w Uma espécie de maracá ritual. ADJUNTO | No Nordeste, reunião de vizinhos para um trabalho comum. Ajuntamento de trabalhadores para tarefas pesadas em lavoura e outros serviços; uma forma de mutirão. Associado à diversão e festa pelo clima alegre e amigável de sua realização. w Adjunto da horta é chá de ervas medicinais (MG). ADJUTÓRIO (DIJITÓRIO) | Ajuda, auxílio. O termo é antigo. w Em 1972, Camillo Martins Vianna escreveu: Colono velho de guerra/ do êrmo do meu Pará/ dá o teu adjutório/ prá mata poder ficar/ tua ajuda é valiosa/ e muito irás lucrar.//64 w Denominação de mutirão em Minas Gerais e em diversos estados do Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. O adjutório dura mais de um dia. w Clister, purgante. ADMIRAR | [Do latim, olhar para, mirar.] Admiração por ver o invisível quando acontece um milagre (do latim, “miraculum”); ver Fé; Sentimentos religiosos. w O olhar de um admirador pode pôr mau-olhado. w Diz um dos benditos da semana santa em Itinga (MG): A cruz balanceou/ e o povo admirou/ não admira, minha gente,/ que esta cruz é do Senhor.// w No diálogo religioso, a existência de tantos elementos comuns a religiões tão diversas causa admiração. ADO | [Do iorubá “àádùn”, milho moído e torrado misturado com azeite de dendê e sal.] Doce de milho torrado moído e misturado com mel e azeite de dendê. w No candomblé iorubá, comida de santo de Oxum. ADOBÁ e ADOBALÊ | ver Bater cabeça. ADOBE (ADOBRE) | [Do árabe “attobi”.] Tijolo não cozido, ou seja, bloco de barro feito numa forma e secado ao sol, usado para construir as paredes das casas. Antigamente de uso geral, hoje só é usado por pobres; ver Macaúbas. w Ao fazer adobes, o trabalhador pobre costuma riscar uma cruz no barro molhado do primeiro deles, a fim de que o serviço resulte bem-feito e abençoado (Araçuaí-MG). ADORAÇÃO DA CRUZ | Cerimônia que constitui a parte principal da liturgia oficial na sexta-feira santa. O sacerdote desnuda o crucifixo cantando: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação do mundo.” A assembleia responde: “Vinde adoremos.” O “impropéria” cantado durante o beijo da cruz contém as palavras: “Agios ó Theos; Sanctus Deus”. A cerimônia lamentosa e impressionante deixou rastros na religiosidade popular. w Ritual popular na semana santa. Em Itinga (MG), o povo reunido canta à noite: Ê bendito (sic) a santa cruz (2x)/ quem tiver dormin64 Apud: SALLES, Vicente. Repente & Cordel. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Folclore, 1985. p. 136. 34

Dicionário da Religiosidade Popular

do acorda, vamos adorar a santa cruz.// ver Santo Deus. w Ver tb. Salvação de uma cruz. ADORAÇÃO DAS QUARENTA HORAS | ver quarenta horas de adoração. ADORAÇÃO DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO | No tempo de São Tomás de Aquino (séc. XIII), a igreja insistia muito na devoção ao Santíssimo Sacramento para diminuir os excessos da veneração às relíquias. Foi assim que os relicários (ostensórios e custódias) passaram a exibir a hóstia consagrada. O concílio Tridentino (1545-1563) incentivou a adoração do Santíssimo; ver Eucaristia. w A adoração do Santíssimo acontecia principalmente em uma cerimônia constituída de cânticos, orações, incensamento e bênção do Santíssimo. Antigamente, era realizada em todos os domingos e dias de festa; ver Corpus Christi. w Outras formas da adoração ao Santíssimo: adoração das quarenta horas; adoração perpétua ou lausperene, que acontece com o Santíssimo Sacramento exposto apenas em algumas igrejas; adoração diurna durante os dias de carnaval, quando a igreja fica aberta para as visitas; vigília noturna de adoração, parte de algum retiro espiritual; Hora Santa. No caso da adoração perpétua (lausperene), os adoradores costumam comparecer de acordo com horários preestabelecidos semanalmente ou mensalmente. ADORAR | [Do latim “adorare”, de “ad + ós (oral)”, levar à boca, levar a mão à boca e jogar o beijo até o distante objeto adorado. Jó 31,27 diz: “Nunca os adorei e não lhes atirei beijos com a mão. Segundo outros: do latim “orare ad”, orar em direção à (divindade), cf. admirar.] Na liturgia oficial, são beijados o Evangelho, a cruz e o altar. w Segundo o novo Catecismo da Igreja Católica (1999), “a adoração do Deus único liberta o homem de se fechar em si mesmo, da escravidão do pecado e da idolatria do mundo” (no 2097).65 O teólogo alemão Karl Rahner explica que o elemento adorativo de todo relacionamento com Deus é realizado de maneira própria, mas sempre como um reconhecimento da diferença infinita entre Deus e toda criatura.66 ver Rezar; Oração. w Em Olímpia (SP), cantam: Eu vos adoro/ toda hora e todo momento/ ó meu doce pão do céu/ meu Santíssimo Sacramento.//67 É tradição ajoelhar-se para adorar a Deus na hóstia consagrada: ver Adoração do Santíssimo Sacramento. w As pastorinhas e os reis magos adoram o Deus Menino no presépio. Em Caraí (MG), a folia dos santos reis canta: Já vieram os três reis magos/ lá do lado do Oriente/ procurando adorar/ o Menino onipotente.// (Inf.: Joaquim Pereira de Souza, 1980.) w Em Atibaia (SP/1976), diz o rei ao capitão numa embaixada: Tá terrível capitão/ homem grande de vimente / quem é que deu licença/ de dançar aqui na frente?// O capitão responde: Quem me deu a licença/ me deu a licença inteira/ Quem me deu a licença/ é nosso Deus verdadeiro.// E o rei: Nosso Deus verdadeiro/ nóis devemo de adorá/ Só que adoro Deus do céu/ Mas capitão eu não vou adorar.//68 w Em textos populares, raras vezes encontramos o termo "adorar" no sentido de venerar, de ter devoção. No folheto “O exemplo de um ateu/ que atirou na imagem de São José”, de Francisco Sales Areda, lemos: Então quando Renovato/ findou os trabalhos seus/ chamou todo mundo e disse:/ nunca mais serei ateu/ Vou adorar São José/ e pedir perdão a Deus.// 65 IGREJA CATÓLICA. Catecismo da Igreja Católica. 9. ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 552. 66 RAHNER, Karl; VORGRIMLER, Herbert. Klein teologisch woordenboek. Hilversum: Paul Brand, 1965. p. 11. 67 SANT’ANNA, José. Aspectos folclóricos da Quaresma no Município de Olímpia. In: FESTIVAL DO FOLCLORE, 24, 1988, Olímpia. Anuário do 24. Festival do Folclore. Olímpia: [S.n.] 1988. p. 12. 68 GIRARDELLI, Elsie da Costa. Ternos de Congos: Atibaia. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, 1981. p. 68.

No folheto “O Sonho do Pe. Cícero Romão Batista”, o autor anônimo faz o padre defender Maria diante de um protestante com as palavras: Eu adoro sua imagem/ seu puro e sagrado nome/ pois quando chamo por ele/ logo satanaz se some/ e quem a tem por devoção/ não passa nem sede nem fome.// Nunca deixo de adorar/ a imagem de Maria/ conduzo-a sobre o meu peito/ como fiel companhia/ e só me apartarei dela/ quando unir-me a terra fria.// Peço em minhas orações/ qu’ela não me falta a luz/ como também o retrato/ do coração de Jesus/ porque na última viagem/ é Ele quem me conduz.// ver Folia de Santo Antônio. Como já foi dito, tal uso da palavra “adorar” é raro; ver Homenagem ao Santo. w Alguns protestantes acusam injustamente os católicos de idolatria, ou seja, de adorarem imagens. w Adoração do dinheiro: ver Neoliberalismo. ADORO SÃO ROQUE | Brincadeira de criança registrada por Alceu Maynard Araújo, em Alagoas: “Uma criança é escolhida para ser o ‘São Roque’. Um a um os participantes vão se ajoelhando diante do ‘santo’ que faz todas as caretas e micagens possíveis com o fito de provocar riso. Enquanto o ‘santo’ faz os trejeitos, a pessoa genuflexa vai dizendo repetidas vezes: ‘Adoro São Roque, sem rir e sem chorar.’ Caso ria, substituirá o ‘São Roque’, caso permaneça sem rir, será substituído por outro ‘adorador’.”69 Brincar na religião: ver Humor. ADRIÃO MÁGICO | Segundo o folheto “Luta e Vitória de São Cipriano contra Adrião Mágico”, de Joaquim Batista de Sena, foi com Adrião mágico que São Cipriano, o feiticeiro, aprendeu a profissão. O poeta escreveu: Neste tempo no Egito/ adotavam o despotismo/ tinha Adrião Feiticeiro/ o chefe do feiticismo/ que sucumbia o povo/ no mais temeroso abismo.// w Existe tb. Santo Adrião (mártir, 300 d.C.), um dos tradicionais protetores contra a peste. ADUBALÉ | [Do iorubá “dojúbolê”, curvar-se respeitosamente.] O mesmo que dobalê e bater a cabeça. w Nos cultos afro-brasileiros da Bahia e de Pernambuco, uma saudação respeitosa das pessoas que têm um orixá masculino diante do peji e da autoridade religiosa. O filho de santo deita-se de bruços e toca no chão com a cabeça. Quando entram em fila no barracão, no início de uma cerimônia pública, os filhos de santo devem executar esta saudação diante da orquestra, se houver, e diante da mãe de santo. ADUFE ou ADUFO | [Do árabe “al-adof”.] Pequeno tambor quadrado de origem moura, era conhecido na África e em Portugal. Tem couro dos dois lados e é tocado com a mão em folias, cantorias no Nordeste e na Amazônia. É encontrado em terreiros de xangô, em Pernambuco. Nas regiões central e sul, observamos seu uso no cururu, no fandango e no congado. w Diz Romualdo Ferreira dos Santos: Alto suspira a viola/ e responde baixo o adufo:/ tira tufo, mete tufo/ elegante cabriola.//70 ADULTÉRIO | É considerado pecado gravíssimo, principalmente a infidelidade da esposa. Machismo: ver Prostituição. w Sobre a fidelidade: ver Queijo (do céu). ADVENTISTAS DO SÉTIMO DIA | Movimento milenarista iniciado por William Miller (1782-1848), que baseado em Dn 9,24 predisse a segunda vinda de Cristo para o ano de 1843. A vidente Ellen Gould White garantiu a continuidade da igreja e introduziu a observância do sábado, que substituiu a do domingo, e deu origem ao nome sabatista. Os adventistas ou sabatistas não tomam álcool nem comem carne de porco. Sempre anunciam que o fim do mundo está próximo; ver Manuel Lacunza; Milenarismo. w São muito ativos na difusão de seus ensinamentos. Pela 69 ARAÚJO, Alceu Maynard. Folclore nacional. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967. v. 2: Danças, recreação, música. p. 339. 70 SANTOS, Romualdo Ferreira dos. O Barqueiro do Tocantins. Carolina (MA), 1921. Apud: SALLES, Vicente. Repente & Cordel. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Folclore, 1985. p. 70.


