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OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO TRABALHO COMO REFERÊNCIA PARA PESQUISAS SOBRE O DESEMPENHO SOCIAL E TRABALHISTA DE EMPRESAS NO BRASIL
MAIO/2004
INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO TRABALHO COMO REFERÊNCIA PARA PESQUISAS SOBRE O DESEMPENHO SOCIAL E TRABALHISTA DE EMPRESAS NO BRASIL
MAIO/2004
INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL
CONSELHO DIRETOR Antonio Carlos Spis (Secretaria de Comunicação, CUT) Artur Henrique dos Santos (Secretaria de Organização, CUT) Francisco Mazzeu (Unitrabalho) Gilda Almeida de Souza (Secretaria de Políticas Sociais, CUT) João Vaccari Neto (Secretaria de Relações Internacionais, CUT) José Celestino Lourenço (Secretaria Nacional de Formação, CUT) Kjeld A. Jakobsen, Presidente (CUT) Mara Luzia Feltes (Dieese) Maria Ednalva B. de Lima (Secretaria da Mulher Trabalhadora, CUT) Maria Inês Barreto (Cedec) Rosane da Silva (Secretaria de Políticas Sindicais, CUT) Silvia Araújo (Unitrabalho) Tullo Vigevani (Cedec) Wagner Firmino Santana (Dieese) DIRETORIA EXECUTIVA Ari Aloraldo do Nascimento (CUT) Artur Henrique dos Santos (SNO/CUT) Carlos Roberto Horta (UNITRABALHO) Clemente Ganz Lúcio (DIEESE) Kjeld A. Jakobsen Presidente Maria Ednalva B. de Lima (SNMT/CUT) Maria Inês Barreto (CEDEC) Rosane da Silva (Secretaria de Políticas Sindicais, CUT) SUPERVISÃO TÉCNICA Amarildo Dudu Bolito: Supervisor Institucional João Paulo Veiga: Supervisor Técnico Marques Casara: Supervisor de Comunicação Mônica Corrêa Alves: Supervisora Administrativo-financeira Ronaldo Baltar: Supervisor do Sistema de Informação Revisão gramatical e ortográfica: Jane Maria Viana Cardoso Este conjunto de textos foi produzido com a colaboração de toda a equipe de pesquisadores e consultores do Instituto Observatório Social, bem como de sindicalistas e convidados especiais, através da discussão de versões preliminares em oficinas técnicas realizadas nos anos de 2002 e 2003.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
VII
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO
1
1.1 A OIT e as Normas Internacionais do Trabalho...............................................................................4 1.2 A OCDE e as Diretrizes para Empresas Multinacionais..................................................................7 1.3 O Global Compact...............................................................................................................................9 1.4 Instrumentos pactuados: o Código da CIOSL e os Acordos Marco .............................................11 1.5 Iniciativas Voluntárias: códigos de conduta....................................................................................12 1.6 Certificação Social: a SA 8000..........................................................................................................14
CAPÍTULO 2 - LIBERDADE SINDICAL
17
2.1 Evolução Mundial..............................................................................................................................17 2.2 Evolução no Brasil.............................................................................................................................20 2.3 Centralidade.......................................................................................................................................33 2.4 Referências Internacionais................................................................................................................34 2.5 Referências Nacionais........................................................................................................................48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
56
CAPÍTULO 3 - NEGOCIAÇÃO COLETIVA
59
3.1 Centralidade.......................................................................................................................................59 3.2 Referências Internacionais................................................................................................................61 3.3 Referências Nacionais........................................................................................................................85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
93
CAPÍTULO 4 - GENERO
95
iii
4.1 A OIT e os direitos das mulheres .....................................................................................................95 4.2 Referências históricas da igualdade salarial....................................................................................98 4.3 Aportes metodológicos disponíveis da igualdade salarial ............................................................103 4.4 Como definir um salário igual? Alguns critérios ..........................................................................109 4.5 Um passo à frente na globalização dos direitos – a igualdade de oportunidades.......................113 4.6 A legislação brasileira e a igualdade de tratamento e oportunidades .........................................117 4.7 Foco de observação e diagnósticos disponíveis..............................................................................123
CAPÍTULO 5 - RAÇA
131
5.1 Histórico Sobre o Tema...................................................................................................................132 5.2 Principais Referências.....................................................................................................................160 5.3 Práticas Discriminatórias no Trabalho..........................................................................................162 5.4 Posicionamento do Observatório Social ........................................................................................174
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
176
CAPÍTULO 6 - A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
177
6.1.1 As Estatísticas Internacionais......................................................................................................179 6.2 Referências Internacionais..............................................................................................................188 6.3 Referências Nacionais......................................................................................................................195
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
214
CAPÍTULO 7 - ABOLIÇÃO DO TRABALHO FORÇADO
215
7.1 Histórico ...........................................................................................................................................218 7.2 Retrato Atual do Trabalho Escravo no Brasil ..............................................................................223 7.3 Principais Referências Legais.........................................................................................................234
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
245 iv
ANEXOS
248
Anexo 1 ...................................................................................................................................................248 Anexo 2 ...................................................................................................................................................250
CAPÍTULO 8 - SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO
253
8.1 Globalização, reestruturação produtiva e saúde do trabalhador................................................265 8.2 Globalização, Segurança e Saúde no Trabalho e Empresas Multinacionais ..............................272 8.5. Conclusões .......................................................................................................................................295
CAPÍTULO 9 - MEIO AMBIENTE
299
9.1 Evolução da Preocupação com o Meio Ambiente .........................................................................299 9.2 A evolução no Brasil ........................................................................................................................307 9.3 Movimento Sindical e Meio Ambiente ...........................................................................................312 9.4 empresas e Meio Ambiente .............................................................................................................319 9.4 Principais Referências Internacionais ...........................................................................................324
v
vi
APRESENTAÇÃO
O Instituto Observatório Social é uma iniciativa da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em parceria com Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC), o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos SocioEconômicos (DIEESE) e a Rede Interuniversitária de Estudos do Trabalho (Unitrabalho). Sua meta é gerar e organizar informações consistentes sobre o desempenho social e trabalhista de empresas no contexto da globalização econômica e da liberalização dos mercados, em função de acordos de comércio internacional. Para o Observatório Social, o desempenho social e trabalhista das empresas deve ser avaliado de modo a abranger as seguintes áreas temáticas: liberdade sindical, negociação coletiva, trabalho infantil, trabalho forçado, discriminação contra gênero e raça, meio ambiente, saúde e segurança no trabalho. E a referência de tal avaliação precisa estar baseada nos direitos fundamentais do trabalho definidos pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), em consensos envolvendo governos, empregadores e trabalhadores. Na área ambiental, cabe complementar as referências da OIT com outros tratados e documentos internacionais gerados, principalmente, pelo sistema ONU ao longo das últimas décadas. Tomando as Convenções como referência, o Observatório Social buscou a ajuda de especialistas para interpretar e contextualizar as normas internacionais à luz da realidade brasileira, bem como complementá-las com as normas e padrões nacionais de conduta empresarial. O esforço resultou neste livro, em que a visão dos autores foi enriquecida pela contribuição de muitas outras pessoas ao longo de dois anos de discussões. O texto pretende auxiliar no conhecimento sobre os temas tratados nos estudos, sobre o trabalho no Brasil e sobre a conduta de empresas multinacionais. Para chegarmos aqui foi indispensável o apoio da central sindical holandesa Federatie Nederlandse Vakbeweging (FNV).
vii
viii
1
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO
O processo de globalização da economia está sendo acompanhado por desigualdade crescente, entre os países, entre regiões e entre classes sociais dentro de cada nação. Mais que inaceitável, esta situação se afigura como insustentável para o futuro da humanidade. Esta constatação impõe uma revisão do processo de globalização a fim de que ele deixe de ser restrito aos mercados e aos lucros das empresas, para se estender ao âmbito dos direitos trabalhistas, dos direitos sociais e das ações de preservação do meioambiente, construindo um desenvolvimento harmônico e sustentável. Pensando assim, a CUT Brasil, em parceria com Cedec, Dieese e Unitrabalho criaram o Instituto Observatório Social, afirmando-se como "Uma iniciativa pela globalização dos direitos". Sua meta é gerar e organizar informações consistentes sobre o desempenho social e trabalhista de empresas. Com isto, quer contribuir na discussão sobre o desenvolvimento social e ambiental do planeta, interagindo com propostas de responsabilidade social empresarial e da adoção de cláusulas sociais e ambientais, nos tratados internacionais de comércio e investimentos, sempre tomando como ponto de partida os interesses dos trabalhadores. Com esta meta em vista, definiu-se uma pauta de temas a serem tratados: liberdade sindical, negociação coletiva, trabalho infantil, trabalho forçado, discriminação contra gênero e raça, meio ambiente, saúde e segurança no trabalho. Se não esgotam a agenda de debates sobre o desenvolvimento contemporâneo do planeta e do Brasil, abrangem os pontos mais sensíveis e, muitas vezes, pouco lembrados. Para fundamentar suas análises, o Observatório escolheu os Direitos Fundamentais do Trabalho, definidos pela OIT (Organização Internacional do Trabalho)1 e a Declaração da ECO-922. A Declaração da OIT tem uma legitimidade
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Trabajo.
OIT. Declaracion de La OIT Relativa a los Principios e Derechos Fundamentales en el Ver URL:
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inquestionável, pois foi aprovada pelas três partes representadas na estrutura da Organização, onde governos, empregadores e trabalhadores estão reunidos para trabalhar pela promoção da justiçasocial e melhores condições de vida e de trabalho em todo o mundo. O Instituto Observatório Social realiza um trabalho de monitoramento do comportamento social, trabalhista e ambiental das empresas instaladas no Brasil, através de pesquisas participativas envolvendo sindicatos, trabalhadores e as próprias empresas. As práticas empresariais são confrontadas com padrões extraídos, principalmente, das Convenções e Recomendações da OIT. As Convenções da OIT, consideradas nas pesquisas do IOS, com a respectiva data de ratificação pelo Brasil, são as seguintes:
http://www.ilo.org/dyn/declaris/DECLARATIONWEB.INDEXPAGE?var_language=SP, visitado em 06/07/04. 2
PNUMA. Rio Declaration on Environment and Development. Ver http://www.unep.org/Documents/Default.asp?DocumentID=78&ArticleID=1163,visitado 06/07/04.
URL: em
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QUADRO 1 – CONVENÇÕES DA OIT E RATIFICAÇÃO PELO BRASIL Tema LIBERDADE SINDICAL C87 - Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização C135 - Representantes dos Trabalhadores NEGOCIAÇÃO COLETIVA C98 - Direito de Sindicalização e Negociação Coletiva C151 - Relações de Trabalho na Administração Pública DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO C100 - Igualdade de Remuneração (Homens e Mulheres) C111 - Discriminação no Emprego e na Ocupação TRABALHO INFANTIL C138 - Idade Mínima C182 - Proibição das piores formas de trabalho infantil e a ação imediata para sua eliminação TRABALHO FORÇADO C29 - Sobre o Trabalho Forçado C105 - Abolição do Trabalho Forçado SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO C148 - Meio Ambiente de Trabalho (contaminação do ar, ruído e vibrações) C155 - Segurança e Saúde dos trabalhadores C170 - Produtos Químicos C174 - Prevenção de acidentes industriais maiores
Adoção pela OIT
Ratificação Pelo Brasil
1948 1971
NÃO RATIFICADA 18/05/1990
1949 1978
18/11/1952 NÃO RATIFICADA
1951 1958
25/04/1957 26/11/1965
1973 1999
28/06/2001 02/02/2000
1930 1957
25/04/1956 18/06/1965
1977
14/01/1982
1981 1990 1993
18/05/1992 23/12/1996 02/08/2001
Fonte: OIT. url: http://webfusion.ilo.org/public/db/standards/normes/appl/index.cfm?lang=ES, visitado em 06/07/2004. Elaboração Observatório Social, 2004
As Convenções da OIT dirigem-se às nações, tornando-se obrigatórias para todos os agentes políticos e econômicos. Muitas vezes, para avaliar a conduta de empresas é preciso traduzir essas normas internacionais em requisitos específicos a serem verificados na prática empresarial. Além disso, é preciso interpretar os princípios de cada Convenção à luz da realidade brasileira, e adaptá-los aos objetivos de uma avaliação de empresas. Para tanto, o Observatório Social considerou uma série de referências nacionais e internacionais que dialogam com o tema da responsabilidade social empresarial. Este livro apresenta as referências teóricas gerais e específicas para essa avaliação das empresas, contextualiza a luta pelos direitos trabalhistas, sociais, bem como avança para sugestões sobre metodologia de observação. Cada capítulo está dedicado a um dos temas dos direitos fundamentais no trabalho. As referências nacionais e internacionais, especificamente voltadas para o tema do meio ambiente, tal
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como a Agenda 21, serão tratadas nos Capítulos 8 e 9 deste livro. Nas seções seguintes, se apresentam sinteticamente as características gerais das normas internacionais, que constituem essas referências para as discussões temáticas, contidas nos outros capítulos deste livro. Esta síntese introdutória permite ao leitor uma base de informações suficiente para o entendimento das reflexões específicas que virão mais adiante.
1.1 A OIT e as Normas Internacionais do Trabalho A importância adquirida pelas normas internacionais da OIT na última década refletiu, especialmente, o movimento interno e as articulações externas dessa organização as quais lhe atribuíram reconhecimento e valorização. Colocaram-se em contraposição a um movimento, particularmente forte nos anos 80 e 90, que defendia a desregulamentação do trabalho e apregoava a redução do papel regulador da OIT e até mesmo sua possível extinção. A OIT adotou, em 1999, um princípio geral que ocasionou uma revisão completa de suas estratégias e formas de atuação, que é: “Em um mundo cheio de incertezas, uma organização deve ter uma visão clara dos seus objetivos e estratégias. Pode ser necessário ajustar rapidamente a tática e determinadas atividades às novas circunstâncias, mas somente depois de haver fixado uma meta clara”. Essa meta – objetivo principal da OIT - é o “Trabalho Decente”, definido a seguir: O objetivo principal da OIT nesse período de transição global – é assegurar trabalho decente para homens e mulheres aonde quer que eles estejam. Essa é a necessidade mais ampla, compartilhada por pessoas, famílias e comunidades em todas as sociedades, e em todos os níveis de desenvolvimento. Trabalho Decente é uma demanda global atual, confrontando lideranças políticas e empresariais em todo o mundo. Muito do nosso futuro comum depende de como nós vamos juntos enfrentar esse desafio.
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1.1.1 A Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho A Declaração da OIT sobre os Princípios e os Direitos Fundamentais no Trabalho, lançada em outubro de 1998, estabelece os pilares desse novo papel, desenvolvido pela OIT: A mundialização – a integração econômica caracterizada por um comércio internacional aberto, o investimento e os fluxos de capital – requer um pilar social universal que sustente a democracia, a transparência, a eqüidade e o desenvolvimento. Cada vez há um consenso maior de que, a menos que a comunidade mundial aborde sistematicamente as questões da injustiça e a igualdade, aumentará o número de países e pessoas que rechaçam o processo de integração internacional propriamente dito. [....] Atualmente há um acordo universal acerca do dever que corresponde a todos os países, independentemente de seu desenvolvimento econômico, valores culturais ou número de Convenções da OIT que hajam ratificado, de respeitar, promover e fazer efetivos os princípios e deveres fundamentais seguintes: A liberdade de associação e a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; A eliminação de todas as formas de trabalho forçoso ou obrigatório; A abolição efetiva do trabalho infantil; A eliminação da discriminação em matéria de emprego ou ocupação.
Os direitos fundamentais passaram a ser considerados direitos humanos e, não apenas, direitos trabalhistas, dando-lhes um status mais elevado. Algumas normas foram eleitas como a expressão máxima desses princípios e deveres fundamentais, induzindo estados a ratificá-las e empresas multinacionais a respeitá-las, independente se o país em que atuam haja feito ou não a ratificação das mesmas. O conteúdo de cada convenção que forma a Declaração será exposto e comentado nos capítulos seguintes deste texto.
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As Convenções da OIT definem obrigações para os países que as ratificam, que devem incorporá-las à legislação e à prática nacional. As empresas também estão obrigadas a incorporá-las em decorrência daqueles compromissos, mas essa relação é sempre indireta. Para reforçar o compromisso das empresas, especialmente o das multinacionais, aos princípios das convenções, foram aprovados alguns instrumentos de adesão voluntária que traduzem os direitos em prática empresarial.
1.1.2 A Declaração Tripartite sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT A Declaração Tripartite3, além de ser especialmente importante por sua origem na OIT, é, entre as normas voluntárias, aquela que se destaca pelo detalhamento no tema das relações de trabalho. A origem desta Declaração remonta ao ano final dos anos 60, enquanto uma iniciativa da seção governamental da OIT e, só não se tornou uma Convenção, devido à negativa inflexível da seção empresarial, em meados de 1976, que aceitava apenas uma Declaração de caráter não vinculativo. A Declaração Tripartite vai além dos direitos fundamentais, tratando, também, de promoção do emprego, formação profissional, segurança no emprego, remuneração, segurança e saúde, consultas, reclamação e solução de conflitos. Desta maneira, a Declaração é um instrumento voluntário de natureza promotora, passível de ser requerida apenas em relação a sua interpretação e aplicação. Para o recebimento e aceitação de requerimentos de interpretação, existe um procedimento interno que envolve todas as partes constituintes da OIT. Podem apresentar esse requerimento apenas os governos dos países membros, organizações nacionais de trabalhadores ou empresários e organizações internacionais de trabalhadores e empregadores, em nome de seu afiliado nacional. O resultado final da
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OIT. Declaración tripartita de principios sobre las empresas multinacionales y la politica social. Ver URL: http://www.ilo.org/ilolex/cgilex/pdconvs.pl?host=status01&textbase=ilospa&document=2&chapter=28&query=declaracion&query type=bool, visitado em 04/06/2004.
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consulta é publicado nos principais instrumentos de comunicação da OIT, expondo o nome e a imagem da empresa frente aos acionistas e consumidores. E, a cada quatro anos, um instrumento de avaliação faz um balanço geral da prática das empresas frente a tais princípios, com base em consultas aos governos, trabalhadores e empresários. Em março de 2002, foi realizado, em Genebra, um Fórum Tripartite sobre a Promoção da Declaração, o qual reconheceu o valor das experiências compartilhadas entre empresas multinacionais, governos e organizações de trabalhadores.
1.2 A OCDE E AS DIRETRIZES PARA EMPRESAS MULTINACIONAIS A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) agrupa 30 países, na sua maioria com economias industriais desenvolvidas, e se constitui num fórum de debate para questões do desenvolvimento econômico e social internacional. As conclusões e recomendações da OCDE servem de baliza para a atuação dos países mais ricos e poderosos do planeta. As Diretrizes para Empresas Multinacionais4 foram elaboradas em meados da década de 70 e anexadas à “Declaração da OCDE sobre Investimento Internacional e Empresas Multinacionais”, adotada em junho de 1976. Seu surgimento foi uma resposta às críticas feitas à atuação das multinacionais norte-americanas e européias nos países em desenvolvimento. Posteriormente, essas Diretrizes foram revisadas, atualizando seu conteúdo. A atual versão, que contou com a participação do governo brasileiro, foi aprovada pelo Conselho da OCDE em junho de 2000. As Diretrizes se aplicam aos países membros da OCDE e à Argentina, ao Brasil e ao Chile que aderiram a elas voluntariamente.
4
BRASIL. DECLARAÇÃO SOBRE INVESTIMENTO INTERNACIONAL E EMPRESAS MULTINACIONAIS. URL: http://www.fazenda.gov.br/sain/pcnmulti/, visitado em 06/07/2004.
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O documento contém recomendações dirigidas pelos governos às empresas multinacionais de seus países ou que neles operam, e devem ser seguidas por essas empresas em qualquer país em que atuem. Seu conteúdo guarda uma forte ligação com as Convenções fundamentais da OIT, quando se trata de temas relacionados ao trabalho. No geral, elas “estabelecem princípios e padrões de cumprimento voluntário, consistentes com a legislação aplicável, com vistas a uma conduta empresarial responsável”. Os objetivos das Diretrizes são: [...]harmonizar as operações das empresas com as políticas governamentais, fortalecer a base da confiança mútua entre as empresas e as sociedades onde operam, melhorar o clima de investimento estrangeiro e aumentar a contribuição das empresas multinacionais para o desenvolvimento sustentado.5 O capital social pode ser público, privado ou misto. As Diretrizes dirigem-se a todas as unidades dentro de cada empresa multinacional (matrizes e/ou unidades locais)6 As empresas devem plenamente ter em conta as políticas em vigor nos países onde desenvolvem as respectivas atividades, tendo em consideração os pontos de vista de outros agentes envolvidos. A este respeito, as empresas deverão: 01- Contribuir para o progresso econômico, social e ambiental, de forma a assegurar um desenvolvimento sustentável.[....] 05- Abster-se de procurar ou aceitar exceções não previstas no quadro legal ou regulamentar, em domínios como o meioambiente, a saúde, a segurança, o trabalho, a tributação, os incentivos financeiros, ou outros.7 As empresas deverão garantir a divulgação regular e oportuna de informação confiável e pertinente a respeito das suas atividades, estrutura, situação financeira e resultados.[...] As empresas são encorajadas a fornecer informações suplementares, entre as quais: a) Declarações dirigidas ao público enunciando princípios ou regras de conduta, incluindo informações sobre a política social, ética e ambiental da empresa e outros códigos de conduta por ela subscritos.[....] b) Informações sobre sistemas de gestão de risco e métodos de cumprimento das leis, bem como sobre as declarações de princípios ou códigos de conduta.8
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Prefácio, das Diretrizes da OCDE.
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Parte I - Conceitos e Princípios, das Diretrizes da OCDE.
7
Parte II – Princípios Gerais, das Diretrizes da OCDE.
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Parte III- Divulgação, das Diretrizes da OCDE.
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Sua aplicação independe do endosso das empresas, que não podem fazer um uso seletivo das mesmas, nem tampouco interpretá-las a sua maneira e interesse. A responsabilidade pelo seu cumprimento recai sobre os governos aderentes. Ou seja, apesar das Diretrizes serem de cumprimento voluntário pelas empresas, os governos são obrigados a estimular que esse cumprimento ocorra. Um dos aspectos importantes das Diretrizes é que elas dispõem de um mecanismo de solução de controvérsias e possuem caráter obrigatório para os governos dos países que aderem a elas. Uma empresa que viole um dispositivo das Diretrizes pode ser questionada por qualquer parte interessada através dos Pontos de Contato Nacional do país sede ou do país hospedeiro, quando existir. O PCN deve, em face de uma denúncia, abrir um processo de consultação, visando solucionar voluntariamente o problema. O Brasil aderiu às Diretrizes da OCDE em 1997 e, após uma longa demora, em maio de 2003, criou o PCN no Ministério da Fazenda. Uma das discussões mais polêmicas em torno da implementação das Diretrizes é quanto à extensão de suas recomendações à cadeia produtiva e aos serviços terceirizados que, a rigor, não são explicitamente mencionados no texto. Os sindicatos e as ONGs defendem que as empresas possam ser questionadas sobre a violação das Diretrizes, constatada em suas cadeias produtivas e em empresas terceirizadas.
1.3 O GLOBAL COMPACT O Global Compact9, lançado pelo Secretário Geral da ONU Kofi Annan, é outro instrumento de adesão voluntária dirigido às empresas. Estruturado em nove princípios que versam sobre direitos humanos, trabalho e meio ambiente, o GC
9
ONU. Global Compact. URL: http://www.unglobalcompact.org/Portal/Default.asp, visitado em 06/07/2004.
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incorpora as principais referências internacionais da ONU e da OIT. Além disso, o documento detalha as ações que materializariam o comprometimento empresarial. Em julho de 2000, o Secretário Geral da ONU reuniu, na sede da entidade em Nova York, um seleto grupo de empresários e representantes de grupos sociais, entre os quais os sindicatos, para propor o compromisso formal com o GC. Essa reunião foi a seqüência de um chamado do Secretário Geral no Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro de 1999, onde ele lançou a proposta para a platéia de líderes mundiais dos negócios. Odesenvolvimento econômico, ambiental e social, como os três diferentes pilares do Desenvolvimento Sustentado, estão refletidos nos nove princípios: Direitos Humanos • Empresas mundiais devem apoiar e respeitar a proteção dos, internacionalmente proclamados, direitos humanos, dentro de sua esfera de influência; • Devem também assegurar que elas[as empresas] não serão cúmplices de abusos dos direitos humanos. Trabalho As empresas devem promover a: • liberdade de associação e o efetivo reconhecimento do direito de negociação coletiva; • eliminação de todas as formas de trabalho forçado e compulsório; • efetiva abolição do trabalho infantil; e • eliminação da discriminação em respeito ao emprego e à ocupação. Meio Ambiente As empresas devem: • apoiar o princípio da precaução frente aos desafios ambientais; • adotar iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental; e • encorajar
o
desenvolvimento
ambientalmente limpas.
e
a
difusão
de
tecnologias
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Como outros mecanismos de adesão voluntária já citados, o Global Compact não possui uma estrutura de penalidades para aqueles que não o cumprirem, mas é certo que os sistemas de informação (auto-declaração) e verificação externa, que estão se estruturando para acompanhá-lo, constituir-se-ão em uma referência ímpar para o mundo dos negócios e os acionistas. “Três compromissos formais para todos os membros, são definidos para garantir o devido progresso do projeto: • Primeiro, os membros devem expressar um compromisso público e promover os princípios e objetivos do Global Compact; • Segundo, eles devem publicar, no mínimo,um exemplo concreto de suas “melhores práticas” no website da ONU, ao menos uma vez por ano; e, • Terceiro, eles devem procurar se juntar com uma organização especializada das Nações Unidas em um projeto de parceria.” (BLÜTHNER, 2001)10
1.4 INSTRUMENTOS PACTUADOS: O CÓDIGO DA CIOSL E OS ACORDOS MARCO A referência internacional de natureza sindical mais importante na discussão da conduta empresarial é o “Código Básico de Conduta cobrindo as Relações de Trabalho”11, redigido pela Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres, a CIOSL. A esta Confederação estão filiadas as maiores centrais sindicais brasileiras, como a CUT e a Força Sindical.
10
Blüthner, A., Assessor de Legislação de Mercado, Departamento de Assuntos Econômicos Internacionais, BASF AG, Ludwigshafen. Participante na reunião inicial sobre Global Compact em Nova Yorque como delegado da BASF.
11
CIOSL. El código básico de prácticas laborales de la CIOSL/SPI. URL: http://www.icftu.org/displaydocument.asp?DocType=Subpages&Index=991210344&Language=ES, visitado em 06/07/2004.
12
Os propósitos do Código Básico são promover a primazia das normas internacionais e a inclusão dos direitos sindicais nos códigos de conduta, estimulando a adoção de conceitos consistentes na estratégia de promoção de uma referência internacional para os direitos dos trabalhadores. Segundo a CIOSL, o Código foi pensado para apoiar as organizações sindicais em suas negociações com empresas e na atuação em campanhas de ONGs envolvendo códigos de conduta. Recomenda-se que este Código seja usado como benchmark para avaliar códigos unilaterais sobre relações de trabalho. O Código Básico da CIOSL, de saída, já responsabiliza a empresa pelas condições de trabalho, nas suas unidades, de seus subcontratados, fornecedores, franqueados, provedores de serviços etc. Para tanto, a empresa deve exercer um papel não só de influência, mas de exigência. O Código prevê que informações relevantes estejam disponíveis e que seja permitida a inspeção, por pessoas devidamente indicadas, possibilitando a auditoria independente do seu cumprimento. Como um guia para o estabelecimento de códigos negociados, as condições de execução de auditorias devem ser, também, firmadas em comum acordo. As Federações Sindicais Globais, antigos Secretariados Profissionais Internacionais (ICEM, ISP, FITIM, FITCM, UNI etc) vêm negociando, com sucesso, os chamados Acordos-Marco Globais (Global framework agreements) com empresas multinacionais. Até o momento, foram assinados 25 acordos, dos quais 19 com empresas instaladas no Brasil. Por exemplo, há acordos com a Volkswagen, Bosch, Carrefour, Telefônica, Endesa, entre outros.
1.5 INICIATIVAS VOLUNTÁRIAS: CÓDIGOS DE CONDUTA Os códigos de conduta, unilateralmente adotados pelas empresas, foram um dos instrumentos de "regulação" que mais se desenvolveram na última década em todo o mundo, impulsionados pela experiência exitosa da política da qualidade e pela
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globalização. O setor empresarial foi um dos precursores da iniciativa, adotada, na maior parte das vezes, não exatamente como uma “iniciativa voluntária”, mas sim como uma resposta organizada a determinados tipos de pressão, geralmente de cunho ambiental e fomentadas por ONG’s, grupos comunitários e mesmo sindicatos e governos. Em relação a estes dois últimos atores, o mecanismo de auto-regulação buscava evitar a adoção de mecanismos vinculativos e compartilhados, como são os tradicionais acordos e convenções coletivas de trabalho e a legislação. Outro fator impulsionador da adoção de mecanismos de auto-regulação foi o próprio comércio internacional de produtos e serviços, que atribuiu valor de mercado – ou mecanismo de barreira comercial - à conduta de empresas fornecedoras e clientes, em assuntos como a gestão ambiental, a segurança e saúde no trabalho, as relações de trabalho etc.O fato é que, por um motivo ou outro, esses mecanismos se desenvolveram com grande velocidade e variedade em diversos campos das relações comerciais e industriais, cativando consumidores e ganhando em competitividade. Várias ferramentas e iniciativas foram desenvolvidas nesse contexto, como a certificação de sistemas de gestão, de produtos e processos industriais ou extrativos, de formas seguras de transporte de produtos e materiais, de tecnologias ambientalmente corretas, de formas humanitárias de contratação de mão-de-obra e serviço de terceiros (sem trabalho infantil, forçado ou escravo, ou sem expropriar bens e culturas indígenas etc.). Para os sindicatos12, os Acordos e as Iniciativas Voluntárias podem fazer parte de um conjunto de soluções – incluindo regulamentos e normas de verificação – que têm como objetivo alcançar e fortalecer o processo de desenvolvimento sustentável e seus objetivos, devendo, em particular: • complementar ou fortalecer a legislação e a normalização existentes, ou
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Opinião expressa pela CIOSL na Sessão de Diálogo Especial sobre “Comércio e Indústria” da CDS/ONU de 1998, em Nova Iorque e, na Sessão de Multi-stakeholder Consultation sobre Acordos e Iniciativas Voluntárias, organizada pela CDS/ONU em março de 1999 na cidade de Toronto, Canadá.
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suprir a ausência dessas, deixando claro esse propósito; • incorporar todas as dimensões do desenvolvimento sustentável, especialmente, a dimensão social, econômica e ambiental; • incluir a participação de trabalhadores e seus sindicatos, para o desenvolvimento conjunto da proposta, dando-lhes o direito de monitorar sua aplicação e produzir relatórios sobre a mesma, além de garantir que o sistema de inspeção governamental pode reforçar esse processo; • jamais ultrapassar padrões mínimos, baseados em indicadores sociais, econômicos e ambientais acordados, particularmente aqueles internacionais, os quais devem promover igualdade, desencorajar a
discriminação e
assegurar o cumprimento das normas fundamentais do trabalho; • garantir a formação e a capacitação voltadas para o monitoramento no local de trabalho, a observância dos limites e a compreensão dos mecanismos do acordo, especialmente, onde essa capacidade não existe; • utilizar-se dos acordos já existentes para extrair lições e aprendizagem, especialmente, em relação à participação e à capacitação dos trabalhadores e seus representantes.” (FREITAS & GERELUK, 2002)13
1.6 CERTIFICAÇÃO SOCIAL: A SA 8000 Entre as várias normas internacionais de certificação social, a SA800014 baseia-se nos direitos fundamentais no trabalho e adota um mecanismo de auditoria independente. A SA 8000 é mantida pela Social Accountability International (SAI), em cujo Conselho Consultivo tomam assento representantes de ONGs, de
13 FREITAS, N.B.B. & GERELUK, W..A National Tripartite Agreement on Benzene in Brazil. In Voluntary Environmental Agreements: Process, Practice and Future Use. Contributing Editor: Patrik ten Brink, Institute for European Environmental Policy (IEEP), Belgium. Greenleaf Publishing, 2002. 14 SAI. SA8000. URL: http://www.sa-intl.org/SA8000/SA8000.htm, visitado em 07/06/2004.
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organizações de trabalhadores e de empresários. O website da SAI contém uma lista das unidades empresariais certificadas (URL: http://www.sa-intl.org/certification.htm). Em relação aos documentos anteriores, a SA 8000 se destaca por oferecer uma proposta de sistema de gestão, que normatiza os procedimentos para a avaliação do desempenho social das empresas. Outro ponto importante da norma é que a empresa certificada deve ser transparente aos empregados e comunicar regularmente as partes interessadas sobre o desempenho frente aos requisitos. Os fornecedores devem ser avaliados e selecionados pela empresa, com base na capacidade de atender os requisitos da norma, e deles deve ser exigido o comprometimento com a empresa. Isso implica na capacidade de realização de auditorias na cadeia de produção e nas empresas terceirizadas, sempre com transparência para as partes interessadas.
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CAPÍTULO 2 - LIBERDADE SINDICAL
Prudente José Silveira Melo Advogado, Instituto Declatra
A luta pelo reconhecimento ao direito de organização dos trabalhadores remonta de vários séculos. Para a liberdade sindical ser reconhecida e adquirir o status de liberdade pública, fazendo parte dos textos constitucionais, foi percorrido um longo caminho. Mas, a despeito da evolução e do reconhecimento, que observa uma dinâmica política própria de cada país, o movimento sindical perdeu força nas últimas décadas, fruto do processo de reestruturação produtiva que reduziu os postos de trabalho, das políticas neoliberais que implementaram reformas trabalhistas com a flexibilização de direitos, do esvaziamento do Estado e da concentração econômica através das grandes empresas transnacionais. Em razão de tais aspectos, ganha importância o respeito à liberdade sindical, merecendo atenção os princípios internacionalmente reconhecidos e inseridos em instrumentos internacionais.
2.1 EVOLUÇÃO MUNDIAL A organização dos trabalhadores tem como início, ou marco histórico, as corporações de ofício15, existentes na idade média. Este modelo de organização foi abolido com a Revolução Francesa de 1789, pois, foi entendido como incompatível com o conceito de liberdade individual. O pressuposto de igualdade jurídica, emitido à época, era de que todos os cidadãos são iguais perante a lei, assim, a organização em corporações contrastava com o princípio de liberdade contratual consagrado neste
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As corporações de ofício constituíam na reunião de pessoas com um mesmo ofício, merecendo registro como antecedentes históricos os evidenciados nas principais cidades européias na idade média. No século XII e XIII, as corporações já apresentavam sinais de organização na Itália, França e Espanha. Até o século XIV eram reconhecidos dois graus nas Corporações, a dos mestres e a dos aprendizes, e a partir desta data surgiu a do "companheiro". (Cf. CABANELLAS, Guillermo, "Derecho Sindical & Corporativo", Buenos Aires, Edtl. Bibl. Argentina, 1959, págs. 46/47 e 58).
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período, onde a premissa era a não intervenção do Estado nas relações contratuais16, pois a participação em associação era entendida como supressão da livre manifestação, estando o indivíduo submetido ao predomínio dos interesses e à vontade do coletivo que participava. Esta restrição foi seguida por outros países europeus e nos Estados Unidos, criando um vazio no processo de organização coletiva.17 Porém, a despeito das limitações impostas nos vários países, os operários passaram a unir-se dentro do possível, através de cooperativas, entidades de socorro mútuo, sociedades recreativas e de resistência, sendo consideradas os embriões sindicais. O advento da Revolução Industrial do século XVIII e a constatação do desequilíbrio nas relações jurídicas e econômicas – com uma classe de explorados, submetida a jornadas extenuantes, em condições desumanas, com expressiva participação de crianças e mulheres na produção – serviram como fatores determinantes na reação na luta pela melhoria da qualidade de vida e do trabalho18, substituindo a concepção de igualdade pura pela de igualdade jurídica. Inicia-se uma nova fase, na qual da proibição absoluta passa para
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Prevalecendo a máxima laissez faire, laissez passer, como salienta Beltran. (BELTRAN, Ari Possidonio. A Autotutela nas Relações de Trabalho, São Paulo, 1996, LTr Edit., p. 115). 17
Na França, a Lei Chapelier, de 17 de junho de 1791, proibia o direito de reunião e de associação. Na Inglaterra, nos anos de 1799 e 1800, (Combination Acts) proibiram as coalizões. Com a promulgação do Código Penal da França, passaram a ser definidas como delito as coalizões tanto de trabalhadores como dos representantes do patronato. Outros países também vieram a proibir como Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Dinamarca, Suíça, Espanha, Itália e Confederação Germânica. (SÜSSEKIND, Arnaldo, "Direito Internacional do Trabalho", São Paulo, LTr Ed. p. 82). 18
"Octavio Bueno Magano e Estêvão Mallet dizem que o liberalismo passou a sofrer contestações em três planos: ideológico, político e legislativo. No plano Ideológico, os ataques foram dirigidos por Owen, Saint-Simon, Fourier, socialistas, e por comunistas liderados por Marx e Engels. No plano político, segundo os autores, a Revolução de 1848, na França, foi o marco do primeiro ensaio de reformas sociais, sendo seguida pela criação da Comissão de Luxemburgo e das Oficinas Nacionais, com o objetivo de dar ocupação a todos que estavam sem trabalho. No plano Legislativo, a intervenção do Estado iniciou-se de forma lenta mas progressiva. As mais relevantes foram: na Inglaterra os Factory Acts, de 1864, 1867 e 1901 e a edição do Trade Union Act, de 1871, este tornando lícita a atuação dos sindicatos; na França, a Lei Waldeck-Rousseau, de 21 de março de 1884; na Alemanha as Leis ns. 1883, 1884 e 1889, tendo respectivamente, criado os seguros contra enfermidade, os seguros contra acidentes de trabalho e os referentes à invalidez e à velhice. (BELTRAN, Ari Possidonio. A Autotutela nas Relações de Trabalho, São Paulo, 1996, LTr Ed., págs. 117-118).
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uma fase de tolerância, com abrandamento das leis penais em relação ao direito de reunião. Países como França (1864) deixaram de reconhecê-lo como delito, e surge neste mesmo ano o sindicato dos sapateiros de Paris. Outros alteraram também as suas legislações como Itália (1890), Holanda (1872) e Alemanha (1869), para não mais considerar a associação dos trabalhadores como uma ação conspiratória. A Inglaterra revogou as leis sobre coalizões (Combination Acts), nos anos de 1824 e 1825 e em 1871, a Lei Sindical deixava de considerar as entidades sindicais como organizações criminosas, possibilitando o reconhecimento jurídico do direito de organização das entidades sindicais. Na França, a Lei Chapelier e o art. 416 do Código Penal são substituídos pela Lei Waldeck-Rousseau (1884). Mas esta evolução se aprimora, com a incorporação nos textos constitucionais do reconhecimento jurídico dos sindicatos.19 Com a criação da OIT (Organização Internacional do Trabalho), em 1919, os princípios de liberdade sindical passam a ser internacionalizados constando no preâmbulo de sua Constituição, e reafirmados na Declaração de Filadélfia (1944), pois segundo a OIT a liberdade de associação é condição indispensável para um progresso sustentável e também para uma paz universal e duradoura. Com o final da 2a. Grande Guerra Mundial, a liberdade sindical alcança um status de universalização, com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que em seu art. 23, item 4 estabeleceu que "toda pessoa tem direito a fundar sindicatos e a sindicalizar-se para a defesa de seus interesses". O consenso resta ? demonstrado com a aprovação da Convenção sobre Liberdade Sindical e Proteção do Direito de Sindicalização (Convenção de n° 87), no mesmo ano de l948, e em 1949 a de n° 98, sobre o Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva. Nasciam Convenções imprescindíveis para a concretização dos Direitos Humanos.
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Constituição do México (1917); Constituição da Alemanha (1919) a de Weimar; a da França de 1958, que resgata o já disposto no preâmbulo da Constituição de 1946; o da Itália de 1947, Portugal 1976 etc. (Cf.BELTRAN, Ari Possidonio. A Autotutela nas Relações de Trabalho, São Paulo, 1996, LTr Ed., p. 122).
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2.2 EVOLUÇÃO NO BRASIL
2.2.1 Surgimento das ações sindicais no Brasil As primeiras organizações sindicais surgem após a abolição da escravatura no Brasil, acompanhando o início da industrialização e a chegada dos imigrantes europeus (italianos, portugueses e espanhóis), que vieram para trabalhar e que tinham inspiração anarco-sindicalista.20 As duas primeiras décadas do século XX registraram intensas lutas trabalhistas por normas de proteção ao trabalho (aumento salarial, redução da jornada de trabalho, férias...), até então inexistentes. A característica deste período é a independência dos sindicatos em relação ao Estado, prevista inclusive através do Decreto 1.637, de 1907.21 As conquistas foram limitadas, fruto da orientação ideológica que prevalecia no seio do movimento operário, que era de inspiração anarco-sindical e que levava uma luta imediatista, por reivindicações que se esgotavam com o próprio movimento.22
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“Teve larga divulgação no Brasil, no início do movimento sindical, desde 1890, desaparecendo por volta de 1920. Para Sheldon Leslie Maram, foi a força ideológica mais influente no movimento operário brasileiro... A União Geral da Construção Civil e o Centro Cosmopolita, dois importantes sindicatos, foram movidos pelos anarcossindicalistas. Assim também o 1° Congresso Operário (1906), do qual resultou a criação da Confederação Operária Brasileira - COB, que não chegou a funcionar senão por período pouco superior a um mês. Seu declínio foi vertiginoso, não só pela reação contrária, culminando com a expulsão dos estrangeiros de 1907 a 1921, mas porque o anarco-sindicalismo sofreu esvaziamento, devido a conflitos étnicos”. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Sindical. Ed. Saraiva, São Paulo, 1989. p. 56/57 21
“Os sindicatos profissionais constituem-se livremente sem autorização prévia do governo, bastando, para obterem os favores da lei, depositarem, no cartório do registro das hipotecas do distrito respectivo, três exemplares dos estatutos, da ata de instalação e da lista nominativa dos membros da diretoria, do conselho e de qualquer corpo encarregado da direção da sociedade ou da gestão de seus bens, com a indicação da nacionalidade, da idade, da residência, da profissão e da qualidade de membro efetivo ou honorário”. MORAES, F., Evaristo. O Problema do Sindicato Único no Brasil, São Paulo, Ed. Alfa-Omega, 1979, p. 187 22
“Não há dúvida que outras muitas das reivindicações pelas quais lutavam as massas trabalhadoras, nessa época, foram alcançadas, total ou parcialmente. Mas é um fato que a natureza e o volume das vitórias alcançadas não estavam em proporção com o vulto e a extensão do movimento
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Ricardo Antunes destaca: “Esta orientação ideológica negligenciava o momento explicitamente político de luta pelo poder estatal, e ao fazer isso drenava todo seu potencial numa luta imediata e não direcionada para a efetiva superação do capitalismo”.23 Esta orientação política acabou fragilizando-se, cedendo espaço para os comunistas.24 Com a Reforma Constitucional de 1926, conforme Evaristo de Moraes Filho, ocorreria um fato importante na história do Direito do Trabalho do Brasil: “pela primeira vez passava a constar na Constituição, como assunto expresso a referência à legislação do trabalho, que se tornava, então, matéria constitucional. Com a aprovação da emenda 22, ficou assim redigido o art. 34, n° 29 da Constituição de 1891: “Compete privativamente ao Congresso Nacional: legislar sobre o trabalho”.25
2.2.2 A fase intervencionista e as bases do sistema corporativo Com a ascensão de Getúlio Vargas, na Revolução de 30, o país inicia um processo de transição de uma economia agrário-exportadora para uma economia
geral. Mais ainda - as reivindicações formuladas, por aumento de salários, por melhores condições de trabalho, etc., constituíam como que um fim em si mesmo, e não um ponto de partida para reivindicações crescentes de nível superior. É que na realidade se tratava de lutas mais ou menos espontâneas, isoladas umas das outras, sucedendo-se por força de um estado de espírito extremamente combativo que se generalizava entre as massas” PEREIRA, A., A Formação do PCB, Rio de Janeiro, Editora Vitória, 1962, p.32. 23
ANTUNES, Ricardo, Classe Operária, Sindicatos e Partido no Brasil, São Paulo, Editora Cortez, 3a. Ed. 1990, p. 63/64. 24
ANTUNES, Ricardo, destaca que: "A criação do P.C.B., em 1922 foi, na verdade, uma opção de ex-militantes anarquistas que percebendo a inviabilidade do projeto libertário, optaram por uma nova concepção de mundo, cuja implementação carecia da constituição de uma organização político-partidária que além de organizar a massa operária, através da constituição de um bloco hegemônico alternativo que englobasse o proletariado urbano e os demais setores subalternos, especialmente aqueles do campo, visava à luta pelo controle do Estado, dando uma dimensão nitidamente política à luta operária, rompendo com o viés economicista dado pela ação direta”. Ibid., p. 65 25
MORAES, F., Evaristo, Temas Atuais de Trabalho e Previdência, São Paulo, Ed. LTr, 1976, pp. 111/112
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industrializante,26 implementando uma ampla legislação reguladora das relações de trabalho27 e da forma de organização das entidades sindicais. A legislação sindical aprovada tinha como fim controlar as entidades, implantando os pilares do sindicalismo atrelado e corporativo, o qual definia o sindicato como órgão de colaboração e cooperação com o Estado. Em 1930, Vargas cria o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio através do Decreto 19.433; e, em 19.03.31, tendo já como Ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, é editado o Decreto 19.770, que estabeleceu as bases da estrutura sindical brasileira, com traços corporativos.28 O Decreto 19.770 subordinava os sindicatos ao Estado, vinculando seu reconhecimento à aprovação dos estatutos pelo Ministério do Trabalho, assim como a possibilidade de participação nas Assembléias sindicais de delegados ministeriais; fiscalização das contas do órgão sindical; destituição da diretoria ou até mesmo fechamento da entidade.
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“A Revolução de 1930 significou, inegavelmente, o fim de um ciclo, o agrárioexportador, e o início de outro, que gradativamente criou as bases para a acumulação capitalista industrial no Brasil. Porém essa transição não se deu de forma superadora, radical e abrupta. Pelo contrário, deu-se, como já dissemos lembrando Lenin, de forma conciliadora, quando os interesses agrários, expressando o velho, mesclaram-se com os interesses urbanos e industriais emergentes, num rearranjo do bloco de poder onde nenhuma fração dominante na fase anterior foi absolutamente excluída. Essa forma reacionária de transição, se de um lado não tocou na estrutura latifundiária e ainda permitiu o crescimento da emergente burguesia industrial, não comportou qualquer forma efetiva de participação das classes populares. Ao contrário, o “reformismo pelo alto” marcou uma exclusão absoluta das classes populares da direção econômica, social e política do país... Na verdade, o traço fundamental naquele momento foi a exclusão das classes populares de qualquer participação efetiva e a repressão política e ideológica desencadeada pelo Estado, através da política sindical controladora e da legislação trabalhista manipulatória”. ANTUNES, R., op. cit., pp.72/73. 27
“A paz social era procurada através de concessões e benefícios concretos, a que não era insensível a massa dos assalariados. A possibilidade do controle operário incluirá necessariamente uma legislação minimamente protetora do trabalho". VIANA, Luiz W., Liberalismo e Sindicalismo no Brasil, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1976, p. 150. 28
Exposição de Motivos do Decreto 19770, de 19 de março de 1931, em Louzada, A.J., Legislação Social e Trabalhista, D.N.T., 1933, pp. 402/3.
23
O movimento sindical mais organizado à época resistiu às iniciativas adotadas pelo Estado de limitar a independência de organização e funcionamento, não solicitando o reconhecimento das mesmas junto ao Ministério do Trabalho. Nas áreas de maior industrialização, com uma intensa trajetória de luta, a resistência foi maior, já nos centros de menor industrialização ocorreu o contrário, com maior adesão. Os patrões por sua vez, aderiram prontamente, solicitando o registro de suas entidades ao Ministério do Trabalho, como registram os boletins do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n° 11 de julho de 1935, e de n° 31, de março de 1937. O decreto 21.761, de 23/08/1932, instituiu a convenção coletiva de trabalho; o decreto 22.132, de 25/11/1932, criou as Juntas de Conciliação e Julgamento, que julgavam apenas os processos dos trabalhadores sindicalizados em sindicatos reconhecidos pelo Estado. O decreto 23.768, de 18/01/1934, que regulamentou o direito às férias, trazia idêntico vício, limitando somente aos sindicalizados, dos sindicatos registrados no Ministério do Trabalho. Tarso Genro comenta que a literatura jurídica, contraditoriamente, registra que os direitos sociais não seriam frutos decorrentes da luta da classe operária, mas mera concessão do Estado. Contraponde-se a tal entendimento, aduz: Criou-se o mito, em nossa literatura jurídica, que as leis sociais no Brasil são puro resultado de um paternalismo estatal que, independentemente das mobilizações reivindicatórias por parte dos trabalhadores, concedia direitos sociais conquistados duramente em outras nações. A chamada legislação “outorgada”, expressa de forma organizada na CLT, é fruto de processo combinado das lutas operárias internas com as pressões internacionais, dos países capitalistas avançados, que por seu turno, dobram-se às lutas dos seus trabalhadores. Toda a legislação social, em regra, surgiu de duros combates de classe, de violências contra a classe operária, momento em que o Estado sempre revelou 29 sua essência de instrumento de dominação burguesa.
Mas o avanço do movimento operário preocupou o governo, que reagiu com a Lei de Segurança Nacional (de 1935). As medidas do Estado Novo eram sentidas no seio do sindicalismo, que em dezembro de 1935, reprimiu duramente o movimento
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GENRO, Tarso Fernando. Direito Individual do Trabalho. Editora LTr, 1985 pp. 30/31.
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com prisões, destituição de dirigentes e nomeações de juntas governativas, entre outras.30 A Constituição de 1937, que implantou o sindicalismo de Estado, sofreu influência dos regimes políticos de direita vigentes à época e em especial da legislação da Itália fascista.31Apesar de mencionar que era livre a associação profissional ou sindical, curiosamente dispunha em seu artigo 138: [...] somente o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que participarem da categoria de produção para a qual foi constituído, e de defender-lhes os direitos perante o Estado e as outras associações profissionais estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os seus associados, impor-lhes contribuições e exercer em relação a eles funções delegadas do poder público.
Estabelecia também a condição da criação de um único sindicato na mesma base territorial, impedindo a liberdade de criação de sindicatos (Decreto-Lei 1402, de 05/07/1939).32
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“A ordem dominante, diante da crescente vitalidade do movimento dos trabalhadores, preocupou-se e reagiu, retrucando com a Lei de Segurança Nacional. Após o levante comunista de novembro de 1935, o decreto legislativo n° 6, de 18/12/1935, equiparou com o Estado de guerra as comoções intestinas graves. Os sindicatos foram ameaçados de intervenção e as lideranças foram presas, torturadas e algumas mortas. A Federação dos Bancários foi reprimida e desapareceu. A SUB foi fechada. Houve intervenção no Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro e no de Santos. O sindicato de São Paulo conseguiu evitar a intervenção, elegendo, ele mesmo, uma junta governativa, interessada em garantir as conquistas dos bancários. A repressão, acompanhada da Lei de Segurança Nacional, liquidou com qualquer possibilidade de sindicalismo autônomo, mesmo reformista. As medidas tomadas nesta ocasião, tais como o fechamento de partidos e sindicatos, a decapitação das lideranças da esquerda brasileira, além de poderes extraordinários obtidos pelo governo ao Congresso, prepararam o caminho para o golpe do Estado Novo. O enfraquecimento Legislativo, em benefício do Executivo, favoreceu as correntes políticas interessadas num “governo forte”. Assim, para a classe trabalhadora, o Estado Novo teve seu início antecipado para dezembro de 1935”. CANÊDO, L. B., op. cit. pp 28/29. 31
“Em 1937, o Estado restabeleceu as diretrizes de 1931, liquidou o modelo do pluralismo de 1934 e aumentou o dirigismo na ordem sindical. Acentuaram-se as influências que o Brasil sofreu do regime político imperante na Itália e outros países que tinham uma ditadura de direita. Foi, realmente, muito grande a transposição da figura do corporativismo peninsular para o nosso país”. NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Direito Sindical, Editora Saraiva, 1989, p. 67. 32
“O modelo sindical desenhado pôs os sindicatos, federações e confederações como degraus de uma escada que desembocaria na corporação, para que pudesse exercer um poder
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Em 2 de maio de 1939, o governo regulamentou a Justiça do Trabalho (através do Decreto-Lei 1.237), dotando-lhe de competência para arbitrar os conflitos entre capital e trabalho e, ainda, estabeleceu que caberia ao Ministério do Trabalho delimitar, através do Plano de Enquadramento Sindical, as categorias e a base territorial de cada sindicato, federação ou confederação, o que foi realizado através da “lei de enquadramento sindical” (Decreto-Lei n° 1.402), complementado através do quadro das atividades e profissões, previsto no decreto 2.381.33 O decreto 1.402, cancelou o registro de todos os sindicatos oficializados. Exigindo novo registro, no qual era obrigatória a aceitação das novas regras fixadas pela lei: mandato máximo para as diretorias de dois anos; processo eleitoral dirigido por um presidente escolhido pelo Ministério do Trabalho; orçamento submetido ao Ministério; apresentação de relatório anual, onde deveria constar o balanço financeiro; estipulação da base sindical; suspensão das fundações de sindicatos no interior; aprovação do Ministério do Trabalho para a instauração de dissídio coletivo; e criação do imposto sindical, implantado definitivamente no ano seguinte (através do Decreto-Lei 2.377). 34
A portaria 339, de 31/07/1940, impôs aos sindicatos como deveriam ser gerenciadas as finanças; a de n° 354, de 22/08/1940, impunha o estatuto padrão, ou seja, as normas internas eram impostas pelo Estado, não havendo liberdade para escolher as regras de funcionamento; a de n° 843, que regulamentava as eleições regulamentar sobre toda a categoria, ditando normas de trabalho aplicáveis a todos os seus integrantes, associados ou não dos sindicatos, tal como se fazia na Itália. Com essas medidas, procurou, o Estado, ter em suas mãos o controle da economia nacional, para melhor desenvolver os seus programas. Para esse fim julgou imprescindível evitar a luta de classes; daí a integração das forças produtivas: os trabalhadores, empresários e profissionais liberais, numa unidade monolítica e não em grupos fracionados, como possibilidades estruturais conflitivas”. NASCIMENTO, Amauri, Mascaro, op. cit., p. 68. 33
“Com a ‘lei de enquadramento sindical’ (Decreto-Lei número 1.402, 1939) os mecanismos de controle do Estado às entidades classistas foram ativados e todo o modo de funcionamento da organização sindical passou a ser determinado pelo Ministério do Trabalho. Posteriormente, em 1943, este decreto foi incorporado à Consolidação das Leis do Trabalho, consagrando o autoritarismo estatal no domínio das relações de trabalho. Uma obra duradoura, pois continua sobrevivendo a amplas e variadas mudanças da sociedade brasileira”. CANÊDO, L. B, op. cit. p. 31. 34
KAREPOVS, Dainis. A história dos bancários: lutas e conquistas, 1923-1993, São Paulo, 1994, pp. 43/44.
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sindicais, ditava todos os procedimentos e exigências a cumprir. Com a aprovação do imposto sindical em 1940, os sindicatos passaram a gerir grandes recursos financeiros, utilizados estritamente nos termos previstos em lei. Assim, os sindicatos constituíram-se em instrumentos de colaboração com o poder público, deixando de ser organizações de luta e transformação. 35 Tal concepção foi forjada a partir da necessidade de o Estado implementar um processo acelerado de desenvolvimento industrial, combinado com a cooptação e o atrelamento dos agrupamentos sociais, desideologizando os conflitos coletivos, impedindo a contestação ao projeto político levado a cabo por Getúlio.36
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“É possível concluir que esse conjunto de normas jurídicas atingiu o epílogo de um processo de dirigismo estatal sobre a organização sindical, não se afastando dessa diretriz a proibição, pela Constituição de 1937, da ação direta, ao declarar a “greve e o lock-out recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses de produção”. Para a solução dos conflitos entre o capital e o trabalho, o sistema previsto foi o da criação da Justiça do Trabalho “para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados reguladas na legislação social”, tudo com o propósito claro de dar cumprimento à idéia integrativa dos grupos sociais.” NASCIMENTO, Amauri, Mascaro, op. cit., p. 70. 36
. “[...] e com a organização da Justiça do Trabalho pelo Decreto-lei n. 1.237, de 1939, regulamentada pelo Decreto n. 6.596, de 1940, esta estrutura judicial conseguiu atravessar décadas amortecendo os conflitos de classe, “desideologizando”o antagonismo capital x trabalho. A virtude do projeto getulista, com a criação de uma organização sindical concebida como peça estratégica para permitir ao Estado cooptar os mais variados grupos sociais, seja com o propósito de atrelar ao Estado as forças do trabalho, impedindo-as de ser livremente reivindicatórias ou mesmo contestatórias, seja com a finalidade de compor uma sólida base de sustentação governamental, mediante o atendimento cartorial dos interesses particulares”. Ainda destaca o autor: “Concebida para viabilizar a industrialização acelerada mediante o controle simultâneo das demandas salariais, políticas e mesmo jurídicas do operariado industrial, então emergente, toda a estratégia do projeto getulista foi desenvolvida a partir de mecanismos fortemente regulatórios e disciplinadores do associacionismo sindical. Ao Ministério do Trabalho, cabiam, entre outras prerrogativas, os poderes de reconhecer formalmente os sindicatos, dando-lhes assim “vida legal”, de recolher e redistribuir as contribuições sindicais, de fiscalizar a aplicação desses recursos e de intervir na estrutura sindical quando julgar de “interesse público”. Paralelamente à imposição desses mecanismos regulatórios, o Estado também oferecia uma série de concessões patrimoniais e políticas às lideranças trabalhistas, como os recursos da contribuição sindical obrigatória e a criação da figura do “juiz classista” (embora jamais efetivamente aplicada, a Constituição de 37 previa, até mesmo, a assunção das lideranças sindicais ao Legislativo). Essa conjugação entre mecanismos regulatórios e disciplinadores e concessões patrimoniais e políticas tinha por objetivo básico (a) cooptar para desarmar oposições, (b) dividir para melhor controlar, (c) normatizar para retirar dos conflitos coletivos toda a sua carga ideológica e (d) utilizar o reconhecimento oficial dos sindicatos para manter o domínio do sistema sindical pela
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O decreto 1.402 é incorporado à Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, mantendo assim a mesma estrutura sindical.
2.2.3 O impacto da Constituição de 1946 sobre as relações de trabalho A Constituição de 1946, apesar de conter avanços democráticos, mantém intacto o sistema corporativo sindical instituído. Com o fim da 2a Guerra Mundial, inicia a perseguição ao Partido Comunista Brasileiro e seus militantes, que tinham expressiva representação em sindicatos. Vários são os sindicatos que sofreram intervenção. Só no ano de 1947, foram em torno de 400 sindicatos que tiveram intervenção decretada, sob o pretexto de manterem filiação com a Confederação dos Trabalhadores do Brasil - CTB, fechada pelo governo. Com o retorno de Vargas ao poder, em 1951, o movimento sindical revigorase. A estratégia de atrelamento e de solução dos conflitos pelo aparato corporativo estatal funcionou com relativo sucesso até 1964, tendo o Judiciário Trabalhista se firmado, porém "as lideranças trabalhistas acabaram assumindo uma dupla identidade funcional: pois atuavam como representantes do operariado junto ao Estado e representantes deste Estado em relação aos operários, num curioso papel de cadeia de transmissão que, de certo modo, minava a vitalidade, viciava a autenticidade e comprometia a legitimidade do movimento sindical..." ,como registra Farias.37
2.2.4 O período da Ditadura Militar e a redemocratização do país A partir de 1964, tornam-se evidentes os problemas decorrentes da estrutura autoritária corporativa. O regime militar adotou políticas salariais recessivas, via burocracia governamental, livrando-o da necessidade de forjar raízes efetivas com as bases, como condição de sua sobrevivência. Esta é a essência dessa estratégia: tornar o sindicato totalmente dependente do Estado, “nele nascendo, com ele crescendo, ao lado dele se desenvolvendo e nele se extinguindo”. FARIAS, José Eduardo. In Os novos desafios da Justiça do Trabalho, Ed. LTr, 1995, pp. 28/30 37
Farias. op. cit. 31.
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Decretos-leis e de legislação restritiva. Estes fatores contribuíram para agudizar ainda mais as contradições já existentes, ampliando o conflito com os segmentos sociais que antes mantinha sob controle,38 rompendo os canais de interlocução que existiam. O judiciário trabalhista já não encontrará espaço para soluções conciliatórias - “no âmbito estritamente jurídico, as únicas soluções possíveis limitavam-se aos reiterados julgamentos de ilegalidade das greves”, como registra Farias. Com o golpe militar em março de 1964, acontece a intervenção nas entidades sindicais,39 utilizando a legislação sindical vigente.40 Debaixo de uma violenta repressão, é instalado o terrorismo de Estado,41 o movimento sindical só encontrará espaço político para se manifestar a partir da
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FARIAS, registra tal fato: “Essa estratégia funcionou sem maiores problemas até o advento do regime burocrático-militar, em março de 64, que tomou algumas decisões básicas em matéria de aumento salarial, de arbitragem nas disputas entre patrões e empregados, de flexibilização do livre contrato e distrato do trabalho e de gestão dos benefícios previdenciários. Uma dessas decisões foi a imposição da Lei de Greve (n. 4.330), em julho do mesmo ano, neutralizando parcialmente as competências da Justiça do Trabalho. Este poder dispunha, até então, da prerrogativa de conhecer, em última instância, os dissídios salariais; já segundo esse texto, passa a ser “nula de pleno direito a disposição de convenção ou acordo que, direta ou indiretamente, contrarie proibição ou norma disciplinadora da política econômica do governo ou concernente à política salarial vigente”.” op. cit. p. 31. 39
“Entre 1964 e 1970, 483 sindicatos, 49 federações trabalhistas e 4 confederações foram postos sob intervenção, com a maioria de seus dirigentes sendo detida sem prévia autorização judicial”. FARIAS, José Eduardo. op. cit. p. 33 40
“O movimento de 1964 não só utilizou amplamente os dispositivos vigentes na legislação sindical, que não chegou a ser modificada, como também procurou aperfeiçoar as técnicas da legislação para melhor controlar os trabalhadores... O direito de greve foi regulamentado, tornando ilegal e impossível qualquer greve, exceto para cobrar salários atrasados”. CANÊDO, Letícia, B. op. cit. pp. 170/171 41
“[...] 1968 é o ano do fechamento completo do regime militar[...] no final do ano a ditadura decreta o Ato Institucional n° 5: o Congresso Nacional, as Assembléias Estaduais e as Câmaras Municipais são fechados; parlamentares, intelectuais e lideranças populares têm seus direitos políticos cassados; é abolido o ‘habeas corpus’ para enquadrados na Lei de Segurança Nacional, entre outras medidas. A repressão se intensifica e instala-se o terrorismo de Estado no Brasil, através de organismos como o DOI-CODI (organismos do serviço secreto do Exército voltados para repressão direta e tortura) e a OBAN (organização de repressão violenta, criada em São Paulo em 1969, vinculada ao Exército, e financiada por industriais brasileiros e multinacionais”. KAREPOVS, Dainis. A história dos bancários: lutas e conquistas 1923-1933, op. cit. pp. 84/85.
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segunda metade da década de 70, com o ressurgimento das grandes greves que iniciaram no ABC paulista e que ganharam força em todo o país, e que faz brotar um novo sindicalismo. Esse novo sindicalismo questionará frontalmente o sistema corporativo, após longos anos de sua introdução e vigência, conforme registra Leôncio Martins Rodrigues: Não só o direito de intervenção do Ministério do Trabalho nos assuntos internos dos sindicatos foi desafiado abertamente, mas também as facções mais militantes e radicais do movimento sindical chegaram mesmo a levantar a idéia da substituição da CLT por um código do Trabalho, da abolição do imposto sindical etc... propugnando por negociações diretas com as empresas e por um maior afastamento do Estado nas questões concernentes às relações entre Capital e o Trabalho”.42
Dois aspectos merecem destaque em relação à forma de organização política à época, a orientação de atuar por dentro da estrutura sindical, buscando a sua transformação, e a organização maciça de oposições sindicais. Esta estratégia tem sucesso, e há uma renovação do quadro sindical existente. No bojo deste processo de renovação é criada, em 1983, a Central Única dos Trabalhadores.43 A CUT nasce com uma proposta de um sindicalismo classista, independente, autônomo e democrático, a base de sua formação foi a luta contra a ditadura e o arrocho salarial.44
42
RODRIGUES, Leôncio Martins. Partidos e Sindicatos - Escritos de sociologia política, Ed. Ática, 1990, p. 70. 43
“As forças representativas sindicais, mais vinculadas a um exercício de relação autêntica e direta com os trabalhadores desde o local de trabalho, conseguiram desenvolver um trabalho intenso de enfrentamento do sistema sindical corporativista vigente desde 1931. O núcleo desse debate consistiu na determinação de organizar-se sindicalmente em Central Sindical, que naquele momento representava não só a resistência ao autoritarismo estatal, como também ao sindicalismo oficial.” SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito do Trabalho & Democracia. p. 206. 44
“A CUT nasceu, constituindo-se como leito natural das várias correntes, tendências, grupamentos e individualidades que atuavam no universo sindical mais combativo. Aglutinou-se desde o sindicalismo independente, isto é, sem militância política anterior e sem uma convicção ideológica consolidada, da qual, uma vez mais, a figura de Lula tipifica, à qual se somaram amplos contingentes da esquerda católica, sob influxo da Teologia da Libertação e da opção preferencial pelos pobres. Aglutinou-se, também tendências socialistas e comunistas várias, dissidentes da esquerda tradicional
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A Constituição Federal de 1988 foi um marco na história do país, viabilizando a transição de uma sociedade autoritária para a democracia, porém relativamente ao modelo de relações coletivas de trabalho, manteve as bases do sistema corporativo, com unicidade sindical, imposto sindical (para custeio da estrutura verticalizada), monopólio de representação e negociação, contrastando assim com os avanços democráticos nela inserida. A matéria sindical foi tratada nos artigos 7°, XXVI (reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho), 8° (formas de organização, sustentação, das entidades sindicais, prerrogativas dos eleitos, direito de filiação e voto, prerrogativas da entidade sindical), 9° (direito de greve no setor público e privado), 37, VI (direito de sindicalização de servidores públicos civis) e 114, (poder normativo, através da Justiça do Trabalho, para julgar os dissídios coletivos). Destaca Nascimento que, no que concerne às organizações sindicais, a Constituição adotou figuras contraditórias: Declara que a organização sindical é livre e proíbe a livre criação de sindicatos ao vedar, na mesma categoria e base territorial, a organização de sindicatos quando já existente outro. A Constituição procurou ajustar o princípio da liberdade sindical com o da unicidade sindical imposto por lei. Este último, até agora previsto na legislação ordinária, passou à esfera constitucional, com o que não será fácil compatibilizar a nova Constituição com os parâmetros fixados pela Convenção nº 87, da Organização Internacional do Trabalho OIT, documento maior que consubstancia os ideais de liberdade sindical no plano internacional. (...) quanto à contribuição sindical, apesar das propostas visando a sua extinção, acabou sendo mantida e, mais que isso, duplicada. As propostas de extinção da contribuição sindical respaldaram-se no seu caráter corporativista e estatizante, fruto de um
ou vinculados às postulações de Leon Trotski. Era um ideário diverso, multifacetado dentro das esquerdas, mas com um ponto básico convergente: estruturar uma central sindical de âmbito nacional capaz de constituir-se em um instrumental decisivo para a ação do trabalho em nosso país... Desde logo a CUT deitou suas raízes em quatro expressivas fatias da classe trabalhadora brasileira: no operariado industrial, nos trabalhadores rurais, nos funcionários públicos e nos trabalhadores vinculados ao setor de serviços. Esta representação heterogênea - que expressa o mundo diversificado do trabalho em nosso país - mas efetiva e real, fez com que em seus poucos anos de vida se constituísse, de longe, na mais expressiva entidade sindical nacional, dentre aquelas aqui existentes... De outro lado, é inegável que a atuação da CUT, nesta década de oitenta, teve um papel decisivo na democratização da estrutura sindical, em especial na luta pelo fim ingerência do Estado”. ANTUNES, Ricardo, op. cit. pp. 30/31.
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modelo sindical em que o Estado financia o sistema, para em contrapartida, conduzi-lo.45
Porém, após a Constituição Federal de 1988, diminuíram as críticas ao sistema corporativo, não porque suas bases de sustentação tivessem mudado profundamente, mas porque um dos aspectos mais criticados, que era a intervenção do Ministério do Trabalho nos assuntos internos das entidades sindicais, é eliminado.46 A CUT sempre lutou por decisões, e as ratificou em seus congressos (1984, 1986 e 1988), que reafirmam a ruptura do sistema corporativo e introdução de um sistema de plena autonomia e liberdade sindical, pregando o fim do imposto sindical e a ratificação da Convenção 87 da OIT. Ocorre que, caso levada a cabo, tal proposta, quebraria a maioria das entidades sindicais, que se sustentam com base nesta contribuição;47 somado ao aspecto da grande pulverização de entidades existentes no País48. Segundo dados extra-oficiais, temos mais de 15.000 (quinze mil) sindicatos,
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NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do trabalho na constituição de 1988. Ed. Saraiva, 1989, pp. 16/17 46
“As facções mais radicais do movimento sindical, que anteriormente se mostravam bastante críticas com relação à estrutura sindical corporativa, perderam muito do fervor crítico ao conquistarem direções e posições no sindicalismo oficial. Nesse sentido, a Constituição de 1988, ao limitar drasticamente o poder de intervenção do Ministério do Trabalho nos assuntos internos dos sindicatos, eliminou um dos aspectos que os dirigentes sindicais consideravam mais negativos no modelo corporativo. Conseqüentemente, arrefeceu os ímpetos mudancistas e aumentou a importância dos sindicatos oficiais como um instrumento de pressão dos trabalhadores, de ascensão social e política dos diretores de sindicatos e de emprego para os burocratas das federações e confederações. Paradoxalmente, a Constituição reforçou as estruturas corporativistas aos lhes conceder autonomia ante o Estado. RODRIGUES, Leôncio Martins. Partidos e Sindicatos. op. cit. p. 71 47
“Do pontodevista estratégico, defendemos a extinção do “imposto sindical” por considerá-lo uma interferência indevida do Estado e por sustentar o sistema corporativista, que rejeitamos. Entretanto, a organização sindical brasileira está lastreada na existência desta forma de contribuição. A CUT apropriou-se da estrutura do sindicalismo oficial. Muitas oposições, ao vencerem eleições em sindicatos não atuantes, ditos “pelegos”, filiaram à central vários sindicatos com 800, 1.000, ou 1.500 trabalhadores na base; alguns deles com apenas 300 sócios. A existência de sindicatos tão pequenos e pouco organizados revela o papel e a força do corporativismo e do “imposto sindical” em nosso País”. BENITES FILHO, Flávio Antonello e BRESCIANI, Luís Paulo. Negociações Tripartites na Itália e no Brasil, Ed. LTr, 1995, p. 111. 48
“No Brasil não existe a unidade dos trabalhadores em uma única estrutura e projeto sindical. Os trabalhadores já se organizam em várias centrais sindicais, e em diferentes confederações e federações de trabalhadores, como a FITTEL, FENATEL, FITERT/FENART, CNB/CONTEC,
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sendo, a grande maioria, criados após a Constituição Federal de 1988, boa parte resultante de desdobramentos das entidades já existentes. Assim, deveremos viver necessariamente um processo de transição, como o ocorrido em outros países, como a Espanha e Portugal, para adequar a transformação do modelo existente para o novo, oriundo da aprovação da Convenção 87. A CUT reafirmou seus princípios, em sua 8a Plenária Nacional, realizada de 28 a 30 de agosto de 1996, aprovando um texto básico de discussão com a sociedade, intitulado “O que mudar na estrutura sindical e nas relações de trabalho”. Este texto propõe alterações na legislação ordinária e constitucional.49 Foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, no Senado, o Projeto de Decreto Legislativo nº 16, de 1984, que trata da Convenção 87. A aprovação desta Convenção com a sua ratificação produzirá mudanças relativas ao imposto sindical e unicidade, permitindo que os trabalhadores decidam o modelo de organização, superando as amarras impostas na legislação e que ainda perduram. Ressalte-se que está em curso no Brasil a discussão da Reforma Sindical, sendo realizada no âmbito do FORUM NACIONAL DO TRABALHO, processo este construído com a participação das representações de trabalhadores, empregadores e do CNM/CNTM, e a pulverização sindical, garantida pela unicidade e o imposto, levou a existência de mais de 20 mil sindicatos, na sua maioria pequenos sindicatos inviáveis política e estruturalmente. A unicidade não é capaz inclusive de evitar a criação de sindicatos da mesma categoria, na mesma base territorial, com outra denominação...”. “CUT avança para nova estrutura”. Resoluções da 8ª Plenária Nacional de Canudos, 28, 29 e 30 de Agosto de 1996, São Paulo. Informa CUT, nº 262, outubro de 1996, p. 22. 49
“Liberdade e autonomia sindical são direitos dos trabalhadores. Não será possível a construção de sindicatos livres, independentes e autônomos, de uma estrutura orgânica da CUT, do local de trabalho à estrutura nacional da Central, sem conquistarmos a plena liberdade e autonomia sindical. Para isso é preciso acabar com o imposto sindical, e também o poder normativo da Justiça do Trabalho. A luta pelos princípios da Convenção 87 da OIT, pelo direito de organização no local de trabalho, pelo Contrato Coletivo, por um Sistema Democrático de Relações de Trabalho deve estar no centro da atividade política da Central no próximo período. Esta 8ª Plenária aprova a realização imediata de uma campanha por uma lei de garantias sindicais, segundo a proposta apresentada pelo conselho jurídico da CUT. “CUT avança para nova estrutura”. Resoluções da 8ª Plenária Nacional de Canudos, 28, 29 e 30 de Agosto de 1996, São Paulo. Informa CUT, nº 262, outubro de 1996, p. 22.
