Boletim Novas Alianças #15: Assistência Social

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BOLETIM INFORMATIVO DO PROGRAMA NOVAS ALIANÇAS ABRIL DE 2013

n vas ALIANÇAS EDITORIAL

A integração entre a área da infância e da adolescência e as políticas de Assistência Social

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Foto: José Paulo Lacerda Foto: Bruno Vilela

A atuação conjunta entre a Assistência Social e a área da infância e da adolescência é fundamental para um atendimento adequado

artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) destaca a importância de um conjunto articulado de ações – por parte da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios – que devem promover a proteção integral de crianças e adolescentes. Não é à toa que o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente é orientado pelo princípio da incompletude institucional, que considera a existência de uma rede na qual a ação de um órgão complementa a do outro. Já o parágrafo único da lei 12.435, de 2011, reforça a diretriz da integração: “Para o enfrentamento da pobreza, a assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, garantindo mínimos sociais e provimento de condições para atender contingências sociais e promovendo a universalização dos direitos sociais.” A importância da atuação integrada fica mais evidente em situações de violações de direitos, tais como trabalho infantil e exploração sexual, onde a intersetorialidade é estratégia fundamental para o alcance de resultados dos processos de intervenção social. Alguns exemplos de interface com a Assistência Social, são as políticas de acolhimento institucional e a defesa de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, que necessitam de uma interlocução e de uma atuação convergente entre as duas áreas. Muitas vezes, os atores envolvidos desconhecem o funcionamento das políticas públicas e de como poderiam ser feitas as interlocuções necessárias para se elaborar propostas mais coerentes com a realidade e se encontrar soluções mais eficazes. Este boletim irá tratar da importância da articulação entre a área da infância e da adolescência com as políticas de Assistência Social no que diz respeito à elaboração e ao monitoramento das políticas públicas. São várias as dificuldades enfrentadas para que as relações se estreitem, mas há caminhos que podem ser discutidos para melhorar o cenário dessas políticas.

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Atuação em rede

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artigo 2º da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) define que, dentre os objetivos da Assistência Social, estão a proteção à família, à maternidade, à infância e à adolescência e “o amparo às crianças e aos adolescentes carentes”. Além disso, na organização dos serviços da Assistência Social, devem ser criados programas de amparo aos meninos e meninas em situação de risco e vulnerabilidade pessoal e social. Esses são considerados sujeitos prioritários na política de atendimento, dada sua condição peculiar de desenvolvimento. É a chamada vulnerabilidade ligada ao ciclo de vida, que torna essa parcela da população o centro de atenção das políticas públicas. Ela consiste numa atenção especial às crianças e aos adolescentes (válida também aos idosos), considerados incapazes de se defenderem sozinhos, conforme colocado na própria Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e no ECA . A construção de planejamentos e de soluções de atendimento conjuntas entre a Política de Assistência Social e a área da infância e da adolescência é importante para que os públicos sejam devidamente atendidos. A política para crianças e adolescentes é abrangente, sendo um tema transversal que perpassa todas as outras políticas públicas, como as que estão ligadas à educação, saúde e cultura. Já a de Assistência Social é mais específica, atendendo a um público delimitado - cidadãos e grupos que se encontram em situação de risco. Certas circunstâncias, como o trabalho infantil e os casos de meninos e meninas ameaçados de morte, demandam a atuação de diversas políticas, o que pede programas e projetos desenvolvidos conjuntamente. Para a coordenadora nacional da Pastoral do Menor e colaboradora da Frente de Defesa de Minas Gerais, Marilene Cruz, existe um momento em que é indispensável a articulação entre as políticas. “É preciso que se coloque quando a Assistência Social deve dialogar com a área da infância e da adolescência. Assim, pode-se formar, de fato, uma rede de atuação, com um planejamento conjunto, por meio da implementação e do monitoramento de políticas públicas”, explica. A conselheira municipal de Assistência Social em Belo Horizonte e professora de Assistência Social na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Cristiane Michetti, explica que, como alguns dos usuários prioritários da Assistência Social são as crianças e os adolescentes, é problemático implementar uma política para a Assistência sem que se leve em conta as especificidades de suas demandas e sem que haja diálogo entre as diversas áreas que trabalham com esse público: “A criança que está na Assistência Social é a mesma que está na saúde, na educação, na cultura, nos esportes. Logo, precisa-

