Revista Rolimã Edição #3

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CARTA AO LEITOR Caro leitor, cara leitora, Por representarem o fechamento de um ciclo e o início de outro, os períodos eleitorais são oportunidades interessantes e necessárias para se avaliar a execução de políticas públicas. Esta edição de Rolimã aproveita essa deixa e levanta, em sua matéria de destaque, sete pontos críticos da área da infância e da adolescência que devem ser encarados de frente pelo futuro governo estadual (página 12). São eles: educação, violência sexual, violência contra as juventudes, formação de conselheiros, atendimento socioeducativo, convivência familiar e comunitária e atenção à saúde materna e neonatal. A escolha pelo governo estadual como nosso foco de discussão não é arbitrária. Como bem define a Constituição Federal de 1988, o Brasil é formado como uma federação em que as responsabilidades para a execução de políticas públicas se encontra compartilhada entre as três diferentes esferas de governo – federal, estaduais e municipais. Teoricamente, nenhuma das três esferas é mais importante que a outra. Nos últimos 20 anos, no entanto, assistimos à aprovação de uma série de medidas que concentraram o poder financeiro e de implementação das políticas públicas nas mãos do governo federal. Se por um lado o processo permitiu acelerar a implementação de algumas políticas sociais de forma quase homogênea para uma ampla parcela da população – como as de combate à pobreza –, por outro fez com que áreas fora do foco e fora da responsabilidade do governo federal ficassem em segundo plano. É o caso da execução das medidas socioeducativas em meio fechado, por exemplo, de responsabilidade dos governos estaduais: há três gestões seguidas, o governo de Minas está ciente da necessidade da criação de novos centros de internação, mas pouco fez para reverter ou minimizar o problema. Outro exemplo são as políticas de saneamento básico – problema crônico para cerca de 40% da população brasileira – que são de responsabilidade dos municípios. O fortalecimento das escolas de conselhos que, novamente, está relacionado à atuação do estado, bem como a solução do problema da truculência policial e da violência contras as juventudes também precisam ser citados. É preciso reconhecer as limitações financeiras que afetam o poder de investimento do governo estadual para a resolução desses graves problemas. Mas também é esperado que o governo tenha a habilidade de dialogar com a população na busca de soluções possíveis – no caso da política educacional, por exemplo, a dificuldade para conversar com os professores é evidente – e de articular cooperações com as outras esferas de poder para a resolução dessas questões. O caminho é difícil e envolve, muitas vezes, a necessidade de contornar arranjos e interesses partidários. Nós desejamos e o dever constitucional exige que o governo do Estado aja pautado pela prioridade absoluta à infância e à adolescência na gestão pública. Alguns dos temas discutidos na reportagem sobre eleições são aprofundados em outros textos da edição. Não deixe de ler as matérias sobre Conselhos Tutelares (p. 60), Violência Doméstica e Convivência Familiar e Comunitária (p. 32 e p. 27). Boa leitura!


EDITORIAL Corpos que falam Corpos como objetos. Crianças como objetos para venda de marcas. Infâncias que são descontinuadas por uma sexualização precoce do corpo. A polêmica envolvendo a publicação de fotografias de meninas com apelo erótico, pela revista Vogue Kids, da Editora Globo, no último mês de setembro, trouxe à tona mais uma vez a questão do estímulo à sexualização precoce de crianças e adolescentes pela mídia. No dia 15 de setembro, a Justiça do Trabalho de São Paulo concedeu liminar proibindo a distribuição da revista. A publicação violou claramente o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, no artigo 17, afirma que o direito ao respeito de meninos e meninas consiste na “inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, das ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”. Além de promover uma adultização precoce das meninas fotografadas, o material da Vogue Kids apela para a erotização e reproduz uma das piores atitudes da nossa sociedade, que é o tratamento da mulher como objeto. O episódio envolvendo a revista pode parecer um problema isolado, mas é um fenômeno possível de ser apreendido de diversas formas na indústria da moda, e que também é amplificado pela publicidade e reproduzido por programas de entretenimento na TV. Um problema que permeia nossas vidas cotidianas quando estimulamos, por exemplo, o uso de maquiagem e salto alto por meninas. Essas atitudes não deixam de ser resquícios pré-modernos do que as crianças representavam para o mundo até