Advento | Afogar rádio AWR (adventist world radio, rádio mundial adventista) os adventistas do sétimo dia alcançam, a partir dos EUA, todos os continentes. w Sua primeira igreja no Brasil foi fundada em 1896, em Gaspar Alto (SC). Apesar de no Brasil constituírem uma pequena minoria - possivelmente não chegam a 10 mil -, suas publicações periódicas atingem tiragens de centenas de milhares de exemplares. Mantêm numerosos programas de rádio, cursos por correspondência e propaganda nas ruas, em outdoors. Realizam tb. notável assistência social por meio de clínicas, hospitais, escolas e empreendimentos agrícolas. ADVENTO | [Do latim, vinda.] Tempo de preparação para o natal que constitui-se de quatro domingos e entrou no ritual romano no séc. VI. w O advento não é um tema popular, mas o povo conhece São João Batista e é grande a fé em Nossa Senhora da Conceição, cuja festa (8 de dezembro) cai no advento; ver Nossa Senhora do Ó. A folia dos santos reis Bendito e louvado seja/ o menino Deus nascido/ que no ventre de Maria/ nove meses esteve escondido.// Em Itinga (MG), desde o séc. XIX realiza-se em 7 de dezembro a limpa do caminho do Senhor da Boa Vida. w Eis alguns versos modernos do "Advento Nordestino", de Reginaldo Veloso: O sertão seco pela chuva a suspirar;/ dos oprimidos geme o peito em oração:/ Vem, ó Senhor, nos libertar, não tarde mais,/ junte esse povo e realize a promissão!// (Refr.) Lá vem, lá vem,/ já se aproxima a Redenção.// A terra presa nas mãos de tão pouca gente/ dos desterrados é imensa a multidão,/ tomando rumo sem destino nas estradas,/ eles têm fome de justiça, terra e pão.//(...) O desemprego, a fome rondam a cidade,/ dos miseráveis é sem fim a procissão/ Quantas crianças pela rua abandonadas/ sua revolta sobe em meu coração.// Um “Santo Dia” já raiou pro operário/ vencido o medo, sai às praças o peão;/ É um só grito por emprego e por salário,/ abala fere, mas o grito escutarão!// A voz do anjo, sussurou nos teus ouvidos:/ Ave Maria, serás mãe da salvação!/ Maria-Igreja, vai dizer aos oprimidos/ que a terra nova já se encontra em gestação.// Dos encurvados as cabeças se levantam/ dos explorados unem-se as cansadas mãos./ E os gemidos vão virando um forte canto,/ o pobre unido é sinal da redenção!// (Mimeografado. Recife/1985). O texto é cantado, p.ex., nas romarias da terra. “Santo Dia”: ver Santo Dias da Silva. ADVOGADO | [Do latim “ad-vocare”, chamar para perto.] Profissional que dá assistência jurídica e moral a quem é acusado. w O Divino Espírito Santo é advogado: ver Paráclito. O povo conta com sua ajuda no dia do juízo. Vários benditos rezam: Divino Espírito Santo/ divino consolador,/ consolai a nossa alma/ quando deste mundo for.// w Uma frase de para-choque: Não mexe comigo, Jesus é meu advogado. w Na oração salve-rainha, Nossa Senhora é chamada de advogada nossa. Tem o título de Nossa Senhora do Bom Despacho. Na comunidade de Major Ezequiel, em Alvinópolis (MG/1994), o congado canta: Eu não matei,/ eu não roubei,/ eu não fiz nada/ eu sim, eu não.// Mas o povo estão dizendo/ que hoje é dia do meu jurado./ Eu vou pedir Nossa Senhora/ para ser minha advogada./ Eu sim, eu não.// Canto igual foi registrado na comunidade dos Arturos, em Contagem (MG).71 w Na Bahia, uma oração da noite pede para livrar da condenação eterna: Minha Virgem da Conceição,/ vós me dá a consolação/ e seja a minha advogada./ que no impino da meia-noite/ eu vou encontrar com Jesus Cristo (o juiz)/ Ele vem dizendo três vezes ao dia/ e três vezes à noite:/ Abra a porta do céu/ e fecha a porta do inferno./ Que desta morte não morrerei,/ as graças de Deus alcançarei. Amém.// 72 ver Auto da Compadecida. 71 GOMES, Núbia Pereira de Magalhães. Mundo encaixado: significação da cultura popular. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1992. p. 43. 72 SOUZA, José Evangelista de. Raízes e histórias: a saga de viver.

w Santo protetor: p.ex., Santa Bárbara é “advogada” contra raios e trovões; ver Palavras santíssimas e orações devotas. Outros santos advogados: ver Santa Rita de Cássia; Santa Ifigênia; Simão Stock. w Segundo o Instituto Apoio Jurídico Popular (AJUP), "os advogados e outros doutores só têm dois caminhos nas suas profissões: um deles é emprestar seu conhecimento para os movimentos populares e não ficar separado deles; pelo contrário, estar firmemente junto nas lutas pelas transformações da sociedade: o outro caminho é ficar ‘na sua’, isto é, mesmo tendo simpatia pelo povo, ‘cuidar da sua vida’ numa posição individualista. Esta posição é conservadora: ajuda as forças que não querem mudanças na sociedade, forças que pretendem conservar tudo como está”.73 ver Direito insurgente; Lei; Justiça. w É difícil o pobre conseguir um bom advogado; ver Inclusão. Seria preciso aumentar a número dos advogados na Defensoria Pública, função essencial à justiça74. Além do mais, seria necessário que o advogado fosse um mestre em cidadania; ver Cadeia. w Na convicção popular, é quase impossível o advogado salvar-se: ver Alma de Adão. AFEFÉ | [Do iorubá “afëfë”, vento.] Em candomblé iorubá, orixá dos ventos calmos. w Na nação nagô, vento da tempestade, comandado por Iansã. Este vento leva os espíritos dos mortos para o orum. AFILHADO | A pessoa batizada é chamada de afilhada ou afilhado pelo padrinho e pela madrinha. O afilhado pede a bênção a seus padrinhos e conta com o apoio deles. Trata-se de uma forma de parentesco espiritual; ver Compadrio; Compadre. w Afilhado de Nossa Senhora da Conceição é quem teve como madrinha Nossa Senhora da Conceição, representada por outra pessoa na hora do batismo. w Versos cantados em Portugal: "Nossa Senhora da Lapa/ da Lapa e da Lapinha/ chamai-me vós afilhada/ que eu vos chamarei madrinha".75 AFILHADO DE FOGUEIRA ou AFILHADO DE SÃO JOÃO | ver Batismo na fogueira de São João; Fogueira. AFINAÇÃO | Os tambores do candombe, jongo, caxambu e dos tamborzeiros do rosário são afinados perto de uma fogueira. No Maranhão, as caixeiras do Divino colocam suas caixas no sol para o mesmo fim. w O canto da folia de reis começa com a afinação dos instrumentos, um momento particularmente importante. Segundo Wagner Neves Diniz Chaves, “ali não se afinam apenas cordas e couros, mas também sensibilidades musicais. É o momento de um tipo de comunicação baseada no que se ouve, em que olhares e o som em si exercem função mais expressiva do que palavras. É o instante em que rabequeiros, violeiros, caixeiros e tocadores de violão buscam um limiar possível de interação harmônica e musical. O consenso ali criado, todavia é negociável, e alguns instrumentos e pessoas são mais qualificados para orientar tal processo. (...) A afinação pode ser lida como um veículo ritual presente na folia com vistas a comunicar expressivamente, seja por meio do som, de gestos, do tom de voz ou da postura corporal, que alguma transformação está em curso: se na chegada da folia as pessoas se cumprimentam, conversam e brincam em tom descontraído, agora, na afinação, a postura é de mais concentração, introspecção e seriedade. A atitude de reverência, que se intensifica durante o canto, já pode ser notada. O canto não se inicia Petrópolis: Vozes, 1989. p. 63. 73 PRESSBURGER, Miguel. (Entrevistador) Um trabalhador fala: O Direito, a Justiça e a Lei. (Coleção: Socializando Conhecimentos, folheto n. 5) Rio de Janeiro: Instituto Apoio Jurídico Popular/FASE, 1988. p. 3. 74 Constituição Federal, cap IV, tit. 4. 75 AFONSO, Antônio Nogueira. Cancioneiro popular da região de Mogadouro. Bragança: Esc. Tipográfica, 1970. p. 92.

