13 minute read
Incidência de Náuseas e Êmese em Pacientes Cirúrgicos Submetidos à Abreviação de Jejum
Advertisement
RESUMO: No Brasil, em 2005, foi implantado um projeto inspirado nas condutas das ERAS, chamado de ACERTO ou Aceleração da Recuperação Total Pós-Operatória. Trata-se de um estudo controlado, retrospectivo e experimental. A amostra foi dividida em dois grupos compostos por pacientes sem contraindicação elegíveis para a abreviação de jejum (suplemento composto por 25g de maltodextrina e 10g de glutamina, com o objetivo de redução de intercorrências pós-cirúrgicas) em tempo hábil da cirurgia e pacientes com contraindicações que não foram suplementados (grupo controle). Foi observado que 214 pacientes não suplementados relataram náusea pós-operatória e 128 apresentaram êmese. Os resultados deste trabalho não mostraram grandes benefícios da suplementação nutricional para o paciente nos casos de pós-operatório dos doentes. Sendo necessários estudos com maior volume de participantes, maior tempo de observação e controle de dados coletados..
ABSTRACT: In Brazil, in 2005, a project inspired by the conduct of the ERAS was implemented, called ACERTO or Acceleration of Total Post-Operative Recovery. This is a controlled, retrospective, and experimental study. The sample was divided into two groups composed of patients without contraindications eligible for fasting abbreviation (supplement consisting of 25g of maltodextrin and 10g of glutamine, with the aim of reducing post-surgical complications) in a timely manner after surgery and patients with contraindications that were not supplemented (control group). It was observed that 214 non-supplemented patients reported postoperative nausea and 128 had emesis. The results of this work did not show great benefits of nutritional supplementation for the patient in the postoperative cases of the patients. Studies with a larger volume of participants, longer observation time and control of collected data are needed.
................. Introdução ..................
As cirurgias eletivas constituem em um trauma programado com indução ao processo catabólico e muitas alterações no sistema inflamatório e imunológico, com o objetivo de reparar os tecidos lesados e restabelecer a homeostase corporal. A resposta metabólica ao trauma cirúrgico é potencializada, entre outros fatores, pelo jejum pré-operatório prolongado que acarreta prejuízos ao estado nutricional do paciente ou exacerba a desnutrição pré-existente (FRANCISCO et al., 2015). As operações eletivas conservam, rotineiramente, o paciente em jejum noturno de “nada pela boca” por um período de seis a oito horas até o momento da aneste-
sia com a finalidade de prevenir complicações pulmonares causadas por vômito e aspiração do conteúdo gástrico. Essa prática tem sido questionada e considerada obsoleta por muitos autores (LUDWIG et al., 2013). Com o procedimento cirúrgico, ocorre alteração do metabolismo basal, que é medida por citocinas pró-inflamatórias, hormônios contra reguladores, tais como glucagon, catecolaminas, cortisol, entre outros mediadores, chamada de resposta metabólica ao trauma cirúrgico. Esta resposta é estimulada pelo jejum pré-operatório prolongado. Após algumas horas de jejum, ocorre a diminuição dos níveis de insulina e, em contrapartida, há aumento dos níveis de glucagon, determinando uma utilização rápida da pequena reserva de glicogênio (cerca de 400g em um indivíduo adulto), que se encontra em maior parte no fígado; além de uma maior produção de mediadores inflamatórios. Em menos de 24 horas de jejum, o glicogênio hepático é totalmente consumido. Porém, a gliconeogênese é ativada e a proteína muscular passa a ser utilizada, provendo glicose para os tecidos que dependem exclusivamente dela como fonte de energia (NASCIMENTO et al., 2011). Outro aspecto bastante negativo do jejum pré-operatório é que os pacientes podem permanecer mais horas em jejum do que o tempo realmente estabelecido devido a fatores como atraso nas cirurgias, transferência de horário ou local de realização do procedimento (AGUILAR et al., 2017). Evidências científicas publicadas nos últimos anos são à base de novas diretrizes de cuidados cirúrgicos e recomendam a diminuição do tempo do jejum pré-operatório com líquidos claros e bebidas ricas em carboidratos até poucas horas antes da cirurgia eletiva (FEARON et al., 2005). No Brasil, em 2005, foi implantado um projeto inspirado nas condutas das ERAS, chamado de ACERTO ou Aceleração da Recuperação Total Pós-Operatória. Consiste em um programa multidisciplinar que envolve os serviços de cirurgia geral, anestesia, nutrição, enfermagem e fisioterapia e que estabelece um conjunto de cuidados perioperatórios visando melhorar a recuperação do paciente cirúrgico. Dentre as principais condutas preconizadas pelo projeto ACERTO estão: avaliação e terapia nutricional perioperatórias, abreviação do jejum pré-operatório com oferta de líquidos contendo carboidratos, restrição de fluidos intravenosos, do uso de sondas e drenos, realimentação e mobilização precoce no pós-operatório (NASCIMENTO et al., 2011). A partir das reflexões apresentadas este estudo
teve como objetivo principal analisar a incidência de náuseas e êmese em pacientes de pós-operatório que participaram da abreviação de jejum pré-cirúrgico com o consumo de suplemento versus grupo controle que não recebeu o suplemento. O abreviamento de jejum é indicado para pacientes que não possuem contraindicação, como diabetes, refluxo gastroesofágico, diminuição do tempo de esvaziamento gástrico, insuficiência renal crônica, além de pacientes com obesidade, por possuírem maior risco de broncoaspiração e interferência do fator massa corporal sobre o esvaziamento gástrico. Já o sexo, apesar do antigo conhecimento do efeito dos hormônios sexuais sobre a motilidade das mucosas, estes parecem não afetar a taxa de esvaziamento dos líquidos claros, não sendo observadas diferenças significativas entre os sexos (CAMPOS et al., 2018).
