GREVE X COPA DO MUNDO
Ellen Mara Ferraz Hazan – Diretora 1ª Seretária da Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais, Nova CAA. Gestão 2013/2015
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GREVE X COPA DO MUNDO. Ellen Mara Ferraz Hazan. (*) Abril de 2014. “Não sabemos se vai ter copa, mas sabemos que vai ter luta”. (**) Sumário: Introdução; A greve como direito legítimo e legal de manifestação e resistência. As Greves de junho e julho de 2013 Aspectos conjunturais sobre o momento brasileiro. Bola de cristal. A criminalização dos movimentos sociais no Brasil. A Copa do Mundo com o propósito para militarização nos movimentos sociais. Conclusão.
Introdução. A greve não se resume na paralisação coletiva dos trabalhadores para reivindicações vinculadas ao contrato de trabalho. Ela tem muitos rostos, matizes, cores, jeitos e trejeitos. Como afirma VIANA, Marcio Túlio, (in 70 anos da CLT, 2014/28) o rosto da greve depende do observador, razão pela qual ela pode ser encarada como ataque ou como defesa! O certo é que essas mil faces da greve escancaram centenas de tipos de sentimentos como o medo; a angústia; a preocupação, a alegria, a liberdade, a união e outros tantos. Assim genericamente a greve não é só um tipo legal, controlada pela lei ou pela suposta ordem deste ou daquele Estado. Greve é quase um estado da alma que encanta e desencanta; que atrai aplausos e violência; que ensina e transforma. Tanto é certo que assistimos vários tipos de greve ou mobilizações sociais, como: a de fome, a de sexo, as gerais, as de zelo...
A greve não demonstra, exclusivamente, a insatisfação com isto ou aquilo. Ela afirma, e isso é comum em todos os tipos de greve, é que não se pode mais suportar a situação posta. É um ponto final daí, a greve ser um instrumento de defesa legítimo, um instrumento de resistência. Ninguém faz greve simplesmente por fazer ou para se ter um dia de folga ou para ir a uma pescaria, como se costuma propagandear. Comparando a greve com a legítima defesa da vida, podemos entender esse “ponto final”, como exaustão: poucas pessoas matam por prazer – mata-se em legítima defesa da própria vida ou de outrem. Essa é a regra. Não se pode continuar banalizando a vida ou a morte, assim como não se pode banalizar a greve, criminalizando-a ou militarizando-a. (*) Advogada, professora, autora de artigos técnicos, diretora da CAA-MG e vice-presente da AMAT. (**) Palavra de ordem cantada em plenária unificada de todas as Centrais Sindicais Brasileiras em março de 2014.
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A greve como direito legitimo e legal de manifestação e resistência. O princípio trabalhista da proteção, a norma Constitucional brasileira, a declaração universal dos direitos do homem e a Constituição da OIT(Organização Internacional do Trabalho) trazem a greve como direito da pessoa humana, para resistir contra o mal que a relação de trabalho lhe está fazendo. Neste sentido a greve, no mundo do trabalho, assume contornos de direito humano de resistência, de legitima defesa, se prestando, também, para manter viva a legislação trabalhista e a sua própria razão de existir. As funções do ramo trabalhista, que têm sido superficialmente estudadas e realizadas, podem se resumir: - função central – melhoria das condições de pactuação do ser coletivo obreiro/ melhoria da condição de vida e de trabalho da classe trabalhadora; - função politico conservadora – manter vigente o sistema capitalista, dandolhe legitimidade política como meio de produção e de acumulação de riquezas; - função civilizatória – inserção da classe trabalhadora no mundo do direito e na divisão das riquezas produzidas pelo sistema capitalista. Destacamos que o instituto da greve surgiu antes do direito e, podemos afirmar, até mesmo contra ele. Tal fato não lhe retirou a legitimidade, mas tão somente a legalidade. Com a alteração dos paradigmas da sociedade moderna, especialmente do Estado Liberal para o Estado Social, a solução que o sistema capitalista encontrou para controlar os movimentos sociais e, quem sabe, até convencê-los de que tal sistema era bom e capaz de atingir a paz social, foi o controle da classe trabalhadora através do ramo trabalhista. A greve, os sindicatos, os direitos sociais e humanos, passaram a ser controlados pelo Estado, desta feita não mais somente através da violência policialesca, mas do direito e de suas instituições. Tal alteração estratégica, fez com que a classe trabalhadora acreditasse que o direito e o Estado, poderiam sim, lhes garantir dignidade e sobrevivência digna. Em alguns países, especialmente nos centrais, o objetivo do sistema capitalista em seu viés social, se realizou. Desde a década de 60 até o ano de 2009, não existiram, na Europa, mobilizações sociais de massa e, as poucas greves existentes, tinham o objetivo de angariar melhorias especificas no local de trabalho. O Estado Social, assim, durou na Europa, por aproximadamente vinte anos. Tempo suficiente para cooptar a classe trabalhadora em favor do sistema capitalista e leva-lo a se contrapor a outros modelos de Estado, como o Socialista. No Brasil, o Estado Social foi intervencionista e não se realizou como nos países centrais. Nesse modelo o Estado Brasileiro, que sempre foi vinculado ao capitalismo, interveio nas organizações sindicais, destruindo-as, fortaleceu a política desenvolvimentista através do direito individual se sobrepondo ao direito coletivo.