o início do século 18: miniaturas dos adultos. A ideia da infância e da adolescência enquanto fases da vida distintas da dos adultos e o nosso entendimento de que meninos e meninas até os 18 anos são seres em fase peculiar de desenvolvimento físico e psicológico são pontos que ainda nos esforçamos para consolidar na sociedade. O caso da revista Vogue Kids é um exemplo de como esse esforço merece ser intensificado e de como ele precisa chegar a diversos campos da sociedade. Em resposta às críticas, a Vogue afirmou não ver problema na forma como as meninas foram retratadas nas matérias e que sempre pretendeu trabalhar a infância com o respeito merecido. O posicionamento da revista – que já havia produzido conteúdo semelhante em outras edições – só reforça a naturalização de uma prática que merece ser repensada e combatida pela sociedade. A sexualização precoce de crianças e adolescentes precisa ser vista como um problema, assim como hoje reconhecemos práticas como o trabalho infantil, a violência doméstica e outras formas de violência sexual – todas essas, questões que ainda temos dificuldades em superar. Um problema só é enfrentado da forma adequada quando reconhecido como tal. Por fim, pontuamos que nossa discussão em nada tem a ver com a negação de direitos sexuais de adolescentes, como suas formas de se expressar e se vestir. E, tampouco, nossa postura é de demonização dos veículos de comunicação, os quais consideramos atores fundamentais para o debate público de questões relevantes à garantia dos direitos de crianças e adolescentes.

EXPEDIENTE ENTRE EM CONTATO CONOSCO:

Em defesa dos direitos da criança e do adolescente Uma produção da Central de Notícias Oficina de Imagens REDAÇÃO: Anna Cláudia Gomes, Bárbara Pansardi, Eliziane Lara, Filipe Motta, Gabriella Hauber e Thais Marinho SUPERVISÃO EDITORIAL: Adriano Guerra EDIÇÃO: Filipe Motta ASSISTENTE DE EDIÇÃO: Bárbara Pansardi COLABORADORES: Andrea Souza, Adriana Mitre, Aline Labbate, Gabriela Garcia, Gabriella Hauber, Jessica Soares, Larissa Veloso e Thaís Marinho CAPA: Foto de Bruno Vilela COORDENAÇÃO: Guabiroba Ensino e Comunicações Ltda. PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: AMI Comunicação & Design REVISÃO: Larissa Agostini

rolima@oficinadeimagens.org.br Rua Salinas, 1101, Santa Tereza, Belo Horizonte - MG CEP: 31015-365 | Tel: (31) 3465-6801/6803 PARCERIA: Vale IMPRESSÃO: Rona Editora TIRAGEM: 5.000 exemplares Projeto Centro de Informação em Direitos da Criança e do Adolescente, convênio de Cooperação Financeira no 117/2013, celebrado entre a Oficina de Imagens – Comunicação e Educação e a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese) com interveniência do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais (CEDCA-MG)

Oficina de Imagens – Comunicação e Educação PRESIDENTA: Alcione Rezende VICE-PRESIDENTE: André Hallak COORDENAÇÃO INSTITUCIONAL: Adriano Guerra e Bernardo Brant NÚCLEO DE APOIO TÉCNICO: Vander Maciel e Simone Guabiroba


NESTA EDIÇÃO NOVO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO: AGORA É PRA VALER!

RESISTÊNCIA RENOVADA

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12

7 DESAFIOS PARA O PRÓXIMO GOVERNADOR

20

27

FAMÍLIAS OU POLÍTICAS DESESTRUTURADAS?

VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA

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38

42

47

UM LEGADO PARA A REDE DE PROTEÇÃO?

O CHAMADO PARA PARTICIPAR

50

55

MUITO ALÉM DE QUADRAS E CAMPOS

UM BOM CONSELHO?

60

65

PAREDES DO MEDO

PUBLICIDADE COMBINA COM CRIANÇA?


