Paraíso - Nossa Eterna Fascinação com a Pós-Vida

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DOS BEST-SELLERS “THE CASE FOR GOD” E “A HISTORY FOR GOD”.

“Lisa Miller há muito tem sido a mais dedicada e engajada jornalista cobrindo a área da religião na América. Em Paraíso, ela realizou o impossível: escreveu um livro sobre religião que fundamentalistas, moderados, liberais e céticos podem ler da mesma forma, com extremo prazer.” – SAM HARRIS, AUTOR DE BEST-SELLERS DO NEW YORK TIMES, “THE END OF FAITH” E “LETTER TO A CHRISTIAN NATION”. “Com graça e discernimento, Lisa Miller atingiu o notável: escreveu um livro maravilhoso que entrelaça repórteres contemporâneos e estudiosos históricos, com habilidade e energia. O resultado é uma tomada inteligente e acessível sobre a eterna pergunta: o que é o Paraíso? O livro de Lisa é um bom começo para a resposta.” – JON MEACHAM, GANHADOR DO PRÊMIO PULITZER E AUTOR DE “AMERICAN LION” E “AMERICAN GOSPEL”. “Uma rara combinação de jornalismo, memória e pesquisa histórica, esse livro inteligente e corajoso, nos leva ao centro de uma das grandes polêmicas de todos os tempos. Lisa Miller certamente renderia um ótimo bate-papo sobre o assunto.” – STEPHEN PROTERO, AUTOR DE BEST-SELLERS DO NEW YORK TIMES, “AMERICAN JESUS” E “RELIGIOUS LITERACY”.

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ercorrendo a história e a cultura popular, a pesquisa bíblica e as crenças cotidianas, Paraíso oferece uma nova compreensão de um dos mais acalentados – e compartilhados – ideais da vida espiritual. Lisa Miller levanta debates e discussões não somente sobre nossas visões sobre a pós-vida, mas sobre como nossas crenças influenciaram as sociedades que construímos e os estilos de vida que adotamos, explorando as raízes de nossas crenças no paraíso e como elas evoluíram através de todas as eras para oferecer conforto e esperança. Ela também revela como a noção de paraíso tem sido usada em manipulação – para promulgar o bem e o mal – como inspiração para comportamentos sem identidade e como justificativa para assassinatos em massa. Como Miller demonstra neste livro absorvente e esclarecedor, o desejo de uma pós-vida celestial é universal – compartilhado pelos fiéis em todo o mundo e de todas as religiões. Isso é tão antigo quanto a própria Bíblia. Enquanto há muitas noções sobre o que o Paraíso é exatamente, e como podemos chegar lá, judeus, cristãos e muçulmanos, todos concordam em um ponto, o paraíso é a casa de Deus. Desde o Apocalipse até a série “Left Behind”, de Santo Agostinho a Osama Bin Laden, dos muçulmanos do West Bank, até os mórmons americanos, Paraíso é um olhar penetrante a um dos nossos mais acalentados ideais religiosos.

“Este estudo fascinante, profundo e desafiador nos diz muito sobre o que significa ser um ser humano.” – KAREN ARMSTRONG, NEW YORK TIMES, AUTORA

NOSS A ET ER N A FA SCI N AÇ ÃO COM O PÓS -V IDA

UMA HISTÓRIA INOVADORA E ACESSÍVEL SOBRE O PÓS-VIDA. DESDE AS MAIS ANTIGAS CONCEPÇÕES E TEORIAS BÍBLICAS SOBRE O ASSUNTO ATÉ AS MAIS SIMPLES CONVICÇÕES E PERCEPÇÕES QUE ENCARAMOS NO NOSSO DIA A DIA.

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LISA MILLER

“Cheio de insights... fácil de ler e maravilhosamente realizado sobre essa ‘constante esperança’ que compartilhamos...Paraíso nos deliciará e instruirá sob todos os aspectos.” – PUBLISHERS WEEKLY (STARRED REVIEW)

PAR AÍSO NOSS A ET ER N A FA SCIN AÇ ÃO COM O PÓS -V IDA

LIS A M ILLER

LISA MILLER é uma jornalista

vencedora de prêmios no campo da religião. Como editora de religião do Newsweek, ela escreve uma coluna regular sobre a interseção da espiritualidade, crença, ética e política. Anteriormente trabalhando na equipe da revista New Yorker e no Wall Street Journal. Ela mora no Brooklyn com seu marido e filha.

ILUSTRAÇÃO DE JACKET SOBRE O UNIVERSO PTOLOMAICO CORTESIA DA COLEÇÃO GRANGER FOTOGRAFIA DA AUTORA POR CARRIE LEVY DESENHO DE JACKET POR JARROD TAYLOR


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Título Original: Heaven Copyright © 2010 by Lisa Miller. Published by arrangement with Harper Collins Publishers. Todos os direitos reservados pela Editora Nossa Cultura Ltda, 2011. Editores: Paulo Fernando Ferrari Lago, Claudio Kobachuk, Renata Sklaski Tradutora: Jeanne Rangel Revisoras: Claudia Cabral Oliveira, Adriana Gallego Mateos, Valquíria Molinari Capa: Fabio Paitra Diagramação: Marline M. Paitra e Cláudio R. Paitra Nota: A edição desta obra contou com o trabalho, dedicação e empenho de vários profissionais. Porém podem ocorrer erros de digitação e impressão. Grafia atualizada segundo o acordo ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009. EDITORA NOSSA CULTURA LTDA Rua Grã Nicco, 113 – Bloco 3 – 5.º andar Mossunguê Curitiba – PR – Brasil Tel: (41) 3019-0108 – Fax: (41) 3019-0108 http://www.nossacultura.com.br Dados internacionais de catalogação na publicação Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Teixeira

Miller, Lisa. Paraíso / Lisa Miller ; tradução Jeanne Rangel. – Curitiba, PR : Nossa Cultura, 2011. p.388 ; 23 x 16 cm. Tradução de: Heaven. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-8066-027-2 1. Vida eterna. 2. Morte – Aspectos religiosos. I. Título. CDD (22ª ed.) 291.23

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Para Charlie e Joey

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 1 O que é o Paraíso? 2 O milagre 3 O reino está próximo 4 Pastos verdes, verdes 5 Ressurreição 6 Salvação 7 Visionários 8 Reencontros 9 O paraíso é entediante? Epílogo Nota do autor e agradecimentos Notas Bibliografia Referências

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INTRODUÇÃO

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á alguns anos, eu escrevi uma história de capa, na revista Newsweek, chamada “Porque precisamos do paraíso” e, no dia anterior à publicação concordei em dar uma entrevista ao vivo, para um programa matinal de televisão, para promover a história. No tipo de coincidência que nós jornalistas às vezes chamamos de sorte, os eventos anteriores àquele dia fizeram minha história parecer uma profecia. Dez pessoas tinham sido mortas e cinquenta feridas por um “mártir” do Hamas, no norte de Israel, e, enquanto eu falava sobre o papel que as visões do paraíso desempenham no conflito do Oriente Médio – inspiração para homens-bomba, consolo para as famílias das vítimas – imagens de um ônibus destroçado e homens em vestes hazmat pipocavam na tela. Eu era toda engajada enfatizando minhas respostas. Então, como meus três minutos estavam se esvaindo, o âncora me fez uma pergunta para a qual eu não tinha uma resposta. Eu devia saber que ela viria. “Você acredita no paraíso?” Fui encostada à parede. “Eu gostaria que você não me perguntasse isso.” Sorri. A resposta não era simpática, mas era a verdade. A menos que estejamos correndo para as repartições públicas ou vivendo às margens, esquerda ou direita, da sociedade, nós americanos nos sentimos desconfortáveis discutindo detalhes sobre nossas vidas espirituais, enquanto falamos sobre as honestas satisfações e insatisfações de nossas vidas sexuais. Segundo pesquisas com eleitores, muitos de nós

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dizemos acreditar no paraíso – e em Deus e milagres e anjos – mas não pensamos muito no que queremos dizer com isso. Fale sobre o paraíso num cocktail – levante o assunto como um tópico sério – e observe um meneio desconfortável nos rostos das pessoas. Dizemos a palavra paraíso em voz alta só quando estamos murmurando uma oração. Quando uma criança nos pergunta sobre a morte de um animalzinho de estimação, de um amigo ou do avô; ou quando nós mesmos enfrentamos a morte – a nossa própria ou a morte de um ser amado. E ainda, apesar da percepção de que falar realmente sobre paraíso é, de certo modo, tolo, quase todos nós – eu inclusive – temos visões do paraíso em nossas cabeças. Essas visões têm suas raízes na doutrina oficial, em credos cantados e lições aprendidas na escola religiosa. Elas também têm raízes na cultura: em pinturas e canções, em brincadeiras e filmes; e nas histórias que nossos pais nos contaram. Nossas visões do paraíso podem ser baseadas também em nossas próprias experiências transcendentes – aqueles momentos na vida quando vemos que o milagre da existência terrena é maior e mais perfeito que podemos conceber dia após dia. Como eu poderia – jornalista, especialista em religião, profissional cética – dizer a um âncora do jornalismo televisivo que eu acredito ter visto o fantasma do meu avô falecido? Ou que eu imagino o paraíso como algo como uma explosão de sentimento de amor que eu tive durante uma tarde, cinco meses após meu casamento, quando meu marido Charlie e eu fomos à praia depois de uma semana de trabalho exaustivo e nos ferimos com uma espinha de peixe na ponta de um píer, bebendo cerveja e observando os barcos ao sol. Eu refiz aquela entrevista televisiva de agosto mil vezes em minha cabeça, desejando tê-la realizado com mais finesse. Naquele momento, antes de trabalhar neste livro com afinco, eu teria dito algo como: “a ideia de paraíso desafia a lógica, mas em minha mente ela representa esperança e eu acredito na esperança.” Sobre o que falamos, quando discorremos sobre o paraíso? Nós, americanos, vivemos numa sociedade que talvez seja a de maior

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diversidade religiosa de todas. O pluralismo está escrito em nossa Constituição, reside em nossas personalidades; mesmo aqueles de nós devotadamente comprometidos com uma fé, vemos os direitos dos nossos vizinhos de praticar outra fé como sacrossantos. Quando estava se candidatando à presidência, em 1960, John F. Kennedy defendeu sua fé Católica Romana contra acusações de que ele era um papista. Agredir a religião de alguém – católica, quaker ou judaica – era não americano –, ele disse: “A liberdade religiosa é tão indivisível que uma ação contra uma igreja é tratada como um ato contra todas.” Perto de 80 por cento dos americanos dizem aos eleitores serem cristãos, mas a uniformidade para por aí. Os americanos são protestantes liberais e protestantes conservadores; são católicos romanos e ortodoxos orientais. (Definições e marcas, como são, carregam muito significado. Escreva uma história sobre os mórmons chamando-os de “cristãos” e receba uma caixa de e-mail cheia de explicações evangélicas mostrando que não são cristãos; escreva uma história que difira os mórmons de outros cristãos e sua caixa de e-mails estará cheia de mórmons, explicando como eles são cristãos.) Os americanos também são não cristãos. Graças às ondas de imigração, nos últimos 150 anos, do Leste Europeu, Ásia, sul da Ásia, o Oriente Médio, as Índias Ocidentais e África, eles também são judeus, muçulmanos, hindus, budistas, bahais, zoroastrianos, santerías, jainistas, pagãos, feiticeiros, new ages, ateus, agnósticos, seculares e proscritos. Na América, todas essas seitas religiosas vivem pacificamente – na maioria – juntas. O direito à liberdade de expressão religiosa que nos foi dado pelos fundadores protegeu, em primeiro lugar, um tipo de pluralismo paroquial entre os protestantes, desde o ceticismo racional de Thomas Jefferson até a teimosa piedade de John Adams. Mas o número de religiões manifestas na América explodiu nos últimos dois séculos, e a abertura constitucional americana à crença das outras pessoas significa que a experimentação religiosa – “experimentar” certas crenças, descartando aquelas que não