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Quando a classe trabalhadora retoma as lutas através das greves e se posiciona na política, o capital se utilizou dos militares para intervirem no Estado. Com o golpe de 1964, alongou-se o intervencionismo que se iniciou na década de 30 até o ano de 1988, quando finalmente promulgamos uma Constituição Social. De 1988 a 1990, tivemos, acreditamos, o nosso verdadeiro “Estado Social”. Pouco tempo para atingirmos os objetivos democráticos por ela traçados. Em 1990, com a eleição de Collor, o Estado Brasileiro optou pelo liberalismo econômico, contrário a Carta de 1988 e tivemos um grande retrocesso. Estabeleceu-se, a partir então, inclusive nos Governos Lula/Dilma, uma grande contradição entre o direito determinado pela Constituição e a Economia. Entre o lucro e as pessoas, o Brasil optou pelo Lucro. Os movimentos sociais, as greves, começaram a incomodar muito a economia e o Estado. Já nos idos de 1994, os brasileiros começam a sentir o retrocesso de seus direitos individuais e coletivos. A greve começa a ser criminalizada em contraponto ao direito de propriedade e ao direito do Estado de ser patrão. O debate nos interditos proibitórios ajuizados contra as greves; o bate-bate com cacetes, tiros e bombas realizados pelos policiais contra os trabalhadores mobilizados e as cacetadas que o Judiciário passou a dar nas organizações sindicais, com multas absurdas contra as entidades que lideram greves, nos dá a certeza de que para o Estado brasileiro, suas instituições, a mídia oficial e muitos da população, greve é um ato ilegal que deve ser repudiado. É este o tipo de greve que os operários do direito costumam lidar. A controlada pela lei ordinária e pela vontade dos patrões. É este o tipo de greve que a sociedade se acostumou nos últimos 30 anos a debater, a repudiar e a controlar. Só que no ano de 2013, o gigante brasileiro, que dormia em berço esplendido, acordou! As mobilizações da sociedade que em um primeiro momento não agregou a coletividade dos trabalhadores organizados em sindicatos e outras instituições, inclusive políticas, fez surgir todos os sentimentos afetos a esse instrumento de paz, pela resistência, que é a greve.
As Greves de junho e julho de 2013. Muitos tentam explicar as mobilizações sociais brasileiras ocorridas nos meses de junho e julho de 2013. Alguns questionam o fato de as mobilizações terem ocorrido em um país que, supostamente, não foi apanhado pela crise mundial do capital. Outros afirmam que tais mobilizações não são greve, mas bagunça, baderna.
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O debate segue, ora com aplausos, ora com vaias. O que tem sido comum a todos esses movimentos, é a criminalização dos mesmos, seja pela mídia escrita e falada, seja pelos membros das instituições do Estado. Tal movimento, legítimo e legal, típico de uma sociedade democrática de direito, assusta alguns e motiva outros. Não temos respostas prontas para as mobilizações sociais, greves, mas podemos apontar alguns fatores da conjuntura social, política e econômica que podem nos fornecer pistas para o entendimento do momento histórico que estamos vivendo no Brasil.