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governo; encontra-se em fase bastante adiantada, pois foram construídos consensos que permitem a elaboração de uma proposta de reforma, que altera profundamente as relações sindicais, tendo como pressupostos os princípios inseridos nas Convenções da OIT (87 e 98) cuja análise caberá ao Poder Legislativo, implicando em uma profunda transformação do Sistema Sindical hoje vigente.
2.3 CENTRALIDADE A liberdade sindical constitui-se em uma das peças chaves, sendo um dos princípios fundamentais da OIT. É ela que cimenta e garante o trabalho da entidade, o das atividades exercidas pelas organizações sindicais e por todos aqueles que lutam por justiça social. Tais princípios foram comunicados ao Conselho da ONU e adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1947, através da resolução de que: “[..]. a liberdade sindical, direito inalienável, é dentre outras garantias sociais, essencial à melhoria da vida dos trabalhadores e ao bem estar econômico”.50 A Convenção 87 dispõe sobre a liberdade de associação de empregados ou de empregadores independentemente de autorização prévia do Estado, garantindo que possam criar organizações, com autonomia na elaboração dos estatutos e regulamentos que disciplinem o processo diretivo dos sindicatos. Estabelece a proibição de intervenção, dissolução ou suspensão da entidade sindical, mediante a via administrativa; consagra o direito de filiação e articulação com organizações sindicais internacionais. Como preceitua Oscar Ermida Uriarte: “A Convenção 8751 tem como finalidade resguardar o exercício sindical contra as intromissões do Estado,
50
TEIXEIRA, João Régis Fassbender. Introdução ao direito sindical: aspectos de alguns problemas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 102. 51
A Convenção nº 151 também disciplina a matéria abordando a liberdade de sindicalização, porém no âmbito do serviço público, não compondo o elenco pela OIT, dos Convênios Fundamentais, assim como o de nº 135 que trata da representação dos trabalhadores.
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estabelecendo garantias para a sua independência em relação aos poderes públicos, dotando de titularidade o trabalhador para o exercício pleno da liberdade sindical”.52 Na apreciação realizada pelo Conselho de Administração da OIT, em 1981, ela foi incluída entre os instrumentos que dispensavam revisão e que mereciam especial promoção, sendo um dos objetivos centrais da OIT.
2.4 REFERÊNCIAS INTERNACIONAIS
2.4.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos O surgimento da ONU constitui-se em marco para a internacionalização dos direitos humanos, pois os Estados que dela participam reconheceram a importância de superar as atrocidades cometidas nas décadas que iniciaram o século XX. Em 10 de dezembro de 1948, é aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, realçando os direitos civis e políticos e os direitos econômicos. Esta Declaração foi adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, tendo sido ratificada e assinada pelo Brasil em 10.12.1948.53 A Declaração em relação aos direitos de associação e de organização teve a seguinte redação:
52
ERMIDA URIARTE, Oscar. "Liberdade Sindical: normas internacionais: regulação estatal e autonomia". In.: TEIXEIRA FILHO, João de Lima (coord.). “Relações Coletivas de Trabalho”. 53
Aprovada por resolução a Declaração não teria força de lei, porém há opiniões que divergem como a de Flávia Piovesan, que entendem que a Declaração integra o direito costumeiro internacional e ou princípios gerais de direito, tendo por conseqüência força jurídica vinculante, apesar de não se constituir em um tratado internacional. Salienta a autora, na “medida em que constitui a interpretação autorizada da expressão ‘direitos humanos’ constante dos artigos 1° e 55 da Carta das Nações Unidas. Ressalte-se que, à luz da Carta, os Estados assumem o compromisso de assegurar o respeito universal e efetivo aos direitos humanos”. Piovesan, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Editora Max Limonad, 2a Ed. São Paulo, p. 162.
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Artigo XX – 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas. Ninguém poderá ser obrigado a fazer parte de uma associação. Artigo XXIII – [...] 4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses.
Estes dois artigos, que compreendem o direito de reunião e associação e de organização em sindicatos, entre os 30 inseridos na Declaração Universal de Direitos Humanos, fazem parte dos direitos humanos de primeira geração, que asseguram as liberdades civis e políticas, condição essencial para a consolidação de uma sociedade democrática.
2.4.2 Convenção 87 da OIT A Convenção 87,54 aprovada por unanimidade na 31a reunião, entrou em vigor em 04 de julho de 1950. Entre os fundamentos que pesaram para sua aprovação destacam-se "o reconhecimento do princípio de liberdade sindical constitui um meio de melhorar as condições de trabalho e de promover a paz" e "a liberdade de expressão e de associação é condição essencial para a continuidade do progresso". Os principais aspectos que afirmam o direito de livre organização sindical, inseridos no referido instrumento, são os seguintes:55 a) reconhecimento do direito de sindicalização: assegura o direito de
54
Prevê o artigo 19 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, em seu item 5: a) "Todo país membro obriga-se a submeter a convenção, no prazo de um ano, do encerramento da reunião da Conferência... à autoridade ou a autoridades competentes, para que lhe dêem forma de lei ou adotem outras medidas; d) se o País-membro obtiver o consentimento da autoridade ou de autoridades a quem incumbe o assunto, comunicará a ratificação formal da convenção ao Diretor Geral e adotará as medidas necessárias para tornar efetivas as suas disposições"" OIT. MTb. A Liberdade Sindical. Manual de Educação do Trabalhador. OIT. MTb. 1993, pp.123/124. 55
OIT: http: //www.ilo.org/public/spanish/standards/norm/whatare/foa.htm, pp 1-2.
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organização de trabalhadores e empregadores, sem distinção de sexo, cor, raça, religião, nacionalidade, opinião ou de modalidade de serviço (artigo 2°);56 b) criação de organizações: não se faz necessária a prévia autorização do Estado para a criação de organizações sindicais (artigo 2°);57 c) livre eleição do tipo de organização: é garantido tanto aos empregadores como aos trabalhadores o direito de constituírem suas entidades, sendo exigido tão somente o respeito aos estatutos aprovados (artigo 2°);58 d) funcionamento das organizações: as organizações têm plena liberdade para redigir e aprovar seus estatutos e demais regras internas, assim como para eleger seus representantes, não podendo ser alvo de intervenções, ingerências no que respeita a sua organização, programa de ação ou administração de atividades, (artigo 3°); e) direito de greve: apesar de não constar de forma textual na Convenção 87, é reconhecido pelo Comitê de Liberdade Sindical da OIT como um dos instrumentos essenciais de que dispõem os trabalhadores e suas organizações para promover e defender seus interesses econômicos e sociais. Segundo o Comitê, o direito de greve está concebido no artigo 3, da Convenção 87, ao dispor que "as organizações de trabalhadores têm o direito de organizar suas atividades e de formular seu programa de ação".59 f) dissolução ou suspensão: a proibição do Estado de dissolver o suspender
56
A única ressalva ou exceção é em relação à possibilidade de organização sindical das forças armadas e polícia, que pode ser vedada pela legislação nacional, conforme disposto no artigo 9. 57
O Decreto 19770, de 19 de março de 1931, garantia ao Estado o poder de reconhecer as entidades sindicais, sendo sua a faculdade de concessão da carta sindical, o que limitava a liberdade de constituição pelos trabalhadores. Somente após a Constituição de 1988, é que termina esta restrição. 58
O Brasil apesar de não ter ratificado até a presente data a Convenção 87, alterou parte de sua legislação sindical, com a aprovação da Constituição de 1988. Até então vigente a Portaria 3437, que estabelecia Estatuto Padrão para as entidades sindicais, bem como dava poderes ao Ministério do Trabalho poder intervir nos sindicatos, nomear juntas governativas, suspender ou dissolver sindicatos e uma ampla gama de medidas que feriam a liberdade de organização prevista neste instrumento. 59
GRAVEL, Eric, DUPLESSIS, Isabelle, GERNIGON, Bernard. "El Comité de Libertdad Sindical: impacto desde su creación. OIT.Ginebra, 2001, pp. 44-45.
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as entidades sindicais por decisão de caráter administrativo (artigo 4°);60 g) federações e confederações: assegura o reconhecimento da possibilidade de constituir federações e confederações previstas no artigo 5°, sendo garantido a estas entidades os direitos previstos nos artigos anteriores; h) filiação internacional: reconhece o direito de que as entidades sindicais possam filiar-se a entidades sindicais internacionais de trabalhadores ou de empregadores (artigo 5°);61 i) personalidade jurídica: o reconhecimento jurídico das entidades sindicais não está sujeito a condições que limite a aplicação das garantias previstas nos artigos 2°, 3° e 4° (artigo7);62 j) legalidade das organizações: no exercício dos direitos que são reconhecidos, os trabalhadores, os empregadores e respectivas organizações estão obrigados a respeitar a legalidade e a legislação nacional, não podendo esta ferir as garantias previstas na presente convenção (artigo 8°). A ênfase desta Convenção está na garantia de autonomia dos sindicatos frente ao Estado, desatrelando-o, propiciando garantias a sua livre organização e permitindo a participação em todos os níveis. Esta Convenção ainda não foi ratificada pelo Brasil.
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Este preceito tem como objetivo assegurar o direito de defesa, que só se torna possível mediante um processo judicial, compreendido como essencial pelo Comitê de Liberdade Sindical. Impedindo que um sindicato possa ser fechado, cassado por decisão de cunho administrativo. 61
Somente com a aprovação da Carta Constitucional de 1988, foi aberto o caminho para as entidades sindicais de filiarem-se a entidade sindicais internacionais. O art. 565 da CLT vedava expressamente o direito de sindicalização a organizações internacionais nem com elas manter relações sem prévia licença concedida por decreto do Presidente da República. 62
Até o advento da nova Carta Constitucional no Brasil, era exigida uma fase anterior à criação do sindicato, através do encaminhamento de todo um procedimento burocrático, que exigia a criação de uma associação profissional pré-sindical, a qual reconhecida pelo Ministério do Trabalho (ou não), sendo condição ‘sine qua non’ para a futura constituição do sindicato.
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2.4.3 Declaração da OIT Relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho A Conferência Internacional do Trabalho, em sua 86ª reunião, em 18 de junho de 1998, aprovou a Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, em resposta a mundialização econômica e aos desafios decorrentes desta. Após um processo de debates que teve início em 1994, entendeu a entidade que "o crescimento deve ser acompanhado, por um mínimo de regras de funcionamento social fundadas em valores comuns, em virtude dos quais os próprios interessados tenham a possibilidade de reivindicar uma participação justa nas riquezas que tenham contribuído na construção".63 As Convenções Fundamentais da OIT são assim entendidas pelo seu Conselho de Administração, pela importância que possuem e diferenciam-se das demais Convenções,pois constituem-se em direitos essenciais “independentemente do nível de desenvolvimento de cada Estado Membro. Estes direitos se antepõem aos demais porque proporcionam os instrumentos necessários para lutar livremente pela melhora das condições de trabalho individuais e coletivos”.64 A Conferência Internacional do Trabalho, realizada em 1998, elaborou uma Declaração para garantir e assegurar os princípios estabelecidos nos instrumentos fundamentais. Tal preocupação nasce do reconhecimento que o crescimento econômico é essencial, porém não é suficiente para assegurar a eqüidade, o progresso social e a erradicação da pobreza.65 Destacando: "[...] que ao incorporar-se livremente
63
Declaración de la OIT relativa a los principios y derechos fundamentales en el trabajo y su seguimiento. Presentación. OIT. 1a Ed. Suiza, 1998. 64
OIT – “¿Qué son las normas internacionales del trabajo? Convenios fundamentales de la OIT". http: //www.ilo.org/public/spanish/standards/norm. p. 1 65
“... una situación de creciente interdependencia económica urge reafirmar la permanencia de los principios y derechos fundamentales en la Constitución de la Organización, así como promover su aplicación universal; ... y ... la necesidad de que la OIT promueva políticas sociales sólidas, la justicia e instituciones democrática; ... considerando que la OIT debería prestar especial
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a OIT, todos os Membros aceitaram os princípios e direitos enunciados em sua Constituição e na Declaração de Filadélfia, e se comprometeram a esforçar-se por lograr os objetivos gerais da Organização com todas as suas possibilidades e atendendo as suas condições específicas e [...] que esses princípios e direitos são expressos e desenvolvidos em forma de direitos e obrigações específicas em convenções que são reconhecidas como fundamentais dentro e fora da Organização". A Declaração estabelece que, todos os membros, independentemente de terem ou não ratificado as convenções fundamentais, pelo simples fato de pertencerem à Organização, deverão respeitar, promover e buscar a implementação dessas Convenções na sua esfera interna, de acordo com a Constituição, e com os princípios relativos aos direitos fundamentais. Assim, os Estados-Membros estão obrigados a cumprir com os princípios inseridos nos Convênios fundamentais da OIT. Pois, se nos deparamos com um processo de globalização da economia, em contrapartida devemos garantir que o mesmo seja acompanhado por um mínimo de garantias e regras estabelecidas em valores sociais amplamente aceitos pelos Estados. Assim, independentemente do Brasil ter ratificado a Convenção 87 da OIT, pelo simples fato de participar como Estado-Membro da OIT está obrigado ao cumprimento de seus princípios, devendo garantir e fiscalizar o seu cumprimento.
2.4.4 Outros importantes instrumentos da OIT sobre a Liberdade Sindical Entre os documentos essenciais para analisar a prática da liberdade sindical, frente à iniciativa privada, destacam-se a Convenção 98, a Convenção 135 e a Recomendação 143. A seguir serão abordados os pontos inseridos nos respectivos instrumentos, que merecem especial atenção.
atención a los problemas de personas con necesidades sociales especiales, en particular desempleados y los migrantes, movilizar y alentar los esfuerzos nacionales, regionales e internacionales encaminados a la solución de sus problemas, y promover políticas eficaces destinadas a la creación de empleo”. OIT. "Declaracíon da 86ª Reunión" http: //www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/ilc/ilc86/comdtxt.htm, p.1
40
2.4.4.1 Convenção 98 - sobre o direito de sindicalização e de negociação coletiva, 1949 A Convenção 98 foi ratificada pelo Brasil em 18 de novembro de 1952, tendo como aspectos centrais a preocupação com a proteção dos trabalhadores em relação ao exercício do direito de sindicalização;66 a proteção das organizações de trabalhadores e empregadores contra atos de ingerência de umas nas outras, na sua constituição, funcionamento e administração;67 e a indicação para que seja adotada pelos Estados, legislação que garanta o direito de sindicalização.68
2.4.4.2 Convenção 135 - representação dos trabalhadores, 1971 A Convenção 135 foi ratificada no país em 18 de maio de 1990 (e vigente no
66
Artigo 1°- 1. Os trabalhadores gozarão de adequada proteção contra atos de discriminação com relação a seu emprego. 2. Essa proteção aplicar-se-á especialmente a atos que visem: a) sujeitar o emprego de um trabalhador à condição de que não se filie a um sindicato ou deixe de ser membro de um sindicato; b) causar a demissão de um trabalhador ou prejudicá-lo de outra maneira por sua filiação a um sindicato ou por sua participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante o horário de trabalho. 67
Artigo 2° - 1. As organizações de trabalhadores e de empregadores gozarão de adequada proteção contra atos de ingerência de umas nas outras, ou por agentes de umas nas outras, na sua constituição, funcionamento e administração. 2. Serão principalmente consideradas atos de ingerência, nos termos deste Artigo, promover a constituição de organizações de trabalhadores dominadas por organizações de empregadores ou manter organizações de trabalhadores com recursos financeiros ou de outra espécie, com o objetivo de sujeitar essas organizações ao controle de empregadores ou de organizações de empregadores. 68
Artigo 3° - Mecanismos apropriados às condições nacionais serão criados, se necessário, para assegurar o respeito do direito de sindicalização definido nos artigos anteriores.
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país desde 18/03/1991).69 A aprovação pela OIT teve como objetivo adotar medidas protetoras aos representantes dos trabalhadores, inibindo iniciativas que pudessem prejudicar os mesmos em razão de sua condição, incluída a demissão. Como estabelecido no: Art. 1 - "Os representantes de trabalhadores na empresa gozarão da efetiva proteção contra qualquer ato que os prejudique, incluída a demissão, em virtude de suas filiações ou atividades como representantes de trabalhadores ou de sua filiação sindical ou de participação em atividades sindicais, desde que atuem de conformidade com as leis vigentes ou contratos coletivos ou outros acordos convencionais em vigor".
Nos termos do artigo 3°, a expressão "representantes de trabalhadores", significa pessoas reconhecidas como tais, pelas leis nacionais, podendo ser aqueles "nomeados ou eleitos por sindicatos ou pelos membros desses sindicatos", ou aqueles "livremente eleitos pelos trabalhadores da empresa de acordo com disposições de leis ou acordos coletivos, e cujas funções não incluem atividades reconhecidas como prerrogativas exclusivas de sindicatos". O artigo 5° preocupou-se em contemplar a possibilidade de que, em existindo representantes de ambos os tipos, deve ser garantido que a "existência de representantes eleitos não seja utilizada para enfraquecer a posição dos sindicatos".
2.4.4.3 Recomendação 143 - representação dos trabalhadores, 1971 A Recomendação70 143 foi aprovada após a adoção da Convenção 135, na
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Aprovada pelo Decreto Legislativo 86/1989 e pelo Decreto n. 131/1991.
O artigo 19 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho indica que a Recomendação é adotada nas Conferências, caso a questão tratada, ou parte dela, não possibilite naquele momento, à aprovação de uma Convenção. O item 6 do mesmo artigo aduz que a Recomendação não impõe obrigações aos Países-membros, "salvo a obrigação de submeter a recomendação à autoridade ou a autoridades competentes, em um prazo de um ano após encerramento da reunião da Conferência e a de informar, o Diretor Geral do Secretariado da Organização Internacional do Trabalho, com a freqüência que venha a fixar o Conselho de Administração, sobre a situação de sua legislação e a prática no que se refere aos assuntos tratados na recomendação, precisando em que medida foram postas ou se pretende pôr em execução suas disposições, e as modificações que se considere ou se possa considerar necessário fazer nessas disposições para adotá-
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mesma Conferência, com o intuito de adotar medidas de proteção e facilidades aos representantes dos trabalhadores. Inicialmente, indica o Método de Implementação, que deverá ser realizado através de leis ou regulamentos nacionais ou de contratos coletivos, compatíveis com as práticas nacionais. Nas disposições gerais, retoma a centralidade exposta nos artigos da Convenção 135. No bloco seguinte, - III Proteção de Representantes de Trabalhadores: a) destaca-se a garantia aos representantes contra ato que os prejudique, inclusive o de demissão em virtude das suas atividades; b) há também a indicação de inibir atos contra os que deixaram de ser representantes ou que tenham sido candidatos em processo de eleição. No IV - Facilidades a Serem Dispensadas a Representantes de Trabalhadores, sugere medidas a serem adotadas pelos Estados com direitos e garantias, para proteger, fomentar e facilitar o exercício do mandato para o qual foram designados: a) como a concessão de tempo para o seu exercício da atividade sem prejuízo da remuneração (item 10); b) a concessão de tempo para participar de reuniões sindicais, cursos, seminários, congressos e conferências, sem prejuízo dos salários (item 11); c) acesso aos locais de trabalho (item 12 e 13); recolhimento das taxas sindicais nos locais de trabalho, caso não seja possível de outra maneira (item 14); d) direito de comunicar-se com os trabalhadores, através da distribuição de panfletos, avisos ou publicações sindicais, ou espaço para afixar informações sindicais (item 15);
las ou aplicá-las" OIT. MTb. A Liberdade Sindical. Manual de Educação do Trabalhador. OIT. MTb. 1993, pp.123/124.
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e) a gerência deve pôr a disposição facilidades materiais e informações que sejam necessárias para o exercício de suas funções (item 16); f) acesso aos representantes dos sindicatos que não sejam da empresa, mas cujo sindicato tem membros ali empregados (item 17).
2.4.5 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos Este Pacto foi adotado em 16 de dezembro de 1966, pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), passando a vigorar em 23 de março de 1976. O Brasil efetivou a ratificação dos dois Pactos na mesma data, em 24 de janeiro de 1992. O artigo 22 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos reconhece o direito de associação e sindicalização,71 mas o Pacto permite restrições (conforme item 2 do mesmo artigo) que estejam fundadas no "interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas". Porém em ambos os Pactos, restou prevista e contemplada a prevalência do Convênio da OIT, no que se refere à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, não permitindo que se restrinjam as garantias previstas no documento da OIT.2.4.6 Pacto Internacional relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
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Artigo 22 -1. Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de constituir sindicatos e de a eles filiar-se, para proteção de seus interesses. 2. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desses direitos por membro das forças armadas e da polícia. 3. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que os Estados-partes na Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que restrinjam - ou a aplicar a lei de maneira a restringir - as garantias previstas na referida Convenção.
44
Este outro Pacto foi aprovado na mesma data que anterior, iniciando sua vigência, a partir de 3 de janeiro de 1976. Ambos têm como finalidade cumprir com os direitos humanos fundamentais, que foram concebidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os Estados que aderem a estes Pactos estão obrigados a apresentar "relatórios sobre as medidas adotadas e os progressos realizados, a fim de assegurar o respeito aos direitos reconhecidos nos mesmos" (art. 16 do Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e art. 40 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos). Os princípios inseridos nos Pactos estão em consonância com as convenções e recomendações da OIT, porém o nível de proteção previsto nos instrumentos da OIT, é mais amplo do que o concebido nos Pactos. O artigo 8° do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,72 preocupou-se em assegurar o direito de sindicalização e o direito de greve, prevendo de maneira genérica o estabelecido na Convenção 87 da OIT. Enquanto esta estabelece a possibilidade de aplicação aos servidores públicos, o Pacto permite a exclusão dos mesmos. Merece destaque, que o Pacto expressamente dispõe a respeito do direito de greve (limitado o seu exercício a lei de cada país), o que não ocorre com a Convenção 87, sendo que o reconhecimento
72
Artigo 8°. - 1. Os Estados-partes no presente Pacto se comprometem a garantir: a) o direito que tem toda pessoa de formar, com outras, sindicatos e de filiar-se ao sindicato de sua escolha, sujeitando-se unicamente às regras fixadas pela organização interessada, para promover e proteger seus interesses econômicos e sociais. O exercício deste direito não pode ser objeto senão das restrições previstas pela lei e que constituem medidas necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades de outrem; b) o direito que têm os sindicatos de formar federações ou confederações nacionais e o direito destas de formar organizações sindicais internacionais ou de a elas filiar-se; c) o direito que têm os sindicatos de exercer livremente sua atividade, sem outras limitações do que as previstas pela lei e que constituem medidas necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades de outrem; d) o direito de greve, exercido conforme as leis de cada país. 2. O presente artigo não impede restrições legais ao exercício desses direitos pelos membros das forças armadas, da polícia ou da função pública. 3. Nenhuma disposição deste artigo permitirá aos Estados-partes na Convenção Internacional do Trabalho, sobre a liberdade sindical e a proteção de direito de sindicalização, adotar medidas legislativas que reduzam - ou aplicar a lei de maneira a reduzir - as garantias nessa Convenção".
45
ao direito de greve na Convenção, decorre da interpretação de normas pelo Comitê de Liberdade Sindical e da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT.73
2.4.7 Declaração Tripartite Sobre Empresas Multinacionais e Política Social Neste documento é evidente o destaque dado à importância da liberdade sindical e o respeito aos direitos humanos, a serem cumpridos pelas empresas multinacionais para alcançar o desenvolvimento social. No ponto 8, que trata da Política Geral, indica a necessidade de que sejam respeitados "[ ...]. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e os pactos internacionais correspondentes adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas, assim como a Constituição da Organização Internacional do Trabalho e os seus princípios, segundo os quais a liberdade de expressão e de associação constituem uma condição essencial a um progresso contínuo".74 No ponto 9, destaca a importância de que sejam adotados pelos Governos, as Convenções 87 e 98 da OIT, entre outras. Mas além de indicar o respeito a documentos fundamentais em relação aos direitos humanos, a partir do artigo 41, intitulado 'Liberdade Sindical e Direito de Organização', explicita as condições que entende ser essenciais: 41. Os trabalhadores empregados, quer pelas empresas multinacionais quer pelas empresas nacionais, deverão usufruir sem qualquer espécie de distinção e sem autorização prévia, do direito de constituírem organizações de sua escolha, assim como do de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os estatutos destas últimas. Deverão igualmente beneficiar de proteção adequada contra os atos de discriminação que tendem a lesar a liberdade sindical em matéria de emprego. 42. As organizações que representem as empresas multinacionais ou os trabalhadores
73
A jurisprudência do Comitê de Liberdade Sindical e da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT, interpreta as normas de uma maneira conjunta, mas acentua e dá mais peso a partir da interpretação do artigo 3° da Convenção 87. 74
Idem, p. 104.
46
empregados por elas deverão beneficiar de uma proteção adequada contra todos e quaisquer atos de ingerência de umas em relação às outras, quer diretamente, que pelos seus agentes ou membros, na sua formação, funcionamento e administração. 44. Os governos que ainda não o fazem, são insistentemente convidados a aplicar os princípios da Convenção n° 87, artigo 5, dada a importância que assume relativamente às empresas multinacionais, a permissão conferida às organizações que representam estas empresas ou os seus trabalhadores de se filiarem em organizações internacionais de empregadores e de trabalhadores de sua escolha. 45. Nos países de acolhimento cujos governos ofereçam vantagens especiais para atrair os investimentos estrangeiros, estas vantagens não deverão traduzir-se em nenhuma restrição à liberdade sindical dos trabalhadores ou ao seu direito de organização e de negociação coletiva. 46. Os representantes dos trabalhadores das empresas multinacionais não deverão ser impedidos de se reunir para consultas e troca de pontos de vista, desde que o funcionamento dos trabalhos da empresa e os processos normais que regem as relações com os representantes dos trabalhadores e suas organizações não sejam afetados. 47. Os governos não deverão opor restrições à entrada de representantes de organizações de empregadores e de trabalhadores que venham doutros países e sejam convidados por organizações locais ou nacionais interessadas, para fins de consultas sobre questões de interesse comum, pelo simples fato de solicitarem a entrada naquela 75 qualidade.
2.4.8 Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais Entre os princípios gerais das Diretrizes, capítulo II, no tópico 2, está o compromisso de "[...] respeitar os direitos humanos que de algum modo possam vir a ser afetados pelas respectivas atividades[ ...]".76 No capítulo IV - emprego e relações empresariais, no item 1o. - está enunciado a obrigação de "[...] respeitar o direito dos trabalhadores de se fazerem representar por sindicatos e outras organizações legítimas de representação de trabalhadores[...]" e no item 07 "[...] não prejudicar o exercício do direito de associação dos trabalhadores, por meio de ameaças de
75
Idem, pp 105/106.
76
http://www.mre.gov.br/ocde/diretri2.htm, p.4.
47
transferência total ou parcial, para fora do país, de unidade de produção ou de transferência de trabalhadores, oriundos de entidades pertencentes à empresa localizadas em outro país".77
As Diretrizes constituem-se em um instrumento
importante para as entidades sindicais, em relação ao acesso às informações que podem instrumentalizar o processo de negociação coletiva, aspecto este ressaltado neste mesmo capítulo.
2.4.9 Global Compact Entre os nove princípios do Global Compact, quatro deles são relativos ao trabalho, e o terceiro princípio está assim definido: "As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento do direito à negociação coletiva". O Global Compact constitui-se em um balizamento mínimo a ser seguido em escala mundial por parte das empresas, no intento da disseminação de boas práticas empresariais.
2.4.10 Responsabilidade Social Corporativa, Código de Conduta e Acordos Marco Internacionais As Empresas em tempo de globalização buscam uma boa imagem (com finalidades comerciais) e para tanto, às vezes, adotam procedimentos que repercutem positivamente nas relações de trabalho. A propagação da idéia de Responsabilidade Social Empresarial é uma destas faces. Entre as iniciativas interessantes que merecem registro está a desenvolvida pelo Instituto Ethos. Nos indicadores trabalhados pelo Instituto, destaca-se “o diálogo e participação” dos representantes das empresas e os respectivos sindicatos, permitindo a liberdade de representação dos trabalhadores nos locais de trabalho.
77
http://www.mre.gov.br/ocde/diretri2.htm, pp. 6/7.
48
Os Acordos Marco Internacionais (AMI) são instrumentos negociados entre empresas transnacionais e sindicatos ou organizações de trabalhadores com representação mundial, em que, normalmente, são contemplados os direitos fundamentais dos trabalhadores, concebidos pela OIT, para fazer valer no âmbito da empresa e em todos os seus estabelecimentos. São acordos que ultrapassam as fronteiras nacionais, para aplicação nos países onde atuam as empresas signatárias dos mesmos. Os AMI passaram a ser a opção adotada pelas Federações Sindicais Internacionais para substituir os “Códigos de Conduta”, posto que estes, normalmente, traziam o inconveniente de serem iniciativas unilaterais das empresas, muitas vezes, não trazendo nenhum tipo de benefício aos trabalhadores. Segundo entidades sindicais internacionais, como a FITIM (Federação Internacional de Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas), o AMI tem como vantagem em relação ao Código de Conduta, entre outros aspectos os seguintes: a) são reconhecidos os direitos fundamentais defendidos pela OIT, o que, necessariamente, não ocorre nos códigos; b) os sindicatos atuam para garantir a aplicação e seu cumprimento, sendo que nos códigos a supervisão ocorre por parte da empresa; c) há uma firme base para o diálogo entre as partes, sendo que em relação ao código este ponto é débil entre sindicatos e empresas.
2.5 REFERÊNCIAS NACIONAIS
2.5.1 A Constituição Federal Com a aprovação da Constituição Federal de 1988, ocorreram mudanças na organização sindical. As principais foram o reconhecimento ao direito de sindicalização dos servidores públicos78 e a proibição de interferência e intervenção do
78
Constituição Federal. "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
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Estado em relação às entidades sindicais, que tanto violaram os direitos sindicais, em especial no período militar. Deixou de ser obrigatória a criação de associação profissional, pré-requisito para a fundação de sindicato, bem como a exigência de autorização do Estado para que as entidades fossem constituídas, bastando o registro no órgão competente.79 Mas não houve alteração com relação à unicidade sindical, vedando a possibilidade de ser constituída mais de uma entidade, representando a mesma categoria na mesma localidade, comprometendo a liberdade sindical concebida no Direito Internacional, pois apesar do caput enunciar a liberdade dos trabalhadores de organizarem-se, o inciso II impede a criação de mais de um sindicato na mesma base territorial, cuja base não pode ser inferior a um município. O entendimento do Comitê de Liberdade Sindical da OIT é: "Apesar de que os trabalhadores podem ter interesse em evitar que se multipliquem as organizações sindicais, a unidade do movimento sindical não deve ser imposta, mediante intervenção do Estado, por via legislativa, pois essa intervenção é contrária ao princípio incorporado nos artigos 2 e 11 da Convenção n° 87”.80 A Constituição Federal, ao tratar do sistema de custeio da organização sindical, criou uma figura nova de contribuição, a chamada “Confederativa”81 definida em assembléia pelos trabalhadores; além de manter a já existente, o “Imposto Sindical”, herança do modelo corporativo e que consiste no pagamento correspondente a um dia da remuneração de cada trabalhador, independente de ser ou não filiado ao
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: VI - é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical; VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica". 79
O STF definiu que as entidades sindicais independentemente da inscrição no Registro de Pessoas Jurídicas, deverão ser depositados no Ministério do Trabalho, com a finalidade de manutenção do cadastro e averiguação da unicidade sindical (STF - Pleno MI 144-8-SP. DJUI, 28.5.93, p. 10831). 80
. Verbete 287 do Comitê de Liberdade Sindical. "La Libertad Sindical - Recopilación de decisiones y princípios del Comite de Libertad Sindical", Genebra, OIT, 4ª Ed., 1996, p.65. 81
O Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que a Contribuição Confederativa somente é devida pelos sindicalizados (Precedente Normativo 119, Seção de Dissídios Coletivos/TST).
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sindicato, a ser revertido para as entidades (sindicato: 60%, federação: 15% e confederação: 5%) e para o governo na “Conta Especial Emprego e Salário” (20%). As contribuições poderão ocorrer através de desconto em folha, conforme previsto pela Constituição, art. 8° - inciso IV. A Constituição Federal, em seu Capítulo II - dos Direitos Sociais, estabelece: Art. 8. - É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesse coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; V - ninguém e obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato; VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; VII - o aposentado filiado tem o direito a votar e ser votado nas organizações sindicais; VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.
O reconhecimento à negociação coletiva para os trabalhadores é exclusividade das entidades sindicais no nosso sistema jurídico, não sendo assegurado
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às centrais sindicais tal prerrogativa (art. 8°, inciso VI, da CF/88). O direito à estabilidade do dirigente sindical foi assegurado na Constituição Federal em seu art. 8°, inciso VIII, tal a sua importância. Sendo proibida a demissão dos dirigentes (titulares ou suplentes), salvo se incorrer em falta grave devidamente apurada, através de processo judicial (Inquérito para Apuração de Falta Grave) proposto pela empresa no prazo previsto em lei. Atualmente, se desenrola um debate jurídico nos tribunais, a respeito do número de dirigentes sindicais que gozariam da estabilidade, pois como as entidade sindicais têm liberdade para aprovação de seus estatutos e da fixação do número de dirigentes, esta matéria está gerando conflitos, sendo motivo de questionamento pelo patronato, pois a CLT (em seu art. 522), estabelecia como limite sete diretores, além de três membros do conselho fiscal e seus respectivos suplentes. Os empregadores e suas entidades têm ajuizado ações, no intento de que os Tribunais declarem que somente há estabilidade de dirigentes nos termos previstos no artigo Celetista, que é anterior à norma constitucional.
2.5.2 A Consolidação das Leis do Trabalho A Constituição de 1988 revogou inúmeros dispositivos, constantes do Título V, da Consolidação das Leis do Trabalho, que tratam da organização sindical, pois estes implicavam na intervenção e interferência do Estado, como já exposto. Mas entre os dispositivos recepcionados está o da estabilidade sindical, art. 543 da CLT e seus parágrafos. No artigo 543 também estão estabelecidas garantias como o da inamovibilidade do dirigente, previsto em seu caput: O empregado eleito para cargo de administração sindical ou representação profissional, inclusive junto a órgão de deliberação coletiva, não poderá ser impedido do exercício de suas funções, nem transferido para lugar ou mister que lhe dificulte ou torne impossível o desempenho das suas atribuições sindicais.
E a proibição do empregador de impedir o direito de sindicalização ou de organização sindical, cf. parágrafo 6°:
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A empresa que, por qualquer modo, procurar impedir que o empregado se associe a sindicato, organize associação profissional ou sindical ou exerça os direitos inerentes à condição de sindicalizado, fica sujeita à penalidade prevista na letra "a" do art. 553, sem prejuízo da reparação a que tiver direito o empregado.82
A CLT resguardou no artigo 545 a obrigação dos empregadores de cumprirem com as decisões referentes ao repasse das contribuições,83 nos seguintes termos: Os empregadores ficam obrigados a descontar na folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados, salvo quanto à contribuição sindical cujo desconto independe dessas formalidades. Parágrafo único. O recolhimento à entidade sindical beneficiária do importe descontado deverá ser feito até o 10° (décimo) dia subseqüente ao do desconto, sob pena de juros de mora no valor de 10% (dez por cento) sobre o montante retido, sem prejuízo da multa prevista no art. 553 e das cominações penais, relativas à apropriação indébita.
A jurisprudência do TST, referente à contribuição assistencial, tem entendido que no instrumento normativo que a instituiu deve estar assegurada autorização de insurgência do trabalhador não sindicalizado contra a mesma. Este entendimento vem na esteira do posicionamento emitido em relação à contribuição confederativa, de que esta somente é devida pelos sindicalizados.84 A contribuição sindical está excluída, em razão de dispositivos próprios, pois todo o capítulo III (do Título VI da CLT) foi dedicado a esta contribuição, estabelecendo as formas de fixação, recolhimento e até mesmo a aplicação, esta última derrogada, em razão da autonomia dos sindicatos frente ao Estado.
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O art. 553 da CLT, em sua letra a, dispõe: "multa de dois a 100 valores de referência regionais, dobrada, na reincidência". 83
É possível identificar quatro contribuições praticadas pelos sindicatos: contribuição sindical obrigatória (ou também chamada imposto sindical), contribuição confederativa, contribuição assistencial (cobrada durante as negociações coletivas, também denominada: taxa assistencial, taxa contratual, contribuição de fortalecimento sindical) e a mensalidade. 84
(Precedente Normativo 119, Seção de Dissídios Coletivos/TST).
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2.5.3 O Direitos de Greve
2.5.3.1 Constituição Federal A greve nem sempre foi entendida como um direito, ao contrário, no início do sindicalismo a greve era proibida e considerada como um ato ilegal. No Brasil, o seu reconhecimento foi marcado por avanços e retrocessos, como o registrado na Constituição de 1937, durante o Estado Novo, que definia a greve como "recurso antisocial, nocivo ao trabalho e ao capital, incompatível com os superiores interesses da produção nacional" (art. 139). Esta Constituição revogou a Carta de 1934, que era de perfil democrático. A Constituição Federal de 1988 deu um passo avante para reconhecer o direito de greve, conforme disposto no caput do seu artigo 9°,85 assegurando o amplo direito aos trabalhadores, conferindo-lhes prerrogativas para decidir sobre a realização da mesma e dos direitos que queiram defender, podendo realizar greves políticas, de protesto, de solidariedade ou por motivos que entendam adequados e justos. Mas em seus parágrafos, o dispositivo constitucional resguardou que fossem assegurados os serviços essenciais, bem como destacou que os abusos estariam sujeitos às penas da lei.
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Art. 9. - É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
Parágrafo 1° - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Parágrafo 2° - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
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2.5.3.2 Legislação Ordinária A Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, surge com a finalidade de dispor sobre o exercício do direito de greve, de definir as atividades essenciais e regular o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Apesar do caráter democrático da Constituição, esta lei impôs limites, quando exigiu formalidades como o da obrigação de notificações prévias ao empregador para a realização de greve, aspecto que não encontra respaldo no texto constitucional. Ela revogou expressamente a Lei n° 4.330 (de 1° de junho de 1964) e o Decreto-lei n° 1.632, (de 4 de agosto de 1978), concebidos pelo regime militar. Seguindo o espírito do legislador constituinte, o artigo 1° dispõe que "é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender". Foi vedado o "lockout" - greve dos empregadores, estando eles obrigados a indenizar os dias de paralisação. Deve ser salientado que, em seu artigo 6°,86 foram assegurados alguns direitos aos grevistas e também algumas limitações, que geram interpretações controvertidas por parte do judiciário e da doutrina. Empresas têm adotado procedimentos para restringir o direito de greve, como a interposição de "Interdito Proibitório", com a finalidade diminuir o poder de ação dos sindicatos e do movimento, como o acesso aos locais de paralisação e a delimitação de que os grevistas ou os piquetes mantenham uma distância da empresa. O Judiciário tem
86
Art. 6° - São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve; II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento. Parágrafo 1° Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem. Parágrafo 2° É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento. Parágrafo 3° As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.
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recepcionado estas ações e imposto condições aos sindicatos, que em caso de descumprimento, implicam em pesadas multas a estes. Estas decisões têm sido questionadas pelos sindicatos, por entenderem que não se coadunam com o preceito constitucional. O maior exemplo ocorreu com o episódio dos petroleiros, e não é um fenômeno isolado. As ações multiplicaram-se por todo o Brasil e têm produzido graves prejuízos à organização sindical. O art. 7° da referida lei dispôs que a greve suspende os contratos de trabalho, sendo vedada as demissões dos grevistas durante o período de sua realização, assim como a contratação de substitutos, excetuando-se o disposto nos artigos 9° e 14 da mesma.87
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Art. 9° - Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resulte em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento. Parágrafo Único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo. Art. 14. Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho. Parágrafo Único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que: I – tenha por objetivo exigir o cumprimento da cláusula ou condição; II – seja motivada pela superveniência de fato novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.
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CAPÍTULO 3 - NEGOCIAÇÃO COLETIVA
Prudente José Silveira Melo Advogado, Instituto Declatra
Este capítulo sobre a Negociação Coletiva tem uma relação direta com o anterior, que trata da Liberdade Sindical, posto que ambos dizem respeito ao reconhecimento do direito de organização dos trabalhadores, estabelecendo medidas de proteção para que as entidades funcionem de forma livre e independente dos empregadores e governos. A Convenção 98 também tem como centralidade garantir que os sindicatos realizem um de seus principais objetivos, talvez a sua razão de existir, que é o de negociar acordos coletivos, criando direitos e regrando as relações de trabalho. Assim, os apontamentos preliminares, expostos no capítulo sobre a Liberdade Sindical, que discorrem sobre os aspectos históricos e a evolução das organizações sindicais, bem como as legislações editadas, merecem ser vistos e analisados88, para que se tenha uma visão do processo vivido pela classe trabalhadora. Tal análise permitirá que passemos a abordar diretamente os pontos relativos a Convenção 98, que trata da "Aplicação dos Princípios do Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva".
3.1 CENTRALIDADE A negociação coletiva constitui-se em um dos pilares dos direitos dos trabalhadores, fazendo parte dos princípios fundamentais da OIT, interagindo com o direito de organização.
88
Sindical.
Para maior compreensão, deve-se ler antes o Termo de Referência sobre Liberdade
60
A Convenção 98 dispõe sobre a aplicação dos princípios do direito de sindicalização e de negociação coletiva, indicando que sejam adotadas medidas para a adequada proteção contra atos de discriminação com relação ao emprego, visando impedir que o trabalhador esteja obrigado a filiar-se ou mesmo deixe de ser membro de um sindicato; seja demitido ou prejudicado89 de alguma maneira, por manter filiação a entidade sindical, ou por participar em atividades sindicais em horário fora do trabalho, ou no horário do trabalho com consentimento do empregador; a proibição de ingerência das entidades sindicais de trabalhadores e de empregadores umas em relação às outras e por representantes ou agentes de umas nas outras, seja em sua constituição, funcionamento e administração; e, ainda, que se adotem mecanismos de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores, com a finalidade de regular as condições de trabalho, através de acordos coletivos.90 Como exposto pelo vice-presidente do conselho de administração da OIT, William Brett: A Convenção núm.98 estabelece os princípios fundamentais do direito de sindicalização e de negociação coletiva: garante a proteção que os trabalhadores e de suas organizações precisam contra atos de discriminação anti-sindical e de ingerência, seja ela por parte das autoridades públicas ou dos empregadores; estabelece ainda as obrigações dos Estados Membros sobre o respeito e promoção da liberdade sindical e 91 da negociação coletiva.
89
Oscar Ermida Uriarte, salienta que todas as ações ou atos que venham a prejudicar "o trabalhador em relação com seu emprego, como a não contratação, a despedida, a suspensão, a aplicação injusta de outras sanções disciplinares, as transferências, as alterações de tarefas ou de horário, os rebaixamentos, a inclusão em 'listas negras, ou no 'index', a redução de remunerações, etc ", com a finalidade de atingir a atividade sindical, podendo incidir sobre um titular de direitos ou buscando produzir efeitos sobre a causa desta, constituem-se em atos anti-sindicais. ERMIDA URIARTE, Oscar. A proteção contra atos anti-sindicais. São Paulo: LTr, 1989, p. 40 90
91
Conforme disposto nos artigos 1° a 4° da Convenção 98 da OIT.
BRETT, William. In. OIT. "La negociación colectiva: un princípio fundamental, un derecho, un convenio". Prefácio, OIT.Ginebra, 1999, p. 1.
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Sendo o direito à negociação considerado fundamental92, os membros da OIT estão obrigados a promovê-los, respeitá-los e fazer com que se efetivem, tornando-os realidade.
3.2 REFERÊNCIAS INTERNACIONAIS
3.2.1 Declaração Universal Dos Direitos Humanos A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada 10 de dezembro de 1948, destaca os direitos civis e políticos, e os direitos econômicos adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas, tendo sido ratificada e assinada pelo Brasil, em 10/12/1948. A Declaração dos Direitos Humanos destaca alguns artigos, entendidos como essenciais, que se referem ao direito de organização e de negociação coletiva: Artigo XX – 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas. 2. Ninguém poderá ser obrigado a fazer parte de uma associação. Artigo XXIII – 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim com sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses.
92
Conforme Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais do trabalho e seu seguimento.
62
Artigo XXIV - Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Os artigos acima transcritos, entre os 30 elegidos na Declaração, atestam a necessidade do reconhecimento da liberdade de organização e negociação coletiva, como instrumentos para assegurar e permitir melhores condições de vida aos trabalhadores, na busca de uma sociedade mais justa, visando uma existência compatível com a dignidade humana.
3.2.2 Convenção 98 da OIT Sobre o Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva, 1949 A Convenção 98 foi adotada um ano após a Convenção 87, com a finalidade de garantir a liberdade e independência dos sindicatos, ponto essencial para a OIT. A C. 98 veio complementar a C. 87, que não alcançava todos os aspectos da independência sindical, posto que a primeira objetiva a garantia da liberdade sindical diante das autoridades públicas. A C. 98 foi além, protegendo os direitos sindicais frente aos empregadores e as suas organizações e vice-versa, assegurando que não haja intromissão tendo como aspectos centrais a preocupação com a proteção dos trabalhadores em relação ao exercício do direito de sindicalização; a proteção das organizações de trabalhadores e empregadores contra atos de ingerência de umas nas outras, na sua constituição, funcionamento e administração; e a utilização da negociação coletiva voluntária, como forma de regulação das relações de trabalho e condições de emprego, mediante acordos coletivos. Este instrumento foi ratificado pelo Brasil em 18 de novembro de 195293.
93
. Entrou em vigor no Brasil, após ter sido aprovada pelo Decreto Legislativo n° 49/1952 e promulgada pelo Decreto n° 33/196/1953. SÜSSEKIND, Arnaldo, Convenções da OIT, São Paulo: LTr, 1994, p.204.
63
Salienta Bernard Gernigon94 que, na mesma linha concebida pela Convenção 87, a C. 98 busca "reconhecer e proteger de uma vez o direito individual do trabalhador, através da proteção frente aos atos de discriminação contra os sindicatos e os direitos coletivos das organizações de empregadores e de trabalhadores, com a proteção contra as ingerências e fomento da organização coletiva". O artigo 1° aborda a proteção frente aos atos de discriminação contra os sindicatos, indicando que os trabalhadores devem gozar de proteção garantindo a existência da liberdade sindical. Para tanto se faz necessário, que se resguarde a relação de emprego, não permitindo que os postos de trabalho estejam ameaçados através da utilização de mecanismos que sujeitem as contratações ou demissões, em razão da filiação ou não em sindicato ou da participação em atividades sindicais. Em especial, deve ser resguardada a relação de emprego dos sindicalistas e representantes das entidades obreiras, preservando os seus mandatos, protagonistas que são na defesa dos interesses dos trabalhadores e da autonomia sindical. Artigo 1°- 1. Os trabalhadores gozarão de adequada proteção contra atos de discriminação com relação a seu emprego. 2. Essa proteção aplicar-se-á especialmente a atos que visem: a) sujeitar o emprego de um trabalhador à condição de que não se filie a um sindicato ou deixe de ser membro de um sindicato; b) causar a demissão de um trabalhador ou prejudicá-lo de outra maneira por sua filiação a um sindicato ou por sua participação em atividades sindicais fora das horas 95 de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante o horário de trabalho.
94
. GERNIGON, Bernard. OIT. La Negociación Coletiva: un principio fundamental, un derecho, un convenio. Educación Obrera, números 114/115. In El convenio núm. 98 de la OIT: un instrumento que sigue siendo de actualidad cincuenta años después de su adopción, p. 19. 95
Há também a ingerência das empresas, que através do processo de pressão e constrangimento, afrontam o espírito desta Convenção, fazendo que os trabalhadores não votem nas eleições, não participem das assembléias ou mesmo deixem de se filiar não participando da vida do
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O artigo 2 foi concebido para proteção das organizações de trabalhadores e empregadores contra atos de ingerência, e indica alguns exemplos de intromissão e ingerência que devem ser condenados, esta preocupação tem como foco a proteção da liberdade de exercício dos direitos que foram outorgados. Artigo 2° - 1. As organizações de trabalhadores e de empregadores gozarão de adequada proteção contra atos de ingerência de umas nas outras, ou por agentes de umas nas outras, na sua constituição, funcionamento e administração. 2. Serão principalmente considerados atos de ingerência, nos termos deste Artigo, promover a constituição de organizações de trabalhadores dominadas por organizações de empregadores ou manter organizações de trabalhadores com recursos financeiros ou de outra espécie, com o objetivo de sujeitar essas organizações ao controle de empregadores ou de organizações de empregadores.
Bernard Gernigon aduz que o Comitê de Liberdade Sindical da OIT96, tem recebido Queixas e Reclamações, a partir de ações ou outras manifestações, que atentam contra a proteção das organizações, exemplificando como a existência de dois comitês de direção em um sindicato, um deles manipulado pelo empregador; a presença de um sindicato paralelo constituído por pressão da direção empresarial; a demissão de dirigentes sindicais contrários ao sindicato estabelecido que favoreçam a constituição de outra organização sindical; a dupla função de um membro do governo que ao mesmo tempo seja dirigente de uma organização de funcionários, etc.
As violações, porém, não se esgotam no disposto no referido artigo, mas são tema
seu sindicato. Como fundamenta Uriarte, "... um determinado ato, prática ou atitude pode ser considerado anti-sindical somente pelos seus efeitos, independentemente do dolo ou intenção que tenha tido o agente[ ..]", ob. cit. p. 36. 96
"[...] Como fruto de negociações e acordos entre o Conselho de Administração da OIT e o Conselho de Econômico e Social das Nações Unidas, foi criado, em 1950-1951, procedimento especial para proteção da liberdade sindical, que complementa os procedimentos gerais de controle de aplicação das normas da OIT e está a cargo de dois órgãos: a Comissão de Investigação e Conciliação em Matéria de Liberdade Sindical e o Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT. Esse procedimento especial permite que os governos ou organizações de trabalhadores e de empregadores apresentem queixas contra Estados, por violações dos direitos sindicais (sejam estes Estados membros da OIT ou membros das Nações Unidas que não o sejam da OIT), e pode ser acionado mesmo quando convenções sobre liberdade sindical e negociações coletivas não tenham sido ratificadas". OIT. A Liberdade Sindical. Recompilação de Decisões e Princípios do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT. Genebra. 1987, p. 1/2.
65
de apreciação e análise, através de procedimento instruído junto ao Comitê, que tem como finalidade "promover o respeito dos direitos sindicais de jure e de facto"97.
As Recomendações n° 135 e 14398 vieram complementar a Convenção 98, estabelecendo garantias e prerrogativas para que a liberdade sindical se concretize, tentando assim impedir as práticas desleais, anti-sindicais que são elementos que a Convenção 98 tenta inibir, para a existência efetiva e a vigência real da ação sindical. Oscar Ermida Uriarte99 destaca que, para evitar os atos ou práticas antisindicais100, se fazem necessárias medidas que possam impedir, reparar ou sancionar atos que tragam prejuízos indevidos ao trabalhador e suas organizações no que concerne a atividade sindical ou que decorre desta, bem como as que venham a negar sem justificativa as prerrogativas fundamentais e as condições para o desenvolvimento da ação sindical. A Convenção 98, em seu artigo 3°, registrou que, se necessário, os Estados deveriam criar normas para garantir o respeito à sindicalização101.
97
Verbete 4. A Liberdade Sindical. Recompilação de Decisões e Princípios do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT. Genebra. 1997, p. 8. 98
A Recomendação 143 foi adotada com o intuito de propiciar proteção e facilidades aos representantes dos trabalhadores nas empresas, em seu capítulo III, estão inseridas garantias de ação sindical, como acesso dos representantes sindicais aos locais de trabalho, à gerência da empresa e a representantes da gerência com poder de decisões, para cobrar as taxas sindicais nas dependências da empresa, concessão de autorização para afixar cartazes, distribuição de notícias, folhetos, publicações, documentos e avisos. 99
ERMIDA URIARTE, Oscar. A proteção contra atos anti-sindicais. São Paulo: LTr,
1989, p.17. 100
Oscar Ermida Uriarte, na obra citada, p. 40, indica ser fundamental assegurar as prerrogativas e garantias complementares da atividade sindical elencadas na Recomendação 143, como elemento essencial para alcançá-la. 101
O legislador constituinte consagrou no artigo 8° e seus incisos da CF, condições para assegurar a livre associação profissional ou sindical. A Consolidação das Leis do Trabalho também estabelece garantias, como o da inamovibilidade do dirigente sindical (art. 543); repasse das contribuições dos empregados aos sindicatos, quando por ele autorizados (art. 545).
66
Artigo 3° - Mecanismos apropriados às condições nacionais serão criados, se necessário, para assegurar o respeito do direito de sindicalização definido nos artigos anteriores.
A negociação coletiva é reconhecida como uma das mais importantes formas de resolução dos conflitos na sociedade moderna, tendo destaque em relação à solução dos que decorrem dos conflitos coletivos, especialmente os de natureza trabalhista, que permitem e potencializam a regulação das relações de trabalho e condições de emprego, mediante acordos normativos, através do processo de negociação voluntária. A Convenção 98 busca que os Estados adotem medidas que promovam a negociação voluntária, permitindo que as partes, através da autocomposição dos conflitos sem a intervenção de agentes externos, possam chegar à solução das controvérsias. 102
Artigo 4 ° - Medidas apropriadas às condições nacionais serão tomadas, se necessário, para estimular e promover o pleno desenvolvimento e utilização de mecanismos de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, mediante acordos coletivos, termos e condições de emprego.
3.2.3 CONVENÇÃO 87 DA OIT As Convenções 87 e a 98 complementam-se. A primeira teve sua aprovação a partir da preocupação de que "o reconhecimento do princípio de liberdade sindical constitui um meio de melhorar as condições de trabalho e de promover a paz" e "a liberdade de expressão e de associação é condição essencial para a continuidade do
102
A Constituição Federal assegura no art. 7°, inciso XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; o artigo 8° prevê em seu inciso III - ao sindicato cabe defesa dos direitos e interesses coletivos ...; já no inciso VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho. Na CLT, em seu Título VI, das Convenções Coletivas de Trabalho, estão previstas, asseguradas e reguladas as condições para se garantir o processo negocial. Em frustradas as negociações coletivas, prevalece a possibilidade do previsto na CF em seu artigo 114 e parágrafos, que prevêem a arbitragem com a indicação pelas partes, ou a instauração de dissídio coletivo, cabendo à Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições de trabalho.
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progresso". Esta Convenção já recebeu especial análise no termo de referência sobre liberdade sindical, porém devemos ressaltar um ponto, que se refere ao direito de greve, aspecto este de fundamental importância na solução dos conflitos coletivos. O direito de greve é reconhecido na Convenção 87, não de forma textual, mas através da interpretação dada pelo Comitê de Liberdade Sindical da OIT, como um dos instrumentos essenciais de que dispõem os trabalhadores e suas organizações para promover e defender seus interesses econômicos e sociais. Entende, ainda, que as manifestações não podem sofrer limitações, salvo na hipótese de que elas deixem de ser pacíficas, entendimento este, que pode ser estendido em relação aos piquetes; e que as modalidades do direito de greve, conforme sustentado em várias ocasiões , podem ser "[...] greve de braços cruzados, as greves de zelo, o trabalho em ritmo lento ou a ocupação da empresa ou do local de trabalho[...]".103 Uma corrente expressiva e importante de juristas entende que o "único limite verdadeiramente plausível ao exercício do direito de greve é o da manutenção dos serviços essenciais".104 Segundo o Comitê, o direito de greve está concebido no artigo 3, da Convenção 87, ao dispor que "as organizações de trabalhadores têm o direito de organizar suas atividades e de formular seu programa de ação".105 O Comitê de Liberdade Sindical, assim, decidiu: O Comitê tem sempre considerado que o direito de greve é um dos direitos fundamentais dos trabalhadores e suas organizações, mas só na medida em que
103
ODERO, Alberto, GERNIGON, Bernard, GUIDO, Horácio, URIARTE, Oscar Ermida A greve: o direito e a flexibilidade. Oficina Internacional do Trabalho. Secretaria Internacional do Trabalho. Brasília. 2002, p. 108. 104
105
Ob. cit., p. 109
GRAVEL, Eric, DUPLESSIS, Isabelle, GERNIGON, Bernard. "El Comité de Libertdad Sindical: impacto desde su creación. OIT.Ginebra, 201, pp. 44-45.
68
106
constitui meio de defesa de seus interesses econômicos.
O Comitê tem sempre reconhecido o direito de greve como um direito legítimo a que podem recorrer os trabalhadores e suas organizações na defesa de seus interesses econômicos e sociais.107 O direito de greve dos trabalhadores e de suas organizações constitui um dos meios 108 essenciais de que dispõem para promover e defender seus interesses profissionais. Não parece que o fato de se reservar exclusivamente às organizações sindicais o direito de declarar greve seja incompatível com as normas estabelecidas na Convenção n° 87. Mas é preciso que os trabalhadores, e particularmente seus dirigentes nas empresas, sejam protegidos contra eventuais atos de discriminação em conseqüência de uma greve realizada, e que possam constituir sindicatos sem serem vítimas de práticas anti109 sindicais.
Saliente-se que o aspecto central desta Convenção está na garantia de autonomia dos sindicatos frente ao Estado, propiciando garantias a sua livre organização e permitindo a participação em todos os níveis.
3.2.4 Declaração da OIT Relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho Esta Declaração, em seu arrazoado aduz que "o crescimento deve ser acompanhado, por um mínimo de regras de funcionamento social fundadas em valores comuns, em virtude dos quais os próprios interessados tenham a possibilidade de reivindicar uma participação justa nas riquezas que tenham contribuído na construção".110
106
Verbete 473. A Liberdade Sindical. Recompilação de Decisões e Princípios do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT. Genebra. 1997, p. 110. 107
Verbete 474, ob. cit., p. 110
108
Verbete 475, ob. cit., p. 110
109
Verbete 477, ob. cit., p. 110
110
Declaración de la OIT relativa a los principios y derechos fundamentales en el trabajo y su seguimiento. Presentación. OIT. 1a Ed. Suiza, 1998.
69
As Convenções Fundamentais111 da OIT são assim entendidas pelo Conselho de Administração, em relação às demais, pois se constituem em direitos essenciais “independentemente do nível de desenvolvimento de cada Estado Membro. Estes direitos se antepõem aos demais porque proporcionam os instrumentos necessários para lutar livremente pela melhora das condições de trabalho individuais e coletivos”.112 Esta Declaração estabeleceu que todos os membros, independentemente de terem ou não ratificado as convenções fundamentais, pelo simples fato de pertencerem à Organização, deverão respeitar, promover e buscar a implementação na esfera interna das mesmas, de acordo com a Constituição, e com os princípios relativos aos direitos fundamentais. Assim, os Estados-Membros estão obrigados a cumprirem com os princípios inseridos nos Convênios fundamentais da OIT. Porém, em seu ponto de n° 5,
"sublinha que as normas do trabalho não deveriam utilizar-se com fins
comerciais protecionistas e que nada na presente Declaração e seu seguimento poderá invocar-se nem utilizar-se de outro modo com esses fins; ademais, não deveria de modo algum colocar em questão a vantagem comparativa de qualquer país sobre a base da presente Declaração e seu seguimento".113
111
Resguardam os direitos entendidos como fundamentais que são objetos dessas
convenções: a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; c) a abolição do trabalho infantil; e d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação. 112
OIT – “¿Qué son las normas internacionales del trabajo? Convenios fundamentales de la OIT". http: //www.ilo.org/public/spanish/standards/norm. p. 1 113
OIT. Princípios e direitos fundamentais da OIT. Declaração de normas da OIT. Brasília. OIT/ACTRAV. 2000, p. 8.
70
3.2.5 Outros instrumentos da OIT importantes sobre Negociação Coletiva A Convenção 98 é complementada ainda pela de n° 154 (que trata sobre a promoção da negociação coletiva), a de n°151 (sobre o direito de sindicalização e de negociação dos servidores públicos), a Recomendação sobre negociação coletiva, de 1981 (n° 163); Recomendação sobre contratos coletivos, de 1951 (n° 91), Recomendação sobre conciliação e arbitragens voluntários, de 1951 (n° 92), Recomendação sobre colaboração no âmbito da empresa, de 1952 (n° 94) e Recomendação sobre consulta e colaboração nos ramos de atividade econômica e âmbito nacional, de 1960 (n° 113) . A seguir destaque para os instrumentos, que merecem especial atenção:
3.2.5.1 Convenção 154 - Negociação Coletiva, 1981 A aplicação da Convenção 154114 busca implementar os objetivos e princípios estabelecidos no artigo 4° da Convenção sobre o Direito de Sindicalização e a Negociação coletiva, dispondo que sua extensão e sua aplicação alcancem todos os ramos de atividade econômica. O artigo 2° define que o "[...]termo negociação coletiva compreende todas as negociações que se realizam entre um empregador, um grupo de empregadores ou uma ou mais organizações de empregadores de um lado, e uma ou mais organizações de trabalhadores de outro, para: a) definir condições de trabalho e termos de emprego; e ou b) regular as relações entre empregadores e trabalhadores; e ou c) regular as relações entre empregadores ou suas organizações e uma organização de trabalhadores ou organizações de trabalhadores". Nos termos definidos na Convenção, a negociação coletiva poderá estenderse aos representantes de trabalhadores, onde a lei ou a prática nacional reconheça a sua
114
Aprovada pelo Decreto Legislativo n°22, de 12.5.92, do Congresso Nacional; ratificada em 10.7.92; promulgada pelo Decreto n. 1256, de 29.9.94.
71
existência (cf. art. 3°, alínea b, da Convenção sobre Representante dos Trabalhadores, de 1971). Merecem especial atenção, as questões que envolvam as negociações patrocinadas pelos "representantes dos trabalhadores na empresa", para que não haja concorrência ou prejuízo da representação sindical, tendo o artigo 5° da Convenção 135, assim disposto: Quando houver, na mesma empresa , representantes sindicais e representantes eleitos, medidas apropriadas serão tomadas, quando necessário, para assegurar que a existência de representantes eleitos não seja utilizada para enfraquecer a posição dos sindicatos envolvidos ou de seus representantes, e para estimular a cooperação em todos os assuntos relevantes entre os representantes eleitos e os sindicatos interessados e seus representantes.
Sobre o assunto, assim decidiu o Comitê de Liberdade Sindical: Na Convenção n° 135, de 1971, sobre os representantes dos trabalhadores, e na Convenção n° 154, de 1981, sobre a negociação coletiva, figuram disposições expressas para garantir que, numa mesma empresa, quando haja sindicatos e representantes eleitos pelos trabalhadores, se adotem as devidas medidas para garantir que a existência de representantes eleitos não seja utilizada em detrimento da posição 115 dos sindicatos interessados.
A promoção à negociação coletiva está inserida, na Convenção 154, em artigo 5°, item 2, assim concebido: a) a negociação coletiva deve estar ao alcance de todos os empregadores e de todos os 116 grupos de trabalhadores nos ramos de atividade cobertos por esta Convenção;
115
Verbete 951. A Liberdade Sindical. Recompilação de Decisões e Princípios do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT. Genebra. 1997, p. 209. 116
No ordenamento jurídico brasileiro é obrigação nos termos da CF, que a negociação coletiva sejarealizada pelas entidades sindicais; há previsão legal de que os trabalhadores possam realizar negociações na hipótese prevista do artigo 617 da CLT, quando as entidades sindicais não exercitarem à titularidade; ou em relação a discussão de participação dos trabalhadores nos lucros e resultados da empresa (Lei n. 10101, de 19 de dezembro de 2000), que em seu artigo 2, inciso I, dispôs: "comissão escolhida pelas partes, integrada também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria", ou seja não excluiu a participação da entidade sindical, apesar de minimizar o seu papel; no inciso II, indica que esta prerrogativa pode ser exercida pelas entidades sindicais através da realização de convenção ou acordo coletivo.
72
b) a negociação coletiva deve ser progressivamente estendida a todas as matérias cobertas pelas alíneas a), b) e c) do Artigo 2° desta Convenção; 117
c) o estabelecimento de normas de procedimento , acordadas entre organizações de empregadores e de trabalhadores, deve ser estimulado; d) a negociação coletiva não deve ser prejudicada por falta de normas que rejam o procedimento a ser usado ou pela inadequação ou impropriedade dessas normas; e) órgão e procedimentos para a solução de disputas trabalhistas devem ser concebidos para contribuir para a promoção da negociação coletiva.
Também os artigos 6° a 8°118 tiveram a preocupação de que os mecanismos adotados fomentassem a negociação coletiva: Art. 6. - As disposições da presente Convenção não criarão obstáculos para o funcionamento de sistemas de relações de trabalho em que a negociação coletiva se realize no âmbito de mecanismos ou de instituições de conciliação ou de arbitragem, ou de ambos, ao mesmo tempo, nos quais participem voluntariamente as partes na negociação coletiva. Art.7° - As medidas adotadas pelas autoridades públicas, para estimular e fomentar o desenvolvimento da negociação, deverão ser objeto de consultas prévias; e quando possível, de acordos entre as autoridades públicas e as organizações de empregadores e de trabalhadores. Art. 8° - As medidas previstas com o objetivo de fomentar a negociação coletiva não deverão ser concebidas ou aplicadas de modo a dificultar a liberdade de negociação coletiva.
3.2.5.2 Convenção 151 - Proteção do Direito de Sindicalização e Procedimentos para Definir as Condições de Emprego no Serviço Público - 1978
117
Os procedimentos a serem adotados, devem promover a negociação coletiva, possibilitando que as soluções ocorram diretamente através da via negocial, ou através de instituições de conciliação, mediação e/ou arbitragem. 118
1996, p. 325
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito do Trabalho e Democracia. São Paulo, LTr,
73
A Convenção 151 tem por finalidade que se adotem procedimentos com relação à liberdade sindical e às condições de emprego no serviço público, posto que a Convenção 98 não dá cobertura a certas categorias de empregados públicos e que a Recomendação sobre Representantes de Trabalhadores tem aplicação restrita, aplicando-se a representantes de trabalhadores nas empresas,
e a interpretação
restritiva em relação à Convenção 87 fez com que a Conferência Geral da OIT, aprovasse este instrumento. Os artigos 7° e 8° tratam, respectivamente, da negociação coletiva e da solução de conflitos nos seguintes termos: Art. 7° - Medidas apropriadas às condições nacionais serão tomadas, quando necessário, para incentivar e promover o pleno desenvolvimento e utilização de mecanismos de negociação de termos e condições de trabalho entre as autoridades públicas concernentes e organizações de servidores públicos, assim como de outros métodos que permitam aos representantes de servidores públicos participar da definição dessas matérias. Art. 8° - Será buscada, de acordo com as condições nacionais, por meio de negociação entre as partes ou de mecanismos independente e imparcial, como -mediação, conciliação e arbitragem, constituído de modo que assegure a confiança das partes envolvidas, a solução de conflitos que possam resultar da definição de termos e 119 condições de trabalho.
119
Princípios e direitos fundamentais da OIT. Declaração de normas da OIT. Brasília. OIT/ACTRAV. 2000, pp.37/38Princípios e direitos fundamentais da OIT. Declaração de normas da OIT. Brasília. OIT/ACTRAV. 2000, pp.45/46..
74
3.2.5.3 Recomendação - 163 - Promoção da Negociação Coletiva, 1981 A Recomendação120 163 foi aprovada no sentido de suplementar a Convenção sobre Negociação Coletiva, indicando que os países adotem medidas que promovam e estimulem a negociação voluntária, de organizações livres, independentes e representativas de trabalhadores e empregadores, em qualquer nível, inclusive o do estabelecimento, da empresa, do ramo de atividade, da indústria ou nos níveis regional ou nacional. A Recomendação destaca em seu artigo 1°, que a sua aplicação pode ser realizada "por leis ou regulamentos nacionais, por contratos coletivos, laudos arbitrais ou por qualquer outro modo compatível com a prática nacional". Pois diferentemente da Convenção, que constitui documento obrigacional, normativo e programático, em que os Estados aderem voluntariamente, a Recomendação, conforme ensina Maurício Godinho Delgado, "consiste em diploma programático expedido por ente internacional enunciando aperfeiçoamento normativo considerado relevante para ser incorporado pelos Estados".121 No art. 7°, recomenda que seja garantido acesso à informação necessária a negociações significativas:
120
O artigo 19 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho indica que a Recomendação é adotada nas Conferências, caso a questão tratada, ou parte dela, não possibilite naquele momento, à aprovação de uma Convenção. O item 6 do mesmo artigo aduz que a Recomendação não impõe obrigações aos Países-membros, "salvo a obrigação de submeter a recomendação à autoridade ou a autoridades competentes, em um prazo de um ano após encerramento da reunião da Conferência e a de informar, o Diretor Geral do Secretariado da Organização Internacional do Trabalho, com a freqüência que venha a fixar o Conselho de Administração, sobre a situação de sua legislação e a prática no que se refere aos assuntos tratados na recomendação, precisando em que medida foram postas ou se pretende pôr em execução suas disposições, e as modificações que se considere ou se possa considerar necessário fazer nessas disposições para adotálas ou aplicá-las" OIT. MTb. A Liberdade Sindical. Manual de Educação do Trabalhador. OIT. MTb. 1993, pp.123/124. 121
150.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTr, 2002, p.
75
"a) empregadores públicos e privados, a pedido de organizações de trabalhadores, devem por à sua disposição informações sobre a situação econômica e social da unidade negociadora e da empresa em geral, se necessárias para negociações significativas; no caso de vir a ser prejudicial à empresa a revelação de parte dessas informações, sua comunicação pode ser condicionada ao compromisso de que será tratada como confidencial na medida do necessário; a informação a ser posta à disposição pode ser acordada entre as partes da negociação coletiva; b) as autoridades públicas devem pôr à disposição, se necessário, informações sobre a situação econômica e social do país em geral e sobre o setor de atividade envolvido, na medida em que a revelação dessa informação não for prejudicial ao interesse 122 nacional".
3.2.6. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos123 foi ratificado pelo Brasil, em 24 de janeiro de 1992, junto com o dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O artigo 22 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos reconhece o direito de associação e sindicalização e de negociação coletiva,124 Em relação a este último aspecto ao dispor "inclusive o direito de constituir sindicatos e de a eles filiar-se,
122
Princípios e direitos fundamentais da OIT. Declaração de normas da OIT. Brasília. OIT/ACTRAV. 2000, pp.45/46. 123
Adotado em 16 de dezembro de 1966, pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), passou a vigorar em 23 de março de 1976. 124
Artigo 22 -1. Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de constituir sindicatos e de a eles filiar-se, para proteção de seus interesses. 2. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desses direitos por membro das forças armadas e da polícia. 3. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que os Estados-partes na Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que restrinjam - ou a aplicar a lei de maneira a restringir - as garantias previstas na referida Convenção.
76
para proteção de seus interesses", contempla a preocupação deste instrumento com a defesa dos interesses dos trabalhadores. Ocorre que o mesmo instrumento, possibilita restrições (conforme item 2 do mesmo artigo), aquelas fundadas no "interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas". Merece destaque, que os Pactos adotaram o cuidado de contemplar a prevalência do Convênio da OIT, no que se refere à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, não permitindo que se restrinjam as garantias previstas no documento da OIT. O Pacto Internacional relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais tem a sua centralidade nos direitos humanos fundamentais, que foram concebidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os Estados que aderem a estes Pactos estão obrigados a apresentar "relatórios sobre as medidas adotadas e os progressos realizados, a fim de assegurar o respeito aos direitos reconhecidos nos mesmos" (art. 16 do Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e art. 40 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos). Os aspectos que envolvem a liberdade sindical, direito de greve e a negociação coletiva estão contidos nos referidos Pactos, seguindo as diretrizes e princípios estabelecidos nas convenções e recomendações da OIT. O artigo 8° do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais125 preocupou-se em assegurar o
125
Artigo 8°. - 1. Os Estados-partes no presente Pacto se comprometem a garantir: a) o direito que tem toda pessoa de formar, com outras, sindicatos e de filiar-se ao sindicato de sua escolha, sujeitando-se unicamente às regras fixadas pela organização interessada, para promover e proteger seus interesses econômicos e sociais. O exercício deste direito não pode ser objeto senão das restrições previstas pela lei e que constituem medidas necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades de outrem; b) o direito que têm os sindicatos de formar federações ou confederações nacionais e o direito destas de formar organizações sindicais internacionais ou de a elas filiar-se; c) o direito que têm os sindicatos de exercer livremente sua atividade, sem outras limitações do que as previstas pela lei e que constituem medidas necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades de outrem; d) o direito de greve, exercido conforme as leis de cada país.