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satisfazem – agora está disseminada. Conforme um levantamento de 2007 pelo Fórum Pew sobre Religião e Vida Pública, 28 por cento dos americanos praticam uma religião diferente daquela onde cresceram (e se você incluir pessoas que mudaram de uma denominação protestante a outra, o número aumenta para 44 por cento). Também segundo Pew, 65 por cento dos americanos acreditam que muitos caminhos religiosos diferentes podem levar à salvação eterna. Há muito tempo, em 1831, Alexis de Tocqueville reclamava sobre o que via como a superficialidade da prática religiosa americana. Os americanos, ele observou, “seguem uma religião do modo como seus pais se automedicavam – se não fizer bem, pareciam dizer, mal não fará.” Essa disseminada erosão da ortodoxia – deplorada por todos, desde o Dalai Lama ao Papa Bento XVI – foi acelerada pelo surgimento dos mundos espirituais virtuais, onde as pessoas têm fácil acesso a religiões diferentes das suas, diz Rodger Kamenetz, autor de O Judeu no Lotus. Muitos americanos de mentes religiosas agora se sentem perfeitamente confortáveis abraçando mais de uma tradição religiosa ao mesmo tempo. Assim, um menonita que casa com um judeu e frequenta uma igreja episcopal progressiva, ou o cristão casado com uma Sikh, que manda seu filho para uma pré-escola islâmica. “Não estamos mais vivendo numa vizinhança episcopal ou numa vizinhança judaica,” Kamenetz me disse uma vez, “É fácil olhar através da cerca e ver o que as outras pessoas estão fazendo.” Em boa parte da Europa Ocidental, o cristianismo está em declínio – as grandes catedrais medievais permanecem vazias, exceto por turistas – e um tipo de sério secularismo tomou seu lugar. Na França, Bélgica, Países Baixos e na República Tcheca, em torno de um terço da população diz ser ateu. Na América é diferente. Valorizamos nossa religiosidade – mais de 90 por cento dos americanos dizem acreditar em Deus, um percentual que não mudou significativamente em sessenta anos – mas a natureza dessa religiosidade muda com os tempos. Denominações

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aumentam e diminuem, enquanto outros movimentos religiosos surgem para preencher os lugares vazios. Na América, episcopais, metodistas e batistas estão perdendo membros, enquanto igrejas não denominacionais, pentecostais, budistas e pessoas que dizem não pertencer a “nenhuma religião em particular” estão ganhando. Pesquisas como a de Pew são úteis, mas nem todas são compatíveis, pois não incluem práticas espirituais populares, mas não convencionais (yoga, programas de 12 passos, cientologia) e não contam com fenômenos como os cinco milhões de pessoas que compraram O Segredo, o bestseller de 2006 que defendeu o poder do pensamento positivo. Tal diversidade apresenta um problema para o paraíso, uma ideia – ou realidade, dependendo de sua visão – que nunca tenha sido caracterizada por consenso ou clareza. Mesmo a Bíblia não provê uma visão única, coerente da pós-vida. Estudiosos, teólogos, escritores, rabinos e poetas questionam o paraíso – onde fica, como se parece, quem o alcançará – desde sempre as pessoas começaram a falar sobre ele, às vezes e em locais onde a prática da religião era muito mais uniforme do que hoje. Assim, quando 81 por cento dos americanos respondem às pesquisas acreditando no paraíso, mais do que os 72 por cento de dez anos atrás, é difícil saber exatamente o que querem dizer – além de uma esperança automática e compreensível por alguma coisa além da morte, além do assustador fim de tudo. Uma vez namorei um cristão evangélico que me disse, já tarde da noite, num bar, com um conhaque, que ele acreditava que no paraíso ele veria o menino Jesus. Eu fiquei incrédula. Por que o menino Jesus, perguntei. Por que não Jesus, à idade de sua morte? Por que não Jesus como um cordeiro, ou como rei, ou um guerreiro heroico? Meu namorado insistiu: no paraíso o Senhor Jesus seria uma criança. Minha boa amiga Katty, uma frequentadora da igreja, uma católica apostólica romana de mente progressista, uma vez me confidenciou que sua imagem do paraíso é algo como um apartamento de solteiro com

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paredes de vidro com um interminável tapete fofo branco; quando você derrama alguma coisa, não mancha o tapete. No bestseller The Lovely Bones, Alice Sebold pinta um quadro do ambiente do paraíso para uma garota de quatorze anos: parece um colégio gigantesco, circundado por campos de flores. Filhotes e cães de todas as raças correm pelos gramados, e Susie, a garota de quatorze anos, pode tomar sorvete quando quiser. Sebold cresceu numa família rígida episcopal, indo à igreja todos os domingos e ela criou especificamente um paraíso que não tinha regras: sem regras para entrar e sem regras para quando você chegasse lá. Antes que os leitores ortodoxos deixem este livro de lado, confortem-se. Apesar de nossa diversidade religiosa e nossa promíscua abordagem à identidade religiosa, nós americanos somos também profundamente conservadores e os dados mostram que nosso conservadorismo está em alta. As mais bem-sucedidas denominações dos dias de hoje são as que ensinam a Bíblia como a Palavra infalível de Deus – as Assembleias de Deus, por exemplo, e as Testemunhas de Jeová requerem de seus membros uma rígida conformidade a certas regras de estilo de vida. Independentemente de onde se posicionem em questões de infalibilidade bíblica, muitas visões de americanos sobre o paraíso têm raízes na tradição judaico-cristã, na Bíblia, especificamente, e nas imagens e interpretações da Escritura, disseminadas através dos séculos via arte e cultura. Quase todos concordariam que falar sobre o paraíso cai na categoria de o que é – ou o que se imagina ser. Os melhores relatos são meras aproximações. Não é meu trabalho, nem a minha intenção, provar ou desmerecer a realidade de qualquer visão. Quando falamos sobre o paraíso, muitos de nós queremos dizer a mesma coisa. Paraíso é um lugar perfeito. É o lar de Deus e uma recompensa por viver o tipo certo de vida. No paraíso, vivemos para sempre. Esse conceito de paraíso foi inventado na Judeia em torno de 200 a.C. Isso mudou com Cristo e novamente com Maomé – então,

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com os estudiosos da Idade Média, os pintores da Renascença, os revolucionários da Reforma. Para a América, os Puritanos trouxeram com eles um tipo de paraíso – austero e sinistro – e esse paraíso mudou durante a Guerra Civil, quando 620 mil homens americanos morreram, deixando suas filhas, esposas, irmãs e mães sem pais e maridos e irmãos e filhos. Mudou novamente com o Racionalismo do início do século XX e novamente com o cataclisma da Segunda Guerra Mundial. Na América, somos herdeiros de todas essas concepções; quando pensamos sobre o paraíso, cada um de nós inconscientemente mergulha de volta no tempo, nos salpicamos, melhoramos o que encontramos lá em nossas próprias histórias, nossas próprias ideias de perfeição. Ann Dixon, uma amiga da família por três décadas, cresceu como luterana restrita, mas desde então abandonou qualquer vida religiosa formal. Ela vive em Vermont onde se alimenta de sua própria horta e cozinha. Ela me disse que em seu paraíso, haveria todo o tipo de deliciosos sabores do mundo: “queijos”, ela disse, “e frutinhas frescas e vinho.” Estamos de acordo, na essência. Disputamos eternamente os detalhes. A palavra paraíso seria uma substituição para um mistério sobrenatural que nunca compreenderemos enquanto vivermos na Terra? Ou ele é, como a filha de Billy Graham, Anne, diz, um lugar real, cujas fronteiras poderíamos alcançar se soubéssemos como chegar lá? Estaremos “nós mesmos” no paraíso? Manteremos nossos corpos? Poderemos ver nossos seres amados? Poderemos ver Deus? Poderemos comer, beber, fazer amor? Como se pode chegar lá? Como ele se parece? Uma cidade? Um jardim? Um lugar estático além dos planetas, como Dante imaginou, iluminado pela luz de Deus? Ou o paraíso é algum tipo de jornada abstrata até o amor perfeito, o perfeito conhecimento ou a perfeita verdade? Com o crescente fundamentalismo e a religião cada vez mais à frente e no centro da vida pública, algumas dessas questões não pertencem somente a pensadores, mas estão no coração de um conflito global rebelde. Os judeus irão para o mesmo paraíso dos islâmicos? Os

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evangélicos “salvos” pertencerão ao mesmo lugar que os católicos da Páscoa e Natal? Livros excelentes, ainda que populares, foram escritos antes sobre o paraíso. Dois destaques, escritos por notáveis estudiosos: um deles, Heaven: A History, de Colleen McDannell e Bernhard Lang, uma visão geral do paraíso cristão, como ele mudou em dois mil anos; outro: Vida após a Morte: uma História da Pós-Vida nas Religiões Ocidentais, de Alan Segal: um olhar erudito e abrangente à evolução da ideia do paraíso desde seu início no Antigo Oriente. Para quem estiver interessado na história do paraíso, esses dois volumes são indispensáveis. Mais recentemente, apologistas ortodoxos publicaram livros que defendem a ideia do paraíso como real, contra o que eles veem como a corrosiva influência do ateísmo, do secularismo e do diletantismo religioso. Entre esses: Jerry Walls, um cristão evangélico; Jeffrey Burton Russell, um católico romano; e Jon D. Levenson, um judeu tradicional praticante. Do lado popular, dois bestsellers – As Cinco Pessoas que Você Encontra no Céu, de Mitch Albom (mais de seis milhões de cópias impressas) e, de Don Piper, Noventa Minutos no Céu (mais de três milhões) – mostram como os leitores dessa corrente estão ansiosos por ideias sobre o paraíso, que possam inspirar ou consolar. Este livro é diferente. Não sou uma estudiosa, uma apologista religiosa ou uma escritora inspiracional; não é meu objetivo dizer definitivamente com que o paraíso se parece, ou ainda, provar ou não provar sua existência. Sou uma jornalista no campo da religião e meu objetivo é escrever um livro que possa guiar as pessoas pela mata cerrada de suas próprias visões sobre o paraíso, segurando um espelho das crenças atuais e passadas de outras pessoas. O livro se baseia em três caminhos, na maior parte do tempo, paralelos. Primeiro: espero mostrar a dramática amplitude das visões americanas contemporâneas sobre o paraíso, através de quadros escritos de pessoas reais – desconhecidas e famosas, ortodoxas ou não, que encontrei em meu trabalho e em minha

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pesquisa para este livro. Segundo: espero mostrar como essas visões refletem ou não o ensino oficial, qualquer que seja. Por último, espero mostrar que cada questão que um leitor “cabeça pensante” possa ter sobre o paraíso já foi feita – e respondida – antes, por outras pessoas em outros tempos e lugares. A conversação sobre o paraíso no Ocidente vem de mais de vinte séculos; é um debate turbulento com temas comuns – esses temas dão nome aos capítulos deste livro – e nenhum consenso à frente. Com meus olhos mentais, comecei a ver as pessoas que mais contribuíram para nossas modernas concepções – os autores de certas passagens bíblicas, Agostinho, Aquino, Michelangelo e Calvino, juntos com os salmistas, cartunistas do New Yorker, e diretores de Hollywood – sentados numa sala de jantar de um colégio, em golas olímpicas, analisando e ponderando sobre questões celestiais. Como sempre, meu trabalho é ouvir a conversação e relatar o que for interessante. Espero que os leitores encontrem aqui ideias sobre o paraíso, novas e surpreendentes. Um cético pode dar um passo atrás com temor, como eu fiz, diante do número de brilhantes filósofos e poetas ao longo da história que apaixonadamente acreditaram na ressurreição, literalmente. Um protestante liberal pode olhar para trás com apreço por certos católicos romanos medievais para quem as “boas ações” interessavam no mínimo tanto para o caminho ao paraíso, quanto o que hoje é conhecido como “um relacionamento pessoal com Jesus Cristo.” Barack Obama é esse tipo de pessoa; ele é protestante, mas evita a sabedoria convencional nos círculos evangélicos de que um relacionamento pessoal com Jesus é tudo que se precisa para chegar ao paraíso. “Sou um crente sincero, mas não só com palavras, disse o então Senador Barack Obama ao meu colega da Newsweek, Richard Wolffe e a mim, no seu plano de campanha, “mas também com comprometimentos e ações.” Minha sogra, Millicent Lynn cresceu como metodista em Minnesota. Ela se converteu ao catolicismo quando se casou e costumava pensar no paraíso como um lugar no céu onde Deus