Aspectos conjunturais sobre o momento brasileiro. Temos ciência e consciência da crise em que se colocou o sistema capitalista a partir da década de 70 para que o mundo se rendesse, novamente, ao liberalismo econômico e social e lhe possibilitasse, além do aumento dos lucros, o controle político de todas as Nações. Também não nutrimos dúvida que o mundo do trabalho e os direitos sociais dos trabalhadores mundiais foram colocados em crise pelo capitalismo, o que tem rendido graves problemas sociais em todo o mundo. Não há como negar que a economia brasileira desde a década de 80 está em crise e com ela entrou em crise os direitos trabalhistas e sociais. Não obstante, as lutas sociais deixaram de ser volumosas a partir do ano de 1989. Nas duas ultimas décadas, a crise dos direitos sociais dos trabalhadores brasileiro seguiu, apesar de índices indicarem um crescimento na economia brasileira. Nos últimos dois anos, sinais de desaquecimento da economia estão aparecendo, mas isso não impediu que o discurso do governo, acompanhado pelo setor mundial financeiro, afirmasse que o Brasil passaria quase incólume à crise mundial. Esse discurso, que sabemos ser irreal, acabou por fazer surgir, na população brasileira, um sentimento de que, finalmente, o Brasil se tornaria uma potência mundial, deixando de ser um país periférico e desrespeitado. Os brasileiros passaram a ter uma perspectiva boa para o futuro, especialmente com o ingresso de vários segmentos empobrecidos no mundo do consumo, a chamada classe “c” pelos governos Lula-Dilma., em razão dos programas “fome zero”, “bolsa escola” “minha casa minha vida” e outros. Esse discurso somado à possibilidade de inclusão de milhares de brasileiros na roda do consumo básico, como alimentação e habitação, acabou por despertar outros sentimentos: os do orgulho nacional e o do ser sujeito à dignidade. Esse novo sentimento rompeu, em certa medida, com a lógica da servidão, da subalternidade e da acomodação que o brasileiro, desde 1500, carregou.
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Nos últimos anos, a antiga e rotulada classe média (não estamos nos referindo a atual “c”) passou a se permitir viajar, conhecer outros países, comprar produtos fora do Brasil. Tal mobilidade adicionada à nova imagem do país como nação forte e soberana fez com que os brasileiros passassem a sonegar menos impostos e a paga-los, esperando o retorno do Estado com os serviços básicos. Ocorre que, pagar altos impostos significou a conscientização de que os valores arrecadados pelo Estado deveriam ser reverter em serviços essenciais, como: saúde, transporte, educação, trabalho, segurança... A constatação de que tais serviços, essenciais, estavam aquém do ideal e que os valores arrecadados estavam a serviço da corrupção, levou a um descontentamento, quase unânime, com a estrutura politica representativa. Os brasileiros começaram a finalizar a experiência com os governos do PT, a partir do momento em que este abandonou a ética na política, optou pela manutenção do sistema capitalista neoliberal, criminalizou os movimentos sociais e os direitos sociais da classe que vive do trabalho, inclusive a greve. Para governar os governos Lula-Dilma romperam com a luta da classe trabalhadora, com a ética na política e optaram pela fisiologia venenosa da política nacional-desenvolvimentista, o que acabou por ser desmascarado com os vários escândalos de corrupção como o “mensalão”. Mas eles seguem e pretendem continuar! Desilusão e descontentamento passaram a fazer parte do dia a dia da população brasileira e, a luta contra a corrupção passou a fazer parte do discurso da direita, que sempre foi corrupta, cínica e hipócrita. Os gastos do governo Dilma com a construção de estádios de futebol onde nem existe um time e isso após ter afirmado que todos os gastos com a copa seriam das empresas privadas e não do Estado, revoltaram a população que não tem acesso à mobilidade nas cidades, à saúde, à educação, ao saneamento básico e pagam impostos. Os excluídos, que não possuem renda ou trabalho, que vivem à margem da sociedade e que tiveram que se fazer criminosos para a sobrevivência, entraram nas mobilizações para expressar suas revoltas. Ocorre que, revolta sem politização, pode significar agressão. Agressão às pessoas que estão em melhores condições que eles; agressão aos donos de negócios que não lhe dão trabalho; agressão aos bens públicos que nunca tiveram utilidade para eles; agressão contra as agencias bancárias que acumulam o dinheiro da sociedade e não geram empregos...... O certo é que a insatisfação, a raiva e a desilusão dos brasileiros não se transformaram em apatia. Não desta vez. O gigante acordou! A Copa da FIFA, totalmente blindada pelo Governo Brasileiro contra os próprios brasileiros será alvo, certamente, da continuidade das mobilizações. A
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diferença que estamos vendo entre a espontaneidade das mobilizações de 2013 com as que se darão a partir de abril de 2014, é que nesta última, estarão agregados os movimentos organizados, inclusive e especialmente o sindical. Esta agregação pode vir a significar uma maior politização nas mobilizações, ou não. Vamos aguardar.