77
direito de sindicalização e o direito de greve. Foi assegurado, também, o direito de organização para que se pudesse promover e proteger interesses econômicos e sociais dos trabalhadores, o que se faz mediante o processo de negociação coletiva. Importante ressaltar, que o reconhecimento ao direito de greve se faz de maneira textual, o que não ocorre nas Convenções da OIT, que decorre da interpretação de normas pelo Comitê de Liberdade Sindical e da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT.126
3.2.7 Declaração Tripartite Sobre Empresas Multinacionais e Política Social A Declaração Tripartite dá ênfase especial à liberdade sindical, à negociação coletiva e ao respeito aos direitos humanos, a serem cumpridos pelas empresas multinacionais, como se vislumbra no item 8, que trata da Política Geral, destacando a importância de serem respeitados os seguintes instrumentos: "[ ....] A Declaração Universal dos Direitos do Homem e os pactos internacionais correspondentes adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas, assim como a Constituição da Organização Internacional do Trabalho e os seus princípios, segundo os quais a liberdade de expressão e de associação constituem uma condição essencial a um progresso contínuo".127 No item seguinte, ressalta a importância da adoção entre outras, das Convenções 87 e 98 da OIT; e dos itens 42 a 48 aborda aspectos a serem
2. O presente artigo não impede restrições legais ao exercício desses direitos pelos membros das forças armadas, da polícia ou da função pública. 3. Nenhuma disposição deste artigo permitirá aos Estados-partes na Convenção Internacional do Trabalho, sobre a liberdade sindical e a proteção de direito de sindicalização, adotar medidas legislativas que reduzam - ou aplicar a lei de maneira a reduzir - as garantias nessa Convenção. 126
A jurisprudência do Comitê de Liberdade Sindical e da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT interpreta as normas de uma maneira conjunta, mas acentua e dá mais peso a partir da interpretação do artigo 3° da Convenção 87. 127
Idem, p. 104.
78
cumpridos sobre a Liberdade sindical e direito de sindicalização (apreciado no outro termo de referência), dos itens 49 a 59, pontos que se relacionam com a negociação coletiva, consultas, exame de reclamações e solução de conflitos trabalhistas, indicando condições que entende ser essenciais: Negociação Coletiva 48. Os trabalhadores empregados pelas empresas multinacionais deverão ter o direito, em conformidade com a legislação e a prática nacionais, de obter o reconhecimento de organizações representativas, da sua própria escolha, para fins de negociação coletiva. 49. Deverão, se necessário, ser tomadas medidas apropriadas às condições nacionais, para encorajar e promover o maior desenvolvimento e utilização de processos de negociação voluntária entre os empregadores ou as suas organizações e as organizações de trabalhadores com vista a regulamentar as condições de trabalho 128 através das convenções coletivas . 50. As empresas multinacionais, tal como as empresas nacionais, deverão proporcionar aos representantes dos trabalhadores os meios necessários para ajudar a concluir 129 convenções coletivas eficazes . 51. As empresas multinacionais deverão fazer com que os representantes, devidamente autorizados dos trabalhadores por elas empregados possam, em todos os países onde essas empresas exerçam a sua atividade, conduzir negociações com os representantes da direção que estejam autorizados a tomar decisões sobre as questões em discussão. 52. Quando das negociações conduzidas de boa fé com os representantes dos trabalhadores sobre as condições de trabalho, ou quando os trabalhadores exercerem o seu direito de se organizar, as empresas multinacionais não deverão ameaçar recorrer à faculdade de transferir para fora do país a totalidade ou parte de uma unidade de exploração, com vista a exercer uma influência desleal sobre estas negociações, ou para criar obstáculos ao exercício do direito de organização; também não deverão deslocar trabalhadores das suas filiais em países estrangeiros para prejudicar as negociações de boa fé iniciadas com os representantes dos trabalhadores ou o exercício pelos trabalhadores do seu direito de se organizarem. 53. As convenções coletivas deverão conter disposições com vista à resolução dos conflitos que possam surgir da sua interpretação e aplicação e disposições que assegurem o respeito mútuo de direitos e responsabilidades.
128
Convenção n° 98, art° 4.
129
Convenção n° 135 relativa aos representantes dos trabalhadores, 1971.
79
54. As empresas multinacionais deverão fornecer aos representantes dos trabalhadores as informações necessárias a negociações construtivas com a entidade em causa e, quando isso for conforme com a legislação e práticas locais, deverão igualmente fornecer informações de molde a permitir-lhes fazer uma idéia exata e correta da atividade e dos resultados da unidade ou, se for caso disso, da empresa em seu 130 conjunto . 55. Os governos deverão fornecer aos representantes das organizações de trabalhadores, a seu pedido e na medida em que a legislação e a prática o permitam, informações sobre os ramos em que a empresa opera e que lhes possam ser úteis para definirem critérios objetivos no quadro da negociação coletiva. Neste aspecto, tanto as empresas multinacionais como as empresas nacionais deverão responder construtivamente aos Governos que lhes peçam informações pertinentes sobre as suas atividades. Consulta 56. Nas empresas tanto multinacionais como nacionais, sistemas elaborados de comum acordo pelos empregadores, trabalhadores e seus representantes deverão prever, em conformidade com a legislação e práticas nacionais, consultas regulares sobre questões 131 de interesse mútuo. Estas consultas não deverão substituir as negociações coletivas . Exame das reclamações 57. As empresas multinacionais, assim como as empresas nacionais, deverão respeitar o direito dos trabalhadores que emprega de submeter à apreciação todas as suas reclamações em conformidade com as disposições seguintes: todo e qualquer trabalhador que, agindo individualmente ou conjuntamente com outros trabalhadores, considerar ter motivos de reclamação, deverão ter o direito de apresentar essa reclamação sem por esse fato sofrer qualquer prejuízo e de submeter à apreciação essa 132 reclamação por meio de um processo apropriado . Isso é particularmente importante quando as empresas multinacionais operarem em países que não observem os princípios das convenções da OIT relativas à liberdade sindical, ao direito de 133 organização e de negociação coletiva e ao trabalho forçado .
130
Recomendação (n° 129) relativa às comunicações na empresa, 1967.
131
Recomendação (n° 94) relativa à colaboração no plano da empresa, 1952; Recomendação (n° 129) relativa às comunicações na empresa, 1967; 132
133
Recomendação (n° 130) relativa ao exame das reclamações, 1967.
Convenção (n° 29), relativa ao trabalho forçado, 1930; Convenção (n° 105), relativa à abolição do trabalho forçado, 1957; Recomendação (n° 35), relativa à coação indireta ao trabalho, 1930).
80
Resolução de conflitos de trabalho 58. As empresas multinacionais, assim como as empresas nacionais, deverão concertadamente com os representantes e as organizações dos trabalhadores que empregam, esforçar-se por instituir um mecanismo de conciliação voluntária e, adaptado às circunstâncias nacionais, que poderá incluir disposições relativas à arbitragem voluntária, a fim de contribuir para evitar e solucionar conflitos de trabalho 134 entre empregadores e trabalhadores. Este sistema de conciliação voluntária deverá 135 implicar a igualdade de representação dos empregadores e dos trabalhadores.
3.2.8 Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais Em relação ao seu conteúdo, no que concerne aos aspectos referentes à negociação coletiva, as Diretrizes possuem grande identidade com os instrumentos anteriores. O processo de revisão das diretrizes, ocorrido a partir de 1998, permitiu que as Diretrizes "se tornassem mais relevantes e úteis", tendo pela "primeira vez uma abertura para que sejam usadas com relação a abusos na cadeia produtiva", e o acréscimo dos direitos fundamentais: "liberdade de associação, negociação coletiva, abolição do trabalho infantil e forçado e afirmação da não discriminação no emprego"136. No que concerne aos aspectos pertinentes à negociação coletiva, as Diretrizes enunciam compromissos essenciais, como o previsto no capítulo III, Divulgação, em seu tópico 2 e subseqüentes, com o seguinte conteúdo "2. As empresas deverão aplicar normas exigentes e padrões elevados no que concerne à divulgação de informações, à contabilidade e à revisão de contas [...] incluindo se for o caso
134
Recomendação (n°92) relativa à conciliação e arbitragem voluntárias, 1951.
135
OIT. Direito Sindical da OIT: Normas e Procedimentos. Genebra, Repartição Internacional do Trabalho, 1998, pp. 106/108.
136
TUAC. Guia do Usuário. Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais. Florianópolis, pp. 3/4
81
relatórios sobre matérias ambientais e sociais[ ...]"137.
No ponto 4, assim está
disposto "As empresas deverão igualmente divulgar informação relevante sobre: a) resultados financeiros e operacionais da empresa; b) objetivos da empresa; c) acionistas majoritários e direitos de voto; d) membros do conselho de administração e principais diretores, assim como a respectiva remuneração; e) fatores de riscos relevantes e previsíveis; f) questões de relevo concernentes aos trabalhadores e a outros agentes envolvidos na vida da empresa; g) estruturas e políticas de gestão da empresa."138 O ponto 5, do capítulo III, continua abordando o acesso a informações, que se constitui em um dos aspectos fundamentais para a negociação coletiva, pois sem dados e elementos que possibilitem a discussão, o movimento sindical fica prejudicado em sua relação para a construção de direitos e normas negociadas livremente, tendo a seguinte redação: a) As empresas são encorajadas a fornecer informações suplementares, entre as quais: declarações dirigidas ao público enunciando princípios ou regras de conduta, incluindo informações sobre política social, ética e ambiental da empresa e outros códigos de conduta por ela subscritos[ ...]; b) informações sobre sistemas de gestão de risco e métodos de cumprimento das leis, bem como sobre as declarações de princípios ou códigos de conduta; c) informações sobre relacionamento com trabalhadores e outros agentes envolvidos na 139 vida da empresa.
137
Idem, p. 17.
138
Idem, p. 18.
139
Idem, p. 18.
82
No capítulo IV - emprego e relações empresariais, além dos aspectos já enfocados no termo de referência sobre liberdade sindical, merece destaque vários aspectos que se referem à negociação coletiva e sua potencialização, como exposto no ponto 2, em seus itens: a) proporcionar, aos representantes dos trabalhadores, os meios necessários à elaboração de acordos coletivos de trabalho efetivos; b) proporcionar, aos representantes dos trabalhadores, as informações que se afigurem necessárias à condução de negociações construtivas sobre condições de trabalho; c) promover consultas e cooperação entre a entidade patronal e os trabalhadores e seus 140 representados, sobre matérias de interesse mútuo.
Uma vez mais, o direito à informação é resguardado no ponto 3, estando assim contemplado: "Fornecer informações aos trabalhadores e seus representantes que lhes permitam ter uma idéia exata e correta sobre a atividade e resultados da entidade ou, onde apropriado, da empresa como um todo".141 O documento abarca preocupações em relação à preservação da qualidade das condições de trabalho, como expresso no capítulo III, ponto 5, nos itens: a) Respeitar padrões, em matéria de emprego e de relações empresariais, não menos favoráveis do que os observados por empresas da mesma dimensão e setor, no país de acolhimento; b) tomar as medidas necessárias para assegurar saúde e segurança no desempenho das 142 respectivas atividades.
As Diretrizes constituem-se em um instrumento importante para as entidades sindicais, em relação ao acesso às informações que podem instrumentalizar o processo
140
Idem, p. 18.
141
Idem, p. 18.
142
Idem, p. 18.
83
de negociação coletiva e o respeito a esta, aspecto este ressaltado neste mesmo capítulo, conforme pode ser constatado no itens 6, 7 e 8 a seguir: 6. Fornecer aos representantes dos trabalhadores e, quando apropriado, às autoridades públicas competentes com a devida antecedência, todas as informações que digam respeito à previsível introdução de alterações na atividade da empresa, suscetíveis de afetar, de modo significativo, os modos de vida dos trabalhadores, em especial, no caso de fechamento de unidades que impliquem demissões coletivas, cooperar com esses representantes e com as autoridades, no sentido de mitigar tanto quanto possível os efeitos adversos das medidas em causa; dependendo das circunstâncias específicas de cada caso e na medida do possível, fornecer tais informações antes mesmo de ser tomada a decisão final; poderão ser ainda empregados outros meios, para proporcionar uma cooperação construtiva com vistas a atenuar, substancialmente, os efeitos de tais decisões; 7. Não influenciar, de modo desleal, negociações conduzidas de boa fé com representantes dos trabalhadores sobre as condições de trabalho ou não prejudicar o exercício do direito de associação dos trabalhadores, por meio de ameaças de transferência total ou parcial, para fora do país, de unidades de produção ou de transferência de trabalhadores, oriundos de entidades pertencentes à empresa localizada em outro país. 8. Permitir, aos representantes autorizados dos trabalhadores, a condução de negociações relativas a acordos coletivos de trabalho ou a relação entre trabalhadores e empregadores, permitindo às partes realizar consultas sobre matérias de interesse comum, junto dos 143 representantes patronais capacitados para tomar decisões sobre essas matérias.
3.2.9 Global Compact O Global Compact, apresentado em 1999, pelo secretário-geral Kofi Annan, programa constituído no âmbito das Nações Unidas, procura a adoção de dez princípios básicos por parte das empresas multinacionais, que tratam dos temas de direitos humanos, meio ambiente, corrupção e direitos trabalhistas. Sendo que, quatro dos princípios estabelecidos estão dirigidos à garantia dos direitos trabalhistas. Este compromisso da comunidade empresarial internacional seria, mediante processo de adesão voluntária, com a adoção de uma agenda que trata de direitos
143
TUAC. Guia do Usuário. Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais. Observatório Social Florianópolis, pp. 18/19.
84
humanos, do trabalho e do meio ambiente, os quais tem sua gênese na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e nos Princípios da Rio 92, sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Entre os princípios propostos, alguns se referem diretamente ao trabalho e o terceiro princípio foi, assim, redigido: "As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento do direito à negociação coletiva", resgatando e destacando o compromisso com estes dois aspectos essenciais para o cumprimento dos direitos humanos. O Global Compact pretende constituir-se como uma plataforma mínima a ser perseguida em âmbito mundial por parte das empresas, na busca de disseminar práticas empresariais humanas, amparada em princípios universalmente aceitos.
3.2.10 Responsabilidade Social Corporativa, Códigos de Conduta e Acordos Marco Internacionais As Empresas em tempo de globalização buscam uma boa imagem (com finalidades comerciais) e para tanto, às vezes, adotam procedimentos que repercutem positivamente nas relações de trabalho. A propagação da idéia de Responsabilidade Social Empresarial é uma destas faces. Entre as iniciativas interessantes que merecem registro está a desenvolvida pelo Instituto Ethos. Nos indicadores trabalhados pelo Instituto, destaca-se “o diálogo e participação” dos representantes das empresas e os respectivos sindicatos, através de reuniões periódicas, tendo como referentes "a liberdade de representação dos trabalhadores nos locais de trabalho", "acesso as informações sobre condições de trabalho, dados financeiros e relativos a objetivos estratégicos" e a "negociação coletiva"144.
144
Indicadores Ethos de Responsabiliadade Social Empresarial. Instituto Ethos, 2002, p.12
85
Os Acordos Marco Internacionais (AMI) são instrumentos negociados entre empresas transnacionais e sindicatos ou organizações de trabalhadores com representação mundial, onde normalmente são contemplados os direitos fundamentais dos trabalhadores, concebidos pela OIT, para fazer valer no âmbito da empresa e em todos os seus estabelecimentos. São acordos que ultrapassam as fronteiras nacionais, para aplicação nos países em que atuam as empresas signatárias dos mesmos. Os AMI passaram a ser a opção adotada pelas Federações Sindicais Internacionais para substituir os “Códigos de Conduta”, posto que estes, normalmente, traziam o inconveniente de serem iniciativas unilaterais das empresas, muitas vezes não trazendo nenhum tipo de benefício aos trabalhadores. Segundo entidades sindicais internacionais, como a FITIM (Federação Internacional de Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas), o AMI tem como vantagem em relação ao Código de Conduta, entre outros aspectos, os seguintes: a) são reconhecidos os direitos fundamentais defendidos pela OIT, o que, necessariamente, não ocorre nos códigos; b) os sindicatos atuam para garantir a aplicação e seu cumprimento, sendo que nos códigos a supervisão ocorre por parte da empresa; c) há uma firme base para o diálogo entre as partes, sendo que, em relação ao código, este ponto é débil entre sindicatos e empresas.
3.3 REFERÊNCIAS NACIONAIS
3.3.1 Constituição Federal A aprovação da Constituição Federal de 1988 promoveu mudanças em relação à organização sindical, possibilitando maior liberdade com o reconhecimento do direito de sindicalização dos servidores públicos, conforme disposto no artigo 37 da C.F.: a proibição de interferência e intervenção do Estado em relação às entidades
86
sindicais e consagrou o direito de greve, cf. artigo 9º145. Mas manteve a unicidade e o imposto sindical. Em relação à solução dos conflitos coletivos, a nova constituição trouxe inovações, como o estímulo à mediação e arbitragem, tentando o legislador constituinte avançar, para que os conflitos não fossem resolvidos através da jurisdição obrigatória, porém manteve a jurisdição dos tribunais trabalhistas, através do artigo 114 da C.F., que prevê o Poder Normativo para a solução de conflitos: Art. 114 – Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. Parágrafo 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. Parágrafo 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção do trabalho. Parágrafo 3º Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.
A Constituição Federal, em seu capítulo II – dos Direitos Sociais, artigo 7º146, inciso XXVI, faz expressa menção ao “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”; e o artigo 8º estabelece que “é livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
145
Artigo 9º - É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesse que devam por meio dele defender. Parágrafo 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Parágrafo 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. A Lei 7.783, de 28/6/1989 – Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. 146
Caput do art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
87
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesse coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; [...] VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.
O direito à estabilidade do dirigente sindical foi assegurado na Constituição Federal em seu art. 8°, inciso VIII, vedando a demissão dos dirigentes (titulares ou suplentes), salvo se incorrer em falta grave devidamente apurada, através de processo judicial (Inquérito para Apuração de Falta Grave). O reconhecimento à negociação coletiva para os trabalhadores é exclusividade das entidades sindicais no nosso sistema jurídico, não sendo assegurado às centrais sindicais tal prerrogativa.
3.3.2 Consolidação das Leis do Trabalho Com a Constituição de 1988, ganhou importância o processo negocial, como método de solução dos conflitos coletivos, em face da vontade do legislador de estimular a negociação coletiva. A negociação coletiva no Brasil enfrenta, porém, severas restrições, inibindo a possibilidade de contratação, como a que decorre do princípio da anualidade, onde as
88
negociações devem observar uma data-base147; a negociação limita-se à categoria, no âmbito quase que exclusivamente regional, sendo muito difícil negociações estaduais e nacionais. Está marcada pela intervenção da Justiça do Trabalho, através de seu poder normativo, previsto constitucionalmente desde 1946 (em seu art. 123, parágrafo 2°) e mantido nas Constituições que se seguiram (CF 1967, art. 142, parágrafo 1°) e na CF de 1988, em seu art. 114, parágrafo 2°. Todos os aspectos que caracterizavam o sistema corporativista foram mantidos na atual Constituição, como salienta Ives Gandra Martins Filho.148 A solução jurisdicional prevista na Constituição Federal pode ser definida como o poder que o ordenamento jurídico atribuiu aos Tribunais Trabalhistas, dotando-lhes a competência de criar normas aos membros de determinadas categorias profissionais, com efeito, erga omnes. O ordenamento jurídico, que regula as negociações coletivase a organização sindical, encontra-se em discussão no Brasil, através do projeto de Reforma Sindical debatido no âmbito do FORUM NACIONAL DO TRABALHO. Este processo conta com a participação das representações de trabalhadores, empregadores e do governo e tem construído alguns consensos que, em persistindo e se tornando Lei, produzirão profundas alterações na legislação vigente que trata destas matérias, inclusive na
147
Como observa SIQUEIRA NETO, “O princípio da anualidade contratual é caracterizado como data-base. A aplicação desse princípio nas relações coletivas significa que, obrigatoriamente, o empregador somente está obrigado uma vez por ano a fazer a contratação coletiva[...] A vinculação de uma só oportunidade contratual e mesmo assim iniciada com um mês de antecedência não possibilita abertura de espaços para a negociação fluir”. SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito do Trabalho & Democracia, p. 218. 148
. “... a matriz corporativista na qual teve sua origem o Poder Normativo da Justiça do Trabalho ainda continua nutrindo o sistema brasileiro de relações de trabalho, de vez que persiste o princípio da unicidade sindical (CF. art. 8°, II), com necessidade de registro no Ministério do Trabalho (CF. art. 8°, I e Instrução Normativa n. 5/91 do Mtb) garantia de recolhimento da contribuição sindical de toda a categoria (CF. art. 149) e submissão dos conflitos coletivos de trabalho à jurisdição dos tribunais trabalhistas (CF. art. 114)”. MARTINS FILHO, Ives Gandra. Processo Coletivo do Trabalho. p. 23.
89
Constituição Federal.
3.3.3 Formas de solução dos conflitos coletivos do trabalho Os conflitos podem ser divididos em individuais e coletivos. E os coletivos podem ser de natureza jurídica e de natureza econômica. Os conflitos individuais se caracterizam quando os sujeitos são pessoas singularmente consideradas, o empregado e o empregador e, nos conflitos coletivos, os sujeitos são grupos de pessoas representadas pelos sindicatos, indeterminadas e não individualizadas. O Sindicato age em nome de uma categoria, representando todos os seus membros149. As formas de solução dos conflitos coletivos podem ser voluntárias ou impositivas. A solução voluntária é aquela em que as partes chegam a um acordo, mediante negociação coletiva. Esta negociação pode ter sido realizada com ou sem greve, ter sido direta ou com a assistência de mediador para auxiliar na conciliação. Dela resultará uma Convenção ou Acordo Coletivo150, dependendo das partes envolvidas; se firmada entre sindicatos (federações e confederações que representam os trabalhadores e as empresas) denominar-se-á Convenção Coletiva; se firmada de um lado pelo sindicato profissional e do outro por empresa ou empresas denominar-seá Acordo Coletivo de Trabalho.
149
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Sindical, p. 257.
150
A Consolidação das Leis do Trabalho conceitua o que é acordo e convenção no art. 611 “Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho. Parágrafo 1° - É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos de Trabalho com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho”.
90
As soluções de natureza impositiva são aquelas que dependem da intervenção de um terceiro. O instrumento normativo não será fruto do pactuado livremente entre as partes, mas do que for decidido pela vontade deste terceiro. Podem ser classificadas em Arbitragem (facultativa ou obrigatória) e Jurisdição (decisão judicial normativa), conforme subdivisão adotada por Martins Filho151; que assim as distingue: “a arbitragem facultativa se distingue da obrigatória apenas sob o prisma da obrigatoriedade, ou não de se submeter a esse processo de solução do conflito coletivo, quando os demais fracassaram”. A arbitragem distingue-se da jurisdição, pelo fato de que as partes, em relação à arbitragem, têm liberdade de escolha, optando, para solucionar o conflito, por um julgador que tenha condições técnicas e esteja preparado para resolvê-lo. Na jurisdição este está previamente imposto. Raimundo Simão de Melo classifica a resolução dos conflitos da seguinte forma: a) autodefesa - através da greve e do lockout, em que as partes tentam impor pela força suas reivindicações e pontos de vista; b) autocomposição - consubstanciada na negociação coletiva, em que as partes, mediante concessões recíprocas, chegam a um acordo, quer voluntário, quer induzido através de conciliação ou mediação; e c)
heterocomposição
-
obtida
pela
intervenção
externa,
seja
voluntariamente aceita pelas partes, como na arbitragem, seja imposta coercitivamente como no caso da decisão judicial”.152
3.3.4 Da Arbitragem A arbitragem facultativa, apesar de prevista na Constituição Federal de 1988, tem sido pouco utilizada pelos atores sociais. Sendo ínfimo o número de
151
MARTINS FILHO, Ives Gandra. op. cit., p. 25.
152
Extraído da obra de MARTINS FILHO, Ives Gandra. op. cit., p. 24.
91
conflitos coletivos no Brasil, resolvidos via arbitragem eleita pelas partes, ao contrário de outros países.
3.3.5 Decisão judicial normativa Como destacado, a Justiça do Trabalho foi reconhecida e dotada de competência para apreciar e julgar tanto os dissídios individuais como os dissídios coletivos. Estes podem se subdividir em dissídios coletivos de natureza jurídica ou econômica. Os dissídios coletivos de natureza jurídica têm por finalidade interpretar uma norma já existente, devendo ser considerada não apenas as leis de iniciativa do poder Executivo (exemplo as Medidas Provisórias) e Legislativo (Constituição, Leis Ordinárias etc.) como também os contratos coletivos (acordos, convenções coletivas de trabalho) e outras decisões normativas. Os dissídios de natureza econômica buscam a criação de um direito novo. Ao exercerem tal ofício, julgando as ações coletivas de natureza econômica, os Tribunais criam, para todos os que pertencem às categorias interessadas no conflito, regras obrigatórias que modificam o direito anterior e estatuem, para o futuro, Direito Novo, conforme leciona Calamandrei153. O dissídio coletivo de greve é de natureza jurídica, pois o objetivo que se busca é a análise do exercício do direito de greve, a partir da interpretação da referida Lei que disciplina a matéria. O processo de resolução dos conflitos coletivos no Brasil está regulado pelos artigos 8º, inciso IV e 114, parágrafo 1º da Constituição Federal e, ainda, pelos dispositivos inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho em seus artigos 616, 856 a 875, pela Portaria 3097, de 17.05.88, que regulamentou a Mediação e pela Lei n.
153
ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes. Dissídio Coletivo, p. 28 e 39.
92
7.783 de 28.06.89 (Lei de Greve)154. A mediação se faz através das Delegacias Regionais do Trabalho, que buscará a conciliação entre as partes; malogradas as negociações ou ausente o suscitado, a parte interessada poderá instaurar o Dissídio Coletivo, ou buscar como caminho da arbitragem facultativa. Os aspectos que se referem ao direito de greve, foram abordados no termo de liberdade sindical. As convenções e acordos coletivos estão pautados pelos artigos 611 a 625 da Consolidação das Leis do Trabalho.
154
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito do Trabalho e Democracia. São Paulo, LTr, 1996, pp. 140/141
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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OIT. A Liberdade Sindical. Recompilação de Decisões e Princípios do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT. Genebra. 1987. OIT. Declaración de la OIT relativa a los principios y derechos fundamentales en el trabajo y su seguimiento. Presentación. OIT. 1a Ed. Suiza, 1998. OIT. Direito Sindical da OIT: Normas e Procedimentos. Genebra, Repartição Internacional do Trabalho, 1998. OIT. Direito Sindical da OIT: Normas e Procedimentos. Genebra, Repartição Internacional do Trabalho, 1998. OIT. MTb. A Liberdade Sindical. Manual de Educação do Trabalhador. OIT. MTb. 1993. OIT. Princípios e direitos fundamentais da OIT. Declaração de normas da OIT. Brasília. OIT/ACTRAV. 2000. SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito do Trabalho & Democracia. São Paulo, LTr, 1996. SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. São Paulo: LTr, 1994. TUAC. Guia do Usuário. Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais. Florianópolis, 2003.
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CAPÍTULO 4 - GENERO
Paola Cappellin Giuliani
Esta seção trata de duas convenções da OIT que afirmam a promoção da igualdade de tratamento entre homens e mulheres nos locais de trabalho: salário igual para trabalho de igual valor (convenção 100); a igualdade de oportunidades (convenção 111). A seção discorre sobre a posição da OIT sobre os direitos das mulheres, situa os direitos de igualdade salarial e de promoção de oportunidades historicamente e no contexto atual; apresenta as definições metodológicas disponíveis das convenções 100 e 111 da OIT; expõe a legislação brasileira que trata destes temas. Com isso, pretendese aprimorar o foco de análise graças aos diagnósticos disponíveis e orientar a construção de indicadores de pesquisa de empresa do Observatório Social.
4.1 A OIT E OS DIREITOS DAS MULHERES A OIT foi fundada logo após a Primeira Guerra Mundial, em 1919, com a meta de proporcionar a paz num contexto de justiça social. Sua original estrutura tripartite – representantes do governo, dos empregadores e dos trabalhadores – permite uma ampla gama de investimentos em favor dos direitos dos trabalhadores. Em sua constituição, em 1919, já foi incluído o respeito à igualdade de tratamento, afirmando que este “é de particular importância para orientar as regras que ditam, em cada país, o respeito de um tratamento econômico eqüitativo a todos os trabalhadores que residem legalmente”.155
155
Ver a seção II, artigo 41 da Constituição. WWW.ilo.org. Como texto de apoio, ver também “Igualdade de en el empleo y la ocupacíon”, OIT, Genebre, 1988, I edição.
96
Em 1938, a OIT adota uma resolução que convida todos os países membros a aplicar o princípio de igualdade de tratamento, renunciando a qualquer medida de exceção que possa estabelecer diferenças que prejudiquem os trabalhadores pela raça, ou por credo religioso, no acesso aos empregos públicos e privados. A preocupação em defesa da igualdade entre homens e mulheres, como princípio fundamental que norteia suas ações, programas e medidas internacionais, é reafirmada na declaração da 26a reunião de Filadélfia, em 1944 (EUA), quando são enunciados os fins e os objetivos da OIT.156 O empenho em perseguir esta meta tem alimentado a institucionalização de quatro convenções internacionais. Como primeira proposta, a igualdade de remuneração admite que a empresa e o emprego sejam os cenários básicos das mudanças. O texto redigido especificamente com essa finalidade é a Convenção número 100, que dispõe sobre a igualdade de remuneração entre homens e mulheres, elaborada em 1951. Em conjunto, foi redigida a Recomendação número 90.157 Nestes dois documentos, é definida a aplicação do princípio da igualdade de remuneração por trabalho de igual valor a todos os trabalhadores. Sua implementação deve constar nas legislações dos países signatários, em qualquer sistema reconhecido pela legislação, nos contratos coletivos entre empregadores e trabalhadores. O governo brasileiro
156
É importante lembrar que em 1944 a OIT/ILO define que a paz permanente, baseada na justiça social, se realiza reconhecendo que “Todos os seres humanos, sem distinção de raça, credo, sexo, têm o direito de perseguir seu bem-estar material e seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade e dignidade, de segurança econômica e em igualdade de oportunidades”. Mais ainda: “obter as condições que permitem chegar a este resultado deve constituir o propósito central da política nacional e internacional”. Em sua constituição, preocupa-se em “examinar e considerar, tendo em pauta este objetivo fundamental, todo programa ou medida internacional de caráter econômico e financeiro” (ver Constituição OIT/ILO www.ilo.org). 157
O status jurídico das Convenções difere das Recomendações. As primeiras são instrumentos legais que regulam os aspectos da administração trabalhista, benefício social e de direitos humanos. A ratificação de um governo nacional implica assim uma dupla obrigação por parte do Estado que assina: tanto um compromisso formal para aplicar as cláusulas da Convenção, como a disposição de aceitar medidas de fiscalização internacional. As recomendações oferecem pautas e práticas mais específicas e os países membros podem optar por aceitá-las ou não. Estas últimas se diferenciam por não ser legalmente obrigatórias.
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ratificou esta Convenção em 1957, através do Decreto 41.721, de 25 de junho.158 Em 1952, em sua 35a reunião anual, a OIT prossegue sua política de fomento à igualdade de tratamento, escolhendo a defesa de direitos sobre a maternidade das trabalhadoras. A Convenção sobre a proteção da maternidade (número 103) se aplica às mulheres empregadas em empresas industriais e em trabalhos agrícolas e nãoindustriais, incluindo até as mulheres assalariadas que trabalham em seu próprio domicílio. Este texto - que foi tema de reavaliação na reunião de junho de 2000 – estabelecia um descanso de no mínimo 12 semanas, distribuído entre períodos anteriores e posteriores ao parto. Neste período de interrupção do trabalho, a mulher tem o direito de receber um pagamento em dinheiro e assistência médica. O texto faz específica menção à assistência durante os diferentes momentos (gravidez, parto e pósparto) e ao sistema de seguro social obrigatório com fundos públicos. Em 1954, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas confia à OIT a tarefa de realizar um estudo sobre a discriminação em matéria de emprego e ocupação. Deste estudo nasce a elaboração da Convenção número 111, em 1958, formulada em sua 42a reunião. Esta estabelece o princípio internacional contra a discriminação no emprego e na ocupação, priorizando a igualdade em detrimento das diferentes formas de discriminações, entre as quais também aquelas baseadas na diferença de sexo. A OIT incorpora esta ampla temática como uma expressão já enunciada na Declaração Universal dos Direitos do Homem. A formação da OIT e a escolha de seus princípios de igualdade representam a adequação de anseios já presentes em vários contextos nacionais. As propostas das convenções estavam na agenda de reivindicações das federações internacionais das mulheres operárias, dos setores femininos, das organizações internacionais de mulheres. Com efeito, o tratado de Versalhes, além de proporcionar um reordenamento
158
Ver Malô S. L. Ligocki: “Incentivos ao trabalho da mulher. Estudo comparativo na legislação dos diversos países”, in Discriminação positiva, ações afirmativas. Em busca de igualdade, CEFEMEA e Elas, Brasília 1996, pag. 54.
98
político–territorial, além de definir os assim chamados “objetivos de guerra”, de estabelecer as vantagens econômicas e as posições políticas dos países vencedores, incorpora as metas e princípios para uma reconstrução moral e civil onde estão inscritos os direitos de igualdade e liberdade no mundo do trabalho. Mas não podemos deixar de reconhecer que, sobre estes últimos, não havia um consenso nas propostas de reconstrução do pós-guerra. O ideal de igualdade entre os sexos não aglutinava todos os governos. Podemos afirmar que a incorporação das mulheres ao mundo do trabalho era, ainda, menos aceita como ideal. Basta pensar nas políticas pró-família, que são bem lembradas por R.M. Lagrave. A autora afirma: As reconstruções nacionais são empresas de repopulação. A diminuição da natalidade, o aumento da quantidade de trabalhadores, o retorno dos homens às fábricas e aos campos, tudo isto desencadeia uma nova ofensiva ideológica de grande envergadura, com o propósito de que as mulheres retornem ao lar como donas de casa.
Recentemente, num processo de progressivas abrangências, que vai desde os locais de trabalho até as políticas de instituições que colaboram com o acesso ao emprego, a OIT se dedicou, em 1981, a formatar uma convenção a favor da eqüidade de
oportunidades
entre
homens
e
mulheres
trabalhadoras
que
assumem
responsabilidades familiares. Assim, na Convenção número 156, a meta é que não se proporcionem situações de constrangimento ou de discriminação para todos os trabalhadores que mantêm, sob sua responsabilidade, o exercício do emprego lado a lado com a gestão da família. Neste caso, a Convenção chama a atenção dos governos signatários para que estes se preocupem em definir programas e medidas de desenvolvimento de serviços comunitários, para permitir que uma pessoa sozinha possa garantir o seu emprego e cumprir as suas responsabilidades familiares.
4.2 REFERÊNCIAS HISTÓRICAS DA IGUALDADE SALARIAL O período entre 1944 e 1950, que precede a redação da Convenção número, 100 abre um novo cenário, marcado pela reorganização do emprego na transição entre
99
a guerra e a paz.159 Para a Europa, a análise do Anuário de Estatísticas Internacional da Sociedade das Nações mostra que há algumas distinções marcantes.160 De um lado, os países do Norte, sobretudo Dinamarca, Suécia, Noruega, Inglaterra e Finlândia, países industrializados desde meados do século XX, verificam aumento de mulheres no mercado de trabalho, mesmo com uma leve variação nos anos 30. Por outro lado, na Europa do Sul a tentativa é superar patamares menores. Na Grécia, Itália e Espanha a incorporação é mais lenta. Nos Estados Unidos, a Primeira Guerra Mundial já tinha oferecido uma abertura ao problema da condição feminina. O aumento da demanda do trabalho determinado pelo desenvolvimento da indústria de guerra abriu espaços até então considerados exclusivamente masculinos. É o caso da produção de equipamentos para o transporte e a indústria de máquinas, no qual as mulheres chegam a representar mais de 20% da mão-de-obra.161 Sem dúvida, a evolução das condições industriais, econômicas e sociais modifica os desafios para a proposta de igualdade salarial que, aliás, dialoga nesta década com novos recursos em matéria de educação, qualificação profissional e, conseqüentemente, com procedimentos para proporcionar a eqüidade de tratamento entre homens e mulheres. As formatações da Convenção número 100 e da Recomendação número 90 podem ser compreendidas de duas formas. Não só levando em consideração as repercussões do segundo conflito mundial que tinha, mais uma vez, solicitado uma abertura à incorporação das mulheres nas atividades produtivas externas aos lares.
159
Uma boa síntese das diferentes iniciativas desde 1919 até 1994 pode ser recuperada consultando o artigo de M. Gaudier, “La question des femmes a OIT et son evolution - 1919- 1994”, Institut Internacional d’Etudes Social. OIT, ver www.ilo.org/femme. 160
Ver R.M Lagrave, “Una emancipacíon bajo tutela. Educacíon, trabajo de las mujeres en el siglo XX”, Historia de las Mujeres, vol. 10. 161
Ver o relato de Etta Olgiati, "Le politiche di equitá salariale negli Stati Uniti", Universitá degli Studi, Milano 1990.
100
Mas, sobretudo, por reverter as profundas distorções nos níveis de remuneração entre homens e mulheres. Naquela época foram evidenciados alguns aspectos, hoje, considerados tradicionais de desigualdade: • a tendência a separar os homens e as mulheres em ocupações distintas - a assim chamada segregação horizontal e • a tendência a designar lugares distintos dentro de uma mesma ocupação ou grupo de ocupações - a assim chamada segregação vertical. As demandas provindas dos fóruns e das organizações das mulheres já tinham incluído a igualdade salarial como uma plataforma, mas até então parecia bem mais um anseio que uma realidade. A substituição da mão-de-obra masculina pela feminina estava em curso. Havia, também, o próprio aumento do seu efetivo no mercado de trabalho, sobretudo industrial, paralelo ao aumento do contingente das mulheres jovens nos setores de serviços, no setor público, na administração e nos escritórios. Nos anos 50, evidenciava-se que podia haver sempre mais espaços de incorporação produtiva para as mulheres, sem por isso colocar em discussão a tradicional prática empresarial de remunerar diferentemente homens e mulheres. A idéia do trabalho feminino como forma de complementação de recursos monetários do orçamento familiar, a percepção de uma maior irregularidade dos vínculos de emprego, o próprio paternalismo que caracteriza as modalidades de gestão das empresas, a menor preparação profissional, eram, entre muitas, algumas das tantas justificativas em favor da diferenciações salariais entre os sexos. Mais ainda, é irrefutável o registro da grande segregação horizontal nas estatísticas de emprego desta época além de provas de comportamentos, atitudes, perspectivas empresariais que mantinham para homens e mulheres espaços de competências distintos, preservando dois pesos e duas medidas para calcular até o nível salarial. Assim, além de uma marca da sexualização profissional das competências que permitia diferenciar as remunerações, havia uma subestimação dos saberes técnicos e das responsabilidades que atingiam de forma desfavorável sobretudo, as
101
mulheres. Se a economia de guerra tinha feito progredir o campo técnico desenvolvendo, por exemplo, os centros e as universidades de engenharia, encontramos não mais de algumas centenas de mulheres engenheiras, químicas, em cada país. Mas no setor dos serviços, a ordem sexual estabelece uma bipolaridade dos empregos, evidenciando uma segregação vertical a partir da profunda hierarquia interna das profissões. Como bem sintetiza Rose Marie Lagrave, o ideário deste período pode ser evidenciado num retrato com quatro imagens: a jovem mulher que pode escapar da condição de operária e camponesa empregando-se como enfermeira, secretária, professora ou no amplo setor dos serviços; as mulheres casadas e com filhos, que redescobrem os encantos da casa e da família; e as jovens da burguesia, convertidas em intelectuais, que negociam seu título num mercado de trabalho matrimonial. Por último, o reverso da medalha, as mulheres operárias. Esses protótipos vão configurando, assim, fronteiras hierárquicas onde há setores feminizados no comércio, nos bancos, nos serviços para a coletividade e para o privado, enquanto os homens progridem nas qualificações profissionais técnico-industriais e lideram os quadros hierárquicos.162 A reivindicação de igual salário para igual valor tem, também, raízes antigas no interior dos movimentos de mulheres. Por exemplo, as campanhas para o voto feminino, as plataformas dos reformistas e as reivindicações do próprio movimento sindical. Um bom exemplo provém dos Estados Unidos, em 1868, quando a ação da National Labor Union, que se declara a favor de salário igual para igual trabalho. Para as organizações sindicais, esta demanda se insere num panorama histórico de reivindicações, que ressalta a preocupação mais ampla sobre as conseqüências sociais negativas do processo de industrialização, baseado no laisser-
162
Ver R.M. Lagrave, “Una emancipacíon bajo tutela. Educacíon, trabajo de las mujeres en el siglo XX”, Historia de las Mujeres, vol. 10, pag 94 e sgs.
102
faire e sobre a necessidade de definir um controle social. Deste ator coletivo, deriva a proposta de tutela do trabalho das mulheres para preservar o "futuro da raça". Neste momento específico, a paridade salarial não atingia a proposta da igualdade de oportunidade, mas se conformava ao objetivo de solucionar os problemas sociais como a pobreza, a moralidade e a saúde das mulheres, com a meta final de garantir seu papel reprodutivo. Para os sindicatos de então, a paridade salarial protegia, indiretamente, os trabalhos e as retribuições dos homens da concorrência de baixos salários femininos, aliviando assim as condições de pobreza da classe operária. Este cálculo se apoiava na idéia de que a disparidade salarial entre os sexos danificaria as conquistas sindicais conseguidas a partir da revolução industrial.163 Ainda no contexto da Segunda Guerra Mundial, não podemos deixar de lembrar que as políticas em voga entre os empregadores implementavam uma distância de mais de 50% entre os salários das mulheres e os dos homens. Isto favorecia a substituição da contratação de homens por mulheres, sobretudo na indústria eletro-mecânica. A concorrência desleal ("unfair competitive practice") se evidencia em muitas estratégias empresariais que argumentam a favor da menor remuneração das mulheres e justificam-na pelos assim chamados fatores sociais: o diferente grau de produtividade, o caráter transitório do trabalho feminino, a relativa instabilidade da presença das mulheres na indústria, entre outros. O primeiro caso, no qual o princípio de paridade salarial é sancionado em nível federal, acontece nos Estados Unidos, em 1942, quando há um conflito entre a United Automobile Workers e a General Motors. Esta entidade sindical, ao denunciar a arbitrariedade com que são estabelecidos os limites entre trabalho masculino e feminino, dá origem ao primeiro caso de demanda de salário igual para trabalho de
163
Recuperamos as anotações de Etta Olgiati quando aponta que nos EUA já na Primeira Guerra Mundial dois organismos federais, WAR LABOR BOARD e a U.S. Railway Administration, sustentam o princípio da paridade salarial . Op.cit. pag 28.a
103
valor comparável, isto é, equal pay for work of comparable worth.164 Com este caso, há uma primeira definição da proposta: [...]sobre a base da comparação do conteúdo dos trabalhos em termo de capacidade, de esforço e de responsabilidade se evidencia que os trabalhos realizados tradicionalmente por mulheres são pagos menos do que aqueles realizados pelos homens e que esta subremuneração, que é sua conseqüência, constitui uma discriminação baseada no sexo.165
4.3 APORTES METODOLÓGICOS DISPONÍVEIS DA IGUALDADE SALARIAL De posse dessas referências históricas, a Convenção número 100 assume uma importância estratégica, porque não só continua seguindo uma antiga pauta, salário igual para trabalho igual, mas avança, incorporando o parâmetro: salário igual para trabalho de igual valor. Isto é, conscientes de que há uma profunda segmentação profissional e desigualdade no plano das escolhas e itinerários profissionais entre homens e mulheres, os países membros da OIT passam a propor que sejam definidos parâmetros da remuneração de trabalhos de igual valor, superando a indicação da igual remuneração simplesmente para trabalhos iguais. Esta passagem exige novos conteúdos que estão na base da tradição que diferencia o valor econômico dado ao trabalho de mulheres e homens. Seguindo as sugestões de M. Gunderson, (1994) a desigualdade de pagamento entre homens e mulheres pode fazer referência, entre outros, a estes elementos: • a diferença no capital humano; • a diferença no trabalho desejado; • a diferença no trabalho disponível.
164
Ver Etta Olgiati op.cit. pag 33 e R. Milkman 1985 "Women Workers, feminist and the labor movement", in Women, Work and Protest. NÚMERO York, Routledge & Kegan Paul. 165
Ver Etta Olgiati op.cit. pag 35, quando cita W. Newman e J NÚMERO Volhof: "separate but equal" Job segregation and pay equity in the wake of Gunther. In Labor Law Review vol.2, 1981.
104
4.3.1 A diferença no capital humano Nos anos 80, teve início um intenso debate entre sociólogos e economistas americanos sobre como a distância de pagamento entre homens e mulheres pode provir das diferenças de capital humano. O capital humano considera que as rendas refletem um retorno econômico a um capital adquirido através da educação, treinamento e experiência, ou pelas características pessoais – jeito de ser, força, inteligência – consideradas inatas e/ou originadas da socialização. O capital humano faz referência a um investimento – um custo contraído – com a perspectiva de rendas mais altas no futuro. Para os economistas, o capital humano foi definido como a “analogia entre a habilidade e o equipamento capital”.166 A renda de um trabalho tenderia a refletir os custos despendidos para uma quantia de capital humano exigido pelo desempenho do trabalho. Assim, como uma máquina tem um custo, o capital humano também tem; uma quantia tem que ser paga por este investimento. Há uma espécie de sacrifício, durante o tempo gasto na escola ou no treinamento, que oferece um retorno quando o indivíduo se insere sucessivamente no mercado de trabalho. Assim, a diferença nos níveis de renda entre um trabalhador com aptidões específicas e outro trabalhador sem estas aptidões pode ser, metaforicamente, descrita como o “retorno” do investimento em treinamento que gerou tal aptidão. Em teoria, cada pessoa cuidadosamente calcula se é válido fazer um certo investimento em seu capital humano. A economista Barbara Bergmann (1986), criticando esta perspectiva, levanta várias argumentações para desmistificar o capital humano como capaz de fomentar a distância salarial.167 Para ela, os economistas têm uma tendência a supervalorizar a responsabilidade deste capital para entender todas as diferenças de renda. É implícita a argumentação de que
166
Retomamos aqui o debate entre a socióloga B. Bergmann e os economistas americanos, entre outros G. BECKER. Consultar G. Becker Human Capital, New York 1964 167
Nos referimos ao livro de Barbara Bergmann THE ECONOMIC EMERGENCE OF WOMEN, New York, 1986
105
as mulheres investem menos nelas mesmas. Conseqüentemente, têm uma remuneração menor. Seguindo Barbara Bergmann, mesmo que as mulheres tenham uma certa desvantagem em relação aos anos de experiência, à educação, ao treinamento, a prática demonstra que a diferença salarial continua presente quando homens e mulheres estão acumulando a mesma quantia de capital humano. Assim, a razão de possíveis diferenças salariais só pode ser dada pela marca da discriminação. A análise estatística de regressão múltipla tem apontado alguns resultados nesta direção. Por exemplo, em 1979, Mary Corcovam e Gregory J. Duncan, da Universidade de Michigan168 – com uma amostra de 5.212 americanos assalariados – evidenciou que 2% da diferença salarial são devidos ao fato de que os homens têm um pouco mais de educação que as mulheres. Bem mais importantes são outros resultados a favor dos homens: a) 11% têm como referência os benefícios oriundos de treinamento extra; b) a diferença entre homens e mulheres em relação a anos fora do mercado de trabalho realmente conta 6% para a distância salarial; c) 8% dessa distância podem ser atribuídos ao fato de as mulheres terem uma maior proporção de trabalho de meio expediente; d) 12% da distância podem ser deduzidos do fato de as mulheres terem menos anos de trabalho; e) 3% ficam por conta da experiência que os homens têm com trabalhos anteriores; f) 3% podem ser atribuídos à falta de prioridade que as mulheres dão ao trabalho – falta por motivos pessoais. O resultado dessa pesquisa ressalta que o capital humano não tem toda a responsabilidade pela distância salarial. Para B. Bergmann, se 45% dessas dimensões fazem referência ao capital humano, os 55% restantes podem ser atribuídos à discriminação de gênero.
168
Mary Corcovam e Gregory J. Duncan, "Work history, labor force attachment and earnings differences between the race and sexe" Journal of Human Resources vol XVI 1979.
106
4.3.2 A diferença no trabalho desejado Alguns autores têm considerado que existem diferenças de trabalho e renda que podem ser atribuídas ao sexo, devido à escolha pessoal das próprias mulheres. Quando os economistas conservadores negam a importância da discriminação social, amparam-se na idéia de que a distância de pagamento é causada pela falta de devoção das mulheres ao trabalho. Eles afirmam que a mulher tem menos competência e compromisso, que a mulher não está à disposição para locomoção e treinamento; interrompe sua carreira para ter filhos e cuidar deles.169 Gary Becker chega a afirmar que as mulheres estão muito cansadas do trabalho já feito em casa e não produzem o suficiente ao chegar no trabalho. Solomon Polachek (citado por Bergmann) sugere que a distância das rendas entre os sexos se dá porque as mulheres escolhem trabalhos que são fáceis para sair e retornar. Conseqüentemente, esses trabalhos, por não exigirem tanto compromisso, têm menor remuneração. Muito além dessas observações, pode-se reconhecer que todo trabalho carrega uma marca de gênero. Isto é, os trabalhos são emblemas de gênero porque alguns mostram e confirmam a “feminilidade” da mulher, e outros mostram e confirmam a “masculinidade” dos homens. Conseqüentemente, para Bergmann, a maioria das mulheres evita a dor de serem rotuladas como trabalhadoras “nãofemininas”. Parece que muitas delas se conformam com os padrões exigidos, até mesmo em sua estética, com relação ao corte de cabelo, maquiagem e sapatos altos, por exemplo. Se é possível considerar que há fatores surgindo do lado de fora do mercado de trabalho (ex.: dentro de casa, ou nas instituições educacionais), a desigualdade de pagamento é mais importante do que fatores que se referem ao próprio mercado de trabalho. Segundo a autora, a distância é maior, por exemplo, entre homens casados e mulheres casadas. Para os primeiros, o casamento tem um grande efeito positivo, mas é um grande efeito negativo para as mulheres.
169
Ver as argumentações enunciadas por M. Gunderson op.cit. pag 5/ 15
107
Se, pode ser aceita, a idéia de que algumas mulheres, com certeza, dão um valor reduzido ao trabalho, porque querem se dedicar à casa e aos filhos, também é verdade que a discriminação já existente – dentro de casa, ou nas instituições educacionais – é um dos grandes fatores que desencoraja as mulheres a seguirem em sua profissão. Mas, para Bergmann, são os trabalhos diferentes que podem aumentar a distância entre os salários. Esta segregação, diz a autora, parte desde a infância, quando as crianças já vão tendo em mente quais são os trabalhos das meninas e quais são os dos meninos, para que, em cima disso, elas possam começar a cultivar o desejo de desempenhar tal função. Bergmann, para refutar as diferenças salariais decorrentes dos trabalhos desejados, declara que há explicação melhor. Homens e mulheres não estão competindo no mesmo mercado. Os homens e mulheres estão vendendo seu capital humano em mercados segregados. Há um mercado separado para cada sexo. Nas diferenças sobre os trabalhos de homens e mulheres, é patente o fato que os trabalhos masculinos têm mais oportunidades de uma longa ascensão do que os femininos. Os trabalhos da mulher, em geral, não dispõem de um futuro promissor que a levará para o topo da hierarquia de sua empresa. Pelo contrário, ela estará sempre sujeita a posições que são supervisionadas por homens.
4.3.3 Diferenças dos trabalhos disponíveis As qualificações das pessoas são uma parte importante da história da oferta e da demanda. No Estados Unidos, as mulheres ganhavam – na década de 80 – cerca de 60% do que os homens ganhavam. Na realidade do mercado de trabalho americano, na década anterior, as mulheres exerciam praticamente a metade das funções dos chamados “trabalhos de homens”. Mesmo com a diminuição desta segregação entre as décadas de 70 e 80, as diferenças de pagamento ainda existem dentro do mesmo grupo ocupacional. Para B. Bergmann, esta diferença se dá: • porque as mulheres estão segregadas em setores de menor
108
remuneração dentro do grupo; • porque os empregadores somente contratam homens para trabalhos com remuneração acima da média; e • pelo próprio hábito de os empregadores pagarem homens e mulheres com trabalhos similares, de formas diferentes. Bergmann, ao afirmar que a discriminação é o que mantém homens e mulheres em mercados separados, reconhece que os próprios empregadores são discriminadores, preferindo perpetuar a inserção das mulheres em “trabalhos de mulher”. Eles incorporam, apóiam, reproduzem e inovam os estereótipos de gênero, restringindo a entrada das mulheres em certos trabalhos, ou segregando-as em outros. Existem vários fatores que influenciam os costumes e os sistemas organizacionais nas empresas. Há alguns exemplos que desmascaram a lógica exclusivamente econômica, porque a demanda do trabalho está, acima de tudo, nas mãos das pessoas responsáveis pela admissão, colocação e promoção do empregado. Nos Estados Unidos, até os anos 80 ficou famosa a segregação ocupacional promovida por algumas empresas. A segregação sexual no Bell System estava, explicitamente, declarada em todos os manuais da companhia, nos acordos coletivos, nas descrições dos trabalhos, em suas publicações, nos anúncios e na requisição de empregados, entre outros. Em outra firma, a Western Electric Company, havia somente 1,9% de gerentes mulheres; entre os 548 funcionários considerados profissionais, somente 6,8% eram mulheres; mas, dos trabalhos sem nenhuma qualificação exigida, 97,5% eram realizados por mulheres e somente 2,5% por homens; 141 tipos de trabalho eram oferecidos a homens e somente 47 tipos de trabalho para as mulheres; e as ocupações das mulheres sempre estavam em uma escala mais baixa de remuneração. Raramente uma mulher era promovida nessa empresa; enquanto os homens ficavam com os cargos mais altos, as mulheres eram excluídas das oportunidades de treinamento. E nas reduções de empregados, as mulheres sempre foram as mais dispensadas. Nessa empresa, em que a discriminação foi constatada judicialmente, uma das afirmações dos empregadores era de que as
109
mulheres não estavam interessadas em ser promovidas. Em outra empresa, a Hertz Corporation, a afirmação para justificar a segregação vertical era de que as mulheres não podiam ser promovidas porque não podiam sair para treinamento.170 Para B. Bergmann, uma das maiores razões para a segregação ocupacional é que empregadores tendem a manter as mulheres em âmbitos ocupacionais que não as preparam para a ascensão de carreira. Ainda nos anos 80, os "códigos de segregação" evidenciavam que os empregadores raramente procuravam promover a interação entre homens e mulheres. A autora cita como exemplos algumas orientações empresariais: 1. evitar misturar mulheres e homens em lugares em que eles devem interagir como iguais; 2. evitar mulheres supervisionando homens; 3. reservar treinamentos para candidatos masculinos e para trabalhos masculinos de alto nível.171 Francine Blau, uma estudiosa deste tema – School of Industrial and Labor Relations, da Cornell University, Estados Unidos – observa que o salário para um trabalho em muitas empresas é definido depois que o empregador decide se será preenchido por homens ou mulheres.
4.4 COMO DEFINIR UM SALÁRIO IGUAL? ALGUNS CRITÉRIOS A definição do salário igual para trabalho de igual valor sem dúvida é um momento importante de um longo percurso legislativo, iniciado pela luta de trabalho igual para trabalho igual. Segundo François Eyraud172, esta fase pode ser vista como “a idade da pedra da igualdade de remuneração”. Na “idade da pedra”, as análises
170
Estes casos são citados no capítulo "Sex segregation on the job: the root of women's disadvantage" in The Economic Emergence of Women, New York 1986, pag. 87/118. 171
172
Ver B. Bergmann op.cit. pag 138 e 139.
François Eyraud “Igualdad de remuneración y valor del trabajo en los países industrializados”, Revista Internacional del Trabajo, OIT, volume 112, número 2, 1993.
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evidenciam que as mulheres não só estavam ganhando menos ao fazerem os mesmos trabalho que os homens, mas, principalmente, estavam segregadas em trabalhos em que não havia a possibilidade de comparação com os homens. Segue uma segunda fase na busca de salário igual por trabalho de igual valor. É esta “a idade de bronze da igualdade de remuneração”. Teve início no começo da década de 80, estimulando um processo legislativo que ampliou a busca de igualdade salarial confrontando os trabalhos realizados por homens e mulheres. Ao estender a igualdade de remuneração pela comparação do valor das atividades, muitos legisladores estabeleceram critérios de avaliação do trabalho. Em geral, os critérios fazem referência aos anos de formação e experiência requeridas,
ao grau de
responsabilidade, ao caráter mais ou menos penoso das tarefas e às condições de trabalho em conjunto. Assim, graças à utilização desses parâmetros, a confrontação das ocupações é possível, sem por isso afirmar que é suficiente para, efetivamente, equiparar todas as características, muitas vezes complexas, da execução dos trabalhos. Finalmente, para Eyraud, os anos 90 marcam a “idade de ouro da igualdade de remuneração”, quando se inauguram entre os legisladores as discussões para desmascarar as discriminações indiretas. Há, assim, uma visão ampliada que encara a discriminação no emprego. Nesta “idade de ouro”, procura-se estabelecer critérios de apreciação do valor do trabalho para identificar quais são as discriminações. Eyraud apresenta como fundamental uma definição operacional do princípio de comparabilidade, mas admite ser este um momento difícil, pois, para que uma definição justa seja encontrada, é preciso avaliar o conteúdo de um trabalho, o valor de mercado, o valor do empregado de acordo com sua contribuição para a empresa. O que propõem estas opções? Diferentes experiências têm permitido identificar três critérios gerais e referências até nas argumentações de processos de litígios trabalhistas: • o valor do conteúdo das tarefas, • o valor comercial e • o valor produzido pelos trabalhadores.
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4.4.1 O valor do conteúdo das tarefas Este critério, o mais usado nas legislações nacionais de muitos países, faz explícita referência a alguns parâmetros para reavaliar o conjunto das ocupações pelo esforço físico e emocional, responsabilidades, formação profissional exigida, experiência acumulada e condições de trabalho. Quando as ocupações são atribuídas aos homens ou às mulheres, há um conjunto de dimensões econômicas, sociais e culturais que são reconhecidas como próprias do saber profissional, por parte da análise empresarial. Por quê? Porque a empresa produz a sua interpretação de gênero nas ocupações a serem desempenhadas no seu espaço. Na organização do trabalho, variam, profundamente, as modalidades de execução, as condições de trabalho, as exigências demandadas pela gerência nos esforços exigidos. Em outras palavras, no local de trabalho – na empresa – circula um conjunto de dimensões – econômicas, culturais e sociais – que são referências culturais que justificam como a empresa distribui homens e mulheres nas tarefas. O estudo desta designação sexual do trabalho é uma fonte importante porque permite reconhecer que a empresa elabora suas próprias divisões entre os trabalhos dos homens e os das mulheres. A literatura aponta vários parâmetros que explicitam as designações de gênero das ocupações. São relativos a:
a) relações com o objeto do trabalho; b) relações com o espaço (a mobilidade entre casa e emprego); c) relações com o tempo (disponibilidade e permanência de responsabilidade entre trabalho doméstico e trabalho fora de casa); d) relações com o poder – as esferas de influência: a esfera doméstica, sem regras e leis, mas os costumes e as tradições – autoridade familiar; a esfera do trabalho em espaços públicos, com regras, normas e institucionalização da
autoridade da
empresa, da autoridade do sindicato, do Estado etc.
4.4.2 O valor comercial Com este critério de eqüivalência, supõe-se que há um grau de comparação
112
que tem validade para os dois atores sociais em disputa: os trabalhadores e os empregadores. Com este critério do valor comercial, é o mercado ou, mais ainda, a raridade que está em jogo. Numa empresa, dois empregos diferentes, mas classificados como equivalentes sobre a base do sistema de avaliação das tarefas, podem ser remunerados de maneira diversa quando existe uma modificação na oferta e na demanda da qualificação exigida. Mas a argumentação que nega a possibilidade de o trabalho ser considerado uma simples mercadoria no jogo de mercado faz com que seja proibido, em muitas legislações, considerar o valor de mercado como critério, válido para proporcionar a igualdade de remuneração entre homens e mulheres. Algumas experiências foram implementadas nos Estados Unidos, quando houve uma tendência de adaptar os critérios de classificação das tarefas às exigências de mercado.
4.4.3 O valor produzido pelos trabalhadores A comparação de valor do trabalho, graças ao valor agregado, fica sendo um critério de medição não-imediata. Isto porque, é bastante difícil imaginar indicações precisas - num contexto complexo de produção - sobre a contribuição dos trabalhadores, considerados individualmente. Mas há, sem dúvida, muitas práticas empresariais que oferecem incentivos, prêmios, que acabam atuando como diferenciadores nas remunerações. É claro que a lógica da igualdade e da nãodiscriminação nem sempre é respeitada, visto que muitos requisitos para atingir a estes incentivos não são completamente transparentes. Mais ainda, fazem parte deste critério que reconhece as diferenças salariais, os prêmios por antigüidade na empresa, ou as horas-extras que atuam como estímulo à produtividade e são contemplados nas legislações nacionais para diferenciar salários em atividades que poderiam ser de fácil comparação. Em alguns estudos, é considerado que avaliar a permanência e a fidelidade à empresa pode representar uma desigualdade entre trabalhadoras e trabalhadores, levando em consideração as paradas e as interrupções. No Japão, por exemplo, existe uma particular ênfase na composição do salário, dada pelo tempo de
113
emprego na empresa, que acaba protegendo o mercado interno a ela. Sem dúvida, não é fácil delimitar indicadores específicos, visto que o cálculo completo, não do salário de base, mas de todos os componentes de salário, pode ser de difícil averiguação em algumas legislações nacionais. A esta dificuldade se acrescenta o fato de que as empresas consideram estas informações de caráter reservado e sigiloso. O estudo internacional de F. Eyraud aponta como a remuneração adjunta, os prêmios e os incentivos, pode ser considerada uma fonte discriminatória porque esta se destina a categorias profissionais de trabalhadores em geral de sexo masculino. Para a autora, é de fundamental importância para reduzir as práticas discriminatórias, o estudo dos sistemas de remuneração. É, também, válido reduzir a importância dada à simples análise do salário médio, indicador estatístico clássico, porque este não contempla a possibilidade de identificar as estratégias de diferenciação salarial entre homens e mulheres. Seguindo o desafio da OIT em definir regras internacionais de comportamento econômico a favor de direitos trabalhistas, F. Eyraud sugere que a definição de critérios e de parâmetros deva ainda aprofundar o estudo dos procedimentos nas definições da igualdade de tratamento entre homens e mulheres. Este necessário investimento em pesquisa, segunda a autora, decorre da grande variedade das modalidades em curso na definição do sistema de remuneração por parte das empresas nos diferentes países.
4.5 UM PASSO À FRENTE NA GLOBALIZAÇÃO DOS DIREITOS – A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES Para compreender o leque de propostas que, ainda hoje, estão dinamizando as iniciativas, devemos introduzir a Convenção n. 111 que recebe sua primeira formulação na OIT, em 1954. Em 1954, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, como
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conseqüência de uma resolução adotada pela Comissão dos Direitos Humanos, confia à OIT a tarefa de realizar um estudo da discriminação em matéria de emprego. São os resultados deste estudo que apóiam a redação, em 1958, da Convenção número 111, que trata do fomento da igualdade de oportunidade entre homens e mulheres. Esta Convenção introduz, na cultura e nas práticas no âmbito das relações de trabalho, uma temática inovadora: a definição das discriminações que fomentam diferenciações desfavoráveis entre os/as trabalhadoras. É neste sentido que se amplia a análise dos mecanismos que apóiam os comportamentos de aceitação e de exclusão, não apenas com referência às mulheres em relação aos homens, mas também aos negros em relação aos brancos, de quem tem diferente origem social ou étnica, de quem provém de outros países de origem, das pessoas que professam distintas religiões, outras crenças ou outras opiniões políticas. É justamente a necessidade de formular um conceito que abranja as mais diversas manifestações – reais, concretas, substanciais e explícitas – que corrija a exclusão, os comportamentos arbitrários ou até sustente ações de omissão na difusão da igualdade de oportunidade e de tratamento – que faz da recomendação número 111 um novo mecanismo. A promoção de oportunidades exige que a admissão a uma formação profissional, ao emprego, a uma profissão estejam todos baseados em critérios objetivos, fundados em qualificações acadêmicas e profissionais, efetivamente, necessárias para o exercício do emprego ou de uma atividade. A Convenção número 111 é inovadora ao formular, por contraste negativo à igualdade das oportunidades, quais são os mecanismos sociais da discriminação. É este um complexo conceito que avalia o acesso ao emprego e à ocupação. Considera também os momentos relativos à formação profissional, à admissão ao emprego, às diferentes ocupações como às condições de trabalho, isto é: Discriminação é qualquer distinção, exclusão ou preferência (baseada em determinados motivos) que tem como efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego e na ocupação.
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Esta primeira definição, puramente descritiva, contém três elementos: • um fato – a existência de uma distinção, exclusão ou preferência que constitui uma diferença de tratamento; • um motivo determinante desta distinção; e • um resultado objetivo de tal diferença de tratamento. Na Convenção número 111, há três tipos de medidas que não são consideradas discriminação: • as medidas nas qualificações, exigidas para o exercício do emprego; • as que podem estar justificadas por uma proteção da segurança do Estado; e • as que têm um caráter de medida de proteção ou assistência, que foram estabelecidas com prévia consulta às organizações representativas dos trabalhadores e empregadores, ou em que se reconheça a necessidade de proteção ou assistência especial. , Vários países têm acrescentado novas terminologias a esta definição de discriminação, instituída em 1958. Nos Estados Unidos, chega-se a incluir à definição a segregação, entendida como separação e restrição, consideradas ambas formas significativas de comportamento discriminatório, porque, diretamente e indiretamente, ferem o princípio de igualdade de oportunidade. Neste sentido, a igualdade de oportunidade é um princípio que diz respeito a um direito substantivo que chega a supervisionar até as condutas que, normalmente, poderiam parecer estar livres de controle, abertas a simples discrição dos atores na vida econômica e social. Nesta convenção é introduzida a preocupação de definir o caráter intencional da discriminação. Há, assim, a discriminação direta, vinculada ao caráter não legal da diferenciação com a intenção do seu autor, como há a discriminação indireta, que define atos ou práticas de diferenciação que supõem uma vontade subjetiva de praticar
116
diferenciações prejudiciais.173 A discriminação indireta se refere também a situações em que regulamentos e práticas aparentemente neutras têm como resultado alterar a igualdade em prejuízo de pessoas ou grupos que apresentam determinadas características (raça, cor, sexo, religião, inclinações e opções sexuais, caracteres legítimos e ilegítimos do nascimento, os antecedentes clínicos, heranças celular ou de sangue consideradas atípicas, por exemplo). A reflexão sobre as discriminações indiretas tem alimentado diferentes modalidades e interpretações nas legislações nacionais, sejam em dispositivos constitucionais, legislativos ou regulamentos, registradas no estudo realizado pela OIT, em 1986. Por exemplo, no Canadá, desde 1982, a Carta dos Direitos da Pessoa denomina como discriminação sistêmica aquela que se manifesta por políticas neutras que, mesmo quando se aplicam de forma uniforme, impedem alguns grupos de ter iguais oportunidades que os demais.174 A Bélgica, desde 1978, refere-se à discriminação indireta como fato em que a motivação explicitada não seja claramente o sexo. A discriminação deriva indiretamente deste. É o caso do estado civil, da maternidade. Nesse país, em 1986, a Comissão de Trabalho das Mulheres, organismo destinado a garantir a aplicação das políticas não discriminatórias, tem determinado que, valer-se de critérios físicos para contratar e promover pessoas nos locais de trabalho, pode conduzir a comportamentos discriminatórios. Com este fim, definir os critérios físicos das pessoas deveria limitarse aos casos nos quais as características gerais das tarefas os justifiquem e esta
173
Nos Estados Unidos, há referências específicas a atos e práticas discriminatórias dos empregadores, das organizações sindicais e das agências de colocação. Neste pais, é formulada a noção de "distinção suspeita", que foi elaborada para garantir o controle da aplicação do princípio de não-discriminação pelas autoridades federais ou pelas instituições públicas. É suspeita toda e qualquer distinção que afeta um grupo que tradicionalmente é vítima de hostilidade e preconceito, colocada à margem da sociedade ou é objeto de concepções estereotipadas de tal porte que deixam grandes dúvidas de que seus interesses tenham sido adequadamente considerados no curso do procedimento legislativo. 174
Ver OIT, "Igualdad en el empleo y la ocupación"75 reunión, 1988, op.cit, pág. 24.
117
justificação deve ser de ordem técnica, sempre tomando em consideração as técnicas modernas para facilitar o cumprimento destas tarefas. Em outros países, considera-se a discriminação indireta, não a partir da motivação, mas das condições em que se origina. Por exemplo, na Itália, desde 1977, é chamada discriminação indireta aquela que se efetua por sistemas de pré-seleção ou veiculada por anúncios de oferta de emprego. Em vários outros países, a legislação não define a discriminação indireta, mas proíbe práticas que se podem classificar como tais. Por exemplo, na Inglaterra, desde 1975, quando alguém impõe uma exigência ou uma condição a todos os candidatos homens e mulheres, mas a satisfação da exigência só pode ser cumprida por uma porcentagem muito menor de mulheres, claramente inferior aos homens, considera-se um ato discriminatório, pela lei. Algumas exigências de limite de altura mínima, de peso, de idade, podem ser casos que exemplificam esta modalidade.175 Este conjunto de formulações é valioso para considerar as práticas no acesso ao emprego, porque supervisionam as diferentes posturas, aparentemente livres por parte das empresas, em recrutar sua mão-de-obra. Em todos estes casos, considerar as discriminações indiretas amplia e aprimora o controle sobre o leque de comportamentos a ser avaliados. Em primeiro lugar, se destacam as conseqüências da segregação na formação profissional contra as mulheres nas empresas. Segundo, considera-se que a responsabilidade "tipicamente masculinas" ou "tipicamente femininas" pode ser fruto de discriminação.
4.6 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A IGUALDADE DE TRATAMENTO E OPORTUNIDADES Na Constituição, promulgada em 1988, encontram-se definidos diferentes preceitos da igualdade de tratamento entre homens e mulheres nos locais de trabalho.
175
Ver OIT, "Igualdad en el empleo y la ocupación"75 reunión, 1988, op.cit, pág. 44
118
O estado brasileiro tem como objetivo fundamental “promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação.” (artigo n.3 inciso IV) “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição” (artigo n. 5 inciso I) “A lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais” (artigo n. 5 inciso XL) “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alem de outros que visem à melhoria de sua condição social: (artigo n. 7) XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XXX – a proibição de diferencas de salário, do exercício de funções e de critérios de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI – a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critério de admissão do trabalhador portador de deficiências; XXXIV – igualdade de direitos entre trabalhador com vínculos empregatícios permanentes e o trabalhador avulso.”
