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O Papel da Nutrição na Cirurgia Oncológica

The Role of Nutrition on the Oncological Surgery matéria de capa

................. Introdução ..................

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A cirurgia é um dos principais tratamentos para o câncer e a nutrição tem mostrado cada vez mais a sua importância nos pacientes oncológicos submetidos ao procedimento cirúrgico. O estado nutricional é fator crucial para os desfechos cirúrgicos, onde pacientes com risco nutricional, desnutrição ou sarcopenia, apresentam maiores riscos de complicações no pós-operatório, maior tempo de internação e taxas de readmissão hospitalar, além de aumento das taxas de mortalidade. Condutas nutricionais perioperatórias são cada vez mais incentivadas por mostrarem benefícios na resposta cirúrgica. Porém na prática clínica ainda existem dificuldades para implementação de protocolos assistenciais devido fatores como acesso do paciente ao nutricionista no período pré-operatório, falta de conhecimento das intervenções nutricionais por parte da equipe médica e multiprofissional e ausência do encaminhamento médico ao nutricionista oncológico. Além disso, a orientação nutricional por parte do nutricionista é fundamental para adesão das intervenções pelo paciente. A atuação do nutricionista no paciente oncológico cirúrgico se inicia antes mesmo da cirurgia e, esta etapa, é de fundamental importância, para toda a continuidade das intervenções. Neste momento o profissional nutricionista consegue diagnosticar o estado nutricional e já iniciar intervenções nutricionais que serão favoráveis aos resultados do tratamento. Porém, atualmente, ainda não vemos muitos pacientes que passam em consulta com nutricionista antes de uma cirurgia, sendo que a maioria busca um profissional após o procedimento. A falta de conhecimento do paciente e de encaminhamento do médico para o nutricionista são os principais fatores. O nutricionista atua em toda a jornada do paciente cirúrgico e, durante a internação, consegue adequar a alimentação com base na individualidade e cirurgia realizada, aplicando a terapia nutricional para o fornecimento de todos os nutrientes e favorecer a recuperação. Seu papel continua no pós-operatório, onde o cuidado nutricional é essencial para manter ou recuperar o estado nutricional e garantir a oferta de alimentação saudável e equilibrada, dentro das características necessárias da cirurgia. Mas vamos mais além, pois este cuidado pós-operatório deve se manter no mínimo 3 meses após o tratamento, pois sequelas cirúrgicas tardias devem ser tratadas.

O Papel da Nutrição na Cirurgia Oncológica

............. Desenvolvimento ...............

A cirurgia é um trauma programado com indução ao processo catabólico e alterações no sistema inflamatório e imunológico ocorrem com o objetivo de reparar os tecidos lesados e restabelecer a homeostase corporal. O estado nutricional é um dos fatores que mais influenciam nos resultados pós-operatórios e todo esforço deve ser tomado para sinalizar e identificar pacientes com risco de desnutrição ou desnutrição já instalada. A informação e orientação dos cuidados nutricionais perioperatórios é direito de todo paciente e auxilia na adesão e sucesso no tratamento. A avaliação nutricional pré-operatória tem o objetivo de detectar e otimizar o estado nutricional, por isso é parte fundamental de todo o processo. O risco nutricional pré-operatório pode ser identificado através dos critérios propostos pela ESPEN (European Society for Clinical Nutrition and Metabolism): perda de peso >10-15% nos últimos 6 meses; índice de massa corporal (IMC) <18,5 kg/m²; albumina sérica <30g/L; Avaliação Subjetiva Global (ASG) C ou Nutritional Risk Screening (NRS) >5. Após a definição do diagnóstico nutricional, é realizada a terapia nutricional pré-operatória, objetivando prevenir a desnutrição ou minimizar seus efeitos. Deve ser iniciada precocemente naqueles que apresentam risco nutricional ou desnutrição. Pacientes com desnutrição grave devem receber terapia nutricional, preferencialmente por via oral, de 7 a 14 dias antes da cirurgia. A terapia nutricional pré-operatória está associada a redução na prevalência de complicações infecciosas e cirúrgicas, como vazamento de anastomoses e pode ser indicada mesmo em pacientes sem risco nutricional ou desnutrição relacionada à doença, se for previsto que o paciente será incapaz de alimentar-se por via oral ou não poderá manter o aporte nutricional adequado por esta via por um período maior no pós-operatório. O uso de nutrientes imunomoduladores neste momento promove a modulação da resposta inflamatória e melhora da síntese proteica após a cirurgia. Desta maneira há redução das complicações no pós-operatório e tempo de internação. Estes nutrientes são ômega-3, arginina e nucleotídeos. A arginina favorece a atividade de linfócitos T, reduzindo a produção de interleucinas 1 e 6 e TNF-α, além de auxiliar na cicatrização de feridas. Os nucleotídeos têm papel essencial na cicatrização das feridas,