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sem que esse limiar seja coletivamente percebido e aceito por todos os tocadores.”76 w Há pessoas que por meio de algum feitiço conseguem desafinar os tambores de um congado ou as violas de uma folia, mas tb. existem rituais que fazem os instrumentos voltarem ao normal. Isso foi registrado em Minas Gerais, Goiás e Pará; ver Tamborzão; Jongo. Dois foliões contam o que aconteceu numa folia em Abadia de Goiânia: O presépio estava num quarto separado do salão. Os instrumentos afinados, nós entramos. Começou a cantoria e os instrumento tudo desafinado. Parou a cantoria, afinou, insistiu outra vez: desafinado. Foi três insistência, e os instrumentos desafinado.(…) O palhaço dessa folia era o Zacarias, palhaço famoso. Ele estava de fora. Entrou e pediu licença pro véio Gabriel: Ocês espera um pouquinho, que vamo consertar esses instrumento. Aí os folião todos ajoelharam e ele deu uma volta entre os folião. Nós levantamos e ele disse: Pode tocá que tá bom! E estava!(…) O que o palhaço fez, não sei. Sei que foi uma oração. Quem tem fé, vence. E essa é a razão de que o palhaço não pode ser qualquer um.77 AFLIÇÃO | Na hora de sofrimento, carestia, perigo, angústia, agonia, o povo recorre às orações fortes e promessas. w Na aflição, o povo diz: Deus é pai e é mãe. Tb. rezam o credo. Existem as orações ao Senhor do Bonfim e a Bom Jesus dos Aflitos. Outros invocam São Judas Tadeu, Santa Rita de Cássia e outros santos. Em Manhuaçu (MG), registramos: Me vale, Nossa Senhora dos aflitos, e Nossa Senhora das angústias só que pode me valer no estado em que me acha. (3x) Depois rezam-se 3 A.M. a Santa Maria Eterna. (Inf.: Raimundo Hilário de Barros, 1999.) Em Janaúba (MG), registramos: Maria se viu aflita/ aflita no pé da cruz/ assim me vejo aflita/ Me vale, meu Bom Jesus. (Inf.: Maria Inês Silva Souza, 2004.) w Conselho: Não aumentar a aflição do aflito. w As almas aflitas são lembradas na encomendação das almas. De um papelzinho de intenção de missa (Divinópolis-MG) consta: Pelas almas mais aflitas isoladas que morreram matadas, queimadas, afogadas. ver Oração às almas; Almas do purgatório. w Ver tb. Apocalipse; Pesadelo. w >> FREY, Peter Henry; HOWE, Gary. Duas respostas à aflição: umbanda e pentecostalismo. In: Debate e Crítica. São Paulo, n. 6. jul./1975. AFOGADO | Nome de um prato típico em São Paulo. É uma comida forte, de carne cozida, servida p.ex., na festa do Divino em Mogi das Cruzes e em São Luís do Paraitinga. w Ver tb. Afogar. AFOGAMENTO | Em Santa Catarina, o mesmo que engasgo. Em Tubarão, registram-se duas simpatias para desafogar: dar três voltas com o prato em que a pessoa estava comendo; virar um tição de fogo de modo que a ponta queimada fique voltada para fora.78 Ao mesmo tempo, reza-se: São Brás, São Lucas, São Moço,/ se é espinha ou osso/ para baixo ou para cima,/ sai-te deste pescoço.// 79 Tb. é conhecida a oração Homem bom, mulher má (SC). AFOGAR | Existem várias orações para não morrer afogado: ver Nossa Senhora do Desterro; Oração de Nossa Senhora do Monte Serrat; Oração da santa cruz; Oração de Cristo. w Segundo L.C. Cascudo, "a crença jangadeira no nordeste é que a alma dos 76 CHAVES, Wagner Neves Diniz. Recebeis meu Bom Jesus com sua nobre folia: reflexões sobre a eficácia do canto nas folias norte mineiras do alto-médio São Francisco. In: Textos escolhidos de cultura e arte populares. v. 3. nov./2006. Rio de Janeiro, UERJ, Instituto de Artes. p. 83. 77 MOREYRA, Yara. Memórias de Folias. In: REVISTA Goiana de Artes. 5 (1): jan.-jun./1984. pp. 64-65. 78 CABRAL, Oswaldo. A medicina teológica e as benzeduras. In: REVISTA do Arquivo Municipal. Ano XXIV, v. 160. São Paulo (SP), Departamento Municipal de Cultura, 1957. p. 72. 79 CABRAL, Oswaldo. A medicina teológica e as benzeduras. In: REVISTA do Arquivo Municipal. Ano XXIV, v. 160. São Paulo (SP), Departamento Municipal de Cultura, 1957. p. 125. Dicionário da Religiosidade Popular

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Afonjá | Afro-Brasileiro

afogados só aparece aos pescadores". E mais: "Espírito de afogado no mar não anda em cima das ondas. Aparece até a cintura ou somente a cabeça de fora. Não é esqueleto, mas um corpo inchado, amarelo, balofo, com os olhos brancos. Quem pisa in riba d’água sem afundar é Santo”.80 w Nos vales dos rios São Francisco e Jequitinhonha, a pessoa afogada e desaparecida é procurada à noite colocando-se na água uma cuia ou coité, que vai boiando com vela acesa dentro, em busca do corpo. Este é encontrado pelos mergulhadores no lugar onde a vela para e começa a girar (Bom Jesus da Lapa-BA).81 Eliana Flora aborda o mesmo assunto no seguinte texto rimado: “Quando alguém morre afogado/ e não se achou o coitado,/ deverão pôr uma vela/ acesa numa gamela,/ e soltar dentro do rio./ Onde fizer rodopio, mostra por este sinal,/ que o morto está no local.”//82 w As almas dos afogados são invariavelmente lembradas nas preces das encomendações das almas; ver Oração às almas. No Rio Grande do Norte e em todo o Nordeste, acontece a procissão dos afogados. w Quem vai dormir com sede corre o perigo de o anjo da guarda afogar-se: ver: Água. AFONJÁ | [Do iorubá “Àfõnjá”.] No candomblé iorubá, um dos nomes de Xangô. w Afonjá é o Xangô da casa real de Oyo que veio para o Brasil. Segundo a tradição, ele gostava de utilizar folhas em suas práticas mágicas. Afonjá é tido como filho de Banhani; ver Axabó; Ilê Axé Opô Afonjá. w Segundo o historiador africano Ki-Zerbo (1922-2006), "Afonjá foi um general, isto é kakanfô, do alafin Aolé. Empreendeu inúmeras batalhas, sendo considerado um grande comandante militar. Foi nomeado, pelos seus feitos, governador de Ilorin; no entanto, cai em desgraça junto ao obá. Rezava a tradição que os generais derrotados deveriam suicidar-se. Afonjá recusa-se a seguir o costume e investe contra o obá. O alafin envia contra ele um exército que é batido graças ao apoio dos peules de Malam Alimi. Quando quis desembaraçar-se destes aliados incômodos, foi destroçado por completo... suicida-se então, e Ilorin torna-se um emirado peule”.83 AFOXÉ | [Do iorubá “aföÿë”, encanto.] Em São Paulo, instrumento de percussão: piano de cuia ou cabaça sacudida; ver Xequeré. w Bloco típico do carnaval da Bahia. Tem caráter religioso e é chamado candomblé de rua; ver Babalaotim. Uns acham que os afoxés, à semelhança do maracatu nação pernambucano, originaram-se nas festas de coroação do Rei Congo, ligadas à irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Já outros dizem que se fundamentam em preceitos ligados ao culto dos orixás. Ambos podem estar certos. w Os blocos vão para as ruas no domingo e na terça-feira de carnaval, sempre à tarde. Alguns afoxés conhecidos: Filhos de Gandhi (fundado em 1949), Badauê, Filhas de Oxum. Na ilha de Itaparica: Filhos da Ilha. Blocos afro modernos: Olodum (1979), Ilê Aiyê (1974), Muzenza (1981). w Há tb. o afoxé de caboclo, espécie de candomblé de pobre. w Aconteceu: em novembro de 1993, o cardeal arcebispo de Salvador, dom Lucas Moreira Neves, proibiu que dois de seus padres celebrassem uma missa de ação de graças pelo aniversário do bloco afro Ilê-Aiyê, formado apenas por negros. Segundo a revista Veja, “a missa, realizada anualmente desde 1979 na igreja do rosário de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho, é

uma mistura de liturgia com danças e batuques africanos. O cardeal decidiu proibi-la neste ano por achar que se havia tornado um ritual muito parecido com o candomblé.” Em nota oficial, ele explicou que “a Igreja não recomenda celebração de missas especiais para grupos não católicos”.(…) “Sua decisão produziu faíscas dentro e fora da igreja. Um dos padres atingidos, o frei angolano Tomé Herculano Lopes, 36 anos, resolveu desafiá-lo e celebrou o aniversário do Ilê-Aiyê com um culto ecumênico”.84 É muito importante observar que celebraram com frei Tomé, uma mãe de santo e o pastor de uma igreja batista. Mas, enquanto uns afirmam que não é fácil ser cardeal na Bahia, outros observam que na igreja, é difícil ser negro. w Ver tb. Inculturação; Hilária Batista de Almeida. w >> RISÉRIO, Antônio. Carnaval Ijexá. Salvador: Corrupio, 1981; MORALES, Anamaria. MOURA, Milton. “World of Fantasy, Fantasy of the World: Geographic Space and Representation of Identity in the Carnaval of Salvador, Bahia.” In: PERRONE, Charles e DUNN, Christopher. The Internationalization of Brazilian Music. Gainesville: University of Florida Press, 2001. pp. 161-176 . ÁFRICA | Continente com 53 países e 800 milhões de habitantes (2002), de grande diversidade cultural e religiosa. w Com a descoberta dos sinais mais antigos da origem do homem na África oriental, precisamente no Quênia, o continente passou a ser considerado a terra-mãe da humanidade. Os vestígios mais antigos de hominídeos na África são de 3,2 milhões de anos. O geneticista brasileiro Sérgio Danilo Pena disse: “Todos viemos de um antepassado africano”.85 w É difícil resumir a história africana, que vai da Antiguidade (Egito, Núbia, Etiópia) até ao movimento Pan-Africanista e a recente expansão do Islã nas partes norte, ocidental e oriental do continente. O historiador Joseph Ki-Zerbo (1922-2006) de Burkina Faso 86, em “História da África Negra” (2v.), destaca a importância da África na história universal e se empenha em desmantelar a barragem de mitos erguidos contra essa história. Fala da necessidade da história escrita por africanos e baseada em fontes africanas, de acordo com a historiografia moderna.87 Sobre a história pré-colonial: ver Reinados na África; Banto; Iorubá. w A expansão portuguesa na África começou em 1415 com a conquista de Ceuta, no norte do Continente. Para os portugueses, o feito faz parte da fase final da reconquista. Em 4 de abril de 1418, o papa Martinho V concedeu favores espirituais a quem ajudasse o rei dom João I na guerra contra os mouros e outros infiéis “que infligiam os cristãos com repetidos insultos, cativeiros e assassínios”. 88 Em 1434, os cabos Não e Bojador foram deixados para trás, e os navios de dom Henrique abriram caminhos para o sul: Senegal e Cabo Verde (1439), Costa do Ouro (1442), Elmina, em Benim (1471), Cabo de Santa Catarina e São Tomé (1472), Foz do Zaire ou Congo (1482), Cabo Negro (1485). Os portugueses pretendiam descobrir até onde se estendiam as terras dos “infiéis” (mouros), negociar com outros povos e convertê-los ao cristianismo. Imaginavam uma aliança com o fabuloso Preste João. Para este tipo de descobrimento, dom Henrique contava com as finanças da Ordem de Cristo. Os portugueses fixaram-se no Golfo da Guiné,