Desde o meado dos anos 90, a atualização dos princípios de igualdade formal se aprimorou em duas vertentes: a legislação ordinária brasileira avançou formulando dispositivos que asseguram vários destes princípios constitucionais, e o Governo tem firmado alguns acordos internacionais. Para aprimorar o conhecimento detalhado das conseqüências destas definições legais sobre o enfoque de monitoramento do comportamento empresarial nos locais de trabalho é importante lembrar, em ordem cronológica: • A lei 8.861, de 25 de março de 1994, que estende o direito da licença maternidade às trabalhadoras domésticas, às pequenas produtoras e às trabalhadoras avulsa e às autônomas. • O decreto legislativo n. 26, de 1994 aprova o texto da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a
119
Mulher. Este é parte dos acordos internacionais, afirmados pela Carta das Nações Unidas a favor dos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa e na igualdade de direitos do homem e da mulher. Entre o conjunto das justificativas desta convenção é evidenciado que “a discriminação contra a mulher não só viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito a dignidade humana, mas constitui um obstáculo ao aumento do bem estar da sociedade e da família, além de dificultar o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço a seu pais e à humanidade”. Nestes termos, a assinatura desta convenção exige que “os estados ao condenar a discriminação, concordem em seguir uma política destinada a eliminar a discriminação contra a Mulher, se comprometendo a: • adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher; • tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa”; No artigo 1. desta convenção a discriminação é definida: como toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdade fundamentais nos campos políticos, econômicos, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
As referências ao mundo do trabalho recebem outra particular atenção no artigo 11: Os estados partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres os mesmos direitos, em particular: direito ao trabalho como direito inalienável de todo ser humano; direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a aplicação dos mesmos critérios de seleção em questões de emprego; direito de escolher livremente profissão e emprego, o direito à promoção e à estabilidade
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no emprego e a todos os benefícios e outras condições de serviços, e o direito ao acesso à formação e à atualização profissionais, incluindo aprendizagem, formação profissional superior e treinamento periódico;
• A lei 9.029, de 13 de abril de 1995, proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeito admissionais ou de permanência do emprego. São sujeitos ativos do crime a pessoa física empregadora, o representante legal do empregador e os órgãos públicos e entidades das administrações públicas.
A proibição inclui
exigências de teste, exame, perícia laudo, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização. É incluída na proibição, também, a indução ou instigamento à esterilização e o controle de maternidade. 176 (inciso XXX) • O decreto 1.904, de 13 de maio de 1996, institui o I Programa de Direitos Humanos que atribui aos direitos humanos o estatuto de política pública governamental, contendo propostas para a proteção e promoção dos direitos. • A lei 9.799, de 26 de maio de 1999, insere na Consolidação das leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher no mercado de trabalho. Duas referências são importantes: • A lei que amplia o artigo 392, parágrafo 4 da CLT, garantindo à empregada durante a gravidez o direito à transferência de função, quando as condições de saúde o exigem; o direito à dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de no mínimo seis consultas médicas e demais exames complementares. Neste artigo se faz específica menção às regras sobre a proibição de publicar ou fazer publicar anúncios de emprego nos quais haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser executada, pública e notoriamente assim
176
A lei 9.029 de 1995 inclui especificas multas, penas e proibição de obter credito ou financiamento junto a financiadores publico em caso de infração.
121
o exigir.177 • A lei n. 10.224, de 16 de maio de 2001, dispõe sobre o crime de assédio sexual no ambiente de trabalho. Neste contexto, o assédio sexual passa a ser crime integrando o código penal.178 A atual denominação define o “Assédio como constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função”.179 • A portaria n. 604, do Ministério do Trabalho e Emprego, editada em 2001, institui os Núcleos da Igualdade de Oportunidades e Combate à Discriminação. Os núcleos têm como suas atribuições “instituir programas, propor estratégias, ações e atuar como centros aglutinadores, além de acolher denúncias” graças ao fomento de políticas públicas de combate a todas as formas de práticas discriminatórias - estado de saúde, gênero,
177
Lembramos que no Brasil há a proibição de idéias discriminatórias que regulamenta a imprensa, as comunicações e a defesa do consumidor contra propaganda enganosa. Uma referencias importante a este respeito para monitorar os anúncios de empregos, por parte das empresas nos jornais é a lei de imprensa (Lei n. 5.250/65) que em seu artigo 14 proíbe a propaganda de preconceitos, prevendo penas de 1 a 4 anos de detenção. 178
Como o assedio sexual não constava expressamente do Código, quando uma Delegacia de Policia recebia uma denuncia em que alguém era constrangido a manter relações sexuais para se manter no emprego, conseguir uma promoção, freqüentemente era enquadrado em outros crimes, como perturbação da tranqüilidade, ameaça etc. Ver: Relatório Brasileiro da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, Brasília 2002. 179
No Relatório Brasileiro da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, Mônica de Melo a explicitar o significado desta lei cita dois casos de empresas nos Estados Unidos de América: a Ford Motor Co. e a Mitsubishi. A primeira foi penalizada por queixas de assedio sexual. Esta concordou em pagar 7,75 milhões de dólares para mais de 900 mulheres, em virtude de assedio, discriminação sexual, abusos, ofensas verbais com conotação sexual, ocorridas em duas fabricas em Chicago. Alem disso a empresa comprometeu-se perante a Comissão de igualdade de oportunidade no Trabalho ( US Equal Employement Opportunity Commisssion) a gastar mais de 10 milhões de dólares em políticas educativas, de treinamento e esclarecimento visando prevenir a ocorr6encia de casos futuros. A Mitsubishi em 1998 aceitou pagar mas de 60 milhões para interromper processo de assedio sexual apresentado por 300 funcionarias da empresa. Ver Mônica de Melo “Assedio sexual: um caso de inconstitucionalidade por omissão” Revista de informação legislativa, Brasília, senado federal, Subsecretária de edições técnicas ano 36, n. 143, julho/setembro 1999.
122
assédio moral, deficiência, assédio sexual, HIV/AIDS, classe social, idade, obesidade, orientação sexual, cidadania etc. Estas ações são realizadas com a cooperação de entidades governamentais e não-governamentais: INSS, Secretaria Estaduais e Municipais do Trabalho, Ministérios etc.180 • Em 2001, como instrumento internacional de âmbito dos direitos humanos, o Brasil assina o Protocolo Facultativo da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher181 introduzindo a sistemática de monitoramento desta convenção. Isto é, o Brasil introduz o compromisso, adotado internacionalmente em 1999, de redigir
um
relatório
sobre
“as
medidas
legislativas,
judiciárias,
administrativas ou outras que adotarem para tornarem efetiva as disposições, assim como fazer referências às dificuldades encontradas naquele processo”.182 Nestes termos, a convenção impõe aos Estados - Partes uma dupla obrigação: eliminar a discriminação contra as mulheres e assegurar a igualdade. • A lei n. 10.421, de 15 de abril de 2002, que estende à mãe adotiva o direito de licença maternidade e ao salário maternidade. À luz da localização e da territorialização das empresas no Brasil, é importante lembrar que o estado federativo brasileiro aufere aos estados e aos municípios a capacidade de elaborar suas próprias constituições em observância dos
180
As atividades desenvolvidas pelos núcleos por meio de recebimento de denúncias e orientação quanto às práticas discriminatórias tiveram um crescimento de 220%, entre os anos de 2000 e 2001. De Janeiro até julho de 2002 houve 50% do número de atendimento de 2001. Ver relatório OIT/Chile 181
A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher é parte das resoluções internacionais das Nações Unidas, aprovada no âmbito da assembléia geral da ONU que entrou em vigor em 1981. O Brasil a ratifica em 1985. 182
No tocante ao monitoramento o Protocolo Facultativo institui o direito de petição, que permite o encaminhamento de denuncias de violação de direitos enunciados na Convenção à apreciação do coité e um procedimento investigativo, que habilita o comitê a investigar a existência de graves e sistemáticas violação aos direitos humanos das mulheres.
123
princípios da Constituição Federal. É importante destacar estes cenários se consideramos que a diversidade das formas de discriminação a que estão submetidas as trabalhadoras nos locais de trabalho se articulam com as culturas discriminatórias locais e regionais; por outro lado, possibilita reconhecer a que regulamentos no espaço territorial - municipal e estadual - as empresas estão submetidas. Como exemplo do leque das legislações lembramos que, no tocante à mãe trabalhadora, a constituição do Estado de Goiás estabelece o intervalo de trinta minutos a cada três horas ininterruptas de trabalho, ao passo que a constituição da Paraíba prevê a faculdade de redução de um quarto na jornada de trabalho diária. As constituições dos estados de Bahia, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Sergipe e Tocantins asseguram às mães adotivas direitos semelhantes aos consagrados para as mães biológicas. Na constituição da Bahia, é proibida, a qualquer título a exigência do atestado de esterilização, teste de gravidez ou quaisquer outras imposições que firam os preceitos constitucionais da proteção à maternidade. Nesse Estado a constituição atribui igual função social à paternidade e à maternidade.
4.7 FOCO DE OBSERVAÇÃO E DIAGNÓSTICOS DISPONÍVEIS Considerando o profundo e difuso enraizamento da cultura discriminatória, lembramos que o âmbito do respeito das convenções n. 100 e n. 111 deve orientar o estudo das práticas empresariais em duas direções: identificar o fomento das discriminações e perceber qual é o comportamento pró ativo em reduzi-las. Este último âmbito não será aqui considerado.183 Considerar os diagnósticos, hoje, disponíveis sobre as disparidades de tratamento nos locais de trabalho é uma tarefa básica para aumentar a legitimidade e a
183
O estudo das praticas pró-ativas é tema da pesquisa realizada sob nossa coordenação “Gênero e igualdade de oportunidades nas empresas. As multinacionais no estado do Rio de Janeiro” 2000- 2002 UFRJ/CNPQ.
124
consistência da interlocução com as empresas. O ponto de partida do foco das pesquisas do Observatório Social deveria, por um lado, vincular-se com mais ênfase aos parâmetros disponíveis de discriminação. Por outro, se o foco de pesquisa recupera como primeira referência os diagnósticos existentes (por setor, por localização territorial etc.) pode chegar a especificar que, ao contrário do que o senso comum sugere, as estratégias e as práticas de cada empresa não atuam de forma neutra na construção das discriminações contra as mulheres. A empresa é um elo importante para a produção de regras sociais, atuando ativamente em sua construção. Cabe, assim, identificar se esta chega a fomentar, atualizar, inovar, aprofundar as discriminações difusas no tecido social da sociedade ou se esta consegue restringir, modificar, atenuar ou até reagir à difusão das discriminações. Sem o suporte comparativo – realizado pela consulta aos diagnósticos existentes - estas especificações não são de fácil alcance. Para subsidiar esta nova sugestão, consultamos várias fontes (exemplificando a diversidade dos diagnósticos disponíveis: do Estado brasileiro, da OIT, das próprias entidades empresariais) e oferecemos os parâmetros atuais das discriminações. Conhecer estes diagnósticos facilita ajustar o foco dos estudos sobre o comportamento das empresas. Caberia ao Observatório Social prosseguir atualizando-os. Sem esta tarefa, o foco de observação do Instituto pode isolar-se, ou pior ainda, pode perder o rumo, isto é, não saber identificar quais são, hoje, as tradicionais e as novas formas de discriminação nos locais de trabalho. As fontes selecionadas são provisórias, mas consideram a variedade e a legitimidade dos dados: • I Relatório Nacional Brasileiro que responde ao respeito da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, publicado em 2002; 184
184
Lembramos que este relatório responde a observância do governo brasileiro a diretriz do Protocolo Facultativo da Convenção da ONU, assinado em 2001.
125
• documento “Novo rumo para a previdência Brasileira”, assinado pelo Ministro da Previdência e Assistência Social, Waldek Ornélas, em outubro de 1999; • diagnóstico realizado pelo Panorama Laboral da OIT, publicado em 2002; • as análises de pesquisadores do IPEA, a partir dos dados RAIS, divulgados pelo Ministério do Trabalho; • o resultado de pesquisas e levantamentos nacionais, por parte de entidades no cenário empresarial, em 2002. Do I Relatório Nacional Brasileiro podemos destacar: • a evolução da população residente, desde 1980 até 1999, destaca que as mulheres são a maioria (51,06 em 1999) da população no Brasil; • 62,7% dos vínculos empregatícios, em 1997, eram ocupados por homens (RAIS); • em média, os homens recebem 5,9 salários mínimos, enquanto que as mulheres recebem, em média, 4,6 salários mínimos; • os assalariados do sexo masculino com nível superior recebem, em média, 17,3 salários mínimos; entre as mulheres na mesma situação a média era de 10,1 salários mínimos, em 1997; • aproximadamente, 26% das famílias no Brasil são chefiadas por mulheres. Na região Norte, chegam a 29% as famílias chefiadas por mulheres. Do documento “Novo rumo para a previdência brasileira”, assinado pelo Ministro da Previdência e Assistência Social, Waldek Ornélas185, em outubro de 1999, destaca-se que a remuneração média do trabalho por idade, sexo e escolaridade aponta que as mulheres de baixa escolaridade e de média - alta escolaridade, ao longo do ciclo
185
Ver o site: www.mpsa.gov.br indo para a publicação do XI Fórum Nacional 1999.
126
de vida (de 20 a 68 anos), obtêm remuneração não só sempre inferior a dos homens, mas também sua remuneração decresce ao longo da experiência de trabalho. (ver gráfico 2, página 10 do documento, dados 1997/PNAD). O diagnóstico realizado pelo Panorama Laboral 2001 na América Latina/OIT, usando a fonte da PNAD de 1990 a 2000, elabora um específico panorama da desigualdade de remuneração entre homens e mulheres.186
Neste
documento é evidenciado que : • a evolução da diferenca salarial do trabalho entre homens e mulheres se produz num contexto de crescimento das remunerações de ocupados não agrícolas entre 1990 e 2000; • a diferença entre remuneração média das mulheres com a dos homens diminui, mas guarda dinâmicas próprias, segundo o cálculo por horas trabalhadas ou por mês. A relação mulheres/homens na remuneração média por horas nos setores não agrícolas no Brasil passa de 0,63 (19901993), para 0,72 (1999-2000). Esta média inclui um contraste entre o setor privado da indústria que passa de 0,81 a 0,88, enquanto no setor informal vai de 0,46 a 0,59 nestes mesmos anos. Considerando a remuneração média por mês, a diferença no setor não agrícola passa de 0,53 para 0,61. Neste caso, há, também, uma distância marcante da evolução entre o setor privado da indústria (0,71 para 0,80) com a remuneração obtida no trabalho informal (0,38 para 0,49)187; • o aumento do nível educativo eleva a remuneração tanto dos homens quanto das mulheres. Mas a diferença de remuneração entre mulheres e homens tende a ampliar-se em vez de reduzir-se frente ao aumento da escolaridade dos ocupados;
186
187
Ver o site: www.oitchile.cl indo para o documento Panorama Laboral 2001.
Esta diferencia entre o calculo por hora e/ou por mês é uma estimativa que perpassa todos os países de América Latina.
127
• a diferença salarial não só está atrelada à escolaridade mas depende do tipo de inserção laboral e das diferentes ocupações que podem ser desempenhadas com um determinado nível de educação. Neste contexto, o relatório aponta que, “no caso das mulheres, parece [estar] incidindo sua incorporação em ocupações de baixa remuneração por fatores culturais ou de discriminação.”188 • a variação da relação salarial mulheres/homens, considerando a idade, evidencia uma dinâmica específica no contexto da América Latina. A diferença salarial aumenta de maneira significativa com a elevação da idade dos ocupados. Isto é: as mulheres recebem 87% dos rendimentos no grupo de 20 a 24 anos, mas 74% no grupo de idade entre 40 e 60 anos. No setor formal, a aproximação salarial entre mulheres e homens é maior no grupo etário de 20 a 24 anos (97%), mas esta chega a ser 82% para as mulheres após 40 anos de idade. • Há maiores diferenças salariais entre os trabalhadores de mais idade, assinalando que há dificuldades entre as mulheres em sua ascensão funcional ao longo das trajetórias ocupacionais, isto é, os estudos mostram que as maiores dificuldades de mobilidade, de promoção e acesso a postos de mais alta remuneração se conectam com o ciclo de vida laboral das mulheres, diferenciando-se do perfil laboral dos trabalhadores homens189. De documentos e pesquisas do IPEA emergem algumas indicações de como as discriminações salariais se articulam com outros condicionantes da inserção segregada das trabalhadoras. Da análise da RAIS, de 1997, o economista M. IKEDA
188
Ver o relatório do Panorama Laboral pagina 31.
189
Ver o As referencia na pagina 31 e 32 do Relatório Panorama Laboral 2001
128
(2000), evidencia:190 • Correlacionando o tamanho do estabelecimento com as remunerações dos trabalhadores, nos grandes estabelecimentos (com mais de 1000 trabalhadores) da indústria, os salários individuais são superiores. Mas, só 11% das mulheres se concentram em empresas industriais deste porte. Nestes estabelecimentos, 15,5% dos homens recebem mais de 15 SM e só 6,5% das mulheres atingem este patamar. Nos estabelecimentos com 50 a 249 trabalhadores, 61% das mulheres recebem menos de três M , contra 37% dos homens. No comércio, 53% das mulheres em estabelecimentos entre 250 a 999 trabalhadores recebem até três SM contra 36% dos homens. • Usando a desagregação em grupos de ocupações, o perfil da discrepância das remunerações segmenta três grupos ocupacionais: dirigentes, produção e administração. Neste último grupo ocupacional, as mulheres são mais numerosas com níveis de qualificação menor que os homens. Se se considera os Grandes Grupos ocupacionais no mercado formal, 43,5% dos homens se concentram entre os trabalhadores da produção industrial, os operadores de máquinas, os condutores de veículos e assemelhados. O grupo de profissões científicas e técnicas absorve 19% das mulheres e só 7% dos homens. • A comparação dos níveis salariais, segundo os grupos de ocupação, aponta que as mulheres permanecem com una remuneração inferior à masculina. No grupo ocupacional de funcionários públicos, superiores, diretores de empresas e assemelhados, 54% dos homens recebem uma remuneração superior a 10 SM e apenas 27% das mulheres estão nesta faixa salarial. Até no grupo trabalhadores da produção industrial,
190
Ver Marcelo IKEDA “Remuneração por gênero no mercado de trabalho formal: diferenças e possíveis justificativas” texto para Discussão n. 82, disponível no site www.ipea.gov.br
129
operadores de máquinas e assemelhados, as diferenças salariais são significativas: enquanto 71% das mulheres recebem até três SM, só 44% dos homens ocupam a mesma faixa salarial. Do documento “Balanço social 2000” da PREVI
, pode-se obter a
191
reiteração das desigualdades entre mulheres e homens, tendo como referência 102 empresas, nas quais esta detém participação acionária: • O percentual de mulheres empregadas em relação ao total de colaboradores é de 25,10%. Destaca-se a presença das trabalhadoras nas empresas dos setores de confecção (45%), bancos (39%), turismo e lazer (38%). A participação das mulheres não supera 10% na siderurgia, metalurgia, mineração, veículos e peças. • Entre as empresas nas quais a PREVI tem participação acionária, as mulheres são 19,12% em cargos de gerência, enquanto em cargos de diretoria são 5,20%. • No perfil de salários médios, em 2000, na gerência, os homens brancos atingem o salário de 8 mil reais enquanto as mulheres não superam o de 6 mil reais; na direção, os homens atingem 19 mil reais enquanto os salários médios das mulheres não superam 12 mil reais. • No âmbito da administração e da produção, o perfil salarial é próximo entre os dois sexos. Do documento Balanço Social dos Bancos, apresentado pela FEBRABAN , em 2001, a configuração da divisão sexual do trabalho é assim distribuída.
192
191
Dados disponíveis no site: www.previ.com.br/quemsomos/balanco 2000/imagens.
192
Ver o site www.febraran.org.br os dados sobre recursos humanos.
130
O QUADRO DE PESSOAL DOS BANCOS, POR CATEGORIAS, 2000 E 2001 Categorias Diretores (inclusive estatutários) Gerentes, Chefes e Supervisores Técnicos de nível universitário Caixas, escriturários e auxiliares, recepcionistas, secretárias, operadores Outros empregados - contínuos, pessoal de limpeza etc.
2000 % Mulheres 6,8 34,8 42,4
2001 % de mulheres 11,4 35,3 42,3
49,9
50,1
32,7
27,6
131
CAPÍTULO 5 - RAÇA
Maria Aparecida Silva Bento Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade
Este texto de referência consiste em um repertório de preceitos normativoinstitucionais, demarcações históricas, parâmetros semânticos e conceituais, além de prismas de análise política, econômico-sociológica e estatística, destinado ao monitoramento do impacto e da efetividade dos direitos previstos na Convenção Concernente à Discriminação no Emprego e na Ocupação – Convenção 111 – da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Grosso modo, poder-se-ia afirmar que o texto conforma um elenco coordenado e lógico de pontos de observação, um roteiro de trabalho, uma espécie de manual capaz de delimitar e descrever os diversos aspectos materiais contemplados nos termos da Convenção, visando otimizar uma consideração abrangente e crítica desta. O objetivo é aportar instrumentos de observação, monitoramento e análise crítica da temática da igualdade nas relações de trabalho e, também, da aplicação, observância e eficácia dos direitos prescritos na Convenção 111, visando subsidiar sindicatos e movimentos sociais no que diz respeito a medidas políticas e jurídicoinstitucionais que favoreçam a luta pela igualdade de oportunidades e de tratamento no trabalho. Com isso, pretende-se mobilizar a atenção dos sindicatos e movimentos sociais interessados na amplitude, importância e implicações da temática da igualdade no trabalho; difundir e ampliar a consciência do direito de igualdade no trabalho, nas suas mais diversas dimensões, com ênfase nas políticas previstas na Convenção 111; potencializar a exploração do sistema de tutela internacional dos direitos humanos, notadamente o controle dos relatórios anuais, conferências, agências e instâncias de recursos da OIT; estimular a utilização política e judicial da Convenção 111,
132
objetivando fortalecer as lutas contra a discriminação e pela igualdade de oportunidades e de tratamento no trabalho; inscrever a temática da igualdade no trabalho, no debate público, na agenda governamental e, também, na agenda do movimento sindical.
5.1 HISTÓRICO SOBRE O TEMA
5.1.1 Evolução Mundial A luta pela igualdade nas relações do trabalho está intimamente vinculada à trajetória histórica do próprio direito do trabalho, e suas origens remontam à Revolução Industrial e às revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX. O ideário liberal da sociedade meritocrática193 irradia-se no campo das relações de trabalho, atribuindo ao Estado e aos particulares o dever de observar a igualdade de todos, abstendo-se de discriminar. Já a Constituição norte-americana (1787), a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e, posteriormente, a segunda Constituição Francesa, de 1848, se ocuparam do direito ao trabalho e da igualdade neste campo. O Tratado de Versalhes (28 de junho de 1919), assinado no término da 1a Guerra Mundial, definiu as condições de paz entre os Aliados e a Alemanha, lançou as bases para a Constituição e o programa de ação da Organização Internacional do 194
Trabalho e registra em seu art. 427: “o princípio do salário igual, sem distinção de sexo, para trabalho de igual valor”.
193
Postulado segundo o qual a distribuição das posições sociais deve ter como base exclusivamente as aptidões intelectuais, a capacidade individual. 194
A primeira versão da Constitucional da OIT sofreu modificações em 1922, 1945, 1946, 1953, 1962 e 1972.
133
Meses depois, em agosto de 1919, na Alemanha, era elaborada a Constituição de Weimar, considerada um dos pilares dos direitos sociais, que propugnava, em seu art. 157, a exigência de um direito do trabalho uniforme para todos os operários. Note-se que, também, a Constituição Mexicana (1917), e a Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918), figuram como marcos importantes no surgimento da chamada terceira geração de direitos – a dos direitos sociais – e inscreveram a igualdade nas relações de trabalho dentre suas normas fundamentais. Já o art. XXIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é cristalino em sua redação: 1. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.”
Vale lembrar que, a despeito da controvérsia que caracteriza a descrição histórica do surgimento dos direitos, é possível agruparmos as várias classificações em três grandes blocos: • a primeira geração de direitos, dos direitos individuais, que derivou da Bill of Rigths inglesa, da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão francesa e dos primeiros Amendments
à Constituição dos Estados
Unidos, que, tradicionalmente, cataloga o direito à vida, à segurança, o direito de liberdade, de igualdade, de propriedade, de ir e vir, de expressão, de reunião, e de associação, e, também, os direitos políticos; • a segunda geração de direitos, dos direitos econômicos e sociais, derivada da Constituição Mexicana de 1917, da Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado soviética e da Constituição de Weimar, de 1919, que insere em seu rol os direitos ao bem-estar, ao trabalho, à
134
seguridade, à saúde, à educação, ao lazer, à vida cultural; e, • a terceira geração de direitos, surgida no último quartel do séc. XX, que compreende o direito a um meio ambiente equilibrado, direitos de solidariedade e de fraternidade195. Assinale-se que a concepção contemporânea dos direitos humanos reivindica a impossibilidade de se secionar, hierarquizar ou compartamentalizar tais direitos: os direitos humanos são conformados pela inter-relação entre os direitos individuais, sociais e de solidariedade. Interessante observar que o direito de igualdade (primeira geração – direitos individuais) precede, historicamente, o direito ao trabalho (segunda geração – direitos sociais). Neste ponto, assevera Norberto Bobbio que, “Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o super poder do Estado – e, portanto, com o objetivo de limitar o poder -, os direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado”.196 A rigor, ao determinar a adoção de uma política de promoção da igualdade, a Convenção 111 implica exatamente na ampliação dos poderes do Estado, especificamente nos contratos de trabalho, à medida que estabelece condições mínimas que deverão ser observadas e garantidas pelo aparelho de Estado. A nota característica da promoção da igualdade, prestigiada na Convenção 111, distingue-se, portanto, por um comportamento ativo do Estado, em termos de traduzir a igualdade formal em igualdade de oportunidade e tratamento, o que é, qualitativamente, diferente da confortável postura de não-discriminar. Vale dizer, o conteúdo positivo do direito de igualdade comete ao Estado o dever de esforçar-se para favorecer a criação de condições que permitam a todos se beneficiarem da
195
v. Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO, Direitos Humanos Fundamentais, pp. 53-60.
196
Norberto BOBBIO, A Era dos Direitos, p.72.
135
igualdade de oportunidade e eliminar qualquer fonte de discriminação direta ou indireta. A isto, dá-se o nome de Ação Afirmativa, compreendida como comportamento ativo do Estado, em contraposição à atitude negativa, passiva, limitada à mera intenção de não-discriminar. Em referência ao tema, denominado por ele como “igualdade das oportunidades”, ensina Bobbio que, O que mais uma vez faz desse princípio um princípio inovador nos estados social e economicamente avançados é o fato de que ele se tenha grandemente difundido como conseqüência do predomínio de uma concepção conflitualista global da sociedade, segundo a qual toda a vida social é considerada como uma grande competição para obtenção de bens escassos. Essa difusão ocorreu, pelo menos, em duas direções: a) na exigência de que a igualdade dos pontos de partida seja aplicada a todos os membros do grupo social, sem nenhuma distinção de religião, de raça, de sexo, de classe, etc. b) na inclusão, onde a regra deve ser aplicada, de situações econômicas e socialmente bem mais importantes do que a dos jogos ou dos concursos. [...] Em outras palavras, o princípio da igualdade das oportunidades, quando elevado a princípio geral, tem como objetivo colocar todos os membros daquela determinada sociedade na condição de participar da competição pela vida, ou pela conquista do que é vitalmente mais significativo, a partir de posições iguais197.
Prossegue o jus-filósofo italiano: precisamente a fim de colocar indivíduos desiguais por nascimento nas mesmas condições de partida, pode ser necessário favorecer os mais pobres e desfavorecer os ricos, isto é, introduzir artificialmente, ou imperativamente, discriminações que de outro modo não existiriam, como ocorre, de resto, em certas competições esportivas, nas quais se assegura aos concorrentes menos experientes uma certa vantagem em relação aos mais experientes. Desse modo, uma desigualdade torna-se um instrumento de igualdade, pelo simples motivo de que corrige uma desigualdade anterior: a nova igualdade é o resultado da equiparação das desigualdades.198
Deste entendimento não se aparta Faria: “Os homens são iguais, já dizia Aristóteles, mas só têm os mesmos direitos em idênticas condições [...] A igualdade não é violada se a lei trata diversamente os homens que não têm a mesma situação, ou ainda, se ela vem em socorro daqueles que são, segundo a expressão moderna, os
197
Norberto BOBBIO, Igualdade e Liberdade, p. 31.
198 Ibidem, p. 32.
136
‘economicamente fracos’”199. Pelo exposto, é possível afirmar que, na atualidade, embora permaneça catalogado na primeira geração de direitos, o direto de igualdade, incluindo a igualdade no trabalho, assume paulatinamente os contornos de um direito social, visto que passa a demandar prestações positivas por parte do Estado e também dos particulares.
5.1.2 Evolução no Brasil
5.1.2.1 A Convenção 111 da OIT Preliminarmente, cumpre pôr em relevo que a Convenção 111 tem como escopo principal a promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão (art. 2o), o que abrange o acesso à formação profissional, ao emprego, às diferentes profissões, bem como condições dignas de trabalho (art. 1o, item 3). O art. 1o, alínea “a”, enumera as modalidades de discriminação ilícita, ou os fatores que discriminem, quais sejam: raça, cor, sexo, religião, opinião política e origem social. Não obstante, este mesmo artigo, em sua alínea “b”, prescreve que “qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito ou objetivo destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser especificada pelo Membro interessado[...]”, de modo que o elenco de fatores de discriminação referido na alínea “a” não é taxativo, não esgota as modalidades de discriminação contempladas na Convenção 111, pelo que fatores outros, como: idade, porte de deficiência, estado civil, estado de saúde, filiação sindical, entre outros, estão implicitamente protegidos pelas cláusulas daquele tratado internacional.
199
Anacleto de Oliveira FARIA, op. cit., pp. 46- 226.
137
Trata-se de previsão plenamente compatível com a Constituição Brasileira de 1988, visto que esta assinala como fontes de desigualdade na distribuição de direitos e oportunidades, inclusive nas relações de trabalho, os critérios de origem; cor ou raça; sexo; idade; estado civil; porte de deficiência; credo religioso; convicções filosóficas ou políticas; tipo de trabalho e natureza da filiação. A exemplo da Convenção 111, o art. 5o, inciso XLI, da Carta da República, consigna a punição de “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Por evidente, o emprego do pronome indefinido “qualquer” implica que o rol de fatores de discriminação apontado acima não exaure as modalidades de discriminação; o que quer dizer que etnia, ou orientação sexual, apenas para citar estes, embora não estejam explicitamente previstos, estão implicitamente contemplados no repúdio constitucional à violação de direitos fundada em atributos das pessoas. Nesta perspectiva, já podemos apontar os critérios de discriminação ilícita contemplados, explícita ou implicitamente, no sistema jurídico brasileiro, tendo como referência a Convenção 111: raça, cor, sexo, religião, opinião política, origem social, idade, estado civil, estado de saúde, filiação sindical, porte de deficiência, convicções filosóficas e/ou políticas, natureza da filiação, etnia e orientação sexual. Do ponto de vista normativo, a Convenção 111 conjuga duas vertentes distintas e complementares: uma vertente repressiva, assentada no princípio da nãodiscriminação ilícita, que prevê a punição da discriminação (art. 2o, parte final); outra, promocional, que preceitua a adoção de medidas positivas destinadas a promover a igualdade de oportunidades e de tratamento no trabalho (arts. 2o e 3o). No elenco das medidas positivas, podemos destacar: • a adoção de uma política nacional de promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão (art. 2o); • a aprovação de leis que favoreçam a implantação da política de promoção da igualdade (art. 3o, alínea “b”); • o desenvolvimento de esforços conjuntos entre governo, trabalhadores e empregadores (art. 3o, alínea “a”) visando a aplicação dos termos da
138
Convenção; • os programas de educação voltados para a difusão e aceitação da política de promoção da igualdade (art. 3o, alínea “b”); • as medidas eficazes no âmbito dos serviços de orientação e formação profissionais e de colocação (art. 3o, alínea “e”); • a aplicação da política de promoção da igualdade prioritariamente em favor dos trabalhadores do setor público (art. 3o, alínea “d”); e • a aplicação da política de promoção da igualdade nas diversas esferas de governo, sejam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios ( art. 6o). Por seu turno, o campo de aplicação material da Convenção 111 engloba: • acesso aos meios de formação e orientação profissional; • acesso ao emprego e às diferentes profissões; e • condições de trabalho, o que inclui estabilidade, igualdade de remuneração, proteção em face de assédio sexual, problemas de mobilidade e mortalidade ocupacionais, como também acesso à seguridade social. Temos, pois, que o objeto do presente Termo de Referência contempla, em síntese, as temáticas do acesso à formação profissional, acesso ao emprego e permanência nele , acesso às diferentes funções, condições dignas de trabalho e remuneração justa e eqüitativa de um leque de segmentos sociais sujeitos a práticas discriminatórias nas relações de trabalho. Não podemos nos esquecer, no entanto, que este “leque de segmentos sociais” – que abarcam, como já foi dito, além de negros e mulheres, também idosos, homossexuais, deficientes físicos, entre outros -, no caso específico brasileiro centrouse, historicamente, na questão das desigualdades raciais entre negros e brancos. Mais adiante, será melhor explorado este histórico.
139
5.1.2.2 Aspectos legais O direito ao trabalho, como os demais direitos sociais, surge formalmente no contexto brasileiro a partir da Constituição de 1934, a qual instituiu a Justiça do Trabalho e proibia a distinção salarial para trabalho igual por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil. Vale lembrar, contudo, que, em 1931, o Brasil adotava a denominada Lei da Nacionalização do Trabalho, obrigando as empresas a reservarem dois terços de suas vagas para trabalhadores nacionais. Por evidente, em face do brutal processo de exclusão da população negra dos setores de ponta da agricultura e das oportunidades geradas pelo industralismo, em favor do imigrante europeu, a referida lei, mesmo não tendo um endereçamento racial patente, terminou por beneficiar sobremaneira o segmento negro da população brasileira. Pesquisando a empregabilidade de negros e brancos na primeira metade dos anos trinta, por meio dos registros de uma empresa do setor público e outra do setor privado, ambas situadas na capital paulista, o historiador George Andrews comprova que a taxa de emprego cresceu cerca de quatro vezes entre a população negra economicamente ativa, em razão da Lei da Nacionalização do Trabalho. Retomando, a preocupação com a proibição e a repressão à discriminação nas relações de trabalho irá perpassar o período Getúlio, a redemocratização dos anos cinqüenta e a ditadura militar, permanecendo até os nossos dias. Dos anos sessenta deve ser destacada a aprovação da Lei Afonso Arinos (Lei 1.309, de 03 de julho de 1951) que qualificava a discriminação racial como contravenção penal, inclusive nas relações de trabalho. No final da década seguinte, coerente com o discurso do mito da democracia racial, o Brasil aderiu e ratificou a Convenção 111 (23 de janeiro de 1968) e a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (8 de dezembro de 1969), cujos artigos 1o e 4o prescrevem uma série de medidas práticas voltadas para a
140
igualdade na relações de trabalho. A redemocratização, iniciada nos primeiros anos da década de noventa, cujo marco foi a Constituinte de 1988, tendo sido sensível às lutas históricas e aos apelos do Movimento Negro, do Movimento de Mulheres, de Portadores de Deficiências, entre outros, terminou por redesenhar o debate acerca da discriminação e da igualdade nas relações de trabalho. Expressando inédito reconhecimento jurídico-institucional da gravidade da problemática da discriminação, seja nas relações de trabalho, seja em outros quadrantes do convívio em sociedade, a Constituição de 1988, refletindo a pressão das entidades populares
200
no processo constituinte, consagrou um amplo leque de
enunciados destinados à repressão da discriminação e à promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento. Ainda no plano das normas constitucionais, não se pode olvidar que no dispositivo do art. 5o, inciso XLI (41), a Lei Maior consigna a punição de “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Há que se assinalar que o aludido preceito constitucional prevê que a lei punirá não todas e quaisquer discriminações, mas, apenas e tão somente, aquelas discriminações que atentem contra os direitos e liberdades fundamentais. Uma tal consideração ganha relevância quando verificamos que, especialmente no plano das relações de trabalho, a Constituição vigente (adiante trataremos das normas infraconstitucionais, genericamente denominadas de leis ordinárias) correlaciona igualdade e discriminação em duas fórmulas distintas, complementares e enlaçadas em concordância prática: 1. proíbe e sanciona a discriminação naquelas circunstâncias em que sua ocorrência produziria desigualação e, de outro lado; 2. prescreve discriminação como forma de compensar desigualdade de
200
Kátia Elenise OLIVEIRA DA SILVA. O papel do direito penal no enfrentamento da discriminação. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1997.
141
oportunidades, ou seja, quando tal procedimento se faz necessário para a promoção da igualdade. Este significado binário, evitar desigualação versus promover a igualação, atribui ao princípio da igualdade dois conteúdos igualmente distintos e complementares: 1. um conteúdo negativo, que impõe uma obrigação negativa, uma abstenção, um papel passivo, uma obrigação de não-fazer: nãodiscriminar; e 2. um conteúdo positivo, que impõe uma obrigação positiva, uma prestação, um papel ativo, uma obrigação de fazer: promover a igualdade. Como corolário, este mesmo sistema disciplina duas modalidades de discriminação: uma discriminação negativa, ilícita, por isso vedada, intitulada por Seabra Fagundes
201
como discriminação injusta; outra, positiva, lícita, pelo que é
prevista textualmente na Carta de 88, designada pela Constituição Sul-africana como 202
discriminação justa. Assim
é
que
a
Constituição
de
88,
e
seus
desdobramentos
infraconstitucionais, passou a prescrever uma nova modalidade de discriminação, a discriminação justa, o que resultou num alargamento substantivo do conteúdo semântico do princípio da igualdade, bem como na ampliação objetiva das obrigações estatais em face do tema. Reside no próprio Texto Constitucional, insistimos, o critério distintivo da discriminação, aquele critério que demarca as duas espécies de discriminação disciplinadas pela Constituição Federal: uma contrária e a outra conforme o princípio
201
Miguel SEABRA FAGUNDES, O Princípio Constitucional da Igualdade Perante a Lei e o Poder Legislativo in Revista dos Tribunais, Ed. Revista dos Tribunais, n. 235, 1955. 202
1996.
Art. 9o, item 5, da Constituição da República da África do Sul, de 11 de outubro de
142
da igualdade: norma do art. 5o, XLI, dispõe que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, de modo que, não sendo atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, a discriminação é plenamente admitida no sistema jurídico brasileiro.
5.1.2.2.1 O princípio da não-discriminação (o aspecto repressivo) O Preâmbulo da Constituição Federal consigna o repúdio ao preconceito203; o art. 3º, IV, proíbe o preconceito e qualquer outra forma de discriminação (de onde se poderia inferir que preconceito seria espécie do gênero discriminação); o art. 4º, VIII, assinala a repulsa ao racismo no âmbito das relações internacionais; o art. 5º, XLI, prescreve que a lei punirá qualquer forma de discriminação atentatória dos direitos e garantias fundamentais; o mesmo art. 5º, XLII, criminaliza a prática do racismo; o art. 7º, XXX, proíbe a diferença de salários e de critério de admissão por motivo de cor, dentre outras motivações e, finalmente, o art. 227, atribui ao Estado o dever de colocar a criança a salvo de toda forma de discriminação e repudia o preconceito contra portadores de deficiência. Esta dimensão negativa, digamos assim, do direito de igualdade, traduzida na sanção estatal das práticas discriminatórias injustas, resultou, desde a promulgação da Constituição vigente, na edição de um pequeno leque de normas infraconstitucionais, leis ordinárias destinadas a coibir, a sancionar, a punir a discriminação. Assim, podemos assinalar: • a Lei 7.716/89, a denominada Lei Caó, criminaliza a discriminação fundada em raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, e,
203
Trata-se de uma evidente impropriedade semântica, uma vez que o preconceito, uma categoria psicológica, designa elementos volitivos e/ou afetivos situados na esfera da liberdade interior do indivíduo, no terreno da subjetividade, da liberdade de opinião e de pensamento, sendo insuscetível, portanto, de regramento jurídico - ao menos no Estado Democrático de Direito. Com base neste entendimento arriscamos afirmar que ao empregar o termo preconceito, a voluntas legislatoris, a vontade do legislador pretendeu significar discriminação, esta sim, uma conduta passível de sanção estatal.
143
especificamente nos seus artigos 3o e 4o, sanciona a discriminação no acesso a qualquer cargo da administração direta, indireta, e nas concessionárias de serviço público, como também no acesso a emprego em empresa privada; • a Lei 7.853/89 criminaliza a discriminação no acesso a qualquer emprego público ou emprego privado fundada em porte de deficiência; • a Lei 8.842/94, proíbe a discriminação contra a pessoa idosa, assinalando que, para efeitos legais, considera-se idosa a pessoa maior de sessenta anos; • a Lei 9.029/95, pune a exigência de atestados de gravidez e outras práticas discriminatórias baseadas em sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, no acesso ou no rompimento da relação de trabalho. Não obstante a existência destas leis penais, ao analisarem a intersecção entre direito e práticas discriminatórias no Brasil, invariavelmente agregando à disciplina jurídica as contribuições de ciências como a sociologia, a economia, a psicologia e outras, os raros e emergentes estudiosos que se ocuparam do tema, entre eles Oliveira da Silva204, Bertúlio205, Prudente206, Silva207, Vassouras208 e Lima209,
204
Kátia Elenise OLIVEIRA DA SILVA, O Papel do Direito Penal no Enfrentamento da Discriminação. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1997. 205
Dora Lúcia de Lima BERTÚLIO. Direito e Relações Raciais. Uma Introdução Crítica ao Racismo. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, 1989. 206
Eunice Aparecida de Jesus PRUDENTE. Preconceito Racial e Igualdade Jurídica no Brasil. São Paulo. Ed. Julex, 1989. 207
Jorge da SILVA. Direitos Civis e Relações Raciais no Brasil. Rio de Janeiro. Ed. Luam,
208
Vera Lúcia C. VASSOURAS. O Mito da Igualdade Jurídica no Brasil. São Paulo. Ed.
1994. Edicon, 1995. 209
Francisco Gérson Marques de LIMA. Igualdade de Tratamento nas Relações de Trabalho. São Paulo. Ed. Malheiros, 1997.
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concordam quanto ao fato de que a inscrição do princípio da não-discriminação e a existência de leis punitivas têm sido insuficientes para estancar a reprodução de práticas discriminatórias na sociedade brasileira. Assim é que a dimensão factual, empírica, do direito de igualdade, à luz dos estudos sobre discriminação nas relações cotidianas, revela flagrante violação de pelo menos dois de seus conteúdos jurídicos fundamentais: igualdade na fruição de direitos e igualdade na aplicação da lei. Aqui emerge o fosso, um hiato que distancia o repúdio legal à discriminação das persistentes práticas públicas e privadas, institucionais e/ou individuais, no mais das vezes silenciosas e informais, que resultam em violações de direito, fundadas em raça/cor, etnia, sexo/gênero, idade, estado civil, orientação sexual, ou porte de deficiências, no trabalho e em outras esferas, há décadas denunciadas pelos movimentos sociais e, hoje, sobejamente demonstradas por estatísticas produzidas, inclusive, por centros governamentais de pesquisas. A título de exemplo, rastreando 250 Boletins de Ocorrência, registrados na Delegacia de Crimes Raciais de São Paulo, no período de junho de 1993 a junho de 1995, 60% dos quais relacionados a práticas discriminatórias no trabalho, não localizamos nenhuma condenação; a despeito, é verdade, do paulatino crescimento de condenações judiciais, especialmente na justiça civil e trabalhista, em favor de pessoas vítimas de discriminação . 210
Uma nota deve ser assinalada ao emprego do método punitivo no enfrentamento da discriminação: Conforme anota Ferraz Jr., [...] o Direito como instrumento de controle social em termos de controle coativo, nos moldes tradicionais, observa, contudo, o aparecimento do controle persuasivo e
210
A extinta Delegacia de Crimes Raciais não era o único lugar no Brasil no qual se faziam queixas de discriminação. Isto quer dizer que os casos especificamente levados para aquela finada Delegacia não prosperaram. Mas não impediram que casos levados a outros órgãos policiais ou judiciários prosperassem e apresentassem ligeiro aumento desde 1988, data da promulgação da Constituição vigente. (Revista do CEERT – Vol.1, No. 1, Nov 1997)
145
premonitivo. Se no primeiro (coativo) a ênfase está na repressão e na prevenção de condutas, no segundo (persuasivo) a ênfase está no condicionamento da ação desejada e no terceiro (premonitivo) até mesmo no processo de evitar que conflitos possam sequer ocorrer[...].211
Trata-se, como afirma o próprio Bobbio , da substituição “das técnicas da 212
força pelas técnicas da persuasão”. São facilmente demonstráveis as limitações da técnica da força no enfrentamento da discriminação; não apenas porque, decorridas cinco décadas da consideração da discriminação como infração penal (a primeira lei ordinária antidiscriminação data de 03 de julho de 1951, a Lei 1.309, mais conhecida como Lei Afonso Arinos, revogada pela Constituição de 88) sua ocorrência e a impunidade que a reveste permanecem intactas, mas, sobretudo, porque a técnica da força tende a atacar apenas o resultado (a discriminação) sem tocar nas causas (o preconceito, o estereótipo, a intolerância e o racismo). Daí porque, retomando as normas constitucionais promocionais da igualdade, estas sinalizam novas e mais promissoras possibilidades de um enfrentamento eficaz do problema, senão vejamos: 1. porque não se limitam a fixar princípios de não-discriminação ou estabelecer sanções negativas; 2. porque estabelecem medidas positivas para a promoção da igualdade, o que implica papel ativo, uma obrigação positiva para o Estado e não apenas uma abstenção (nãodiscriminar); 3. porque introduzem princípios e regras que, ao menos teoricamente, autorizam a adoção de medidas destinas a compensar as desigualdades; 4. porque lançam mão de métodos persuasivos, preocupados em evitar que a discriminação aconteça e preocupados, também, com a educação para a tolerância; 5. porque ao adotarem métodos persuasivos, sinalizam preocupação com causas e não apenas com resultados; 6. porque ao estabelecerem normas programáticas, asseguram ao
211
Tércio Sampaio FERRAZ JR., apresentação do livro de Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, trad. Claudio de Cicco e Maria Celeste C. L. Santos, 5a ed., Distrito Federal, Ed. UnB, 1994. 212
Norberto BOBBIO. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1992.
146
discriminado o direito de demandar, judicialmente, o Estado no sentido de fazer o direito tutelado. Na esfera dos instrumentos promocionais da igualdade, portanto, a norma jurídica faz mais do que reprimir a discriminação: ela se ocupa da educação para a tolerância, do condicionamento de comportamentos, adota o princípio aristotélico da justiça distributiva , prescreve incentivos para a promoção da igualdade, busca evitar a 213
ocorrência da discriminação. Trata-se, como prevêem alguns dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, de uma verdadeira política de promoção da igualdade, que ainda carece, contudo, de efetiva implementação.
5.1.2.2.2 O princípio da promoção da igualdade (o aspecto promocional) A dimensão positiva do princípio da igualdade encontra sustentação em três espécies de regras constitucionais. A primeira, de teor rigorosamente igualitarista, de alta densidade semântica, atribui ao Estado o dever de abolir a marginalização e as desigualdades, destacando-se, entre outras: • “art. 3o, III – erradicar a [....] marginalização e reduzir as desigualdades sociais[...] • art. 23, X – combater [...] os fatores de marginalização; • art. 170, VII – redução das desigualdades [...] sociais”. Já, uma segunda espécie de regras fixa, textualmente, prestações positivas, destinadas à promoção e integração dos segmentos desfavorecidos, merecendo realce: • “art. 3o, IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;
213
Segundo o qual uma regra é igualitária quando trata desigualmente os desiguais (BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 2a ed., Distrito Federal, Ed. UnB, 1986)
147
• art. 23, X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização,
promovendo
a
integração
social
dos
setores
desfavorecidos; • art. 227, II - criação de programas [...] de integração social dos adolescentes portadores de deficiência”. Vale sublinhar que, em referência ao aludido art. 3o, situado no rol dos Objetivos Fundamentais da República, Silva qualifica-o como princípio que implica 214
uma prestação positiva do Estado, mesmo porque o verbo promover designa, segundo Holanda Ferreira, “dar impulso a; trabalhar a favor de; favorecer o progresso de; fazer avançar; fomentar, ser a causa de; causar, gerar, provocar, originar”215. Por último, mas não em último lugar, temos as normas que textualmente prescrevem discriminação, discriminação justa, como forma de compensar desigualdade de oportunidades, ou, em alguns casos, de fomentar o desenvolvimento de setores considerados prioritários, devendo ser ressaltadas: • “art. 7o, XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; • art. 37, VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão; • art. 145, § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte[...]; • art. 170, IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País;
214
José AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo. 16a ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 1999. 215
Aurélio Buarque de Holanda FERREIRA, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 3a ed., Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1986.
148
• art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”. Convém assinalar, ainda, a norma do art. 5o, § 2º, da Lei Maior, que assegurou tutela constitucional aos direitos emanados dos tratados internacionais, lembrando que alguns dos principais tratados antidiscriminação, ratificados pelo Brasil prevêem textualmente a adoção de políticas de promoção da igualdade, e não apenas políticas de combate à discriminação. É ocioso assinalar que a Convenção 111 prescreve a formulação e a adoção de uma política nacional (art. 2o), parcerias com empregadores (art. 3o, alínea “a”), programas de educação (art. 3o, alínea “b”), medidas eficazes no âmbito dos serviços de orientação e formação profissionais e de colocação (art. 3o, alínea a), além de outras medidas concretas, devendo ser sublinhado que, na gramática portuguesa, o vocábulo medida designa, em síntese dicionarizada, uma providência, disposição, ação, enfim, indica um agir, fazer alguma coisa. .Direcionando-se o foco para o plano das normas infraconstitucionais, destacam-se: • . o Decreto-Lei 5.452/43 (CLT), que prevê, em seu art. 354, cota de dois terços de brasileiros para empregados de empresas individuais ou coletivas; • o Decreto-Lei 5.452/43 (CLT), que estabelece, em seu art. 373-A, a adoção de políticas destinadas a corrigir as distorções responsáveis pela desigualação de direitos entre homens e mulheres • a Lei 8.112/90, que prescreve, em art. 5o, § 2º, cotas de até 20% para os portadores de deficiências no serviço público civil da união; • a Lei 8.213/91, que fixou, em seu art. 93, cotas para os portadores de
149
deficiência no setor privado ; 216
• a Lei 8.666/93, que preceitua, em art. 24, inc. XX, a inexigibilidade de licitação para contratação de associações filantrópicas de portadores de deficiência.
Temos, pois, que a Constituição de 88 e seus desdobramentos infraconstitucionais passou a prescrever uma nova modalidade de discriminação, a discriminação justa, cujas raízes remontam à época da edição da CLT, o que resultou num alargamento substantivo do conteúdo semântico do princípio da igualdade, bem como na ampliação objetiva das obrigações estatais em face do tema, tudo em perfeita sintonia com as políticas previstas na Convenção 111 da OIT.
5.1.3 Evolução no Movimento Sindical A temática da discriminação e a luta pela igualdade nas relações de trabalho irá se inscrever no movimento sindical por força, essencialmente, do engajamento de ativistas e dirigentes sindicais no Movimento Negro e no Movimento de Mulheres. A crítica da militância negra e feminina ao etnocentrismo e ao sexismo do discurso e da prática sindicais ganha corpo, na segunda metade dos anos oitenta, a partir do que proliferam no interior das centrais sindicais, notadamente da CUT, comissões e grupos com a finalidade de recortar a ação sindical a partir das condições de vida e de trabalho de negros e mulheres. Convém assinalar que a CUT foi a primeira central sindical a aderir a uma proposição encaminhada pelo CEERT – Centro de Estudos das Relações de Trabalho, uma ONG paulista nascida em 1990 – visando enviar à OIT uma reclamação formal de descumprimento da Convenção 111 por parte do Estado brasileiro. A partir do seu encaminhamento formal, em 1992, sempre com a assessoria do CEERT, a CUT inicia
216
Compreendida como reserva sistemática de acesso.
150
um amplo processo de debates, cursos de formação, campanhas de difusão e conscientização dos direitos previstos na Convenção 111, terminando por organizar um Encontro Nacional, no ano de 1993, em Belo Horizonte, no qual foi formada a Comissão Nacional de Combate ao Racismo/CUT. No ano seguinte, realizava-se em Salvador/BA, a 1a Conferência Sindical Interamericana Contra a Discriminação Racial, que contou com a presença da CUT, da Força Sindical, da Confederação Geral dos Trabalhadores, da central norte-americana AFL-CIO e de um representante da ORIT. Da articulação entre sindicalistas anti-racistas brasileiros e norte-americanos surge a idéia de organização de um organismo de cooperação, o que foi materializado em 1988, com a criação do INSPIR – Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial. Uma das contribuições mais importantes aportadas pelo INSPIR diz respeito à produção, negociação e fiscalização de cláusulas de promoção da igualdade, direcionadas para acordos e convenções coletivas de trabalho (Silva 1998). Essas cláusulas focalizam particularmente os processos de inserção e mobilidade dos trabalhadores dentro das organizações. Observa-se atualmente uma interessante juridicização de propostas de promoção da igualdade racial por parte dos movimentos sindicais em geral, especialmente por meio destas cláusulas. É o caso, por exemplo, do acordo firmado entre a CNB – Confederação Nacional dos Bancários - e a FENABAN – Federação Nacional dos Banqueiros - que assinaram o Acordo Coletivo 2001/2002, prevendo uma Cláusula de Igualdade de Oportunidades, visando a construção de campanhas educativas tanto para os profissionais do setor, como para a sociedade, promovendo o respeito à diversidade de gênero, raça e orientação sexual, e a implementação de ações afirmativas. No movimento sindical, as experiências vêm se desenvolvendo lentamente, havendo, contudo, sinais de que um trabalho conjunto de sindicatos e instâncias do movimento negro pode levar a mudanças mais eficazes nestas relações.
151
5.1.4 Evolução no Poder Púbico Um outro importante ator, que deveria participar ativamente desse processo, o Estado, como se poderá observar a seguir, só nos últimos três anos começa a implementar ações concretas de combate à discriminação. Um marco que deveria ter sido importante no que diz respeito à intervenção estatal nas relações raciais foi o ano 1968, quando o governo brasileiro ratificou a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), comprometendo-se assim a “formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar todas as formas de discriminação”. A partir de então, periodicamente, foram encaminhados à OIT relatórios sobre a aplicação dessa Convenção, na maioria das vezes, omitindo as situações de discriminação, uma vez que o enfoque do Estado brasileiro era de uma realidade multirracial sem conflitos. Em 1994, após a denúncia do descumprimento da Convenção 111 pelo Brasil217 (assinada pelas três centrais sindicais e encaminhada pela CUT), encaminhada formalmente em 1992, a OIT convoca o Brasil a responder à acusação. E, em junho de 1995, em Genebra, durante a 83ª Conferência Internacional do Trabalho, o governo brasileiro assume, oficialmente, a existência de práticas discriminatórias nas relações de trabalho. Ao mesmo tempo, solicita cooperação técnica da OIT, o que dá início ao Programa de Cooperação Técnica entre o Ministério do Trabalho e a OIT para Implementação da Convenção 111, também chamado Programa de Combate à Discriminação no Trabalho e na Profissão. Em 7 de setembro de 1995, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em pronunciamento nacional, reitera o compromisso de seu governo com as
24
O CEERT (Centro de Estudo das Relações do Trabalho e Desigualdades) elaborou um documento denunciando o descumprimento da Convenção 111, e com o apoio de entidades do movimento negro, encaminhou-o para os dirigentes negros do movimento sindical.
152
questões de Direitos Humanos e, determina ao Ministério da Justiça a elaboração de um Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), conforme previsto na Declaração e no Programa de Ação de Viena, adotado na II Conferência Mundial de Direitos Humanos, em 1993. Pode-se afirmar que o ano de 1995 foi um marco importante no tratamento de questões envolvendo a população negra. Em novembro, durante a comemoração do Tricentenário de Zumbi, o Movimento Negro realizou um dos atos políticos mais importantes de sua trajetória recente, a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo pela Cidadania e a Vida. No bojo desse evento, foram entregues ao Presidente da República dois documentos apresentando as reivindicações da população negra. Para atender a essas reivindicações, várias medidas foram definidas pelo Governo, maspoucas implementadas. Vamos destacar aqui algumas medidas diretamente ligadas à área do mercado de trabalho. Em resposta ao pedido de Implementação da Convenção 111, foi criado, por decreto presidencial, em 20/03/1996, o Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e Ocupação (GTEDEO). De composição tripartite, ele tinha a missão de elaborar um Plano de Ações para a Eliminação da Discriminação no Mercado de Trabalho. A avaliação, feita três anos após a criação desse grupo, foi que ele era completamente inoperante, e não realizou durante esse tempo qualquer ação que merecesse destaque. Assim, terminou sendo extinto. Nesse período, foi criado, com a Assessoria Internacional da OIT/Brasil, o Grupo de Trabalho Multidisciplinar (GTM), constituído por representantes de cinco secretarias do Ministério do Trabalho cujas atividades limitavam-se à produção de 218
cartilhas e folders, promoção de eventos para debates, treinamento de multiplicadores e divulgação da Convenção 111.
218
Na ocasião, Secretaria de Relações do Trabalho-SRT, Secretaria de Políticas de Emprego e Salários-SPES, Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional - SEFOR.
153
A partir de 1999, o programa vem instalando, através de portarias, Núcleos de Promoção da Igualdade de Oportunidades e de Combate à Discriminação, em vários Estados, promovendo seminários de sensibilização, e workshops, sob a coordenação das Delegacias Regionais do Trabalho (DRT’s). Uma outra medida tomada foi a inclusão do quesito raça/cor nas análises estatísticas do mercado de trabalho (RAIS e CAGED) . Essa inclusão foi realizada,de maneira improvisada, sem 219
uma campanha de informação ao usuário, o que resultou numa ação de eficácia duvidosa. Foi criada, também, uma Resolução (nº 194/98 do CODEFAT) que define a população prioritária dos projetos financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Terão preferência de acesso aos programas do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador – PLANFOR, pessoas mais vulneráveis, com características que possam implicar desvantagem ou discriminação no mercado de trabalho. É importante observar que a maioria destes programas só foi implementada nos últimos três anos, após intensa pressão do movimento negro, inclusive pela proximidade da III Conferência Mundial contra o Racismo. As atividades relativas a esses programas, na maior parte das vezes, referem-se a seminários, encontros e publicações. No âmbito dos Estados, em razão da criação dos conselhos da comunidade negra, algumas atividades relativas à discriminação racial no trabalho foram realizadas, mas sempre restritas a seminários e publicações. Com o advento da III Conferência Mundial contra o Racismo, a pressão dos movimentos negros e de dirigentes sindicais negros se intensificou, setores governamentais iniciaram a implementação de
programas de ação afirmativa,
quebrando o silêncio e fazendo emergir um instigante debate em nossa sociedade. Dentre as medidas adotadas, segundo Silva (2002) quatro merecem destaque especial, seja pelo ineditismo, seja pela alta significação.
219
RAIS (Relação Anual de Informações Sociais); CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados)
154
A primeira refere-se à medida, implantada no final de setembro de 2001, por iniciativa do então Ministro do Desenvolvimento Agrário, estabelecendo cotas no âmbito do Ministério e nas empresas que têm contrato com aquele órgão. A segunda diz respeito a uma lei, aprovada no Estado do Rio de Janeiro, fixando cotas de 40% para negros nas duas universidades públicas estaduais. A terceira diz respeito a um edital de licitação do Supremo Tribunal Federal – a mais alta corte judiciária do país – na qual ficou definida a cota de 20% de negros na contratação de pessoal. Por fim, no último dia 13 de maio de 2002, o Presidente da República fez publicar um programa, no qual foi criado um Grupo de Trabalho com a finalidade de propor a adoção de “políticas de ação afirmativa” em todo o âmbito da administração pública federal, tendo sido determinado um prazo de 60 dias para que o grupo apresente suas propostas. De outro lado, Silva (2002) destaca que outras esferas de governo vêm sendo instadas a adotar política de inclusão racial, sendo exemplar o caso do Município de Jundiaí/SP, no qual por iniciativa do Prefeito, a Câmara de Vereadores aprovou lei fixando cotas de 20% para negros no funcionalismo público.
155
Outras ações do Estado que poderiam ser citadas: Data Setembro de 2001 Portaria n. 222
Organização responsável Ministério do Desenvolvimento Agrário / Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
Ministério da Outubro de Justiça 2001 Decreto Lei n. 3952/01
Ação Realizada Lançado o Projeto “Raça e Etnia”, dentro do Programa de Ações Afirmativas: adoção da cota mínima de 20% de negros (as) para o preenchimento de cargos de direção no MDA/Incra, devendo chegar a 30% até 2003; 20% dos funcionários (as) e consultores (as) contratados (as) por empresas prestadoras de serviços terceirizados e de organismos internacionais sejam negros (as); inclusão nos editais para provimento de cargos de concursos públicos no MDA/Incra o percentual de 20% das vagas disponíveis para candidatos (as) negros (as); Criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, vinculado ao MJ (22 representantes – 11 da sociedade civil e 11 do governo), cuja maior responsabilidade é pelo controle e fiscalização do cumprimento das cotas, além de propor políticas públicas de promoção da igualdade. Tem caráter apenas consultivo;
Novembro de 2001
Governo do Mato Governo do MS lançou o Programa Desigualdades Raciais, orçado Grosso do Sul em R$ 1,7 milhões, o primeiro do país. Esse programa visa as áreas da educação, saúde, segurança pública e população quilombola. Serão 106 ações que variam desde o combate a doenças como anemia falciforme e hipertensão, até a criação de microindústrias nas duas comunidades quilombolas. O programa faz parte de todas as secretarias de estado;
Dezembro de 2001
Ministério da Justiça
Novembro de Rio de Janeiro 2001 Aprovação da Lei Estadual n. 3708/01 Dezembro de Supremo 2001 Tribunal Federal
Fevereiro de 2002
Jundiaí - SP
MJ aprovou portaria observando que no preenchimento de cargos de direção e assessoramento superior – DAS – um requisito básico é a garantia, até o final de 2002, de cota de 20% dos cargos para afro-descendentes, 20% para mulheres e 5% para portadores de deficiência física. Ainda, nas licitações e concorrências públicas promovidas por esse Ministério deverá ser observado, como critério adicional, a preferência por fornecedores que comprovem a adoção de políticas de ação afirmativa equivalentes. Também, nas empresas prestadoras de serviços, de técnicos e consultores, no âmbito dos projetos desenvolvidos em parceria com organismos internacionais, serão observadas as mesmas metas para o cargo de DAS: 20% para afro-descendentes, 20% para mulheres e até 5% para portadores de deficiência física; As duas universidades estaduais do RJ passam a ter 40% de suas vagas reservadas para negros e pardos.
O STF adotou cotas de 20% na Corte Suprema. As empresas que prestam serviços ao STF deverão ter 20% de negros nos quadros de empregados (foi a segunda instituição pública a adotar cotas para negros no mercado de trabalho, a primeira foi o MDA/INCRA); O Município de Jundiaí aprovou cotas de 20% para negros no funcionalismo público. É a primeira cidade do país a ter cotas
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Data Março de 2002
Março de 2002
Março de 2002
Organização responsável Ministérios da Ciência e Tecnologia, Justiça e Relações Exteriores - Bolsas CNPQ CNE – Conselho Nacional de Educação
Ministério da Educação
Ação Realizada O Presidente da República assinou acordo de cooperação entre os três ministérios, visando estimular o ingresso de negros na diplomacia brasileira, concedendo 20 bolsas pelo CNPq, para a preparação de negros para o concurso do Instituto Rio Branco (escola de formação de diplomatas);
Cumprindo o estabelecido na Conferência Nacional Contra o Racismo, a professora Petronilha B. Gonçalves e Silva, mulher negra, passa a ocupar o CNE , órgão responsável por dar suporte ao MEC na elaboração e execução de normas e políticas públicas para o ensino Criação do Projeto “Diversidade na Universidade”, de Implementação de Cursinhos preparatórios para o vestibular para jovens carentes (brancos, negros ou índios), com duração de três anos, a serem implementados em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul, Maranhão e Mato Grosso do Sul. Para isso o MEC recebeu do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento – 5 milhões de dólares, sendo a contrapartida brasileira de quatro milhões de dólares.
5.1.5 Evolução nas Empresas Embora o Estado, pressionado, esteja dando sinais de que está saindo do imobilismo, as respostas empresariais têm sido mínimas. Podemos destacar 1997 como um ano importante neste campo, no qual iniciou-se o desenvolvimento de algumas ações que visavam provocar o debate mais diretamente no setor empresarial. Por iniciativa de membros do movimento negro, promoveu-se o contato com empresas norte-americanas que adotaram políticas de ação afirmativa, ou políticas de diversidade, em suas matrizes, mas discriminavam negros nas filiais brasileiras. Vassalo (1995) aborda em seu artigo essa questão e, esse artigo foi enviado, por ativistas do movimento negro, ao Ministério do Trabalho, que realizou algumas reuniões entre gestores dessas empresas, representantes do movimento negro, de mulheres e sindical, visando refletir sobre esse descompasso dentro de uma mesma empresa. Assim, inicia-se um debate crítico com o empresariado para identificar as dificuldades para adotar políticas de inclusão e progressão funcional de mulheres e
157
negros. Várias empresas e instituições, no Brasil, que afirmam realizar processos de avaliação mais democráticos de estímulo à incorporação das políticas de diversidade, estiveram presentes nas reuniõees: Cia. Levi’s Strauss; Xerox; Cummins; Avon; Monsanto; Banco de Boston; Prefeituras de Belo Horizonte e de Santo André e outras. Nesse período, o debate ganhou visibilidade em diversos órgãos que congregam gerências de recursos humanos e em importantes eventos desta categoria, dentre os quais: • Congresso Nacional de Recursos Humanos , realizado no Centro de 220
Convenções do Anhembi, em São Paulo, em agosto de 1998, considerado o maior evento da categoria, pois congregou de 2.000 a 3.000 diretores e gerentes de empresas de todo o país. Pela primeira vez, o tema diversidade foi discutido; • Instituto Ethos reuniu em São Paulo, em 1999 e, posteriormente, em 2000, empresas
do Brasil e de outros países
para a realização da
Conferência de Responsabilidade Social Empresarial nas Américas,que abordou também o tema diversidade; • Conselho Regional de Psicologia (CRP) criou uma comissão sobre diversidade que vem realizando debates periódicos sobre o tema, visandoenvolver os profissionais da psicologia organizacional. Foi interessante observar pessoas-chave, como dirigentes de alguns dos órgãos que congregam gestores de pessoal, afirmarem, publicamente, nunca ter tido contato com esse tema. Mesmo assim, parecia muito incômodo a esses profissionais refletir sobre as dificuldades que encontravam em mensurar a dimensão racial das políticas de diversidade.
220
Realizadores: ABRH (Associação Brasileira de Recursos Humanos) e APARH (Associação Paulista de Administração de Recursos Humanos
158
É importante destacar aqui o uso não raro do termo diversidade por instituições do Estado e pelas empresas para relativizar e evitar o enfrentamento da discriminação racial. Tais programas existentes nas empresas, além de ainda incipientes, envolviam mulheres e portadores de deficiência (mesmo porque, não se pode esquecer a existência da lei que fixa cotas para este segmento no setor privado, freqüentemente descumprida), mas pouco ou nada abordavam a questão da discriminação e inclusão dos trabalhadores negros. Problemas de dimensões completamente diferentes, como os relativos aos portadores de deficiência, homossexuais, mulheres e negros no mercado de trabalho, são tratados, nestas políticas como se fossem similares, sendo que normalmente os negros são apenas citados, sem serem efetivamente focados como alvos prioritários desses programas. Um outro aspecto a ressaltar é o fato de que os diferentes programas apresentados pelas empresas provocaram debates que visavam demarcar fronteiras entre ação afirmativa, cotas, discriminação positiva etc. Uma preocupação freqüente das empresas era com relação à constitucionalidade de programas de promoção da igualdade, que alguns profissionais de recursos humanos consideravam uma “discriminação às avessas”. É curioso, neste fato, constatar que gestores de pessoas, habitualmente omissos quanto à discriminação contra negros, mostraram-se preocupados com a possibilidade de as políticas de ação afirmativa, ou de diversidade, discriminarem os brancos. Neste quadro, caberá ao movimento sindical, especialmente por meio das referidas cláusulas de promoção da igualdade, forjar as condições políticas e operacionais para que as empresas desenvolvam programas substantivos de inclusão dos vários segmentos expostos a práticas discriminatórias nas relações de trabalho – com especial destaque ao segmento negro -, particularmente atingido por estas práticas.
159
5.1.5.1 Alguns exemplos de experiências norte-americanas A XEROX Corporation emprega a política inclusiva com sucesso há quarenta anos, por iniciativa de seu fundador, Joseph C. Wilson, num trabalho que ele mesmo chamou de “valorizando e respeitando pessoas”. A PROCTER & GAMBLE estabeleceu um sistema semelhante, por iniciativa de seu presidente, Howard Morgan, há trinta anos. A IBM, que inclui mulheres em seu corpo de executivos desde 1935, teve na figura de seu presidente, T. J. Watson, o promotor da mudança baseada em sua declaração: “Homens e mulheres farão o mesmo tipo de trabalho, com salários iguais”. As políticas dessas grandes empresas pouco diferem entre si. Na realidade, seu ponto principal é a busca de qualidade e potencialidades para o trabalho de liderança nas empresas. Seus processos avaliativos são transparentes para todos os funcionários, a qualificação determina o mérito e este o processo de ascensão. Sendo grandes empresas, elas utilizam todos os recursos de recrutamento, disponíveis no mercado de trabalho americano, especialmente, a observação de potenciais no interior das grandes universidades. A partir do propósito das mais altas lideranças, estas empresas desenvolveram formas de recrutamento, avaliação de desempenho, monitoramento, acompanhamento de carreira, treinamento e ocupação de cargos que incorporaram minorias e/ou mulheres.
160
5.2 PRINCIPAIS REFERÊNCIAS
5.2.1 Referências Internacionais Os
documentos
de
regulamentação
das
atividades
das
empresas
multinacionais contêm recomendações sobre a igualdade e a não discriminação. A “Declaração Tripartite” da OIT sugere que as empresas sigam os princípios de igualdade de oportunidades e de tratamento, sem prejuízo da preferência pelo emprego de pessoas naturais do país onde está instalada e da política nacional de correção da desigualdade e da discriminação. As empresas são chamadas a fazerem o necessário para que a contratação, a colocação, a formação profissional e a promoção do pessoal tenham por base apenas a qualificação e a experiência profissional. As “Diretrizes para Empresas Multinacionais” da OCDE também recomendam às empresas que implementem políticas de emprego sem discriminação, ressalvando a seletividade relativa às características do pessoal empregado que esteja em sintonia com políticas governamentais de promoção da igualdade de oportunidades de emprego. A prática não discriminatória deve perpassar os atos de contratação e desligamento, pagamento, ascensão funcional e formação profissional. O documento “Global Compact” se baseia na Convenção n.º 111 da OIT para definir a discriminação em relação ao emprego e à profissão. Entre as maneiras pelas quais as empresas podem eliminar a discriminação no local de trabalho está a adoção de políticas de gestão de pessoal, baseadas na qualificação e experiência profissionais. No entanto, o documento relaciona uma série de medidas que tendem a reforçar o compromisso empresarial com a eliminação de discriminações, atribuindo essa questão à direção geral da empresa e formulando políticas específicas. Deve haver promoção do acesso ao desenvolvimento profissional e para profissões específicas. As empresas devem produzir e acompanhar estatísticas atualizadas, desagregadas, por raça, sexo, religião etc, sobre contratação, treinamento e promoção. No âmbito
161
comunitário, as empresas devem buscar eliminar a discriminação nos espaços em que atuam, apoiando esforços locais que visem a construção de um ambiente de tolerância e a igualdade de acesso às oportunidades de desenvolvimento profissional. Também devem adequar suas operações às tradições culturais de modo a assegurar a igualdade de acesso ao emprego por mulheres e minorias, trabalhando em conjunto com organizações dos trabalhadores e autoridades de governo. O “Modelo de Código de Conduta” da CIOSL é claro e direto ao abordar a questão da não discriminação no emprego: deve haver igualdade de oportunidades e tratamento, independentemente de raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade, origem social ou outras características individuais. O Código explicita sua referência às convenções n.º 100 e 111. A norma SA 8000, ao tratar da Discriminação como um dos requisitos de responsabilidade social, estabelece como critérios não só o não envolvimento, mas também o apoio a ações contrárias à discriminação de raça, classe social, nacionalidade, religião, deficiência, sexo, orientação sexual, associação a sindicato ou afiliação política. A norma também indica uma postura positiva da empresa ao estipular a não interferência na observância de preceitos ou práticas dos funcionários, relativos aos aspectos acima, ou em atendimento às necessidades derivadas desses aspectos individuais. Por fim, a SA 8000 responsabiliza as empresas pela tarefa de proibir comportamento que seja sexualmente coercitivo, ameaçador, abusivo ou explorador. Cabe lembrar que a empresa, ao aderir à SA 8000, deve acompanhar e avaliar se seus fornecedores adotam os critérios de responsabilidade social.