Marcello Casal Jr./ ABr

A aprovação de 10% do PIB para a educação é uma das marcas do PNE

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ENTREVISTA

Novo Plano Nacional de Educação: agora é pra valer! Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, fala dos desafios para a efetivação do documento que pode transformar a educação brasileira POR ADRIANA MITRE E THAÍS MARINHO

oram cerca de quatro anos de tramitação e quase três mil emendas ao Projeto de Lei federal nº 8.035, de 2010, para que, enfim, o Plano Nacional de Educação (PNE) fosse sancionado pela Presidência da República, no final do último mês de junho. O novo PNE – o anterior havia expirado em 2010 – propõe uma maior participação do governo federal para superar desigualdades educacionais e promover a ampliação do acesso à educação de qualidade desde a educação infantil. Para isso, o documento possui 20 metas, além de diretrizes e estratégias, que devem ser alcançadas no prazo de dez anos. Para apontar desafios e caminhos para a efetivação do novo PNE, conversamos com Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede que articula mais de 200 grupos e entidades que lutam pela educação pública de qualidade. A Campanha foi uma das principais responsáveis pela construção de propostas e pela incidência política para a aprovação do novo PNE.

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COMO FOI O PROCESSO DE INCIDÊNCIA DA SOCIEDADE CIVIL NA ELABORAÇÃO E NA APROVAÇÃO DO NOVO PNE? A promessa do governo federal era que as diretrizes da Conferência Nacional de Educação (Conae) realizada em 2010 subsidiassem a formulação do PNE, que já vinha sendo pensado desde 2007 pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Entretanto, o texto enviado para o Congresso em dezembro do mesmo ano (2010) não havia incorporado nada da Conferência. Foi quando produzimos e distribuímos aos parlamentares um CD contendo 101 emendas para o PNE. Essas emendas vinham em arquivo aberto e em formulário do legislativo para apresentação de emendas pelos parlamentares. Se um deputado concordasse com alguma das emendas propostas por nós, bastava ele assinar e carimbar para iniciar a tramitação. Esse CD superou muito a nossa expectativa, porque além de os deputados utilizarem os arquivos e fazerem suas alterações, várias organizações da sociedade civil também utilizaram a mesma tática para criar suas próprias emendas. Esse foi o primeiro grande passo de incidência da sociedade civil. Posteriormente, em agosto de 2011, foi feita uma nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, analisada e confirmada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explicando o porquê de os 7% do PIB investidos no setor [que era a proposta inicial do governo para o novo PNE] serem insuficientes para garantir o padrão de qualidade na educação e o cumprimento das metas do plano. A partir daí foi um processo de disputa muito árduo. Nós tivemos presença maciça em reuniões e audiências públicas sobre o PNE e fizemos muito uso da imprensa. PESANDO AS CONQUISTAS E PERDAS NESSE PROCESSO, COMO VOCÊ AVALIA O PNE QUE FOI APROVADO? A gente ganhou em quase tudo. Ganhamos no conjunto do plano, mas perdemos na destinação do recurso público exclusivamente para a educação pública. Essa é a maior derrota do PNE, porque traz um impacto objetivo e material para o plano. Os 10% do PIB estão vinculados ao cumprimento das outras 19 metas, portanto, se você inclui as parcerias público-privadas nessa conta, nós não aprovamos 10%, mas entre 9,1 e 9,5% do PIB. A segunda maior derrota do plano é a remuneração dos professores por resultado, o que significa que o profissional só recebe o recurso adicional caso cumpra as metas de aprendizado. No mundo todo isso tem gerado mais desigualdade nas redes públicas e não tem melhorado a qualidade da educação. Para promover a igualdade é preciso investir nas velhas soluções que nunca foram colocadas em prática no Brasil, como a remuneração atrativa dos professores, uma política de carreira que mantenha a motivação e um processo de qualificação continuada que garanta o desenvolvimento profissional. Isso está previsto no PNE, que pretende não resolver, mas avançar muito nessas três questões.

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Entenda o CAQ Custo Aluno-Qualidade Inicial é um indicador de referência para o financiamento da educação no país, normatizando um valor mínimo por aluno para assegurar a qualidade da educação básica. Incorporada ao Plano Nacional de Educação, a aceitação da proposta foi motivo de controvérsia na Câmara dos Deputados.