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se assenta num trono. Agora, após dois divórcios, um infeliz abandono dos caminhos do catolicismo e alguma exposição ao ritual Celta e aos ensinamentos de projetos da New Age, como Marianne Williamson, ela acha que o paraíso é mais parecido com “um lugar onde as almas vão para serem energizadas.” Ela ficou atônita por aprender que Platão e certos judeus ortodoxos acreditavam muito na mesma coisa. Certas pessoas ao longo da história – profetas, visionários, aqueles que tiveram experiências próximas da morte – afirmam ter visto o paraíso, e eu trato esses testemunhos como muito importantes ou mesmo como histórias inspiradas, não como relatos factuais. Não acredito que saibamos, de algum modo empírico, algo real sobre o paraíso. Sem tal evidência, a história do paraíso diz tanto sobre os crentes quanto sobre a crença – pois como as pessoas imaginam, o paraíso muda o que são e como vivem. No hino de louvor “Swing Low, Sweet Chariot,” a palavra home [casa], no refrão “vindo nos levar para casa”, significa “paraíso”, claro. Mas também significa a cidade de Ripley, Ohio. Voluntários rebeldes da estrada de ferro de Ripley ajudavam a transportar os fugitivos através do Rio Ohio, da escravatura para a liberdade. Para os escravos americanos, o paraíso era o lar, o lar era a liberdade, a liberdade estava em Ripley. Em 1950, num pico da prosperidade americana, o evangelista Billy Graham visualizava um paraíso diferente, um tipo de sonho bucólico, suburbano. “Nós iremos nos sentar perto de uma fogueira e ter festas, e os anjos nos protegerão,” ele disse, “e nós passearemos pelas ruas douradas num Cadillac conversível amarelo.” No século VII, Maomé deu a seus crestados seguidores, que viviam num lugar sem água, onde as temperaturas do verão regularmente subiam a mais de cem graus, um paraíso inundado, entrecortado por rios, fontes e frutas maduras. Mais de mil anos depois, os homens-bomba suicidas no West Bank estão colocando suas esperanças num paraíso que inclui não somente água e sofás para descanso, mas também setenta e dois olhos negros de virgens prontas a realizarem sonhos eróticos para cada mártir.

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O paraíso é “uma série de símbolos”, diz Kevin Reinhart, professor associado de religião islâmica em Dartmouth. As setenta e duas amantes são “o tipo de coisa que você diz para rapazes excitados de dezoito anos que estão para explodir.” Este livro focaliza os três monoteísmos ocidentais – judaísmo, cristianismo e islamismo porque eles compartilham tanta história e tantos conceitos religiosos, e porque o tópico é grande o bastante sem tentar englobar tudo. Eu dei maior espaço à história cristã porque essas imagens tiveram o maior impacto no imaginário coletivo americano. Não sou tão ingênua a ponto de esperar que este livro venha a ter um efeito unificador. As pessoas que acreditam terem encontrado o único caminho verdadeiro para o único paraíso verdadeiro, pouco provavelmente serão persuadidas a seguir outro, mas talvez este livro venha dar às pessoas que estão lutando para esclarecer em que acreditam, sobre a pós-vida, alguns conceitos para considerarem e algum senso sobre o que suas tradições fazem e não oferecem. Espero que venha dar, mesmo aos leitores seculares, um senso de conectividade com os crentes do passado e fornecer-lhes uma ocasião para a autorreflexão. O que as pessoas pensam sobre o paraíso revela muito sobre quem elas são. De acordo com as pesquisas, mais americanos acreditam agora no paraíso do que há dez anos. Um levantamento do Instituto Gallup de 2007 relatou que 81 por cento dos americanos dizem acreditar no paraíso, mais do que os 72 por cento de 1997. Naquele ano, a revista Time publicou uma história de capa dizendo que a crença no paraíso estava morta. Os pregadores não estavam falando sobre o paraíso, o artigo dizia; os jovens em treinamento para serem pregadores não aprenderam sobre o paraíso nos seminários. Mesmo os evangélicos tratavam o assunto – perfeição e justiça eternas – como algo embaraçoso. Além disso, quem precisa de paraíso quando a vida na terra é tão boa? Em 1997, o baixo índice de desemprego chegou a seu vigésimo oitavo ano e o índice Dow Jones excedeu 7.000. Titanic era o filme do ano e Celine Dion arrebanhou o

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Grammy, ganhando três prêmios, inclusive o álbum do ano. “O paraíso,” disse o artigo da Time, “está EXTINTO.” Quando comecei a cobrir a religião americana para o Wall Street Journal, em 1998, o auge era um retrocesso. O direito religioso fornecia matérias para repórteres políticos, mas por outro lado, ninguém pensava que a história religiosa tivesse qualquer importância real; a brincadeira era que quando os jornalistas estavam para serem detonados, eles recebiam uma coluna sobre jardinagem ou uma sobre religião. O passo seguinte era um relógio de ouro e uma festa com bebida de graça e cascatas de camarões. Os crentes americanos ficavam, na maioria, salvos dentro dos parâmetros definidos para eles pelas classes dos tagarelas; os escritores religiosos os cobriam como curiosidades culturais. Havia os fundamentalistas cristãos, que tentavam influenciar a política pública com questões como aborto e casamento gay. Havia guetos ortodoxos em cada denominação: judeus, mórmons, anabatistas que se retiravam da sociedade para viver uma vida pura conforme as Escrituras. Havia os “buscadores” que deixavam a fé de suas infâncias para seguirem gurus da Nova Era ou para praticarem um novo tipo de espiritualidade híbrida: os “jubus” – o plural de jubu, significando um judeu que praticava o budismo – era a história do momento. De vez em quando uma pessoa ou grupo religioso fabricava títulos para novidades ou comportamento incendiário. Os guardiães da promessa chamaram a atenção do país: milhões de homens evangélicos, na maioria branca, diziam querer ser melhores maridos e pais. Jerry Falwell, sempre um agitador, berrava que Tinky Winky (uma grande e púrpura personagem da TV infantil) era gay. Procurei cobrir a religião americana pela perspectiva das pessoas comuns lutando com a fé; eu acreditava apaixonadamente então (e ainda acredito) que as pessoas queriam falar a respeito – e ler a respeito – das “grandes questões da vida”. Meus editores me apoiavam, mas em geral a religião não era o que eles chamariam de uma grande manchete.

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A religião encontrou seu lugar permanente nas páginas frontais, no “11 de setembro” de 2001. Como não poderia? Nós americanos assistimos ao vivo pela televisão, enquanto as pessoas acordavam, centenas de histórias sobre mortes, quando – incrivelmente – aquelas torres enormes se esmigalharam no chão. Nos dias seguintes imaginamos as três mil mortes terríveis, uma a uma, enquanto líamos, com lágrimas correndo por nossas faces, sobre as últimas ligações, mensagens de e-mails, e correios de voz. “Não se esqueça de pegar Johnny no colégio. Jane precisa de novos sapatos. Eu te amo.” Mesmo os cínicos que nunca deram um segundo de seu pensamento a Deus ou ao paraíso estavam agora de joelhos. Aprendemos, com horror e descrença, que os homens responsáveis por esse cataclisma imaginavam estar seguindo instruções de Deus. Eles eram mártires, pensavam que seriam recompensados, após a explosão, com o paraíso: “vocês estarão começando uma vida mais feliz, uma vida eterna,” mostrava uma nota escrita à mão, encontrada na bagagem de Mohammed Atta logo depois que ele pilotou o American Airlines 11 para dentro das Torres Gêmeas. “Tenha isso em mente se você se encontrar em um beco sem saída.” Meu antigo colega do Wall Street Journal, Paul Barrett, se descreve sentado à sua mesa no departamento de editorial, nas semanas após o ataque, tentando imaginar os significados de palavras novas estranhas: jihad, sharia, hadith. “Eu nunca realmente tinha pensado de todo sobre o Islã,” ele disse numa conversa por telefone. “Eu tinha poucas ideias sobre quem eram os muçulmanos, neste país, ou como eles adoravam, ou como se relacionavam com outros americanos.” O que se seguiu foram anos de aprendizado e revisão por jornalistas como Paul e eu – separando as crenças dos islamitas radicais dos muçulmanos americanos que viviam na casa ao lado, tentando, como todo mundo, mandar seus filhos para o colégio. No “11 de setembro”, a religião deixou as províncias das prioridades culturais americanas e tomou seu lugar ao centro. Por causa dos ataques terem causado tantas mortes desnecessárias e inexplicáveis, o paraíso estava sempre por perto.

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Seguiram-se anos de livros populares, filmes e canções que aludiam abertamente ou obliquamente à morte e à esperança do paraíso. Algumas eram sobre o “11 de setembro”. Muitas não eram. Havia “Os Amados Ossos”, claro. Em 2002, Bruce Springsteen lançou um álbum que eventualmente vendeu dois milhões de cópias, chamado “The Rising”, um tributo aos que morreram no “11 de setembro”. A canção-título descreve a própria versão de Springsteen sobre o paraíso, um lugar onde as crianças – puras em pensamentos – dançam num céu brilhante. Anne Graham Lotz, a segunda dos cinco filhos de Billy Graham, estava já escrevendo um livro sobre o paraíso, inspirado na morte de um amado cunhado com um tumor cerebral, mas após o “11 de setembro”, ela diz, esses pensamentos assumiram uma nova urgência. Ela, como todos na América, assistiu à queda das torres pela TV e foi levada a pensar que muitos dos três mil “subiram para a eternidade sem conhecer Jesus.” Seu livro “Heaven: My Father’s House” é uma tentativa de consolar a todos os enlutados com a visão de que um acolhedor e confortante paraíso é uma certeza, se apenas você conhecer o Senhor Cristo. O paraíso continua a ser um assunto para escritores e artistas. Em 2005, o ganhador do Prêmio Pulitzer para ficção foi Gilead, de Marilynne Robinson. No romance, um ministro ancião escreve uma carta para seu filho jovem, com plena certeza de sua morte iminente e medita frequentemente sobre a natureza do paraíso: “Boughton (o melhor amigo do narrador, também idoso) diz que ele tem mais ideias sobre o paraíso a cada dia. Ele disse: ‘Em essência, penso sobre os esplendores do mundo e multiplico por dois. Eu teria multiplicado por dez ou doze se eu tivesse a energia. Mas dois é mais que suficiente para meus propósitos.’ Assim, ele está sentado lá, multiplicando o sentimento do vento por dois, multiplicando o cheiro da grama por dois.” Na academia e no púlpito, os crentes se alimentaram com o que viram como uma abordagem politicamente correta do tipo algo acontece à religião em geral e ao paraíso em particular entre seus colegas e alunos,

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empenhados com trabalhos de pesquisa para mostrar que o cristianismo, o judaísmo e o islamismo – eram sem sentido, sem uma crença real num paraíso real. Walls, Russell e Levenson são, de um modo ou de outro, parte desse movimento. Mais recentemente, o bispo anglicano de Durham, Inglaterra, N T. Wright, escreveu um livro chamado Surprised by Hope: Rethinking Heaven, the Resurrection, and the Mission of the Church, em que ele argumenta que a crença em Cristo requer uma crença que a ressurreição realmente aconteceu – o homem morto voltou à vida como Deus e deu a salvação a todos que o seguiram. Wright usa a toga púrpura de um bispo anglicano e fala ironicamente do espanto que seus ouvintes expressam quando ele lhes conta que precisam pensar sobre a ressurreição de Jesus como um evento real da história. “As pessoas ouvem com muita frequência que a ressurreição é só uma metáfora,” ele contou ao meu editor Jon Meacham e a mim, numa entrevista para a Newsweek. “Em outras palavras, [Jesus] foi para o céu, o que quer que isso signifique. E eles nunca perceberam que a palavra ressurreição simplesmente não quer dizer isso. Se as pessoas [no primeiro século] quisessem dizer que Ele morreu e foi para o paraíso, elas teriam boas maneiras de dizer isso.” Falando estritamente por mim mesma, o “11 de setembro” marca uma fronteira em minha psique e memória. Tudo antes parece brilhante, tolo, ingênuo. Quase tudo depois – e esses dias mais que nunca – senti como pesados, com significado e mortalidade. Essa mudança de perspectiva é parcialmente devida às minhas próprias circunstâncias mudadas, o inevitável efeito da meia-idade e as responsabilidades da maternidade. Penso constantemente, como nunca fiz antes, em minhas preciosas bênçãos e na terrível fragilidade da vida. Novas histórias sobre mortes cruéis ou ao acaso – meninos pequenos abandonados famintos nos porões em Newark e acidentes com aviões de passageiros em North Carolina – me parecem mais assustadores, me afetando mais que antes. Enquanto acabava de escrever este livro, o filho do meu amigo Jerry, Max, morreu num terrível acidente. Jerry está aguentando, mas sua dor e