.............. Metodologia .....................
Trata-se de um estudo controlado, retrospectivo e experimental. Por tratar-se de um estudo retrospectivo, não trazendo qualquer risco para o participante, solicitamos dispensa quanto à aplicação do termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa através da Plataforma Brasil e aprovado conforme parecer (CAEE nº 4.174.539), após a aprovação foram avaliados todos os prontuários eletrônicos dos pacientes submetidos a operações eletivas ou de urgência no serviço de cirurgia geral de um hospital privado situado na região Oeste do estado de São Paulo, entre fevereiro de 2019 a dezembro 2019, incluídos dentro do protocolo de condutas perioperatórias estabelecidas pelo projeto ACERTO. Para este estudo foram incluídos pacientes dos sexos femininos e masculinos, maiores de 18 anos, submetidos a procedimentos cirúrgicos sendo eletivos ou de urgência e de variadas especialidades. Foram excluídos pacientes menores de 18 anos e que possuíam as seguintes contraindicações: obesidade, classificado de acordo com os parâmetros indicados pelo Ministério da Saúde (2017), para avaliação do estado nutricional de pessoas entre 20 e 59 IMC ≥ 30, no caso de idosos IMC ≥ 27, refluxo gastroesofágico, pacientes com insuficiência renal crônica (IRC), obstrução Intestinal, pacientes em uso de líquidos com espessantes, grandes traumas, diabéticos, pacientes com diagnóstico ou suspeita de abdome agudo, tempo de internação menor que três horas e meia antes do procedimento cirúrgico, diminuição do tempo de esvaziamento gástrico como bariátricos, pacientes que utilizam de outras vias de alimentação SNE/GTM/NPP e alérgicos a corantes. A amostra foi dividida em dois grupos compostos por pacientes sem contraindicação elegíveis para a abreviação de jejum (suplemento composto por 25g de maltodextrina e 10g de glutamina, com o objetivo de redução de intercorrências pós-cirúrgicas) em tempo hábil da cirurgia e pacientes com contraindicações que não foram suplementados (grupo controle). A partir desta coleta foi realizada a comparação entre os dois grupos (suplementados e não suplementados) em relação ao objetivo do estudo. A coleta e análise dos dados foi realizada através de planilha desenvolvida pelos autores no programa Microsoft Excel® a qual foi alimentada diariamente por um profissional do setor de nutrição sendo os dados coletados do prontuário eletrônico oriundo do software MV PEP®, após a coleta das informações (data, leito, nome, data de nascimento, sexo, atendimento, diagnostico, tipo de cirurgia, especialidade médica, tempo de jejum, prescrição de suplemento, oferta de suplemento, motivo de contraindicação, motivo da não oferta do suplemento prescrito e intercorrências pós cirúrgicas (náuseas e êmese) para melhor apresentação dos resultados, foram utilizados gráficos e tabelas construídos no programa Microsoft Excel® a fim de demonstrar quais são os benefícios da abreviação de jejum pré cirúrgica. Posteriores aos achados do estudo foram realizadas análises comparativas com a literatura e demais artigos acadêmicos.
....... Resultados e Discussões ...........
O protocolo de abreviação de jejum foi implantado no hospital no ano de 2017 com o objetivo de monitorar o tempo de jejum dos pacientes internados a fim de detectar precocemente os sinais de hipoglicemia, evitar desnutrição intra-hospitalar e atenuar a resposta ao estresse da operação e permitir uma recuperação mais rápida. Este dado faz parte do quadro de indicadores de qualidade monitorados mensalmente pela instituição.