Apesar de essas duas perdas serem emblemáticas, as vitórias foram ainda maiores, como os 10% do PIB, volume de recurso inédito destinado à educação, o Custo Aluno Qualidade (CAQ) [leia o quadro], a ideia da política de carreira dos professores como um grande esforço coletivo e o estabelecimento de uma esfera de coordenação federativa entre União, estados e municípios para o enfrentamento de diversas questões da educação. Pela primeira vez, o governo federal vai ter que ouvir estados e municípios e trabalhar junto com eles. COMO O GOVERNO FEDERAL VAI FAZER ESSE TRABALHO CONJUNTO? O governo federal sempre se eximiu do trabalho da educação básica, embora a Constituição Federal, no artigo 211, diga que ele deve colaborar com estados e municípios, tanto técnica como financeiramente, para garantia de um padrão mínimo de qualidade. Só que um padrão mínimo de qualidade custa caro, são R$ 46 bilhões por ano, e nem mesmo os estados mais ricos da federação conseguem alcançá-lo. Com a vitória do PNE, a gente conquistou que o governo federal pare de gerir programas e passe a transferir recursos para estados e municípios. Para isso, os estados e municípios precisam descobrir e determinar quais são suas prioridades, ou seja, precisam fazer os seus planos para dizerem qual educação eles querem, para interagirem com o Plano Nacional de Educação e aumentarem o poder de pressão sobre o governo federal. O PNE PREVÊ AINDA A CRIAÇÃO DE UMA INSTÂNCIA PERMANENTE PARA NEGOCIAÇÃO E COOPERAÇÃO ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVAS. O QUE SERIA ESSA INSTÂNCIA E O QUE SE ESPERA DELA? Essa instância teria que ser uma mesa de trabalho que reúna representantes dos gestores municipais e estaduais de cada região e representantes do Ministério da Educação. É preciso que essa mesa discuta questões desafiadoras e estruturais, como a base comum nacional dos currículos e a distribuição de recursos entre União, estados e municípios. É preciso ainda que discuta os critérios de transferência dos recursos pela União.


O QUE DEVE CONSTAR NOS PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO? E COMO GARANTIR, POR EXEMPLO, QUE OS MUNICÍPIOS DE PEQUENO PORTE COM MENOS ESTRUTURA TÉCNICA TENHAM SEUS PLANOS PRONTOS NO PRAZO ESTABELECIDO, QUE É DE UM ANO? Existe uma plataforma online chamada De Olho nos Planos (deolhonosplanos.org.br), parceria liderada pela Ação Educativa e o Unicef, que dá bases para a formulação dos planos de educação municipais. Além disso, esses planos devem se espelhar no próprio PNE. Tendo em vista isso, o importante é não deixar de discutir dentro dos municípios como vai ser resolvido, por exemplo, o acesso dos seus cidadãos à educação infantil, ao ensino fundamental, e também o acesso aos ensinos médio e superior. O que tem que ser pensado no plano municipal de educação não é somente a responsabilidade das prefeituras municipais em ofertar o ensino infantil e o fundamental, mas sim a necessidade dos seus cidadãos. Isso é que vai gerar pressão sobre o governo federal e ajudar no cumprimento do PNE. Ao pensar como território, que é a chave do problema, a plataforma De Olho nos Planos acaba dando uma boa base. Agora, para fazer um planejamento é necessário fazer diagnóstico e audiências públicas. E também é preciso que o município faça valer seu plano depois de pronto. OS PLANOS DE EDUCAÇÃO MUNICIPAIS E ESTADUAIS SERÃO PRÉ-REQUISITO PARA O REPASSE DE VERBAS? Na prática sim. Esse é um ponto que pode ser estabelecido como regra. O que não pode ser regra é a qualificação dos planos porque a lei diz que eles devem se inspirar no PNE, mas não que precisam ser iguais.