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luto obliteram todo o resto quando estamos juntos. Coisas impensáveis, a presença de Jerry em minha vida me lembra, podem acontecer a qualquer um a qualquer momento. Mas não estou só na minha visão cruel. Não é que meu mundo pareça mais precário; é que nosso mundo é mais precário – com guerra no exterior e recessão em casa e tudo ficando cada vez mais quente. Mesmo antes do colapso da economia global em 2008, um título de capa da revista Economist dizia “América Infeliz” e mostrava a estátua da liberdade atordoada. Estamos preocupados com nossos empregos; nossas economias e contas de aposentadoria; o valor de nossos lares; o custo da saúde, o cuidado com as crianças, armazém, gasolina e colégio. Vemos claramente que nossos filhos viverão num mundo muito menos hospitaleiro do que aquele em que fomos criados. Estamos preocupados com o destino de outras pessoas, morrendo de fome e doenças e AIDS. Estamos preocupados com os conflitos no exterior, os inocentes mortos. Estamos envelhecendo. Mais de 12 por cento dos americanos têm mais de sessenta e cinco anos, segundo o Censo dos Estados Unidos, um número que aumentará para 20 por cento por volta de 2030 – e nada focaliza melhor a mente na pós-vida, para parafrasear um velho ditado, como a proximidade da morte. Segundo a pesquisa Pew, mais americanos estão se voltando à oração, do que ocorria há quinze anos. O escritor, ateu e neurocientista, Sam Harris tem isso como certo. Acreditar em Deus – e no paraíso – é acreditar no sobrenatural. Ele o disse de modo ridículo: acreditar em Deus é como crer no “monstro do espaguete voador, mas você pode colocar isso de outra forma. Acreditar em Deus requer o que Samuel Taylor Coleridge chamou de “aquela interrupção por livre vontade da descrença, um abraço no desconhecido, no inexplicável, no misterioso”. Qualquer cristão, muçulmano ou judeu, concordaria com essa afirmação. A história de Jesus, da divisão do Mar Vermelho, a história da visita do anjo a Maomé adormecido na caverna – o crente toma todos esses relatos como verdade, com V maiúsculo,

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mais verdadeira do que o mundo em que vivemos e podemos ver todos os dias. Assim é com o paraíso. Harris foi levado a escrever A Morte da Fé, sua polêmica obra contra a religião e seus aspectos destrutivos, nos dias após o “11 de setembro”. Tempos difíceis o conduziram a assumir uma pesada posição contra Deus. Mas outras pessoas olham o estado do mundo, os milhares de homens e mulheres americanos mortos no Iraque e Afeganistão, as notícias de pais chineses segurando fotos de seus filhos mortos, esmagados, quando suas frágeis escolas foram destruídas num terremoto e eles querem crer numa ajuda sobrenatural. Em benefício do meu amigo Jerry, quero acreditar em milagres. É o bastante para me fazer orar. Logo que comecei a pesquisar este livro, alguns amigos me convidaram para jantar. “Posso fazer uma pergunta estúpida, mas importante?” me perguntou Jim, um conhecido escritor de ciência e ateu. (Oh, não, pensei). “você vai tratar o paraíso como um fato? Ou como um mito à medida que ele muda ao longo da história?” Eu tomei essa pergunta do jeito que ela era: uma advertência de que, para ter alguma credibilidade com os leitores, eu teria que ser clara sobre se eu realmente acredito no paraíso. Eu não estava mais articulada com Jim do que estava naquela manhã na televisão. Eis os fatos relevantes. Eu sou judia. Meus avós maternos e minha mãe fugiram da Antuérpia, em maio de 1940, no dia que os nazistas começaram a bombardear a cidade – minha mãe tinha três anos – então eu cresci num lar tão assimilado que não frequentávamos uma sinagoga, não tivemos bar ou bat mitzvahs, não aprendemos hebraico, embora celebrássemos Chanukah, Pessach e normalmente os grandes Dias Santos. Diferentemente do lado paterno da minha família – judeus bem estabelecidos do Oriente Médio – não acordávamos na manhã de Natal com um coração cheio de presentes. Casei-me com um homem batizado como católico, mas agora não é mais crente. Fomos abençoados por um pastor episcopal. Ele é um bom amigo e sentimos que seu amor

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por nós nos traria mais significado ao culto (que ele criou fundindo as tradicionais cerimônias cristãs e judaicas) do que um padre ou um rabino com quem ele não tinha qualquer ligação – e ele tinha. Consideramos nossa filha Josephine como judia. Frequentamos um templo da Reforma, perto de nossa casa, e durante anos nós a enviamos a uma escola ligada a esse templo; depois da escola, nossa babá pentecostal contou-lhe sobre o Espírito Santo. Trocamos presentes em Chanukah e no Natal colocamos mais presentes debaixo da árvore. Da minha mãe herdei minha identidade judaica, um judaísmo ligado à preparação das comidas cerimoniais (peito de frango, sopa de galinha) e a um profundo senso de tradição: se meus avós não tivessem escapado da Europa, eu não estaria aqui. Do meu pai, um virologista da Universidade de Yale, eu herdei tanto a impaciência por explicações insuficientes quanto uma reverência pela beleza e perfeição inexplicáveis do mundo natural – e pelas habilidades inspiradas dos humanos que vivem nele. Esse sentimento de reverência é o que eu sempre chamei de Deus. Como tantos americanos, então, eu abordo a religião de um modo nada tradicional, e, como muitos, eu lutei com o que acreditava sobre o paraíso. Quando criança, eu costumava imaginar que via a face de Deus nas nuvens, no céu, mas quando cresci eu achei esse jogo insatisfatório. Palavras como eternidade e bem-aventurança não tinham poder sobre mim. Eu acreditava que as pessoas ruins podiam fazer coisas terríveis e desfazê-las, então a “justiça cósmica” desafiava meu pensamento racional. Qualquer visão tradicional do paraíso – anjos flutuando nas nuvens e dedilhando harpas, reencontros familiares, visões de Deus, salas do trono, cidades com portais – falharam em me inspirar, embora pinturas antigas de tais visões me deixem fascinada. Felizmente, na minha pesquisa para este livro, encontrei respostas – crentes cujas visões fizeram o paraíso parecer possível, ou no mínimo compreensível, teólogos e estudiosos cujas explicações foram, para mim, comoventes e memoráveis. As fontes da minha inspiração eram improváveis, porque

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na maioria vieram de crentes cuja fé religiosa não se entrosa claramente com a minha. Penso em Jon D. Levenson, o professor de Harvard que me instruiu a não pensar muito sobre as mecânicas para chegar ao paraíso, mas colocar minha fé num Deus que pode realizar coisas sobrenaturais. Penso no padre Dominic Whedbee, um monge trapista que vive em reclusão no centro de Massachusetts e ora o dia inteiro pela salvação de todas as almas no mundo, inclusive a minha. Penso no rosto do professor da Yale, Peter Hawkins, quando descreveu seu paraíso: um concerto de Bach que o deixa encantado não importando quão pouco você saiba sobre música clássica. Seu cálice de vinho está ao seu lado, o sol está se pondo sobre sua varanda no centro de Boston e seu rosto bonito demonstra um tolo e brilhante sorriso. O ponto inicial para qualquer conversação sobre paraíso, ele me lembra, é a fé.

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nquanto terminamos nossa salada de lula, o padre solta suas piadas sobre o paraíso. Ele não está usando sua gola clerical, só uma camiseta de mangas curtas, do tipo que você compra em qualquer loja de roupas esportivas e faz brincadeiras com a facilidade de uma pessoa que tem o dom de fazer as pessoas rirem. Se você pode chamar um padre de agitado – e eu acho que você pode – este é desse tipo. Ele conta uma piada sobre o papa Bento XVI e os teólogos dissidentes que subiram ao céu para esperar por seu julgamento. Tem aquela sobre o papa João Paulo II, no céu, barganhando com Deus sobre qual dom dar ao povo de fé na terra. E então tem a outra sobre o padre jesuíta e o padre franciscano que seguem numa viagem para a Flórida e sofrem uma batida de um caminhão. As nuvens se abrem, os portões perolados aparecem e os dois padres estão do lado de fora antecipando ansiosamente seus destinos eternos. Os portões se abrem e um tapete vermelho se desenrola diante deles magicamente e para aos pés do jesuíta que se coloca nele, enquanto todos os santos se aproximam pelo tapete e o abraçam. Um coro de anjos começa a cantar. Então um tapete azul rola por cima do tapete vermelho e a Virgem Maria aparece. Finalmente, um tapete branco rola sobre os outros dois e o próprio Jesus se aproxima através dos portões. Juntos, o alegre grupo – os santos, a Virgem, o Senhor e o feliz jesuíta – se voltam e entram na Cidade de Deus. Os portões se fecham.

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O franciscano, confuso, é deixado só. Finalmente, uma pequena porta de madeira em uma das paredes de pedras preciosas se abre e um monge, vestindo um hábito surrado o chama para entrar. “O que é isso?” – pergunta o franciscano. “Estou feliz de estar aqui e tudo o mais. Não estou reclamando, mas meu amigo, o jesuíta, teve tapete vermelho e tapete azul e tapete branco, foi recebido pelos santos e coro de anjos e foi cumprimentado pela Virgem Maria e o próprio Senhor.” Seu hóspede lhe deu alguns gentis tapinhas nas costas e enquanto os dois entravam na cidade santa, ele disse: “é o primeiro jesuíta que eles viram por aqui em cinquenta anos.” Engasguei de tanto rir e meu companheiro, que não se surpreende, é um jesuíta, sorriu um sorriso amarelo, mas alegre. Padre James Martin – Jim para seus amigos – sabe bem como a ideia do paraíso parece louca a qualquer pessoa com uma mente racional. Martin, que possui um diploma de bacharel da Escola Wharton da Universidade da Pensilvânia, trabalhou na General Electric antes de ter decidido, há mais de duas décadas, se tornar padre. Martin veio do trabalho, numa tarde, insatisfeito e despedido, e ligou a TV na estação PBS para encontrar um documentário sobre o famoso monge americano e escritor espiritual Thomas Merton. Ele começou a pensar seriamente sobre dedicar sua vida a Deus. Agora, o editor de cultura da revista jesuíta, America, e autor de suas memórias espirituais, My Life With the Saints, Martin, é um católico urbano, conhecedor da mídia, uma das pessoas que os jornalistas convidam frequentemente para dar sua perspectiva, ou citações mordazes, quando o papa vem à cidade ou quando o Vaticano emite uma afirmação incompreensível sobre uma questão politicamente explosiva – a adesão oficial de um bispo que nega o Holocausto, ou alguma outra explicação da reação do Vaticano ao escândalo da pedofilia nos Estados Unidos. A brincadeira de Martin sobre o paraíso é engraçada, claro, porque no mundo católico, os jesuítas têm a reputação de serem mais mundanos que outros padres. Eles tendem a ser irreverentes e