Bola de cristal. Temos dúvida se devemos abraçar o nosso lado místico para realizar algumas suposições futurísticas, mas acreditamos que com os elementos conjunturais que temos, podemos arriscar algumas suposições, mesmo não usando a bola de cristal, muito menos a bola da copa 2014 que ganhou até nome próprio. (Não vamos citar o nome para não arriscar a cobrança de direitos autorais pela FIFA) Levando em consideração que somos seres humanos, analisando os fatos vinculados às manifestações de insatisfação com a falta de estrutura básica em nosso país e o ataque que o Estado brasileiro vem fazendo contra os direitos sociais da classe trabalhadora podemos tentar ao menos, sugerir alguns pontos. Como afirma o mestre SOUTO MAIOR, Jorge Luiz, somos todos semelhantes ao “suposto assaltante amarrado no poste, a âncora de jornal, os operários mortos em obras da copa, o jogador de futebol enxotado para a China, os donos do esporte, o manifestante atingido por policial militar, o policial militar, o cineasta morto por rojão atirado por um manifestante, o manifestante que acendeu o rojão, o prefeito de São Paulo, o “rolezeiro”, o comerciante, o advogado e a professora de letras, que estão em maior evidência nos noticiários nos últimos dias, devido a atos, fatos ou declarações, na qualidade de algozes ou vítimas...”
Enfim, nos somos eles e eles nos! Somos o produto do que acumulamos ao longo de nossa existência. Somos o resultado do “nível de coesão social que conseguimos atingir ao longo dos anos...” aut.cit. Ora se podemos partir dessas premissas, todos esses outros representam, mesmo que em pequena escala, o que somos: pessoas que carecem de formulação, de compreensão e de um efetivo projeto de sociedade. Estamos todos caminhando para a barbárie. No rumo dela, certamente, poderemos encontrar uma parte de nós mesmos clamando por segurança à qualquer custo, mesmo perdendo nossas bases democráticas que no passado legitimaram a instauração de governos autoritários, ditatoriais, tudo sob o discurso de “ restabelecer a ordem”, através do silêncio e do medo. Não temos que buscar o sossego ou uma sensação de falsa segurança. Temos é que compreender os fatos ocorridos sem agredir nossos princípios e nossa consciência. O problema que atinge a sociedade brasileira não é decorrente dos nossos direitos, humanos!
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Somos humanos e devemos defender nossos direitos como humanos e, um deles é a efetivação de uma sociedade justa e igualitária, sendo instrumento deste objetivo, a luta, as greves, as mobilizações sociais. Não tínhamos notado a gravidade do momento que vivemos, até sermos alertados pelo mestre já citado, Jorge Luiz Souto Maior. Não estamos dizendo que a ditatura que imperou no Brasil de 1964 a 1988 vai voltar nas mesmas bases, muito menos defendemos que se acabe com o Estado Democrático de Direito. Queremos é a realização desse Estado Democrático de Direito que, além de não permitir arbitrariedades, também exorta, como base de nossa sociedade, a dignidade da pessoa humana. Em razão do que já elencamos, podemos arriscar a dizer que as mobilizações de rua, as greves, os ataques ao patrimônio particular e publico pelos marginalizados vão ter espaço no Brasil a partir do mês de abril de 2014. A palavra de ordem que estamos ouvindo em todos os locais, “não sabemos se vai ter copa, mas sabemos que vai ter luta”, se realizará. Não podemos olvidar que esse momento, para a sociedade brasileira é fundamental: não em razão do futebol, que considero o circo para distrair o povo, mas em razão da luta pelo pão sem mofo, que tem sido negado ao povo brasileiro. E nós, advogados, que juramos defender o Estado Democrático de Direito, os Direitos Humanos, a nossa Constituição, o que faremos? Vamos novamente acompanhar os fatos pela televisão? Ou vamos nos colocar à postos para defender os direitos do cidadão brasileiro? A criminalização dos movimentos sociais no Brasil. No Brasil, onde a opção dos governantes seu deu pelo projeto neoliberal, o caráter deste debate se iniciou sob o manto do custo Brasil. Na base desta visão, falsa, está a idéia que a legislação trabalhista (direitos sociais) cria um custo inútil para o empregador, que faz mais caro o seu produto e menos competitiva a empresa e o próprio País, gerando o desemprego. Toda esta discussão e pratica, que vem sendo realizada desde dois anos após a Constituição de 1988, ou