O PNE TRAZ ESTRATÉGIAS QUE PREVEEM A INTEGRAÇÃO DAS ÁREAS TRANSVERSAIS À INFÂNCIA E À ADOLESCÊNCIA. COMO MELHORAR O DIÁLOGO ENTRE A EDUCAÇÃO E SETORES COMO SAÚDE, ESPORTE E CULTURA? No fundo, o Brasil não consegue pensar fora das pastas, que se acham absolutas. Considerando isso, o PNE prevê a criação do Sistema Nacional de Educação, que deve dialogar com outros sistemas, como o Sistema Nacional de Cultura e o Sistema Único de Saúde (SUS). É mais fácil sistemas conversarem do que as esferas políticas individuais. Outro ponto de destaque é que o PNE assume claramente que o desafio da educação é a promoção da cultura. Ou seja, é garantir a todos o direito de se apropriarem daquilo que a sociedade conseguiu produzir em termos culturais. Uma educação de qualidade é aquela que possibilita o acesso a diversos tipos de música, ao conhecimento e à compreensão do papel da matemática, das ciências naturais e da pesquisa científica. Para isso, obviamente, é preciso uma boa interlocução com a área da cultura. COMO GARANTIR QUE AS METAS DO PNE SEJAM ALCANÇADAS EM TODOS OS ESTADOS E REGIÕES, DIMINUINDO AS DESIGUALDADES HISTÓRICAS E REGIONAIS? Os municípios dos estados do Norte e do Nordeste e os do norte de Minas Gerais terão um desafio maior e, portanto, deverão receber mais recursos. A regra que nós criamos pelo CAQ prevê que 59% do recurso vá para o

Guilherme Cunha

QUEM É DANIEL CARA Mestre em Ciência Política (USP) e doutorando em Educação (USP) Coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Membro do Fórum Nacional de Educação Diretor geral do Comitê Diretivo da Campanha Latino-americana pelo Direito à Educação (Clade)


Agência Brasil

Com a criação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), a presença da União no investimento da área se torna mais significativa

Norte e o Nordeste e que Minas Gerais tenha um acréscimo de quase 5 bilhões por ano, a serem transferidos tanto para o governo do estado, quanto para os governos municipais.

no orçamento. E, pensando em PNE, o desafio é estabelecer novas matrículas, mas também qualificar essas matrículas com o padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo MEC.

COMO VOCÊ JÁ LEVANTOU, O CUSTO ALUNO QUALIDADE (CAQ) É UM PONTO IMPORTANTE DO PNE. COMO ELE FOI PENSADO? Em 2002 a transferência do governo federal aos estados e municípios para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) era irrisória. Ela não dava conta da qualidade da educação e, por isso, essa transferência tinha que ser maior. Mas não dá para dizer maior, genericamente. É preciso dizer na ponta do lápis o quanto e para quê a transferência tem que ser maior. O artigo 211 da Constituição Federal diz que cabe à União a garantia de um padrão mínimo de qualidade e a colaboração, técnica e financeira, com estados e municípios. Para complementar o raciocínio, o inciso 9º do artigo 4º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) diz que cada aluno tem que ter acesso aos insumos indispensáveis para o processo de ensino e aprendizagem. E insumo é tudo aquilo que altera a qualidade da educação, como laboratórios, bibliotecas, quadras poliesportivas e também número de alunos por turma, remuneração inicial atrativa e política de carreira para o professor. O CAQ trabalha com uma lógica que não é a de pensar no total do orçamento e dividi-lo pelo número de matrículas, como é feito hoje. Para chegar ao CAQ, é preciso calcular quanto deveria custar o investimento por aluno ao ano e compará-lo com o que está disponível

O CAQ SERÁ DIFERENCIADO PARA ALUNOS DO CAMPO, QUILOMBOLAS, INDÍGENAS E PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA? Sim, será. As matrículas do campo custam bem mais do que as matrículas nas regiões urbanas e as matrículas das pessoas com deficiências custam, em média, o dobro.

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ALÉM DE MAIS RECURSOS, QUAIS OUTROS PASSOS DEVEM SER DADOS PARA GARANTIR AS METAS DO PNE PARA ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES QUILOMBOLAS, INDÍGENAS E COM DEFICÊNCIA? É preciso fazer busca ativa, um levantamento da demanda. O PNE trabalha sob essa perspectiva, mas muitos gestores a encaram como a busca por problemas. Não pode. A busca ativa tem que ser encarada como dever do gestor e o cumprimento de um direito. Por isso, tem que ser exigida pela população, pelos conselhos tutelares, pelo sistema de proteção dos direitos da criança e do adolescente. PENSANDO EM EDUCAÇÃO INFANTIL, ENSINO FUNDAMENTAL E ENSINO MÉDIO, QUAL FASE DO ENSINO ESTÁ MAIS FRAGILIZADA ATUALMENTE? Historicamente, o Brasil tem tratado o ensino médio como a etapa com maior deficiência. Mas a experiência tem demonstrado que a etapa em que mais se reproduz a desigualdade, e que é determinante, inclusive, para o aluno chegar ao ensino médio, é a educação infantil.