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antiautoritários. Quando um padre arranja problemas por falar contra o Vaticano ou ensinar uma visão não convencional sobre Jesus, você quase pode garantir que ele é um jesuíta. Jesuítas bebem, fumam e gostam de bons restaurantes. A primeira vez que ouvi essa piada, o papel do jesuíta pertencia a um advogado. A piada também é engraçada (lembro-me do pensamento da comediante Sarah Silverman: “se você tem que explicar, Steve, não é engraçado”), porque invoca cada clichê americano sobre o paraíso que nós americanos conhecemos e os tornam ridículos. Você tem portões e nuvens e coro de anjos. Você tem santos e o personagem do próprio Deus. Você tem um julgamento e uma inexplicável hierarquia paradisíaca. Acima de tudo, você tem um contador de piadas cuja descrição de cargo, você deve supor, deve incluir uma crença sincera e considerável no paraíso, para brincar com a coisa toda. Jim Martim acredita no paraíso. “É uma linda ideia,” ele diz. Ele pensa nisso o tempo todo. Quando lhe pergunto como ele imagina o paraíso, Martin pensa nas respostas. Ele fala, com ansiosa expectativa sobre encontrar os santos, o que não surpreende. Martin acredita, como os católicos sempre o fazem, que os santos habitam o paraíso. Martin gosta especialmente do afresco de Fra Angelico, do início da Renascença Os Justos Encontram os Anjos no Paraíso, um detalhe de O Último Julgamento, em que os santos dão as mãos aos anjos e dançam num círculo, num jardim rochoso e florido. Ele gosta da frase atribuída à freira francesa, Teresa de Lisieux, do século XIX: “Eu acredito no inferno, mas acredito que ele esteja vazio.” Como estudante do Jesus histórico, Martin espera que no paraíso um relato verdadeiro da vida de Jesus lhe será revelado, mas diz, de um modo embaraçado, que entende que no paraíso ele não mais se preocupará em saber das coisas que tanto ansiou conhecer em vida. Ele está convencido de que as identidades individuais e o amor entre as pessoas serão preservados no paraíso. “De algum modo,” ele diz, “seremos reconhecidos e bem recebidos por aqueles que conhecemos”.

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“Deus não destruiria ou terminaria relacionamentos.” Jim Martin é uma prova viva de que você pode acreditar no paraíso – e de que você pode acreditar que o paraíso é inacreditável ao mesmo tempo. A C A SA DE DEUS Antes de mergulhar em séculos de discórdia sobre concepções do paraíso, sobre os tipos de corpos que teremos e se nossos bichinhos de estimação podem ir conosco, quero primeiro estabelecer em que concordamos. Do que estamos falando quando falamos sobre o paraíso? Deus vive lá, claro, e seus anjos também. Pensa-se que os anjos vivem no paraíso, no mínimo desde os tempos da Bíblia Hebraica, quando Deus os mandou para a terra – notavelmente a Abraão e Moisés, e então mais tarde, no Novo Testamento, para Maria, mãe de Jesus – para enviar suas mensagens. Eles não eram os querubins dos cartões Hallmark, mas agentes esplêndidos e aterrorizantes do Senhor que provocam gaguejos de medo e descrença daqueles que os encontram. “Pois a beleza nada mais é,” escreveu o poeta Rainer Maria Rilke, ecoando os autores do Antigo Testamento, “Por conta do terror que o desprezo nos causa, sentimos muito medo, mas mesmo assim seguimos em frente. Todos os anjos nos apavoram.” Os portões de pérolas, paredes de pedras preciosas e ruas de ouro entraram no imaginário popular através do Livro do Apocalipse, o último (e mais controvertido) livro da Bíblia Cristã, que muitos estudiosos acreditam ter sido escrito em torno do ano 95 d.C. São Pedro de pé, junto aos portões, verificando os nomes dos rebeldes e dos bons, o homem íntegro em tantas piadas sobre o paraíso – isso tem suas raízes no Evangelho segundo Mateus, onde Jesus diz a seu discípulo Pedro que ele está encarregado da igreja a partir dali. “Eu lhe darei as chaves do

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reino dos céus.” Uma sala do trono, um banquete, um casamento – essas imagens têm suas sementes na Bíblia, assim como em outros escritos contemporâneos. Descrições do paraíso têm sempre sido o melhor, mais alto, o máximo que as pessoas poderiam imaginar. O esteta britânico e pastor anglicano do século XIX, Sydney Smith, fez uma famosa reflexão de que no paraíso se pode “comer patê de fois gras com sons de trompetes.” Na década de 1890, quando os industriais americanos estavam construindo grandes ferrovias, uma canção popular comparava o paraíso a uma estação de trem. “Você parará na Estação Federal em que seu trem passará; / Lá você encontrará o superintendente, Deus Pai, Deus Filho.” Essas são as letras de “Ferrovia da vida para o paraíso”. Imam Salahuddin Muhammad converteu-se ao islamismo numa igreja historicamente negra, quando tinha 13 anos, e agora trabalha como capelão no Bard College, no Estado de Nova York e nas Instalações Penitenciárias de Fishkill. Quando ensina islamismo aos internos, ele não descreve o paraíso como faz o Alcorão, com suas fontes e água corrente. “Nós temos água,” ele me disse num telefonema. “Nós temos água corrente o tempo todo. Eu uso linguagem de rua para eles. Eu digo: ‘qualquer coisa que pudermos ter na vida, lá será melhor. Cadillacs ou diamantes ou dinheiro – isso tudo haverá em abundância para vocês. ’” Segundo uma pesquisa da Newsweek, em 2002, 71 por cento dos que dizem crer no paraíso o concebem como “um lugar real” e neste capítulo, eu vou explorar as áreas mais importantes de concordância. É um lugar para onde você vai após a morte. Desde a infância, muitos de nós imaginamos o paraíso em termos de direção “para cima”, além do céu, embora sua localização exata seja assunto de muita polêmica. É o lar de Deus e dos fiéis. É perfeito. Parece um jardim em uma cidade. E, embora seja um lugar real, também é eterno e infinito: existirá após o mundo ter terminado, mesmo depois do fim dos tempos. Assim, embora o paraíso seja um “lugar”, as noções terrenas de tempo e espaço não se

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aplicam a ele. Quando usamos a palavra paraíso, falamos de todas essas coisas – e é claro, muito mais. A língua inglesa torna o falar sobre o paraíso especialmente difícil. A palavra paraíso em inglês carrega todos os significados acordados – um lugar aonde você vai após a morte, o lar de Deus, perfeição, eternidade e assim por diante – mais o que quer que você sonhe, menos o que quer que você não acredite. Quando dizemos “paraíso”, reunimos todos os antigos significados teológicos. Significa o lugar onde vivemos com nossos espíritos ou almas após a morte e o lugar onde habitaremos com nossos corpos ressurretos. Falamos sobre um lugar que acontece no fim do mundo e um lugar que existe em tempo real, agora. Essa confusa mistura causa agonias especialmente em estudiosos bíblicos e historiadores que desejam que tenhamos mais cuidado com nosso vocabulário e digamos “ressurreição” quando quisermos dizer “ressurreição”. Quando os autores bíblicos falaram em “paraíso”, eles não queriam dizer o que mencionamos hoje. “Toda a conceitualização de paraíso do primeiro século é tão completamente diferente das suposições ocidentais pósIluminismo que realmente temos que desfazer o modo como ouvimos a palavra e começar de novo.” O bispo anglicano de Durham, Inglaterra, N.T.Wright me escreveu em um e-mail. Neste livro, uso a palavra paraíso no seu sentido mais amplo, desordenado, moderno e a desconstruo quando posso. Os antigos rabinos tinham uma palavra diferente para cada conceito de paraíso. Quando queriam dizer “o lugar no céu onde Deus vive,” eles usavam uma palavra hebraica – shamayim, que significa, simplesmente, “céu“ (ou, mais corretamente, “céus”, pois a palavra é plural). Quando queriam dizer “o bom lugar aonde você vai após a morte,” usavam Gan Eden, que significa, claro, O jardim do Éden. Quando queriam dizer “a terra restaurada no fim dos tempos,” usavam a frase olam ha-ba, ou “o mundo do porvir.” Malchut shamayim significava “o Reino de Deus”, a comunidade dos seguidores de Deus na terra. (Porque os judeus praticantes

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não escreviam ou diziam o nome de Deus, eles usavam shamayim – céus – neste caso, para descrever Deus ou paraíso.) Nenhuma palavra em hebraico ou em inglês carrega o significado mais potente da palavra paraíso: um universo paralelo que existe em tempo real, onde Deus vive junto com seus anjos e as almas de nossos amados que partiram e que inesperadamente se cruzam e afetam nosso mundo. Quando dizemos aos nossos filhos que a vovó está com Deus no paraíso, é isso realmente o que queremos dizer – um lugar real, onde a ação real ocorre em algum outro lugar. Quando imaginamos anjos flutuando em nuvens no paraíso, tocando harpas e soprando trompetes, ou nossos mortos sorrindo para nós, enquanto vamos trabalhar, temos esse significado em mente. A ficção científica e a fantasia oferecem embelezamentos mais vívidos e sedutores. Em outro domínio, criaturas boas estão em guerra com as forças do mal e, embora terráqueos normais não tenham poder para afetar o resultado, o destino de nosso planeta e tudo que entesouramos, de nossos filhos à nossa democracia – está de pé. Os filmes Matrix, os romances de Robert Heinlein, os livros de Harry Potter, a trilogia O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, as obras de Madeleine L’ Engle – todos eles usam o universo paralelo como sua ideia básica. No terceiro filme de O Senhor dos Anéis, o grande mago Gandalf descreve o paraíso como um lugar separado da terra por uma cortina climática. Ele conforta o hobbit Pippin, traumatizado pela batalha, com isso: “A cortina cinza de chuva deste mundo se encolherá,” ele diz, “e tudo se tornará como brilho de prata. E então você o verá... praias brancas e do outro lado, um longínquo país verde sob um rápido nascer do sol.” “Bem, não é assim tão ruim,” diz Pippin. “Não, não é,” Gandalf responde. O amigo de Tolkien, C. S. Lewis, também um estudioso de Oxford, escreveu As Crônicas de Narnia como uma alegoria cristã. Os principais personagens de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, que é o primeiro

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livro da série, são quatro crianças inglesas que descobrem outro mundo por trás de uma fileira de casacos de pele dentro de um quarto de vestir. Elas são crianças porque, é claro, esse é um livro para crianças – mas também porque no cristianismo as crianças têm acesso especial ao paraíso. Como disse Jesus “Deixem vir a mim as criancinhas e não as detenham; pois é a elas que o Reino dos Céus pertence.” Naquele livro, há uma poderosa batalha em que as crianças brigam do lado do bem. No final, Narnia, à beira da destruição, se volta para algo como o paraíso. As quatro crianças recebem tronos para se sentar e coroas para usar. “Elas viveram em grande alegria,” escreve Lewis, “e se elas se lembraram de suas vidas neste mundo, foi somente como alguém se lembra de um sonho.” (No final de A Última Batalha, o livro final, as crianças são mortas num acidente de trem e após a destruição e restauração de Narnia na verdade foram levadas pelo vento ao paraíso: “Toda a sua vida neste mundo e todas as suas aventuras em Narnia foram apenas a capa e o título do livro. Agora finalmente elas estavam começando o capítulo que ninguém na terra ainda leu, o da Grande História, que continua para sempre e que cada capítulo é ainda melhor que o anterior.”) Do universo paralelo, anjos – criaturas com poderes dados por Deus – descem à Terra para interagir com humanos favorecidos. Filmes populares como Ghost e Cidade dos Anjos mostram anjos (ou, no caso de Ghost, um espírito), salvando pessoas especiais da morte ou do desespero. No filme de Frank Capra, A Felicidade Não se Compra, o desanimado e auto-odiado George Bailey é resgatado do suicídio por Clarence, um anjo que veio do céu na véspera de Natal para mostrar ao pobre George como a vida na terra seria sem ele. Clarence é enviada por São José, que ouviu as preces da família de George. Na América, hoje, 31 por cento das pessoas acreditam ter respostas às suas preces “definidas e específicas” pelo menos uma vez por mês. Pelo menos desde 600 a.C. os judeus realizam a prece diária – olhando na direção de Jerusalém, sacudindo cabeças e braços com