mos dessa interlocução para fortalecer a política pública”. A atuação conjunta entre os conselhos dos Direitos e os da Assistência Social se faz necessária para que as ações possam convergir no sentido de beneficiar crianças, adolescentes e suas famílias, o que é o fim último das políticas. “Sem o diálogo, os dois setores ‘batem cabeça’”, explica a ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) Miriam Santos. A interlocução pode ocorrer nos momentos de implementação e de monitoramento das políticas públicas. A fase de elaboração pediria uma atuação conjunta para que os planos e programas elaborados possam atender às metas de Assistência que dizem respeito aos meninos e meninas. No Sistema Único de Assistência Social (Suas), está prevista uma instância de monitoramento da execução das metas, que deve avaliar internamente o funcionamento dos próprios serviços, a fim de que o acompanhamento das políticas públicas fique a cargo dos conselhos de Assistência Social e dos Direitos da Criança e do Adolescente. A partir daí, o aprimoramento desse acompanhamento passaria pelo estreitamento entre os conselhos.

Amarras O cenário político atual é definido pelo que está estabelecido no ECA, de 1990, e na Loas, de 1993, que apontam a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. É preciso considerar, nesse contexto, como a estruturação da política de Assistência Social ainda é recente no país. Apesar de a Loas ter sido aprovada no início dos anos 1990, somente a partir da implementação do Suas, em 2005, é que a política passa a se consolidar. Por isso, entender a Assistência Social de forma adequada ainda é um desafio para profissionais da área. Na opinião de Miriam Santos, esse quadro é agravado pela dificuldade que os dois tipos de Conselhos têm em estabelecer um diálogo. Em nível nacional, por exemplo, o Conanda é vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, enquanto o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) está ligado ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Segundo ela, esses fatores não são impedimento, mas dificultam uma aproximação. Para a conselheira estadual de Assistência Social de Minas Gerais Cristiane Nazareth, o problema está na organização política. Segundo ela, é preciso haver uma maior aproximação, principalmente entre o Conselho da Criança e do Adolescente e o de Assistência Social. “Atualmente, não vejo essa interface. Há aspectos do orçamento público da Assistência Social, por exemplo, que não são discu-

Edu

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Interseções São várias as articulações existentes entre a Assistência Social e a área da infância e da adolescência. Veja alguns exemplos:

ucação

aúde

Assistência Social

fância e escência

- O Serviço de Acolhimento Institucional é destinado a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de se garantir sua proteção integral. - O combate ao trabalho infantil articula ações que objetivam a retirada de crianças e adolescentes de até 16 anos dessa prática ilegal. - O Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes tem como objetivo integrar um conjunto de programas e ações dos governos, organismos e agências internacionais, universidades e sociedade civil para criar respostas efetivas para a superação da violação dos direitos de crianças e adolescentes. - Já as Medidas Socioeducativas são aplicadas a adolescentes que cometem atos infracionais. Possuem caráter predominantemente educativo e não punitivo.

tidos com o Conselho da Criança e do Adolescente. Percebemos o diálogo na legislação, mas não na oferta dos serviços”, critica. Segundo a ex-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte, Regina Helena, é preciso cuidado para que não haja uma disputa de públicos, pois não se trata de uma relação de poder, e sim, de procurar atender o usuário da melhor forma possível. Para Marilene Cruz, é uma questão cultural. “Existe uma cultura de que cada um faz a sua parte e tem sua completude institucional. É preciso abrir mais esses horizontes. Cada um quer mostrar o trabalho que está fazendo e colher os louros disso. Mas os resultados não precisam ser individuais, eles podem ser compartilhados”, afirma. Na opinião de Cristiane Michetti, o grande desafio atual é a atuação conjunta para o monitoramento das políticas. Por meio de uma avaliação consistente, é possível estudar melhor os resultados para aperfeiçoar as políticas já implementadas e, assim, não ficar apenas reproduzindo erros.