162
5.3 PRÁTICAS DISCRIMINATÓRIAS NO TRABALHO As práticas discriminatórias encontram um lugar privilegiado dentro das empresas, principalmente, devido às dimensões subjetivas que impregnam as avaliações a que são submetidos os seus empregados. As decisões tomadas influenciam de maneira intensa a inserção social dos diferentes segmentos e a possibilidade ou não de mudanças no quadro das discriminações. Habitualmente, as organizações apresentam ambientes de trabalho competitivos, estruturas burocráticas e procedimentos imprecisos, sendo que os processos de tomada de decisão, muitas vezes, não são nítidos e públicos, justamente porque estão, com freqüência, apoiados em valores individuais. A conjunção desses fatores sustenta e reproduz práticas discriminatórias. Não obstante, a visão moderna da administração ainda reluta em reconhecer e enfrentar a questão da discriminação que atinge os empregados. O estudo das relações quese estabelece entre trabalhadores e empregadores e a intervenção nestas tornam-se fundamentais em sociedades nas quais a dominação e a exploração não se resumem às características de classe, mas também às de raça, gênero e outras. Para tornar-se uma trabalhadora assalariada, por exemplo, a candidata precisa submeter-se a um processo conhecido como “seleção”. Nele, o empregador e a candidata ao emprego se defrontam e estabelecem um relacionamento determinado por múltiplas variáveis sociais. Esse processo pode estar associado não só à admissão de pessoal, mas também à escolha de profissionais para treinamento, desenvolvimento, promoção e até demissão, ou seja, envolve toda a trajetória ocupacional da trabalhadora, regulando sua mobilidade profissional. Geralmente, este processo é mediado por profissionais de recursos humanos, e/ou chefes, gerentes e encarregados de pessoal aos quais compete aferir as necessidades e as expectativas da empresa e das chefias a partir de traços - muitas vezes gerais e nem sempre objetivos - fornecidos pelas chefias, quando estas desenham o perfil do empregado ou empregada requerido.
163
Para orientar a escolha do melhor candidato, quais são os critérios definidos pelas chefias e/ou selecionadores? Como a discriminação racial se manifesta nesse processo de escolha? O conceito de discriminação implica, necessariamente, em ação: “[...] ações ou práticas desenvolvidas por membros de grupos dominantes, ou seus representantes, que provocam um impacto diferencial e negativo nos membros dos grupos subordinados" (Feagin & Feagin, 1986:20). Essa é uma importante diferença com relação ao preconceito, que se refere, principalmente, a uma predisposição. Preconceito e discriminação ensejam diferentes ações para a preservação da desigualdade. Uma ação educativa e persuasiva pode contribuir para diminuir o preconceito e revisar os estereótipos, levando à valorização das diferenças e da diversidade. Já no caso da discriminação, entretanto, por se tratar de prática, é preciso usar, também, dispositivos legais, ou não haverá alteração no quadro das desigualdades. Outro ponto importante, quando se discute discriminação no trabalho, é o fato de que a ação discriminatória nem sempre é diretamente motivada pelo preconceito. Muitas vezes ela ocorre por outras razões como, por exemplo, a manutenção de privilégios. Esta é uma das características da discriminação institucional.
5.3.2 Discriminação Institucional A discriminação institucional é aquela que ocorre, independentemente, do fato de a pessoa ter ou não preconceito aberto ou intenção de discriminar. O conceito se forma a partir da idéia de que o racismo subjacente aos comportamentos individuais, coletivos ou institucionais, faz parte da lógica das sociedades racistas, nas quais comportamentos, aparentemente livres de preconceitos, podem gerar conseqüências negativas para os membros de grupos sociais discriminados (Essed 1991).
O cotidiano do trabalho nas empresas é um dos contextos em que essa
164
ideologia pode mostrar sua face mais eficaz, garantindo uma forte segmentação racial. Inexiste regra formal neste campo. Nenhuma empresa brasileira declara por escrito: “não aceitamos negros para o cargo de chefia”. No entanto, gerentes, chefes, encarregados, selecionadores de pessoal, utilizam, no dia-a-dia, essas regras informais, muitas vezes sem refletir e nem sempre com a intenção de discriminar, mas que acabam por reforçar a situação de desigualdade no Brasil. O fato é que, conscientemente ou não, o resultado dessas ações é o mesmo: reproduzir as desigualdades raciais. Desde os anos 60, (apud, Bento 1992), líderes do movimento negro norteamericano, discutiram a diferença entre a discriminação individual – por exemplo, atos de vandalismo provocados por um grupo de brancos terroristas – e a discriminação institucional – como aquela evidenciada por altas taxas de mortalidade entre crianças negras, decorrentes de alimentação ou habitação inadequadas. Outras características da discriminação institucional são o seu caráter rotineiro e contínuo e o fato de variar entre aberta ou encoberta, visível ou escamoteada da visão pública (Feagin & Feagin, 1986). O conceito de discriminação institucional é importante porque dispensa discussões sobre, por exemplo, se determinada empresa ou seus profissionais de recursos humanos e chefias têm preconceito contra negros e mulheres. Assim, na questão da discriminação no trabalho importa pouco a intenção do agente. O que interessa são os efeitos de sua ação. Esses efeitos só se verificam perscrutando-se, por exemplo, o número de negros e mulheres nos diferentes postos de trabalho da empresa. Há outras questões: onde estão negros e mulheres no quadro funcional? Quais são seus cargos, salários, atribuições? Qual é a cultura organizacional com relação a negros e mulheres? Considerando-se que, nas últimas duas décadas, temos tido regularmente manchetes nos principais jornais do país, evidenciando que há uma forte segmentação racial no mercado de trabalho, essas perguntas deveriam ser respondidas por gestores de pessoas nas organizações de trabalho, como o administrador de pessoal e o
165
psicólogo organizacional, no entanto, eles permanecem em silêncio, com raras e honrosas exceções. Mas o silêncio prevalece, em particular o silêncio em torno do processo histórico que gerou um quadro de exclusão tão dramático.
5.3.3 História da relação entre Raça e trabalho no Brasil Quando Florestan Fernandes afirma que “[...]o trabalho lança raízes no Brasil através do trabalho escravo[...]” a conclusão óbvia é a de que não podemos estudar as relações de trabalho em nosso país sem tratar das relações raciais . De fato, escreve ele, dos cerca de 10 milhões de africanos, escravizados pelo sistema colonial, aproximadamente, 4 milhões aportaram no Brasil, entre 1530 e 1850, para trabalhar. Durante quase 4 dos 5 séculos da nossa história, o Brasil prosperou sob a égide da escravidão negra. O principal produtor de riquezas foi o trabalhador negro. Através da chamada economia de plantation, o escravismo se disseminou por todas as áreas da vida econômica da colônia: a agroindústria de exportação, as minas extrativistas, o sertão do gado e o sistema de escravos urbanos e de escravos domésticos . Fazendo uma jornada diária de 14 a 16 horas, tendo alimentação precária e péssimas condições de trabalho, o índice de mortalidade era alto e o tempo de vida "útil" do escravo variava entre sete a, no máximo, 10 anos, no primeiro período escravista221. Silva (1994) destaca que um regime com tal nível de violência gerou diferentes formas de resistência, desde a resistência individual, as insurreições urbanas, o quilombismo, que marcaram uma incessante luta escrava pela afirmação da
221
o primeiro período vai de 1532, quando aportam os primeiros navios de tráfico de escravos, até meados de 1800, com a proibição do tráfico por imposição da Inglaterra, a quem a relação com as metrópoles portuguesa e espanhola, agora enfraquecidas pela expansionismo inglês, já não era mais interessante. Após a diminuição e extinção do tráfico, o escravo o passa a ter maior valor no mercado e, portanto, os cuidados para mantê-los vivos torna-se parte das práticas dos senhores de escravos.
166
humanidade negra, até a proposição de modelos democráticos de organização social, econômica e política. Neste contexto, a partir de meados de 1800, por pressões das metrópoles que agora visavam as colônias agrícolas como mercado de seus produtos industriais, o escravismo entra em declínio. A Inglaterra, por exemplo, passa a condicionar as relações políticas e econômicas com o Brasil ao fim do tráfico de escravos, aprovado por lei, em 1827, mas interrompido efetivamente em 1850. Cabe assinalar que foi, também em 1850, num contexto de franco declínio do escravismo, que surgiu a primeira lei de terras no Brasil, limitando vigorosamente o acesso à terra. Por outro lado, a partir de 1860, crescem assustadoramente os assassinatos de senhores de escravos e as fugas em massa e, como uma das decorrências deste quadro, aparecem as leis protetoras: o capital investido no escravo devia ser protegido. Surgem a lei dos Sexagenários, a Lei do Ventre-livre, a extinção da pena de açoite e outras. A Lei dos Sexagenários, segundo historiadores, serviu unicamente para descartar escravos não-produtivos, enquanto a lei do Ventre-livre condicionava a criança a trabalhar para seu senhor até os oito anos, mas isto podia se estender até os 20 anos de idade. Em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea foi assinada, abortando um vigoroso movimento de massas que se alastrava assustadoramente, libertando menos de 20% dos negros, já que a maioria havia conquistado a liberdade através das fugas ou de meios legais. Essa imensa massa de libertos foi colocada nas ruas, sem qualquer indenização e substituída, ostensivamente, pelo imigrante europeu. Entre 1871 e 1920, ingressaram no Brasil cerca de 3.400.000 europeus, dos quais pelos menos 1.300.000 italianos, 900.000 portugueses e 500.000 espanhóis, dentre outros. Importante observar que, num período de meio século, o Brasil recebeu um número de imigrantes muito próximo ao número de escravos que aqui desembarcou em três séculos e meio. Bento (2000) destaca dados do censo realizado na cidade de São Paulo, em 1893:
167
• 55% dos residentes na cidade eram imigrantes; • 84% dos trabalhadores da indústria manufatureira eram imigrantes; • 81% dos empregados no ramo de transporte eram imigrantes; • 72% dos empregados no comércio eram imigrantes. Na mesma linha, o 1° censo industrial realizado em São Paulo, em 1910, registra que apenas 10% dos operários industriais eram brasileiros. A exclusão do trabalhador nacional e, portanto, do ex-trabalhador escravo, segundo Silva (1994), foi tamanha que, em 1931, no período do presidente Vargas, foi aprovada uma lei, conhecida como Lei da Nacionalização do Trabalho, que obrigava as empresas a preencherem pelo menos dois terços dos seus postos com trabalhadores brasileiros. Lei esta que, a propósito, ainda hoje consta da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). A inclusão do trabalhador negro na economia, mesmo nas margens, como revelam as estatísticas, deu-se apenas a partir dos anos 30 com a diversificação da produção e ampliação do parque industrial. E esta inclusão precária se deu à revelia das elites brasileiras, cujo sonho é transparente no cândido discurso do Dep. Aguiar Whitaker, por ocasião dos debates, travados sobre o tipo de trabalhador ideal para fundar a nação brasileira. Da tribuna da então Assembléia Legislativa da Província de São Paulo, o nobre parlamentar discursava: Não são, por exemplo, africanos novos que se quer trazer [...]) raça já abatida e velha que pode inocular vícios de uma civilização estragada [...] As duas eras, latina e saxônica, neste país, hão de produzir alguma coisa melhor [...] Venha, pois, o estrangeiro, Sr. Presidente, façamos tudo quanto estiver ao nosso alcance para chamá-lo, e mais tarde teremos a restauração de nossos foros (Azevedo 1987, p 92).
A imigração européia foi, de fato, uma política de Estado, tendo em vista que: • em 1881, o governo de São Paulo passa a pagar metade dos custos de transporte, devendo o restante ser saldado pelo imigrante ao fazendeiro que o importara; • em 1884, o governo começa a reembolsar integralmente os gastos com passagens; e
168
• em 1885, o governo passa, ele próprio, a subsidiar diretamente o custo de transporte dos imigrantes. É notório entre os historiadores o fato de que os europeus que imigraram para o Brasil vinham de zonas economicamente decadentes, e traziam, como única bagagem técnica, a experiência do trabalho rural, ou seja, a mesma do ex-trabalhador escravo. Entretanto, para justificar a exclusão do trabalhador negro e a massiva imigração européia, alguns acadêmicos fizeram a apologia do imigrante, da sua superioridade técnica, moral e estética, e da sua vocação revolucionária; esta versão interessou a diferentes setores da sociedade brasileira, em particular, aos teóricos da área do trabalho e ao movimento sindical, que só conseguiram rever essa história em meados da década de 80 por pressão de dirigentes sindicais negros. A sociedade brasileira empreendeu ações concretas para apagar essa “mancha negra da história”, como fez Rui Barbosa, que queimou importante documentação sobre esse período. Porém, essa herança silenciada grita na subjetividade contemporânea dos brasileiros O silêncio não pode apagar o passado, e assim, esse tema é um permanente desconforto para os brasileiros e emerge quando menos se espera.
5.3.5 Período Contemporâneo O Estado brasileiro sempre empreendeu esforços para construir e manter a imagem de um país com harmonia nas relações entre negros e brancos, mesmo no período do escravismo. Esta é uma das razões pelas quais a obra de Gilberto Freyre é muito famosa dentro e fora do país. discriminatórias
foi
A negação do preconceito e das práticas
profundamente enraizada na história das relações raciais
brasileiras, convivendo de maneira tensa com indicadores dramáticos
de
desigualdades raciais. Gilberto Freyre (1980, p. 649) foi um dos principais defensores da idéia de que, no Brasil, a escravidão teria sido suave e amena, que os escravos
169
eram dóceis e passivos e os senhores generosos e afetuosos em relação a eles. Por conta desse mito, a UNESCO, em 1950, dentro de um programa de eliminação do racismo no mundo desenvolvido,
encomendou alguns estudos a
cientistas para descobrirem a “fórmula” brasileira para esta harmonia entre as raças. Os resultados de tais estudos tornaram visível justamente a face das desigualdades raciais e se iniciou, a partir deste período, o processo de mudança na imagem das relações entre negros e brancos. O grupo de cientistas que desenvolveu estes estudos teve a coordenação de Roger Bastide e Florestan Fernandes, com a participação de Octávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso e outros, que procuraram contextualizar a situação do trabalhador negro e iniciaram um processo de desmistificação da ideologia da democracia racial brasileira. O valor da obra de Florestan Fernandes, A
Integração do Negro na
Sociedade de Classes, publicada em 1965, é imenso no sentido de revelar uma sociedade profundamente desigual. Fernandes (1978), Ianni (1972), Bastide (1955), desmistificaram a ideologia racial brasileira, demonstrando em suas pesquisas que as relações entre negros e brancos jamais haviam sido harmoniosas e que os negros viviam em situação de desvantagem em relação aos brancos. No entanto, ao tentar explicar as desigualdades, estes estudiosos acabaram por criar outros estereótipos sobre os negros. Segundo eles, os negros estavam em desvantagem pelo fato de haverem sido escravos, o que os deixou despreparados para agirem como trabalhadores livres e ingressarem na sociedade, após o fim do escravismo. Ainda segundo os estudiosos, o escravismo teria deformado a personalidade do negro (Fernandes 1978, v.I, p. 52). Por outro lado, as desigualdades raciais passam a ser explicadas também como resultantes de um problema de classe (Ianni 1972; Fernandes 1978), que desapareceria com o desenvolvimento do capitalismo. Trabalhos das últimas duas décadas vêm revelando que, com a evolução da sociedade de classes, as desigualdades não só se mantiveram como, em alguns casos, por exemplo no Sudeste,
recrudesceram.
Desmancham-se velhos credos que
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atribuíam as desigualdades raciais da atualidade apenas a um difuso legado do passado escravista e sua superação às transformações do sistema capitalista. É patente que o sistema capitalista é um dos principais mediadores do racismo, criando e recriando persistentemente condições propícias à sua reprodução. Mas não podemos reduzir tudo à questão de classe. Observa-se, então, duas linhas iniciais de
“estudos”
sobre as relações
raciais no Brasil: • os estudiosos de meados do século XIX até o início do século XX, que diziam que os negros eram inferiores biologicamente e por isso foram escravizados; • quase um século depois, os estudiosos mais progressistas afirmavam que os negros não eram inferiores biologicamente, mas como foram escravizados, eles acabaram ficando psicologicamente deformados. É interessante destacar que nenhum desses grupos de estudiosos apontou deformação na personalidade do escravizador, isto é, do branco. Já no período mais recente, temos uma terceira linha de estudos realizados nas áreas da educação, do trabalho e da saúde. Esses estudos, feitos por cientistas negras e negros, brancas e brancos, cujos nomes mais expressivos são Hasenbalg (1979), Oliveira, Porcaro e Araújo Costa (1985) , Carneiro e Santos (1985), Rosemberg (1985), Bairros (1991), Chaia (1988), Silva (1992) e tantos outros, comprovam que a situação de desigualdade do povo negro deve-se à discriminação racial no cotidiano, e não exclusivamente à herança do período escravocrata. Dentre esses estudos, aqueles referentes à área de relações do trabalho vêm merecendo especial destaque. Em outubro de 1999, por exemplo, a mídia nacional impressa e eletrônica destacava o Mapa do negro no mercado de trabalho, um relatório encomendado pelo INSPIR (Instituto Interamericano Sindical pela Igualdade Racial) à Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) e Dieese (Departamento Intersindical de
171
Estatística e Estudos Socioeconômicos)222. Esse relatório apenas enfatizava um quadro que vem ganhando as manchetes de jornais desde 1985. O relatório contemplava seis regiões metropolitanas –
São Paulo, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Distrito Federal, Recife e Salvador – e trazia um conjunto de informações que demonstravam uma situação de persistente desigualdade para os trabalhadores negros de ambos os sexos. A análise do Mapa resultou em uma absoluta coerência sobre a discriminação racial no mercado de trabalho brasileiro, como fato cotidiano, em todos os seus espaços e instâncias. As informações permitem, ainda, concluir que a discriminação racial sobrepõe-se à discriminação por sexo e, juntas, constituem o cenário de aguda dificuldade em que vivem as mulheres negras, atingidas por ambas as modalidades de discriminação. Os dados revelam que : • a taxa de participação de negros no mercado de trabalho é maior do que qualquer outro grupo; em qualquer das regiões pesquisadas os negros entram mais cedo no mercado de trabalho; • as mulheres negras são as últimas a sair do mercado de trabalho; • os chefes de família negros são sempre, proporcionalmente, em maior número do que os brancos; • os trabalhadores negros e negras têm jornada mais longa em todas as capitais; e • o percentual de negros trabalhando além da jornada legal é maior do que o percentual de brancos. Primeiramente, como diz o Mapa, esses dados contrariam o mito popular de que negro não gosta de trabalho, só quer saber de samba e futebol, mito, aliás, que sustenta e reproduz o racismo, uma vez que informa empresas e escolas que passam a funcionar com um estereótipo sobre o trabalhador negro que lhes convém; isso se
222
Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho, 1999.
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torna uma das facetas mais dramáticas da violação simbólica contra negros, em benefício do trabalhador branco, nos processos de competição por emprego. Entretanto, trabalhando mais do que qualquer outro segmento, qual é o retorno que o segmento negro tem? A segunda importante constatação é relativa aos rendimentos: o rendimento salarial médio do trabalhador branco, em qualquer região estudada do país, é mais que o dobro do rendimento percebido pelo trabalhador negro. Esses dados expressam uma realidade que tem a ver com: • a entrada mais precoce no mercado de trabalho; • a maior inserção dos negros nos setores menos dinâmicos da economia; • a alta participação dos negros nos setores mais precários, ou precariedade de seus empregos (sem carteira assinada, sem direitos sociais); e • a concentração dos negros em atividades manuais. Quando se analisa, também, o tipo de trabalho e as funções desempenhadas, a situação desvantajosa dos negros salta à vista: o número de empregadores negros não chega à metade do número de empregadores brancos em todas as regiões metropolitanas; trabalhadores negros têm duas a três vezes menos acesso às funções de direção e planejamento, em contrapartida, ocupam maior número de funções nãoqualificadas, de execução e de apoio em serviços gerais; o contingente de mulheres negras em atividades domésticas é sempre muito elevado em todas as capitais pesquisadas. Poder-se-ia pensar que esses dados refletem diferenças de escolaridade entre brancos e negros. Todavia, mesmo quando esses fatores são levados em consideração, a situação continua desfavorável para os negros: em todas as capitais pesquisadas, os diferenciais de rendimentos entre negros e brancos aumentam à medida que aumenta a escolaridade. Vale lembrar que estudos, realizados em São Paulo, na década de 80, já apontavam que, ainda que tivessem a mesma escolaridade de seus colegas brancos, os
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trabalhadores negros recebiam salários menores (Oliveira 1981). O retorno resultante da experiência adquirida, também, é menor para os negros. Nesse estudo, por exemplo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, trabalhadores negros com até cinco anos de permanência no mesmo emprego recebem em torno de 30% do que recebem os brancos com o mesmo tempo. (Mapa 1999) Embora, ao mostrar tais desigualdades, a imprensa tenda a negar as análises e reforçar uma visão que insiste em atribuir as desvantagens experimentadas pelos negros de ambos os sexos, exclusivamente, à baixa escolaridade ou ao despreparo profissional, as conclusões do relatório são contundentes: nenhum outro fato, que não a utilização de critérios discriminatórios baseados na cor dos indivíduos, pode explicar os indicadores, sistematicamente, desfavoráveis aos trabalhadores negros, seja qual for o aspecto considerado. Os critérios discriminatórios, também, foram motivo de preocupaçãoem uma pesquisa que realizamos, em 1990223. Ficou evidenciada, por exemplo, a dificuldade enfrentada por homens e, especialmente mulheres negras, para atingirem cargos de chefia, uma vez que isto significa reverter a lógica da subordinação branco superior x negro inferior. Assim, nos raros casos em que um negro conquistava mobilidade real na empresa, seus colegas brancos se sentiam incomodados e, mais intensa e visível, se tornava a discriminação. Entrevistadas se referiram ao surgimento de "armadilhas", ou seja, estratégias montadas com o intuito de induzi-las a erros, de forma a poder exibilos como confirmação/prova do estereótipo da inferioridade. Em posição de mando ou de autoridade, as trabalhadoras negras afirmaram ser desconsideradas e desprestigiadas por clientes, desrespeitadas por subordinados e usuários, além disso, enfrentavam com freqüência uma insistente desconfiança das pessoas que compunham o seu círculo
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O objetivo dessa pesquisa foi captar e desvelar as práticas discriminatórias nas relações de trabalho, que atingem negativamente a população negra economicamente ativa e as reações por elas engendradas. As práticas discriminatórias e as reações foram examinadas através da história de vida de trabalhadores(as) negros(as), coletadas em 75 depoimentos, dos quais se selecionaram 20 para o corpus de análise. Os casos analisados foram selecionados visando a composição de um quadro relativamente equilibrado quanto ao gênero, à escolaridade e à inserção na vida profissional e sindical.
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profissional. Quando as entrevistadas negras atingiam níveis superiores de especialização que as capacitavam, inclusive, para treinar colegas, elas relatavam as seguintes situações, entre outras: colegas treinados por elas recebiam promoções, tornando-se até, algumas vezes, seus superiores, enquanto elas permaneciam na mesma função e sem ter acesso aos benefícios decorrentes do conhecimento, experiência e habilidades que acumularam na sua trajetória profissional. O que se observa, no caso da discriminação no interior das empresas, é que ela envolve uma trama com inúmeros personagens (chefes, subordinados, clientes, usuários dos serviços), todos eles com seus estereótipos permanentemente alimentados pelos meios de comunicação, entre outras fontes de estereotipia que reproduzem o racismo no cotidiano dos brasileiros. Assim, a passagem dos trabalhadores negros de ambos os sexos pelo crivo dos setores de recursos humanos e das chefias, nas várias etapas da vida funcional e profissional, é reiteradamente apontada como um momento crucial da eclosão de práticas discriminatórias (BENTO,1992).
5.4 POSICIONAMENTO DO OBSERVATÓRIO SOCIAL Os critérios a serem observados pelo Observatório deverão estar ancorados nos seguintes tópicos: • demandas postas pelo movimento sindical e movimento negro voltadas para a temática da igualdade no trabalho; • posicionamento do governo brasileiro na OIT, seja por meio dos relatórios ou dos debates nas conferências e comissões temáticas; • políticas públicas ou privadas voltadas para igualdade no trabalho; e • produção de conhecimento a respeito do tema central (ligados ao comportamento social e trabalhista das empresas). Conforme apontado pelo texto, a Convenção 111 prevê a “promoção da
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igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão, o que abrange o acesso à formação profissional, ao emprego, às diferentes profissões, bem como condições dignas de trabalho”. Centra-se, portanto, nos seguintes aspectos: acesso à formação profissional, acesso ao emprego, acesso às diferentes funções, condições dignas de trabalho e remuneração justa e eqüitativa dos segmentos sociais sujeitos a práticas discriminatórias nas relações de trabalho. Portanto, para o Instituto, a observação da empresa pesquisada com relação ao cumprimento, ou não, da Convenção 111 deve estar focada nos seguintes elementos: a não discriminação e promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento entre negros e brancos, em relação: 1- ao acesso à formação profissional, 2- ao acesso ao emprego e permanência nele, 3- ao acesso às diferentes funções e ocupações, 4- a condições dignas de trabalho, 5- à remuneração justa e eqüitativa.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Cardone, Marly A.. Advocacia Trabalhista. São Paulo: Saraiva, 1994. Cançado Trindade, Antônio Augusto (org.). A Incorporação das Normas Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos no Direito Brasileiro. Brasília: Comitê Internacional da Cruz Vermelha et al, 1996. Kiper, Claudio Marcelo. Derechos de las minorías ante la discriminación. Buenos Aires: Editorial Hammurabi, 1998. Marques de Lima, Francisco Gérson. Igualdade de Tratamento nas Relações de Trabalho. São Paulo: Malheiros, 1997. Organização Internacional do Trabalho. La igualdad em materia de empleo em las legislaciones y otras normas nacionales. Genebra, 1967. Sussekind, Arnaldo. Convenções da OIT. São Paulo: LTr, 1994. Observatório Social. Relatório Geral de Pesquisa V1 – Santander. Florianópolis, 2001. INSPIR, DIEESE, AFL-CIO. Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho. São Paulo, 1999
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CAPÍTULO 6 - A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
Clóvis Scherer Instituto Observatório Social
A exploração de crianças através do trabalho é considerada uma afronta aos direitos humanos, uma ameaça ao desenvolvimento social e um mecanismo de exclusão social. Crianças não optam livremente pelo trabalho em detrimento da educação e do lazer, mas sim, são forçados a isto por uma série de fatores nos quais a pobreza figura com destaque. Ao serem impelidas ao trabalho precoce, as crianças têm seu desenvolvimento integral prejudicado e isto acaba se refletindo no perfil de escolaridade e profissionalização da população adulta. E os adultos que trabalharam desde muito cedo são os principais candidatos à marginalização dos processos sociais modernos. Com base no entendimento acima, este texto pretende consolidar a compreensão da equipe do Observatório Social sobre o direito à proteção das crianças e adolescentes contra a exploração econômica pelo trabalho, a erradicação completa do chamado trabalho infantil. A finalidade do texto é servir de referência para orientar os pesquisadores nas várias etapas de pesquisa. Não se trata de um texto definitivo nem pretende esgotar o assunto, ao contrário, está aberto à permanente revisão e aprimoramento, servindo-se principalmente da reflexão feita a partir das pesquisas que forem sendo realizadas. Ao tratar do tema do trabalho infantil, é importante esclarecer a terminologia adotada. Optou-se por adotar a expressão trabalho infantil, que é a mais utilizada hoje. Contudo, há que se alertar para o fato de exprimir uma falsa idéia de que o trabalho realizado pelas crianças lhes é apropriado, quando na verdade constata-se ser trabalho de adultos, nada tendo de infantil. Ao lado da erradicação do trabalho de crianças, a legislação brasileira e as normas internacionais garantem a proteção dos adolescentes que trabalham, o que
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implica na eliminação das formas de trabalho prejudiciais ao desenvolvimento integral dos adolescentes. Já o termo "menor", apesar de ser normalmente utilizado como abreviação de "menor de idade", foi banido do vocabulário de quem defende os direitos da infância, pois remete à doutrina da situação irregular ou do direito penal do menor, ambos revogados. Além disso, possui carga preconceituosa por, quase sempre, se referir apenas a crianças e adolescentes infratores ou em situação de risco. Os termos adequados são criança, adolescente, menino e menina. Nas publicações do OS deve ser utilizado sempre em itálico e procedido de (sic) quando o objetivo é reproduzir com fidelidade textos e títulos de publicações. A modalidade de trabalho infantil mais relevante é a que se dá em regime de emprego. No entanto, é necessário considerar que, no Brasil, ele pode ocorrer em regime familiar, em escolas profissionais, em “escolas produção”, em cooperativasescolas, em entidades governamentais e em empresas como estagiários. Essa consideração é importante porque, dependendo da modalidade, difere o entendimento sobre o caráter do trabalho de crianças e adolescentes, se proibido ou não, como veremos mais adiante. Por enquanto, basta reter que as maiores preocupações, no Brasil, se voltam para o trabalho na condição de empregado e, em menor medida, para o trabalho em empresas como estagiário ou em certos tipos de trabalho em regime familiar. “A Global Reporting Initiative (GRI) é um acordo internacional, criado com uma visão de longo prazo, multi-stakeholder, cuja missão é elaborar e difundir as Diretrizes para elaboração de relatórios de Sustentabilidade aplicáveis globalmente e voluntariamente, pelas Organizações que desejam dar uma informação sobre os aspectos econômicos, ambientais e sociais das suas atividades, produtos e serviços.” 224
224
GRI – Directrizes para a Elaboração do Relatório de Sustentabilidade – Desempenho Econômico, Ambiental e Social. Junho 2000.
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A iniciativa foi estabelecida, no final de 1997, em convênio com a Coalition for Environmentally Responsible Economies (CERES) e em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). A GRI incorpora a participação ativa de empresas, ONG’s, associações empresariais e de outros grupos de representação de todo o mundo. As Diretrizes da GRI foram lançadas, em março de 1999, em Londres e, em 04 de abril de 2002, foi transformada em organização permanente, em cerimônia realizada na sede da ONU em Nova Iorque.6.1 O TRABALHO infantil Esta seção apresenta os principais dados sobre a dimensão e as características do trabalho, realizado por crianças e adolescentes, no Brasil e no Mundo e, também,algumas considerações sobre as estatísticas e estudos disponíveis para consulta dos pesquisadores.
6.1.1 AS ESTATÍSTICAS INTERNACIONAIS A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que haja 211 milhões de crianças engajadas em alguma forma de atividade econômica, das quais 186 milhões, em atividades nas quais o trabalho infantil deveria ser abolido (inclusive nas ditas piores formas). Além disso, dentre os 141 milhões de adolescentes com idades entre 15 e 17 anos, economicamente ativos, 59 milhões estavam ocupados em atividades proibidas pelas Convenções da OIT. Há, portanto, um contingente de 245 milhões de crianças e adolescentes que trabalham em desacordo com as normas internacionais. A OIT também estima que, do total de crianças que trabalhem, 179 se enquadrem nas piores formas de trabalho infantil.
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Este número se distribuía desigualmente entre as regiões do planeta, sendo, maior na Ásia e menor, nos países em desenvolvimento da Oceania. Sete por cento das crianças trabalhadoras estavam na América Latina e Caribe. Em termos relativos, contudo, é a África que se destaca por ser o continente onde há maior participação de crianças no mercado de trabalho, ultrapassando os 40% do total. TABELA 1 - ESTIMATIVAS DE CRIANÇAS ECONOMICAMENTE ATIVAS (COM IDADES ENTRE 5 E 14 ANOS) POR REGIÃO - 2000 % DO TOTAL TAXA DE CRIANÇAS PARTICIPAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVAS (Milhões) Economias desenvolvidas 2,5 1 2 Economias em transição 2,4 1 4 Ásia e Pacífico 127,3 60 19 América Latina e Caribe 17,4 8 16 África Setentrional (Sub-sahariana) 48 23 29 Oriente Médio e Norte da África 13,4 6 15 MUNDO 211 100 16 Fonte: ILO Bureau of Statistics, 2000. In ILO, A future without child labour, 2002, p. 19. REGIÕES
Nas pesquisas compiladas pela OIT transparece o fato de que mais meninos que meninas trabalhem, embora as respectivas taxas de participação variem de região para região. A OIT considera que a participação de crianças e adolescentes aumenta na proporção inversa do desenvolvimento econômico e na proporção direta da importância de atividades que exigem pouca qualificação e treinamento. Pesquisas realizadas em 26 países mostram que 70,4% das crianças estão ocupadas na agricultura, na caça, na extração vegetal e na pesca. Em seguida, aparecem o comércio, os restaurantes e hotéis, com 8,3% e, a indústria manufatureira com o mesmo percentual. Nas áreas rurais, nas quais é maior o emprego de crianças, estas começam a trabalhar mais cedo que no meio urbano.
6.1.2 As Estatísticas Brasileiras O Brasil é considerado um dos países em que a incidência do trabalho de crianças e adolescentes jovens é das mais altas no mundo. A principal pesquisa
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socioeconômica sobre a dimensão deste fenômeno é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada anualmente pelo IBGE. A PNAD coleta informações numa amostra de 100 mil domicílios, abrangendo 350 mil pessoas, distribuídas por todos os estados brasileiros, com exceção da área rural dos estados do Norte. A OIT publicou, em 2001, um estudo analisando os principais resultados dessa pesquisa, no período de 1992 a 1998, intitulado “Trabalho infantil no Brasil”, (Schwartzman, 2001). Segundo esse estudo, a PNAD de 98 estimou que, na semana da pesquisa, cerca de 6,6 milhões de crianças e adolescentes com idades entre cinco e 17 anos estavam trabalhando, aos quais se somavam, aproximadamente, 1,1 milhão que tinham trabalhado em algum outro momento daquele mesmo ano. Comparando as cifras de 1998 com os números de 1992, constata-se a redução absoluta de 2,0 milhões de crianças e adolescentes ocupados, correspondendo a 20% de queda. Com isso, o percentual de crianças e jovens ocupados em relação ao total passou de 22% para 19%, no período. Essa trajetória é vista como o resultado dos esforços dos governos e da sociedade em combater essa prática deplorável (GRAZIANO DA SILVA e DEL GROSSI, 2000, p. 1, mimeo). As estimativas mais recentes, produzidas pela PNAD de 1999 e de 2001, reforçam esta constatação ao apontar novas diminuições no contingente de ocupados na faixa de idade entre cinco e 17 anos (ver Tabela 3). A PNAD detalha algumas características desse contingente de pequenos trabalhadores. Em primeiro lugar, o número de crianças que trabalham aumenta conforme a idade, o que se traduz nos percentuais da tabela abaixo: TABELA 2 - TAXA DE OCUPAÇÃO POR GRUPO DE IDADE SEGUNDO O SEXO - BRASIL – 2001 - % GRUPOS DE IDADE TOTAL HOMENS MULHERES 5 A 9 ANOS 1,8 2,6 1,0 10 A 14 ANOS 11,6 15,3 7,8 5 A 14 ANOS 6,8 9,1 4,5 15 A 17 ANOS 31,5 39,9 23,1 FONTE: IBGE. PNAD. Elaboração: Observatório Social.
Embora as pesquisas mostrem contingente maior de meninos trabalhando que de meninas, deve-se levar em conta que estas realizam trabalho doméstico, muitas
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vezes, “invisível” tanto para pesquisadores como para as próprias famílias e a sociedade em geral e, por isso subestimado nas estatísticas. O problema do trabalho de crianças e adolescentes no ambiente doméstico é de difícil enfrentamento pelo seu enraizamento e dispersão na sociedade, tanto no meio urbano quanto no rural. Em termos raciais, o problema do trabalho de crianças e adolescentes afeta mais pessoas de cor preta ou parda que de cor branca. E, em termos regionais está mais presente no Nordeste e no Sul do que no Sudeste e no Centro-Oeste. De modo geral, a mão-de-obra infantil é mais empregada em atividades agrícolas que nas não agrícolas, especialmente nas faixas mais baixas de idade. Também neste caso, à medida que a idade avança, a importância das atividades não agrícolas aumenta, especialmente no setor de serviços, tornando-se preponderante a partir dos 15 anos de idade (SCHARTZMAN, 2000,p. 8). No campo, o trabalho de crianças e adolescentes se concentra em atividades não remuneradas, na agricultura e na produção para consumo próprio. Nas áreas urbanas, predomina o emprego informal, em atividades domésticas não remuneradas (empregados domésticos) e no comércio, como balconista, vendedor ambulante, como conta própria. TABELA 3 - OCUPADOS POR GRUPO DE IDADE E SEGUNDO O TIPO DE ATIVIDADES – BRASIL – 2001 - % ATIVIDADES AGRÍCOLAS TOTAL Part. % 5 A 9 ANOS 296.705 225.109 75,9 10 A 14 ANOS 1.935.269 1.083.957 56,0 5 A 14 ANOS 2.231.964 1.309.066 58,7 15 A 17 ANOS 3.250.541 1.068.761 32,9 Fonte: IBGE. PNAD. Elaboração: Observatório Social GRUPOS DE IDADE
TOTAL
ATIVIDADES NÃO AGRÍCOLAS TOTAL Part. % 71.597 24,1 851.312 44,0 922.909 41,3 2.181.780 67,1
O estudo da OIT, acima citado, apresenta a distribuição das crianças e adolescentes por ocupação, em que a de trabalhador rural vem em primeiro lugar com 41,6% do total (2,6 milhões), seguindo-se a de balconista atendente (7,8% ou 489 mil) e a de serviços domésticos (6,8% ou 424 mil) (SCHARTZMAN, 2001. p. 37). Entre as dez atividades econômicas com os maiores contingentes de crianças e adolescentes ocupados figuravam as culturas agrícolas diversas, a criação de
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animais, a cultura da mandioca, do milho e do arroz. Juntavam-se a estas atividades, características do meio urbano como o emprego doméstico, a construção, restaurantes, comércio de alimentos e comércio ambulante (Idem, p. 51). Há, também, diferenças na distribuição da população infanto-juvenil, ocupada por tipo de atividades e por tipo de ocupação, tanto entre regiões do país, sexo, cor ou raça etc. Para maiores detalhes sobre tais características, sugerimos uma consulta ao estudo da OIT e à própria PNAD, acessível através da internet. A PNAD também mostra que há uma relação positiva entre idade e remuneração, e entre idade e ocupação em trabalhos remunerados. Do total de crianças e adolescentes de 10 a 17 anos de idade, 48,3% não tinham remuneração ou exerciam trabalho domiciliar não remunerado ou para o consumo próprio. No caso da faixa etária de 10 a 13 anos, esse percentual atingia os 77,3% (SCHARTZMAN, 2001. p. 28). Além disso, a renda média auferida de crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos foi estimada em, aproximadamente, um salário mínimo, mas deve-se ter cautela com esse dado, pois inclui muitos adolescentes em condição de trabalho (SCHARTZMAN, 2001. p. 65). Considerando apenas os agrupamentos etários abaixo da idade mínima, vê-se a baixa remuneração: as crianças com idade entre 10 e 13 anos recebiam em média R$ 59,07 mensais, o grupo com idade de 14 e 15 anos recebia R$ 105,72, e os que tinham 16 ou 17 anos tinham remuneração de R$ 148,10 (CHARTZMAN, 2001. p. 65). Por outro lado, as jornadas de trabalho são elevadas para grande parte dos que trabalham, como se pode depreender pelo fato de que, em média, ela é de 12 horas para crianças com cinco a nove anos de idade, 22,2 horas para os de 10 a 13 anos, 31,24 horas para os com 14 ou 15 anos. (idem, p. 65) Há que se considerar que mesmo uma curta jornada ou o trabalho temporário pode afetar ou comprometer o desenvolvimento da criança, pelas condições de trabalho, normalmente, envolvendo alto risco de acidentes, de doenças etc. No entanto, uma das conseqüências mais negativas das longas jornadas se dá sobre a escolarização.
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Os dados da PNAD confirmam a correlação entre ocupação e deficiências na escolarização, já que as crianças e adolescentes ocupadas estão mais defasados em sua trajetória escolar que os economicamente inativos, e entre aqueles é maior o percentual de absenteísmo escolar e a taxa de analfabetismo (SCHARTZMAN, 2001. p. 65). O DIEESE publicou, recentemente, o livro “A situação do trabalho no Brasil” que dedica um de seus capítulos à questão do trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos (DIEESE, 2002, pp 169-192). Com base nos dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego para o ano de 1999, o texto analisa a situação encontrada em seis regiões metropolitanas. Primeiramente, constatou-se as seguintes taxas de participação e de desemprego entre pessoas com idades entre 10 e 16 anos, em seis regiões metropolitanas. TABELA 4 - PARTICIPAÇÃO ESPECÍFICA E TAXA DE DESEMPREGO TOTAL DAS CRIANÇAS E JOVENS ADOLESCENTES COM IDADE IGUAL OU SUPERIOR A 10 E INFERIOR A 16 ANOS. REGIÕES METROPOLITANAS - % - 1999 Taxas
Belo Distrito Porto Alegre Recife Salvador São Paulo Horizonte Federal Participação 7,4 6,4 7,7 9,1 9,9 11,2 Desemprego 51,6 62,4 60,7 31,1 45,7 52,1 Fonte: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego. Elaboração: DIEESE In: DIEESE, 2002. Pg. 177
Os dados acima mostram o quão significativa é a participação de crianças e adolescentes no mercado de trabalho das regiões mais desenvolvidas economicamente do país, ou seja, o problema não se restringe a áreas rurais ou atrasadas do país. Nas regiões metropolitanas pesquisadas, as crianças e adolescentes estão ocupados nos setores majoritários, não se diferenciando da ocupação dos adultos. Predomina o trabalho no comércio e nos serviços, o que também se explica pela maior informalidade nestes setores, o que favorece o trabalho ilegal. Outra constatação da pesquisa é de que, apesar de diferenças entre as regiões, crianças e adolescentes de até 16 anos de idade trabalham, principalmente, na condição de assalariados, mas sempre de maneira precária. As jornadas médias giram em torno das 31-34 horas e, em boa parte dos casos, vai muito além dessa duração. Por outro
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lado, a remuneração do trabalho dessa população é muito baixa, mas constitui-se numa importante componente da renda familiar, notadamente nas famílias ditas quebradas (chefes mulheres com filhos e chefes desempregados). Ao se utilizar as estatísticas sobre o trabalho de crianças e adolescentes, é importante considerar que elas dependem do conceito de ocupação adotado nas pesquisas. Graziano da Silva e Del Grossi discutem a metodologia da PNAD, argumentando que se fosse adotada uma definição mais restrita de ocupação o número de crianças ocupadas seria bem menor. Estes autores relembram que, em 1992, o IBGE alterou o conceito de trabalho na PNAD, passando a considerar ocupadas as pessoas que realizassem trabalho, remunerado ou não, durante pelo menos uma hora na semana de referência, ao invés de 15 horas, como até então. O resultado disto teria sido a classificação como ocupadas o conjunto significativo de crianças que exerciam atividades em tempo parcial e não remuneradas no âmbito familiar. Graziano da Silva e Del Grossi (2000) mostram que, se fosse aplicada a antiga definição de ocupação da PNAD aos dados de 1998, o número de crianças de cinco a 13 anos na condição de ocupados seria diminuído de um terço, passando de 2,1 milhões para 1,4 milhões. A redução se explicaria pelo grande número de crianças e adolescentes que realizam tarefas de curta duração (< 15 hh/semana) nas unidades familiares. A reflexão desses autores levanta um ponto importantíssimo para o desenho de políticas públicas de erradicação do trabalho infantil, especialmente no meio rural. Ressalvando o que se disse anteriormente sobre a duração da jornada, é preciso registrar que a própria OIT faz questão de diferenciar o trabalho que deve ser proibido, daquelas tarefas executadas no domicílio e que fazem parte do processo de socialização e formação de crianças e adolescentes. Mesmo utilizando conceitos de ocupação mais restritos, Graziano da Silva e Del Grossi (2000) confirmam que o trabalho de crianças e adolescentes está, na sua grande maioria, associado às famílias residentes no meio rural e dedicadas a atividades agrícolas. Esses autores alertam, todavia, para o fato de que 45% das famílias que têm
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filhos trabalhando (cinco a 15 anos de idade) são famílias não-agrícolas, das quais mais de 90% residem em áreas urbanas. O estudo também revela um traço importante do problema no meio rural, que é o da maior taxa de participação de crianças de famílias ocupadas no meio agrícola, na condição de assalariado ou por conta própria, no qual a contribuição da remuneração das crianças para a renda familiar atinge os níveis mais altos. Normalmente, nestas condições, o trabalho de crianças e adolescentes se vincula às cadeias produtivas de produtos destinados à exportação ou para a agroindústria (bóiasfrias, por exemplo). Contudo, para esses autores o emprego de mão-de-obra infantil não pode ser considerado um problema exclusivamente rural e/ou agrícola, pois na verdade, surge em função do nível de renda das famílias. Eles mostram que é grande a parcela de crianças e adolescentes, com idades entre cinco e 16 anos, que exercem trabalho familiar não remunerado, dedicam-se ao autoconsumo ou autoconstrução no âmbito familiar, tanto no meio urbano (33,0%), quanto rural (89,5%). Um tipo de ocupação em que há grande incidência de trabalho de crianças e adolescentes é no trabalho doméstico, neste caso principalmente no meio urbano. As condições de trabalho costumam ser inadequadas, as jornadas mais longas que as normais e há exposição ao risco de abusos e violência. Além disso, há uma grande dificuldade na fiscalização desse tipo de trabalho. O trabalho de crianças nos “lixões”, como catadores, junto ou não de seus familiares, constitui-se, atualmente, em uma preocupação para autoridades, Conselhos e Fóruns, havendo uma campanha dirigida, especificamente, para corrigir essa situação. No Brasil, 45 mil crianças e adolescentes vivem e trabalham nos lixões, existentes em 3.500 municípios brasileiros. Na maioria dos casos, o lixo hospitalar é depositado a céu aberto, o que indica o extremo risco a que está exposto quem coleta lixo nestes locais. Em torno de 30% das crianças em idade escolar que trabalham no lixo nunca foram à escola e a renda diária obtida com o lixo é de R$ 1 a R$ 6.
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Obviamente, o trabalho de crianças e adolescentes no lixo está listado entre as 81 atividades em que é proibido o trabalho para adolescentes com menos de 18 anos, classificadas como perigosas, insalubres ou penosas, de acordo com a Portaria 20, de 13/09/2001, do Ministério do Trabalho e Emprego. As empresas que utilizam materiais reciclados podem estar direta ou indiretamente envolvidas com esse problema através de seus fornecedores. Encontram-se crianças e adolescentes ocupados em atividades ilícitas, tais como o tráfico de drogas e a prostituição, que também foram tratadas como formas de trabalho de crianças e adolescentes pelos organismos internacionais. No Brasil, a legislação que trata destas questões não é a trabalhista, mas sim a civil.
6.1.3 Causas do trabalho infantil Como já foi dito acima, a pobreza é a principal causa do trabalho infantil. Esta conclusão está presente nos documentos oficiais dos órgãos internacionais como a OIT e a UNICEF, nos posicionamentos governamentais e nas análises de especialistas que estudaram o problema. A relação entre pobreza e trabalho de crianças e adolescentes pode ser vista comparando-se a renda média das famílias com crianças que trabalhavam, que era de R$ 90,80 em 1998, com a renda do conjunto das famílias com crianças de R$ 196,11, e do total de famílias, cuja renda era de R$ 316,43 (GRAZIANO DA SILVA e DEL GROSSI, 2000). E as famílias com menores níveis de renda eram, justamente, aquelas nas quais as crianças e adolescentes contribuíam com maior parcela da renda total familiar, especialmente naquelas dedicadas às atividades agrícolas na condição de conta-própria ou de trabalhadores assalariados. Mas, a tese de que a pobreza é o principal fator causal do trabalho de crianças e adolescentes no Brasil não é consensual entre os estudiosos do problema. Alguns autores o associam à ineficiência do sistema educacional, à falta de fiscalização do trabalho, a fatores culturais e a características do mercado de trabalho
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(Veiga, s/d). Reforçando essa idéia, Barros e outros (1994) compararam a situação brasileira com a de outros países latino-americanos e concluíram que a participação de crianças de 10 a 14 anos, ainda, seria superior em nosso país mesmo na hipótese de que houvesse mesma renda per capita e distribuição da renda. Quanto à insuficiência do sistema educacional, ela pode ser qualitativa e quantitativa. Tanto pode haver falta de vagas no sistema gratuito de ensino quanto sua qualidade ser tão baixa que não motive as famílias a manterem suas crianças na escola. Também há problemas quanto ao custo de se manter uma criança na escola, mesmo pública, e até a distância física entre a escola e o domicílio. A relação entre escola e trabalho tem duplo sentido. Por um lado, a participação no mercado de trabalho afasta crianças e adolescentes da escola, causando defasagens ou mesmo evasão escolar. Com este processo se acentua a pobreza e o ciclo de marginalização. Por outro lado, problemas do sistema educacional podem provocar o ingresso de crianças e adolescentes no mercado de trabalho. Estas considerações são importantes no sentido de valorizar as ações públicas e privadas no âmbito da educação, pelos seus efeitos positivos sobre a erradicação do trabalho infantil.
6.2 REFERÊNCIAS INTERNACIONAIS Colocado o problema, passam a ser resumidos o conjunto de normas obrigatórias e voluntárias que se aplicam ao tema da eliminação do trabalho precoce e que devem servir de referencial analítico para os estudos do Observatório Social.
6.2.1 A Declaração Universal dos Direitos da Criança O combate ao trabalho de crianças e a proteção do adolescente no trabalho precisa ser encarado, sobretudo, como uma questão de direitos humanos. Neste sentido, a referência internacional mais importante é a Declaração Universal sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU, em novembro de 1989. Essa Convenção,
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ratificada pelo Brasil em novembro de 1990 (Decreto 99.710, de 21/11/1990), trata especificamente da questão da exploração econômica e do trabalho de crianças e adolescentes no seu artigo 32: 1- Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja nocivo para sua saúde o para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social. 2- Os Estados Partes adotarão medidas legislativas, sociais e educacionais com vistas a assegurar a aplicação do presente Artigo. Com tal propósito, e levando em consideração as disposições pertinentes de outros instrumentos internacionais, os Estados Partes deverão, em particular: a) estabelecer uma idade mínima ou idades mínimas para a admissão em emprego; b) estabelecer regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego; c) estabelecer penalidades ou outras sanções apropriadas a fim de assegurar o cumprimento efetivo do presente Artigo.
6.2.2 A Convenção (138) sobre a idade mínima de admissão a emprego, 1973 Quanto aos direitos de proteção da criança contra a exploração pelo trabalho, a principal referência específica é, sem dúvida, a Convenção da OIT sobre a idade mínima, adotada em 1973. Esta Convenção foi criada para substituir várias convenções pré-existentes, que tratam da idade mínima em setores econômicos específicos, como o trabalho marítimo, na indústria, na agricultura e assim por diante. A longa história da adoção de convenções setoriais desde a primeira, no ano de 1919, mostra que a compreensão sobre o assunto da idade mínima veio se ampliando e generalizando internacionalmente. Pode-se dizer que a C 138 foi o ápice dessa trajetória e, como veremos adiante, persiste até hoje nessa posição.
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O propósito expresso da C 138 é o de se atingir a total abolição do trabalho infantil, rejeitando tolerância a qualquer tipo ou forma de ocorrência, objetivo, este,que persiste na OIT até hoje. A C 138 é de caráter promocional e estabelece dois compromissos básicos do País-Membro que a ratifique: seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e estipular uma idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho, adequada ao desenvolvimento do jovem (Art 1º). Segundo a Convenção, a idade mínima não poderá ser inferior à de conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos. Para o caso de trabalhos leves e que não prejudiquem a saúde, o desenvolvimento e a escolaridade das crianças e adolescentes, a C 138 permite que a idade mínima seja fixada em 13 anos, desde que estabelecidas as condições e jornada de trabalho. (Art 7º) A idade mínima proposta na C 138 é flexível para se adequar às condições de países menos desenvolvidos, mas deve sempre haver o compromisso de sua elevação progressiva ao nível geral (Art 2º). No caso dos trabalhos leves, esses países poderiam fixá-la aos 12 anos (Art. 7º). A Recomendação 146, todavia, deixa claro que o país deve se esforçar por elevar progressivamente a idade mínima até situá-la aos 16 anos de idade (Art. 7º). A Convenção, também, estipula a idade mínima de 18 anos para a admissão a emprego ou trabalho que possa prejudicar a saúde, a segurança e a moral do jovem. As categorias de emprego e trabalho com estas características devem constar de normas ou regulamentos nacionais. (Art 3º) A idade mínima da C 138 não se aplica ao trabalho em escolas ou outras instituições de formação e educação vocacional ou técnica, ou seja, não há idade mínima para este tipo de trabalho. Já no caso de trabalho em empresas que seja parte de cursos ou treinamentos reconhecidos pelas autoridades competentes, a Convenção prescreve a idade mínima de 14 anos.
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A Recomendação 146 orienta os Países-Membros a tomarem medidas visando assegurar aos jovens trabalhadores com idades entre 16 e 18 anos condições satisfatórias e sob rigoroso controle. A R 146 enumera seis itens de especial importância, tais como: justa remuneração, jornada compatível com a educação e o lazer, proibição de horas extras, tempo adequado para repouso interjornadas e semanal, férias de quatro semanas, seguridade social e padrões satisfatórios de segurança e saúde.
6.2.3 A Convenção 182 sobre a proibição e ação imediata para a eliminação das piores formas de trabalho infantil, 1999 As chamadas piores formas de trabalho infantil começaram a ser discutidas na segunda metade da década de 90 com o objetivo de se estabelecer prioridades de ação imediata. Em 1997, a Conferência de Oslo editou uma “Agenda de Ação” enfocando as formas mais intoleráveis de trabalho. Essa discussão ganhou força e contou com a pressão de ONGs e do movimento sindical internacional até que, em 1999, a Conferência da OIT aprovou a Convenção 182. Como está escrito no preâmbulo da própria Convenção 182, este instrumento foi adotado em função da necessidade de priorizar a eliminação, em curto prazo, das piores formas de trabalho infantil nos níveis nacional e internacional. Para afastar quaisquer dúvidas quanto ao propósito da adoção dessa Convenção, seu texto traz explícitos o reconhecimento da importância da educação fundamental gratuita para a erradicação das piores formas, a identificação do desenvolvimento sustentado como solução em longo prazo e, sobretudo, a reafirmação da C 138 e da R 146 como instrumentos fundamentais sobre o tema. Este último ponto é, particularmente, importante em face do temor de que a nova Convenção viesse substituir ou retirar a força da C 138 e do objetivo de abolição total do trabalho infantil.
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O entendimento do movimento sindical brasileiro e de várias ONGs é de que não se deve distinguir entre formas piores e não-piores pois, em qualquer condição, a criança que trabalha está sendo prejudicada em seu desenvolvimento físico, psíquico, afetivo, moral etc. Evidentemente, todos concordam em se estabelecer prioridades em curto prazo nos esforços de erradicação desse problema, atacando os tipos mais prejudiciais de trabalho. O principal compromisso do país que ratifica a C 182 é o de “adotar medidas imediatas e eficazes que garantam a proibição e a eliminação das piores formas de trabalho de crianças e adolescentes em caráter de urgência” (Art. 1º). Destacamos nesse compromisso que ele é relativo à eliminação das piores formas, o que vai muito além da proibição legal. Outro ponto que qualifica o texto positivamente é dar a este esforço um caráter de urgência, levando a se esperar que os países venham a desenvolver medidas com efeitos de muito curto prazo. Inclusive, o Artigo 6º da C 182 estipula a necessidade de que os países desenvolvam programas de ação, sempre em consulta com organismos sindicais, e com prazos que devem ser previamente determinados (Art. 7º). A C 182 define claramente como piores formas certas atividades ilícitas pela legislação brasileira, como a escravidão e práticas análogas a ela, a prostituição e a produção e tráfico de drogas. Na área das relações de trabalho propriamente ditas, a Convenção incluiu todos os “trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança” (Art 3º, item d). Estes trabalhos devem ser determinados na lei nacional após consulta às organizações de empregadores e trabalhadores.
6.2.4 Instrumentos voluntários: Declaração Tripartite, Diretrizes da OCDE, Global Compact A Declaração Tripartite sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT, numa de suas seções, dedicada às condições de vida e trabalho, recomenda que:
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“As empresas multinacionais, bem como as empresas nacionais, devem respeitar a idade mínima para admissão ao emprego ou trabalho a fim de assegurar a efetiva abolição do trabalho infantil.” A par disso, as empresas devem respeitar os direitos humanos e os direitos fundamentais no trabalho definidos pela Declaração da OIT, e, também, as leis e práticas nacionais. As Diretrizes abordam direta e indiretamente o trabalho de crianças e adolescentes. Nas suas disposições gerais, recomenda que as empresas devam contribuir para o desenvolvimento social, respeitar os direitos humanos, facilitar a formação dos trabalhadores e, no capítulo específico sobre Emprego e Relações de Trabalho, diz: Em conformidade com o quadro legal e regulamentar aplicável e as práticas vigentes em matéria de emprego e de relações laborais, as empresas deverão: 01. a) ... b) Contribuir para a abolição efetiva do trabalho infantil;[...]”
Examinando os dois documentos, da OIT e da OCDE, fica claro que ambos recomendam às empresas não apenas o simples respeito à idade mínima, mas ampliam o enfoque para cobrar delas a necessária contribuição à erradicação do trabalho de crianças e adolescentes com idade inferior à considerada mínima. O quinto princípio do Global Compact trata da promoção da efetiva abolição do trabalho infantil. As ações recomendadas devem consistir num amplo conjunto de medidas voltadas para as necessidades das crianças e de suas famílias, o que se traduziria em ações no local de trabalho e na comunidade. As ações nos locais de trabalho são: • Respeitar as disposições nacionais sobre idade mínima, utilizando mecanismos adequados para a verificação da idade nos procedimentos de recrutamento; • Remover crianças e adolescentes com idade menor que a mínima dos
194
locais de trabalho e prover alternativas e serviços para tais crianças e suas famílias; • Exercer influência sobre subcontratados, fornecedores e outras empresas afiliadas para o combate ao trabalho infantil; • Desenvolver e implementar mecanismos de detecção do trabalho infantil, • Assegurar aos trabalhadores adultos empregos estáveis e salários dignos de tal forma que eles não necessitem colocar seus filhos no trabalho. As ações na comunidade são: • Apoiar
o
desenvolvimento
de
diretrizes
pelas
organizações
empresariais setoriais e das pequenas e médias empresas; • Apoiar e contribuir com o planejamento de programas educacionais, de profissionalização e de orientação profissional, para crianças trabalhadoras, bem como de qualificação para seus familiares; • Estimular e apoiar a criação de programas de saúde e alimentação para crianças removidas de situações de risco, e prover atendimento médico para crianças atingidas por desnutrição ou doenças ocupacionais; • Ajudar na conscientização e mobilização de setores empresariais e da sociedade em geral para a tomada de ações contra o trabalho infantil. Mais uma vez a visão de responsabilidade social das empresas vai muito além do atendimento direto ao preconizado na lei sobre idade mínima, exigindo-se atuação na cadeia produtiva e, neste caso, na sociedade em geral.
6.2.5 Instrumentos pactuados: o Código da CIOSL e os Acordos Marco O Código Básico da CIOSL estabelece que, quanto ao trabalho de crianças e adolescentes, além do respeito à idade mínima de 15 anos ou de término da escolaridade compulsória, se maior, devem haver compromissos com crianças e
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adolescentes removidos do trabalho. O Código também estipula que as empresas forneçam condições e oportunidades para a educação e a formação profissional de jovens trabalhadores. Vários acordos marco dispõem sobre o não-emprego de mão-de-obra infantil.
6.2.6 Certificação Social: a SA 8000 A SA 8000 utiliza as definições de criança e trabalho infantil que constam das Convenções da OIT. Quanto às práticas necessárias para que haja a certificação, vale destacar alguns pontos. A norma diz que, se a empresa constatar envolvimento próprio com o emprego de crianças e adolescentes, menores de 16 anos (no caso brasileiro), por exemplo durante a preparação para a certificação, deve dar solução que envolva escolarização e a garantia de renda às crianças e/ou famílias, comunicando as OGs e ONGs especializadas em bem-estar infantil, além de garantir a elas os direitos trabalhistas e previdenciários. Outro ponto importante da norma é que a empresa certificada deve ser transparente aos empregados e comunicar regularmente as partes interessadas sobre o desempenho frente aos requisitos.
6.3 REFERÊNCIAS NACIONAIS Visto como o trabalho infantil é entendido e tratado no plano internacional, passam a ser resumidas referências nacionais, relevantes para o tema. É importante dizer de início que a legislação brasileira é considerada avançada, ainda mais agora que foram ratificadas as duas convenções da OIT que tratam do assunto. A questão que permanece é a prática nacional, que deixa muito a desejar.
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6.3.1 A Constituição Federal A Constituição de 1988 conferiu status de prioridade absoluta à criança e ao adolescente, devendo-lhes ser assegurado “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. A responsabilidade por essa garantia é social, envolve as famílias, o Estado e a sociedade (Constituição Federal, art. 227). A prioridade absoluta e a responsabilidade social pela garantia dos direitos embasam o entendimento de que os problemas da infância e adolescência precisam ser enfrentados por todos os atores sociais, inclusive pelas organizações sindicais e pelas empresas.
6.3.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente A partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069), em julho de 1990, a questão dos direitos da infância no Brasil passou a ter tratamento compatível com o texto constitucional. Abandonou-se a concepção do menor carente ou delinqüente, segundo a qual crianças e adolescentes eram portadores de necessidades e objetos passivos de intervenção do Estado, da família e da sociedade. Com o ECA, as crianças passaram a ser sujeitos de direitos, que podem ser exigidos com base na lei e, sobre este novo entendimento se erigiram as normas e as políticas públicas. Destacam-se, no ECA, quatro princípios básicos: • Igualdade de direitos fundamentais em relação aos adultos e direito ao desenvolvimento integral; • Prioridade absoluta nas políticas públicas; • Responsabilidade da família, da sociedade e do Estado pelo
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cumprimento da lei; • Reconhecimento da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Outra inovação importante do ECA é a instituição do controle social sobre a gestão e ação social do Estado, através dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, criados em todos os níveis de governo, e dos conselhos tutelares na esfera municipal. O Conselho de Direitos é um órgão paritário do Estado e da sociedade, com poder de decisão sobre as políticas públicas relativas à infância e adolescência. Estes Conselhos são autônomos, não se subordinando ao poder público e nem a outros conselhos. Os conselhos tutelares são órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança, também autônomo, que deve ser criado pela legislação do município. Os membros desses conselhos são eleitos pela população do município e têm mandato de três anos. O conselho age em defesa de crianças e adolescentes que tenham seus direitos ameaçados, perante as famílias, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. Atualmente, existem mais de 1.300 Conselhos Tutelares (não foi encontrado número preciso). Para financiar as atividades dos Conselhos de Direitos, o ECA facultou às pessoas físicas e jurídicas o direito de destinarem parte do Imposto de Renda devido para Fundos da Infância e Adolescência de âmbitos nacional, estadual ou municipal. Essa destinação foi limitada ao máximo de 6% do IR das pessoas físicas e 1% das jurídicas. Os Fundo são regidos pela lei nº 8.069, de 13/07/90, Lei nº 9.532, de 10/12/97, art. 10, e pelo Decreto nº 794, de 05/04/93. Após 10 anos de vigência do ECA, infelizmente, o balanço feito desse período concluiu que a legislação e as políticas públicas não foram suficientes para solucionar os problemas enfrentados pelas crianças brasileiras, como se viu no início desse texto. Mesmo assim, há que se destacar os avanços, entre eles o da redução da incidência do trabalho de infantil e o aumento no número de crianças matriculadas no ensino fundamental.
198
6.3.3 A idade mínima para o trabalho no Brasil Até 1934, a idade mínima para o trabalho era fixada em leis ordinárias, destacando-se o Código de Menores de 1927. A partir da Constituição de 1934 este direito passou a ser regulamentado pela Constituição Federal (OLIVEIRA, s/d, p. 1). A Constituição de 1988 estabeleceu a idade mínima básica de 14 anos de idade e deixou em aberto a idade mínima inferior para o trabalho “na condição de aprendiz”. O ECA, no seu artigo 64, fixou esta idade mínima em 12 anos (OLIVEIRA, s/d, pg 1). Esta situação foi alterada pela Emenda Constitucional nº 20, de dezembro de 1998, que estabeleceu nova redação para o inciso XXXIII do art. 7º, elevando para 16 anos a idade mínima para qualquer trabalho e para 14 anos a idade mínima para trabalho em regime de aprendizagem. O novo texto ficou assim: “Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.” Mais tarde, o Brasil ratificou a Convenção 138 sacramentando a idade mínima de 16 anos. O processo de ratificação só ocorreu após vários meses de indefinição do Governo Federal. O Congresso Nacional havia aprovado o decreto legislativo de adoção da C 138, em dezembro de 1999, e o Presidente da República promulgara a ratificação em janeiro do ano seguinte. No entanto, o Governo Federal demorou a depositar na OIT o instrumento de ratificação, consagrando-a, pois teria que, obrigatoriamente, declarar a idade mínima vigente no país. Setores do Governo desejavam declarar a idade mínima de 14 anos, mas essa posição não tinha respaldo na sociedade. Diante dessa indefinição o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil formalizou manifestação pela declaração dos 16 anos e, em seguida, uma Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança
(CONANDA)
determinou que o Governo procedesse deste modo. Assim, apenas em junho de 2001, a
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C 138 passou a, efetivamente, vigorar no Brasil. Conforme explica Oris de Oliveira, o entendimento técnico da OIT distingue três idades mínimas na C 138: a inferior, a básica e a superior (OLIVEIRA, s/d, p. 2). A IDADE MÍNIMA BÁSICA define o trabalho como infantil quando é executado por pessoa com idade inferior a ela, no caso com menos de 16 anos de idade. Para Oris, o trabalho proibido de crianças e adolescentes “é aquele em que a criança ou o adolescente, abaixo da idade mínima, se vê obrigado a fazer, em uma empresa ou fora dela, entrando no processo produtivo, para manter sua subsistência e/ou de sua família, sobretudo quando compromete a escolaridade, a saúde, a integridade física ou psíquica.” (OLIVEIRA, s/d, p. 3) A IDADE MÍNIMA INFERIOR é a de 14 anos, a partir da qual pode haver trabalho “em regime de aprendizagem”. Para Oris de Oliveira, o termo “regime de aprendizagem” implica em programa completo de ensino teórico e prático, metódico, feito sob orientação de responsável e ambiente adequado, com efetiva formação profissional. Não se pode confundi-lo com programa de “iniciação ao trabalho” feito fora de programa de profissionalização (OLIVEIRA, s/d, p. 5). As normas legais que disciplinavam o trabalho em regime de aprendizagem foram mantidas com a ratificação da C 138. A IDADE MÍNIMA SUPERIOR é de 18 anos, até quando continua a proibição para trabalho penoso e ao realizado em locais prejudiciais à formação, ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social (OLIVEIRA, s/d, p. 6).
6.3.4 Proteção jurídica do trabalho de crianças e adolescentes A criança ou adolescente que trabalha abaixo da idade mínima goza dos direitos trabalhistas e previdenciários e, em conseqüência, se for constatada a sua ocorrência, deve haver a interrupção dos serviços e o pagamento de todos os direitos adquiridos.
200
Também é vedada, pela Constituição, a diferença de salários por motivos de idade, não havendo espaço para “salário do menor”. Durante algum tempo houve a prática de estabelecer em acordos e convenções coletivas cláusulas desse tipo, mas ações judiciais questionaram tal prática e, hoje, ela dificilmente ocorre. O que existe, isso sim, são salários normativos para postos de trabalho nos quais predominam adolescentes em idade regular (p. ex. empacotadores em supermercados). A legislação faculta, todavia, que se estabeleça salário de aprendiz.
6.3.5 O trabalho na condição de aprendiz Segundo o ECA, a profissionalização é um direito do adolescente e um dever da família, da sociedade e do Estado. Esta profissionalização pode se dar na escola ou na empresa e, em ambos os casos, aparece a figura do estágio. O trabalho na condição de aprendiz (para adolescentes entre 14 e 18 anos) recebeu nova regulamentação pela Lei n.º 10.097, de 19/12/2000, que prevê contrato de trabalho especial, com todos os direitos trabalhistas e previdenciários, com a duração de no máximo dois anos e garantia do Salário Mínimo. A jornada máxima é de seis horas para os aprendizes que estejam cursando o ensino fundamental e de até oito horas para os demais, neste caso incluindo as horas despendidas na formação teórica. A aprendizagem implica em que os programas envolvam atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas, sem o que o estágio seria uma forma de trabalho disfarçado. Além disso, o aprendiz deve estar freqüentando a escola enquanto não tenha concluído o ensino fundamental, e estar inscrito em programa de entidade qualificada em formação técnico-profissional. Estes aspectos são essenciais para a avaliação de empresa que esteja desenvolvendo programa de estágio. A Lei foi mais longe ainda, pois fixou percentuais mínimo de 5% e máximo de 15% que as empresas são obrigadas a oferecer na forma de estágio. Os percentuais se referem às funções que demandem formação profissional. Essa obrigação legal vai
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ao encontro do princípio do ECA de que a profissionalização é um direito do jovem e uma obrigação da sociedade e do Estado.
6.3.6 Trabalho penoso, insalubre ou perigoso No Brasil, a lista das piores formas relativas ao item “d”, do artigo 3º , da C. 182 foi debatida pela Comissão Tripartite, criada com a finalidade de implantar a Convenção e resultou na revisão da Portaria nº 20, de setembro de 2001, da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Essa Portaria arrola 81 locais e serviços, considerados perigosos ou insalubres, proibidos para menores de 18 anos. A Portaria nº 4, de março de 2002, flexibilizou essa regra, permitindo o trabalho de adolescentes nas atividades relacionadas pela Portaria 20, desde que haja parecer técnico atestando a não exposição a riscos que possam comprometer a saúde e a segurança dos jovens trabalhadores. Estas normas também valem para a aprendizagem no trabalho, que não pode ser desenvolvida em locais, considerados prejudiciais ao desenvolvimento do jovem. Em termos práticos para o trabalho do Observatório, ao se constatar o trabalho de adolescentes numa determinada empresa é preciso verificar se as atividades desenvolvidas não constam da Portaria nº 20.
6.3.7 Trabalho infantil e produção familiar A questão das atividades desenvolvidas por crianças e adolescentes no âmbito domiciliar é bastante difícil. Por exemplo, Oris de Oliveira não classifica como trabalho infantil o executado “no âmbito residencial sem fins lucrativos”, no qual participam todos os membros da família e em proveito coletivo. Este tipo de trabalho contribuiria com o desenvolvimento da criança, fazendo parte de processo educativo e de socialização (OLIVEIRA, s/d).
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Já o “trabalho em regime familiar” é proibido quando se exerce para outrem e por conta de outrem, em que há um “contrato de equipe” e todos os membros da família e cada um são empregados (OLIVEIRA, s/d, p. 3). A idade mínima constitucional não se refere às modalidades de trabalho não empregatícias, como por exemplo, o trabalho em regime familiar, o trabalho associativo, cooperativo e o trabalho em escolas profissionais, sobre os quais a norma constitucional deve ser aplicada por analogia e serem fiscalizados pelo Conselho Tutelar e pelo Ministério Público dos estados (OLIVIEIRA, 2, s/d, p. 6).
6.3.8 A Política Nacional de Erradicação do Trabalho de Crianças e de Proteção do Adolescente no Trabalho A existência de uma política nacional efetiva de erradicação do trabalho de crianças e adolescentes é um dos compromissos decorrentes da ratificação da C 138. Segundo Oris de Oliveira, esta Convenção “em nenhum de seus dispositivos exige do Membro, que a ratifica, que imediata social e miraculosamente elimine, de um dia para outro, o trabalho de crianças e adolescentes em suas fronteiras. (OLIVEIRA, s/d, p.11)” A obrigação é de que haja esse compromisso traduzido numa política nacional. A Recomendação 146, que acompanha a Convenção 138, sugere o conteúdo mínimo da política nacional, a qual deve dar atenção especial: • a medidas de promoção do pleno emprego; • à atenuação da pobreza; • à seguridade social e bem-estar familiar; • à extensão dos meios de ensino e formação profissional; e • à proteção e bem-estar de crianças e adolescentes, inclusive os empregados. Um ponto, particularmente importante, para o caso brasileiro é o da sugestão de que a freqüência escolar ou a formação profissional seja obrigatória e garantida até a idade mínima para admissão ao emprego e trabalho.