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tiras de couro e caixinhas chamadas tefilin, recitando o Shema Israel, a mais antiga declaração do monoteísmo – como uma atividade que os liga, literalmente, ao Reino de Deus. Alan Segal é professor de Estudos Judaicos no Barnard College, em Nova York, um especialista em Bíblia – e, especialmente, nas visões bíblicas da pós-vida. Ele fala (ou lê) em incontáveis idiomas, antigos e modernos; seu curso de formação, Vida Após a Morte, é sempre supermencionado. Ele trabalha num estúdio meio como uma caverna, lotado de livros que ele ostenta, “é relativamente grande para Barnard.” Ele realiza seminários lá; é fácil imaginar seis ou oito alunos universitários espremidos em torno de uma mesa pequena, tomando chá da chaleira elétrica. Segal me lembra que mesmo os judeus modernos falam sobre “assumir a união com o céu” – quer dizer, fazer uma conexão direta com o Reino de Deus – quando oram. Segal me diz que os essênios, uma comunidade ascética de judeus que viviam num platô do deserto, perto do Mar Morto, em torno da época de Cristo, deixaram registros de seus rituais e preces religiosas. Segundo esses documentos, descobertos em cavernas, em meados do século XX, e conhecidos como os Pergaminhos do Mar Morto, os essênios acreditavam que quando oravam, estavam encenando “uma réplica do que estava acontecendo no paraíso,” diz Segal. “Tão exata que você nunca sabe se eles pensam estar no paraíso ou se os anjos estão aqui na terra.” (Os essênios estavam tão convictos que suas liturgias na terra espelhavam o canto dos anjos no paraíso que eles não excretavam no sábado – Shabbat – pois não era algo que os anjos fizessem. “Deus”, explica Segal, “não gosta do cheiro de excrementos humanos.” Quando enviei um e-mail com essa última parte da informação ao meu amigo David Gates, ele respondeu: “eu nunca pensei que os essênios estivessem agindo com total cobertura, de um modo ou de outro”.) Mesmo hoje, os muçulmanos, cristãos e judeus praticantes veem a prece litúrgica – assim como cantar e versejar durante a adoração – como atividades que os conectam, em tempo real, com o paraíso. O padre Eugene

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Romano, um padre católico romano que administra uma comunidade de eremitas no subúrbio de Nova Jersey, disse isso mais explicitamente. Eu o visitei numa tarde de inverno. Os eremitas de Belém habitam pequenas cabanas cercadas por altos pinheiros numa grota isolada, a alguns metros de algumas das mais luxuosas mansões de Nova Jersey. O padre Romano me contou que ele pensa sobre o paraíso com mais frequência quando está recitando a Oração do Senhor, algo que ele tem feito alguns milhares de vezes desde que fez sua Santa Comunhão, quando tinha oito anos de idade. “Sempre que celebro missa, acredito estar celebrando o eterno banquete no paraíso. E rezar a missa devagar e reverentemente, pelo bem das almas e o louvor a Deus, é uma coisa poderosa.” NO C ÉU Fui ver Alan Segal porque queria lhe perguntar por que ele acredita que Deus vive no céu. É a ideia mais fundamental de todas as ideias sobre o paraíso, embora não me parecesse, de todo, óbvia. Por que não nas folhas das árvores, ou no oceano, ou, como acreditam os hindus de Bali, em cada rocha ou grão de arroz? A imagem que ainda permanece nas antigas pinturas europeias, nos cartões de natal contemporâneos, em desenhos animados e no pôster icônico do filme de Warren Beatty O Céu Pode Esperar, é do paraíso como um lugar no firmamento, entre as nuvens. Alguns pintores medievais até mostraram Jesus subindo ao paraíso num tipo de elevador invisível – somente Seus pés e quadris estão no topo do quadro; o resto de seu corpo está presumivelmente acima da moldura. Quando Michelangelo pintou a visão de Deus no teto da Capela Sistina, em Roma, o Senhor estava, literalmente, diretamente acima – de modo que nossos pescoços se machucam ao olharmos para Ele – envolvido em leve neblina, flutuando contra um fundo de céu azul-acinzentado, cercado por anjos. Gaste dois minutos no You Tube e você pode descobrir dúzias de vídeos domésticos de pessoas que registraram os sinais de Deus que

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elas viram no céu. Uma nuvem no formato de uma cruz foi vista perto de um milhão de vezes. Mesmo a criança mais novinha entende o paraíso como um lugar que está acima e além da terra, ao mesmo tempo real e sobrenatural. Depois que escrevi essa frase, testei-a para ver se era verdadeira. Quando estava colocando para dormir minha filha Josephine, de quase cinco anos, perguntei-lhe: “O que é o paraíso?” Estávamos deitadas juntas no escuro. Ela se sentou e disse, apontando para o teto: “Está lá, no céu.” Então se deitou de novo. Ela deu uma pausa e continuou: “O paraíso é mais longe que o espaço, mas está perto do espaço. Está só a alguns centímetros além do espaço. Deus vive lá.” Os antigos hebreus, como Josephine, simplesmente supunham que Deus estava “acima.” Segal achou estranha a minha pergunta. Pegamos alguns sanduíches para viagem, numa lanchonete de Barnard College, e voltamos ao seu escritório, onde sentamos, juntos, diante de uma concordância bíblica no computador, mostrando versículos bíblicos lado a lado, que os oferecia em algumas traduções em inglês, assim como em hebraico e grego. Segal é um homem grande, nos seus sessenta anos, que começou a estudar para ser rabino, mas agora é obstinado sobre Deus (Uma vez tomávamos alguns drinques numa cafeteria no campus da Universidade de Columbia, quando ele disse: “Se o Deus de Israel existe como a Torá o descreve, vou ficar debaixo de minha mesa e esperar até que isso termine.”). Seu rosto é largo e quadrado. Quando lhe pedi que encontrasse evidências de que os autores da Bíblia pensavam que Deus habita os céus, ele me olhou de soslaio: “Não estou certo aonde você quer chegar com isso,” ele disse. Quase todas as religiões no Ocidente, Segal me disse, tiveram um deus primário e esse deus vivia acima da terra, no céu ou, como os antigos gregos acreditavam, num monte chamado Olimpo. Mais de mil anos antes de Cristo, os ancestrais do povo que agora chamamos de judeus viviam lado a lado com outros povos, que a Bíblia chama de cananeus. Os hebreus acreditavam em um único Deus, mas os cananeus, que por séculos

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pareciam com os hebreus em quase todas as suas características (suas casas e suas fazendas são, segundo registros arqueológicos virtualmente indistinguíveis), acreditavam em muitos deuses, que adoravam usandoos como ídolos. Eles tinham uma deidade chamada baal, um deus do céu que controlava o clima, especialmente as chuvas e as tempestades. Como o Deus de Abraão, ele era inexplicável e cheio de contradições, ambos seguros e de temperamento explosivo, terríveis e gloriosos. No antigo Oriente Médio, quando as chuvas de inverno eram imprevisíveis e muitas vezes acompanhadas de duras tempestades e seguidas por meses de seca, e quando há três mil anos a maioria eram fazendeiros – um deus do clima teria tido o poder de dar vida e tirá-la. Os egípcios, vizinhos dos hebreus ao sudoeste, também acreditavam que os deuses viviam no céu e que os faraós após a morte, subiam para encontrá-los. O deus egípcio da imortalidade era Osíris, que vivia entre as estrelas, na constelação chamada Orion. “As pirâmides,” Segal explica, “são como espaçonaves gigantes para levá-los ao Senhor.” (Essa ideia de paraíso como um lugar no espaço existe ainda hoje. No filme South Park: Maior, Melhor e sem Cortes, o anti-herói Kenny, de olhos esbugalhados da série de animação, sobe ao céu através de uma galáxia salpicada de estrelas, vestindo sua tradicional parca. Ele chega a algum lugar com algo parecido com um portão, feito de nuvens. Uma buzina forte soa e Kenny cai no inferno.). Na Torá – os cinco primeiros livros da Bíblia, desde Gênesis até Deuteronômio – o paraíso é quase sempre só shamayim, os céus. Como minha filha, o povo da Torá entende Deus vivendo dentro e além dos céus. Segal descreve o Deus hebraico como o Mestre dos céus e indica Gênesis 14, em que Ele é “possuidor dos céus e da terra.” Como baal, o Deus de Abraão é “claramente um deus do clima”, Segal me diz, um criador que tem o poder de produzir tempestades e levantar os mares. Em Êxodo, o Senhor ajuda Moisés e os israelitas a cruzarem com segurança o Mar Vermelho: “Com o resfolgar das tuas narinas, amontoaram-se as

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águas, as correntes pararam em montão; os vagalhões coalharam-se no coração do mar...” Em Êxodo, Salmos e por toda a parte, Deus age em benefício de Seu povo, de sua morada acima deles, mandando chuva de maná, “o milho dos céus.” Se Deus vive nos céus, então o que as pessoas sabem, ou pensam que sabem, sobre a arquitetura do universo informa sobre o modo como visualizam o paraíso. Na Idade Média, a visão predominante da cosmologia era fundamentada nas ideias de Aristóteles, que foram refinadas pelo astrônomo do primeiro século, Ptolomeu. Segundo Aristóteles (século IV a.C.), a terra estava instalada no centro de uma série de cerca de cinquenta e cinco esferas cristalinas centradas. Cada um desses corpos celestes – o sol, a luz e todos os planetas – estava situado sobre uma dessas esferas. Circundando todas as esferas estava uma esfera-motor chamada de primum mobile. Esse primum mobile era tão poderoso que fazia todas as outras se moverem. Por mais de mil anos, esse plano cosmológico permaneceu inquestionável e os religiosos o repaginaram para reforçar sua teologia. Estava entendido que o próprio Deus habitava uma esfera imóvel além de todas as outras; era Ele quem fazia os planetas se moverem. Um texto judaico do primeiro século d.C. descreve uma jornada de ascensão por alguém chamado Rabbi Ishmael, através de sete esferas, ou palácios, até que ele chega, enfim, ao trono de Deus. Na tradição muçulmana, o profeta Maomé foi numa “Jornada Noturna.” Ele ascendeu através de sete esferas aos céus, quando afinal encontra Alá, que comanda os muçulmanos a orarem cinquenta vezes por dia (Na sua volta, ele encontra Moisés, que lhe diz que cinquenta vezes é demais e ele deveria voltar e renegociar. Maomé consegue barganhar para cinco vezes.). Na cosmologia cristã, havia nove esferas e cada esfera correlacionada com um planeta e com espécies de criaturas celestiais ou uma virtude cristã. Assim, segundo diagramas desenhados na Idade Média, a esfera da lua estava ocupada pelos anjos de Deus, cuja energia se movia em torno

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da terra. A esfera de Mercúrio estava ocupada por arcanjos, enquanto os querubins viviam na esfera das estrelas fixas. A esfera mais externa era o Império, o lar de Deus: o paraíso. Era estacionário, perfeito e eterno. O amor de Deus no paraíso provocava a movimentação dos planetas. Quando Dante ascende ao “paraíso” até o céu mais alto, é aí que ele está indo: a um lugar de luz que flui como flui um rio, dissemina seu dourado esplendor entre as margens, pintadas com as magníficas cores da primavera. Cerca do ano 200 a.C., alguns judeus começaram a acreditar que os fiéis entre eles subiriam aos céus, onde viveriam como eles mesmos, com Deus, depois de morrerem. Essa era uma mudança radical. Até então, paraíso, shamayim, era o lar de Deus – não de pessoas. Mas a história e a cultura começaram a alimentar, em certas seitas judaicas, um senso irresistível de predestinação; eles estavam tendo premonições sobre o fim. Os judeus que escreveram as escrituras proféticas começaram a falar sobre a vida eterna com Deus como recompensa aos que fossem “íntegros.” Vou explorar por completo essa mudança no próximo capítulo. Por enquanto podemos dizer que até 200 a.C., as pessoas não iam para o paraíso. Depois de 200 a.C., algumas delas iriam. Os estudiosos chamam essa visão – certeza sobre o fim iminente do mundo, combinada com a grande esperança de justiça para os fiéis na eternidade – de apocalíptica. As linhas limítrofes do pensamento apocalíptico são as seguintes: Em algum lugar, em outra dimensão, os anjos do paraíso estão em guerra com as forças do mal. O lado de Deus por fim vencerá a batalha que produzirá o fim do mundo. Naquele tempo, o paraíso irá para a terra e tudo que é mau, corrupto e doentio será renovado e purificado. Os corpos desfeitos dos mortos voltarão à vida em perfeito estado (Como isso funciona será assunto de um capítulo

