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Será o fitoplâncton o verdadeiro pulmão do planeta?
Folhas de algas gigantes (Macrocystis pyrifera)
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Estuda as alterações climáticas a partir dos satélites da Agência Espacial Europeia, particularmente os seus efeitos nas microalgas, seres vivos tão especiais que sem eles a vida na Terra não seria possível – o seu nome é Filipe Lisboa.
Filipe Lisboa é um dos dois candidatos portugueses, na especial lista da Agência Espacial Europeia (ESA), que pretendem vir a ser astronautas. O processo de selecção é difícil e moroso, devendo ainda demorar alguns anos, pelo que, enquanto decorre,
Filipe trabalhe como Project Officer na Agência Europeia de Segurança
Marítima, onde monitoriza imagens de satélite, procurando reduzir o risco de acidentes marítimos e a pesca ilegal, acompanhar os fluxos migratórios ou evitar a poluição marinha.
Paralelamente, o nosso candidato a astronauta está a fazer um doutoramento em alterações climáticas e os efeitos da actividade humana no fitoplâncton, um conjunto de algas marinhas microscópicas que, incrivelmente, também são mais bem estudadas a partir do Espaço do que na Terra. “Ainda hoje fico impressionado”, admite, referindo-se ao estudo destes seres microscópicos, que se observam tão bem a partir do Espaço. Mas a explicação é simples. Como possuem clorofila, têm uma tonalidade esverdeada que os satélites captam muito bem, conseguindo-se até identificar as espécies precisamente pela sua cor. “O oceano não é verdadeiramente azul, apenas parece azul”, tal como o céu parece azul, porque reflecte melhor esse espectro. O oceano tem muitas outras cores, amarelo, castanho, laranja e “maioritariamente verde, precisamente por causa do fitoplâncton”. Mas o que são estas microalgas e porque o seu estudo é tão importante? O nome engloba “milhares de espécies, muitas delas ainda não estão sequer identificadas”, mas a sua importância é vital, pois “estão na base de toda a cadeia alimentar nos oceanos, absorvem tanto dióxido de carbono como todas as outras plantas e florestas da Terra juntas e são o verdadeiro pulmão do planeta”, explica o cientista climático. São responsáveis por produzir 50% a 80% do oxigénio que respiramos. Aliás, foram estes seres unicelulares que, há 2,5 mil milhões de anos, começaram a produzir o oxigénio que transformou a Terra no planeta habitável que hoje conhecemos. Temos,
então, uma enorme dívida de gratidão, mas será que estamos a pagar-lhes na mesma moeda? A questão é complexa, diz, pois “existem diferentes espécies de algas e estas reagem todas de forma diferente às alterações climáticas e à actividade humana”. Estamos a assistir a uma transformação na actividade do fitoplâncton, e quase sempre é consequência da acção directa do Homem. Uma das mais recorrentes são os chamados afloramentos tóxicos, grandes concentrações de microalgas que esgotam oxigénio e provocam a morte de todos os seres vivos nessa zona. “Existem muitos afloramentos, mas estes fenómenos tóxicos ocorrem maioritariamente em rios e lagos ou em zonas costeiras perto das bacias hidrográficas, onde se acumulam desperdícios da actividade agro-pecuária e outras indústrias, que funcionam como nutrientes para estes organismos.” Filipe cita ainda um estudo da NASA sobre o derrame petrolífero na plataforma Deep Water Horizon, no golfo do México. Após o acidente, os níveis de fitoplâncton na coluna de água desceram para níveis baixíssimos, mas hoje, passados 11 anos, já suplantaram os números anteriores ao acidente. Só que as espécies já não são as mesmas “e o ecossistema local foi alterado”. Costuma dizer-se que um bom cientista é aquele que sabe cada vez mais sobre cada vez menos, mas Filipe Lisboa tem um percurso em contraciclo com esta concepção, intitulando-se com humor de “investigador rebelde”. A sua tese de doutoramento está mais relacionada com a Biologia do que com a sua formação-base, que é a Física, Astronomia e Astrofísica, mas, curiosamente, é essa multidisciplinaridade que o torna um candidato tão interessante para a ESA – e aquilo que o atrai também para o projeto. “Sempre tive uma paixão enorme pelo Espaço, na mesma medida que tenho pelos oceanos e é engraçado como o meu trabalho acaba por estar tão ligado a ambos”.