203
A política nacional deve se pautar pelo que estabelece a Constituição Federal, o ECA, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a CLT e a Lei Orgânica de Assistência Social. Não se pretende, aqui, detalhar o que esse conjunto de leis determina para a política de combate ao trabalho precoce. No entanto, é importante relembrar que, pelo ECA, as políticas públicas relativas à criança devem ser definidas com a participação da sociedade através dos Conselhos de Direitos. Isto envolve, também, as funções dos Conselhos: a gestão do Fundo da Criança e do Adolescente, a elaboração do Plano de Ação e do Plano de Aplicação de Recursos, os quais devem ser submetidos ao Poder Legislativo (Brasil, 1998. P. 30). O CONANDA incluiu, entre suas diretrizes da Área Trabalho para o período 2001 – 2005, alguns pontos que julgamos importante registrar: 1. Conhecer as condições de trabalho de crianças e adolescentes nas localidades e ramos de atividade econômica com maior concentração de mão-de-obra infanto-juvenil. 2. Erradicar o trabalho infantil proibido para menores de 14 anos (anterior à ratificação da C 138). 3. Combater as diferentes formas de exploração econômica da população infanto-juvenil. [...] 7. Empenhar para que seja ratificada a Convenção 138 da OIT, que trata da idade mínima ao trabalho. [...] 12. Estimular a negociação com empresários, sindicalistas, organizações do governo e da sociedade civil visando à melhoria das relações trabalhistas e das condições de trabalho do adolescente. (URL: http://www.mj.gov.br/sedh/conanda/área%20trabalho.htm, visitado em 26/02/2002)
O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e os vários fóruns estaduais são espaços de articulação da sociedade relevantes para a
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política pública. No Fórum Nacional, participam órgãos internacionais, como a UNICEF e a OIT; representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; organizações empresariais; sindicais e ONGs. Os Fóruns estaduais têm a mesma composição pluripartite, na qual se encontram entidades de várias áreas: trabalho, educação, assistência social, saúde. Os Fóruns trabalham em conjunto com os Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares. Entre 1998 e 2000, o Fórum Nacional elaborou um documento de diretrizes para contribuir com a formulação de uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, posteriormente referendado pelo CONANDA, visando a sua transformação em Lei. O documento tem seis eixos básicos sobre os quais deve ser estruturada uma política nacional que proteja a criança e o adolescente contra os riscos e a exploração de seu trabalho: 1.
Integração e sistematização de dados sobre o trabalho infantil;
2.
Análise do arcabouço jurídico relativo ao trabalho infanto-juvenil;
3. Promoção da articulação institucional quadripartite (governo, organizações de trabalhadores, de empregadores e organizações não-governamentais); 4.
Garantia de uma escola pública de qualidade para todas as crianças e adolescentes ;
5.
Implementação dos efetivos controle e fiscalização do trabalho infantil;
6. Melhoria da renda familiar e promoção do desenvolvimento local sustentável”
integrado e
A política pública também se desenvolve através das ações das Delegacias Regionais do Ministério do Trabalho, onde existem Núcleos de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalho do Adolescente. Estes núcleos vêm elaborando diagnóstico sobre a incidência do trabalho de crianças e adolescentes com a finalidade de orientar as ações de fiscalização, mas que passaram a ser uma rica fonte de informações para a sociedade. Por exemplo, nestes diagnósticos são identificados
205
os riscos a que estão submetidas as crianças e adolescentes trabalhadores, bem como outras características das condições de trabalho (jornada, salários etc.). Todos esses mecanismos institucionais podem ser fonte de informação importante para os estudos do Observatório, pois produzem dados, análises e através deles se pode ter contato com atores sociais relevantes. O documento intitulado “Trabalho Infantil no Brasil: questões e políticas”, produzido pela Presidência da República, em 1998, contém uma descrição dos programas e ações com impacto sobre esse problema, nas áreas da educação, geração de emprego e renda, saúde pública, assistência social, justiça e direitos humanos. No plano nacional o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é o programa mais diretamente voltado para a erradicação do trabalho de crianças e adolescentes, tanto pelo seu público-alvo como pelo seu instrumento, a Bolsa Criança Cidadã. O PETI se propõe a erradicar o trabalho de crianças e adolescentes, com prioridade para os submetidos a trabalhos perigosos, insalubres, penosos ou degradantes. Este programa beneficia famílias com renda de até ½ Salário Mínimo que tenham crianças e adolescentes de 7 a 14 anos trabalhando, ou de 15 anos, em alguns casos extremos. As bolsas têm valores entre R$ 25,00 e R$ 40,00 por criança/adolescente e, para recebê-las, as famílias precisam manter as crianças freqüentando a escola. Além disso, o município recebe um repasse para manutenção da Jornada Ampliada, de R$ 10,00 a R$ 20,00 por criança / adolescente. A proposta do PETI é de que, junto com a Bolsa, sejam asseguradas a freqüência escolar em período integral e a participação das famílias em programas de geração de emprego e renda. A execução do programa fica a cargo dos Estados e sua implementação passa pela constituição de Comissões Estaduais e Municipais de Erradicação do Trabalho Infantil, de caráter consultivo e propositivo. Ou seja, essas Comissões não têm poder deliberativo e de fiscalização. Este é um ponto importante, pois há uma preocupação com a possibilidade de utilização política do Programa.
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O PETI pode fornecer pistas interessantes sobre a realidade do trabalho de crianças e adolescentes, os setores em que ele ocorre em cada Estado e nos municípios, as atividades realizadas, o tipo de famílias e, também, a conduta empresarial favorável e contrária. O cadastro do PETI contém uma série de dados sobre as famílias e as crianças atendidas e poderia ser uma base para estudos temáticos.
6.3.9 A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil A implementação das medidas decorrentes da ratificação, pelo Brasil, das Convenções 138 e 182 da OIT ganhou um novo fórum com a Portaria nº 365 (de 12 de setembro de 2002) do Ministério do Trabalho. Esta Portaria instituiu a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil - CONAETI, com as
atribuições
propositivas sobre a regulamentação das Convenções, as mudanças nas leis, o Plano Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, os mecanismos para o monitoramento da aplicação da Convenção 182. Também será sua função, acompanhar a implementação das medidas adotadas para a aplicação das Convenções 138 e 182 no Brasil. A composição da CONAETI é de 18 membros titulares, dos quais cinco representantes do Governo Federal, cinco das confederações patronais, cinco das centrais sindicais de trabalhadores, um do CONANDA, um do Ministério Público do Trabalho e um do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Embora recém criada, a CONAETI, por suas atribuições e composição, deverá se constituir numa referência para o Observatório Social para o acompanhamento do tema, nos aspectos da regulamentação, das políticas públicas e dos posicionamentos dos atores sociais.
6.3.10 Referências empresariais: O Programa Empresa Amiga da Criança Uma das ações empresariais, voltadas para a infância e o combate ao trabalho infantil, foi materializada na criação da Fundação Abrinq pelos Direitos da
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Criança (FADC), em meados dos anos 90. Esta Fundação não apenas denunciou a gravidade do problema em nosso país, chamando a atenção da sociedade para a necessidade de medidas urgentes, como propôs e apoiou ações concretas que ganharam o reconhecimento internacional. Como exemplos, basta citar o Selo Empresa Amiga da Criança, por sua visibilidade e ampla aceitação, e os Pactos Setoriais, pela capacidade de mobilização social. O Programa Empresa Amiga da Criança (PEAC) visa estimular o engajamento empresarial através da realização de ações sociais em benefício das crianças e adolescentes. O PEAC se baseia na concessão de selos às empresas que assumam compromissos com relação à criança e no estabelecimento de pactos setoriais. Para receber o Selo Empresa Amiga da Criança, a empresa deve assinar um Termo de Compromisso que contém as seguintes obrigações: 1) respeitar a legislação quanto à idade mínima; 2) não manter relações comerciais com fornecedores de produtos e/ou serviços que comprovadamente estejam em desacordo com a legislação, incluindo obrigação em seus contratos ou desenvolvendo ações de conscientização; 3) fornecer creche ou auxílio creche para filhos de funcionários, conforme a legislação e o acordo coletivo da categoria; 4) solicitar aos funcionários que comprovem a matrícula de seus filhos menores de 18 anos de idade no ensino fundamental e empreender esforços para que todos freqüentem a escola; 5) orientar e apoiar as consultas pré-natal de suas funcionárias e a amamentação; 6) solicitar aos funcionários que comprovem o registro civil de seus filhos e dar orientação para tanto; 7) investir em ações sociais que beneficiem crianças e adolescentes; 8) contribuir para Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente; 9) afixar, em local visível para seus funcionários, os compromissos ora
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assumidos, de acordo com as especificações definidas pela Fundação; 10) informar,periodicamente, a clientes e fornecedores os compromissos assumidos; 11) permitir que a Fundação, ou auditor por esta indicado, avalie o efetivo cumprimento dos compromissos estabelecidos no presente Termo de Compromisso; 12) contribuir financeiramente com taxa estipulada pela FADC; e 13) renovar anualmente o seu credenciamento. Este Termo de Compromisso é bem mais amplo que a antiga carta-modelo para inscrição no PEAC, da qual constavam apenas dois compromissos: o de não empregar menores de 16 anos e de atuar junto a fornecedores e serviços terceirizados. O Selo, bem como os pactos setoriais, até recentemente, eram vistos como ações de mobilização, engajamento, conscientização da opinião pública e principalmente do empresariado. Não houve uma mudança nesta concepção, mas a nova lista de compromissos caminhou no sentido de aproximar o Programa de um sistema de certificação, como denota a possibilidade de auditagem das empresas que participam do programa. Os pactos setoriais promovidos pela ação da FADC representaram compromissos formais de setores produtivos regionais em: 1) não empregar crianças diretamente e 2) desenvolver ações para evitar o trabalho de crianças e adolescentes na cadeia produtiva (Ethos & FADC, pp. 18 - 19). Até o ano 2000, tinham sido firmados pactos nos seguintes setores e estados: • Setor sucroalcooleiro, nos estados de São Paulo, Goiás, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e Alagoas; • citricultura: Pacto de Araraquara e Carta de Bebedouro; • setor calçadista: Pacto de Franca; • setor fumageiro: Pacto do Setor Fumageiro (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul); • aço: Cartas de Compromissos das empresas General Motors,
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Volkswagen, Ford, Mercedes-Benz e Metalúrgica Mannesmann. Os termos desses pactos vão além dos dois compromissos principais citados acima, uma vez que os problemas da infância e juventude envolvem um amplo complexo de fatores. Por exemplo, no caso do Pacto do Mato Grosso do Sul, as entidades signatárias se comprometeram a: • intervir na cadeia produtiva, objetivando eliminar o trabalho infantil; • desenvolver em parceria com o poder público e sociedade civil um diagnóstico sobre a situação da infância e adolescência nos municípios produtores de açúcar e álcool; • desenvolver ações que beneficiem a permanência de crianças em escolas públicas de qualidade; • desenvolver ações que promovam a capacidade profissional do adolescente, conciliando sua inserção no mercado de trabalho com a particular condição de estudante; • participar de projetos que complementem a renda para que famílias possam manter seus filhos na escola; • incentivar as empresas da cadeia produtiva do açúcar e do álcool a efetuarem doações aos fundos municipais dos direitos da criança; • propor convênios ao Governo Estadual, às Prefeituras Municipais, e às entidades privadas para participação conjunta nas ações previstas neste compromisso; e • desenvolver campanhas para esclarecer e sensibilizar a população sobre a importância do acesso e permanência das crianças na escola. Fica claro no texto acima que o pacto envolve ações na esfera empresarial propriamente dita, bem como na esfera das políticas públicas, explicitando uma concepção de responsabilidade social que inclui a cadeia produtiva e a participação na comunidade. Assim, para avaliar a conduta de uma empresa é preciso considerar estes outros aspectos: ações na cadeia produtiva, apoio à escolarização, aos programas e políticas públicas definidas com participação social, doações ao FIA, ou outras ações.
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6.3.1.1 Referências empresariais: O Instituto Ethos O Instituto Ethos também compartilha da visão de que a responsabilidade social das empresas no campo da erradicação do trabalho infantil passa pela atuação na cadeia produtiva. O Ethos aponta o uso da influência da empresa, a realização de campanhas e de boicotes como formas de atuação (Ethos & FADC, pg 26). Mas, um dos melhores métodos para estender o respeito à legislação seria a adoção de Cláusula Social nos contratos com fornecedores, que exigisse a não utilização de mão-de-obra infantil, sob pena de cancelamento dos contratos. Essa Cláusula poderia se aplicar também à contratação de serviços terceirizados e a estágios anteriores da cadeia. E, para que tal compromisso não seja visto simplesmente como uma obrigação comercial, mas sim como uma convicção ética, o Ethos sugere que as empresas executem um trabalho de conscientização aos vários públicos, buscando a adesão voluntária à causa da erradicação do trabalho precoce. Numa tentativa de resumir as sugestões do Ethos para uma ação construtiva das empresas, podemos apontar as seguintes ações: • Cumprir a legislação sobre a idade mínima e à proteção do trabalho do adolescente; • Incluir nos contratos de fornecimento e de serviços uma cláusula social proibindo o trabalho infantil; • Oferecer oportunidades de profissionalização aos adolescentes nos termos da legislação; • Apoiar as ações definidas pelos Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares e Fóruns de Erradicação; • Destinar parte do Imposto de Renda devido para fundos nacional, estaduais ou municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. O Ethos divulga uma série de outras iniciativas empresariais positivas em prol das crianças e jovens, especialmente, no campo da educação e da saúde. É
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importante dar o devido reconhecimento a essas iniciativas de atuação responsável, uma vez que a exploração pelo trabalho precoce é parte do problema maior da ausência de condições para o desenvolvimento integral de crianças e de jovens. No entanto, nas avaliações do Observatório é necessário fazer um corte que privilegie aquelas ações relacionadas mais proximamente ao trabalho de crianças e adolescentes. Por exemplo, a doação de alimentos a uma entidade beneficente que atenda crianças está (em tese, ao menos) mais distante do problema do trabalho infantil que a oferta de bolsas de estudos a crianças e jovens carentes. É importante ressaltar que o acesso à educação é considerado uma potente arma para a erradicação do trabalho infantil. Neste sentido, ações empresariais relativas à educação devem ser valorizadas pelo Observatório, indo da oferta de creche aos filhos dos funcionários até programas de bolsas de estudo ou apoio à rede pública de ensino. Por fim, é muito importante registrar, aqui, os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial relativos ao tema da abolição do trabalho de crianças e proteção do adolescente no trabalho. É preciso frisar que vários indicadores relacionam-se de maneira complexa formando um conjunto. Por exemplo, o respeito à organização dos trabalhadores é positivo para se evitar o emprego de crianças na empresa e na cadeia produtiva. Concentrando no assunto em questão, encontramos no tema “Público Interno” um grupo de indicadores denominado “Respeito ao Indivíduo”, dentre os quais aparece o indicador “Compromisso com o Futuro das Crianças”. Este indicador varia segundo uma escala crescente de “graus” de responsabilidade social da empresa, na ordem abaixo: 1. Além de respeitar a legislação nacional que proíbe o trabalho antes dos 16 anos (exceto na condição de aprendiz entre os 14 e 16 anos), discute internamente a importância da educação e as conseqüências do trabalho infantil. 2. Além de respeitar a legislação que proíbe o trabalho infantil e discutir a questão internamente, possui projetos que contribuem para o desenvolvimento dos filhos dos funcionários, estimulando suas competências técnicas e psicossociais (cidadania, esportes,
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artes). 3. Além do descrito anteriormente, estende esses projetos para as crianças da comunidade. 4. Coordena seus projetos com outros realizados na comunidade e atua junto ao poder público em benefício da criança e do adolescente. 5. Não havíamos tratado antes deste assunto. Não vemos aplicação disto em nossa empresa. (Justifique.)"
Junto a isso, o Ethos considera informações sobre a empresa: Encontra-se credenciada para o uso do Selo “Empresa Amiga da Criança” da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança ou equivalente? (sim ou não). Tem ações de conscientização interna dos funcionários sobre a exploração do trabalho infantil com relação aos seus filhos e às outras crianças de seu convívio? (sim ou não).
No tema “Fornecedores”, o grupo “Seleção e Parceria com Fornecedores” contém o indicador “Trabalho Infantil na Cadeia Produtiva”. Esse indicador também é construído com quatro graus crescentes de responsabilidade social: “1. Discute com fornecedores e parceiros a questão do trabalho infantil e os estimula a cumprir a legislação. 2. Possui cláusula específica quanto à proibição do trabalho infantil nos seus contratos com fornecedores. 3. Verifica o cumprimento das cláusulas que proíbem o trabalho infantil nos seus contratos com fornecedores. 4. Discute com seus fornecedores a questão da proibição do trabalho infantil em seus contratos com terceiros. Participa de programas e atividades que visam erradicar o trabalho infantil na sua cadeia produtiva.”
Nesse tópico específico, a informação adicional requerida é sobre a quantidade de “autuações a empresa recebeu no Ministério do Trabalho com relação ao uso de mão-de-obra infantil no período”. Essa informação parece inadequada a este
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ponto, pois tais autuações do MTE não dizem respeito aos fornecedores, e sim à empresa avaliada. Além disso, o patamar mínimo de responsabilidade corresponderia à situação em que não há qualquer autuação. Os Indicadores Ethos também incluem o tema Comunidade, no qual se mede as relações com a comunidade, a ação social e o trabalho voluntário, muitos dos quais têm relação com o atendimento a crianças. Em particular para a campanha de erradicação do trabalho infantil, figuram as informações se a empresa (sim ou não): • Destina 1% do IR devido para os Fundos de Direitos das Crianças • Estimula que seus funcionários e parceiros façam o mesmo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAPÍTULO 7 - ABOLIÇÃO DO TRABALHO FORÇADO
Márcia Miranda Soares
O Trabalho Forçado aparece definido no Artigo 2º da Convenção 29 da OIT, de 1930, como: “Todo o trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual a pessoa não tenha se oferecido espontaneamente”. O Código Penal brasileiro estabelece como crime atentatório contra a liberdade pessoal, em seu Artigo 149: “Reduzir alguém à condição análoga à de escravo”, sem especificar o que isso significa. O fato é que na literatura acadêmica, nos tratados internacionais, na legislação brasileira, em documentos de organizações religiosas, sindicais, empresariais, entre outras, não há uma definição precisa do que seja trabalho forçado. Na verdade, sequer temos um único termo para designar o problema que ora buscamos retratar.225 Com isso, esclarecemos de antemão, que o conceito de trabalho forçado, e seus correlatos, é aberto, não há um sentido inequívoco para sua caracterização e tipificação e, buscar isso é incorrer em armadilhas e simplificações que podem comprometer o nosso propósito, como bem o percebe Martins (In CPT, 1999: 138): Por tudo isso, seria inútil fazer uma espécie de receita para definir trabalho escravo, como me pedem, a fim de simplificar o trabalho de quem precisa lidar com o problema. É preciso evitar que o gravíssimo problema da persistência ou do revigoramento do trabalho escravo seja enfrentado como um expediente em tudo provisório e ineficaz, como esse. Se de fato estamos comprometidos com a defesa dos direitos humanos e dos direitos sociais das vítimas de violências e violações, como entendo que estamos, o mínimo que todos temos o direito de esperar é uma atitude corajosamente séria e crítica em relação a nossas definições, mais que um conceito.
225
Alguns dos termos que encontramos para designar o problema em questão: trabalho forçado, trabalho escravo, trabalho semi-escravo, condição análoga a escravo, servidão, trabalho degradante, etc. Nesse termo de referência optamos por utilizar o termo trabalho forçado, conforme designação da OIT, que terá o mesmo significado que trabalho escravo ou, ainda, condição análoga a escravo e servidão. Recusamos a propriedade dos outros termos.
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Por mais que nos cause desconforto, essa é a perspectiva correta ao lidar com o tema, tomá-lo como um conceito aberto e, portanto, dinâmico, capaz de abarcar novas modalidades de trabalho forçado. Não há como fugir disso, e por essa razão encontramos nas referências internacionais e nacionais, como veremos adiante, a apresentação tão genérica do problema. A dificuldade, principalmente jurídico-penal, de definição do trabalho forçado, decorre da própria fluidez e dinamismo das suas manifestações sociais. Contudo, isso não significa a ausência de critérios objetivos e claros para orientar o diagnóstico do problema. Podemos considerar como trabalho forçado toda a condição de trabalho, mesmo que provisória, que atente contra duas liberdades básicas do indivíduo: o direito de ir e vir e o direito de escolher livremente um emprego e/ou abandoná-lo, quando julgar necessário ou conveniente. Evidentemente que esses direitos só podem ser aviltados pelo uso da coerção, que pode ser tanto física como moral. Nem sempre a escravização requer o uso contínuo e ostensivo da repressão física. A dívida tem sido um poderoso recurso moral utilizado para subjugar trabalhadores, que se sentem obrigados a prestar serviços para quitar seus débitos, que quase sempre são impagáveis. Se temos em mente esses parâmetros, podemos assumir uma postura mais crítica frente ao que vemos na mídia e em muitas denúncias apresentadas por aí, que erram pela falta de conhecimento ou, propositadamente, na busca de maior impacto para suas denúncias. Assim, devemos ter em conta que trabalho forçado é distinto de superexploração do trabalho, de condições degradantes de trabalho, de não respeito à legislação trabalhista, de trabalho não-remunerado, entre outros. Todo trabalho forçado é marcado pela superexploração, mas podemos ter diversas formas de trabalhos caracterizadas por superexploração, sem que isso designe trabalho forçado. A obrigação do trabalhador de cumprir horas extraordinárias de trabalho, o não pagamento adequado das horas trabalhadas e o descumprimento de pisos salariais são exemplares de superexploração do trabalho, e devem ser objeto de
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repúdio, ação sindical e processo judicial, mas não constituem trabalho forçado desde que o trabalhador possa abandonar o emprego (pedir demissão). Condições degradantes de trabalho sempre acompanham o trabalho forçado, mas são coisas distintas: há trabalho realizado em condições precárias de saúde e segurança que não é forçado; e sua proibição está fundamentada em outras bases legais. Se buscamos instituições e práticas indicativas de trabalho forçado ou formas análogas à escravidão, o melhor documento parece ser a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, de 1956, em seu Artigo 1º226: a) Escravidão por dívida: estado ou condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for eqüitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida; b) Servidão: condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa, a fornecer a essa outra pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição; c) Casamento Servil: toda instituição ou prática em virtude da qual: I – uma mulher é, sem que tenha o direito de recusa, prometida ou dada em casamento, mediante remuneração em dinheiro ou espécie entregue a seus pais, tutor, família ou a qualquer outra pessoa ou grupo de pessoas; II – o marido de uma mulher, a família ou o clã deste têm o direito de cedê-la a um terceiro, a título oneroso ou não; III – a mulher pode, por morte do marido, ser transmitida por sucessão
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Os tipos abaixo foram elaborados a partir do artigo do Anti-Slavery International (In CPT, 1999: 50-53) e de Castilho (In CPT, 1999: 84-85).
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a outra pessoa; d) Trabalho Infantil: toda instituição ou prática em virtude da qual uma criança, ou adolescente com menos de 18 anos, é entregue, quer por seus pais ou um deles, quer por seu tutor, a um terceiro, mediante remuneração ou sem ela, com o fim de exploração da pessoa ou trabalho da referida criança ou adolescente. Três pontos merecem ser destacados na tipificação acima: 1) o item b ajuda a dirimir uma confusão comum na relação entre trabalho forçado e remuneração: nem todo trabalho exercido sem remuneração consiste em trabalho forçado, pode ser trabalho voluntário; por outro lado, podemos ter trabalho forçado remunerado, desde que exercido sob coerção física ou moral, não podendo dele se desligar o trabalhador; 2) o item c aponta uma das relações entre o tema da discriminação contra a mulher e a escravidão; neste tópico vale ainda lembrar que na modalidade de trabalho forçado por dívida há numerosos casos de prostituição feminina. Por fim, todo o trabalho infantil pode ser considerado trabalho forçado, o fundamento para essa assertiva é que crianças não têm capacidade para consentir sobre o uso da sua força de trabalho, o que, geralmente, é feito pelos seus pais ou algum tutor. Concluindo, a caracterização das práticas de trabalho forçado e escravidão moderna não é tarefa fácil e de um único momento, por isso envolve um esforço constante e coletivo, tanto de acadêmicos, como das entidades envolvidas em seu combate e dos trabalhadores e trabalhadoras, sujeitos a essa forma perversa de violência.
7.1 HISTÓRICO
7.1.1
Evolução mundial A prática da escravidão no mundo vem dos períodos mais remotos de nossa
existência e, infelizmente, se estende até os nossos dias. Há constatação de sua
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ocorrência desde a pré-história. Nas civilizações antigas, como Egito, Mesopotâmia, Grécia e Roma, em maior ou menor escala, a escravidão era uma realidade. Na idade média, no século IX, os árabes iniciaram o tráfico de escravos africanos, que iria adquirir grande amplitude na primeira metade do século XV, com a fixação dos primeiros entrepostos portugueses na África Ocidental. As diferenças entre o tráfico conduzido pelos árabes e os europeus foram significativas. A escravidão nas sociedades muçulmanas atingia, indiferentemente, brancos e negros e tinha um caráter sobretudo doméstico. Para os europeus, a escravidão visou, desde o início, exclusivamente a população negra e foi um atributo essencial na dinâmica do processo de capitalismo mercantilista e colonial. As colônias africanas se transformaram em fonte de mão-de-obra escrava para os empreendimentos agro-exportadores dos europeus no Continente Americano. Foi o mais vasto sistema de escravidão jamais organizado em toda a história. Até então, a servidão era predominantemente conseqüência de guerras: as populações vencidas eram capturadas para servir ao vencedor, nem sempre como trabalhadores manuais, sendo o excedente vendido. A nova forma de escravidão, praticada pelos europeus no continente americano, distinguiu-se, nitidamente da antiga, pelo seu caráter capitalista. De acordo com estimativas mais recentes, 4 milhões de escravos africanos foram exportados através do Mar Vermelho, mais de 4 milhões pelo Oceano Índico e 9 milhões pelas rotas de caravanas através do Saara. As cifras do tráfico transatlântico variam de um mínimo de 11 a um máximo de 20 milhões de escravos. A estimativa mais aceita entre os historiadores é de 12 a 13 milhões de africanos transportados para o Continente Americano, dos quais o Brasil teria recebido o maior contingente: cerca de 3 milhões e meio. Calcula-se que um milhão e meio de escravos pereceram durante o transporte através do Atlântico e que um número ainda maior teria falecido antes do embarque. Uma vez desembarcados no Novo Mundo, entre 5 e 10% dos africanos morriam logo no primeiro ano. Por volta de 1850, o número total de escravos vivendo na América foi estimado em 6 milhões (COMPARATO, 1999: 157).
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As conseqüências perversas da escravidão para a economia e para a sociedade dos continentes africanos e americanos são perceptíveis até a atualidade. A clivagem racial entre proprietários brancos e trabalhadores escravos negros, imposta por esse modelo de colonização deixou marcas profundas em sociedades como a norteamericana e a brasileira.
7.1.2
Evolução no Brasil Quando Portugal iniciou a colonização do Brasil, em 1530, com a produção
açucareira, o tráfico negreiro já se constituía em uma das principais atividades da economia lusitana. Assim, a mão-de-obra escrava, oriunda da África, em escala muito maior, passou a ser destinada à produção do açúcar na nova colônia. No início do século XVII, com a escassez de mão-de-obra escrava negra decorrente da ocupação dos holandeses de diversos pontos na costa africana, o índio tornou-se alvo de expedições - as chamadas “Bandeiras” – que os aprisionavam para vender às fazendas nordestinas. As Bandeiras também deram início ao ciclo da mineração, que transferiu para o centro-sul o dinamismo econômico e político da colônia e intensificou a procura por mão-de-obra escrava e, com isso, o tráfico negreiro por todo o século XVIII. O modelo escravista se manteve com a independência do Brasil e só começou a entrar em colapso em meados do século XVIII, principalmente, por pressão da Inglaterra. Tendo abolido a escravidão em suas colônias, e tendo interesses econômicos na abolição dessa prática no Brasil, a Inglaterra exerceu forte pressão e conseguiu uma série de acordos que reprimiram o tráfico de escravos africanos: • Nos tratados de Navegação e Comércio e de Aliança e Amizade entre Portugal e Inglaterra, de 1810, foi introduzida uma cláusula que restringia a captura de escravos às colônias portuguesas na África (Angola, Moçambique e Guiné); • Em 1827, o acordo entre Brasil e Inglaterra definia que após três anos
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o tráfico de escravos seria extinto; • Verificando o reiterado descumprimento desses acordos (estima-se que entre 1820 e 1845, 20 mil escravos tenham entrado no país), o parlamento britânico aprovou, em 1845 a lei Bill Aberdeen, que autorizou a marinha britânica aprisionar os navios negreiros brasileiros, em qualquer lugar, até mesmo em águas brasileiras, e submetê-los a julgamento perante as cortes britânicas. Mesmo com todas essas medidas, o tráfico negreiro só foi abolido por iniciativa do governo brasileiro, em 1850, quando foi aprovada a Lei Eusébio de Queiroz proibindo o tráfico negreiro e estabelecendo severas punições para os infratores. O movimento abolicionista ganhou força, a partir de 1880, com a fundação da Sociedade Brasileira contra a Escravidão, mas o sistema escravista já estava em decadência. Em 1871, a Lei do Ventre Livre determinou que todos os filhos de escravos nascidos a partir de então eram livres. Em 1885, a Lei Saraiva-Cotegipe libertou os escravos com mais de 65 anos. Por fim, em 1888, a Lei Áurea declarou extinta a escravidão no Brasil. Na verdade, só foi extinta a escravidão institucionalizada pelo Estado, pois, paralelamente, ao desmonte do sistema escravista oficial e a expansão da mão-de-obra assalariada, surgiram ou se intensificaram outras formas de escravidão. Na região de dinamismo econômico, marcado pela cultura do café, predominou a mão-de-obra assalariada de imigrantes227, mas para além dessas fronteiras, nos rincões e nas regiões decadentes, como as zonas de algodão e açúcar no Nordeste, o trabalho forçado já era prática recorrente. Portanto, não é exagero dizer que no Brasil a escravidão nunca foi abolida completamente. Como vimos, a Lei Áurea extinguiu, em 1888, a escravidão
227
Muitos imigrantes também foram vítimas do trabalho escravo, principalmente, em decorrência de dívidas acumuladas no seu transporte, hospedagem e subsistência.
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juridicamente regulamentada; mas não a diversidade de outras formas de escravidão que já existiam no país àquela época e, ainda, subsistem até nossos dias (CPT, 1999: 151). O trabalho escravo no Brasil ganhou novo impulso com a instalação do regime militar, em 1964, e sua política de ocupação da Amazônia, cujo ápice ocorreu nas décadas de 70 e 80. O governo militar, através da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), oferecia incentivos fiscais às empresas nacionais e multinacionais para estalarem empreendimentos na Amazônia: Isto é, a possibilidade de 50% do imposto de renda devido pelos seus empreendimentos situados nas áreas mais desenvolvidas do país. A condição era a de que esse dinheiro fosse depositado no Banco da Amazônia, um banco federal, e, após aprovação de um projeto de investimentos pelas autoridades governamentais, fosse constituir 75% do capital de uma nova empresa, agropecuária ou industrial, na região amazônica.” (Martins, In CPT,1997:86-7)
Fazia parte do discurso da época, o jargão: “integrar, para não entregar”, ou mesmo “ocupar os espaços vazios”, ainda que a região estivesse povoada por diversas tribos indígenas. A ocupação da Amazônia, como aponta Martins, prova que não existe incongruência entre o moderno e o arcaico quando se trata da reprodução do capital.O fenômeno da escravidão moderna pode surgir no seio do sistema capitalista, no qual predomina a racionalidade econômica do cálculo que visa a otimização e maximização de seus lucros. Nos empreendimentos agropecuários na política de ocupação da fronteira amazônica perseverou a lógica capitalista de acumulação: grupos empresariais puderam justapor práticas de incentivos fiscais e créditos subsidiados, associadas naquele período à economia moderna, à utilização de trabalho forçado, considerada uma forma arcaica de organização do trabalho, elevando suas taxas de lucro. O fato de que os novos proprietários rurais viessem de uma tradição urbana, moderna e propriamente capitalista não impediu que em suas fazendas se reproduzisse com facilidade o tipo de dominação, repressão e violência, característicos da dominação patrimonial. Em parte, porque, absenteístas, embora coniventes e beneficiários, delegaram a intermediários, como os gerentes e capatazes, educados na tradição do poder pessoal, a responsabilidade
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pelas decisões e pela administração de seus bens. Esse poder multiplicou-se também com o dinheiro que chegou às mãos de proprietários tradicionais, educados na tradição oligárquica da dominação pessoal e da violência.” (Idem, p. 89)
Assim, concordando com Martins, concluímos que a análise da manutenção das diferentes formas de trabalho forçado no Brasil não pode apoiar-se na tese de associar o trabalho forçado apenas à pobreza, aos rincões, às práticas pré-capitalistas, isto restringe nosso campo de análise e limita a formulação de políticas voltadas para o combate ao trabalho forçado.
7.2 RETRATO ATUAL DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL
7.2.1
A Escravidão Moderna Mesmo com o risco de incorrermos em certas simplificações, vale confrontar
a escravidão que vigorou até 1888 com as escravidão que se manifesta no Brasil contemporâneo: Escravidão Antiga 1. Definida pela lei, institucionalizada pelo Estado. 2. Racial: negros africanos 3. 4.
Permanente Escravo é uma mercadoria “valiosa”
5.
Certa regularidade, padronização nos procedimentos.
Escravidão Moderna Ilegal, mantida pela coerção física e/ou moral de particulares. Multiracial: índios na Amazônia, mestiços em MG e MS, brancos no PR e etc Geralmente temporária Escravo tem pouco valor em si, é mão-de-obra descartável. Ampla diversidade em suas manifestações.
O trabalho escravo no Brasil contemporâneo envolve uma rede complexa, cuja manifestação mais recorrente envolve as seguintes etapas : • Recrutamento: trabalhadores são aliciados em regiões pobres do país, com falsas promessas de trabalho bem remunerado em locais muito distantes de sua origem;
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• Transporte: geralmente o transporte dos trabalhadores se dá em condições precárias, o meio varia: navio, ônibus, carroça, caminhão e até avião; • Hospedagem: há pensões, chamadas de “peoneiros”, que servem como ponto de recrutamento para os trabalhadores e os abrigam no trajeto para as fazendas “contratantes”; • Fixação na fazenda: a acomodação dos peões se dá em ambientes inóspitos: alojamentos improvisados, barracões cobertos por lona, currais, entre outros. Não há condições minimamente adequadas de higiene e a comida fornecida é de péssima qualidade. Os produtos consumidos pelos trabalhadores são adquiridos em cantinas da fazenda e anotados em cadernetas. O trabalho é intenso e o ambiente é desprovido de condições de saúde e segurança. Os principais “personagens”, com suas respectivas funções, nesse processo são: Proprietário Rural (fazendeiro/latifundiário) Gato
Peões/Camaradas
Donos de pensão Jagunços/Pistoleiros
Tomador de serviços que atua diretamente ou através de representantes (sócios, gerentes, administradores, capatazes etc) Aliciador de trabalhadores em localidades distantes. É o intermediador da mão-de-obra. Em alguns casos, há a figura do subgato,terceirizado pelo gato para a função de recrutamento de trabalhadores. Trabalhadores “contratados” que se tornam vítima do trabalho escravo. Em sua maioria são predominantemente homens jovens, com baixa ou nenhuma escolaridade, oriundos de famílias camponesas do Nordeste e Centro-Oeste. Geralmente agem em conluio com os gatos, muitos funcionam como subgatos. Responsáveis pela segurança e disciplina nas fazendas, andam armados, usam de violência para impedir a fuga dos trabalhadores e “discipliná-los”.
A dívida tem sido o meio mais recorrente para sujeitar um indivíduo ao trabalho forçado. Ela, geralmente, tem início no processo de recrutamento: o trabalhador recebe do “gato” um abono (adiamento salarial que, geralmente, é deixado com a família) e, a partir daí, essa dívida torna-se crescente com os gastos de
225
transporte, de hospedagem e, no local de trabalho, de produtos adquiridos na cantina, entre outros. A dívida, então, passa a funcionar como um elemento de legitimação, reivindicado pelos exploradores. Há casos em que a força moral da dívida chega mesmo a dispensar o uso da força física como constrangimento ao trabalho forçado. (In CPT, 1999) Vários outros mecanismos são utilizados para reter o trabalhador na condição de escravo: o uso da violência ou coação física, a retenção de documentos e a indisponibilidade de recursos e/ou meios para o deslocamento do trabalhador. O Anexo 1 é exemplar dos aspectos discorridos acima. A prostituição feminina em muitos lugares segue lógica semelhante: jovens são recrutadas, em regiões pobres, alojadas em bordéis e, muitas vezes, aí retidas em decorrência de dívidas contraídas e impagáveis.
7.2.2 Geografia e Estatística Quando observamos a geografia do trabalho escravo no Brasil, temos que diferenciar o local de origem da mão-de-obra e o local onde ela será empregada. As denúncias falam de trabalhadores contratados, principalmente, em quatroestados: Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará. O destino é, predominantemente, a Amazônia, com destaque para o estado do Pará: “É na Amazônia legal que ocorrem 75% dos casos, em particular em Mato Grosso, no Pará e em Rondônia. Os trabalhadores são empregados, sobretudo, na derrubada da mata para formação de novas fazendas de gado”.228 Conforme Martins, ocorreu no Brasil escravidão por dívida em 431 fazendas, de 1973 a 1993; destas, 308 na Amazônia e 123 em outras regiões. Estima-se que, somando as denúncias desses 20 anos, houve mais de 85 mil trabalhadores
228
MARTINS, José de Souza, “A Escravidão que persiste”, Folha de São Paulo, 2 de dezembro de 2002.
226
escravizados. Isso, contudo, representa apenas pequena parte do número real dos submetidos a cativeiro (CPT, 1999: 170). Analisando as denúncias de trabalho escravo no Brasil em um dos seus principais focos, o sul do Pará, observamos que, em 28 anos (1969 a 1997), foram registradas 22.315 denúncias, com 1.724 trabalhadores libertados por autoridades governamentais. Destes, tem-se conhecimento ainda de: 100 casos de morte, 68 desaparecidos, 154 espancados, 69 feridos, 65 presos, 175 crianças e 1.071 fugitivos. (CPT, 1999:174-5) EVOLUÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NO SUL DO PARÁ, SEGUNDO DENÚNCIAS RECEBIDAS PELA CPT ANOS Escravos Libertos 1972 5.140 1973 900 1974 800 1975 500 1976 3 1978 40 1979 20 1981 20 1982 26 1983 1.074 1984 2.512 163 1985 231 1986 799 74 1987 1.301 1 1988 842 1989 877 43 1990 1.084 70 1991 612 297 1992 323 1993 325 8 1994 2.330 344 1995 919 190 1996 690 80 Fonte: Arquivo da CPT de Conceição do Araguaia. In CPT, 1999: 174-5.
Segundo a CPT, de 1988 a 1996, houve 99.382 denúncias de trabalho forçado no Brasil.
227
NÚMERO DE IMÓVEIS ACUSADOS E DE SUAS VÍTIMAS NO BRASIL, 1988-1996 Ano Imóveis 1988 16 1989 19 1990 18 1991 27 1992 18 1993 29 1994 28 1995 21 1996 19 Total 195 Fonte: CPT, 1999: 171.
Vítimas 2189 597 1599 4883 16442 19940 25193 26047 2487 99382
Número de vítimas de trabalho escravo no Brasil (1988-1996) 30000 1988
25000
1989 1990
20000
1991
15000
1992 1993
10000
1994
5000 0
1995 1996 Escravos
Nos números acima da Comissão Pastoral da Terra, observamos que, em 1995, temos registradas 26.047 possíveis vítimas; número que cai para 2487, em 1996. Na atualidade, em 2003, a CPT estimou em 25 mil as vítimas de trabalho forçado. Esse vai e vem dos números revela o quão imprecisos são os dados. Até entrar em ação o Grupo de Fiscalização Móvel, em 1996, os únicos números disponíveis eram da CPT, fornecidos por informantes ou fugitivos e, em grande parte, indissociáveis de práticas que não caracterizam trabalho forçado, como a superexploração do trabalho. Segundo Roberto de Figueiredo5, a divergência entre os números evidencia que:
5
DE FIGUEIREDO Caldas, Roberto, “Os polêmicos números do trabalho escravo no Brasil”, Revista da OAB, 21 de outubro de 2002.
228
a) o Estado brasileiro não possui dados estatísticos sobre o assunto, nem uma política pública condizente com a gravidade do problema, e b) o número de trabalhadores resgatados é considerado ‘a ponta de um 'iceberg', já que 90% ou mais casos nunca vêm à luz do dia, e não se tem atuado sequer com forças mínimas capazes de derretê-lo.
O fato é que as estatísticas sobre trabalho escravo no Brasil são precárias, o que é um constrangimento para os pesquisadores, investigadores, e, principalmente, para as próprias autoridades governamentais. ATIVIDADES ECONÔMICAS ENVOLVIDAS EM TRABALHO ESCRAVO, POR ESTADO (SEGUNDO SECRETARIA DE FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO – SEFIT, EM 1997) Atividades Estados Desmatamento PA e MT Produção de carvão MG e MS Agroindústria canavieira SP, MT e AL Produção de sementes de braquiária MS Mineração RO e RS Exploração Florestal/ MA, RO e BA Reflorestamento Seringal MT Agropecuária PA Fonte: CPT, 1999: 40-1.
7.2.3
Grupos Econômicos Envolvidos Segundo levantamento preliminar de Martins (1997: 82, nota 1), os seguintes
grupos econômicos receberam denúncias por utilização de trabalho escravo em suas fazendas, entre os anos 60 e 90, no Brasil:
229
GRUPOS ECONÔMICOS ENVOLVIDOS EM DENÚNCIA DE UTILIZAÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO - 19601990 Grupo Econômico Estado e ano(s) da(s) denúncia(s) Agritec GO – 1990 Almeida Prado MT – 1987 Aracruz ES – 1980 Arthur Hopfig MS – 1983, 1985,1987 e 1993 Bamerindus PA – 1987 Banco de Crédito Nacional (BCN) MT – 1970 Bordon MT –1971; RO – 1986 Fazenda Rio Capim: PA – 1967, 1976, 1980 e 1984; Fazenda Rio Bradesco Dourado: PA – 1984 e 1987; Fazenda Reunida: PA, 1973 Brascan PR – 1979; SC – 1979 Café Cacique AC – 1981 Capemi AM – 1980 Coopersucar PA – 1984 Copeba MT – 1991 Costa Pinto MA – 1979 Couto AC – 1975,1977 e 1987 Daniel Keith Ludwig PA – 1972, 1976 e 1980 Encol PA – 1984 e 1985; GO, 1986 Eucatex SP – 1986 João Santos MA – 1986; PE, 1987 Liquifarm MT – 1971 Lunardelli PA – 1985 Mafra AM – 1980 e 1985 Maginco PA – 1994 Manah PA - 1991 Marchesi SP – 1987 Matarazzo SP – 1986 Matsubara PA – 1986 Merck PA – 1987 Moura Andrade MS - 1985 Murad PA – 1984 e 1985 Mutran PA - 1987, 1989 e 1991 Nunes MA - 1995 Papel Simão RJ – 1983 e 1984 Paranapanema SP – 1993 Peralta MT – 1989 Pessoa de Queiroz MS – 1989, 1991 e 1992 Quagliato PR – 1991; PA – 1988 Ferrari PR - 1993 Rossi MT – 1975 Shell BA – 1984 Sílvio Santos MT – 1970 e 1981 Soteco MT – 1986 Supergasbrás PA – 1983 Tanagro RS – 1988 e 1991 Volkswagen PA – 1983 e 1985 White Martins RJ - 1984 Fonte: Martins, 1997, pg. 82.
230
Recentemente, no começo de setembro de 2003, o Ministério do Trabalho e a Política Militar libertaram 259 pessoas na Fazenda Tabuleiro, no interior da Bahia, de propriedade do empresário Nenê Constantino, fundador da companhia aérea Gol. Os trabalhadores foram recrutados em três estados: Bahia, Goiás e Tocantins, não recebiam salários, eram impedidos, por capangas armados, de deixar a fazenda e as condições de trabalho eram degradantes.229 Veja anexo 2.
7.2.4
Combate ao Trabalho Escravo: Denúncias, Ações e Obstáculos No Brasil contemporâneo, somente a partir da década de 70, iniciou-se um
processo de denúncia e repressão ao trabalho escravo, levado a cabo por iniciativa da Igreja Católica, atuando, principalmente, por meio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), criada em 1975. A primeira denúncia a ganhar projeção ocorreu em 1971, por Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia. A primeira grande denúncia, envolvendo uma grupo multinacional, tendo repercussão nacional e internacional, ocorreu em 1983, na fazenda Vale do Rio Cristalino, no Sul do Pará, de propriedade da Volkswagen. Três peões conseguiram escapar a pé da fazenda e foram parar em São Félix do Araguaia, denunciando suas condições. Houve mobilização da sociedade e do governo, mas a tentativa de flagrar os responsáveis acabou sendo frustrada. Os indícios eram de 600 trabalhadores escravizados. Foi instaurado inquérito pela polícia civil, o delegado caracterizou o crime, mas considerou a Volks sem responsabilidade no problema. (In CPT, 1999: 177) Em 1995, ganhou notoriedade na imprensa nacional o relatório da OIT, divulgado em Genebra, sobre a situação do trabalho forçado no Brasil. O documento expunha as conclusões da OIT, feitas a partir de uma investigação sigilosa no Brasil de mais de 100 casos denunciados de trabalho forçado, envolvendo mais de 20 mil
229
Revista Veja, edição 1820 de 17/09/03.
231
trabalhadores. As conclusões do relatório, aprovado em 16 de novembro pelo conselho administrativo da OIT, confirmaram as denúncias e afirmaram que em quase todos os casos, as empresas e proprietários das terras haviam ficado impunes. O documento citava, entre as empresas denunciadas, ‘bancos como Bradesco, Real, Bamerindus, e multinacionais como Volkswagen, Nixdorf e Liquigaz’ [...] Havia recomendações, como a aplicação de leis criminais, reforço na inspeção e maior rapidez nos processo (In CPT, 1999: 182).
Em 1997, o Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, elaborado pela OEA, aponta o crime de escravidão no Brasil. Os principais problemas estariam na impunidade, nas medidas débeis e ineficientes das autoridades federais e na incapacidade da população de fazer valer seus direitos, muitas vezes, intimidada pelo poder paralelo das empresas. (Idem, p. 184) Em 1998, pela primeira vez, um fazendeiro do município de Sapucaia foi condenado por um juiz federal de Marabá pelo crime de trabalho forçado. (p. 217). Em 2003, pela primeira vez, o governo federal decidiu indenizar um agricultor submetido a trabalho escravo, respondendo a uma das 100 ações indenizatórias, formuladas pela Organização dos Estados Americanos (OEA) contra o Brasil. (Folha de São Paulo, 19/10/03) A partir de denúncias e pressões nacionais e internacionais, o governo federal vem intensificando os seus esforços no combate ao trabalho escravo:
232
AÇÕES DO GOVERNO FEDERAL NO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO 1973 Cria o Grupo Tarefa da Amazônia, vinculado ao Subgrupo Volante de Inspeção do Trabalho, para reprimir o trabalho escravo na região. 1981 A Comissão Interministerial da Amazônia Legal (Cial), da Sudam, passa a fiscalizar condições do trabalho na Amazônia. O Ministério do Trabalho, a Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNA) e a 1986 Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) firmam um Termo de Compromisso que busca somar esforços para erradicação de qualquer modalidade de trabalho escravo, trabalhando em articulação com o Ministério da Justiça, com a Polícia Federal, com os governos estaduais e suas forças policiais. O Termo de Compromisso foi formalizado pelo protocolo, assinado em 27/7/1986. 1987 O governo federal criou o Mutirão Contra a Violência. 1994 O Ministério do Trabalho publica a Instrução Normativa Intersecretarial (n. 1, de 24/3/1994), que dispõe sobre os procedimentos de inspeção do trabalho escravo na área rural. Criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), subordinado à Secretária de 1995 Fiscalização do Trabalho (Sefit) do Ministério do Trabalho e Emprego É composto por integrantes de vários ministérios e trabalha, em parceria, com a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, a Funai, o Ibama, e ongs como a CPT. 1998 É aprovada a Lei n° 9.777, de 29 de dezembro de 1998, que altera os artigos 132, 203 e 207 do Código Penal Brasileiro. 230 2003 O governo federal lança o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, que apresenta medidas a serem cumpridas pelos diversos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civil brasileira.
Muitos são os obstáculos à completa abolição do trabalho forçado no Brasil. Entre eles destacam-se: a) a ineficiência da ação repressiva do Estado: falta diagnóstico preciso da dimensão dos problemas, os recursos são escassos, a justiça é demasiado lenta, o que faz com que muitos processos acabem sendo arquivados por prescrição; a multa tem sido a principal pena legal e a detenção é caso excepcional: “Parece que o valor das multas aplicadas é insignificante para o poder econômico desses latifundiários e não atinge suficientemente o lucro que a prática do trabalho escravo gera.” (In CPT, 1999: 216); b) o poder paralelo dos latifundiários, que intimida os trabalhadores, o poder público, as ONGs e os sindicatos rurais, bem como corrompe
230
Em novembro o Governo assinou portaria que proibe a concessão de qualquer financiamento a 52 empresas multadas e com pena já transitada em julgado por utilização de trabalhadores em regime análogo à escravidão. Também está tramitando na Câmara Proposta de Emenda Constituição (PEC nº 438/2001) que determina a expropriação de terras de proprietários que utilizarem trabalho escravo.
233
alguns fiscais do trabalho e policiais militares; e, c) principalmente, a situação de pobreza, ou mesmo miséria, a que são submetidos milhões de brasileiros. Isso torna muitos trabalhadores, desprovidos de emprego e de perspectivas, presas fáceis para os “gatos”. Há diversos casos de trabalhadores “libertados” que voltam à condição de escravo e, ainda, supostos escravos que recusam a liberdade, que para eles significa fome e miséria. Portanto, a libertação de trabalhadores escravizados não resolve o problema, é necessário dar condições para o exercício da liberdade (CPT, 1999: 156) Entretanto, a definitiva erradicação das novas formas de escravidão no Brasil pressupõe o sucesso de políticas sociais mais amplas, particularmente a concretização de uma política fundiária que democratize o acesso `a propriedade rural, o apoio ao pequeno produtor, a implementação de programas de geração de emprego e renda nos focos de recrutamento de trabalhadores rurais e punição judicial dos responsáveis por essas práticas desumanas de relações de trabalho. Só assim haverá a necessária ruptura dos elos dessa cadeia interminável e viciosa (Idem, p. 39)
7.2.5 Movimento sindical A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), assim como os sindicatos rurais, têm sido importantes fontes de denúncias e pressões contra a prática do trabalho escravo no Brasil. Contudo, a literatura aponta a dificuldade do movimento sindical em lidar com tema tão complexo. Muitas vezes, alheios às definições legais e de especialistas ou por posicionamento ideológico frente ao capital, a tendência é considerar como trabalho forçado qualquer forma de superexploração ou condição degradante de trabalho. Como exemplar da dificuldade do movimento sindical em lidar com um tema tão complexo e com matizes tão específicas, Martins (In CPT, 1999: 147) aponta a criação pela CUT, em meados dos anos 90, do disque-escravidão:
234
Logo ficou evidente o absurdo dessa iniciativa ingênua. Senhoras que diziam apanhar do marido, esposas infelizes com o confinamento doméstico passaram a telefonar para dizer que eram escravas de seus esposos, além dos que telefonavam para dizer que seus salários eram baixos e por isso se consideravam escravos. (...) As ocorrências, ilegais aliás, se dão geralmente em regiões remotas, longe dos olhos das autoridades (e, obviamente, das cabinas telefônicas), lugares de acesso difícil até mesmo para os funcionários responsáveis pelas investigações e pelas providências legais contra os autores da prática do trabalho escravo.
7.3 PRINCIPAIS REFERÊNCIAS LEGAIS
7.3.1
Nível internacional
7.3.1.1 As Convenções 29 e 105 da OIT Na 14a reunião da Conferência Geral da OIT, em Genebra, em 10 de junho 1930, foi elaborada a Convenção 29 “Sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório”, que entrou em vigor em maio de 1932. Seu Artigo 1º determina que: “Todo País-membro da OIT que ratificar esta Convenção, compromete-se a abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo possível” O recurso ao trabalho forçado só seria admitido “para fins públicos e como medida excepcional”, em circunstâncias específicas como: o serviço militar obrigatório, obrigações cívicas, serviço exigido de uma pessoa em função de condenação judicial e serviços exigidos em situações de emergência (guerra, fome, doenças epidêmicas etc). A Convenção também estabelece as condições e garantias do uso público do trabalho forçado, como: período máximo de duração; horário de trabalho; a exigência de remuneração em espécie; e boas condições de saúde e segurança. O Artigo 4º estabelece que “a autoridade competente não imporá nem permitirá que se imponha trabalho forçado em proveito de particulares, empresas ou
235
associações”. A Convenção 105 da OIT “Sobre a Abolição do Trabalho Forçado” foi elaborada na 40ª reunião da Confederação Geral da OIT, em junho de 1957, tendo entrado em vigor em janeiro de 1959. Em um período, imediatamente, posterior às experiências totalitárias do Nazismo e Stalinismo, nas quais as pessoas foram sujeitadas à situação de escravidão (é exemplar os campos de concentração ou a mãode-obra prisional, envolvida na construção de grandes obras públicas), havia a preocupação de estabelecer condições adicionais para inibir a utilização do trabalho forçado pelo poder público. Neste contexto, o caráter complementar dessa Convenção, em relação à 29, está em seu Artigo 1º que: Todo o País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se em abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso: a) como medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político, social e econômico vigente; b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico; c) como meio de disciplinar a mão-de-obra; d) como punição por participação em greves; e e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.
O compromisso do país envolve, também, a adoção de medidas para a abolição imediata e completa dessa prática.
7.3.1.2 Evolução da Legislação Internacional A escravidão foi abolida no mundo, como instituto jurídico, somente no século XX. Antes disso, no século XIX, diversas normas buscaram reprimir essa prática.
236
No Tratado de Aliança e Amizade entre a Inglaterra e Portugal, assinado no Rio de Janeiro em 1810, o príncipe regente português obrigou-se “a que aos seus vassalos não será permitido continuar o comércio de escravos em outra parte da Costa da África que não pertença atualmente aos domínios de Sua Alteza Real”. Cinco anos mais tarde, em um tratado assinado em Viena com a mesma Inglaterra, Portugal declarava proibir a todos os seus nacionais, “comprar escravos ou traficar em qualquer parte da costa da África ao norte do Equador”. Esse compromisso foi complementado por uma convenção, assinada em Londres, em 1817, pela qual se reconhecia à Inglaterra o direito de visita e busca das naus portuguesas, suspeitas de servirem ao tráfico negreiro. O Tratado de Paz de Paris, de 1814 e 1815, bem como as Declarações do Congresso de Viena, de 1815 e a Declaração de Verona, de 1822, estabeleceram que o tráfico de escravos violava “os princípios de justiça e de humanidade” e exortaram os Estados signatários a tomar, cada qual no âmbito de sua competência, as medidas apropriadas para reprimi-lo. Os tratados de 1831 e 1833 ,entre a França e a Grã Bretanha, o Tratado de Londres de 1841 e o Tratado de Washington, de 1862 ocuparam-se da repressão do transporte de escravos africanos por via marítima, estabelecendo poderes recíprocos de visita, busca e captura dos navios suspeitos de servir ao tráfico negreiro231. Em 1885, com o continente africano já, praticamente, ocupado pelas potências européias, o Ato Geral da Conferência de Berlim procurou reprimir não apenas o tráfico, como também a própria prática da escravidão. Mas as suas disposições aplicavam-se apenas à região do Congo. Finalmente, toda a série de tratados culminou com a assinatura do Ato Geral da Conferência de Bruxelas, de 1890, subscrito por 17 Estados, inclusive o Brasil, que estendeu as medidas de repressão do tráfico a toda a África e criou a primeira
231
COMPARATO, Fábio Konder. (1999). A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, São Paulo, Saraiva, p. 158.
237
organização internacional encarregada de coordenar as medidas repressoras. O acordo admitiu, porém, expressamente, a continuidade da escravidão doméstica, nos países signatários em que ela ainda subsistia. O Ato Geral da Conferência de Bruxelas teve pouco efeito prático, dado que o consenso, estabelecido quanto à repressão do tráfico negreiro, ocorria em um momento em que ele se tornava praticamente insignificante no âmbito mundial. Os Estados Unidos haviam posto fim ao ciclo escravocrata com a guerra civil de 1860-65. No Brasil, que fora o principal mercado importador de escravos na primeira metade do século XIX, o tráfico reduziu-se drasticamente após a Lei Eusébio de Queiroz e o próprio instituto da escravidão foi abolido dois anos antes da assinatura do Ato. Recentemente, estimou-se que a importância do tráfico de escravos no total do comércio africano com as Américas, após atingir um pico de 94% no final do século XVIII, declinou para 81% em torno de 1820, chegando a menos de 1% a partir de 1860232. Logo após o término da Primeira Guerra Mundial, a Convenção de SaintGermain-en-Laye, de 1919, celebrada pelos Estados Unidos, Bélgica, o Império Britânico, França, Itália, Japão e Portugal, procedeu a revisão e a atualização do Ato Geral da Conferência de Bruxelas. Em 25 de setembro de 1926, a Assembléia da Liga das Nações, estabeleceu uma nova Convenção que tinha como objetivo “completar e desenvolver a obra realizada pelo Ato de Bruxelas, e de encontrar um meio de dar efeito prático, no mundo inteiro, às intenções expressas no tocante ao tráfico de escravos e à escravidão, pelos signatários da Convenção de Saint-Germain-en Laye”233. A Convenção de 1926, porém, ficou no meio caminho, quando no artigo 2°, as altas partes contratantes
232
ELTIS, P. C. (1991). “Precolonial Western Africa and the Atlantic Economy”, in SOLOW, Barbara L., Slavery and the Rise of the Atlantic System, Cambridge, Cambridge University Press, p. 97. Citado em COMPARATO, Fábio Konder. (1999), op. cit., p. 160. 233
COMPARATO, Fábio Konder. (1999), op. cit., p. 191.
238
declararam-se obrigadas, de um lado, “a impedir e a reprimir o tráfico de escravos”, mas de outro, simplesmente, “a promover a abolição completa da escravidão sob todas as suas formas, progressivamente e assim que possível” (grifo nosso). A Convenção de 1926 sofreu emendas introduzidas pelo Protocolo de 1953 e foi promulgada no Brasil pelo Decreto n. 58.563, de 1° de junho de 1966. Posteriormente, entrou em vigor a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, de 1956. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, estabeleceu: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas” (Artigo IV). “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” (Artigo V). “Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho [...]” (Artigo XXIII). A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais234 entrou em vigor em 21 de setembro de 1970, sendo modificada, posteriormente, por diversos protocolos, o último deles, o Protocolo n° 11 (STE n° 155), cuja data da entrada em vigor foi em 1 de novembro de 1998; que reconhece no seu artigo 4°, a proibição da escravatura e do trabalho forçado, estabelecendo: 1) Ninguém pode ser mantido em escravidão ou servidão; 2) Ninguém pode ser constrangido a realizar um trabalho forçado ou obrigatório. Uma outra referência internacional sobre trabalho escravo se encontra no relatório sobre a situação dos Direitos Humanos no Brasil, aprovado pela Comissão Interamericana sobre Direitos Humanos, em 29 de setembro de 1997, durante o seu 97º Período Ordinário de Sessões. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu artigo 6, assinala a proibição da escravidão e da servidão235: a) Ninguém pode ser
234
Secretaria do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, novembro de 1998.
235
Para mais referências, ver http://www.cidh.org/countryrep/brazil-port/
239
submetido à escravidão ou servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas; b) Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Em relação a legislações nacionais, vale menção o Código Americano (USC), Título 19, Seção 1307, que proíbe a importação de produtos em cuja fabricação ou produção haja concurso de trabalho forçado ou infantil: Bens, mercadorias e artigos, produzidos ou manufaturados, no todo ou em parte, em qualquer país estrangeiro, com a concorrência de trabalho de presos ou trabalho forçado, sob as penas da lei, não têm sua entrada permitida em qualquer porto dos Estados Unidos, sendo sua importação, por conseqüência, proibida.236
Esse Código Americano buscou, inicialmente, proteger os produtores dos Estados Unidos contra a concorrência desleal que resultaria da importação de produtos estrangeiros mais baratos, produzidos por esse tipo de trabalho. Cabe destacar, no entanto, que a legislação permite a comercialização desses produtos, se os estoques nacionais não forem suficientes. Recentemente, o Departamento reconheceu a necessidade de revogar essa última previsão, de forma que toda a atenção esteja voltada apenas à necessidade de erradicação do trabalho infantil e forçado.
7.3.1.4 Normas Internacionais Empresariais Uma importante referência para proibição do trabalho forçado ou escravo nas empresas é a norma SA8000, que estabelece como trabalho forçado: "Todo trabalho ou serviço que seja extraído de qualquer pessoa sob a ameaça de qualquer penalidade e para o qual essa dita pessoa não tenha se oferecido voluntariamente, ou cujo trabalho ou serviço seja obrigado como meio de pagamento de débito anterior” Para os requisitos de responsabilidade social, a SA8000 estabelece que: “A empresa não deve se envolver com ou apoiar a utilização de trabalho forçado, nem
236
Relatório do Simpósio Internacional sobre Trabalho Forçado e Infantil. Em: http://www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes/pub52.html
240
deve solicitar dos funcionários fazer ‘depósitos’ ou deixar documentos de identidade quando iniciarem o trabalho com a empresa.” O Código de Conduta no Local de Trabalho (Code of Conduct Fair Labor), elaborado pela Apparel Industry Partnership, tem analisado questões relacionadas com a erradicação dos "sweatshops" nos Estados Unidos e noutros países. Com base nessa análise, a Partnership formulou um conjunto de padrões que definem as condições de trabalho decentes e humanas. A Partnership acredita que os consumidores têm confiança em que os produtos fabricados em conformidade com estes padrões não são fabricados sob condições desumanas e de exploração. Tal Código baseia-se nos seguintes preceitos: Trabalho forçado: Não deverá ser utilizado, de nenhuma maneira, qualquer trabalho forçado, seja sob a forma de trabalho sob aprisionamento, aprendizagem sob contrato de obrigação, escravatura ou de natureza afim.
Para a Partnership, qualquer empresa que decida adotar o Código de Conduta no Local de Trabalho deverá, além de cumprir todas as leis aplicáveis do país de fabrico, cumprir e apoiar o Código de Conduta no Local de Trabalho e aplicar os padrões mais elevados de conduta em caso de divergências ou de conflitos. Qualquer empresa que decida adotar o Código de Conduta no Local de Trabalho deverá, também, exigir que as empresas suas concessionárias e adjudicatárias e os seus fornecedores tenham a mesma postura.
7.3.2
Nível Nacional O governo brasileiro está comprometido com a abolição do trabalho forçado,
no plano internacional, pela ratificação dos seguintes compromissos: • Convenção n° 29 da Organização Internacional do Trabalho – OIT (1930) – Sobre o Trabalho Forçado – Ratificada pelo Brasil em 25 de abril de 1957 e promulgada pelo Decreto n° 41.721, de 25 de junho de 1957;
241
• Convenção n° 105 da Organização Internacional do Trabalho – OIT (1957) – Sobre a Abolição do Trabalho Forçado – Ratificada pelo Brasil em 18 de junho de 1965 e promulgada pelo Decreto n° 58.822, de 14 de julho de 1966. • Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura (1926) – Ratificada pelo Brasil em 6 de janeiro de 1966 e promulgada pelo Decreto n° 58.563, de 1º de junho de 1966, com as emendas introduzidas pelo Protocolo de 1953 e pela Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956. • Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho adotada em 18 de junho de 1998, durante a 86ª Conferência Internacional do Trabalho. Os Estados Membros da Organização se comprometem a ratificar as convenções fundamentais da OIT e a respeitar, promover e tornar realidade os princípios relativos aos direitos fundamentais consagrados naquelas convenções, entre os quais figura o da proibição de qualquer tipo de trabalho forçado ou obrigatório. Na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, encontramos respaldo legal para a condenação do trabalho forçado nos artigos: Art.1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II - “prevalência dos direitos humanos” Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes: III. ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelece.
A legislação brasileira proíbe, expressamente, o trabalho forçado e estabelece sanções de natureza civil, administrativa e penal para coibir sua prática.
242
Em matéria civil, a legislação nacional compreende: • Portaria nº 101, de 12/1/96, do MTE; a Lei nº 8.629/93 e a Lei Complementar nº 76, de 6/6/93, que estabelecem237: “A constatação de trabalho
forçado
na
propriedade
fiscalizada,
e
o
conseqüente
desvirtuamento da função social da propriedade, desencadeia processo de desapropriação do imóvel pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA”. • Medida Provisória nº 74, de 23 de Outubro de 2002: altera a Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, para assegurar o pagamento de SeguroDesemprego ao trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo. • Resolução nº 306, de 06 de novembro de 2002: Estabelece procedimentos para a concessão do benefício do Seguro-Desemprego ao trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo. Em matéria administrativa, Portaria nº 231, de 12 de setembro de 2002238: que com fundamento nas atribuições do Procurador-Geral do Trabalho, previstas no Art. 91, XXI, da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, considera: • dever de o Ministério Público do Trabalho aplicar a Constituição Federal aos problemas concretos da vida, em cujo contexto se insere a complexa questão social de combate ao trabalho escravo; • a necessidade de se conjugar esforços para harmonizar a ação desenvolvida no âmbito do Ministério Público do Trabalho no combate ao trabalho escravo, inclusive no relacionamento com órgãos externos dedicados ao tema.
237
238
Ministério do Trabalho (http://www.pgt.mpt.gov.br/escravo/)
Publicada no Boletim de Serviço do MPT - 09 C/2000 - Especial). Em: http://www.pgt.mpt.gov.br/escravo/
243
No plano da repressão penal, definida pelo Código Penal Brasileiro, temos: • Art.149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo239 • Pena – reclusão, de dois a oito anos.240 • Art.197. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias: • Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. • Art.198. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a celebrar contrato de trabalho ou a não fornecer a outrem ou a não adquirir de outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola: • Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. A Lei n° 9.777, de 29 de dezembro de 1998, altera os artigos 132, 203 e 207 do Código Penal Brasileiro, que passaram a ter a seguinte redação: Art.203. Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho. Pena – detenção, de um a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. §1º Na mesma pena incorre quem: I – obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em
239
O artigo 149 encontra-se no capítulo “crimes contra a liberdade individual” do Código Penal. Com isso, todos os crimes contra a liberdade individual (seqüestro, ameaças etc) estão aí contemplados. O mesmo não ocorre com outras práticas que envolvam violação de outra natureza, como precárias condições de saúde e segurança do trabalhador, aliciamento de mão-de-obra, entre outros. (Costa, 2003) 240
Em novembro, foi aprovado na Câmara dos Deputados projeto de lei que aumenta a pena mínima de dois para quatro anos. O projeto também impede o pagamento de fiança e o cumprimento de penas alternativas para tal crime.
244
virtude de dívida; II – impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais. §2º - A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de 18 anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. Sem implicar, necessariamente, em trabalho forçado, mas constituindo conduta que propicie essa situação, temos os crimes de aliciamento para o fim de emigração e o de aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional: Art. 206. Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro. Pena – detenção, de um a três anos e multa. Art.207. Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional. Pena – detenção de um a três anos, e multa. §1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia ao trabalhadorou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. §2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de 18 anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.
245
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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246
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248
ANEXOS241
ANEXO 1 Fonte: Ministério Público do Trabalho - www.pgt.mpt.gov.br Data: 12/09/2003
Ação conjunta liberta mais de 258 trabalhadores e garante pagamento de R$ 240 mil em verbas rescisórias Mais de 258 trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravos na Fazenda Tabuleiro, em Correntina/Bahia, foram libertados e receberam juntos cerca de R$ 240 mil em verbas rescisórias. O resgate foi efetuado em operação conjunta do Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego e Polícia Federal. A fazenda desenvolve projeto de agricultura irrigada em uma área aproximada de 10 mil hectares. As 258 pessoas contratadas por meio de gatos*, trabalhavam no preparo da terra para cultivo, catando raízes e garranchos. Não possuíam carteira assinada e tinham desrespeitados, tanto o direito de ir e vir quanto o acesso a condições de saúde e segurança. A fazenda também contava com 30 empregados efetivos, mas apenas três tinham registro em carteira. As irregularidades foram detectadas pelos Procuradores do Trabalho logo na guarita de entrada da fazenda, com a presença de vigilante armado de espingarda. Os alojamentos eram feitos com plásticos apoiados sobre pedaços de madeira e piso de terra. Alguns dos trabalhadores adquiriram os próprios colchões, outros dormiam sobre um pedaço de lona. Como não existiam banheiros, nem mesmo as chamadas "latrinas", eram obrigados a fazer as necessidades no mato, inclusive mulheres e crianças.
241
Nos anexos, o que está sublinhado corresponde a grifos nossos para destacar indicadores de trabalho escravo.
249
Além das irregularidades, nos alojamentos foram encontradas armas de fogo. Em apenas um deles havia cinco revólveres calibre 38 e quatro espingardas, apreendidos pelos policiais federais. Alimentos e produtos de higiene eram comprados na cantina da fazenda e anotados em caderneta. Os valores, porém, eram superiores aos de mercado, como a lata de leite a R$ 8,00 ou o sabonete a R$ 1,50. Os trabalhadores recebiam alimentação, mas de má qualidade, até bichos havia na carne, o que os obrigava a adquirir produto melhor. Quando os gatos aliciaram os trabalhadores em outros municípios da Bahia ou em Tocantins, prometeram pagamentos entre R$ 10,00 e R$ 30,00 por hectare ou R$ 12,00 ao dia, sendo a refeição custeada pelo empreiteiro. No entanto, os trabalhadores nada receberam durante o período que permaneceram na fazenda, pois, segundo os empreiteiros, as dívidas na cantina superavam o valor do salário a que tinham direito. Além disso, tinham descontados cerca de R$ 12,00, a título de alimentação, por dia que ficassem sem trabalhar, mesmo se estivessem doentes. Um dos empregados, queimou a mão e a perna direita enquanto trabalhava, mas só recebeu socorro depois da chegada do grupo de combate ao trabalho escravo. Outro trabalhador garantiu ter recebido ameaça de morte do empreiteiro e de seu fiscal, caso denunciasse a situação a que estava submetido. Os fiscais, por sua vez, iam para as frentes de trabalho armados de revólver calibre 38. Além da intimidação causada pela vigilância armada e das dívidas, outro fator impedia a saída dos trabalhadores. O local ficava a cerca de 45 quilômetros do ponto de ônibus mais próximo e os trabalhadores sequer possuíam dinheiro para passagem. A localização de um corpo não identificado na fazenda, há cerca de um mês, era outro fator de intimidação. *Gato - pessoa que alicia trabalhadores em outros estados com falsas promessas de excelentes salários e acomodações. Ele intermedia a mão-de-obra entre o empregado e o empregador.
250
ANEXO 2 Fonte: Veja, Edição 1820, 17 de setembro de 2003 Gol contra de Nenê PF liberta 259 escravizados numa fazenda do criador da mais moderna empresa aérea do país Alexandre Oltramari No ar, a companhia aérea Gol exibe o que há de mais avançado na aviação. Fundada, há pouco mais de dois anos, pelo mineiro Constantino de Oliveira, conhecido como Nenê Constantino, a Gol foi a primeira empresa brasileira a operar vôos regulares com baixo custo e baixo preço, o mesmo modelo consagrado pela inglesa EasyJet e pelas americanas Southwest Airlines e JetBlue. Com a frota mais moderna do país, a Gol também foi a primeira empresa a emitir bilhetes pela internet. Em terra firme, porém, uma das atividades de Nenê Constantino está assentada em uma prática do século retrasado - o trabalho em condições análogas à escravidão. Há duas semanas, cinco técnicos do Ministério do Trabalho e cinco agentes da Polícia Federal estiveram na fazenda Tabuleiro, no interior da Bahia, que pertence a Nenê Constantino. Ali, sob um sol escaldante, 259 pessoas trabalhavam sem salário e eram impedidas de deixar a fazenda por capangas armados, além de dormir, comer e fazer necessidades fisiológicas em condições indignas. A fazenda Tabuleiro tem 20.000 hectares, área equivalente à da cidade do Recife, e um projeto de irrigação de 5 milhões de reais. Desde o início do ano, as terras vêm sendo preparadas para o plantio de soja, algodão e feijão. Os 259 trabalhadores foram contratados para arrancar raízes e garranchos. Em seguida, ateariam fogo ao mato, deixando a terra pronta para o cultivo. Foram recrutados em três Estados: Bahia, Goiás e Tocantins. Os mais antigos estavam ali fazia quatro meses. Quando se fala de trabalho escravo, um equívoco recorrente é confundir essa prática com outra, também aviltante, que é o trabalho degradante. Na fazenda de Constantino, havia as duas coisas - o trabalho escravo e o degradante. Os lavradores não tinham carteira assinada, não
251
recebiam salário, viviam em barracões de lona e comiam carne estragada, acondicionada em caixas de papelão. Doze estavam doentes. Um deles, socorrido por um médico na presença dos fiscais, tinha queimaduras de segundo grau. Se não recebesse atendimento em três dias, corria o risco de perder a mão direita. Isso tudo é trabalho degradante. O trabalho escravo é caracterizado pelo cerceamento do direito de ir e vir, que aparece no depoimento dos trabalhadores. "Quem tentava ir embora apanhava", contou uma garota de 15 anos, grávida de três meses. Um lavrador, de 61 anos, disse que era ameaçado por jagunços armados. Outro, de 19 anos, informou que um dos capatazes o ameaçou de morte se o denunciasse. Com os capatazes, a polícia achou um pequeno arsenal: oito espingardas e um revólver calibre 38. Dias antes, a polícia recolhera um cadáver em avançado estado de decomposição na fazenda. "O laudo vai identificar a vítima e esclarecer o que houve", diz o delegado Marcelo Calçado. O advogado de Constantino, Marcelo Coimbra, afirma que "o corpo foi encontrado e a própria fazenda chamou a polícia". Ele diz que nem Constantino nem seu sócio, André Ribas, sabiam do que se passava na fazenda. "Todas as exigências do Ministério do Trabalho já foram cumpridas", afirma.