Temos um ótimo projeto de educação infantil no Brasil, mas a sua escala é praticamente irrisória, com poucas matrículas. O problema do ensino médio vem de um problema nessa etapa, que está em crise no mundo todo, somado também a problemas nos anos finais do ensino fundamental. O Brasil está fazendo um processo que é antissistêmico. Quando a criança tem educação infantil pública de qualidade, ela chega até o ensino médio e, normalmente, consegue se sustentar porque tem maior facilidade para o aprendizado. A criança que não tem uma educação infantil de qualidade perde fôlego nos anos finais do ensino fundamental e, quando chega ao ensino médio, já não tem fôlego nenhum. No fundo, a educação precisa ser olhada de forma sistêmica. Da educação infantil até o ensino médio e, depois, para quem quiser cursar, a educação superior. O PNE PREVÊ QUE OS CURRÍCULOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO ESTABELEÇAM UMA BASE CURRICULAR COMUM (veja quadro). QUAL A IMPORTÂNCIA DESSE CURRÍCULO BÁSICO COMUM? A importância do currículo básico comum é dar uma orientação, um comando nacional dos conteúdos que precisam ser trabalhados com os alunos. Mas é preciso ser uma base sábia porque tem que ser uma referência e não pode diminuir a autonomia do professor. Para gerar bons resultados, ela não pode ser engessada. Conhecimento não se transmite, se constrói. A base curricular tem que ser uma referência sobre aquilo que é desejável que todos aprendam. Só que essa referência não pode desestimular a autonomia do professor, a contextualização do professor em relação ao conteúdo e, principalmente, não pode matar as questões identitárias e as diferenças regionais.

Prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, e no PNE 2014, a Base Curricular Comum deve determinar o que será ensinado em cada fase de ensino da educação básica. O documento é uma forma de assegurar que todos os alunos tenham oportunidades comuns de aprendizagem. O documento valerá tanto para escolas públicas quanto privadas.

não dá para fazer tudo em dez anos, essa é a prioridade desse primeiro período: a questão docente. E a partir daí, a gente vai buscar resolver os outros problemas. EM TERMOS PRÁTICOS, O QUE É IMPRESCINDÍVEL PARA QUE AS METAS DO PNE SAIAM DO PAPEL E SEJAM CUMPRIDAS? Um plano não se concretiza simplesmente pela existência de uma lei. Para que seja cumprido é preciso controle social, apropriação pela sociedade, pressão da opinião pública, uma série de variáveis que precisam ser bem resolvidas. Além disso, para que suas metas avancem, o PNE precisa ser prioridade. Nesse sentido, a primeira prova de fogo são as eleições deste ano. Para que seja implementado, o plano precisa ser tratado como uma das questões centrais dos programas de governo.

Só com o professor a educação não alcança qualidade, mas sem o professor ela não se realiza. Como não dá para fazer tudo em dez anos, essa é a prioridade desse primeiro período: a questão docente

COMO AS METAS RELATIVAS À VALORIZAÇÃO E À QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DOS PROFESSORES IMPACTAM NO ALCANCE DAS OUTRAS METAS DO PNE? Basicamente elas vão garantir a qualidade da matrícula. Educação é um trabalho social. O mundo na educação só existe na relação do aluno com o professor, com seus pais e com os demais alunos. Sendo a educação um processo relacional, dizer nesse PNE que, das 20 metas, quatro estão relacionadas à questão docente, significa assumir que essa questão é mais fundamental para o alcance da educação de qualidade do que qualquer outra. Só com o professor a educação não alcança qualidade, mas sem o professor ela não se realiza. Como

E COMO GARANTIR O CONTROLE SOCIAL E A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA NESSE PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DO PNE? O que vai fazer do PNE uma lei efetiva é a sociedade reconhecer a sua importância e reconhecer que é inaceitável o Brasil, um país de grande poderio econômico, ainda conviver com a indecência de ter quase 14 milhões de analfabetos. Nesse sentido, o desafio para gerar participação não é tanto a construção de espaços de participação formais – embora sejam importantes –, mas principalmente a divulgação das metas do plano e a conscientização sobre a necessidade de exigir o seu cumprimento. O melhor caminho é a divulgação das metas. É a mãe e o pai saberem que 25% das matrículas vão ter que ser em educação integral e que eles têm o direito de cobrar por isso. É saberem que o filho com deficiência tem direito à educação especial em escola regular. É entenderem ser inaceitável que os professores ganhem menos que as demais profissões que exigem a mesma formação. As metas do PNE têm em si um poder mobilizador, mas é preciso que as pessoas as conheçam.