O monitoramento consiste em uma busca através do mapa de agendamento cirúrgico no qual um colaborador do serviço de nutrição e dietética realiza a triagem diária e transcrição das informações de prontuário em planilha própria, analisando se o paciente se enquadra no protocolo de abreviação de jejum com base nas contraindicações. Nos casos de elegibilidade o suplemento é prescrito em um intervalo de no mínimo 3 horas antes do procedimento, sendo dispensado pelo lactário e após a chegada do mesmo no posto de enfermagem a equipe assistencial oferta o suplemento com base na prescrição nutricional. Podemos observar incidência de pacientes com idade média de 45 anos sendo mais prevalente os de sexo feminino, tendo em média 10 horas de jejum prévias ao procedimento, desta forma já podemos observar que o tempo de jejum pré cirúrgico pode ser trabalhado como plano de melhoria, visto que a literatura nos mostra que o mesmo torna-se exacerbado quando ultrapassamos 9 horas de privação alimentar. Mesmo após inúmeros estudos, discussões e comprovações científicas os hospitais ainda praticam baixas taxas de suplementação para abreviação de jejum. Durante o presente estudo observamos que além da desinformação quanto aos reais benefícios desta prática temos algumas nuances que nos impedem de praticar melhores resultados como, por exemplo, a necessidade de internação com intervalo menor de 3 horas pré cirúrgicas permitindo assim giro de leito nas instituições. Estas entraves devem ser melhor discutidas dentro do ambiente hospitalar visando realizar um balanço de todos os benefícios tanto para a saúde e recuperação do paciente quanto para economia da instituição. De acordo com estudos publicados recentemente, a náusea e o vômito são duas das complicações mais comuns no pós-operatório em pacientes submetidos a cirurgias como podemos observar nas tabelas 2 e 3. Essas complicações possuem uma alta taxa de incidência, acometendo cerca de 20 a 30% dos pacientes, gerando alguns transtornos, tais como uma significativa morbidade pós-operatória, custo mais elevado ao hospital devido a utilização inadequada de medicamentos e o aumento dos dias de internação hospitalar, além da insatisfação do paciente em relação ao procedimento realizado (ALBUQUERQUE et al., 2014). O presente estudo demonstrou que apenas 6,8% do total pacientes cirúrgicos puderam ser suplementados, dos quais 3,4% apresentaram relato de náuseas pós procedimento quando comparamos ao número de pacientes que não receberam a terapia. Através dos dados obtidos oriundos do prontuário eletrônico, 128 pacientes não suplementados apresentaram êmese, correspondente a 1,5%, em contrapartida 12 pacientes suplementados referiram tal sintoma, somando um total de 1,9%. Com relação ao desfecho da abreviação de jejum mais temido pelas equipes cirúrgicas, não foi observado a presença de broncoaspiração, resultado similar a outros estudos, demonstrando, cada vez mais, que esta proposta não aumenta o risco de aspiração durante as cirurgias, podendo ser indicada com segurança. Nas últimas décadas, diversos estudos demonstram resultados animadores com a aplicação de programas multimodais objetivando a otimização da recuperação pós-operatória. Os resultados de trabalhos clínicos consistentes têm feito com que velhos paradigmas sejam questionados dando lugar a práticas mais modernas, sustentadas em evidência (OLIVEIRA et al., 2009). O medo equivocado de complicações indesejáveis, como a broncoaspiração, pode desencorajar cirurgiões na adesão das recomendações do protocolo ACERTO sobre abreviação de jejum pré-operatório. Importa salientar que, nesse contexto, as diretrizes da anestesiologia também garantem esses benefícios, elucida esse paradigma e apoiam a segurança dos dados deste estudo. As sociedades de anestesiologia respaldam que a abreviação do jejum pré-operatório, nas condições descritas anteriormente, é segura e pode diminuir efeitos indesejáveis perioperatórios (AGUILAR et al., 2009).
.......... Consideração Final ...............
Poucos estudos investigaram os efeitos da educação pré-operatória em pacientes candidatos à cirurgia eletiva, embora haja forte recomendação para esta prática. Estudos também sobre os efeitos deletérios do jejum pré-operatório prolongado podem trazer valiosas informações para melhorar as recomendações no futuro. Os resultados deste trabalho mostraram-se inconclusivos quanto aos benefícios para o quadro pós operatório dos doentes e grandes oportunidades de redução de custos para as instituições o uso de suplementação pré-cirúrgica de abreviação de jejum. A principal limitação deste estudo foi a utilização
de dados retrospectivos, isto por que os resultados foram dependentes de informações secundárias, extraídas de prontuário eletrônico, podendo não representar as reais condições analisadas, seguida do alto volume de pacientes não elegíveis a suplementação pelo tempo de internação < de 3 horas (28,95%). A prática não ofereceu riscos adicionais e proporcionou maior conforto e humanização nos cuidados perioperatórios de cirurgias. Pode, portanto, ser encorajada com o objetivo de acelerar a recuperação pós-operatória e agregar satisfação na qualidade da assistência hospitalar em procedimentos cirúrgicos. Declaramos não apresentar quaisquer conflitos de interesse que possam estar relacionados ao presente estudo.