80 CASCUDO, Luís da Câmara. Religião no povo. João Pessoa: Imprensa Universitária da Paraíba, 1974. p. 65. 81 UNGER, Edyla Mangabeira. O sertão do velho Chico. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 35. 82 FLORA, Eliana. Crendices populares. Guaratinguetá: Papelaria Vieira, 1945. p. 168. 83 KI-ZERBO, Joseph. Apud: PESSOA DE BARROS, José Flávio Pessoa de. Xangô no Brasil: a música sacra e suas relações com mito, memória e história. In: CULTURA Vozes. n. 5, set.-out./2000. p. 111.

84 BATUQUE no Altar. In: VEJA. 10/11/1993. pp. 94-95. 85 ISTO É. 1424-15/01/1997. A igualdade dos desiguais (entrevista com Norton Godoy). p. 5. 86 Alto Volta era o nome colonial de Burkina Faso, que se tornou independente em 1960. Desde 1983, o país se chama Burkina Faso, “terra de homens dignos”. 87 KI-ZERBO, Joseph. História da África negra. Mem Martins (Portugal): Publicações Europa-América, 1972. v. 1. pp. 10-11 e 38-39. 88 REMA, Henrique Pinto. História das Missões Católicas da Guiné. Braga: Franciscana, 1982. p. 16.

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Dicionário da Religiosidade Popular

onde começaram um grande tráfico de escravos em direção a Portugal e, mais tarde, ao Brasil; ver Escravidão; Elmina; Catolicismo africano. w Para o negro brasileiro, a África é a grande pátria da sua origem. Hoje muitos falam na “mãe África”; ver Pequena África; Missa dos filhos do rosário. w Os povos bantos vieram do Congo, Angola, Moçambique e Guiné; ver Aruanda. Os nagôs, iorubás, jejes, quetos, malês, vieram principalmente da Nigéria, do Sudão e de Daomé; ver Benim; Afro-brasileiro. w Apesar do sistema escravocrata, os cativos conservaram muitos elementos vitais da raíz africana. Hoje, suas danças, línguas, culinária e crenças diversas, fazem parte da cultura brasileira. w Sobre a religião na África, bastam aqui as seguintes observações: no Brasil, a experiência religiosa das nações africanas faz-se presente principalmente nos cultos afro-brasileiros e nas irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos homens pretos; ver Resistência. Os escravos malês eram islamitas; ver Islã; Pureza afro-brasileira. w Por várias vezes ouvimos dizer que, na quaresma, os orixás voltam para a África: ver Lorogum. w No passado, viajantes, missionários, administradores e intelectuais europeus divulgaram constantemente a imagem de uma África primitiva e bárbara, sempre repetida nas escolas, nas igrejas e nos meios de comunicação para justificar a exploração no passado e explicar a situação do momento. w Hoje, o continente africano, rico e populoso, passa por crises econômicas, políticas e culturais. A mídia nos mostra guerras e genocídios, a incidência da aids, multidões morrendo de fome, secas, gente morrendo em campos minados, frente à postura omissa da comunidade internacional.89 Frei Fabiano Satler, missionário brasileiro em Moçambique de 1998 a 2005, reflete: “Há um estereótipo relacionado com os países africanos onde os mesmos são mostrados unicamente sob a perspectiva de misérias, guerras, lutas tribais, doenças e corrupção. Infelizmente, tais estereótipos escondem a riqueza cultural, religiosa e humana presente nesses países. Se é verdade que tais iniquidades se fazem presentes de uma maneira mais ou menos intensa no dia a dia dos países africanos, também é verdade que esses povos não perdem a capacidade de celebrar com intensidade e alegria os acontecimentos quotidianos. O que se opõe à alegria é a tristeza, não o sofrimento. A iniquidade presente no dia a dia não é obstáculo para a celebração da alegria do triunfo do Crucificado-Ressuscitado sobre tais iniquidades.” (Belo Horizonte-MG, Páscoa/2009.) w Segundo as Pontifícias Obras Missionárias, em 1960 havia 24 milhões de católicos no continente africano. Em 2008 chegaram a 123 milhões.90 w >> SOUSA, Manoel de Faria y. Africa portugueza. Lisboa, 1861; MAQUET, J. Les Civilizations Noires. Paris: Marabout Université, 1966; OLIVER, Roland. A experiência africana: da pré-história aos dias atuais. Rio de Janeiro: Zahar, 1994; COSTA E SILVA, Alberto da. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996; MAESTRI, Mário. História da África negra pré-colonial. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988; PAULME, Denise. As Civilizações Africanas. Lisboa: Coleção Saber, 1977; THORNTON, John. A África e os Africanos na Formação do Mundo Atlântico (1400-1800). Rio de Janeiro: Campus, 2004. AFRO-BRASILEIRO | Pertencente à África e ao Brasil, ao mesmo tempo. Há os que preferem o termo “ne89 KAPUSCINSKI, Ryszard. Ébano: minha vida na África. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 90 SIM (Serviço de Informação Missionária). n. 2. abr.-jun./2008. p. 12.


Afrodescendente | Agnus Dei e Ágnus-Dei gro brasileiro” e outros preferem “afrodescendente”. w Segundo o IBGE no Censo de 2010, “pardos e negros” somavam 50,7% da população brasileira; ver Negro. No Brasil, existem diversos cultos afro-brasileiros. w Raul Lody, autor do "Dicionário de arte sacra e técnicas afro-brasileiras", escreveu: "Estão encarnadas no patrimônio do material brasileiro matérias-primas, ferramentas, domínios tecnológicos, motivos, modelos, formas resultantes, cores, texturas, cheiros, sons, preferências de maior ou menor conteúdo africano, sem simplificar os casos ocorrentes como meros detentores de raízes ou influências. Talvez falar em afro-brasileiro seja redundância, por estarem e serem brasileiros componentes da África, ou melhor, de "Áfricas" culturalmente diferenciadas. Brasileiros conceitualmente analisados têm África latente e África expressa."91 w Outras influências: ver Mestiço. w Ver tb. Pureza afro-brasileira; Cristianismo nos cultos afro-brasileiros. w >> BARBOSA, Wilson do Nascimento; SANTOS, Joel Rufino dos. Atrás do muro da noite: dinâmica das culturas afro-brasileiras. Brasília: Ministério da Cultura; Fundação Cultural Palmares, 1994; ROBERTO, Benjamin. A África está em nós: história e cultura afro-brasileira. João Pessoa: Grafset, 2004; DUARTE, Eduardo de Assis; FONSECA, Maria Nazareth Soares. (org.) Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. 4 v. AFRODESCENDENTE | ver afro-brasileiro. AFUZILADOS (s.d.) | Dois soldados, os irmãos Meira, fuzilados por indisciplina, são lembrados pelo povo de São Gabriel (RS) e considerados intercessores em causas perdidas. Têm seu culto em uma pequena capela erguida dentro do quartel, no lugar onde foram fuzilados, e onde hoje seus devotos acendem velas. Há ex-votos e flores. AGANJU | [Do iorubá “Aganjú”.] Um dos nomes de Xangô. No candomblé iorubá, filho de Obatalá (céu) e Odudua (terra). Em alguns mitos, irmão e esposo de Iemanjá e pai de Orungã (o espaço). w Na umbanda, a grande terra, região selvagem. Aganju é Xangô velho. w Na Bahia, é identificado com São Miguel. AGASALHO | Capa, blusa, pano ou cobertor que protege do frio ou da chuva. Todo ano, no inverno, fazem-se campanhas do agasalho. w O mesmo que pousada. Nas suas andanças, a folia dos santos reis poderá pedir agasalho (Jequitibá-MG): Ó senhor dono da casa/ santos reis está aqui/ com a sua companhia/ um agasalho vem lhe pedir.// Senhor dono da casa/ santos reis aqui está/ pedindo um agasalho/ para a companhia descançar.// Os três reis quando andaram/ assim eles fazia/ viajava a noite toda/ e descansava de dia.// Em Goiás, cantam: Santo Reis evém girando/ cansadinho do trabalho./ Procurou vossa morada/ para pedir um agasalho.//92 AGASSU | Em candomblé jeje, vodum que representa a família real de Daomé. AGBÊ ou ABÊ | [Do fon “Agbè”, divindade que representa o mar.] No candomblé jeje, orixá feminino que representa as águas do mar. O culto a Agbê acontece na praia. AGENOR MIRANDA ROCHA (1907-2004) | Nascido em Angola, de pais portugueses católicos. Seu nascimento já era aguardado pelos cultores do calundu (espírito, força vital do antepassado). Aos 4 anos vai para Salvador (BA) com a família, adoece e fica desenganado pelos médicos. Mãe Aninha (Ana Eugênia dos Santos, nascida em 1869), ialorixá fundadora do ilê Axé Opô Afonjá, joga os búzios para ele e vê que sua cura dependia de ser “feito” em Oxalá. 91 LODY, Raul. Dicionário de arte sacra & técnicas afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Pallas, 2003. p. 18. 92 TEIXEIRA, José de Aparecida. Folklore goiano: cancioneiro, lendas, superstições. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. p. 66.