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posterior.). O paraíso existirá na terra. Essa visão do mundo teve defensores entre alguns judeus nos séculos antes de Cristo – incluindo, provavelmente, o próprio Jesus. Hoje, judeus, muçulmanos e cristãos mais fundamentalistas, os judeus de Lubavitch que vivem em comunidades interligadas do Brooklyn até dos jihadis do pós “11 de setembro”, até os cristãos fundamentalistas que acreditam que o presidente Barack Obama seja o anticristo – são motivados por suas convicções de que o mundo terminará logo e que um salvador virá para uma terra restaurada para reinar a paz. Nesse tempo, como diz o livro do Apocalipse, “Deus está com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles. Ele enxugará de seus olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas.” Rivkaj Slonim é uma mulher bonita, nos seus quarenta anos, que cresceu no Brooklyn, do lado de Crown Heighs. Toquei a campainha de sua casa, numa noite de dezembro, quando ela estava visitando seu pai e ela me levou para o vizinho, casa do seu irmão, onde conversamos calmamente durante uma hora na sua elegante antessala. Sete dos seus nove filhos ainda não tinham dormido e a atmosfera na porta ao lado, ela disse, estava agitada. Os pisos da casa do seu irmão eram novos e brilhantes e eu sentei num pequeno sofá vitoriano, pensando onde colocar meu copo de água na estreita guarnição da janela à minha direita ou na madeira polida sob meus pés. À minha frente, numa parede da escada, estava o retrato do falecido Rabbi Menachem Schneerson, o líder carismático dos lubavitchers, que morreu em 1994 – e que alguns lubavitchers continuam a acreditar que seja o Messias (Slonim não adere a essa visão minoritária, diz ela.). Slonim é uma lubavitcher, um membro de um grupo ultraortodoxo cujas observâncias religiosas são ao mesmo tempo rígidas e conservadoras. Ela se veste com modéstia, com um conjunto de jaqueta e uma saia abaixo dos joelhos. Seu comportamento é gentil e aberto. Ela administra a Chabad House, na Universidade Estadual de Nova York, em Binghamton, a três horas e meia de distância. Um centro de propaganda

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judaica interna no campus, conhecido por seus jantares de reuniões em todos os Sabbath e suas celebrações de Bacchanaliam Purim. Slonim fala emocionada de sua esperança de que, vivendo uma vida em que se aproxime o mais possível das 613 mitzvoth ou mandamentos, que ela entende ser vontade de Deus e que todo judeu obedece, sua alma adquirirá um tipo de intimidade sobrenatural com Deus. Uma plenitude física, romântica e um completo entendimento do propósito de sua vida, que é a esperança de cada judeu lubavitch. “A razão para realizar as mitzvoth é uma parceria sensível entre Deus e seu povo.” Entre os judeus, a teologia lubavitch é única e controversa. Como os essênios e muitos outros crentes apocalípticos desde então, os lubavitchers acreditam que o fim do mundo está próximo e será seguido pela redenção do mundo. A vida e a morte de seu rabino, que encorajou seus seguidores a estarem prontos para o Messias, avivam sua antecipação do fim – algo que Slonim diz acreditar totalmente. Quando o fim vier, ela diz, parafraseando o filósofo judeu da Idade Média, Maimônides, “o conhecimento de Deus encherá a terra como as águas cobrem os mares.” Até então, ela e outros lubavitchers, como outros judeus religiosos, continuam a fazer suas mitzvoth e a orar por seus mortos com uma oração chamada Kaddish. Através do Kaddish, os judeus acreditam que os membros das famílias na terra podem ajudar a acelerar uma eventual ascensão de uma alma (através da purificação) a Deus. Dependendo do comportamento de uma pessoa em sua vida – o rigor de sua adesão às mitzvoth – cada alma requer purificação com diferente intensidade. Os onze meses do Kaddish, diz Slonim, são “quando o tempo da alma está limpo das manchas da sujeira de nossas vidas cotidianas.” O JA R DI M DO PA R A ÍSO Os três maiores monoteísmos – judaísmo, cristianismo e islamismo – defendem que, em mundo novo, quando Deus purifica o que os homens

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corromperam ele tornará o universo e tudo nele perfeito, fundindo ou reinventando o céu e a terra. As tradições judaicas e islâmicas geralmente falam sobre esse novo mundo como o Jardim do Paraíso – em hebraico, Gan Eden; em árabe, Jannah – uma simbólica restauração do Éden, onde o homem e a mulher uma vez viveram sem pecado, juntos com Deus. Segundo a pesquisa da Newsweek de 2002, 19 por cento dos americanos imaginam o paraíso como um jardim. Os cristãos, que herdaram a tradição judaica e as Escrituras, usam o jardim imaginário quando falam sobre o paraíso – mas frequentemente usam também imagens urbanas. O cristianismo era muito novo quando os romanos derrubaram sua cidade natal, Jerusalém, nos anos 70 d.C. e todos os residentes de lá sofreram o trauma psíquico daquela destruição. Os judeus dizem que, no novo mundo, eles terão de volta seu templo sagrado; os cristãos imaginam a “Nova Jerusalém” – uma nova cidade gloriosa, brilhante, cercada de paredes, em que o próprio Jesus, segundo o Livro do Apocalipse, é o templo. Segundo a pesquisa da Newsweek, 13 por cento dos americanos imaginam o paraíso como uma cidade. O mundo da Bíblia era, na maioria, um mundo deserto – um mundo de fazendeiros que ansiavam por chuva e temiam o clima. Jardins com muros, protegidos de predadores e fenômenos atmosféricos, abundantes com frutas maduras, com águas fluindo, mel, óleo e vinho – eram o melhor lugar que um pobre fazendeiro do deserto poderia imaginar. De fato, um jardim verdejante e protegido, estava quase além da imaginação. Paredes e portões do Jardim são cruciais para a imaginação bíblica; as ideias do paraíso, como tinham os poetas do Romantismo e os transcendentalistas americanos, como de natureza indomada – fileiras de montanhas e campos abertos – seria possível só quando os humanos tivessem construído paredes suficientemente isoladas, em torno de si mesmos. No Éden, segundo o Gênesis, “... o Senhor Deus fez brotar da terra toda qualidade de árvores agradáveis à vista e boas para comida,” assim como um rio que seguia para quatro lugares e “... o Senhor Deus formado

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da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus.” Lá, Ele colocou a árvore do conhecimento que ainda não havia sido provada. Abundância, perfeição, inocência, um período antes da contenda e do desapontamento – Éden é tudo isso. Os monges cristãos da Idade Média acreditavam que o Jardim do Éden exista em algum lugar da terra, mas muito longe e impossível de alcançar. Através ou além do Éden estaria o paraíso. Num esforço de orientar os crentes cristãos adequadamente, esses monges desenharam mapas menos com propósitos de navegação, mais para ilustrar a primazia do mundo de Cristo e do paraíso. Eles colocaram o Éden nesses mapas, longe, a Leste (o Gênesis descreve o Éden como estando no Leste), e às vezes por trás de paredes, rios ou fileiras de montanhas. O mapa Ebstorf, criado no século XIII e destruído pelo bombardeio de Hannover de 1943, mostrava o Éden além da China, atrás de uma cadeia de montanhas. O mapa Hereford, na Catedral Hereford, na Inglaterra, desenhado em torno de 1300, tem mais de um metro de comprimento e de altura e descreve um mundo bizarro, onde monstros e homens com cabeças de cachorros residem em continentes sangrentos. A Palestina é desproporcionalmente grande para acomodar todo o cenário bíblico. O Éden está atrás de uma parede impassível perto do topo; diretamente acima, Cristo está sentado para julgar. Éden e o paraíso existem, mas você não pode chegar lá a partir daqui. Cristóvão Colombo pensou ter encontrado o Éden ou algo parecido quando aportou na América do Sul, em 1492. “Acredito que o Paraíso terreno esteja aqui, onde ninguém pode entrar, exceto com a permissão de Deus,” ele escreveu. Trezentos anos mais tarde, a reclusa poetisa americana, Emily Dickinson, escreveu que “Paraíso” – é o que eu não posso alcançar! A Maçã na Árvore – Já que ela produz – um enforcamento – sem esperança Isso é – o que o ‘Paraíso’ é para Mim!”

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Na arte medieval e bizantina, o paraíso é assinalado por pinturas douradas. Santos e anjos bidimensionais flutuavam em filas ordenadas contra lonas douradas. Auréolas designavam a divindade. Apropriandose do estilo grego os pintores cristãos emulavam os artistas romanos que usavam auréolas para coroar as imagens dos seus imperadores. Na Renascença, quando a arte e a filosofia mudaram seu foco de uma comunidade cristã idealizada para o indivíduo, as imagens do paraíso mudaram também e o Jardim do Éden se tornou um assunto popular, com as pessoas e animais brincando em total inocência. Em A Primavera, de Sandro Botticelli (1477-1478), o que alguns intérpretes veem como a Virgem Abençoada fica no centro de um luxuoso bosque, com um prado cheio de flores esparramadas. Anjos dançam em torno dela, livres de roupas constrangedoras, seus corpos parecendo muito leves. Os galhos acima de suas cabeças oferecem frutas abundantes, dentro de fácil alcance (Nesse paraíso, a maçã de Dickinson é facilmente alcançável.). No afresco do século XV, de Benozzo Gozzoli, no Palácio Medici-Riccardi em Florença, o paraíso se parece com a Toscana, com ciprestes enfileirados, pássaros batendo asas em meio a afloramentos rochosos, árvores de flores e arbustos de bagas florescendo. Um dos anjos de Deus tem asas como o rabo de um pavão. “O paraíso,” disse o estadista florentino, Lorenzo de Medici, “nada significa além do jardim mais prazeroso, abundante com todas as coisas deliciosas e agradáveis.” Essa imagem, um jardim luxuoso e pacífico, protegido das influências corrosivas do mundo, onde as pessoas vivem em harmonia e inocência, ainda permanece nos conceitos populares de paraíso. Em E se Fosse Verdade, um filme de 2005 estrelando Reese Witherspoon e Mark Ruffalo, um arquiteto paisagista de coração partido se apaixona pelo espírito vivo de uma mulher, cujo corpo comatoso está perto da morte no hospital. Perto do fim do filme, ele restaura sua consciência com um beijo, mas ela não consegue se lembrar quem ele é. Ele estimula sua memória – e ressuscita seu amor – construindo para ela um jardim