252
253
CAPÍTULO 8 - SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO
Nilton Benedito Franco Freitas Arquiteto, e Engenheiro de Segurança do Trabalho Mestre em Saúde Pública
Este capítulo trata do tema Segurança e Saúde no Trabalho, sendo esta expressão a mais freqüentemente usada no Brasil e por organismos internacionais como a OIT. Aceita-se, atualmente, que a saúde é um fenômeno multidimensional e multideterminado, resultante de um equilíbrio dinâmico entre fatores internos a cada indivíduo e fatores externos, próprios e do meio ambiente e das condições de vida que o rodeiam. Embora o conceito de saúde formulado na Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS) defina “a saúde como um estado de completo bem estar físico, mental e social, e não somente a ausência de afecções ou enfermidades” sem dúvida, uma revisão é necessária quando se trata de saúde no local de trabalho. Dejours (1986)242 faz uma análise crítica ao conceito, “desenvolvendo a idéia que a saúde das pessoas é um assunto ligado às próprias pessoas”. Afirma ser impossível definir um estado completo de bem estar, além disso esse estado é impossível de se atingir. Baseia seus argumentos na fisiologia, psicossomática e psicopatologia do trabalho, para concluir que a saúde: • não vem do exterior, não é assunto dos outros; • é algo que se ganha, se enfrenta e de que se depende; • não é estável, muda o tempo todo; e • é uma sucessão de compromissos com a realidade, e que se pode
242
Dejours, C. (1986) Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, nº 54, vol.14, p.7-11.
254
mudar, reconquistar, defender, perder e ganhar. No trabalho, a saúde sofre influências das condições de trabalho (físicas, químicas e biológicas) e da forma como é organizado. As condições de trabalho afetam, em particular, o corpo físico, enquanto as formas de organização do trabalho atuam sobre a saúde mental. Assim sendo, saúde no trabalho passa não só pela melhoria das condições de trabalho, mas sobretudo pelo grau de liberdade que as pessoas têm em se organizar no trabalho, de maneira individual ou coletiva, de forma a possibilitar o desenvolvimento pleno de suas habilidades. A partir desses pressupostos, Dejours propõe uma nova definição: “A saúde para cada homem, mulher ou criança é ter meios de traçar um caminho pessoal e original, em direção ao bem-estar físico, psíquico e social”. No Brasil convencionou-se chamar, nos últimos anos, a relação entre saúde e trabalho como a área da saúde do trabalhador, terminologia que incorpora, além das áreas do conhecimento citadas, o processo histórico de evolução do campo da saúde pública243 na sua relação com o mundo do trabalho, retirando o controle da saúde no local de trabalho do contexto privado para inseri-lo no contexto público. Conceitualmente, pode-se dizer que a saúde do trabalhador surge enquanto uma prática social instituinte, que se propõe a contribuir para a transformação da realidade de saúde dos trabalhadores, e por extensão a da população como um todo, a partir da compreensão dos processos de trabalho particulares, de forma articulada com o consumo de bens e serviços e o conjunto de valores, crenças, idéias e representações sociais próprios de um dado momento da história humana.O objeto da saúde do trabalhador pode ser definido como o processo saúde e doença dos grupos humanos, em sua relação com o trabalho.Trabalho entendido enquanto espaço de dominação e submissão do trabalhador pelo Capital, mas, igualmente, de resistência, de constituição, e do fazer histórico dos trabalhadores, que buscam o controle sobre as condições e os ambientes de trabalho, para torná-los mais saudáveis, num processo lento, contraditório, desigual no conjunto da classe trabalhadora,
243
“Saúde Pública é o campo de conhecimentos e atividade multiprofissional que tem por objetivo promover, proteger e recuperar a saúde das pessoas e da sociedade a partir de um diagnóstico e através de medidas de alcance coletivo, da mobilização, organização e participação ativa da sociedade e da organização dos recursos de saúde”. DIMITROV, P. in Saúde Pública no Sistema Único de Saúde, SUS, p. 17-25. Saúde Meio Ambiente e Condições de Trabalho – Conteúdos Básicos para uma Ação Sindical, Central Única dos Trabalhadores, Fundacentro, São Paulo, abril de 1996.
255
dependente de sua inserção no processo produtivo e do contexto sociopolítico de uma determinada sociedade. A saúde do trabalhador busca compreender melhor a determinação do processo saúde-doença nos trabalhadores e desenvolver alternativas de intervenção que levem à transformação da realidade, em direção à apropriação pelos trabalhadores da dimensão humana do trabalho.[....] As ações de saúde do trabalhador estão direcionadas na busca de mudança nos processos de trabalho – das condições e dos ambientes de trabalho – através de uma abordagem transdisciplinar e intersetorial, com a participação dos trabalhadores, enquanto sujeitos e parceiros, capazes de contribuir com seu saber para o avanço da compreensão do impacto do trabalho sobre o processo saúde-doença e de intervir efetivamente para a transformação da realidade. 244
O movimento sindical e, em especial, a Central Única dos Trabalhadores são parte ativa e fundamental no processo de transformação pelo qual passou a chamada saúde ocupacional245 e a saúde pública no Brasil, nos últimos 30 anos. A CUT, desde sua origem,
e os principais sindicatos que vieram a ela se filiar, já debatiam a
necessidade de superação de conceitos e práticas que eram anteriores ao período da ditadura militar e que vigoraram no país de 1964 a 1984. Esta concepção na saúde pública teve início no Brasil, com a reorganização autônoma da sociedade civil no final dos anos 70 e início dos 80, encontrando no movimento sindical um importante impulsionador. Assim, foi relevante naquela ocasião, a articulação entre sindicalistas de diversas categorias e médicos militantes organizados no Sindicato dos Médicos de São Paulo, para a criação do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e Ambientes de Trabalho (DIESAT), que, à semelhança do DIEESE, serviu durante quase toda esta década para convergir as experiências sindicais pulverizadas, em movimentos nacionais articulados, geradores de políticas e formadores de uma consciência crítica que contribuiu, em grande parte, para a renovação de conceitos e práticas como o assistencialismo sindical; o questionamento dos dados oficiais de acidentes
244
DIAS, E.C. in Saúde do Trabalhador, p.27-35. Saúde Meio Ambiente e Condições de Trabalho – Conteúdos Básicos para uma Ação Sindical, Central Única dos Trabalhadores, Fundacentro, São Paulo, abril de 1996. 245
A Saúde Ocupacional é um conjunto de valores típicos do período Taylorista-Fordista ou da chamada “era industrial”, que evoluiu da chamada “medicina do trabalho” para um estágio que incorporava aspectos da chamada “higiene industrial”. Desse modo, focaliza a reparação da incapacidade para o trabalho devido à doença ou acidente, em detrimento da prevenção e da vigilância da saúde. Fundamenta-se em uma concepção biomédica da saúde/doença; tende a naturalizar e a atomizar a produção de riscos profissionais; por fim, nega ao homem no trabalho a possibilidade de ser um sujeito ativo na construção de sua própria saúde. Em termos práticos, a manutenção da saúde do homem no trabalho é comparada à manutenção das máquinas e equipamentos, que se complementam. GRAÇA, L. (2000): Notas sobre a Evolução do Ensino e da Prática da Medicina do Trabalho em Portugal.
256
do trabalho; do caráter controlador e anti-ético dos SESMT246 das empresas; modificação de currículos escolares de graduação e pós-graduação; organização de serviços públicos de atendimento exclusivo de trabalhadores; introdução de práticas de negociação no mundo do trabalho; alterações conceituais e práticas de legislação trabalhista. Ajudamos desta forma a superar o conceito da chamada saúde ocupacional que durante décadas vigorou no interior das empresas e na orientação das políticas governamentais. 247
Os trechos, anteriormente destacados, procuram transmitir também a idéia de que a Central Única dos Trabalhadores e seus sindicatos, federações e confederações filiados têm uma experiência e um ponto de vista bem definido acerca deste objeto que o Observatório se propõe a investigar. Em 1990, a CUT cria o INST, Instituto Nacional de Saúde no Trabalho, que foi um marco na luta dos trabalhadores pela saúde. Os valores e princípios do movimento sindical CUTista – combustível da sua ação sindical e institucional no campo da saúde do trabalhador, nestes últimos 12 anos, foram basicamente os mesmos – e em grande medida continuam sendo, gerados pelo movimento sindical italiano na década de 60, quais sejam248:
a) Grupo Homogêneo –entende-se a menor unidade social de trabalho existente em um setor ou área, em que os trabalhadores estão submetidos às mesmas condições, resultantes da organização do trabalho, tendo em comum as suas atividades, os riscos e os fatores de risco a eles relacionados;
b) Não Delegação –significa, antes de tudo, um profundo
246
Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho (Nota nossa).
247
Executiva Nacional da CUT. Política de Saúde, Trabalho e Meio Ambiente da CUT – Relatório do Seminário Nacional de Políticas e Conteúdos Básicos em Saúde, Trabalho e Meio Ambiente, agosto de 1994, p.9-16. Saúde Meio Ambiente e Condições de Trabalho – Conteúdos Básicos para uma Ação Sindical, Central Única dos Trabalhadores, Fundacentro, São Paulo, abril de 1996. 248
Extraídas do texto, Saúde no Trabalho e Mapeamento dos Riscos, de autoria de Luiz Humberto Sivieri, publicado no livro Saúde Meio Ambiente e Condições de Trabalho – Conteúdos Básicos para uma Ação Sindical, Central Única dos Trabalhadores, Fundacentro, São Paulo, abril de 1996.
257
convencimento dos trabalhadores e suas representações, de não poder mais entregar a ninguém o controle sobre as suas condições de trabalho. Não delegação é a recusa, pelos trabalhadores e suas representações, de repassar a outros as responsabilidades que lhe são próprias;
c) Validação Consensual –entende-se o julgamento sobre o nível de bem-estar ou de incômodo, de tolerabilidade ou de intolerabilidade que uma determinada situação de trabalho é expressa pelos trabalhadores. Adotando esses valores e princípios, o movimento sindical CUTista exerceu um olhar crítico e transformador sob as condições de segurança e saúde existentes nas empresas das bases territoriais de seus sindicatos, realizando verdadeiros enfrentamentos conceituais e de luta real, com a realização de greves por transformações reais do ambiente de trabalho, por mudanças tecnológicas, pelo banimento ou substituição de substâncias perigosas, por mudanças organizacionais que incorporassem o saber e a participação dos trabalhadores no processo de sua implantação, pelo direito de saber e de ser informado e muitas outras. Tal movimento influenciou diretamente as políticas públicas do país nas últimas décadas, as quais passaram, também, por importantes transformações, organizando e constituindo serviços de atenção à saúde do trabalhador que retiraram do âmbito da empresa o exclusivo controle sobre a saúde e o ambiente. Programas e Centros de Referência em Saúde do Trabalhador foram constituídos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) com o objetivo de realizar não apenas o diagnóstico de doenças e alterações do estado de saúde, mas também de empreender verdadeira ação de vigilância nos locais de trabalho, rompendo os portões e muros das empresas para revelar um mundo, até então, de exclusivo controle empresarial. O resultado imediato aparece nas estatísticas oficiais, com a notificação crescente de doenças profissionais.
258
TABELA 1 - DOENÇAS PROFISSIONAIS REGISTRADAS NO BRASIL DE 1984 A 1994 - NÚMERO DE
CASOS ANO BRASIL Variação 1984 3.283 1985 4.006 22% 1986 5.920 47% 1987 6.382 7% 1988 5.029 21% 1989 6.600 31% 1990 5.217 26% 1991 6.331 21% 1992 7.718 21% 1993 11.111 43% 1994 15.270 37% 1995 20 646 35% 1996 34 889 69% 1997 36 648 5% 1998 30 489 20% 1999* 23 903 27% 2000 19 605 22% 2001 18 487 6% 2002* 20 886 13% FONTE: Coordenadoria de Informática da Secretaria de Planejamento do INPS. A partir de 1990, Divisão de Planejamento e Estudos Socioeconômicos do INSS. Fundacentro. *dados preliminares
Houve, então, o rompimento de uma escala de poder, que permitiu aos trabalhadores questionar métodos gerenciais, poder de mando, decisões unilaterais de emprego de tecnologias, produtos e processos que lhes eram nocivos e, também, ao meio ambiente e à saúde pública. Os marcos sociais e políticos desse movimento no Brasil foram as lutas sindicais contra a contaminação pelo mercúrio, pelo benzeno e pelo amianto, as quais, apesar de iniciadas na década de 80, continuam até hoje, amparadas por acordos e convenções coletivas ou por mudanças legais que foram se produzindo.
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QUADRO 1 - LUTAS SINDICAIS NO CAMPO DA SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO – BRASIL A PARTIR DE1985 MERCÚRIO Teve início, em 1987, na multinacional belga do setor químico Solvay (ex-Eletrocloro), produtora de cloro249 soda, MVC-PVC, entre outros produtos, quando Cipistas descobriram alterações em seus exames de 250 urina, indicando a possível contaminação, confirmada em seguida através da fiscalização da DRT/SP e 251 PST/ABC solicitados pelo Sindicato dos Químicos do ABC, com assessoria do DIESAT. No total, até 1993, 165 trabalhadores foram afastados pela exposição ao mercúrio. Um acordo, firmado em 1987, estabeleceu uma série de medidas de engenharia, organizacionais e de saúde, cuja implantação foi realizada até o ano de 1992, com ampla participação do sindicato e dos trabalhadores. O movimento espalhou-se por todo o país e para outros segmentos (lâmpadas e termômetros), constatando centenas de contaminados em empresas como Philips, Sylvania, Pan-Americana, Carbocloro e outros. Em 1992, o sindicato propõe um Projeto de Lei para substituição do mercúrio no processo de produção de cloro-soda. Em 1999, é aprovado um Projeto que proíbe novas plantas com essa tecnologia no Brasil e limita a ampliação das existentes. A denúncia, em 1987, ocasionou a introdução do “Direito de Saber” na legislação trabalhista, como veremos adiante. BENZENO Os primeiros casos de leucopenia, devido à exposição ao benzeno, foram diagnosticados pelo departamento médico do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos, em 1985, entre os trabalhadores da ex252 estatal COSIPA . Em seguida, o Sindicato dos Químicos do ABC e a DRT/SP descobriram vários casos entre trabalhadores da Matarazzo Química, localizada em São Caetano do Sul, onde um trabalhador veio a falecer, em 1986, devido à leucemia ocasionada pela exposição ao benzeno. Essa fábrica foi interditada e fechada definitivamente, logo em seguida. Outros sindicatos e serviços públicos de saúde e fiscalização começaram a descobrir casos de leucopenia nos pólos petroquímicos da Bahia e Rio Grande do Sul e, em siderúrgicas do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ao final dos anos 80, havia quase 3.000 trabalhadores afastados do trabalho devido a este problema. Em 1990, o INST/CUT lança a “Operação Caça Benzeno”, campanha nacional, envolvendo as diversas categorias de trabalhadores. Em 1994, inicia253 se um processo de negociação tripartite (a segunda experiência do gênero, no paiís) reunindo as centrais sindicais, confederações e institutos empresariais e os ministérios da Saúde, do Trabalho e da Previdência, cujo objetivo era regulamentar a prevenção da exposição ocupacional ao benzeno. Em dezembro de 1995, foi assinado o Acordo Nacional Tripartite do Benzeno, uma Portaria ministerial 254 modificando a NR-15 e duas Instruções Normativas , todos produzidos de forma tripartite. O Acordo estabeleceu a constituição da Comissão Nacional Permanente do Benzeno (CNPBz); a criação do Grupo
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Monocloreto de Vinila – Policloreto de Vinila.
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Delegacia Regional do Trabalho do Estado de São Paulo.
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Programa de Saúde do Trabalhador da região do ABC, localizado em São Bernardo do Campo, mais tarde transformado em Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, um dos primeiros do Estado de São Paulo. 252
Companhia Siderúrgica Paulista, localizada em Santos/SP.
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A primeira experiência tripartite iniciou-se pouco antes, no mesmo ano, para a revisão e atualização da Norma Regulamentadora 13 (NR-13), da Portaria 3214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, que trata da segurança de caldeiras e vasos de pressão. 254
IN-01 sobre a Avaliação da Exposição Ocupacional ao Benzeno e a IN-02 sobre a Vigilância da Saúde dos Trabalhadores expostos ao Benzeno.
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de Trabalhadores para o Benzeno (GTB) dentro da CIPA das empresas; reduziu o Limite de Tolerância de 255 256 8 ppm de exposição ao benzeno para um VRT de 1 ppm de um modo geral e 2,5 ppm para indústria 257 siderúrgica; determinou prazos para que as empresas alcançassem esses valores ; estabeleceu prazo para banimento do benzeno do setor sucro-alcooleiro; estabeleceu a obrigatoriedade da mais alta 258 259 hierarquia da empresa responsabilizar-se pelo PPEOB . Esse Acordo foi reconhecido pela CDS/ONU como um modelo a ser seguido para o alcance da sustentabilidade a partir do local de trabalho, pelo seu grau de complexidade, pelas formas de controle e acompanhamento previstas, pela capacitação que confere a todas as partes envolvidas e por ter sido elaborado de forma tripartite. AMIANTO Os trabalhadores da Construção Civil de Osasco e do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de São Caetano do Sul são os principais atores da luta pelo banimento do amianto no Brasil, pois foram os primeiros a denunciar seus malefícios à saúde e a chamar a atenção das autoridades sanitárias e da opinião pública para o problema. A DRT/SP e vários órgãos de saúde também tiveram papel fundamental de peso nesse processo, com seus profissionais e pesquisadores, opondo-se, muitas vezes, às determinações políticas dos governantes da época. Os trabalhadores mineiros adotaram a defesa do uso controlado do amianto, embasados em Acordos e Convenções Coletivas sobre Segurança e Saúde no Trabalho com o Amianto que, segundo eles, indicava a não necessidade de banimento. Nesse debate que eclodiu por diversas vezes dentro da CUT, preponderou sempre a proposta de banimento. Mais recentemente, estados e cidades aprovaram legislação determinando o banimento do uso em seu território. LER/DORT Em 1985, foi feita uma denúncia à DRT/SP, pelo Sindicato dos Empregados em Empresas de Processamento de Dados do Estado de São Paulo, de inúmeros casos de tenossinovite em digitadores. Foi constituída uma equipe da DRT, com médicos e engenheiros, para fiscalizar as empresas e constataram a presença de fatores que contribuíam para a ocorrência das LER, como: pagamento de prêmios de produção, ausência de pausa, prática de horas extras e dupla jornada de trabalho, dentre outros. Entre 1988 e 1989, a Associação de Profissionais de Processamento de Dados (APPD nacional) junto com o Ministério do Trabalho e Emprego e a Fundacentro elaboraram a NR-17 - Ergonomia, norma regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego, que foi assinada em junho de 1990. O INST/CUT lança, em 1991, uma Campanha Nacional de Prevenção das LERs envolvendo todas as categorias profissionais, visando esclarecer os trabalhadores e exigir atuação responsável das empresas e organismos de fiscalização.
Como se vê através dos exemplos do Quadro 1, as empresas foram obrigadas
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Partes por Milhão – unidade de medida utilizada para expressar a concentração de um produto químico no ar. Quando utilizada para expressar um Limite de Tolerância, refere-se à concentração média ponderada para um intervalo de tempo conhecido (jornada de oito horas p.ex.). 256
Valor de Referência Tecnológico – valor técnico de concentração de benzeno no ar, definido por meio de negociação tripartite; sua observância não exclui o risco a saúde. Trata-se de um conceito aplicável a substâncias cancerígenas, para as quais não se pode atribuir valores seguros de exposição. 257
Para a indústria química e petroquímica o prazo foi 31/12/97 e para as siderúrgicas 31/12/98, ambos prorrogáveis mediante autorização da CNPBz, para o limite máximo de 31/12/99. 258
O Programa de Prevenção da Exposição Ocupacional ao Benzeno foi criado pelo Acordo e deve conter todas as medidas necessárias para a proteção da saúde dos trabalhadores, com o nome do respectivo responsável por cada ação dentro da empresa. 259
Comissão de Desenvolvimento Sustentado da Organização das Nações Unidas.
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a aceitar esse novo ator social que exigia o direito de participar das decisões relativas a sua saúde, tendo para isso que renovar conceitos, reformar estruturas, rever procedimentos e condutas, realizar investimentos em melhorias, sujeitar-se a verificações externas independentes, reconhecer a contribuição do Estado e dos sindicatos na melhoria das suas instalações e ambientes de trabalho, melhorar a informação sobre os riscos, atender com mais rigor a legislação nacional, sujeitar-se a um processo permanente de negociação das condições de trabalho, abrir-se para a comunidade e os meios de comunicação, adotar sistemas de gestão ambiental e da segurança e saúde no trabalho, respeitar os códigos de ética de engenheiros e médicos do trabalho, melhorar o funcionamento das CIPA etc. Essas transformações e ocorrências não resultaram tão somente da livre iniciativa de empresas e corporações e nem, tampouco, pela pressão exclusiva dos sindicatos, mas também pelas exigências legais crescentes, pressão da comunidade e da opinião pública e, no caso das empresas envolvidas com o comércio internacional, pelas exigências de parceiros comerciais, regras de mercado global, compromissos corporativos assumidos pela matriz, submissão a convenções e acordos internacionais etc., caso que se aplica, especialmente, às empresas multinacionais que atuam no país. Os marcos regulatórios dessa ação social de grande envergadura – que ajudou a superar o tradicional conceito de medicina e saúde ocupacional e os limites da engenharia de segurança do trabalho -, foram: 1986 – Ratificação, através do Decreto 93.413 de 15/10/86, da Convenção 148 da OIT sobre contaminação, o ruído e a vibração, a qual contém artigo definindo o direito dos sindicatos acompanharem as fiscalizações do ambiente de trabalho; 1987 - Alteração da NR-1, introduzindo o “Direito de Saber” na legislação trabalhista ao determinar ao empregador informar aos trabalhadores sobre os riscos existentes no local de trabalho, sobre as medidas de proteção existentes, sobre o resultado dos seus exames médicos e sobre o resultado das avaliações ambientais realizadas nos
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locais de trabalho, além de permitir que representantes dos trabalhadores acompanhem a fiscalização das condições de trabalho; 1988- Nova Constituição da República atribui ao SUS no Art. 200, II: “executar ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;” 1989 – As Constituições dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro introduzem o Direito de Recusa ao Trabalho em Condições de Risco Grave e Iminente na legislação brasileira; diversas categorias conseguiram logo no ano seguinte, regulamentar esse direito através da Convenção Coletiva de Trabalho; 1989 - Portaria 3.311, de 29/11/89, do Ministério do Trabalho, determina às DRT e Fundacentro260 manter maior contato e entrosamento permanente com os sindicatos para informar-se das situações de maior risco de acidentes e doenças; 1990 - Ratificação da Convenção 162 da OIT, sobre o asbestos (amianto) em 18/05/90; 1990 - Lei número 8.080, de 19/09/90, regulamenta o texto constitucional, explicitando as responsabilidades e atribuições do SUS na execução de ações na área da saúde do trabalhador; cria também a Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador (CIST), ligada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS); 1990 - Lei 8.142, de 28/12/90, determina a criação de Conselhos de Saúde em cada esfera de governo; a CUT participa ativamente do Conselho Nacional (CNS); 1991 - Resolução 359, de 31/07/91 do CONFEA261 , que determina ao
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Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – órgão ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego. 261
Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura.
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Engenheiro de Segurança do Trabalho informar aos trabalhadores e seus representantes sobre os riscos a que estão expostos e as medidas existentes para protegê-los; 1993 - Ratificação da Convenção 136 da OIT sobre o Benzeno, em 24/03/93; 1994 - Revisão e atualização de forma tripartite em 1994, da NR-13 sobre Segurança de Caldeiras e Vasos de Pressão, introduzindo amplo poder de acesso dos trabalhadores, membros de CIPA e sindicato a todos os documentos e informações pertinentes; 1994 - Início das atividades da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) no Ministério do Trabalho e Emprego, com o objetivo de coordenar o processo de revisão e atualização das NR; 1995 - Alteração das NR-7 e NR-9 introduzindo, respectivamente, a obrigatoriedade de elaboração do Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO) e do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), os quais devem contar com a participação dos trabalhadores em sua elaboração e devem ser apresentados e debatidos na reunião da CIPA; a NR-9 introduz, também, o Direito de Recusa ao Trabalho em Condições de Risco Grave e Iminente na legislação trabalhista; 1995 - Portaria número 4, de 04/07/95, do Ministério do Trabalho e Emprego, cria o Comitê Permanente Nacional sobre Condições e Meio Ambiente do Trabalho na Indústria da Construção, no âmbito da revisão e atualização da NR-18; 1995 - Assinatura do Acordo Nacional Tripartite do Benzeno, em 20/12/95; 1996 - Oficialização definitiva da CTPP, em 09/04/96, através da Portaria 393 do Ministério do Trabalho e Emprego; 1997 - Decreto n. 2.350, de 15/10/97, cria a Comissão Nacional
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Permanente do Amianto, esvaziada e extinta em 1998, com a decisão da CUT de retirar-se da mesma; 1998 - Decreto 2.657, de 03/07/98, ratifica a Convenção 170 da OIT sobre a Segurança no Uso de Produtos Químicos, regulamentando especialmente o direito de acesso dos trabalhadores à informação sobre os riscos dos produtos químicos; 1999 - Revisão e atualização da NR-5 (CIPA) expedida através de Portaria 09, de 23/02/99, após cerca de 30 meses de negociação tripartite e mais de 10 anos de sucessivas tentativas de mudança pelo movimento sindical e sucessivos ministros do trabalho, sempre impedidos por dura resistência do setor patronal; 1999 - Portaria número 2.038, de 15/12/99, cria a Comissão Permanente Nacional do Setor Mineral, para acompanhar a implantação das novas medidas definidas com a revisão e atualização da NR-22; 2001 - Ratificação da Convenção 174 da OIT sobre a Prevenção de Acidentes Industriais Ampliados, em 02/08/01; 2002 - Criação da RENAST (Rede Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador), integrada ao SUS (Sistema Único de Saúde), que tem como meta para 2004 a implantação de 130 CRST (Centro de Referência de Saúde do Trabalhador). O objetivo da RENAST é assegurar a assistência integral aos trabalhadores do setor formal e informal que apresentem problemas de saúde relacionados com o trabalho. A intensidade e a abrangência dessas mudanças foram tão grandes que produziram adaptações institucionais e empresariais quase simultâneas. O Ministério do Trabalho e Emprego, historicamente responsável pela Segurança e Medicina do Trabalho no Brasil (em perfeita sintonia com o período Fordista-Taylorista), incorporou a terminologia Segurança e Saúde no Trabalho, mais abrangente e mais condizente com as políticas que passou a incorporar. O SUS consolidou em sua
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estrutura e em suas políticas o termo e o campo da Saúde do Trabalhador, embora ainda lute para superar conflito de competência com a área do Trabalho, para poder realizar sem contestação, a vigilância da saúde no local de trabalho. O setor privado não resistiu à pressão externa e teve de se adaptar aos novos tempos. Assim, o conceito de saúde do trabalhador produziu seus efeitos e alterou os conceitos, as políticas e as regras vigentes no país, criando uma condição muito mais favorável para os trabalhadores.
8.1 GLOBALIZAÇÃO, REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E SAÚDE DO TRABALHADOR A abertura da economia e do mercado brasileiro ao comércio internacional no início da década passada, associada diretamente ao processo de globalização da economia, da informação e do comércio, também produziu seus efeitos sobre o campo da saúde do trabalhador, introduzindo novas exigências, novos conceitos, novos valores e compromissos para governantes, empresas, sindicatos e consumidores de um modo geral, entre os quais destacamos: • valorização da política da qualidade – inserção das normas ISO262 de qualidade do produto e gestão ambiental; • conceito de acumulação flexível, superando o Fordismo-Taylorismo e a sua concepção de Administração Científica do Trabalho263; • conceito de estado mínimo, em superação do conceito de estado provedor de bem-estar social (welfare state). Os meios para a realização dessas mudanças vieram com o desenvolvimento
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International Standard Organization.
Descrita por F.W. Taylor como “a produtividade do trabalho podia ser radicalmente ampliada através da decomposição de cada processo de trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefas de trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do movimento”. HARVEY, D. 1993. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da Mudança Cultural. São Paulo: Ed. Loyola. p. 121.
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acelerado da microeletrônica e das novas tecnologias de comunicação, através da rede mundial de computadores - web. A acumulação flexível se diferencia da rigidez do fordismo por propiciar uma maior flexibilidade nos processos de trabalho, nos mercados de trabalho, nos produtos e nos padrões de consumo. A produção em massa, que permite a economia de escala, foi substituída pela produção de bens diversificados em pequenos lotes, buscando economia de escopo. As mudanças no processo de trabalho foram sentidas pelos trabalhadores e trabalhadoras e seus sindicatos:
a) produção em pequenos lotes, sem produção de grandes quantidades que geram custos de armazenamento, perdas por deterioração e perda de dividendos, obtidos com investimento no mercado financeiro global: • demissão de trabalhadores de armazéns e setores de expedição das empresas; • surgimento de espaço físico ocioso – que representa custo de manutenção, energia, limpeza, seguro – nas empresas, levando-as a comercializar essas áreas e demitir trabalhadores do setor de serviços e manutenção; • informatização de armazéns e controle de estoque, levando à demissão de mais trabalhadores diretos; • terceirização das áreas de armazenagem, expedição e logística; • diminuição das categorias profissionais industriais; • enfraquecimento dos sindicatos industriais, com a perda de associados e diminuição da sua base de representação; b) produção flexível, com oferta de maior variedade de produtos, possibilitada pela informatização de procedimentos e “receitas” de produção, estoque informatizado de peças e matériasprimas, disponibilidade de maior variedade de insumos e matériasprimas em quantidades pequenas e “no tempo certo” (just-in-time):
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• maior competitividade entre fornecedores de produtos no mercado (com vantagem para os mais flexíveis) ocasionou o fechamento de muitas empresas e uma concentração maior em alguns fornecedores classificados como parceiros confiáveis, ocasionando o fechamento definitivo de muitos postos de trabalho (desemprego estrutural); • grandes corporações industriais resolveram concentrar negócios com vistas a tornarem-se mais ágeis e competitivas no mercado, ocasionando o fechamento de empresas tradicionais, concentrando linhas de negócios em regiões estratégicas mais próximas de seus clientes, o que ocasionou em muitos casos a destruição do poder tradicional de organização dos sindicatos; • exposição dos trabalhadores a uma variedade maior de produtos e condições ambientais de processo, em tempos e freqüência alternada; • exigência de maior qualificação dos operadores, com substituição dos mais velhos e experientes por profissionais jovens e com nível educacional maior; • aumento da possibilidade de ocorrência de erros operacionais devido às mudanças mais freqüentes de produtos e processos, com conseqüente aumento do risco de acidentes do trabalho e grandes acidentes; c) controle da qualidade no processo, com a rejeição imediata de peças e produtos fora dos padrões aceitáveis de qualidade, possibilitada pela adoção de processos estatísticos de controle e máquinas, e equipamentos providos de sensores eletrônicos: • demissão de trabalhadores dos tradicionais departamentos de controle da qualidade, que faziam a inspeção de produtos acabados, o que podia implicar na rejeição de lotes inteiros de produtos acabados, ocasionando grandes perdas econômicas; • introdução de novas tarefas e incremento da responsabilidade dos operadores, ocasionando maior desgaste físico e mental;
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• aumento da vigilância eletrônica sobre o processo de trabalho, ocasionando mais estresse entre os trabalhadores das linhas de produção; • mudança do perfil de qualificação dos trabalhadores de manutenção, com a substituição dos mais antigos e experientes por outros mais jovens e com conhecimentos em microeletrônica; • demissão dos trabalhadores ocupantes de cargo de chefia intermediária, devido à possibilidade de aproximação dos níveis hierárquicos superiores aos operadores de processo e linhas de fabricação; • enfraquecimento dos sindicatos devido à redução do número de associados e de sua base de representação política; c) redução dos tempos “mortos” e do re-trabalho, ocasionado pela diminuição dos erros e falhas de processo, pela introdução de máquinas e equipamentos programáveis, pelo aumento da velocidade das linhas de produção, pela maior possibilidade de programação e planejamento da produção: • aumento do estresse dos trabalhadores e trabalhadoras de todo tipo de atividade; • aumento do desgaste físico pela ausência de pausas utilizadas até então para recomposição da condição física e mental durante as longas jornadas de trabalho, impacto esse reduzido pelas categorias profissionais que conseguiram diminuir sua jornada diária ou semanal de trabalho; • surgimento das lesões por esforços repetitivos (LER); • diminuição dos níveis hierárquicos de comando, com a conseqüente demissão de trabalhadores ocupantes de cargos de chefia intermediária. Constata-se, então, que novas formas de agressão à saúde dos trabalhadores vieram somar-se às existentes, velhas conhecidas da medicina e da higiene do trabalho, que são:
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• contaminação dos ambientes por produtos químicos; • níveis elevados de ruído, calor, umidade e vibração; • trabalho físico pesado; • máquinas perigosas devido à necessidade de repetidas intervenções manuais na sua operação; • instalações físicas precárias devido as suas grandes dimensões e a não necessidade de preservação rigorosa de produtos acabados, matérias primas e máquinas sem aporte tecnológico etc. Mas, ao mesmo tempo, o conceito da qualidade – necessário para viabilizar o comércio mundial de produtos – e o aporte tecnológico já exemplificado, trouxeram implícitos à necessidade de melhorar a condição ambiental. Máquinas e equipamentos com tecnologia agregada, reduziram a necessidade de intervenção manual dos operadores, a entrada em equipamentos e as paradas para manutenção prolongada, ajudando a reduzir os acidentes e o esforço físico. As normas de procedimento do sistema da qualidade diminuíram a variabilidade de realização das operações, uniformizaram condutas adequadas, ajudaram a estabelecer medidas e padrões considerados corretos e seguros em muitas atividades industriais, o que também contribuiu para a diminuição da ocorrência de acidentes, como vêm indicando as estatísticas oficiais nos últimos anos (para maiores detalhes, ver www.tem.gov.br/Temas/SegSau/estatisticas/default.asp ). A década de 90 foi, sem dúvida, um período de grandes transformações tecnológicas e organizacionais no Brasil, caracterizando um típico período de transição da era industrial para a era dos serviços, do período fordista-taylorista para o período de acumulação flexível. Desse período restou como impacto negativo à classe trabalhadora e seus sindicatos: • uma terceirização maior dos serviços, gerando uma grande massa de trabalhadores que executa o trabalho mais pesado, mais exposta aos produtos e processos perigosos, pior remunerada, com menor proteção
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social e previdenciária; • um desemprego estrutural – cargos e funções que foram extintos e que não mais voltarão a existir; • um desemprego conjuntural de difícil superação, característico da forma como o país entrou no processo de globalização e subordinado diretamente ao nível de crescimento da economia; • sindicatos menores e mais fracos, principalmente aqueles do setor industrial; • novas formas de adoecer e morrer no trabalho, situação para a qual a tradicional “segurança e medicina do trabalho” não dão conta; e • um Estado menor e mais fraco perante às grandes corporações, o que se reflete principalmente na proteção social e previdenciária mais reduzida e na dificuldade de enfrentamento das arbitrariedades do capital. Estas reflexões já permitem formular algumas conclusões. Primeira conclusão – houve um avanço conceitual importante sobre segurança e saúde do trabalhador nas duas últimas décadas no Brasil Essa constatação se justifica na exata medida em que o mundo do trabalho passou por importantes transformações nesse período, tenham sido elas induzidas por fatores internos – como a luta pela saúde desde os locais de trabalho, impulsionada principalmente pela rearticulação dos sindicatos e do setor público pós-ditadura -, ou externos – como a abertura econômica do país ao mercado e comércio internacionais. Os trabalhadores conquistaram seu espaço de manifestação e participação nos assuntos relacionados a sua saúde. Saíram do papel de agente passivo – ou de simples peça de reposição -, para o papel de importante interlocutor social. Conquistaram o tripartismo como forma de participar das decisões oficiais que dizem respeito a sua saúde, no âmbito do Estado. Segunda conclusão – a tradicional Saúde Ocupacional não foi capaz de dar respostas aceitáveis às exigências e necessidades da classe trabalhadora e, tampouco aos novos fatores de risco que se produziram sob seus domínios.
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Essa conclusão se baseia no fato de que as empresas que mais sofreram o assédio do movimento social dos trabalhadores e da comunidade e a intervenção direta do Estado em seus domínios eram aquelas estruturadas sob o modelo típico da Saúde Ocupacional, com uma tradicional medicina do trabalho e uma rígida engenharia de segurança do trabalho, organizadas na forma de departamentos distintos e distantes entre si, cujas atribuições e competências não se tocavam e nem se aproximavam. Um, cuidando da seleção rigorosa de pessoas sadias e do retorno para o trabalho, o mais rápido possível, daqueles que adoecessem. E outro, cuidando para que o processo de produção não sofresse interrupções com a ocorrência de acidentes. Enquanto isso, a saúde dos que trabalhavam era deteriorada. As tradicionais medicina e engenharia de segurança do trabalho não conseguiram resolver os problemas que se lhe apresentavam porque estavam envolvidas, ideologicamente, com os objetivos do capital: produzir em massa e sem interrupções; substituir pessoas doentes por pessoas saudáveis sem despender recursos com mudanças tecnológicas, substituição de produtos, treinamento e capacitação etc. Reforce-se o Departamento Jurídico e deixe as coisas como estão, diriam. Quando confrontadas sobre a ética de seus profissionais de segurança e medicina,
aquelas
sociedades
tradicionais,empresas
multinacionais,
empresas
nacionais de tradição familiar, empresas estatais e empresas de tecnologia de ponta, ruíram perante os trabalhadores e o Estado. Terceira conclusão – houve uma profunda mudança dos fatores de risco à saúde dos trabalhadores, nas duas últimas décadas. E isso se comprova pela constatação de que co-habitam, no mesmo espaço até hoje, formas antigas e modernas de adoecer e morrer no trabalho, ou seja, condições de trabalho (ambientais e organizacionais), típicas do período industrial fordistataylorista e outras, típicas do período de acumulação flexível. Quarta conclusão - as condições de trabalho foram precarizadas.O aumento da terceirização, a ameaça permanente de demissão (sem que existam mecanismos que impeçam a demissão imotivada), o desemprego estrutural, o aumento do trabalho
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temporário, o aumento da carga de trabalho dos que tem um emprego, a diminuição da proteção social do Estado (que já era insuficiente), o achatamento dos salários, a não redução da jornada de trabalho etc., nos permitem afirmar que houve uma verdadeira piora das condições de trabalho no Brasil, de um modo geral, em todos esses anos. Quinta conclusão – os sindicatos, principal instrumento de defesa – inclusive da saúde – dos trabalhadores e trabalhadoras, estão menores e mais fracos. A redução do número de empregados diretos nas empresas, a terceirização acentuada, o fechamento definitivo de muitos postos de trabalho, diminuíram, proporcionalmente, o tamanho das categorias profissionais na última década (principalmente aquelas do setor industrial) e fizeram com que os sindicatos
se
tornassem menores e mais fracos. A aproximação do nível gerencial ao nível operacional nas grandes empresas torna mais difícil a organização sindical no local de trabalho. Ao mesmo tempo, a credibilidade da organização sindical evidencia-se pelo aumento da taxa de sindicalização, a despeito de, concomitantemente, diminuir o número total de sindicalizados, o que faz com que os sindicatos tenham menos poder econômico para organizar-se, lutar e negociar.
8.2 GLOBALIZAÇÃO, SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO E EMPRESAS MULTINACIONAIS O processo de globalização introduziu novos valores, conceitos e exigências no mercado internacional de produtos e serviços, influenciando os Estados nacionais em diversos aspectos e dimensões: o processo de produção de bens; o planejamento econômico; as relações de trabalho; o cuidado com o meio ambiente; o processo de desenvolvimento e a política internacional. As organizações internacionais, os organismos multilaterais, as empresas transnacionais, os sindicatos internacionais e as organizações não-governamentais (ONG) adquiriram importância de dimensão inédita até então, sendo que vários deles
273
desenvolveram iniciativas no campo da segurança e saúde no trabalho, objeto desse nosso estudo. Para entender melhor esse conjunto de ações – muitas vezes relacionadas diretamente umas com as outras-, vamos sistematizá-las de acordo com sua natureza e característica, tentando identificar e focalizar a contribuição e o impacto de cada uma para a saúde dos trabalhadores: • Convenções Internacionais da OIT – instrumentos de caráter vinculativo; • Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – composto por uma série de iniciativas e compromissos intergovernamentais de caráter vinculativo e voluntários; • Acordos e Iniciativas Voluntárias – série de medidas e compromissos assumidos por governos, empresas e outros atores sociais por livre iniciativa ou por indução de forças sociais e mecanismos regulatórios de comércio; • Comportamento das empresas multinacionais.
8.2.1 Convenções Internacionais da OIT No campo da segurança e saúde no trabalho (SST), as já tradicionais e consolidadas convenções internacionais da OIT se sobressaíram como mecanismo regulador, competindo com outros instrumentos gerados pelo mercado e inovações propostas por outras organizações internacionais internas e externas ao sistema ONU. Existem, atualmente, cerca de 70 Convenções e Recomendações da OIT relacionadas à segurança e saúde no trabalho.
8.2.1.1 Sistema de Gestão da Segurança e Saúde no Trabalho No mesmo período em que adotava a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, como um instrumento maior de comprometimento dos
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países membros, a OIT continuava enfrentando os desafios colocados pelo mercado. Dentre eles, no campo da saúde do trabalhador, o direito de elaborar uma norma sobre um sistema de gestão da segurança e saúde no trabalho, que incorporasse sua experiência e autoridade na matéria e o aporte das normas de gestão da qualidade para a sistematização de procedimentos na empresa. As normas da International Organization for Standardization (ISO) se destacaram devido ao sucesso e ao alcance da série 9000 de gestão da qualidade. Produziu-se a norma da série 14.000 (ISO 14.000) para o sistema de gestão ambiental e houve duas tentativas de produção de uma norma de gestão da segurança e saúde no trabalho (supostamente de uma série 18.000), as quais encontraram ferrenha oposição de sindicatos de trabalhadores e de vários segmentos empresariais. Após consulta global, realizada no ano 2000, essa possibilidade foi definitivamente eliminada e se atribuiu à OIT o encargo de elaboração de uma diretriz sobre a gestão da segurança e saúde no trabalho, tarefa finalmente concluída no 1o. semestre do ano 2001, com a participação direta da CUT na Comissão de Experts que aprovou a proposta de Diretriz264. Interessante ressaltar que o voto da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), como representante do Brasil no Conselho da ISO, foi contrário à solicitação de um mandato para que essa organização se ocupasse da elaboração de uma norma sobre sistema de gestão da SST. Tal posição foi definida em consulta pública que a ABNT realizou no país para definição do seu voto. A CIOSL organizou, à época, uma campanha mundial pelo voto NÃO às intenções da ISO, devido ao fato de que essa organização não incorpora a participação dos trabalhadores em seu processo de elaboração, caracterizando-se como uma entidade tipicamente voltada para o interesse empresarial e o mercado. A
264
Atendendo à solicitação da CIOSL para a indicação de um especialista do sexo feminino, a CUT indicou a Dra. Raquel Maria Rigotto, Professora da Universidade Federal do Ceará, que havia ocupado o cargo de Secretária de Segurança e Saúde no Trabalho do Ministério do Trabalho na gestão do Ministro Walter Barelli, nos período de 1992 a 1996.
275
recomendação do Grupo de Segurança e Saúde no Trabalho e Meio Ambiente da CIOSL265 foi de que o mandato para a elaboração de uma norma ou diretriz dessa natureza fosse outorgado à OIT, devido o seu caráter tripartite tanto em termos de elaboração como em termos de aplicação dos seus instrumentos. O Instituto Nacional de Saúde no Trabalho (INST) da CUT reconhece a importância desse assunto para a prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho no Brasil e, por isso, assumiu a gerência do Projeto 5 do Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade (PBQP) do Governo Federal, cujo tema é, justamente, o Sistema Integrado de Gestão de Segurança e Saúde no Trabalho nos Locais de Trabalho. O grupo tripartite do Projeto 5 referendou integralmente a Diretriz da OIT e resolveu que a adoção da mesma deveria, inicialmente, ser voluntária e não certificável no Brasil. Já as Diretrizes sobre Sistemas de Gestão sobre Segurança e Saúde no Trabalho da OIT (ILO-OSH 2001), expedidas no âmbito de SafeWork, expressam, em seu capítulo 3, o conteúdo de um sistema de gestão de segurança e saúde no trabalho no nível da empresa, com o entendimento de que esse sistema deve ser uma responsabilidade e atribuição direta do nível gerencial mais elevado da companhia, e não a tarefa de um serviço ou departamento composto por engenheiros e médicos do trabalho. Esse entendimento é o ponto central – o elemento chave – da reunião de duas culturas e histórias diferentes, quais sejam, a da segurança e saúde no trabalho não como atribuição e competência exclusivas de especialistas da tradicional engenharia e medicina do trabalho e, da política da qualidade, que atribui valor às ações de segurança e saúde como matéria contribuinte para os objetivos do negócio, para o sucesso e desenvolvimento da organização.
265
ali definidas.
A CUT faz parte do grupo desde 1995, participando de todas as atividades e campanhas
276
A partir desse entendimento, a participação dos trabalhadores se coloca como um dos requisitos para a composição de uma política de SST da organização, a qual vai se consolidar em organização, planejamento de ações, avaliação e correção permanente de rumos, compondo, o que se convencionou chamar de “melhoria contínua”, um conceito também oriundo da política da qualidade. Na “Apresentação” das Diretrizes assim se manifestou Juan Somavia, o Diretor Geral da OIT: A proteção dos trabalhadores contra as enfermidades, as doenças e os acidentes relacionados ao trabalho faz parte do mandato histórico da OIT. As enfermidades e os acidentes não devem estar associados com o posto de trabalho e nem tampouco a pobreza pode justificar que se ignore a segurança e a saúde dos trabalhadores. A finalidade primordial da OIT é promover oportunidades para que os homens e as mulheres possam conseguir um trabalho decente e produtivo em condições de liberdade, eqüidade, segurança e dignidade humana. Esta finalidade está resumida no conceito de“Trabalho Decente”. Trabalho decente significa trabalho seguro. E o trabalho seguro é também um fator positivo para a produtividade e o desenvolvimento econômico. Hoje em dia, os avanços tecnológicos e as fortes pressões competitivas têm aportado mudanças rápidas nas condições de trabalho, os processos e a organização do trabalho. A legislação é essencial, mas insuficiente por si só para abordar estas mudanças ou acompanhar o ritmo dos novos perigos e riscos. As organizações também devem ser capazes de afrontar os contínuos desafios da segurança e saúde no trabalho e desenvolver respostas efetivas na forma de estratégias de gestão dinâmicas. As presentes Diretrizes relativas aos sistemas de gestão da segurança e saúde no trabalho apoiarão este esforço.
A menção à pobreza, no texto do Secretário Geral, é uma mensagem clara para as organizações que, independentemente, de onde atuem (países ou comunidades ricas ou pobres), elas não podem descuidar da segurança e da saúde dos trabalhadores. Um valor de ética a ser observado junto às empresas multinacionais.
8.2.2 Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável A questão ambiental adquiriu destaque e relevância, a partir da percepção internacional de que os efeitos negativos da globalização sobre o meio ambiente e as pessoas não conhece fronteiras, atingindo indiscriminadamente ricos e pobres, onde quer que eles se encontrem, tenham eles relação ou não, direta ou indireta, com os
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fatores geradores de tais efeitos. As mudanças climáticas que se verificam no planeta são exemplares pois, apesar de ocasionadas pela emissão de gases nocivos, em maior parte, pelos países industrializados e ricos, seus efeitos serão maiores nas regiões mais pobres e sensíveis do planeta, como as penínsulas insulares e os países da América Central, entre outros. Os produtos químicos orgânico-persistentes (POP), que se acumulam nos tecidos oleosos de animais e humanos em regiões longínquas dos pólos, foram gerados em atividades industriais de países bem distantes dessas. Os acidentes químicos ampliados e o tráfico internacional de resíduos químicos não conhecem fronteiras ou limites, mas matam mais nos países que não têm estruturas adequadas para lidar com seus efeitos e conseqüências e, as tecnologias que os produzem conhecem uma rota tradicional do norte para o sul. A produção e o consumo desiguais entre ricos e pobres saiu do espaço exclusivo da ética e atingiu o ambiente concreto dos ecossistemas e dos assentamentos humanos. A diferença gritante, e cada vez maior, entre ricos e pobres, é agora inaceitável e motivo de preocupação para todos. A insustentabilidade do modelo de crescimento e desenvolvimento econômico da sociedade humana contemporânea é, agora, objeto de preocupação e de ação internacional, colocando em cheque a natureza e a forma dos modelos até então adotados.
8.2.2.1 Agenda 21 O marco institucional do processo de avaliação e reconhecimento dos impactos negativos das atividades e assentamentos humanos sobre a sustentabilidade dos ecossistemas foi a Conferencia das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – a Cúpula da Terra –, realizada em 1992 ,no Rio de Janeiro, também conhecida como Rio 92 e Eco 92. O documento final dessa Conferência – a Agenda 21 – constitui um programa de ação para o desenvolvimento sustentável em
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todo o mundo. Desde um ponto de vista holístico, a saúde do trabalhador está relacionada direta ou indiretamente a quase todos os temas que compõem a Agenda 21, embora haja menção explícita à saúde, apenas o Capítulo 29, trata do fortalecimento do papel dos trabalhadores e seus sindicatos. Neste, está expressa a meta de se alcançar até o ano 2000 a “a redução dos acidentes, das incapacidades e das doenças profissionais”, bem como “estabelecer mecanismos tripartites e bipartites sobre segurança, saúde e desenvolvimento sustentável”. Governantes e empregadores também são chamados a desenvolver mecanismos de cooperação no local de trabalho, incluindo a informação dos trabalhadores e seus representantes como forma de capacitá-los para os processos decisórios. Os sindicatos, por sua vez, são chamados a garantir que os trabalhadores estarão aptos a participar de auditorias ambientais e avaliação de impacto ambiental, nos locais de trabalho. Comércio e indústria – incluindo as corporações transnacionais – “devem assegurar gerenciamento ético e responsável de produtos e processos de um ponto de vista dos aspectos da saúde, segurança e meio ambiente”. São também encorajados a desenvolver iniciativas voluntárias sobre esses temas. Frente a tais compromissos, diversas iniciativas ganharam impulso, na última década, em todo o mundo, em diversas áreas temáticas e de formas variadas; sob os auspícios de governos, organizações internacionais, intergovernamentais ou ainda multilaterais, empresas transnacionais e organizações empresariais e de trabalhadores, ONGs de um modo geral ou, ainda, de autoridades locais e outros grupos principais que representam interesses distintos, como o de mulheres, povos indígenas, agricultores, cientistas e jovens. No Brasil, a CUT veio envolver-se com a questão ambiental, pouco antes da Rio-92, através da sua Comissão Nacional de Meio Ambiente (CNMA) e do Instituto Nacional de Saúde do Trabalho (INST), os quais desenvolveram projetos conjuntos de “Mapeamento
de
Risco
Ambiental”,
em
algumas
das
principais
regiões
industrializadas do país, estabelecendo a relação entre saúde do trabalhador, saúde
279
pública e meio ambiente. Posteriormente, por deliberação do 5o. CONCUT266, foi criado o Coletivo Nacional de Saúde no Trabalho e Meio Ambiente (CNSTMA), que incorpora a dimensão do meio ambiente relacionada ao trabalho, restando ao CNMA o trato das questões ambientais de um modo mais amplo. Além disso, a CUT integrou-se totalmente ao Fórum Brasileiro das ONG’s, que sistematiza a discussão ambiental do ponto de vista da sociedade no Brasil. Assumindo um mandato que lhe foi conferido pelas Nações Unidas, a Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS) estabeleceu uma seqüência de sessões anuais de acompanhamento dos avanços que se observavam em diversas áreas e temas específicos, das quais os sindicatos e outros stakeholders tiveram a oportunidade de participar através das sessões de Diálogo Aberto ou Stakeholders Dialogue. A CUT participou da maior parte dessas sessões como membro integrante das delegações compostas pela CIOSL, que assumiu a liderança desse processo em nome dos sindicatos, tendo a oportunidade de contribuir em diversos momentos. Destacou-se a exposição sobre a natureza, o alcance e o conteúdo do Acordo Nacional Tripartite do Benzeno, já apresentado acima, o que conferiu a esse o reconhecimento da CSD/ONU como uma experiência paradigmática para a solução de conflitos ambientais desde o local de trabalho em vias do desenvolvimento sustentável. Além dessas, muitas outras iniciativas se produziram e muitos outros fóruns se constituíram e foram reconhecidos como contribuintes do processo de implantação da Agenda 21, destacando-se a realização de diversas conferências internacionais temáticas sobre: desertificação; florestas; segurança química; iniciativas voluntárias; mudanças climáticas; POP; financiamento para o desenvolvimento; produção de armas químicas e biológicas e outros. Muitas Convenções foram estabelecidas ou
266
Quinto Congresso Nacional da CUT, 5o. CONCUT.
280
reafirmadas no marco desse processo e constituem mecanismos verificáveis acerca de sua adoção e implementação pelos estados-membros da ONU267: • “La Declaración autorizada, sin fuerza jurídica obligatoria, de principios para un consenso mundial respecto de la ordenación, la conservación y el desarrollo sostenible de los bosques; • La Convención Marco de las Naciones Unidas sobre el Cambio Climático y el Protocolo de Kyoto; • El Convenio sobre la Diversidad Biológica, el Protocolo de Cartagena sobre la seguridad de la biotecnologia; • La Convención de las Naciones Unidas de lucha contra la desertificación en los países afectados por sequía grave o desertificación, en particular en África; • El Convenio de Estocolmo sobre Contaminantes Orgánicos Persistentes, y • El Convenio para la aplicación del procedimiento de consentimiento fundamentado previo a ciertos plaguicidas y productos químicos peligrosos objeto de comercio internacional; • El Convenio de Viena sobre la protección de la capa de ozono; • El Protocolo de Montreal relativo a las sustancias que agotan la capa de ozono; • El Convenio de Basilea sobre el control de los movimientos transfronterizos de los desechos peligrosos y su eliminación, los cuales han sentado las bases para los diversos instrumentos internacionales adoptados tanto en la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo como posteriormente;
267
Extraído de: “Proyecto de Plataforma de Acción” de la Conferencia Regional de América Latina y el Caribe preparatoria de la Cumbre Mundial sobre el Desarrollo Sostenible, Rio de Janeiro, 23 y 24 de octubre de 2001.
281
• La Declaración de la Conferencia Mundial sobre el Desarrollo Sostenible de los Pequeños Estados Insulares en Desarrollo, aprobada en Barbados en 1994, y • Los convenios y acuerdos subregionales derivados de la Cumbre de Rio de Janeiro de 1992”. A percepção do resultado e o impacto concreto desse amplo processo de regulamentação são variáveis sob diversos aspectos, como espaço de tempo para implementação; relação com o tema; efetividade de sua implantação etc. Todavia, novos valores e conceitos se produziram ou se destacaram nesse processo, como a responsabilidade social das empresas (social accountability); o papel dos governos em termos de implementação interna de acordos firmados internacionalmente; o respeito aos princípios e valores fundamentais do trabalho; o trabalho decente; o papel das empresas multinacionais na promoção do desenvolvimento; mecanismos de desenvolvimento limpo; consentimento de informação prévia (PIC) e outros. O sinal mais evidente do crescimento da importância desses assuntos é quando vemos chefes de estado dos EUA, Inglaterra, Alemanha e Brasil ocupando-se dos mesmos e preocupando-se em prestar contas de suas ações e decisões para a comunidade internacional e à população de seus países. Ou quando vemos o Secretário Geral das Nações Unidas, Sr. Kofi Anan, convidar, pessoalmente, as lideranças do mundo empresarial para assumir compromissos frente a esses novos desafios. Mas de um modo geral os sindicatos de trabalhadores, ainda, estão distantes desses fóruns de decisão e as organizações sindicais internacionais têm dificuldades reais para fazer com que seus efeitos cheguem ao locais de trabalho e nestes sejam perceptíveis, mesmo em nível nacional. Por isso, a CIOSL – com a colaboração direta da CUT Brasil - engajou-se na realização dessa tarefa de duas direções e um mesmo sentido – garantir “para cima” o direito de participação dos trabalhadores nas decisões mundiais e, “para baixo” fazer com que essas decisões tenham algum sentido prático no local de trabalho -,
282
especialmente na Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em agosto de 2002, na África do Sul. Tal Conferência teve como objetivo identificar os processos práticos de implementação do conceito de desenvolvimento sustentável e buscar
as formas
adequadas para o seu financiamento, definindo os indicadores necessários para o acompanhamento desse processo. As propostas que a CUT e a CIOSL defenderam têm como eixo central a valorização da dimensão social do processo de desenvolvimento e, para o campo específico da segurança e saúde no trabalho, foram as seguintes: • Reconhecimento da importância da segurança e saúde no trabalho para o desenvolvimento sustentável; • Reconhecimento dos princípios e direitos fundamentais do trabalho e das convenções e recomendações da OIT; • Reconhecimento do Dia 28 de Abril como um Dia Internacional de Luto pelas Vítimas dos Acidentes e Doenças relacionadas ao trabalho; • Adoção das Diretrizes da OIT para a gestão da segurança e saúde no trabalho; • Banimento de produtos e processos perigosos; • Harmonização da classificação e rotulagem e uso seguro das substâncias químicas; • Transferência e inovação tecnológica para promover trabalho decente, segurança e saúde no trabalho e capacitação; • Reconhecimento
do
papel
dos
acordos
voluntários
para
a
complementação da legislação nacional e para a promoção de ações conjuntas no local de trabalho; • Banimento do trabalho infantil e de todas as formas de trabalho forçado; • Promoção da capacitação da gestão da SST em pequenas e médias empresas;
283
• Adoção do princípio da precaução no comércio internacional de produtos químicos; • Fortalecimento do vínculo da saúde do trabalhador com a saúde pública. Tais propostas constituem-se em diretrizes para a ação sindical no local de trabalho e podem tornar-se uma referência temática para o Observatório Social da CUT.
8.2.3 Acordos e Iniciativas Voluntárias Todos os acordos e iniciativas voluntárias podem ter um impacto direto ou indireto sobre a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente, porém, por questões metodológicas vamos nos deter em analisar e comentar apenas aquelas que possuem relação direta com o tema desse Termo de Referência que é a segurança e saúde no trabalho.
8.2.3.1 Mecanismos de auto-regulação A experiência mais abrangente nesse campofoi iniciada, em 1985, pela indústria química do Canadá, após pesquisas de opinião pública indicarem o baixo nível de aceitação desse tipo de atividade econômica, reflexo direto dos acidentes químicos ampliados, ocorridos anteriormente, como o acidente de Seveso na Itália (1976), Bhopal na Índia (1984) e San Juan Ixhuat no México (1984), os quais ocasionaram a morte e a contaminação de milhares de pessoas em um espaço geográfico e de tempo muito além dos muros dessas empresas e da data de sua ocorrência. Essa iniciativa recebeu o nome de Responsible Care e, hoje, é desenvolvida em 46 países, sob a coordenação nacional da associação da indústria química desses países, inclusive o Brasil (desde 1992), através da Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM). Pelas regras atuais da ABIQUIM, é obrigatória a adesão de uma
284
empresa associada a este programa “voluntário”, nomeado no país como “Atuação Responsável”. A exemplo do Responsible Care vários segmentos industriais desenvolveram seus mecanismos de auto-regulação, como o setor de tintas, de aço e materiais ferrosos, de transporte de produtos químicos etc., incluindo geralmente princípios de boa gestão ambiental, de segurança e saúde no trabalho, de informação e comunicação com a comunidade, de segurança de processo, de qualidade do produto e de atenção ao consumidor. Nenhum desses mecanismos prevêem ou incluem a participação dos sindicatos e se estruturam, geralmente, da seguinte forma: • Princípios e valores; • Diretrizes; • Definições temáticas; • Códigos de conduta; • Mecanismos de auto-verificação (auditorias internas ou corporativas); • Indicadores; • Informação e contato com a comunidade, governos e outros stakeholders; • Relatório anual. Podem ocorrer acordos relativos à participação sindical em alguns desses mecanismos de auto-regulação, em âmbito nacional, regional ou local. No caso da indústria química, chegou-se, em abril de 2001, à iminência de um acordo global nesse sentido268, inviabilizado de última hora pela oposição inflexível de duas importantes empresas norte-americanas (DuPont e Exxon), que controlam a Associação dos Fabricantes Químicos dos Estados Unidos.
268
Entre a ICEM e a Associação Mundial dos Fabricantes Químicos (ICCA), como resultante de um processo de negociação, iniciado em 1995 e firmado em 1999, na Comissão de Indústrias Químicas da OIT, a quem coube realizar uma ampla pesquisa sobre as iniciativas voluntárias da indústria química em todo o mundo.
285
Sobre esse fato especificamente, cabe registrar a participação e o acompanhamento integral da CNQ/CUT junto à ICEM em todo esse processo, tomando a iniciativa de, também, requerer à ABIQUIM sua participação na gestão nacional do programa e dos sindicatos no âmbito de cada empresa signatária. É importante frisar que a decisão sindical de participar dessa iniciativa da indústria química, deu-se após um período de mais de 10 anos de conflitos e embates, com os sindicatos argumentando que o Responsible Care era apenas uma medida de marketing para enganar a opinião pública e atrair de volta os acionistas e, a indústria se defendendo e tendo que, cada vez mais, mostrar efetividade e resultado concreto em suas ações. Tanto que o programa se espalhou rapidamente por todo o mundo, devido o entendimento de que a imagem da indústria química é uma só e, pelo fato de o setor ser altamente internacionalizado, com muitas empresas presentes em todos os continentes. A proposta sindical de participação, nesse caso, agrega o reconhecimento da abrangência e o alcance do programa e suas possibilidades, negando, porém, outorgarlhe a credibilidade necessária enquanto seus indicadores não forem submetidos à verificação externa de auditores independentes, entre os quais e, principalmente, incluem-se os trabalhadores e seus sindicatos, desejosos, também, de que a indústria química converta-se em um lugar seguro para trabalhar e seja ambientalmente sustentável. A norma ISO 14.000 sobre gestão ambiental é outra iniciativa voluntária, abraçada por empresas de diversos setores econômicos e, como toda norma ISO, não prevê ou estabelece qualquer mecanismo de participação sindical ou verificação externa. Uma pesquisa realizada, no Brasil, no final dos anos 90, pelo Professor J. Timmons Roberts, da Universidade de Tulane, Louisiana, Estados Unidos, demonstrou que a maior parte das empresas no Brasil certificadas com a norma ISO 14.000 são empresas multinacionais, ou empresas que atuam no mercado internacional como exportadoras, evidenciando a importância que atribuem a mecanismos dessa natureza para o sucesso de seu negócio no mercado global.
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8.2.3.2 Acordos Ambientais e Coletivos Estima-se que exista, atualmente, em todo o planeta, algumas dezenas de milhares de acordos ambientais em andamento, incluindo diferentes temas e diferentes agentes sociais, entre os quais os sindicatos. No Brasil, os sindicatos de um modo geral fazem uso do seu poder legal de estabelecer acordos coletivos de trabalho, para estabelecer compromissos e metas específicas, com duração máxima legal de dois anos. No campo da segurança e saúde no trabalho, esse mecanismo de regulação passou a ser muito utilizado para encaminhar a solução de problemas específicos dessa área, relativos a uma empresa ou a um conjunto de empresas. Esse foi um instrumento bastante estimulado na década passada pelo próprio Ministério do Trabalho, como forma de: • abordar e resolver problemas específicos, bem definidos, bem delineados; • comprometer diretamente os responsáveis pela busca de solução do problema, com o menor número possível de intermediários; • ter caráter regional, local ou nacional, dependendo da abrangência do problema ou do nível de envolvimento de partes interessadas; • contornar a ausência de legislação ou normalização adequada, cuja elaboração poderia exigir anos de trabalho e a necessidade de envolver partes não sensibilizadas para o problema, dificultando sua elaboração; • estimular o tripartismo como metodologia de resolução de problemas, comprometendo as partes com as metas acordadas. Os exemplos mais significativos registrados nos tempos recentes são: • Acordo de Segurança de Máquinas Injetoras de Plástico do Estado de São Paulo (1997 até hoje); • Acordo de Segurança dos Cilindros de Massa das Padarias de São
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Paulo e ABC; • Acordo sobre Segurança nas Galvânicas da cidade de São Paulo; • Acordo sobre o uso de motos-serra por madeireiras na região norte do país. Mas as possibilidades são tão grandes que, somente, o Sindicato dos Químicos do ABC realizou diversos acordos dessa natureza na última década.(É interessante especificar, aqui, qual é a década, 1990?) Exemplos: • Acordo, com a Polibrasil, para a “manutenção em níveis elevados” das condições de segurança e saúde, firmado, após um processo de mais de seis anos de levantamentos e negociações, prevendo reuniões periódicas sobre SST; • Acordo de Segurança na Petroquímica União (PQU), estabelecendo reuniões periódicas para discussão de acidentes e riscos, permitindo acesso do sindicato às instalações e documentos de SST da empresa, estabelecendo efetivo mínimo de pessoal nas equipes de turno, estabelecendo efetivo mínimo de bombeiros etc.; • Acordo sobre controle da exposição ao benzeno na PQU, estabelecendo o envio de informações ambientais e de saúde ao sindicato, participação do sindicato no curso de formação do Grupo de Trabalhadores para o Benzeno (GTB), cronograma de implantação de obras de engenharia e procedimentos que reduzem a exposição; • Acordo sobre a redução da exposição ao cancerígeno cloreto de vinila (VC) na Solvay Indupa, para 3 ppm, quando a legislação nacional determina um limite de tolerância de 156 ppm, totalmente ultrapassado; • Acordo de Segurança junto à Chevron do Brasil, estabelecendo levantamento conjunto das condições de trabalho e uma série de medidas de melhoria, implantadas com acompanhamento do sindicato e da CIPA; • Acordo de Segurança, junto à Cabot, para adequação de plataformas, emprego de cores de segurança e adequação à NR-13;
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• Acordo de Segurança, junto à Solvay Indupa, para adequação de guarda-corpos e plataformas, uso de cores de segurança e NR-13; entre outros. Do ponto de vista sindical esses instrumentos são bastante eficientes em termos de resultados e de inserção da presença sindical na fábrica, o que acaba sempre refletindo em negociações sobre outros temas (PLR, jornada etc.) e na melhoria da organização no local de trabalho (OLT), com a constituição de CIPA combativa, Sistema Único de Representação (SUR), Comissão de Fábrica, eleição de delegado sindical etc. Importante frisar, ainda, que a maior parte dos acordos exemplificados (tanto do Brasil como do ABC, especificamente), tiveram alguma participação do Estado (Ministério Público, Ministério do Trabalho e Emprego e Fundacentro, na maioria dos casos), foram realizados após um amplo processo de mobilização e tiveram como objetivo principal fazer cumprir a legislação existente ou ir além dela, complementando-a ou suprindo sua ausência. A grande experiência nacional, entretanto, foi aquela já mencionada por diversas vezes nesse Termo de Referência, que é a do Acordo Nacional Tripartite do Benzeno (1995). Já no âmbito internacional, os sindicatos globais registram alguns importantes acordos de natureza mais ampla, aplicáveis mesmo em unidades das empresas no Brasil (VER SEÇÃO INICIAL). A maior parte desses Acordos contém cláusulas relativas à segurança e saúde no trabalho e meio ambiente, embora esses não sejam, regra geral, o tema central dos mesmos. Cabe, portanto, ao Observatório Social verificar a existência de Acordos Ambientais ou Acordos Coletivos de Trabalho em vigência com a relação à empresa pesquisada.
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8.2.3.3 Códigos de Conduta Muitas empresas de capital nacional e, principalmente, as empresas transnacionais adotaram esse mecanismo de auto-regulação e conduta nos últimos anos e, em todo o mundo, com o objetivo de assegurar padrões corporativos préestabelecidos em todas as suas unidades, onde quer que elas estejam. Essa é uma forma que as empresas multinacionais encontraram para ampliar o controle sobre suas subsidiárias em todo o mundo, tentando evitar serem pegas de surpresa por denúncias de abuso sexual, trabalho escravo ou infantil, não observância de padrões mínimos de segurança, práticas anti-sindicais etc. Os Códigos de Conduta cobrem diversos assuntos de natureza empresarial e se estendem, muitas vezes, a relações com fornecedores e clientes, competidores e governos, prevenindo as denúncias de prática de corrupção, por exemplo. A maior parte dos Códigos de Conduta existentesforam estabelecidos, de forma unilateral pelas empresas, sem consulta prévia aos representantes dos trabalhadores. Sua verificação, geralmente, se dá internamente à organização através de auditorias. Mas constituem-se, ainda assim, em compromissos que podem ser cobrados das gerências locais,principalmente, porque estabelecem, em geral, o compromisso de respeito às normas fundamentais do trabalho da OIT e o respeito à legislação nacional. Existem, também, Códigos de Conduta elaborados e acordados entre empresas e sindicatos, como é o caso da empresa Telefônica e a UNI269, que cobre 120.000 trabalhadores, representados por 18 sindicatos filiados à UNI. Na pior das hipóteses, se é uma iniciativa de caráter voluntário, que a empresa declara publicamente cumprir, deve então ser cobrada publicamente em relação aos compromissos assumidos. É, portanto, mais um instrumento cujo conteúdo
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Union Network International.
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deve ser observado pelos pesquisadores do Observatório Social.
8.2.3.4 Responsabilidade Social e Corporativa A Convenção 155 e a Recomendação 164 da OIT sobre Saúde e Segurança Ocupacional estão entre as normas internacionais que a AS 8000 recomenda sejam observadas pelas empresas.. Ademais, determina que “A empresa deve atender às leis nacionais e outras aplicáveis, a outros requisitos aos quais a empresa tenha se obrigado e a esta norma”. Havendo sobreposição de normas ou compromissos, deve prevalecer o que for mais rigoroso. Entre os “Requisitos de Responsabilidade Social” encontra-se a “Saúde e Segurança”, cujos critérios de atendimento são os seguintes: •
a empresa, tendo em mente o conhecimento corrente da indústria e quaisquer perigos específicos, deve proporcionar um ambiente de trabalho seguro e saudável e deve tomar as medidas adequadas para prevenir acidentes e danos à saúde que surjam do, estejam associados com ou que ocorram no curso do trabalho, minimizando, tanto quanto seja razoavelmente praticável, as causas de perigos inerentes ao ambiente de trabalho;
•
a empresa deve nomear um representante da alta administração responsável pela saúde e segurança de todos os funcionários e responsável pela implementação dos elementos de Saúde e Segurança desta norma;
•
a empresa deve assegurar que todos os funcionários recebam treinamento sobre saúde e segurança regular e registrado e que tal treinamento seja repetido para os funcionários novos e para os funcionários designados para novas funções;
•
a empresa deve estabelecer sistemas para detectar, evitar ou reagir às ameaças à saúde e segurança de todos os funcionários;
•
a empresa deve fornecer, para uso de todos os funcionários, banheiros limpos, acesso à água potável e, se apropriado, acesso a instalações sanitárias para armazenamento de alimentos;
•
a empresa deve assegurar que, caso sejam fornecidas para os funcionários, as instalações de dormitório sejam limpas, seguras e atendam às necessidades básicas.
Para os sindicatos, essas diretrizes de responsabilidade social ou corporativa, como também é chamada, podem não representar muita coisa, visto não se proporem a
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ir muito além do que já determina a legislação. Porém, seu valor não está no conteúdo, mas na forma, pois o tema da responsabilidade social tem um apelo muito forte no mercado, na relação entre fornecedor e consumidor, na qual a falha de um pode causar prejuízo ao outro. Assim, as questões de segurança e saúde no trabalho devem ser vistas, também, sob o ângulo da responsabilidade social ou corporativa. Essa norma possui ainda mecanismos de verificação e certificação.
8.2.3.5 Global Compact Initiative Constatar se uma empresa em estudo é signatária de Global Compact e, se ela, aplica tais compromissos em suas unidades no Brasil, deve ser uma tarefa do Observatório Social.