Os pais consentem e Agenor é iniciado, curando-se instantaneamente. Após sete anos de iniciado, búzios e opelê são jogados para ele, indicando que “trazia” o cargo de oluô - oráculo - que Agenor exerceu a vida toda. Jorge Amado (1912-2001) escreveu: “Profundo conhecedor dos segredos de Ifá, Agenor jogou os búzios de adivinhação para a escolha de várias mães de santo, entre as quais Stella de Oxóssi, do Axé Opô Afonjá, e Tatá, do Engenho Velho. Assim, toda uma estirpe e uma hierarquia das religiões afro-brasileiras saíram de suas mãos sábias”. 93 Muniz Sodré e Luís Filipe de Lima94 esclarecem que o oráculo de Ifá não é a única arte divinatória entre os iorubás, mas que é a mais importante, exigindo aprendizado longo e aprofundado. Só o iniciado passa a conhecer o imenso corpus literário que faz parte dessa tradição: os textos sagrados, que consistem em 256 odus, tidos eles mesmos como entes sagrados, emanados do céu para a terra, e em essés, “passagens em prosa e verso transmitidas por Ifá a seus filhos e discípulos enquanto ele ainda estava na terra”. As adivinhações abrangem o manejo dos iquins (16 nozes de palmeira), opelê (colar de Ifá) e ibô (conjunto de búzios para o achamento do essé que se adapte). Agenor ganhou a vida como professor no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, e sempre exerceu gratuitamente a sua função de oluô: olhador. Aberto a todas as religiões, pediu a bênção do papa. Só admitia o sacrifício de animais nos cultos em casos excepcionais; advertia para o perigo de interesse financeiro nos mesmos e foi sem dúvida uma das mais importantes personalidades religiosas do Brasil. w Publicou o livro "Os candomblés antigos do Rio de Janeiro. A nação ketu: origens, ritos e crenças" (Rio de Janeiro: Topbooks, 1994). w Sob o título "Caminho de Odu", Reginaldo Prandi publicou em 1998 o caderno escrito pelo prof. Agenor em 1928, contendo "os odus do jogo de búzios com seus caminhos, ebós, mitos e significados". O texto foi revisto pelo próprio Agenor.95 ver Odu. w >> REBOUÇAS FILHO, Diógenes. Pai Agenor. Salvador: Corrupio, 1998. AGENTE DE PASTORAL | Aquele que faz trabalho pastoral diretamente com o povo e em nome da igreja oficial, p.ex., padre, irmã, dirigente do culto, agente da pastoral da saúde e da catequese paroquial. A principal tarefa desses agentes de pastoral é acompanhar o povo na sua experiência religiosa. Na ação pastoral, o clero e os dirigente leigos do culto precisam conhecer a religiosidade popular e suas várias formas culturais. É importante a valorização dos agentes religiosos - rezadeira do terço, benzedeira, mestre da folia, capitão do congado - da própria comunidade; ver Ministérios populares. w O agente de fora precisa conhecer o povo e a realidade local pela inserção; ver Pastoral da religiosidade popular; Momentos religiosos. w A quem trabalha na periferia o teólogo Clodovis Boff avisa: "O agente de pastoral deve reconhecer sua situação de classe e o caráter de classe de seu pensar e agir. E isso sem disfarce, com toda honestidade. Ser de uma classe ou outra pertence ao destino histórico de cada um. Não depende de uma escolha voluntária. E tal pertença marca a consciência e o modo de vida de 93 AMADO, Jorge. Prefácio a SODRÉ, Muniz; LIMA, Luís Felipe de. Um vento sagrado: história de vida de um adivinho da tradição Nago-Ketu brasileira. Rio de Janeiro: Mauad, 1996. p. 7. 94 SODRÉ, Muniz; LIMA, Luís Felipe de. Um vento sagrado: história de vida de um adivinho da tradição Nago-Ketu brasileira. Rio de Janeiro: Mauad, 1996. 95 PRANDI, Reginaldo (org.) Caminhos de Odu: os odus do jogo de búzios, com seus caminhos, ebós, mitos e significados, conforme ensinamentos escritos por Agenor Miranda Rocha em 1928 e por ele revistos em 1998. 3. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

Agn

cada um. É falso dizer-se igual ao povo, identificado com ele, quando se é de outra classe. Essa atitude mistifica a relação com o povo e leva à dominação sob pretexto de igualdade. Por outro lado, esse reconhecimento deve ser feito sem falsas culpas e má consciência, sem satanizar a própria situação social nem canonizar o povo. Há vantagens e desvantagens em cada uma delas”.96 ver Classe média; Espiritualidade; Satanização. w Em muitos encontros com agentes de pastoral, nas décs. de 1970 a 1990, constatamos que é comum se denominar a religiosidade do povo de "ambígua" e "alienante". Ela seria "não autêntica, mas supersticiosa", "tradicionalista e avessa ao progresso”. Dizem: “Temos que procurar seus valores para aproveitá-los numa linha libertadora” e “analisar bem para aproveitar melhor”; ver Preconceito; Religiosidade popular nos documentos da igreja. w Muitos agentes parecem considerar o povo passivo quando querem "interferir", "conscientizar", "evangelizar"; ver Concílio Tridentino. Não percebem que o povo fraco é sábio, astucioso e tem humor; ver Irreverência. Portanto, o caminho da religiosidade popular para uma igreja popular só será possível quando houver respeito e vontade de valorizar o povo que se expressa através desta religiosidade. Ao agente, cabe dar assessoria; ver Pastoral da religiosidade popular. w Ver tb. Mal-estar da igreja no Brasil. AGENTES DE PASTORAL NEGROS (APN) | Grupo fundado em São Paulo, em 14 de março de 1983, por padres, religiosos, religiosas e leigos; luta pela conscientização e valorização do negro. Sua organização se dá por meio de um “quilombo central” em São Paulo e quatro quilombos grandes, abrangendo todo o Brasil. w Diz o padre Antônio Aparecido: "Ao mesmo tempo em que aprofundam a consciência da negritude, os agentes de pastoral negros (APN) vão recuperando as suas origens culturais na liturgia. É efetivamente uma nova maneira de viver e celebrar a fé cristã enquanto negro, assumindo a negritude nas celebrações e na luta que alimenta a resistência cotidiana”.97 ver Organização dos negros no Brasil; Resistência. AGIOS, Ó THEOS, AGIOS ISCHIROS, AGIOS ATHANATOS | [Grego: Santo Deus, Santo forte, Santo imortal.] Estas palavras fazem parte da liturgia oficial da adoração da santa cruz, na sexta-feira santa. w Já foram empregadas em antigas bênçãos contra bruxaria. Hoje, ainda fazem parte de algumas orações populares, como o Amabilíssimo Senhor e a oração de Santo Agostinho. AGNUS DEI e ÁGNUS-DEI | □ [Latim, cordeiro de Deus.] [Iconogr.] O Cordeiro sobre um livro, com a cruz e uma bandeira. w Nome dado a Jesus por São João Batista (Jo 1,29; cf. Is 53,7-12 e Jr 11,19). w Desde o séc. VII, nome de uma pequena prece que faz parte das orações comuns da missa: "Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis (2x). Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, dona nobis pacem". As mesmas palavras constam das ladainhas da igreja. Texto completo em português: "Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende compaixão de nós. Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, dai-nos a paz". w Ágnus-dei: pequenino estojo contendo uma partícula de cera, feito de pano, plástico, metais preciosos ou outros materiais, apresenta, muitas vezes, a efígie do Cordeiro de Deus, símbolo da salvação; surgiu nas festas da páscoa. Nas igrejas de Roma, 96 BOFF, Clodovis. Como trabalhar com o povo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 16. 97 SILVA, Antônio Aparecido da. Pe. Negritude e Liturgia. In: A VIDA em Cristo e na Igreja. (Revista de Liturgia) São Paulo, nov.-dez./1984. p. 3. Dicionário da Religiosidade Popular

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Agodô | Agregado

VILMAR OLIVEIRA

Ago

AGNUS-DEI, SÍMBOLO DA SALVAÇÃO. (BRASIL, SÉC. XX)

provavelmente a partir do séc. IV, havia o costume de se distribuir entre os fiéis a sobra da cera do círio pascal do ano anterior. Ora, uma vez que o círio fornecia pouca cera para a distribuição, passou-se a consagrar, juntamente com o círio pascal, uma quantidade de cera suficiente para os ágnus-dei. A distribuição acontecia no domingo depois da páscoa. No fim do séc. VI, foi encontrado um ágnus-dei na relação dos presentes doados pelo papa Gregório, o Grande, para Deodelinda, rainha dos lombardos. Desde o papa Sixto VI (1471-1484), a cera, acrescida de bálsamo e óleo do crisma, passou a ser benta exclusivamente pelo papa na semana da páscoa do primeiro ano de seu pontificado e de sete em sete anos. Na bênção, o Santo Padre pede a Deus para os fiéis: bom parto, boa morte e proteção divina contra desastres, inundações, incêndios, raios e tempestades, ciladas e tentações, em virtude dos mistérios da vida, paixão e morte do Cordeiro de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo. Alguns tipos de ágnus-dei levam o ano da bênção e o nome do respectivo papa. w Do livro Lunário Perpétuo (pp. 222-224) consta um pequeno “Tratado das Virtudes do Agnus-dei”. w É mencionado na "Pastoral Coletiva dos Senhores Bispos da Província Meridional do Brasil” (1915). w Atualmente, o ágnus-dei é carregado debaixo da roupa e na carteira; colocado no berço das crianças; tb. encontrado entre os balangandãs das baianas. Há ágnus-dei em forma de medalha; ver Bentinho. AGODÔ | O mesmo que Ogodô. AGOGÔ | [Do iorubá “agogo”, sino.] Instrumento de percussão com duas ou três campânulas de ferro, de vários tamanhos, percutido por uma varetinha de metal. Às vezes, chamado “gã”. w Segundo Kasadi wa Mukuna, um dos instrumentos musicais dos escravos do Novo Mundo é "a campânula dupla de tons altos (pequenos) e baixos (largos) ou femininos e masculinos, presa nas extremidades de uma haste metálica curvada. Este tipo de campânula comum na África é conhecido entre os bakongos de Zaire com o nome de ngongi, e com o nome gerundial de nkobu entre os lubas. No Brasil, adotou o nome yoruba de agogô. 38