Estratégias de interlocução Para que a articulação aconteça e a implementação e o monitoramento de políticas públicas se efetivem, é fundamental que haja a chamada “intersetorialiedade”, a conversa entre os diversos setores e políticas para

a execução de uma demanda. A construção de uma rede intersetorial, no entanto, não é fácil. Como as ações para crianças e adolescentes são transversais, atravessando todas as políticas públicas, não há um lugar institucional para essa discussão: “Isso causa muitas dificuldades. Os conselhos são responsáveis pelo acompanhamento das diretrizes, mas é preciso que haja um lócus do poder público para concentrar e coordenar essa discussão, no campo da execução”, explica a gerente de coordenação da política da Assistência Social da prefeitura de Belo Horizonte, Ana Paula Simões. Para Marilene Cruz, o lugar mais adequado para que a discussão conjunta ocorra é nos Conselhos de Direitos: são eles que devem “puxar” o debate. Afinal de contas, os Conselhos têm a obrigação legal de deliberar e controlar, em todos os níveis, as ações para construção da proteção integral. Isso significa que eles precisam ser os integradores das políticas públicas, criando espaços e estratégias para viabilizar o trabalho conjunto. No Conselho de Direitos, outros atores podem ser chamados a participar do processo de construção de soluções. Assim, a intersetorialidade pode ser construída diariamente, desde as pequenas até as grandes ações, de forma prática, por meio de reuniões e plenários conjuntos, que proporcionem o debate de temas pertinentes às duas áreas. Para Cristiane Nazareth, os conselhos precisam ser fortalecidos, apresentando maior autonomia administrativa e financeira, para assim atuar de forma integrada em casos como o do acolhimento institucional, que envolve diversas instâncias. “Por meio dos planejamentos coletivos, evita-se uma superposição de ações e a perda de tempo na hora de organizar os serviços”, afirma. Para ela, a iniciativa precisa partir dos próprios conselhos, que, tendo pautas comuns, devem promover reuniões integradas. Assim, é possível elaborar políticas públicas que atendam, de maneira satisfatória, o público infanto-juvenil. Para Marilene, o caminho é pensar nos problemas de forma coletiva, e não como exclusivos de uma determinada política. Ela cita o caso de crianças que não estão indo bem na escola e que não contam com o apoio dos pais para melhorar. Nesse contexto, a educação poderia se juntar com as áreas pertinentes, como a Assistência Social. “É assim que, nas reuniões, poderia se perguntar: ‘o que cada um de nós deve fazer, dentro de sua responsabilidade? Como podemos atuar juntos?’”, explica. Belo Horizonte é apontada como uma cidade que tem buscado construir a intersetorialidade. Ana Paula Simões exemplifica o caso do Plano Municipal de Convivência Familiar e Comunitária para a Criança e o Adolescente, que foi uma ação conjunta entre o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho de Assistência Social. Ao longo do ano passado, diversas reuniões foram realizadas, nas quais várias equipes técnicas e atores políticos trabalharam na construção do plano.