Filipe Lisboa
“A maioria dos candidatos a astronauta quer ir à Lua, viver no Espaço e se calhar ir até à Estação Espacial Internacional. Estamos a entrar numa fase da exploração muito preocupada com a forma como replicamos as condições de vida que temos na Terra” – e o fitoplâncton desempenha naturalmente um papel fundamental neste processo. “Estamos a aprender a criar no Espaço as mesmas condições que já existem – de forma natural – na Terra. E, em simultâneo, aprendemos muito sobre o que podemos fazer para preservar a vida aqui.”
Fitoplâncton
Os animais terrestres fazem-nos esquecer que o habitat mais extenso do mundo é constituído pelos oceanos, que ocupam cerca de 70% da superfície da Terra. Mas esta medida não nos dá uma estimativa verdadeira do espaço disponível para a vida marinha. Na Terra, os organismos ocupam uma zona aplanada com alguns metros abaixo da superfície, raramente mais do que 30 metros. A profundidade média dos oceanos, por outro lado, é de cerca de 4 000 metros. São encontrados organismos a todas as profundidades. Nestas condições, o atual espaço marinho é cerca de 300 vezes maior que o espaço disponível para a vida terrestre. A vida nos oceanos depende da presença de luz. Nas partes dos oceanos onde há luz, as plantas realizam a fotossíntese, desenvolvem-se e reproduzem-se, servindo de alimento, direta ou indiretamente, aos animais. As plantas são produtoras e os animais consumidores de 1.a ordem. A massa de matéria viva existente nos oceanos é muito maior que a presente em terra. Esta presença de vida não é óbvia. Se observarmos as águas superficiais do Atlântico Norte, é natural que só vejamos água. Contudo, um litro desta água pode conter 500 000 bactérias, 1 000 000 de plantas microscópicas e 150 animais microscópicos. Muitos dos animais movem-se por cilios ou flagelos, ou prolongamentos de outra espécie. Algumas plantas também se movem por flagelos. A maior parte, porém, move-se à mercê dos ventos, das ondas e das marés. É este conjunto de seres vivos, animais e vegetais, que se encontra desde o fundo até à superfície das águas doces e marinhas, e que se deixa arrastar passivamente por estas, sem que os seus próprios movimentos consigam opor-lhe resistência, que constitui o plâncton. Estes seres são insignificantes à vista desarmada, mas desempenham um papel vital na vida marinha. Observados ao microscópio, mostram uma variedade enorme de formas e cores. O plâncton divide-se em zooplâncton e fitoplâncton, conforme se trata de animais ou plantas. Os representantes mais abundantes do fitoplâncton são as algas diatomáceas, que possuem um esqueleto silicioso. As diatomáceas contêm clorofila semelhante às das plantas verdes. São seguidas em importância pelos dinoflagelados, dos quais algumas espécies possuem clorofila e são fotossintéticas. As diatomáceas e os dinoflagelados, com mais algumas espécies de algas flutuantes, são a base de toda a vida marinha. Sendo fotossintéticas, as algas marinhas só podem viver onde houver luz. Não surpreende, portanto, que se encontrem próximo da superfície. Geralmente encontram-se até
uma profundidade de 100 metros. O fitoplâncton serve de alimento a uma variedade enorme de pequenos animais que são consumidores primários. Entre eles encontram-se protozoários, pequenos crustáceos, larvas de peixes e representantes de quase todos os grupos animais, na forma de ovos ou larvas, com excepção de mamíferos e répteis. O plâncton, que por vezes tem certos componentes nocivos à saúde, é em regra um alimento de alto valor nutritivo, muito rico em proteínas, gorduras e vitaminas lipossolúveis. Tem grande importância na cadeia alimentar, constituindo a sua base. A produtividade do fitoplâncton é muito importante, porque o seu desenvolvimento é prodigioso. Nas melhores condições, renova-se todos os dois dias, o que quer dizer que a sua biomassa duplicaria se ele, ao mesmo tempo, não fosse comido.