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(...) Para o curandeiro (africano), o agogô é valioso instrumento para suas invocações." 98 w Usado em candomblé, xangô, umbanda, nas escolas de samba e na capoeira. w Responsável pelo início das músicas rituais no candomblé. Na mão do alabê, o agogô dita o tipo de toque. w Instrumento característico de Ogum, orixá do ferro. AGONGONO | Vodum da Casa Grande das Minas. AGONIA ou AGONEIO | Aflição, ânsia, vexame, falta de paciência; ver Malinconia. Na agonia, benze-se a casa com água benta; ver Sofrimento. w Agonia do moribundo. Em Araçuaí (MG/1979), Mariana Esteves da Silva disse: Na ânsia da morte, a gente chama por Jesus. Quando não o diz em palavras, fala ao menos no coração. Cita o bendito da morte: Quando a morte vem/ ela vem sozinha/ Ela vem dizendo:/ esta hora é minha.// Ó que ânsia forte/ ó que agonia/ Me vale, meu Deus,/ e a Santa Maria.// Algumas orações pedem socorro para a hora da última agonia: ver Amado Jesus, José, Joaquim, Ana e Maria; Arte do bem morrer; Ajudar a morrer; Hora da morte; Ofício da agonia. w Agonia de Jesus é um termo usado para dois momentos do sofrimento: (1) a agonia no horto das oliveiras (Lc 22, 41-44) e (2) a agonia de Jesus crucificado; ver Senhor da Agonia; Sermão da Agonia; Crucifixo; Bom Jesus da Pobreza; Suor; Cálice da amargura. w Arquiconfraria da Santa Agonia: ver Arquiconfraria. AGOSTO | Mês considerado aziago. Muita gente prefere não se casar em agosto. Dizem: Casar em agosto traz desgosto. w Segundo alguns autores, as matanças da Noite de São Bartolomeu, em 24 de agosto de 1572, na França, causaram o medo de azar nesse mês. Principalmente a primeira segunda-feira de agosto, é de grande mau agouro; tb. a sexta-feira, 13 de agosto. AGOURO (AGOIRO) | [Do latim “augurium”.] Em sentido amplo, qualquer prognóstico bom ou mau sobre “o que há de ser”, com fundamento na experiência dos antigos; ver Fazer mal. w Mau agouro: que anuncia desgraça. Receio de mau resultado 98 KAZADI WA MUKUNA. Contribuição bantu na música popular brasileira. São Paulo: Global, [197-].

em algum empreendimento; ver Aviso. Oposto de alvíssaras. w Antigamente, agourar era tirar presságios do canto e do voo dos pássaros: ver Áugure. w Galo cantando fora de hora é mau sinal. Coruja rasgando mortalha anuncia a morte. Pássaros agourentos: alma-de-gato, acauã, anu, caburé, noitibó, besouro e sapo. Grilo pode ser bom sinal ou mau sinal. Louva-a-deus é de bom agouro; ver Esperança. w Diversas coisas são proibidas por agourar a mãe; ver Tabu. Dizem que quem anda de costas está agourando os pais. w Primeiro de agosto e treze de agosto são dias aziagos. w Ver tb. Azar; Sonho; Augúrio; Adivinhação. AGRADECIMENTO | É costume no Brasil inteiro o povo dizer: Graças a Deus; ver Ação de Graças; Gratidão. w Muitos agradecem a comida na hora da refeição dizendo: Deus abençoa. Em Crateús (CE), rezam: Bendito e louvado seja/ o Senhor no Santíssimo Sacramento/ Deus é quem nos cria/ e nos dá sustento.// A bênção, meu Pai do céu,/ a bênção, minha mãe do céu,/ cobri-me com a vossa divina bênção. Amém.//99 ver Alimentos e religião. w O pobre romeiro ou o cego poderão agradecer a esmola cantando: A quem deu sua esmola/ Deus o leve num andor/ acompanhado de anjos/ circulado de fulô/ Nossa Senhora o proteja/ quando deste mundo for.//100 ver Cantiga de cego. w Ao receber qualquer ajuda é preciso dizer: Deus te ajude ou Deus lhe pague. Mais agradecimentos: Deus que conte seus passos.// Deus que te aumente.// Deus que te dê a recompensa.// Deus te dê o que você deseja.// Deus que não deixa faltar nada em sua casa. w As folias agradecem a esmola, a comida e até a dormida (o pouso). Em Caldas (MG), ao receber uma leitoa e um frango, os foliões agradecem cantando: Deus lhe pague sua leitoa/ os três reis que vai levar/ adjutório pra pobreza/ Deus põe outra no lugar.// Deus lhe pague a sua oferta/ tem as asas de avoar/ Santos Reus que leva esta/ Deus põe outra no lugar.//101 Em Goiânia (GO), cantam um bendito de mesa: Bendito louvado seja/ a família Nazaré/ na mesa se arrepresenta/ Jesus, Maria, José.102 Em Bom Jesus da Lapa (BA), a folia do Divino canta: Obrigado minha gente/ pelo que vindes de dar/ O Divino Espírito Santo/ muito vos há de aumentar.// 103 w O cantador convidado para cantar numa festa agradece: A viola tá contente/ e o coração obrigado/ No Reino do Céu se veja/ dos anjos acompanhado.//(...) O sinhô já me pagou,/ já me pagou com suas mão./ Agora o dinheiro é meu,/ vou fazer repartição:/ Dou dois minréis a São Pedro,/ dou outros dois a São João,/ dou mais dois a Santo Antônio,/ dois a São Sebastião./ E inda fica muita coisa pr’eu tomar meus refilão,/ mas eu levo é o cobre todo: Santo não tem precisão.//104 w O devoto agradece mercês, graças e milagres recebidos deixando um ex-voto em um santuário ou fazendo a publicação de graças recebidas. AGREGADO | [Do latim “aggregare”, juntar, arrebanhar.] Morador tradicional em uma fazenda, muitas vezes posseiro, que planta e cria em pequena escala, além de prestar serviços ao fazendeiro em troca de pagamento inferior ao que é de praxe para o tra99 SANTOS, Eliésio dos. Cultura Popular e suas implicações na Liturgia. In: A VIDA em Cristo e na Igreja. (Revista de Liturgia) n. 65. set.-out./1985. p. 5. 100 WILLEKE, Venâncio. São Francisco das Chagas de Canindé: resumo histórico. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1973. p. 140. 101 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Sacerdotes de viola. Petrópolis: Vozes, 1981. pp. 24-25. 102 MOREYRA, Yara. Memórias de Folias. In: REVISTA Goiana de Artes. 5 (1): jan.-jun./1984. pp. 95. 103 BARBOSA, Antônio. Bom Jesus da Lapa: antes de Monsenhor Turíbio, no tempo de Monsenhor Turíbio, depois de Monsenhor Turíbio. Rio de Janeiro: Jotanesi, 1995. p. 358. 104 MOTA, Leonardo. Cantadores: poesia e linguagem do sertão cearense. 2. ed. Rio de Janeiro: A Noite, 1953. pp. 187 e 189.


Agressividade | Água (2) balhador avulso. No Rio Grande do Sul, trabalhador pobre que, na falta de campo próprio, mora em estância alheia com licença do respectivo proprietário e mediante certas condições; ver Camponês; Colono; Preito; Feudalismo. w Lavrador pobre que vive com sua família em casa fornecida pelo fazendeiro, a quem dá semanalmente alguns uns dias de trabalho, pagamento que no Nordeste é chamado cambão ou condição. w Antigamente, era comum o sistema de terra cedida: o dono deixava o agregado cultivar lavouras em roças de toco (terra de mata derrubada e queimada na força do braço). Plantando mantimentos e criando alguns animais, o agricultor tinha um prazo estipulado para devolver, como pasto formado, os alqueires que o dono da terra lhe havia emprestado. No mesmo sistema de troca de serviços, podia continuar na fazenda começando outra derrubada na mata. Entretanto, com o crescimento da venda de cereais, os fazendeiros passaram a preferir o sistema do arrendamento e da meia, lucrando a metade da colheita. Ultimamente, mesmo a lavoura da meia vem sendo negada pelo proprietário que, com os incentivos para comprar tratores e fertilizantes, não precisa mais do meeiro. Os donos de pastos e roças preferem, com as técnicas modernas, o lucro cada vez maior. Além disso, muitos fazendeiros preferem plantar capim e criar gado, com poucos empregados e altos lucros. Tb. o reflorestamento, feito por grandes empresas, expulsa os posseiros. Assim, os agregados começam a migração para longe da terra: primeiro, nas áreas mais pobres das pequenas cidades vizinhas, mantendo-se como boias-frias, assalariados por dia de trabalho; depois, para a miséria das favelas, das praças e dos viadutos dos grandes centros urbanos. Quem tem poder e dinheiro não pensa em reforma agrária. w O trabalhador rural lembra com saudade da fartura dos tempos antigos, quando o dono da terra deixava que ele criasse galinhas, porcos e até algumas cabeças de gado, plantasse milho, arroz, feijão e legumes para a alimentação da família. Tb. lhe era permitido plantar algodão para fazer pano; ver Compadrio. w O antropólogo Carlos Rodrigues Brandão registrou o depoimento de um lavrador: Eu já disse que o governo devia assinar uma lei e obrigar esse povo (os fazendeiros) a ter agregados; conforme o tamanho da fazenda, a quantidade de agregado.105 w Em Turmalina (MG), o camponês Vicente Nica disse: Ainda não vi um despejo, mesmo, aqui, não, mas já houve, né? (...) Eu confio em Deus e na nossa união. Que nós não temos para onde ir. Eu estou disposto a dizer pro Presidente da República que se eles não for resolver esse problema, o recurso aqui de Mato Grande e São Miguel é eles fazer um teste de bomba atômica aqui dentro. (...) Cansei de tanto trabalhar, sofro de esgotamento físico e nervos, sinto estafa. Não tenho mais coragem de formar outra casa igual a esta, formar outros pomares. Não! Eu acho que o governo, se ele está querendo acabar com os brasileiros, tem que fazer deste jeito, mesmo. É mandar bomba atômica neles. Estou disposto a morrer aqui. Só não estou disposto a matar ninguém. A minha luta é para reduzir com o número dos mortos que já estão acontecendo, que já estão matando cada dia, dentro do nosso país. (...) Eu era pessoa que nem nunca tinha sido levado em delegacia, na presença do delegado nem nada. Nunca tinha ocupado justiça, graças a Deus. Tenho sido levado, entregue lá, mas não entreguei ninguém (p. 28). Já plantei muita roça, já colhemos e até vou plantar mais. Se Deus quiser, vou plantar. Que a nossa profissão é essa. Mas têm 105 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Plantar, colher, comer. Rio de Janeiro: Graal, 1981. pp. 91-92.