Sobre os autores
Dra. Maiara Fernandes de Oliveira – Nutricionista. Pós-graduação em Nutrição Clínica. Giovana Vilutis da Silva – Graduanda em Nutrição pela Universidade São Camilo. SP - Brasil Dra. Lais Regina Alves Primo – Nutricionista pela Universidade São Camilo. SP – Brasil. Dra. Karina Paulino Lima - Nutricionista pela Universidade São Camilo. SP – Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Protocolo. Jejum. Náuseas. Êmese. Cirurgia. Nutrição. KEYWORDS: Protocol. Fasting. Nausea. Emesis. Surgery. Nutrition.
RECEBIDO: 3/10/22 – APROVADO: 28/11/22 REFERÊNCIAS
AGUILAR NASCIMENTO J.E. et al. Diretriz ACERTO de intervenções nutricionais no perioperatório em cirurgia geral eletiva. Rev. Col. Cir.; 44(6): 633-648.2017. AGUILAR-NASCIMENTO, J.E.; MARRA JG; SLHESSARENKO, N; FONTES, CJ. Efficacy of National Nosocomial Infection Surveillance score, acute-phase proteins, and interleukin-6 for predicting postoperative infections following major gastrointestinal surgery. São Paulo Med J ; 125:34-41. 2007 AGUILAR-NASCIMENTO, J.E.; PERRONE, F.; PRADO, L. Jejum pré-operatório de 8 horas ou de 2 horas: o que revela a evidência? Rev. Col. Bras. Cir.; 36:350-352.2009 ALBUQUERQUE, A. F. Avalição da náusea e vômito no pós-operatório (NVPO) em Cirurgia Buco-Maxilo-Facial. 2014. 68 f. Monografia (Especialização) - Curso de Cirurgia Buco-maxilo-facial, Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2014. Disponível em: <https://monografias.ufrn.br/jspui/bitstream/1/735/1/AssisFilipeMA_Trabalho%20de%20Conclus%c3%a3o%20de%20 Curso>. Acesso em: 03 jan. 2020. CAMPOS, S.B.G.; BARROS-NETO, J.A.; GUEDES, G.S.; MOURA F. A. Jejum operatório: Por que abreviar? ABCD Arq. Bras Cir. Dig 2018;31(2):e1377. 2018. FEARON, K.C. et al. Enhanced Recovery After Surgery (ERAS): A consensus review of clinical care for patients undergoing colonic resection. Clin Nutr; 24(3):466-77. 2005. FRANCISCO, S.C. et al. Jejum em pacientes cirúrgicos eletivos: comparação entre o tempo prescrito, praticado e o indicado em protocolos de cuidados perioperatórios. Arq. Bras Cir. Diag, 28 (4): 250-254.2015. LUDWIG, R.B. et al. Menor tempo de jejum pré-operatório e alimentação precoce no pós-operatório são seguros? Arq. Bras Cir. Dig ; 26 (1): 54-58. 2013. MARCARINI, M.; ROSA, S.C.; WIECK, FLÁVIA, P.; BETTIT, A. H. Abreviação do jejum: aspectos clínicos perioperatórios de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Rio Grande do Sul: BRASPEN J; 32 (4): 375-9. 2017. NASCIMENTO, J.; CAMPOS A.C.; BORGES A.; CORREIA M.; TAVARES, G.M. Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral Associação Brasileira de Nutrologia. Projeto Diretrizes: Terapia Nutricional no Perioperatório. São Paulo: Associação Médica Brasileira; 2011. OLIVEIRA, K.G.; BALSAN, M.; OLIVEIRA, S. S.; NASCIMENTO, J. E. A Abreviação do Jejum Pré-Operatório para Duas Horas com Carboidratos Aumenta o Risco Anestésico? Rev. Bras Anestesiol ; 59: 5: 577-584. 2009. PINTO, A.S.; GRIGOLETTI, S.S.; MARCADENTI A. Abreviação do jejum entre pacientes submetidos à cirurgia oncológica: revisão sistemática. São Paulo - ABCD Arq. Bras Cir. Dig ;28(1):70-73.2015