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reduzindo o risco de infecção da ferida pré-operatória. Os ácidos graxos ômega-3 modulam a resposta inflamatória, pois reduzem as prostaciclinas e tromboxanos, diminuindo então prostaglandinas G2 e leucotrienos, modulando o sistema imune. Com base nas diretrizes atuais publicadas, recomenda-se o uso da imunonutrição para pacientes que serão submetidos a cirurgias oncológicas de médio a grande porte, independente do estado nutricional 2-3x/dia por 5-7 dias antes da cirurgia. Para pacientes com desnutrição grave recomenda-se o uso por 7-14 dias. O jejum prolongado na noite que antecede a cirurgia traz desconfortos ao paciente, tais como: sensação de fome, sede, dor de cabeça e aumento de ansiedade. Além disso, é desnecessário e pode causar redução da reserva de glicogênio muscular e hepático, aumento da resistência à insulina, diminuição do PH gástrico e como consequência pode aumentar o tempo de internação e morbidade cirúrgica. Visando melhor conforto do paciente e redução dos prejuízos do jejum prolongado, recomenda-se jejum de seis horas para alimentos sólidos; três horas para suplementos nutricionais específicos contendo carboidratos e proteínas e duas horas para líquidos claros. Considera-se líquidos claros: água, sucos sem a polpa, café ou chá e suplementos nutricionais de maltodextrina. Para protocolos institucionais visando a abreviação do tempo de jejum pré-operatório, pode ser ofertado de 200 a 400 mL de suplemento a base de maltodextrina até 2 horas antes do procedimento cirúrgico. Devem ser excluídos pacientes que apresentem retardo do esvaziamento gástrico, refluxo gastroesofágico, gastroparesia, obesidade mórbida ou obstrução do trato gastrointestinal. Uma intervenção questionada, mas promissora é o uso da goma de mascar no pré e pós-operatório. O íleo pós-operatório (IPO) é um dos principais contribuintes para o desconforto do paciente, alta tardia e aumento de custos, portanto sua prevenção é o objetivo de muitos protocolos cirúrgicos. Pacientes submetidos às cirurgias do trato gastrointestinal comumente apresentam IPO devido à extensa dissecção, exaustão pós-operatória e longa duração da anestesia. Existem evidências de que a utilização da goma de mascar no pós-operatório possa reduzir esse quadro, estimulando a recuperação precoce da função gastrointestinal. A goma de mascar estimula o peristaltismo e é segura, além de ser um método barato, sendo indicada no período de jejum antes e depois da cirurgia. Após o procedimento cirúrgico, convencionalmente, o retorno da dieta para cirurgias com anastomoses digestivas tem sido prescrito apenas após o retorno do peristaltismo, caracterizado clinicamente pelo aparecimento dos ruídos hidroaéreos e eliminação de gases. Com isso o jejum pós-operatório tende a se prolongar por 2 a 5 dias. Essa prática médica baseia-se no pressuposto que o repouso intestinal seria importante para garantir a cicatrização de anastomoses digestivas. Evidentemente que apesar das necessidades nutricionais estarem aumentadas em decorrência do estresse cirúrgico, a oferta de proteínas é zero e o balanço nitrogenado negativo. Alimentação precoce é definida como a ingestão de alimentos e líquidos nas primeiras 24 horas após o procedimento cirúrgico, independentemente da presença ou ausência dos sinais que indiquem o retorno da função intestinal e vários estudos demonstram que a reintrodução precoce da alimentação não é só segura (mesmo na presença de anastomoses digestivas), como diminui o tempo de internação, morbidades pós-operatórias, custos hospitalares e alta mais precoce. A alimentação no pós-operatório requer cuidados específicos de acordo com o procedimento cirúrgico. Pacientes submetidos à cirurgia por câncer de cabeça e pescoço normalmente utilizam a Terapia Nutricional Enteral (TNE) como via de alimentação e, a necessidade da permanência da sonda se dá à extensão cirúrgica e reabilitação fonoaudióloga. O ideal é a TNE atingir a meta calórica e proteica em até 72 horas e as fórmulas indicadas são as poliméricas, hipercalóricas e hiperproteicas. Fórmulas com nutrientes imunomoduladores trazem benefício para o paciente também no pós-operatório, tanto na redução do tempo de internação hospitalar e complicações, principalmente infecciosas, quanto na cicatrização. Nas cirurgias do trato gastrointestinal, a dieta deve iniciar o mais precocemente possível e seguir uma evolução gradativa, sempre adaptada à tolerância do paciente. Alimentos fermentescíveis devem ser evitados nos primeiros dias de pós-operatório e reintroduzidos gradativamente conforme aceitação e tolerância do paciente. Em alguns casos é necessário o uso da nutrição enteral antes da via oral, como nas esofagectomias, gastrectomias totais e algumas cirurgias do pâncreas. A nutrição enteral nestes casos também tem indicação de início precoce, com baixo volume de infusão e evolução gradativa. A dieta enteral pode ser polimérica e sempre que possível, hiperproteica, além de conter nutrientes imunomoduladores. Nas complicações cirúrgicas, onde há necessidade de repouso intestinal, a nutrição parenteral será a via de preferência e seu início deve ser o mais precoce possível. Cirurgia de grande porte com previsão do retorno

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da alimentação via oral maior que 1 semana, também tem indicação de nutrição parenteral precoce. Vale ressaltar que, todos os pacientes que tiverem a alimentação via oral já evoluída e com retorno de alimentos restritos nos primeiros dias de pós-operatório, e mesmo assim não atingirem suas necessidades calórico-proteica, apresentem perda de peso importante ou desnutrição já presente, devem fazer uso de suplementos nutricionais para garantir a adequada oferta de nutrientes.

................. Conclusão .....................

A nutrição é parte essencial do tratamento do câncer e este conceito necessita urgentemente ser divulgado entre todos os profissionais que tratam pacientes oncológicos. Diversos estudos já comprovaram os benefícios da nutrição em pacientes cirúrgicos, porém na prática clínica ainda falta a implementação de protocolos multimodais que visam a recuperação mais precoce deste paciente.

Sobre os autores

Profa. Dra. Thais Manfrinato Miola - Nutricionista Supervisora Clínica do ACCamargo Cancer Center. Doutora em Ciências na Área de Oncologia. Mestre em Ciências na Área de Oncologia. Especialista em Nutrição Clínica e Oncológica.

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