pessoas que passaram por uma situação semelhante a essa e que não tiveram a mesma sorte, acabou foi na rua, mesmo, sem um tostão na mão. E muitas vezes, até sem emprego. Isso já aconteceu demais. (...) O povo aqui dentro são um pessoal religioso. A maioria é crente. Nós esperamos em Deus e não usamos de violência. O que nós faz, a maioria, é bater o joelho no chão e pedir a Deus, de dia e de noite. Nós pede a Deus por nós que nós precisa tratar dos nossos filhos, e pede por eles, também, que está pressionando nós, para que Nosso Senhor toque no coração deles. Eles têm as profissões deles. Sabemos que eles também precisa de comer, beber e viver, igual a nós. Que eles chegue a um nível, também que eles abandone o egoísmo. (...) Nós não queremos que eles seja naufragado, não. Que eles viva bem e que nós possa permanecer aqui, todos juntos. Sei de caso de três, todos com o coração falhando. Por que é? De tanto trabalhar e passar fome.106 w Segundo o poeta baiano Minelvino Francisco Silva, o povo da roça, no Brasil inteiro, já tem consciência dos seus direitos mínimos à vida e ao trabalho: Comparo nosso Brasil/ com um verdadeiro mar/ e a pobreza à sardinha/ que vive sempre a nadar/ sem ter alimentações/ e os grandes tubarões/ querendo nos devorar. (...) Nossos amigos roceiros,/ plantai muito feijão/ plantai banana à vontade/ batata, abóbora e melão/ para podermos viver/ e para nos defender/ das garras do tubarão.//107 AGRESSIVIDADE | Religião e agressividade são consideradas coisas opostas, mas a cristandade traz na sua herança santos guerreiros, cruzadas, cristãos e mouros, a guerra justa e a inquisição; ver Violência. w Tb. na religiosidade popular encontramos amostras diferentes de agressividade, como: passo de Herodes, queima de Judas e o antigo desafio entre folias. w Mito da índole pacífica do povo brasileiro: ver Sociedade brasileira; Briga; Discussão. w A transformação cultural não acontece de modo neutro, mas agressivo. A cultura humana é fruto de esforços comuns desde as origens; ver Fluidez. Mas o projeto do patrimônio cultural de todos, na realidade, não existe. É preciso que se diga a verdade. Escolas, igrejas e meios de comunicação social raramente valorizam a memória ou o projeto de comunidades fracas. Afinal, um povo fraco e alienado é fácil de ser dominado; ver Aculturação; Inculturação; Transculturação. w Ver tb. Televisão; Discriminação; Dinheiro escrito. AGRICULTURA | A agricultura tem tudo a ver com a vida e a sobrevivência dos povos; ver Alimentação; Fome. A migração e a urbanização causam grandes mudanças; ver Tecnologia; Natureza. w O Brasil é grande produtor de café, cana-de-açúcar, soja, banana, mandioca, cítricos, cacau e milho. w Até hoje, o trabalhador rural das pequenas propriedades é responsável por boa parte da produção de alimentos. Segundo censo agropecuário do IBGE, em 2009 a agricultura familiar contava com 24,3% (80,25 milhões de hectares) da área agrícola e era responsável “por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e, ainda, 21% do trigo”, o que significava 10% do PIB nacional. w A pobreza de boa parte da população tem a ver com a má distribuição das terras no Brasil. Enquanto a agricultura familiar vai perdendo espaço, o economista Celso Furtado (1920106 VICENTE FALA: uma mão na terra, outra no coração. (Coleção: Socializando conhecimentos. n. 9) Rio de Janeiro: AJUP/FASE, 1993. pp. 23, 29, 30. 107 SILVA, Francisco Minelvino. ABC dos Tubarões (folheto). In: FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA. Literatura popular em verso: antologia. Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa, 1964. pp. 263-264.

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2004) defende a reforma agrária contra o desemprego: “O movimento dos sem-terra é uma indicação de que há muita gente querendo voltar à agricultura. (...) Há terras aráveis abundantes não utilizadas e há aceitação pela população do retorno ao campo. Se 90% do emprego criado nos últimos anos foi no campo, não foi no setor moderno, não foi nas plantações de soja. Foi no setor de subsistência”.108 AGRICULTURA E RELIGIÃO | Nas tradições antigas da Europa e África, existem festas rituais dedicadas aos deuses e deusas da chuva, da fertilidade e da colheita. Nas festas juninas, encontramos vestígios disso; ver Solstício. w A urbanização trouxe mudanças para a experiência religiosa da vida; ver Forças da natureza. w Agricultura e religião continuam fortemente ligadas. Na cultura popular, plantar e colher têm sua dimensão religiosa; ver Algodão. Há orações contra cobras e lagartos; outras rezas acompanham as queimadas. Na seca, fazem-se as procissões de penitência. Na fartura das colheitas, organizam-se festas populares. w A artesã sergipana Josefa Alves dos Reis (Araçuaí-MG) conta: Deus expulsou Adão e Eva do Paraíso e mandou trabalhar. Quando Adão bateu a enxada no chão, a terra gemeu e saiu sangue, porque a terra era virgem. E Deus falou que não gemesse mais. Tu mesma dais, e tu mesma come. w Outros mitos: ver João do Mato; Mandioca. w Em Itinga (MG), os cem grãos de milho usados para contar as cem orações da festa da santa cruz são, mais tarde, plantados ao redor da lavoura. w No candomblé iorubá, Ogum e Orixá Ocô estão ligados à agricultura; ver Ferramenta de Ogum. ÁGUA (1) | Um dos quatro elementos; ver Humores do corpo. w Os antigos usavam a água no juízo de Deus. w Serve para o consumo humano, pesca, irrigação, transporte, indústria, energia e lazer. Dizem que Águas passadas não movem moinhos; ver Rio Amazonas; Rio São Francisco; Cacimba. w Como referência cultural e social, a água encontra grande expressão nas artes, religiões, mitologia, folclore, ciência e política. w Na música "Planeta Água", Guilherme Arantes canta: Água que nasce da fonte/ serena do mundo/ e que abre um profundo grotão/(...) águas escuras dos rios/ que levam a fertilidade ao sertão./ Águas que banham aldeias/ e matam a sede da população.//(...) Água dos igarapés/ onde Iara, mãe-d’água/ é misteriosa canção.// w Apenas 2% da água do planeta Terra é doce. O Brasil tem muita água nos rios e no subsolo, mas é um grande desafio garantir água para todos, especialmente para a população sofrida do polígono das secas. O planejamento de ações para preservar a qualidade e a quantidade dos cursos d'água, a chamada "gestão das águas", está apenas começando. Já existe uma preocupação de âmbito mundial pela distribuição justa da água, elemento da natureza que deveria pertencer a todos; ver Solidariedade; Ecologia. w O Censo de 2010 constatou que 82,9% dos domicílios estavam ligados à rede geral de abastecimento de água; 10% das famílias buscava água em poços; outros retiravam água de nascentes e lagos ou tinham outras soluções. Nas periferias, a qualidade da água potável pode ser duvidosa. Um trovador baiano criticou o serviço público assim: Ai, dona EMBASA/ preciso muito cuidar/ “água do jegue”/ não deixe tornar voltar.//109 ÁGUA (2) | Sem água não há vida; ver Sede. Diz um samba corrido, tradicional na Bahia: Ôi...Meu Santo Antônio, eu quero água./ Água de beber, água de lavar./ Meu Santo Antônio, eu quero água/ Meu Deus, 108 FURTADO, Celso. Furtado defende reforma agrária contra desemprego. In: FOLHA de São Paulo. 10/03/1997. 109 Baião da Falta d’água nos Bairros de Itabuna (BA), canto de Minelvino Francisco Silva. Dicionário da Religiosidade Popular