8.2.3.6 Global Reporting Initiative (GRI) Trata-se de uma iniciativa bastante interessante e um grande número de organizações já aderiu a ela. Todavia, por não identificar nas Diretrizes, uma clara e verificável referência à segurança e saúde no trabalho, objeto desse estudo, não adotaremos neste tema este documento.
8.4 Comportamento de Empresas Multinacionais Como registrado nos itens anteriores, as empresas multinacionais (EMN) devem comportar-se em acordo com a legislação nacional, em acordos com os compromissos firmados através de instrumentos vinculativos e não vinculativos que aderiu e, em acordo com seus próprios códigos de conduta.
8.2.4.1 Declaração Tripartite de Princípios sobre as Empresas Multinacionais e a Política Social
292
Além desses instrumentos, as EMN devem, também, observar a Declaração Tripartite de Princípios sobre as Empresas Multinacionais e a Política Social, adotada pelo Conselho de Administração da OIT, em novembro de 1977 e emendada, em novembro de 2000. Em relação à segurança e saúde no trabalho, a Declaração estabelece: As empresas multinacionais deveriam manter um nível máximo de segurança e higiene, de conformidade com as exigências nacionais, tendo em conta a experiência adquirida a esse respeito no conjunto da empresa, incluindo qualquer conhecimento sobre riscos especiais.Deveriam comunicar aos representantes dos trabalhadores na empresa e, se solicitada, às autoridades competentes e às organizações de trabalhadores e de empregadores em todos os países em que operem, informações acerca das normas sobre segurança e higiene aplicáveis a suas operações locais, que observam em outros países.Em particular, deveriam dar conhecimento aos interessados sobre os riscos especiais e as medidas de proteção correspondentes que tem relação com novos produtos e procedimentos de fabricação.Deve esperar-se dessas empresas, bem como das empresas nacionais comparáveis, que desempenhem um papel de catalisador no exame das causas dos riscos à segurança e à higiene no trabalho e na aplicação das melhorias resultantes, no conjunto da empresa.
As empresas multinacionais deveriam cooperar com o trabalho das organizações que se ocupam da preparação e adoção de normas internacionais sobre segurança e higiene. Em conformidade com a prática nacional, as empresas multinacionais deveriam cooperar plenamente com as autoridades competentes em matéria de segurança e higiene, com os representantes dos trabalhadores e suas organizações e com as instituições estabelecidas que se ocupam desta questão. Quando seja apropriado, as questões relativas à segurança e higiene deveriam incorporar-se em convenções coletivas concluídas com os representantes dos trabalhadores e suas organizações.
Interessante mencionar que um dos casos, até hoje, submetidos à solução de conflito por parte da OIT tem, como causa, o fato da empresa ter-se negado a fornecer ao sindicato as suas estatísticas de acidentes e doenças.
8.2.4.2 Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais A Parte V das Diretrizes é totalmente voltada para o tema Meio Ambiente, o qual inclui na concepção expressa, a dimensão da segurança e saúde no trabalho, a
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saber: V. MeioAmbiente As empresas deverão, dentro do quadro das leis, regulamentos e práticas administrativas em vigor nos países onde desenvolvem as respectivas atividades e, atendendo aos acordos, princípios, objetivos e padrões internacionais relevantes, ter em devida consideração a necessidade de proteger o meioambiente, a saúde pública e a segurança e, em geral, conduzir as suas atividades de modo a contribuir para o objetivo mais amplo do desenvolvimento sustentável. Em especial, as empresas devem: 01. Criar e manter um sistema de gestão ambiental apropriado à empresa, que preveja: a coleta e avaliação, em tempo hábil, de informações adequadas, no que concerne ao impacto que as respectivas atividades possam ter sobre o meioambiente, a saúde e a segurança; a fixação de objetivos mensuráveis e, quando apropriado, de metas no que se refere à melhoria do seu desempenho ambiental, incluindo a revisão periódica da relevância desses objetivos; e o acompanhamento e a verificação regular dos progressos alcançados no cumprimento dos objetivos ou metas ambientais, de saúde e de segurança. 02. Ter em consideração as questões referentes a custos, confidencialidade e proteção dos direitos de propriedade intelectual, nomeadamente: fornecer ao público e aos trabalhadores, em tempo hábil, informações adequadas sobre o impacto potencial das respectivas atividades sobre o meioambiente, a saúde e a segurança, podendo tais informações incluir relatórios sobre progressos alcançados em matéria de melhoria de desempenho ambiental; estabelecer diálogo e consultas, em tempo hábil, com as comunidades diretamente afetadas tanto pelas políticas ambientais, de saúde e de segurança da empresa quanto pela respectiva implementação. 03. Avaliar e ter em conta na tomada de decisões o impacto previsível sobre o meioambiente, a saúde e a segurança que possa resultar dos procedimentos, bens e serviços da empresa ao longo de todo o seu ciclo de vida. Sempre que as atividades previstas possam ter um impacto significativo sobre o meioambiente, a saúde e a segurança e caso as mesmas sejam objeto de decisão por parte de uma autoridade competente, as empresas deverão realizar uma avaliação adequada do impacto ambiental. 04. Sempre que exista uma ameaça de danos graves ao ambiente, em conformidade com o
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conhecimento científico tecnológico dos riscos envolvidos e tendo em consideração a saúde e segurança humanas, não deverá ser invocada a inexistência de certeza científica absoluta como argumento para adiar a adoção de medidas eficazes e economicamente viáveis que permitam prevenir ou minimizar esses danos. 05. Manter planos de emergência para prevenir, atenuar e controlar danos graves causados pelas respectivas atividades ao meioambiente e à saúde, incluindo os acidentes e situações de emergência; estabelecendo igualmente os mecanismos necessários para alertar de imediato as autoridades competentes. 06. Esforçar-se continuamente por melhorar o seu desempenho ambiental, promovendo, quando necessário, a realização de atividades tais como: adoção, em todas as componentes da empresa, de tecnologias e procedimentos de operação que reflitam os padrões de desempenho ambiental existentes na componente da empresa com o melhor desempenho; desenvolvimento e fornecimento de produtos ou serviços que não tenham quaisquer efeitos indevidos sobre o meioambiente, cuja utilização para os fins previstos não comporte perigos, que tenham um consumo eficiente de energia e de recursos naturais e que possam ser reutilizados, reciclados ou eliminados com toda a segurança; Sensibilizar os consumidores para as conseqüências ambientais da utilização dos produtos e serviços da empresa ; e realizar investigação sobre os meios de melhorar o desempenho ambiental da empresa a longo prazo. 07. Proporcionar aos trabalhadores níveis de educação e formação adequados sobre questões ambientais, de saúde e de segurança, assim como quanto ao manuseio de matérias perigosas, à prevenção de acidentes ambientais e ainda sobre aspectos mais gerais da gestão ambiental, tais como procedimentos de avaliação do impacto ambiental, relações públicas e tecnologias ambientais. 08. Contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas significativas do ponto de vista ambiental e economicamente eficientes, através de, por exemplo, parcerias ou iniciativas que permitam melhorar a consciência e proteção ambientais. 270
Os deveres relacionados são bastante extensos e detalhados e parecem compor-se sobre três pilares fundamentais: capacidade de gestão; informação e conhecimento; e responsabilidade. São medidas, portanto, passíveis de serem
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Parte V – Meio Ambiente, das Diretrizes da OCDE.
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observadas pelo Observatório Social. Interessante, ainda, ressaltar que as Partes VI, VII e X das Diretrizes - que tratam, respectivamente, de Combate à Corrupção, Interesses do Consumidor e Tributação, agregam elementos que podem ajudar na implementação das medidas de segurança e saúde no trabalho e meio ambiente relacionadas, visto serem complementares à legislação nacional sobre tais matérias (legislação trabalhista, previdenciária e ambiental e Código de Defesa do Consumidor). A primeira denúncia, encaminhada ao PCN no Brasil, foi resultado da pesquisa do OS na Parmalat. Diz respeito ao fechamento de uma unidade da empresa em Porto Alegre, em julho de 2002, sem comunicação prévia aos representantes dos trabalhadores.
8.5. CONCLUSÕES As conclusões que se podem alcançar após a revisão dos principais processos e mecanismos que se observaram nos últimos anos em relação à globalização, segurança e saúde no trabalho e meio ambiente - ainda que sujeitas à interferência de mudanças conjunturais ou inovações possíveis de ocorrerem em se tratando de matéria ou abordagem tão complexa -, são as seguintes: Primeira conclusão – Os mecanismos de regulação apontados tentaram acompanhar a enorme diversidade e agilidade das mudanças observadas no mundo dos negócios dentro do processo de globalização • Abordaram diferentes temas e temas semelhantes, de forma diversificada. • Caracterizaram-se por mesclar mecanismos de diferente natureza – vinculativos, não vinculativos e voluntários. • Anexaram mecanismos de verificação e indicadores quando isso foi possível. • Podem constituir-se, porém, em meras peças de marketing
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corporativo, especialmente, nos países em desenvolvimento. Segunda conclusão – Esses mecanismos acompanharam a dinâmica e incorporaram valores do mundo dos negócios, tentando por meio deles próprios, dar uma face humana e ambiental ao processo de globalização, respondendo, assim, a justa contestação de setores da sociedade: • A maior parte dos mecanismos tem uma característica de adesão voluntária, embora a não adesão possa se constituir em perdas de mercado e de confiança dos investidores. • Esses mecanismos constituíram-se dessa forma em instrumentos de competitividade empresarial. • De um modo geral, os sindicatos, ainda, não aprenderam a fazer uso competitivo desta contradição e fragilidade do capital. Terceira conclusão – Segurança e saúde no trabalho não se constitui em tema relevante a partir da ótica do mundo globalizado, constituindo-se em tema integrante de conceitos e definições mais amplas, como meio ambiente e desenvolvimento sustentável. • Isso seria o reflexo de uma visão de mundo, desde os países do norte ou industrializados, que não condiz com a realidade de países em desenvolvimento, como o Brasil. • Trata-se de uma visão mais adequada e apropriada, desde um ponto de vista sociológico e ambientalista, que explica os acidentes de trabalho e as doenças relacionadas ao trabalho como resultantes de um processo de produção, previamente determinado, pelo modelo de desenvolvimento adotado pelo país. • Segurança e saúde no trabalho são indicadores primários de processos de produção insustentáveis, desde um ponto de vista sociológico, que considera o valor e o impacto que eles representam para os sistemas sociais e previdenciários dos países em que ocorrem.
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Quarta conclusão – É real e incontestável o valor adquirido pelas empresas multinacionais no processo de globalização. • As iniciativas voluntárias por parte das empresas refletem o nível de percepção que elas têm desse fenômeno, bem como representam as regras mínimas de competição no mercado. • As sociedades organizadas demonstraram através do poder de coação das organizações internacionais que, em resposta, recuperaram valores e diretrizes elaborados nos anos 70, período do primeiro impacto social representado pela expansão das multinacionais. • Com a retomada do crescimento acelerado dessas empresas nos anos 90, os mecanismos de autor-regulação foram revisados e atualizados aos novos tempos • Valores e princípios do mercado são preservados, acrescentando-se apenas uma face social à atividade dessas empresas. Quinta conclusão – Cresce a importância do papel de entidades como o Observatório Social, sindicatos e ONG’s que souberem agir dentro das novas regras: • O poder das atitudes positivas é valorizado nos processos regulatórios voluntários e vinculativos mencionados, sobrepondo-se ao antigo sistema de penalidades, os quais ficam resguardados para casos extremos.
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CAPÍTULO 9 - MEIO AMBIENTE
Maria Lúcia Vilmar Instituto Observatório Social
Nos últimos anos, o conceito de responsabilidade corporativa tem recebido maior ênfase significando, no caso do meio ambiente, os esforços empreendidos pelas empresas no sentido da preservação da qualidade do meio ambiente de forma a garantir uma melhor qualidade de vida para os trabalhadores e para todos aqueles que, de alguma forma, se sentem afetados pelo empreendimento. A partir dos anos 90, tais esforços implicam na crescente adoção de códigos de conduta e de instrumentos de gestão pelas empresas, particularmente, as multinacionais. No entanto, apesar dos resultados positivos que as iniciativas empresariais possam apresentar em relação à preservação do meio ambiente, é preciso reconhecer os limites de tais iniciativas como propostas de envolvimento dos trabalhadores nas questões ambientais. Os trabalhadores, a comunidade vizinha e a população continuam sujeitos a uma série de riscos que se agravam porque estes são privados das informações e da participação nas decisões sobre como mitigá-los. Este texto busca, em primeiro lugar, apresentar um histórico sobre a da temática ambiental, evidenciando as principais noções incorporadas ao longo do tempo e, em seguida, mostrar como as empresas e o movimento sindical têm se posicionado em relação ao tema e as principais referências internacionais.
9.1 EVOLUÇÃO DA PREOCUPAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE Tratar da temática ambiental significa, em primeiro lugar, reconhecer que os problemas ambientais não são novos e que são, em grande parte, provenientes das formas predatórias pelas quais a sociedade se apropria da natureza, podendo ser identificados ao longo do tempo, em escala local, regional e mundial. Apenas para citar um exemplo de que a preocupação com o meio ambiente vem de longa data, um
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estudo recente (PAULUSSEN, 1987) sobre a indústria química identificou, na Antuérpia (Bélgica), no período entre 1500 e 1800, uma enorme quantidade de poluição e riscos provocados por esse tipo de atividade. Analisando a literatura sobre a história da preocupação com o meio ambiente a partir do século XX, verificamos que os autores a dividem em diferentes fases que podem ser resumidas, basicamente, em três períodos principais. O primeiro, a partir da revolução industrial, quando a preocupação com o meio ambiente esteve focada na degradação da natureza, tendo em vista os impactos ambientais provocados pelo consumo acelerado de recursos naturais não renováveis e a expansão das cidades. Além disso, os riscos a que ficaram submetidos os trabalhadores da indústria, devido à rápida industrialização, deram origem a uma série de relatos sobre poluição e insalubridade nas fábricas e bairros operários, mostrando a existência de graves problemas ambientais. Ou seja, até meados do século XX, os debates sobre meio ambiente eram dirigidos, principalmente, para os problemas ambientais locais ou regionais e a preocupação dominante era com a conservação dos recursos naturais. Um segundo período, do pós-guerra até meados da década de 70, quando predominava uma forte crença no industrialismo e uma despreocupação com os limites dos recursos naturais, é o chamado período do “despertar” para os problemas ambientais, que os problemas ambientais tornam-se públicos, principalmente, nos países industrializados. É, também, um período de organização do movimento ambientalista através da criação de instituições governamentais e não governamentais. A criação do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas, em 1972, é um exemplo desse tipo de iniciativa. Algumas publicações foram importantes neste período, porque contribuíram para mudar o foco da preocupação com o meio ambiente. A conscientização social dos problemas ambientais substituiu a tradicional preocupação com a conservação dos recursos naturais. O livro de Rachel Carson – “Silent Spring”, 1962, uma das obras mais conhecidas, alertou para o perigo que representavam os pesticidas na contaminação do solo e das águas, ameaçando toda a cadeia de alimentos.
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Outra publicação importante foi o Relatório do Clube de Roma – “Os limites do Crescimento”, em 1972. Trata-se de um estudo elaborado por um grupo de cientistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT), a pedido do Clube de Roma, um grupo internacional envolvendo empresários, representantes dos governos e cientistas, que investigou as causas e as conseqüências, em longo prazo, do crescimento populacional, do crescimento da indústria, da produção de alimentos, do consumo de recursos e da poluição. A principal conclusão desse estudo, reforçada pela crise do petróleo no início da década de 1970, foi de que a natureza não era uma fonte inesgotável de recursos e, portanto, o uso desses recursos da forma como vinha ocorrendo era incompatível com a tendência de crescimento que se apresentava naquela época. Para esses autores, era necessário frear o crescimento populacional e o crescimento econômico para se alcançar um equilíbrio entre natureza e sociedade. A abordagem do Clube de Roma foi altamente contestada, porém influenciou bastante o debate sobre meio ambiente e crescimento. E, ainda, os sucessivos acidentes industriais, decorrentes do próprio processo de industrialização e desenvolvimento de novas tecnologias de produção, contribuíram para uma maior conscientização dos problemas ambientais, e para uma demanda maior de intervenção governamental. A partir de 1970, “o risco de acidentes industriais ganham maior visibilidade pública, tendo não mais os trabalhadores industriais como vítimas predominantes, mas atingindo também as populações vizinhas às indústrias” (FREITAS, 2000). Em 1976, uma explosão numa indústria química, em Seveso, norte da Itália, produziu uma nuvem tóxica em toda a área ao redor. Em 1979, o acidente nuclear em Three Mile Island, nos Estados Unidos, colocou novamente o debate sobre segurança das instalações nucleares e sobre a responsabilidade ambiental das empresas. Outro acidente industrial bastante conhecido foi em Bhopal (Union Carbide), na Índia, no qual uma explosão matou cerca de 2 mil pessoas. No Brasil, diversos acidentes foram registrados, dentre os quais, uma explosão na Refinaria Duque de Caxias (Petrobrás), na Baixada Fluminense, que provocou a morte de 38 trabalhadores; o incêndio em uma plataforma de produção de petróleo de Enchova
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(Petrobrás), na Bacia de Campos, com 40 mortes; e uma série de outros acidentes mais recentes (boletim Desastres). Com a ocorrência desses acidentes, as grandes empresas começaram a se preocupar com a sua imagem e passaram a incluir a dimensão ambiental nas suas políticas de gestão. Ou seja, havia, ao final desse período, uma forte demanda por mudança social inspirada na ecologia. A ecologia se apresentou como uma nova visão de mundo holística, conduzindo a sociedade para uma direção alternativa. Na preparação da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (CNUMA), realizada em Estocolmo, em 1972, já se afirmava que, para se alcançar o desenvolvimento econômico, era preciso priorizar a questão ambiental da qual dependia a qualidade de vida e a vida humana. A CNUMA reconheceu formalmente, pela primeira vez, a importância das preocupações ambientais em nível nacional, e a questão ambiental foi transformada em tema de política internacional. A ênfase do debate deixou de focalizar os problemas da poluição e passou , em especial, no caso dos países em desenvolvimentoàs questões de qualidade ambiental e de desenvolvimento. Essas questões passaram, também, a formar e a orientar o direito ambiental, consolidando um novo campo do Direito – o Direito do Meio Ambiente ou Direito Ambiental. Dados da OCDE (2000) sobre a evolução da legislação ambiental revelam que, entre 1971 e 1975, foram aprovadas 31 grandes leis ambientais nacionais nos países da OCDE, contra apenas quatro, entre 1956-60; 10, entre 1960-65 e 18, entre 1966-70. Na terceira fase, de 1980 em diante, os problemas ambientais tomam uma outra dimensão. Atravessando fronteiras, a questão ambiental não se restringe mais à qualidade ambiental de um território. A camada de ozônio, a mudança climática e a preservação da biodiversidade tornam-se questões de fundamental interesse cuja solução foi caracterizada, desde o relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, das Nações Unidas, como "desenvolvimento sustentável". O conhecido Relatório Brundtland - “Nosso Futuro Comum” (1987) -, analisou a inter-relação entre meio ambiente e desenvolvimento e recomendou que as atividades humanas fossem orientadas para o "desenvolvimento sustentável". O meio
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ambiente não deveria ser visto como um obstáculo ao crescimento e, sim, como um dos aspectos a ser considerado nas políticas. A partir de então, cristalizou-se o conceito de "desenvolvimento sustentável" significando, além da necessidade de integrar proteção ambiental com crescente desenvolvimento econômico e social, a necessidade de optar por um desenvolvimento que atendesse às necessidades das atuais gerações, sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das futuras gerações. Suas principais vertentes são: crescimento econômico, eqüidade social e equilíbrio ecológico. O desenvolvimento sustentável deveria induzir um “espírito de responsabilidade comum” como processo de mudança, através do qual a exploração dos
recursos
materiais,
os
investimentos
financeiros
e
os
caminhos
do
desenvolvimento tecnológico deveriam adquirir um sentido harmonioso. Um outro relatório elaborado pela Comissão – Perspectivas Ambientais para o Ano 2000 em diante – apresentava um plano de ação para colocar em prática as recomendações feitas no relatório Brundtland. Em 1989, a Assembléia Geral da ONU convoca a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), com o objetivo de afirmar a necessidade de reverter a degradação ambiental, de reafirmar o elo entre as questões ambientais e de desenvolvimento e de mostrar a importância da cooperação internacional e das prioridades de desenvolvimento dos países periféricos. Em 1992, a Conferência realizou-se no Rio de Janeiro, com a participação de 178 representantes de governos. Na mesma ocasião, foi realizada a “Conferência Paralela” da qual participaram várias ONGs e sindicatos. As duas principais centrais sindicais participaram do processo de preparação da CNUMA - a CUT e a Força Sindical. Os governos reconheceram a necessidade de redirecionar os planos e as políticas nacionais e internacionais de modo a assegurar que todas as decisões econômicas levassem em consideração qualquer impacto ambiental. A novidade da Conferência foi a discussão em torno do conceito de qualidade de vida, tendo em vista a necessidade de incorporar as questões urbanas na noção de desenvolvimento sustentável, até então, referido apenas às atividades rurais,
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e o forte apelo para a necessidade de transformação das atitudes e comportamentos dos governos. As estratégias do desenvolvimento sustentável implicariam, para todos os países, numa mudança em suas políticas de desenvolvimento, cujos principais objetivos eram: • retomar o crescimento, de forma a reverter o quadro de estagnação econômica dos anos 80; • atender às necessidades essenciais de emprego, alimentação, energia, água e saneamento; • alterar a qualidade do desenvolvimento; • manter um nível de crescimento populacional sustentável; • conservar e melhorar a base de recursos; • reorientar a tecnologia e administrar o risco; • incluir o meio ambiente e a economia no processo de tomada de decisões. Ao final da Conferência, foram gerados e acordados os seguintes documentos: a. a Convenção sobre Mudança Climática; b. a Convenção sobre Diversidade Biológica; c. a Declaração de Princípios sobre Florestas; d. a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, constando 27 princípios sobre os mais variados temas; e e. a Agenda 21, um plano de ação contendo 40 capítulos, orientados para o desenvolvimento sustentável, que integra a preocupação entre meio ambiente e desenvolvimento. É orientado para abordagens participativa e comunitária em muitas áreas. Trata-se de um documento chave como diretriz e referência intergovernamental. O texto está organizado em quatro seções dirigidas para grandes áreas de ação política:
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desenvolvimento econômico e social (cap. 1 a 8, incluindo combate à pobreza, mudança nos padrões de consumo, proteção e promoção da saúde humana, integração do meio ambiente e desenvolvimento no processo de tomada de decisão, etc); recursos
naturais,
ecossistemas
frágeis
e
atividades
humanas
relacionadas, resíduos da produção industrial (cap. 9 a 22, incluindo proteção da atmosfera, combate ao desflorestamento, promoção da agricultura sustentável e desenvolvimento rural, conservação da diversidade biológica, gestão ambiental da biotecnologia, proteção de oceanos e mares, gestão de produtos químicos tóxicos, transporte ilegal de produtos perigosos, gestão de resíduos radioativos, etc); grupos sociais (cap. 23 a 32, reforçando o papel das crianças e jovens, das comunidades indígenas, das organizações não governamentais, dos trabalhadores e seus sindicatos, da indústria, etc ); e meios de implementação (cap. 33 a 40, incluindo recursos financeiros e mecanismos de implementação, transferência de tecnologia ambiental e cooperação,
educação
e
treinamento,
arranjos
institucionais
internacionais etc). A partir da CNUMAD, o conceito de desenvolvimento sustentável orientou as ações e políticas dos governos e foi, definitivamente, incorporado nas agendas de discussão do movimento sindical e das ONG’s, levando em consideração as suas várias dimensões. Além disso, influenciou todas as conferências subseqüentes das Nações Unidas, que analisaram a relação entre direitos humanos, população, desenvolvimento social, a questão da mulher e a necessidade de um desenvolvimento ambientalmente saudável. Particularmente, a 77a reunião da Conferência Internacional do Trabalho da OIT, realizada em 1990, elege o “Meio Ambiente e o Mundo do Trabalho” como principal tema de debate e consolida a interação entre os dois temas. De acordo com o Diretor-Geral da OIT, “muitos problemas do meio ambiente têm suas causas no
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ambiente de trabalho e muitos poluentes e perigos originalmente identificados como perigos ocupacionais têm efeito além do local de trabalho”. Deste período em diante, o meio ambiente tornou-se um valor da sociedade e se confunde, hoje, com os temas sobre o bem-estar social, a divisão do trabalho, a qualidade e vida e o crescimento moderado. Em 1993, foi criada uma Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS) com o objetivo de monitorar a implementação da Agenda 21 nos níveis nacional, regional e internacional de forma a alcançar o desenvolvimento sustentável em todos os países. A Comissão, composta por representantes de 53 países, favoreceu a articulação com governos de outros países, organismos não-governamentais e outras instâncias das Nações Unidas. Nas sessões anuais de acompanhamento, os sindicatos e outros atores tiveram a oportunidade de contribuir em diversas áreas e em temas específicos. A CUT participou em várias sessões como membro integrante das delegações compostas pela Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (CIOSL). Em 1997, foi realizada a primeira revisão da implementação da Agenda 21 a Rio+5 - e, neste momento foram identificadas as dificuldades de se alcançar a eqüidade social e a redução da pobreza. Nesta Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas reforçou-se a necessidade de ratificação de algumas convenções e acordos internacionais na temática meio ambiente e desenvolvimento. Em 2002, realizou-se uma nova revisão - a Rio+10 ou Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável -, em Johanesburgo, na África do Sul, com o objetivo de definir os “meios de implementação” da Agenda 21, uma das quatro sessões do documento. Neste momento, também, foi divulgado o documento sobre os “Princípios do Equador”, que define as diretrizes do envolvimento do segmento de bancos de desenvolvimento com a temática do risco ambiental e social. Tais diretrizes abrangem desde a incorporação das questões ligadas ao desenvolvimento sustentável na gestão das instituições bancárias, até a difusão do pensamento ligado à sustentabilidade de modo geral. Este princípio foi adotado por várias corporações bancárias mundiais, entre as quais, o
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ABN Amro, o Barclays, Citigroup e Crédit Lyonnais que, juntos, financiam em média 30% do total de projetos em todo o mundo. No âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, encontra-se em processo de negociação intergovernamental uma série de instrumentos legais, dentre os quais merece destaque a Convenção sobre Acesso à Informação, Participação Pública no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça nos Temas Ambientais, desenvolvida sob os auspícios da Comissão Econômica Européia das Nações Unidas. No âmbito do Mercosul, foi assinado, em abril de 2001, um Acordo-Marco na área ambiental, bastante genérico e sem mecanismos, que garantam o seu cumprimento pelas partes. Em relação aos acordos bilaterais foi assinado, em 2002, um acordo entre EUA e Chile e, em 2003, entre EUA e os países centro-americanos, no qual existe um capítulo específico sobre comércio e meio ambiente. No âmbito da OMC, pela primeira vez, estão previstas, na agenda de Doha, negociações sobre temas ambientais.
9.2 A EVOLUÇÃO NO BRASIL No Brasil, o conceito de desenvolvimento sustentável foi incorporado às políticas e ações do governo. A participação do governo brasileiro na preparação da CNUMA foi bastante expressiva, assim como, também o foi a sua presença no âmbito das grandes convenções e acordos já concluídos (biodiversidade, mudança climática, desertificação, proteção da camada de ozônio, movimento de resíduos perigosos, proteção das espécies animais e vegetais etc). Após a realização da RIO-92, o governo brasileiro elaborou a sua própria Agenda 21, sob a coordenação da Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e Agenda 21 (CPDS), uma comissão paritária que reúne os ministérios relacionados às questões de desenvolvimento e meio ambiente e representantes da sociedade civil. Aborda áreas temáticas que refletem a problemática socioambiental
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do país, a saber: agricultura sustentável, cidades sustentáveis, ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável, infra-estrutura e integração regional, gestão dos recursos naturais e redução das desigualdades sociais. Em junho de 2000, o Brasil confirmou sua adesão às Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, que também definem padrões e princípios voluntários para uma conduta empresarial responsável no campo do meio ambiente. O Brasil é signatário de oito convenções multilaterais sobre meio ambiente e criou os instrumentos legais e programas para a implementação das respectivas convenções: Convenção sobre Diversidade Biológica; Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática; Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, especialmente como Habitat de Aves Aquáticas – RAMSAR; Convenção de Combate à Desertificação; Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio; Convenção da Basiléia sobre Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos; Convenção de Londres sobre Prevenção da Poluição Marinha por Lançamento de Resíduos e Outras Matérias; Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. No âmbito jurídico, a partir de 1970, vários Estados criaram legislações e instituições para tratar do meio ambiente, envolvendo questões de controle da poluição e a degradação ambiental. Da mesma forma, foram criadas legislações estabelecendo a obrigatoriedade de licenciamento de toda e qualquer atividade potencialmente modificadora do meio ambiente. Em 1980, foi sancionada a lei de zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, considerada, pelos especialistas, a primeira mais importante lei em matéria ambiental. Foi a primeira vez que o Congresso Nacional foi chamado a opinar, formular seus pontos de vistas e a votar em um problema ambiental.
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Portanto, a partir da década de 70, os principais marcos regulatórios da temática ambiental no Brasil são: 1973 – criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, no âmbito do Ministério do Interior; 1975 – criação do Programa Nacional de Conservação dos Solos, e do Decretolei 1.413 que dispõe sobre o controle da poluição do meio ambiente provocada por atividades industriais. 1980 – Lei 6.803, sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição; 1980 – Lei 6.894, sobre a inspeção e fiscalização da produção e do comércio de fertilizantes, corretivos, inoculantes, estimulantes ou biofertilizantes, destinados à agricultura; 1981 – criação da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA); 1985 – Lei 7.347, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; 1986 – criação da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e do Sistema Estadual do Meio Ambiente (SEMA); 1986 – Resolução do CONAMA sobre Avaliação de Impacto ambiental e Licenciamento Ambiental de atividades modificadoras do meio ambiente; 1988 – criação do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro; 1989 – Lei 7.735, que cria o Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA); 1989 – Lei 7.797, que cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente; 1989 – Lei 7.802, sobre Agrotóxicos; 1992 – criação do Ministério do Meio Ambiente (MMA); 1994 – aprovação do texto da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática e aprovação do texto da Convenção sobre Diversidade Biológica;
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1995 – Lei 9.055, sobre a proibição da extração, produção, industrialização, utilização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham; 1996 – Resolução CONAMA sobre substâncias controladas e poluentes, resultado da promulgação da Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito (1989), pelo governo brasileiro através do decreto 875 de 19/07/93; 1997 – Lei 9.433, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; 1998 – Lei 9.065, de Crimes Ambientais; 1999 – Lei 9.795, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental; 2000 – Lei 9.966, sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamentos de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional; 2000 – Lei 9.984, que cria a Agência Nacional de Águas; 2002 – Decreto 4.339, sobre a implementação da Política Nacional da Biodiversidade. O Sistema Nacional do Meio Ambiente é constituído pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA – órgão consultivo e deliberativo) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA – órgão executor). A Política Nacional do Meio Ambiente define o meio ambiente como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as sua formas”(art.3o, I). E o meio ambiente é considerado como “um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo” (art.2o, I). Em 1988, o novo texto da Constituição insere, pela primeira vez, a expressão “meio ambiente”, e dedica um capítulo inteiro ao tema. De acordo com a Constituição, Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
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dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
O Fundo Nacional do Meio Ambiente foi criado com o objetivo de apoiar projetos, visando o uso racional e sustentável dos recursos naturais, incluindo a manutenção, a melhoria ou recuperação da qualidade ambiental. Além disso, objetiva promover a participação da sociedade civil na solução dos problemas ambientais do país. A Lei de Crimes Ambientais, que trata de crimes contra o meio ambiente, de infrações administrativas ambientais e dispõe sobre processo penal e cooperação internacional para a preservação do meio ambiente, representa um marco importante na evolução da questão ambiental no Brasil. As principais inovações desta lei são a não utilização do encarceramento como norma geral para as pessoas físicas criminosas, a responsabilização penal das pessoas jurídicas e a valorização da intervenção da Administração Pública, através de autorizações, licenças e permissões (LEME MACHADO, 1998). Em novembro de 2003, foi realizada a I Conferência Nacional do Meio Ambiente, instituída por decreto, em junho do mesmo ano, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, a Conferência teve como objetivos o fortalecimento do SISNAMA, o mapeamento e diagnóstico da situação socioambiental do país e a promoção de um processo de mobilização e educação ambiental. Desde a sua fase preparatória houve uma ampla participação de diversos setores da sociedade. Nesta data, também, foi realizada a Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, em parceria com o Ministério da Educação. Outra medida importante do Ministério do Meio Ambiente foi a instituição, em março de 2004, do Grupo de Trabalho-GT sobre Comunicação e Informação Ambiental, formado por representantes do MMA, do IBAMA, de redes e núcleos de jornalismo ambiental e científico, de organizações não-governamentais e instituições de ensino para formular proposta de diretrizes de política, instrumentos e ações direcionadas para fomentar a produção, a difusão e a democratização da informação
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ambiental no país, sempre observando os pressupostos legais e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. No direito ambiental brasileiro, já existe um princípio que afirma que “os causadores ou potenciais causadores da poluição devem fornecer informações ambientais e estas devem ser transmitidas pelo Poder Público à coletividade”. E também menciona o direito de participação, segundo o qual “as pessoas e as organizações não governamentais devem participar nos procedimentos e decisões administrativas e nas ações judiciais”. No Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), principal agente financiador de projetos em longo prazo, operando em todos os setores da economia, criou, em 1989 sua primeira Unidade Ambiental e, até 1999, financiou investimentos num total de US$ 5 bilhões, ou seja, cerca de 6% do total de investimento do Banco, principalmente para o setor siderúrgico. E, ainda, forneceu fundos para iniciativas privadas tais como a despoluição da Baía de Guanabara (RJ) e do Rio Tietê (SP), a otimização de processos petroquímicos, a certificação ambiental etc. Em 1996, o IBAMA reuniu uma rede internacional para adotar o Protocolo Verde, um relatório sobre o primeiro esforço das instituições financeiras para frear a destruição ambiental no país. O relatório resume o Programa Protocolo Verde que objetiva prevenir impactos ambientais adversos dos US$ 2.4 bilhões de empréstimos direcionados anualmente, para o setor privado pelos cinco maiores bancos privados dos governos. (CAPPELLIN & GIULIANI, 2002). Além disso, o Brasil foi, em 2002 e 2003, o maior recebedor de fundos da Companhia Financeira Internacional, braço financeiro do Banco Mundial, com US$ 888,4 milhões cujos padrões levam em consideração as questões de sustentabilidade.
9.3 MOVIMENTO SINDICAL E MEIO AMBIENTE Para o movimento sindical, a temática ambiental é relativamente nova. Foi no final da década de 80 que as questões ambientais começaram a fazer parte da
313
agenda política dos sindicatos, particularmente os vinculados à CUT, ainda que de forma pontual e localizada e sempre em função das demandas de algumas categorias e sindicatos. Para a CUT, a preocupação com o tema surgiu a partir de alguns fatos que marcaram a luta dos trabalhadores, entre eles, o caso de Chico Mendes, dos seringueiros da Região Norte e de trabalhadores rurais, químicos, urbanitários e metalúrgicos nos grandes centros urbanos do país. Estes fatos, segundo a CUT, colocaram a necessidade de abordar a questão ambiental sob uma ótica mais global e de elaborar políticas nesta área, tanto para as instâncias da CUT, como para o conjunto da sociedade. Neste período, a Central criou a Comissão Nacional do Meio Ambiente (CNMA) com o objetivo de articular as principais lutas ambientais no país e oferecer alternativas, sob a ótica dos trabalhadores. E, adotando a visão de que existe uma vinculação entre ambiente interno e externo, em 1990, a CUT criou o Instituto Nacional de Saúde no Trabalho (INST), um convênio de cooperação entre a Central brasileira e a Confederazione Generale del Lavoro (CGIL). O INST é um órgão de assessoria técnica e política da CUT para a área de saúde, condições de trabalho e meio ambiente, com atuação nas áreas de documentação, formação, publicação, estudos e pesquisas. Em 1994, o 5º Congresso Nacional da CUT deliberou pela constituição de um Coletivo Nacional de Saúde, Trabalho e Meio Ambiente (CNTSMA) com o objetivo de discutir a política específica para a área de saúde, trabalho e meio ambiente, implementar ações visando a melhoria dos ambientes de trabalho, da legislação acidentária e previdenciária vigente e introduzir nas campanhas salariais as questões de saúde e segurança. O CNST-MA é composto por vários grupos temáticos: benzeno, asbesto, lesões por esforços repetitivos, normas regulamentadoras, sistema único de saúde, mercosul e outros (www.cut.org.br, visitado em abril de 2004). Entre 1991 e 1992, o INST realizou um grande trabalho de mapeamento ambiental em três regiões do país: Belo Horizonte, Vale do Aço (MG), região do ABC (SP) e Recôncavo Baiano. O objetivo era levantar e identificar os principais riscos aos trabalhadores, população e meio ambiente, decorrentes de processos produtivos, visando a subsidiar a intervenção do movimento sindical em parceria com demais
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entidades, na busca por melhores condições de vida. O estudo contou com a participação de entidades sindicais, do movimento popular e ambientalista e de técnicos das entidades governamentais, locais e estaduais. O trabalho resultou numa publicação “Risco Ambiental”, três mapas, folder de divulgação da proposta e fotografias, registrando as situações encontradas nas regiões pesquisadas e
foi
apresentado no Fórum Global da Rio 92 (www.cut.org.br, visitado em abril de 2004) Portanto, a partir da década de 90, influenciado pela realização da Rio 92, o movimento sindical brasileiro se posiciona sobre o tema de forma mais organizada e articulada com as posições do sindicalismo internacional. Em 1992, as duas principais centrais sindicais do país – a CUT e a Força Sindical -, assim como alguns sindicatos e federações participaram da preparação e das conclusões da “Conferência Sindical Internacional sobre Meio Ambiente e Modelos de Desenvolvimento”, organizada pela CIOSL/ORIT. Nessa conferência, foi aprovado um documento que serviu de base às posições encaminhadas pela CIOSL na reunião da Cúpula da Rio 92 e na reunião das ONGs, a “Conferência Paralela”. O documento abordava questões relacionadas às condições
de
trabalho,
reconversão
industrial,
desenvolvimento
sustentado,
financiamentos, contradições dos modelos de desenvolvimento etc. No IV Congresso Nacional da CUT, em 1991, a entidade definiu sete eixos estratégicos, dentre os quais se destaca as políticas sociais. Segundo a Central, a preocupação básica era conceber o trabalhador não só como produtor de riquezas, mas, também, como cidadão. Também em 1991, a Força Sindical realizou a sua primeira “Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”, da qual resultou a elaboração de um documento intitulado “Carta Eco-Sindical de São Sebastião” contendo as posições que orientariam a Central na sua atuação nacional e internacional. Dentre os temas tratados, destacaram-se: as organizações no local de trabalho, saúde e meio ambiente, política agrícola e meio ambiente, trabalho, meio ambiente e saúde e as CIPAs e o meio ambiente. Após a realização do 5o CONCUT, em 1994, e de vários seminários realizados pelo CNST-MA, alguns pontos da agenda sindical foram destacados para
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formar a "agenda de trabalho": • a ampliação da circulação de informações do debate sobre o tema, com envolvimento social crescente; • o intercâmbio de instrumentos de intervenção e negociação, como contratos, ações judiciais, para proteção e melhoria das condições de trabalho, saúde e do meio ambiente, bem como a proteção do emprego; • o investimento na preparação de recursos humanos, particularmente de profissionais capacitados a lidar com as "novas questões", nos diferentes campos do conhecimento, com uma ênfase nas abordagens inter e transdiciplinares; • a construção de mecanismos e estratégias de ação conjunta, em uma expressão concreta de solidariedade entre grupos sociais, em particular, os trabalhadores; • a necessidade de priorizar a luta pela mudança radical no atual modelo de desenvolvimento, absorvendo a variável ambiental; • a necessidade de reivindicar a adoção de políticas de valoração dos recursos naturais no mercado interno e externo, através da cobrança de sobretaxas punitivas que alimentem fundos, especificamente, voltados para sua conservação e ou regeneração; • a inclusão das questões ambientais na pauta das negociações que costumam preceder os processos de reestruturação das empresas, bem como nos fóruns mais amplos, como as então existentes Câmaras Setoriais. Nessas instâncias de negociação, as propostas deveriam orientar-se pelo principio "poluidor pagador" (paga o poluidor ou paga a sociedade?) e avançar na criação de uma metodologia que permitisse contabilizar os custos ambientais da produção; • a participação e articulação de plataformas comuns com os fóruns da sociedade civil e dos movimentos sociais; • o acompanhamento e intervenção no Congresso Nacional nos temas relacionados à questão ambiental, buscando intervir nos processos de zoneamento econômico e ambiental em todo o país;
316
• a necessidade de introduzir a proteção ambiental na luta por uma política agrícola e agrária, com destaque para o banimento do uso de agrotóxicos, compatível com os interesses dos trabalhadores, com a garantia das reservas extrativistas sob controle dos trabalhadores e da demarcação das terras indígenas sob o controle destes; • a incorporação em todos os níveis de uma política ambiental nas pautas de negociação. Tais propostas visavam resgatar a dimensão humana do trabalho e uma vida digna para todos, apoiando-se em alguns princípios e valores: • direito universalizado à atenção, promoção e proteção daqueles que trabalham, independente de sua forma de inserção no processo produtivo; • direito à formação; • direito à participação efetiva, em processos democráticos; • os princípios da solidariedade efetiva e da ética norteando as decisões e as ações; • direito à organização a partir de seu Local de Trabalho - OLT, constituindo Comissões de Condições de Trabalho, Saúde e Meio Ambiente, que pudessem ocupar-se da questões relativas tanto ao ambiente interno como externo das empresas; • direitos à informação e ao conhecimento, ágeis e decodificados, adequados a cada usuário sobre todas as questões relativas aos processos e riscos a que estão expostos, trabalhadores, população e meio ambiente; • direito de formação, compartilhado com seus sindicatos; • direito a exercer influência no processo de tomada de decisão relativa a mudanças nas empresas, vinculada aos novos processos de desenvolvimento de tecnologias, bem como na planificação de programas de proteção ambiental e, particularmente, sobre o controle de emissões e tratamento de resíduos; e • direito de recusa ao trabalho frente a situações de risco.
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A atuação do movimento sindical nos fóruns internacionais tem sido bastante positiva. Um exemplo concreto foi o reconhecimento, pela Comissão para o Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas (CDS/ONU), do Acordo Nacional Tripartite do Benzeno no Brasil como um modelo mundial de Acordo Voluntário, “pelas suas características de participação dos trabalhadores desde o local de trabalho até a gestão nacional do uso regulamentado desse produto químico cancerígeno”. Em 2001, a CUT participou da Comissão Interministerial para a participação do Brasil na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável – ou Rio + 10 -, que seria realizada em Johanesburgo, em agosto de 2002. Atuou de forma articulada com a CIOSL e o Comitê Sindical Consultivo da OCDE (TUAC), no âmbito internacional, e com o Fórum Brasileiro de ONG’s e movimentos sociais, no âmbito nacional. Na Cúpula de Johanesburgo, a CUT, através do seu representante, defendeu os seguintes princípios: • integração da dimensão social no processo de desenvolvimento; • reconhecimento da centralidade do emprego para o desenvolvimento sustentável; • reconhecimento da participação dos trabalhadores como um elemento chave para o desenvolvimento sustentável; • construção de ligações práticas entre padrões de produção e consumo; • implementação de medidas concretas em relação à responsabilidade corporativa; e • fortalecimento do papel dos governos. Cabe mencionar a participação da CUT, através do INST, no Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (CentroClima), uma organização constituída, no ano de 2000, por iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Instituto Luiz de Coimbra de Pesquisa e Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – COPPE/UFRJ, com o objetivo de gerar e disseminar conhecimento, reforçando a capacitação nacional na
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área ambiental e de mudanças climáticas. Em 2003, o movimento sindical participou da Ia Conferência Nacional do Meio Ambiente, convocada pelo Ministério do Meio Ambiente, apresentando propostas relacionadas aos seguintes temas: recursos hídricos, biodiversidade, agricultura, pecuária, recursos pesqueiros e florestais, infra-estrutura de transportes e energia, meio ambiente urbano e mudanças climáticas. É importante ressaltar que o movimento sindical tem buscado priorizar as ações que vinculam trabalho e meio ambiente. Isto porque, o movimento entende que o trabalhador é a principal vítima das conseqüências negativas da deterioração do meio ambiente interno e externo, sofrendo uma tripla agressão: • como trabalhador, ao ocupar determinada função na produção (industrial, agrícola) ou na prestação de serviços, através da exposição a métodos de trabalho e substâncias agressivas, que contaminam o interior das indústrias com maior intensidade, em função de seu grau de concentração mais elevado nos próprios locais de trabalho; • como cidadão, pela contaminação do solo, água e ar, especialmente, se residir, como ocorre, freqüentemente, nas proximidades da indústria ou das rotas de transporte dos materiais produzidos ou utilizados na produção; e • como consumidor, ao utilizar-se de uma série de produtos e serviços dos quais desconhece as possibilidades tóxicas. Entretanto, o próprio movimento sindical reconhece que a maioria dos sindicatos ainda não incorporou na sua prática a luta em defesa do meio ambiente, seja no local de trabalho e/ou fora dele e, também,, não realizou a interface que essa questão tem com outras políticas. Um dos exemplos de continuidade na luta em defesa do meio ambiente é o do Sindicato dos Químicos Unificados de Campinas, Osasco e Vinhedo que realizam manifestações e debates sobre o tema. Um documento da CUT ressalta a necessidade de ampliar para o campo da gestão ambiental a necessidade de mobilizar os trabalhadores e de realizar acordos coletivos de trabalho, abrangendo temas como o controle e redução de emissões de poluentes, de participação dos
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trabalhadores nas auditorias sobre saúde e segurança no trabalho e meio ambiente, a participação dos sindicatos do setor químico no programa Atuação Responsável da indústria química e outros, tendo como referência os termos do Acordo Nacional Tripartite sobre o Benzeno. Portanto, um dos maiores desafios do movimento sindical continua sendo o de buscar incluir a luta ecológica na sua pauta sindical.
9.4 EMPRESAS E MEIO AMBIENTE Os impactos ambientais provocados pela atividade industrial já vêm sendo estudados há algum tempo, e a indústria química aparece como a principal e mais antiga responsável pela produção de efeitos negativos sobre a saúde humana e sobre o meio ambiente. Diferentemente das outras atividades industriais, a indústria química sempre esteve associada à existência de poluição e de riscos potenciais dentro e fora das plantas industriais. No início do século XIX, pela primeira vez, seus efeitos negativos foram objeto de regulação nacional através do Decreto de 1810, de Napoleão (o decreto mencionava o odor insalubre e incômodo produzido pelas fábricas e ateliês) e esta indústria foi incluída na categoria de atividade produtiva mais perigosa, necessitando de permissão para o seu funcionamento (MOL,1995).
Até o final da década de 80, a internalização da variável ambiental pelas empresas brasileiras se deu, principalmente, pela fiscalização dos órgãos públicos de meio ambiente e pela pressão ecológica doméstica e externa. A preocupação ambiental limitava-se a atender os padrões e normas de poluição e, também, aos Relatórios de Impacto Ambiental - Rimas. As medidas de controle ambiental, adotadas pela maioria das empresas, restringiam-se a instalações de Estações de Tratamento de Efluentes ou de sistemas de controle de emissões para a atmosfera. Este quadro - em que predominava uma atitude reativa por parte dos empresários - permaneceu praticamente inalterado até o final da década de 80, apesar do crescimento da pressão ecológica local e internacional sobre as empresas. Neste período, as empresas realizaram poucos investimentos em equipamentos e processos, tendo em vista o quadro recessivo destes anos. A crescente preocupação com os problemas ambientais, no final dos anos 80, resultou em forte pressão sobre o setor econômico e, também, sobre os governos para
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que implementassem políticas ambientais que, por sua vez, poderiam afetar diretamente as atividades deste setor. Diante disso, o empresariado passou a se interessar pelas questões ambientais e a engajar-se no processo da CNUMAD, seja através da prática de lobbing para influenciar as negociações em torno dos acordos internacionais que estavam sendo discutidos na Conferência, seja através de iniciativas que visavam a melhorar a imagem dos negócios. Uma delas foi a elaboração, em 1991, de uma Carta para o Desenvolvimento Sustentável pelos representantes de diversas grandes empresas associadas à Câmara de Comércio Internacional (CCI). Outra iniciativa foi a criação do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável que produziu um relatório chamado “Mudando de Rumo”, que enfatiza a responsabilidade empresarial, assim como a responsabilidade dos governos na criação de políticas regulatórias. No processo de preparação da CNUMAD, o Centro das Nações Unidas sobre Corporações Transnacionais (CNUCT), que já vinha coordenando as discussões sobre o desenvolvimento de diretrizes para a regulação das empresas transnacionais e sobre códigos de conduta, propôs uma série de ações que envolviam maior responsabilidade ambiental por parte dos empresários, sendo que algumas foram incluídas em um capítulo específico da Agenda 21. Entretanto, no debate sobre a responsabilidade ambiental ficou evidente o conflito de interesses e a ameaça que as questões ambientais representavam para o setor empresarial. Neste contexto, as empresas e ambientalistas foram chamados a colaborar para o desenvolvimento da sociedade sustentável. Portanto, é a partir do início dos anos 90, dentro do processo de transição vivido pela indústria brasileira, que a variável ambiental começa a ser objeto das preocupações dos setores empresariais brasileiros. Tal fato é atribuído, por um lado, ao início do debate sobre a idéia de responsabilidade ambiental e, por outro lado, à preparação da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, reunindo o empresariado nos diversos fóruns de debate. Como resultado, os empresários passam a discutir a problemática ambiental de
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forma mais organizada, através das associações e fundações por eles criadas como, por exemplo, a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, instalada em 1991. Ao mesmo tempo, a percepção pública da deterioração do meioambiente, aliada à percepção dos governos sobre os impactos negativos dos custos ambientais sobre a consecução dos objetivos econômicos e de bem-estar da sociedade, começam a introduzir novos mecanismos de pressão sobre a indústria.
Em outros países -
sobretudo na área da OCDE - muitas empresas realizaram suas primeiras iniciativas na área ambiental devido a mudanças no gosto dos consumidores, à pressão dos eleitores “verdes”, à hostilidade popular diante da instalação de uma grande planta, à pressão de grupos ambientalistas, ou à imposição de medidas regulatórias visando, basicamente, o controle da poluição. Em 1994, o setor industrial brasileiro era responsável pela geração de elevados índices de poluição e pelo elevado consumo de recursos naturais. O setor era responsável por quase 60% da carga orgânica lançada nas águas interiores do país, responsável por mais de 40% do consumo final de energia e o consumo industrial de carvão vegetal originário das matas primárias representava mais de 90% do consumo total deste bem. Os principais setores da chamada indústria “suja” ou “poluidora” eram: minerais não-metálicos (poluição atmosférica e particulados), metalurgia (diversos poluentes atmosféricos e metais pesados), papel e celulose (carga orgânica, dióxido de enxofre e emissões excessivas de óxidos de nitrogênio), couros e peles, químico (carga orgânica e vários poluentes atmosféricos), farmacêutico (carga orgânica), alimentação e bebidas (carga orgânica e dióxido de enxofre). Assim sendo, para os grandes grupos industriais brasileiros, a questão ambiental assumiu importância estratégica, seja para melhorar a relação com a comunidade, seja pelo alto potencial de risco ambiental que a empresa representava, seja para aumentar a visibilidade na mídia, melhorar seu marketing ou para responder às exigências dos importadores.
322
Outro indicador da importância que a variável ambiental assumiu tanto nas atividades dos governos quanto nas estratégias empresariais, relaciona-se com a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES frente aos projetos industriais incluindo a variável ambiental nos seus critérios para concessão de investimentos. O BNDES, além de exigir que os projetos apresentados se adequassem às exigências legais na área ambiental, também passou a oferecer linhas de crédito para apoiar programas de controle da poluição, desenvolvidos por órgãos governamentais, projetos de correção de passivos ambientais das indústrias e investimentos ambientais que faziam parte do projeto industrial apresentado. Em 1995, um decreto, assinado pelo Presidente da República - o “decreto verde”-, condicionava a concessão de financiamentos de instituições oficiais de crédito a projetos empresariais, inclusive agrícolas, à garantia da preservação das condições de segurança ambiental. Também, até meados da década de 90, nas empresas brasileiras, o grau de integração entre as atividades de controle da poluição e as ações de segurança e higiene do trabalho era ainda muito baixo, resultando num enfraquecimento da eficácia de ambos, e as atividades de controle da poluição eram coordenadas por uma única área, setor ou unidade político-administrativa, ligada à engenharia e as ações de higiene e segurança do trabalho, vinculadas à área de recursos humanos. A gestão integrada do meio ambiente, focada na prevenção da poluição, passou a ser adotada por parte das empresas brasileiras, principalmente, as exportadoras. As normas ISO 14000 de Sistema de Gestão Ambiental, elaboradas em 1996, foram o principal instrumento adotado pelas empresas e é, ainda hoje, o principal referencial internacional para o setor empresarial. As normas fornecem as diretrizes para que as empresas possam implantar seus próprios sistemas de gestão ambiental. Além da norma ambiental, diante da crescente preocupação com o meio ambiente, o setor empresarial adotou os selos verdes e elaborou códigos de conduta, como forma de se antecipar à legislação ambiental, cada vez mais rigorosa. Até o final de 2003, a ISO emitiu 36.765 certificados no mundo, sendo 350 no Brasil
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(www.iso.ch, visitado em maio de 2004). A auditoria ambiental, considerada uma importante ferramenta de gestão, foi adotada na década de 70, principalmente por empresas americanas. A auditoria realizada após o acidente ocorrido em uma das unidades da indústria química Allied Chemical Corporation, em 1975, na Virgínia, levou ao fechamento da unidade, ao concluir que uma funcionária apresentava sintoma de vertigens e contaminação com pesticidas produzidos pela fábrica. O aumento e a intensidade dos acidentes ambientais provocados pela indústria química levou o setor a criar o Programa Atuação Responsável (Responsible Care). Este programa foi criado no Canadá, pela Canadien Chemical Producer Association (CCPA), em 1984, e se tornou um instrumento de gerenciamento ambiental e de prevenção de acidentes. Algumas iniciativas buscaram reverter o quadro de falta de credibilidade nas ações empresariais. Uma das mais importantes é a da Comissão de Indústrias Químicas da OIT, composta por representantes da indústria química, dos trabalhadores e dos governos de diversos países, para discutir a possibilidade de inclusão da participação dos sindicatos de trabalhadores na gestão do programa Atuação Responsável, em nível internacional, nacional e no local de trabalho, como forma de garantir a melhoria da eficiência da execução do programa pelas empresas químicas de todo o mundo. No Brasil, segundo o assessor técnico da Confederação Nacional dos Químicos (CNQ), a proposta estava sendo discutida na Central Única dos Trabalhadores (CUT) através da ABIQUIM, prevendo “a participação dos sindicatos nos conselhos comunitários do programa Atuação Responsável, na aferição de indicadores de eficiência e no desenvolvimento de experiências piloto de comunicação e informação de transferência e lançamento de resíduos e emissões tóxicas”.
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9.4 PRINCIPAIS REFERÊNCIAS INTERNACIONAIS
9.4.1 A Declaracão do RIO Adotando uma visão sistêmica da estrutura e dinâmicas sociais, a Declaração do Rio consiste em 27 princípios, estabelece novos níveis de cooperação entre os países, setores da sociedade e indivíduos. Destacamos alguns desses princípios: • o compromisso dos governos com o desenvolvimento sustentável; • o direito ao desenvolvimento; • o princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento; • o princípio da cooperação entre os países; • a necessidade de participação de toda a sociedade, em todos os níveis, no tratamento das questões ambientais; • o direito ao acesso à informação ambiental; • a necessidade de fazer vigorar uma legislação ambiental eficaz, não discriminatória sobre o comércio internacional; • a necessidade de se criar uma legislação voltada para a responsabilidade e compensação para as vítimas da poluição e outros danos ambientais; • a não permissão da transferência para outros países de qualquer atividade ou substância que provoque degradação ambiental ou que seja danosa para a saúde humana; • o princípio da precaução – garantir a prevenção do dano ou do acidente, mesmo nos casos em que não haja certeza científica. E inverter o ônus da prova, impondo ao autor o dever de provar, antecipadamente, que a sua ação não causará dano ao meio ambiente. • o princípio do poluidor-pagador; • a avaliação de impacto ambiental, como um instrumento nacional;
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• a importância do papel da mulher na gestão ambiental e no desenvolvimento. • a informação prévia sobre atividades que possam provocar desastres ambientais.
9.4.2 A agenda 21 Este documento especifica uma série de recomendações sobre as medidas necessárias para integrar as preocupações em relação ao meio ambiente e desenvolvimento. Não se trata de um acordo legal, pois não se exige que os governos sigam passo a passo cada recomendação. A Agenda 21 abrange diversos tópicos das convenções, adotadas na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e de outras convenções existentes. Como instrumentos legais, as convenções têm precedência e os capítulos da Agenda 21 fornecem suporte a estas convenções, esboçando abordagens amplas e ajudando a estabelecer uma estrutura de idéias de implementação. A Agenda 21 dedica, ainda, um capítulo especial
à
necessidade de se fortalecer o papel dos trabalhadores e dos seus sindicatos em apoio ao desenvolvimento sustentável, através da promoção do direito de cada trabalhador à liberdade de associação e da garantia do direito de se organizar, tal como estabelecido pelas convenções da OIT. O capítulo 30 destaca o papel importante das políticas e operações dos negócios e da indústria na redução dos impactos sobre o uso dos recursos e sobre o meio ambiente. As principais propostas de ação da Agenda 21 são: • ratificação das convenções da OIT e a promulgação de legislação em apoio a estas convenções; • estabelecimento de mecanismos bipartites e tripartites sobre segurança, saúde e desenvolvimento sustentável; • aumento do número de acordos ambientais coletivos destinados a alcançar o desenvolvimento sustentável; • redução dos acidentes, ferimentos e moléstias de trabalho, segundo
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procedimentos estatísticos reconhecidos; • aumento da oferta de educação e treinamento para os trabalhadores, em particular nas áreas de saúde e segurança no trabalho e do meio ambiente. • cooperação entre os governos e a indústria para a utilização mais eficiente da energia e dos recursos, de modo a reduzir ao mínimo a geração de resíduos, estimulando a difusão de novas tecnologias e utilizando fontes de energia novas e renováveis. • desenvolvimento de critérios e metodologias de avaliação dos impactos sobre o meio ambiente e das exigências de recursos durante todos os processos e ao longo do ciclo de vida dos produtos. • definição de indicadores econômicos-ambientais mais eficazes. • adoção, pelo setor industrial, de medidas para minimizar as emissões atmosféricas e a poluição industrial. • expansão e aceleração da avaliação internacional dos riscos químicos; harmonização da classificação e da rotulagem dos produtos químicos; implantação de programas de redução de riscos; prevenção do tráfico internacional ilegal dos produtos tóxicos e perigosos. • adoção pela indústria de medidas preventivas contra acidentes e de procedimentos de respostas a emergências; • adoção pela indústria de um código de princípios sobre o comércio de químicos; • adoção pela indústria da abordagem do ‘Atuação Responsável’ e da Carta Empresarial sobre Desenvolvimento Sustentável, da Câmara de Comércio Internacional; • implementação de programas de informação para a comunidade; • prevenção do tráfego internacional ilegal de resíduos perigosos; • redução dos resíduos perigosos na fonte de geração; • implantação de sistemas de gestão ambiental; • minimização, reciclagem, disposição e tratamento dos resíduos sólidos;
327
• envolvimento ativo dos trabalhadores nas atividades de formulação, implementação e avaliação de políticas e programas nacionais e internacionais sobre meio ambiente e desenvolvimento, inclusive políticas de emprego, estratégias industriais, programas de ajuste de mão-deobra e transferência de tecnologia; • direito dos trabalhadores à informação para que possam participar efetivamente nos processos de tomada de decisão; • participação dos trabalhadores nas atividades de desenvolvimento sustentável das comunidades locais e de organizações regionais e internacionais; • produção pela indústria de relatórios anuais de registro ambiental e de uso de energia e recursos naturais; e • criação pela indústria de sistemas de informação e base da dados sobre produção limpa.
9.4.3 As Diretrizes da OCDE Especificamente em relação ao meio ambiente, as diretrizes recomendam que as empresas incorporem a necessidade de proteger o meio ambiente, a saúde e a segurança pública, respeitando a legislação, as regulações e as práticas administrativas nos países em que elas operam, considerando os acordos internacionais relevantes, os princípios, objetivos e normas. Em resumo, as empresas devem: • estabelecer e manter um sistema de gestão ambiental apropriado para a empresa, incluindo coleta de informação e avaliação dos impactos das suas atividades sobre o meio ambiente, a saúde e segurança; • estabelecer objetivos mensuráveis e metas para a melhoria do desempenho ambiental, revisão periódica e relevância contínua destes objetivos; • monitorar regularmente e verificar o progresso em direção ás metas ambientais e de saúde e segurança; • informar o público e os trabalhadores sobre os potenciais impactos ambientais,
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de saúde e segurança, das suas atividades; • comunicar e consultar em tempo hábil as comunidades diretamente afetadas pelas políticas ambiental, de saúde e segurança da empresa e pela sua implementação; • realizar uma avaliação de impactos ambientais, de saúde e segurança dos seus processos, produtos e serviços em todo o seu ciclo de vida, e considerá-los nos processos decisórios; • adotar medidas de prevenção ou de minimização dos danos causados pelos riscos associados às suas atividades, levando em consideração o princípio de precaução; • manter planos de contingência para prevenir, mitigar e controlar sérios danos ambientais e de saúde provocados pelas suas atividades e criar mecanismos para comunicar as autoridades competentes; e • fornecer treinamento e educação para os empregados sobre meio ambiente, saúde e segurança. O documento dirige-se, também, para os interesses dos consumidores. Consta que as empresas devem assegurar que os bens ou serviços fornecidos por elas atendam aos padrões legais relativos à saúde e segurança dos consumidores. Os produtos e serviços devem conter informação clara sobre o conteúdo, segurança no uso, manutenção, armazenamento e descarte para que os consumidores possam fazer escolhas informadas.
9.4.3 O Pacto Global (Global Compact) Especificamente em relação ao meio ambiente, três princípios orientam o Global Compact: • Princípio 7 - para enfrentar os desafios ambientais, as empresas devem apoiar o princípio de precaução, estabelecido na Declaração do Rio. • Princípio 8 – afirma que as empresas devem tomar iniciativas visando a
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responsabilidade ambiental. O acordo sugere algumas ações, entre elas, a adoção da abordagem da precaução e a adoção dos mesmos padrões de operação independente do local onde a empresa desenvolve a sua atividade. • Princípio 9 – as empresas devem encorajar o desenvolvimento e a difusão de tecnologias limpas. De acordo com a Agenda 21 (cap. 34), tecnologias limpas são aquelas que [...] protegem o meio ambiente, são menos poluentes, utilizam os recursos de maneira mais sustentável, reciclam a maior parte dos resíduos e produtos. Não são tecnologias individuais, mas um sistema total que inclui conhecimento, bens, serviços e equipamentos, assim como processos de organização e gestão.
O acordo propõe algumas ações relacionadas ao meio ambiente: • Explorar as oportunidades para entradas e saídas mais benéficas de material no desenvolvimento do produto. • Realizar avaliações de impacto ambiental com regularidade e com transparência. • Formalizar um compromisso através de um sistema de gestão ambiental tal como a ISO 14001. • Focar a atividade de pesquisa e desenvolvimento em tecnologias limpas. • Utilizar a análise do ciclo de vida no desenvolvimento de novas tecnologias e produtos. • Cooperar com os parceiros industriais para disseminar “as melhores tecnologias disponíveis” em outros países.
9.4.4 Acordos, Convenções e Tratados Internacionais Desde a década de 40, o Brasil estabeleceu diversos acordos bilaterais, regionais e multilaterais em matéria ambiental. Merecem destaque os principais acordos multilaterais, estabelecidos mais recentemente: 1. Convenção Quadro sobre Mudança Climática – adotada em 1992, passou a vigorar em 1994. Ratificada por 184 países. O Brasil ratificou-a em fevereiro de
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1994. Em 1988, foi criado um grupo intergovernamental sobre mudança climática, com o objetivo de avaliar as informações científicas, técnicas e socioeconômicas relevantes para a compreensão do risco da mudança climática induzida pelo homem. Este grupo teve um importante papel no estabelecimento do Comitê Intergovernamental de Negociação para a Convenção sobre Mudança Climática das Nações Unidas. (UNFCCC). O segundo relatório de avaliação do grupo, em 1995, serviu para subsidiar as negociações que resultaram na adoção do Protocolo de Kyoto, em 1997. 2. Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Flora e da Fauna Silvestres (CITES) passou a vigorar em julho de 1975 e tem, atualmente, 150 países membros. Os únicos países signatários que não ratificaram esta convenção são a Irlanda, o Kwait e o Lesotho. 3. Convenção da Basiléia sobre o Controle dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Disposição Final - adotada em 1989, passou a vigorar em maio de 1992. São partidários desta convenção 134 países, sendo que dos 27 países partidários da América Latina e Caribe, o Brasil aparece como apenas admitindo a convenção, em 1992. Os únicos países que ratificaram a convenção foram a Finlândia, em 1991 e a Holanda, em 1993. 4. Convenção sobre a Diversidade Biológica – esta convenção foi adotada pelo Comitê de Negociação Intergovernamental durante a 5a sessão em Nairobi, em 1992. A convenção foi aberta no Rio por todos os países e organizações de integração econômica regional, em 1992. Passou a vigorar em dezembro de 1993, com 168 signatários e 177 partidários. O Brasil foi signatário em junho de 1992 e ratificou em fevereiro de 1994. Os objetivos desta convenção são "a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável dos seus componentes e a repartição satisfatória e eqüitativa dos benefícios surgidos pela utilização dos recursos genéticos”. É o primeiro acordo global abrangente que menciona todos os aspectos da diversidade biológica: recursos genéticos, espécies, e ecossistemas. Reconhece, pela primeira vez, que a conservação da diversidade
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biológica é “uma preocupação comum da espécie humana” e parte integrante do processo de desenvolvimento. Em maio de 2000, aconteceu a 5a Conferência das Partes em Nairobi. A 6a Conferência das Partes deverá ocorrer na Holanda, no segundo semestre de 2002. 5. Camada de Ozônio – Em 1985, os governos chegaram a firmar a Convenção de Viena sobre a Proteção da Camada de Ozônio. Em 1987, os governos adotaram o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Esgotam a Camada de Ozônio, que sofreu mais cinco modificações, resultando no Protocolo de Londres (1990), de Copenhagen (1992), Viena (1995), Montreal (1997) e Beijing (1999). O protocolo visa reduzir ou eliminar as emissões de substâncias que depreciam a camada de ozônio. 6. Convenção sobre Combate à Desertificação – em 1989, foi criado um Comitê de Negociação Intergovernamental para elaborar uma Convenção Internacional para o Combate à Desertificação, particularmente, naqueles países que vinham apresentando sérios problemas em relação à desertificação como a África. O Brasil ratificou esta convenção em junho de 1997. 7. Convenção de Rotterdam - sobre o Procedimento de Consentimento Fundamentado Prévio Aplicável a Certos Pesticidas e Produtos Químicos Perigosos Objeto de Comércio Internacional (PIC), foi adotada na Conferência de Plenipotentiaries, em Rotterdam, em setembro de 1998. Assinaram a convenção 61 países e uma organização de integração econômica regional. Baseia-se no capítulo 19 da Agenda 21 sobre “Gestão ecologicamente racional dos produtos químicos tóxicos, incluindo a prevenção do tráfico internacional ilícito de produtos tóxicos e perigosos” e em outros instrumentos. O objetivo deste convênio é promover a responsabilidade compartilhada e os esforços conjuntos das partes na esfera do comércio internacional de certos produtos químicos perigosos, a fim de proteger a saúde humana e o meio ambiente frente a possíveis danos e contribuir para sua utilização ambientalmente racional, facilitando a troca de informação sobre suas características, estabelecendo um
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processo nacional de adoção de decisões sobre sua importação e exportação e difundindo estas decisões para as partes.
9.4.5 As Normas ISO 14000 Em 1996, são publicadas as normas da série ISO 14000 de Sistemas de Gestão Ambiental e de Auditoria Ambiental, uma iniciativa empresarial em busca de maior flexibilidade no cumprimento de uma legislação ambiental cada vez mais restritiva. De acordo com o documento, a implantação de um SGA deve atender às seguintes etapas: 1. Definição da política ambiental da empresa. 2. Planejamento através das seguintes fases: identificação dos aspectos e impactos ambientais de suas atividades, produtos ou serviços, determinando aqueles que têm ou possam ter impactos ambientais significativos e impliquem em responsabilidade civil. Caso a empresa não possua um SGA, a norma recomenda a realização de uma Avaliação Ambiental Inicial a fim de identificar a sua posição atual em relação ao meio ambiente; identificação dos requisitos legais e outros requisitos tais como licenças de operação; requisitos específicos aos produtos ou serviços da empresa; específicos ao ramo industrial da empresa; leis ambientais gerais; autorizações, licenças e permissões. Outros requisitos podem ser: códigos de prática da indústria; acordos com autoridades públicas; diretrizes de natureza nãoregulamentar; definição dos objetivos e metas ambientais; programa de gestão ambiental identificando as ações específicas de acordo com as prioridades da empresa. 3. Implementação. 4. Medição, avaliação e monitoramento do desempenho ambiental. 5. Análise crítica do SGA e melhoria contínua.
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Em 2004, foi concluído o processo de revisão das normas ISO 14000 e, em junho de 2002, a reunião plenária internacional da ISO 14000, realizada em Johannesburgo, aprovou a sugestão de iniciar o desenvolvimento de normas internacionais na área de mudanças climáticas.
9.4.6 A Carta de Princípios sobre Desenvolvimento Sustentável A Carta de Princípios sobre Desenvolvimento Sustentável (ICC) já incorpora as diretrizes da Declaração Tripartite e da Declaração do Rio resumidas em 16 princípios: 1. Definir o gerenciamento ambiental como uma propriedade corporativa, estabelecendo políticas, programas e práticas que permitam conduzir as operações de uma maneira ambientalmente sadia. 2. Integrar estas políticas, programas e práticas nas diversas atividades desenvolvidas. 3. Melhorar continuamente o desempenho ambiental e aplicar os mesmos critérios ambientais internacionalmente conhecidos. 4. Educar, treinar e motivar os empregados em relação à proteção ambiental. 5. Avaliar previamente o impacto ambiental de novas atividades. 6. Desenvolver e prover produtos e serviços que não tenham impacto ambiental indevido. 7. Informar clientes, distribuidores e público sobre a segurança no uso, transporte e disposição de produtos. 8. Desenvolver atividades em conformidade aos princípios do uso eficiente de energia e materiais, uso sustentado dos recursos naturais renováveis, minimização do impacto ambiental adverso, minimização da geração de resíduos, e disposição segura de resíduos. 9. Desenvolver pesquisas sobre a minimização dos impactos ambientais.
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10. Modificar a produção, venda e uso de produtos, de acordo com o conhecimento técnico e científico, de modo a prevenir a degradação séria ou irreversível do meio ambiente (princípio precaução). 11. Promover a adoção dos princípios ambientais por contratadas e fornecedores. 12. Desenvolver e manter planos de emergência para situações de risco ambiental. 13. Contribuir para a transferência de tecnologias ambientalmente sadias. 14. Contribuir para o desenvolvimento de políticas governamentais. 15. Promover a abertura e diálogo com os empregados e o público. 16. Medir a performance ambiental, conduzir auditorias e avaliações regulares, e informar apropriadamente a diretoria, acionistas, empregados, autoridades e o público.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Acidentes Industriais Ampliados. Carlos Machado de Freitas, Marcelo Firpo de S. Porto, Jorge Mesquita H.Machado, (org.), editora Fiocruz, 2000. A Public Role for the Private Sector. Virgínia Haufler, 2001. Acidentes Químicos Ampliados – a visão dos trabalhadores. Fundacentro, SP, 1998. As Práticas Trabalhistas e Ambientais das Empresas Transnacionais na Sociedade de Risco. Maria Lúcia Vilmar, tese de doutorado, COPPE/UFRJ, 2002. Foreign Direct Investment, Development and Corporate Responsability. OECD, 1999. International Environmental Issues and the OECD – 1950-2000 – an historical perspective. OECD, Bill L.Long, 2000. Nosso Futuro Comum – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2a ed., 1991. Risk, Environment & Modernity – towards a new ecology. Ed. Scott Lash, Bronislaw Szerszynski & Brian Wynne, 1996. The Refinement of Production. Arthur P.J.Mol, 1995.