seja, a partir de 1990 vem se implementando com políticas de desregulação e flexibilização de direitos. Atente-se que sequer os direitos sociais que vieram para o texto da Carta de 1988 foram implementados sob o discurso de não efetividade ou de efetividade limitada ou contida. A situação econômica e social atual do Brasil é de desmantelamento da proteção social que, ou durou apenas dois anos, ou sequer foi implementada, mas continua escrita na Carta de 1988. Os índices de desemprego são altos, a redução da proteção social que era já pequena começa a desaparecer, como o sistema previdenciário de aposentadoria, assitência médica, seguro desemprego; os salários foram reduzidos e os direitos
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sociais são normalmente descumpridos; os contratos de emprego foram substituidos por contratos precários como a pejotização (PJ), terceirização; contratos a tempo parcial; cooperativismo e outros; a jornada de trabalho que na ordem jurídica tem o limite de 44horas por semana e 220 horas por mês, passou a ser admitida com 60 horas por semana sem pagamento de horas extraordinárias. Temos ainda, desde o Governo Lula, uma completa maquiagem dos índices inflacionários, do desemprego estrutural e a implantação de uma política de juros altos e controle cambial para não possibilitar o aumento do consumo de alimentos básicos, o que tem despertado em muitos países um sentimento de que a crise mundial não chegou ao Brasil ou, se chegou, veio de forma leve e suave, o que não é verdade. Já não tinham, os trabalhadores brasileiros, as proteções do Estado Social que tiveram a maioria dos trabalhadores dos países centrais e europeus, como a proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa ou mesmo o seguro desemprego ou ainda a assitência social. Agora, tem-se menos ainda e, sem a luta dos movimentos sociais toda a discussão sobre a flexibilização e desregulamentação dos poucos direitos sociais que os brasieiros têm, foi sendo colocada na ordem do dia do sistema liberal. O debate se deu no parlamento através do Projeto de Emenda Constitucional (PEC-369) e de Ante-Projetos, como o do Deputado Zemmermann, ou como o PL 1998, que foram barrados pelos movimentos sociais e ela sociedade civil organizada, nas lutas de junho e julho de 2013. A reforma sindical esteve na ordem do dia do Congresso Nacional e também foi barrada, até agora, pelas mobilizações sociais, apesar de a CUT, Central Única dos Trabalhadores, vinculada ao governo do PT, ter apresentado, no início de 2012, uma nova proposta denominada de ACORDO COLETIVO ESPECIAL, (ACE) onde se estabelece que o negociado prevalece sobre o legislado, o que representa a sua completa concordância com a proposta neoliberal para o desmanche dos direitos sociais. Tudo isso nos leva a concluir que no Brasil o principal instrumento utilizado para a implementação do neotrabalhismo (liberal), além da edição de Medidas Provisórias pelo Poder Executivo e de Leis pelo Poder Legislativo que, supostamente, declaram a instauração da “maioridade dos sindicatos”, é a colocação do direito coletivo na esfera privada, possibilitando que a negociação coletiva se sobreponha à legislação heterônoma e a realização de uma nova/velha leitura do paradigma do Estado idealizado, o LIBERAL. Por conseqüência, os pilares de sustentação desta implementação são as Centrais Sindicais, os Sindicatos Profissionais e a Justiça do Trabalho, enfim, os construtores, intérpretes e aplicadores das normas jurídicas. Após as mobilizações sociais brasileiras de 2013, o movimento sindical, ou parte dele, deliberou por entrar na luta. A exemplo do que já vinha acontecendo, especialmente no setor público, alastrou-se o apoio do Poder Judiciário ao capital. Ações possessórias começaram a