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Foto: Andrea Souza

Plenários e reuniões integrados e contato com a universidade são alguns dos caminhos apontados para melhorar o diálogo

4 “Discutimos ações e estratégias para fortalecer a convivência familiar e comunitária, debatendo, por exemplo, o papel do poder público e da sociedade civil nesse contexto”, conta. Essa foi uma ação articulada em rede, que mostra como a cidade pode construir um pensamento de envolvimento dos diversos atores das políticas públicas. Cristiane Michetti afirma que o Conselho Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte tem buscado se aproximar do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, por meio de plenárias conjuntas que discutem questões da área. “Sempre que existe o desafio de se implementar alguma política pública na área da Assistência Social nós chamamos o Conselho da Criança e do Adolescente para discutirmos juntos”, conta. Cristiane exemplifica citando o caso dos programas e serviços de socialização infantojuvenil, que pertenciam à área da criança e do adolescente, e cuja execução foi passada para a política da Educação. Segundo ela, aqueles que trabalhavam nas duas áreas e na Assistência Social têm discutido como fazer um atendimento adequado aos meninos e meninas de Belo Horizonte, de modo a alavancar as discussões e avançar na implementação e no monitoramento das políticas. Outro caso é da cidade de Tucumã (PA). Há alguns anos, os representantes da área da infância e da adolescência e os da Assistência Social procuram se aproximar para atender melhor seu público. Segundo a secretária-executiva do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Tucumã, Geruza Brito dos Reis, o caminho foi fortalecer os conselhos, investindo na formação e na capacitação de seus membros. “Quando percebemos que não é possível a um conselho resolver uma situação sozinho, procuramos fazer reuniões conjuntas, discutindo casos de crianças e olhando a responsabilidade de cada um. Aí, traçamos um plano de ação específico”, conta Geruza. Nesse sentido, o Conselho da Criança deveria deliberar com a participação de representantes do Conselho de

Assistência Social, e vice-versa. Para que isso aconteça, as atribuições de cada área devem estar bem claras. Essa clareza passa, inclusive, pela compreensão de que nem todos os casos devem ser “empurrados” para a Assistência Social, situação que é corriqueira. Não é obrigação do Suas resolver todas as situações que envolvam crianças e adolescentes. Há questões que são da competência das áreas de saúde, educação, cultura, esporte, dentre outras. Desde os momentos iniciais de discussão conjunta, o planejamento adequado é fundamental, devendo incluir os objetivos específicos das ações, os efeitos esperados e os orçamentos previstos. Assim, no decorrer do processo, torna-se possível para as áreas que atuam conjuntamente realizar o monitoramento mais adequado da execução das políticas, no qual é avaliado se o que foi proposto está sendo executado dentro do prazo e do previsto no orçamento municipal para o ano. Segundo Marilene Cruz, a falta de monitoramento se reflete no ritmo da execução das demandas. “O que se vê, na prática, é que, até no penúltimo quadrimestre, há 30% ou 40% de execução de uma ação [prevista no orçamento municipal]. No final do ano, ela acaba sendo realizada às pressas [pelo poder executivo]. Isso prova que o monitoramento não está sendo bem feito”, conclui. Para ela, a clareza no papel de cada conselho também ajuda no monitoramento, já que é possível analisar e cobrar o cumprimento das metas de forma mais justa e efetiva. Cristiane Michetti aponta ainda outra estratégia para potencializar a elaboração e o monitoramento de políticas públicas: o contato com a universidade. Segundo ela, “é importante que haja uma interlocução entre os executores das diversas políticas e os estudiosos, com vistas a construir, conjuntamente, metodologias e indicadores para o acompanhamento das políticas, de modo que as ações não sejam executadas sem uma reflexão prévia”. Dessa forma, o processo seria coletivo, e não ocorreria de cima para baixo.

EXPEDIENTE Programa Novas Alianças | Coordenação executiva: Oficina de Imagens – Comunicação e Educação | Coordenadora do Programa: Maria Alice Silva | BOLETIM Redação: Oficina de Imagens – Comunicação e Educação | Reportagem: Felipe Borges | Edição: Filipe Motta | Projeto gráfico: Henrique Milen | Diagramação: Felipe Borges | Impressão: Artes Gráficas Formato | Tiragem: 1.500 exemplares | Informações: (31) 3465-6801 | novasaliancas@oficinadeimagens.org.br


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