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Água Benta | Água de Santo Inácio

eu quero água.//110 Nas secas, o povo pede chuva a Deus e aos santos; p.ex., em Olímpia (SP/1994), cantam na procissão de penitência: Minha mãe santíssima/ do altar do céu/ dai uma gota-d’água/ pelo amor de Deus.// Vós que estais no céu/ cheia de alegria/ dai uma gota-d’água/ pão para cada dia.// 111 Em Januária (MG), o povo penitente de Riacho da Cruz caminha 10 km no sol, de pés descalços, durante nove dias, rezando e cantando para molhar o cruzeiro no cemitério. w Expr. popular: Não é bom cuspir na água, pois nela fomos batizados; ver Batismo; Água benta. Segundo o engenheiro e poeta Anibal Oliveira Freire (1998), “água pura é cultura”. w Água e conselho só se dá quando se pede.// A água o dá, a água o leva: ver Comerciante. w O bendito de Bom Jesus da Pobreza reza: A riqueza deste mundo/ são águas que vão passando/ como os ricos que vai morrendo/ e a riqueza vai ficando.// A expr. “As águas correm para o mar” significa que o dinheiro vai parar nas mãos dos ricos. w Dito popular: Água só não lava língua de gente. w A água tem grande valor simbólico, significa pureza, saúde e vida eterna. w Em uma oração encontrada em Portugal, aparecem vários elementos existentes no Brasil: "Senhor, dai-me água,/ pra mim me lavar;/ dai-me parte da santa missa/ pra minha alma se salvar.// Água divina os mouros fez cristão./ São João batizou Cristo,/ lá no rio Jordão,/ também nós fomos batizados/ pra ganhar a salvação.//”112 ver São João Batista; Cristãos e mouros. w Doentes são curados à beira do rio, ou mesmo dentro da água. Aconteceu em Saudades (SC/1951): Aos três anos de idade, meu mano e eu fomos surpreendidos por um vírus, em forma de feridas na cabeça. Foi aproveitado o máximo a medicina, mas nada adiantou. Daí, minha mãe reuniu a família no rio, por nove dias, e rezou uma oração em alemão, à Nossa Senhora. Durante a oração colocava nossas cabeças na correnteza da água. Fomos curados. Não me lembro da oração. (Inf.: Lia Maria Dreyer, Saudades-SC/1996.) ver Cultura alemã. w Com um raminho do monte e água da fonte, a rezadeira benze diversos incômodos: erisipela, queimadura, fogo selvagem. A dor de cabeça é benzida segurando-se uma garrafa de água sobre a cabeça do doente. Em Coração de Jesus (MG), Joaquina Ferreira de Sena reza para dor de barriga: Água do mar sagrado/ água de muita valia/ água fria corre de noite, corre de dia/ corre toda hora do dia/ com os poderes de Deus e da Virgem Maria/ assim passa essa dor de barriga/ com os poderes de Deus e da Virgem Maria.//113 Há orações para desterrar para as águas do mar ou para uma água corrente os vários tipos de mal; ver Sentimento; Brasa. Já outras orações são feitas junto a um copo de água para o doente beber: ver Benzimento; Queimadura. w A quem Deus quer dar vida, água fria é o remédio. w Muitos centros de romaria têm alguma fonte ou água santa, onde os romeiros bebem, enchem garrafas, lavam o rosto ou até tomam banho, como a famosa água de Nossa Senhora de Lourdes, na França. w Carregar água: ver Penitência. Na sexta-feira santa, na procissão do Senhor morto, sempre há pessoas que carregam na cabeça uma botija com água. Algumas servem a água para o povo beber, outras a levam para casa como uma coisa sagrada. O mesmo vimos na procissão de São Francisco, em Canindé (CE). w A água constitui a 110 CD Samba-de-Roda no Recôncavo Baiano. CFCP-47 (Coordenação de Folclore e Cultura Popular) Funarte, Rio de Janeiro. Cantado pelos Filhos de Varre-Estrada. 111 SANT’ANNA, José. Cai chuva, cai lá do céu. In: FESTIVAL DO FOLCLORE, 31, 1995, Olímpia. Anuário do 31. Festival do Folclore. Olímpia: [S.n.] 1995. p. 102. 112 CUSTÓDIO, Idália Farinho; GALHOZ, Maria Aliete. Memória tradicional de Vale Judeu. Loulé: Câmara Municipal, 1996. p. 165. 113 AZEVEDO, Téo. Plantas medicinais e benzeduras. São Paulo: Top-Livros, 1981. p. 50. 40

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ÁGUA, BENTA DURANTE UM PROGRAMA DE RÁDIO. (MG, 2008)

fronteira entre vivos e mortos: ver Rio Jordão; Dilúvio. w Santos ligados à água: Santa Clara ajuda as lavadeiras; São João Batista tem sua imagem lavada e o povo toma banho; São Pedro pescador manda a chuva. Vários santos têm seus benditos cantados pelos penitentes das secas: São José, São Sebastião, São Barnabé, Santa Teresa, Santa Maria Madalena, São Miguel, Senhora Santana, Nossa Senhora da Piedade, Senhor do Bonfim e outros. w Imagens quebradas ou estragadas são jogadas respeitosamente no meio de um rio; ver Bandeira (2). w Para os índios, a água é sagrada, e rios e fontes são morada dos espíritos. Vários ritos de iniciação são realizados na lua cheia em meio às águas. Há ritos para chamar a chuva; ver Rituais indígenas. w Na convicção de muitos, faz mal beber água depois de meia-noite sem acordá-la: ver Acorda Maria. w "Água fonte de Vida" foi o tema da campanha da fraternidade de 2004. w Nos cultos afro-brasileiros, as orixás da água doce são Oxum, Obá e Euá (nomes de rios africanos). Logunedé tb. é ligado à água durante seis meses do ano, da mesma forma que Oxumarê. As águas salgadas são representadas por Iemanjá ou Janaína. Nanã é ligada aos pântanos; ver Águas de Oxalá. Na umbanda, além dos orixás mencionados, há entidades ligadas à água: caboclas Janaína e Iara, caboclo Ogum Beira-mar, Sereia do mar, pombagira Mara e os marinheiros. w Ver tb. Garimpo; Sonho; Barco; Entrudo. w >> MALVEZZI, Roberto. Bendita Água. (Cartilha da Cáritas Brasileira e Comissão Pastoral da Terra.) Goiânia: Terra, 2002. ÁGUA BENTA | □ Água santificada pela oração da igreja para abençoar ou benzer quando aspergida sobre objetos e pessoas. Em muitas igrejas, há distribuição de água benta após as cerimônias noturnas do Sábado de Aleluia; ver Liturgia. w No séc. VI, já havia uma fórmula para a bênção da água; ver Aspersão; Pia de água benta. w O povo usa água benta na agonia para espantar o demônio e a tentação; ver Bala. Tb. é dada a doentes graves; ver São Bento; Bruxaria. w Usada no batismo do mastro. w Conselho e água benta nunca fizeram mal a ninguém.// Presunção e água benta, cada um toma o que quer. w Segundo a fé popular, o batismo de Jesus no rio Jordão foi uma bênção para as águas de todos os rios e lagos. O povo na área rural no vale do rio São

Francisco acredita que a água colhida à meia-noite da festa de São João Batista fica benta, e é usada para benzer e como remédio para homens e animais.114 w Existe o costume de rezar junto ao rádio às 18h, junto a um copo-d’água, para depois beber com quem estiver por perto; ver Medalha; Vovó Rosa. w >> GAUME. Mons. A Água Benta no séc. XIX. Porto: (s.n.) 1873. (A obra, traduzida do francês, traz uma série de cartas a um jovem estudante alemão.) ÁGUA-BENTA | Um dos muitos apelidos da cachaça. ÁGUA DE CHEIRO | Água perfumada com folhas cheirosas, como a alfazema, a flor de laranjeira ou mesmo com algum perfume destilado. Seu uso faz parte da lavagem da igreja de Nossa Senhora da Purificação, em Santo Amaro (BA). w Antigamente, era usada no carnaval: ver Entrudo. w Em Pirapora (MG), na bênção de Santo Antônio o padre asperge água benta sobre os fiéis com uma trouxinha de ramos verdes de alecrim, hortelã, erva-cidreira e outras plantas cheirosas. w É usada por aspersão em algumas festividades da umbanda. w Ver tb. Cinco sentidos; Cheiro. ÁGUA DE MILAGRE | Em muitos santuários é oferecida aos romeiros a água de alguma fonte milagrosa. É mundialmente conhecida a água de Lourdes, na França. w Em Bom Jesus da Lapa (BA), os romeiros procuram a água milagrosa do Bom Jesus em cavernas e frestas nas rochas calcárias do santuário, principalmente a que escorre da pedra ao lado da cova do monge. Já houve um tempo em que uma “água de milagre” era engarrafada e distribuída gratuitamente com a autorização de dom João Muniz, bispo da Barra do Rio Grande. Na garrafa havia um rótulo impresso: “Esta água não se vende; se dá por qualquer esmola para o santuário.” Até 1953, o próprio bispo recomendava aquela água, comparando-a com a água do santuário de Lourdes, na França. Depois a distribuição cessou. Hoje os romeiros retiram a água em condições precárias de higiene.115 ÁGUA DE OXALÁ | ver Águas de Oxalá. ÁGUA DE SANTA LUZIA | ver Santa Luzia (Salvador-BA). ÁGUA DE SANTO INÁCIO | Segundo o folhetinho da Novena de Santo Inácio de Loyola, impresso pela Sede Padre Reus, em Porto Alegre (RS), com a devida licença dos Superiores e Autoridade Eclesiástica (6. ed. 25º a 55º milheiro. c.1956), “é água natural, pura, ordinária, geralmente potável, benta em honra de Santo Inácio de Loyola, segundo a fórmula prescrita para este fim pela Sagrada Congregação dos Ritos e aprovada pelo Sumo Pontífice Pio IX, em 30/08/1866. Segundo documento autêntico (Bolandistas), foi a própria Mãe de Deus que se dignou de recomendar ao Pe. Jayme Amici SJ, moribundo em 1728, o uso da ‘Água de Santo Inácio’ para obter a sua cura. Tem, pois, o uso da ‘Água de Santo Inácio’ a recomendação do céu e a aprovação oficial da Igreja”. Segundo o mesmo folhetinho, todos os sacerdotes da Companhia de Jesus podem benzer essa água, como tb. outros sacerdotes que obtiverem do padre provincial faculdade para isso. Da importância e eficácia deste remédio celeste “dão eloquente testemunho os inúmeros prodígios com que Deus o acreditou por espaço de mais de dois séculos. Numerosas e grandes foram as graças espirituais e temporais alcançadas pela ‘Água de Santo Inácio’. Dum modo especial experimentaram as mães a proteção de Santo Inácio nas horas de angústia e sofrimento 114 O documentário em DVD “São João na Roça”, de Deniston Diamantino (c.1995), registra como “a fé na lembrança santa do Batismo transforma e enriquece a água com poderes sagrados”. 115 BARBOSA, Antônio. Bom Jesus da Lapa: antes de Monsenhor Turíbio, no tempo de Monsenhor Turíbio, depois de Monsenhor Turíbio. Rio de Janeiro: Jotanesi, 1995. pp. 491-493.


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