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ser ajuizadas, como se o direito social de greve fosse um ataque ao direito de posse e de propriedade, e o Judiciário passou a acata-las. As greves começaram a ser, de uma forma geral e contundente, criminalizadas. Trabalhadores detidos, políciais mascarados ameaçando os trabalhadores, ações penais contra aqueles que participaram das greves; multas absurdas aplicadas pelo Judiciário aos sindicatos. A greve voltou a ser vista, pelo poder governamental e pelos seus comandados, como crime. A midia passou a exercer pressão sobre a sociedade, condenando as greves. O direito constitucional de greve passou a ser criminalizado. Mas isto não bastou. Seja para a fome do capital que não quer uma classe trabalhadora lutando por seus direitos, seja para o Governo Dilma, representante do capital, que deliberou por proibir, através de Decreto, as mobilizações sociais, autorizando a intervenção militar do exército brasileiro, contra as mobilizações sociais. Assim, somaram a criminalização dos movimentos sociais à militarização deste. A Copa do Mundo com o propósito para militarização nos movimentos sociais. Já em 2012 foi publicada a Lei 12.663 de 5 de junho de 2012 que dispõs sobre “medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013. A lei deve ser chamada de Lei da FIFA, pois visa quase que unicamente, garantir que a FIFA tenha lucros com a Copa do Brasil. Chegaram até a criminalizar os vendedores ambulantes – que estão à margem dos empregos formais – por venderem propaganda sobre a copa do mundo com os símbolos da copa do Brasil. Todo o dinheiro arrecadado ou parte deste tem que ser controlado para ser dado à FIFA. Os brasileiros não vão participar dos jogos nos estádios. Não conseguem ingressos e muitos sequer tem o dinheiro para pagar por um só jogo. Até trabalho voluntário para a FIFA, absolutante contrário aos ditames de nossa legislação, restou autorizado, sob a promessa de poder ver o espetáculo onde se trabalha. Interessante verificar que o Capítulo VI da referida lei, impede até mesmo que os torcedores portem bandeiras ou “objetos que possibilite a prática de atos de violência”... (qualquer objeto, até mesmo uma caneta, pode ensejar atos de violência). Mas a LEI DA FIFA não se resume aos torcedores. Ela proibe cartazes, simbolos ou qualquer sinal com mensagem ofensiva que estimule discriminação, assim como a incitação e a pratica a atos de violência. A uníca autorização para a liberdade de expressão esta na ressalva, no § 1º do art. 28 da tal lei que afirma ser possivel o exercicio do direito constitucional de
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livre manifestação e liberdade de expressão, “em defesa da dignidade da pessoa humana”. A criminalização ficou no parágrafo segundo do referido artigo, que além de autorizar o afastamento imediato do local, previu sanções civil, administrativas e penais. No art. 55 da Lei da FIFA, a União trouxe para si a responsabilidade, sem qualquer custo para a FIFA, de prover a segurança de todos os eventos e locais. Até ai, podemos ate dizer: tudo bem: Temos que ter segurança para os nossos “visitantes” assistirem aos jogos. Mas em 1º de abril de 2013,(dia que se comemora o dia da mentira) o Governo Dilma aprovou o Decreto 7.974 cujo Anexo I “ Estrutura Regimental do Ministério da Defesa” leva a uma Portaria 3.461-MD que trata da “garantia da lei e da ordem”. Uma verdadeira releitura da antiga e malsinada lei de segurança nacional. O medo das mobilizações sociais somado aos valores absurdos gastos pelo Governo Dilma para financiar a copa da FIFA no Brasil – desviando dinheiro destinado aos serviços essenciais – fez que com que o Goveno mostrasse suas garras ditatoriais regulamentando travas às manifestações populares (de qualquer tipo). A Portaria 3.461/MD autoriza as “forças armadas” a intervirem internamente para fins de segurança, à exemplo do que ocorreu durante a didatura militar. Lá, a exemplo da lei de segurança nacional do regime militar, o exército sai da segurança do país contra inimigos externos para caçar inimigos internos. A diferença que existe entre a lei do regime militar e essa Portaria é a utilização de pavras diferentes, mas similares: onde se lê inimigo interno na Lei dos Militares, aqui, na Lei da Dilma, lê-se “forças oponentes (F Opn). E quem seriam essas forças oponentes? A portaria esclarece: - pessoas, grupos de pessoas ou organizações cuja atuação comprometa a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio... No item 4.3.2 são consideradas forças oponentes, dentre outras: a) movimentos ou organizações; b) ... c) Pessoas, grupos de pessoas ou organizações atuando na forma de segmentos autônomos ou infiltrados em movimentos, entidades, instituições, organizações ou em OSP, provocando ou instigando ações radicais e violentas. A definição de ameça que a Portaria faz é a seguinte:
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“... ameaça são atos ou tentativas potencialmente capazes de comprometer a ordem pública ou a incolumidade de pessoas e do patrimônio praticados por F Opn previamente identificadas ou pela população geral...” OU SEJA, o conceito de ameaça, para esses déspotas, assume toda a cara dos regimes autoritários. Até a população em geral está no conceito de ameça o que deixa claro que o exército brasileiro deve proteger o Estado (ou a vontade do Governante) contra a Sociedade. A sociedade, então, se transforma em força oponente, especialmente se vai às ruas clamar por seus direitos. O item 4.4 considera como principais ameaças: a.... c) bloqueio de vias públicas de circulação; d) depredação do patrimônio público e privado; e) distúrbios urbanos f) invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas; g) paralisação de atividades produtivas (greve tipica). h) Paralisação de serviços criticos ou essenciais à população ou a setores produtivos do Pais. I) sabotagem nos locais de grandes eventos e; j) saques de estabelecimentos comerciais. Contra a população, afirma a Portaria, não se estabelecerá “operações de guerra” salvo..... “em circunstâncias especiais, tanto na área urbana quando rural”. É assustadora essa Portaria. Ali afirma-se que deverá ser utilizada, antes da força, a dissuação. Se esta não funcionar, permite a TROPA o uso progressivo da força. Destaca que o exercito deverá empregar operações de inteligência e contrainteligência, com emprego da comunicação social e de operações psicológicas......!!!!! Esta Portaria autoriza o emprego das Forças Armadas em protestos, quebraquebras, conflitos urbanos, invasões e ocupações mesmo em áreas privadas e nas GREVES. Acredito que esta legislação ordinária em todos os sentidos, acaba com a democracia brasileira e instala a repressão, contra a qual, todos devemos lutar.
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Conclusão. Será que nós, operários do direito, juristas, juízes, procuradores, promotores, defensores, delegados, policiais estamos vivendo em tempos diferentes daqueles que estão indo para as ruas lutar por direitos dos quais nos iremos usufruir? Será que não é nossa obrigação, defender os direitos sociais, inclusive as greves, as mobilizações, para ajudarmos a impor ao modelo capitalista atual um retorno de cunho social? Será que não vemos a solidariedade como um valor jurídico? Será que vamos admitir a prática do Estado em criminalizar o exercício de um direito humano e social, como a greve? Vamos aceitar que o exército brasileiro tenha como seu oponente não mais o ser externo, mas a população, como ocorreu durante a ditadura militar? Vivemos em um país fundado sob a lógica capitalista. As pessoas, neste modelo de sociedade, sobrevivem daquilo que recebem pelo seu trabalho e as empresas do lucro pela exploração do trabalho. Colocar o lucro acima da condição humana é negar, ao povo, o direito de ter uma vida digna. É negar os fundamentos da nossa Constituição. Os movimentos sociais que estão acontecendo, para muitos que estão acima da estratificação da sociedade na classe ‘C’, pode estar significando uma quebra na suposta solidez do dia a dia, mas é necessário, como afirma Luiz Alberto Warat (***) que deixemos quebrar essa suposta solidez para chegarmos à verdadeira vida: “ é preciso ter um espírito desarmado (carnavalizado) para poder incorporar no novo (...) ter coragem para perseguir as mudanças que perturbem a solidez de meu mundo. Porque o que interessa é o que me sacode enquanto vivo. Tudo o mais é papo furado. O resultado é um conjunto de verdades em trânsito que nos ajudarão a entender que a vida, antes que um problema a ser resolvido, é um desejo a ser vivido”.
A copa do mundo, não é nossa!!! Pode até ser, caso assim os cartolas decidam, que a seleção brasileira se faça campeã em 2014. Mas a copa do mundo, não será nossa! Vamos assistir aos jogos pela televisão. Vamos ter feriados escolares e de trabalho para permitir a mobilidade daqueles “torcedores” que tem dinheiro e politica para garantir seus ingressos! Mas a copa do mundo do futebol, não é nossa e nem é a que queremos ter. A copa que queremos será levantada por cada um daqueles que estiverem lutando por uma sociedade brasileira menos injusta! Não vou me deixar embrutecer, eu acredito nos meus ideais. Podem até maltratar meu coração, mas meu espírito ninguém vai conseguir quebrar...” Legião Urbana. (***) WARAT, Luiz Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos. Santa Cruz do Sul. Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul, 1985 p.112