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no telhado do prédio, com toldo, florescente e abundante. O jardim é o paraíso na terra, um lugar longe de tudo e de todos, onde Adão e Eva contemporâneos podem seguir em frente. Mais sábios por seus encontros com a mortalidade, mas existindo novamente em total inocência. A palavra paraíso tem suas raízes na palavra pairidaeza, que significa “jardim murado” no antigo idioma dos sacerdotes persas e muitas culturas antigas – os gregos e egípcios – falavam sobre um lugar seguro e fértil, aonde certas pessoas irão após a morte. No primeiro século d.C., o poeta grego, Pindar, falou sobre esse lugar como a Ilha dos Abençoados: Lá, flores de ouro brilham como chamas, Algumas em árvores brilhantes na terra, Algumas alimentadas pelo mar. O paraíso continua a ter conotações de segurança e abundância. Paradise Valley é uma das comunidades do Arizona mais influentes, com uma renda média anual das famílias de USD$ 150.000. Paradise Garden é um dos maiores negócios de pedidos de bulbo de flores do país e é também o nome de uma casa noturna e restaurante na Baía de Sheepshead, Brooklyn. Ali imigrantes russos se casam e conduzem animadas festas regadas a muita vodka e pratos típicos. Compartilha também seu nome com o bufê livre no Hotel Flamingo em Las Vegas onde são oferecidos jantares com frutas frescas, saladas, carnes especiais e frutos do mar, tendo como atração flamingos passeando entre quedas-d’água. Em nenhum lugar a ideia de paraíso como um jardim paradisíaco é mais importante do que no islamismo datado do século VII d.C. Não espanta então que o Alcorão, o livro santo do islamismo, promete que após a morte os fiéis irão para um jardim. Eles habitarão “além dos jardins de onde os rios fluem,” e descansarão entre fontes “jorrando em torrentes ao seu comando.” Há quatro rios no paraíso islâmico: um de leite, um de mel, um de vinho e um de água. Como convém a uma religião fundada

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num lugar de calor implacável, o Islã promete que no paraíso a comida não faltará. O jardim do paraíso produz uma variedade de frutas, mas especialmente romãs (Em algumas tradições místicas judaicas, o paraíso também é descrito como um jardim de romãs e quando o psicólogo suíço Carl Jung teve uma experiência de quase morte, ele se imaginou estar também num jardim de romãs. As romãs – nativas do Oriente Médio – são significativas porque sua dramática cor vermelha simboliza o sangue e a fertilidade de muitas sementes.). No paraíso muçulmano, segundo o Alcorão, há vinho (proibido aos muçulmanos na terra), mas ele não os deixa bêbados. Os homens que passaram suas vidas labutando sob um sol escaldante ou lutando brutalmente por pequenos pedaços de areia se cumprimentarão uns aos outros com a palavra salaam, ou “paz.” Eles usarão braceletes de ouro e mantos verdes de seda e se reclinarão em sofás estofados enquanto garçons passam cálices de bebidas geladas para matar a sede. Prazeres sensuais de todo o tipo serão garantidos no paraíso, mulheres de seios fartos e olhos negros, que vivem “confinadas em pavilhões... imaculadas por humanos ou Jinns.” (“Jinn,” segundo o Alcorão, são espíritos criados por Alá a partir do fogo, nem anjos nem demônios.). A Bíblia hebraica e o Novo Testamento podem ser vagos quanto ao paraíso, mas o Alcorão não é. A C I DA DE PA R A DISÍ AC A Lutando por paridade em nossa imaginação está a ideia da “Nova Jerusalém,” a cidade celestial. Em 1987, a atriz Diane Keaton fez um pequeno e estranho filme chamado Paraíso, em que ela entrevistava dúzias de pessoas sobre como elas imaginavam parecer o paraíso. Um número surpreendente – surpreendente para mim, porque “cidade” nunca entrou em minhas próprias noções de paraíso – mencionou lugares urbanos. “Como L.A., Nova York ou Chicago,” disse uma. “Sete milhões de vezes

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maior que Nova York,” disse outra. O padre conservador católico Richard John Neuhaus, que faleceu em 2009, gostava de imaginar o paraíso como Manhattan. Um intelectual e esteta dedicado aos seus muitos amigos, Neuhaus adorava sua cidade natal. “Algumas vezes eu sugeri,” uma vez ele escreveu, “que acima dos portões celestiais haverá uma faixa: ‘Das pessoas maravilhosas que produziram Nova York, a Nova Jerusalém.”. . . e eu acrescento que aquelas que, durante a vida, não gostaram de Nova York terão outro lugar para ir.” Jerusalém era o centro da vida judaica (e cristã), no mínimo de 600 a.C. até 70 d.C., quando os romanos a destruíram e dispersaram o povo que vivia lá. Não era uma cidade grande, ou politicamente muito importante. Mas no seu centro, num alto morro, o mesmo morro onde se relata que Abraão empunhou sua faca para matar seu filho amado Isaac, estava o Templo. Era o lugar mais sagrado do judaísmo, a província dos altos sacerdotes, local do único altar onde os judeus tinham permissão legal de fazer seus sacrifícios. Sua destruição – não uma, mas duas vezes, a primeira em 586 a.C. e depois, em 70 d.C. – criou feridas psíquicas pelas quais ainda hoje os judeus sofrem. A cidade paradisíaca prometida no Livro do Apocalipse é Jerusalém, mais magnífica que já foi na realidade. O narrador vê “a cidade santa de Jerusalém descendo do céu, vinda de Deus.” Ela tem paredes com pedras preciosas e portões de pérolas e ruas de ouro. As mais antigas representações do paraíso na arte cristã descreveram a “Paradisíaca Jerusalém”: um mosaico de 440 d.C. nas paredes de Santa Maria Maggiore em Roma mostra uma cidade brilhante azul-dourada, com os apóstolos entregues como cordeiros, esperando fora dos portões. Todas as igrejas nas cidades americanas realizam boas obras, de uma forma ou de outra. Cultos para os sem-teto e distribuição de sopa, recuperação econômica e programas educacionais. Muitos deles usam a linguagem da “Nova Jerusalém” para inspirar e motivar seus voluntários. Em 1993, Anthony Pilla, o então bispo católico romano de Cleveland,

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lançou “A Igreja na cidade,” que ainda dá garantias para projetos de recuperação urbana. Num discurso, bispo Pilla fez uma ligação entre uma Cleveland melhor e o paraíso. A Nova Jerusalém, ele disse, “é uma promessa, um desafio e um convite para começar agora a participar da vida daquela cidade celestial, praticando a misericórdia e a justiça que tornarão nossas cidades terrenas um reflexo daquela cidade que está por vir, mesmo se esperarmos por novos céus e uma nova terra, vamos começar a construir uma nova cidade de justiça e paz.” Um urbanista de Salt Lake City, chamado Mike Brown, que é membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, fantasiou em seu blog sobre as oportunidades no paraíso para um homem com seu conjunto de competências. “Eu sonho com algum dia estar sentado no fundo de uma sala e tendo o Próprio Senhor me chamando para fazer parte do comitê para projetar a Nova Jerusalém.” Muitos de nós imaginamos que o paraíso é tudo isso – cidades, belos jardins, banquetes – e ao mesmo tempo nada disso. Isso é, dizemos a nós mesmos, além da nossa compreensão. Owen Gingerich é um astrofísico da Universidade de Harvard que passou sua infância numa pequena comunidade menonita em Iowa e continua, nos seus oitenta anos a acreditar firmemente num Deus criador, sobrenatural. Gingerich é um especialista tanto em “céu” – Sol, Lua, estrelas e as forças que os fazem se mover – e no “paraíso”. Ele participou de inúmeros debates sobre Fé versus Razão, debates que ele considera, até certo ponto, infrutíferos. Deus é Deus, ele argumentaria, e natureza é natureza. Eu o visitei porque esperava ter alguma ideia sobre onde o paraíso poderia estar fisicamente. Ele respondeu, mas sua ideia não ajudaria ninguém a encontrar o paraíso numa nave espacial. Gingerich é um homem pequeno com sua cabeça toda branca e no dia em que eu o encontrei, ele estava usando jeans e um blazer esportivo. Ele é conhecido como um piadista: ao ensinar a terceira lei de Newton, sobre movimento, a universitários, ele costumava lançar a si mesmo fora da sala de aula, usando um extintor de

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incêndio. Na tarde em que visitei Gingerich, após uma manhã úmida e tempestuosa, o vestuário de cores azul-papagaio do professor – jaqueta e calças – secava sobre as cadeiras em seu escritório. Quando lhe perguntei: “onde é o paraíso?” ele se levantou e, sem explicação subiu numa prateleira alta dentro do seu escritório. De lá ele tirou um pequeno almanaque inglês, datado de 1592, e ilustrado com desenhos do universo conforme concepção de Copérnico. Copérnico visualizava todos os planetas circulando o Sol. Numa varredura conceitual, ele derrubou todas as convenções aristotélicas sobre o lugar da terra no universo e, por extensão, o local do paraíso. A terra (e seus habitantes) não mais estava contida nitidamente além da esfera das estrelas fixas, protegida e governada por Deus no paraíso. Copérnico descreveu um universo sem fronteiras. “Houve muito trauma ao se abandonar o paraíso como um local físico próximo,” disse Gingerich. “As pessoas tiveram de superar isso.” Dentro das páginas do panfleto, de quatrocentos anos, havia um pequeno mapa dobrado que Gingerich me mostrou, manuseando casualmente seu precioso livro, como se ele fosse a última edição da National Geographic. Havia o Sol, circundado por Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno – os únicos planetas descobertos até então. Em torno deles, marcado por pequenas estrelas estendidas além dos limites da página, estava o universo infinito. Impressa nas margens estava essa explicação pelo astrônomo inglês Thomas Digges: [N.T: em inglês antigo] “Este orbe de estrelas fixas, infinitamente alto, se estende em altitude esférica.” É lá, além das estrelas e dos planetas em órbita, que está o paraíso, “a verdadeira corte de anjos celestiais devotados ao louvor que preenchem com alegria sem fim o habitat dos eleitos.” Quanto mais sabemos a respeito do universo, mais temos que reimaginar o paraíso, “o habitat dos eleitos.” Sabemos, com certeza que não é nos céus, Gingerich me diz, nem em qualquer lugar no universo conhecido. Para Gingerich, que por profissão imagina lugares que não

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podemos ver, o local não definido do paraíso não apresenta problema conceitual. Os modernos astrofísicos falam sobre multiversos, universos paralelos, além dos espaços governados por leis físicas diferentes das que conhecemos por aqui. “Esses espaços multiversos são muito como o paraíso,” ele me diz, “algo que podemos conceituar, mas nunca observar.” O paraíso está simplesmente... em outro lugar. Sua localização é, como diz Gingerich, “irrespondível” – mas a questão não lhe tira o sono à noite. Mais desafiadora para Gingerich é a ideia de submeter sua individualidade à perfeição da eternidade, pois os humanos são organismos bioquímicos que mudam de uma década a outra – de fato, de um milissegundo a outro. Crescemos, aprendemos, lembramos, esquecemos, envelhecemos. Fazemos amor, dormimos, acordamos levemente diferentes do que éramos ontem, nossas unhas e cabelos invisivelmente mais longos. Os tendões que movem meus dedos neste teclado se gastam com o tempo, a pele de minhas mãos cresce mais delicada. E ainda que o movimento dos meus dedos produza este livro, enquanto escrevo, eu aprendo. Para Gingerich, a questão mais difícil sobre o paraíso não é onde, mas como. Como o organismo humano, assim definido por mudanças, existirá na eternidade? “Pessoalmente,” diz Gingerich, olhando para mim por cima dos seus óculos de aro, “digo que o paraíso é um grande mistério. Se tiver uma quantidade de tempo infinita, o que farei para evitar o tédio? Imagino que estarei aprendendo árabe e sânscrito e aprendendo e esquecendo várias vezes. Gostaria de ver minha mãe novamente. Mas será que vou vêla novamente como uma mulher de trinta anos e eu com oitenta anos?... O que é que me constitui? Como isso pode ser preservado quando somos parte de uma corrente sempre em mudanças? Estaremos num estado sem mudanças? Mas se estamos aprendendo, estamos mudando. Todo o conceito é tão cheio de enigmas; temos que ter esperança de um tipo de continuidade, mas uma continuidade tão inconcebivelmente diferente do que somos agora que você pode ter uma dor de cabeça para imaginá-la.”

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Como é mais fácil, diz Gingerich, imaginar o paraíso como o fizeram na Idade Média, um lugar físico por aí, onde Deus vive com os santos e anjos, arrumados em filas perfeitas, como um coro de igreja. Como nossos cartões de natal de anjos e livros infantis com céus azuis que mostram o paraíso como um lugar lindo “lá em cima,” Gingerich diz, “ainda estamos parados – com um pé na Idade Média e o outro pé nessa moderna visão do espaço.” Vou para casa de trem, imaginando como as pessoas na terra podem usufruir conforto num lugar que não podem conhecer.

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