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ESPECIAL

desafios para o próximo governador Rolimã elencou os principais problemas nas políticas públicas na área da infância e da adolescência em Minas a serem enfrentados nos próximos quatro anos POR ALINE LABBATE

Em 1981, a ditadura militar agonizava no Brasil e Rita Lee gritava: “Já cansei de lero lero, dá licença mas eu vou sair do sério, eu quero mais saúde”. Em 1987, quando o país rebolava para consolidar a democracia e vencer uma avassaladora crise econômica, os Titãs esbravejavam: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte.” Em 2013, uma multidão tomou as ruas do país por mais qualidade de vida. Grande parte era de jovens e de pais levando seus filhos – e sua esperança – nos braços. Hoje, um ano depois, candidatos aos governos apareceram na televisão carregando bebês no colo e distribuindo abraços para a mesma infância e juventude, com canções publicitárias e imagens impecáveis. Esta edição de Rolimã mostra que o escolhido como próximo governador de Minas Gerais terá de ir além do que sempre se fez para atender aos anseios e garantir os direitos da infância e da adolescência. A reportagem ouviu especialistas, pesquisadores, representantes de grupos e entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente em sete grandes áreas críticas das políticas públicas. E o roteiro para o próximo governador está nas páginas seguintes.

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1 educação Inês Teixeira, do Grupo de Pesquisas sobre Condição e Formação Docente da UFMG, e Beatriz Cerqueira, do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas, apontam como desafios reduzir o déficit acumulado de quase 1 milhão de vagas na rede estadual de ensino em 2014 (segundo o Dieese); EQUIPAR melhor as escolas; promover o DIÁLOGO do governo com todo o corpo docente; e valorizar os profissionais da educação, o que inclui um programa adequado e permanente de formação e a realização de concursos – reduzindo ou eliminando a figura dos designados.

equipar Beatriz Cerqueira destaca como desafio garantir o investimento mínimo de 25% da receita tributária em educação, conforme prevê a Constituição Federal. Hoje, o governo de Minas não investe este percentual, pois inclui no cálculo outros gastos, como pagamento de aposentados.

diálogo Inserir o professor no centro das políticas de ensino é uma das principais urgências do próximo governo, segundo Inês Teixeira. A pesquisadora aponta que é preciso vontade política para que o corpo docente “participe da formulação das políticas educacionais – desde sua origem até as avaliações”.

“O Estado de Minas não investe o mínimo constitucional em educação: 25% da receita tributária. O objetivo da regra é fazer com que o Estado seja garantidor da educação como política pública essencial. Mas Minas inclui despesa previdenciária e da cultura para garantir o mínimo constitucional da educação.”

“O primeiro desafio seria construir, como governo, um respeitoso, permanente e profícuo diálogo com o magistério, o que tem sido muito difícil nesses últimos anos. Aliás, estamos vendo o reverso disso.”

Beatriz Cerqueira

Inês Teixeira

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atendimento socioeducativo É “prioridade zero” do governo de Minas elaborar e implantar o Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo, determinado pela Lei federal nº12.594, de 2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Outro problema grave apontado por um diagnóstico do Ministério Público é a ausência de vagas em UNIDADES de internação para adolescentes autores de ato infracional. Hoje, quando as vagas existem, os trabalhos realizados não são suficientes para que o processo de socioeducação seja efetivo. As medidas em MEIO ABERTO, por sua vez, são insuficientes ou acompanhadas por equipes não especializadas. Aqui, o choque de gestão não chegou. Falta investimento e planejamento.

“A região Sul do Estado, que é gigantesca e recebe a influência da violência de São Paulo, não tem nenhum centro de internação”. Andrea Carelli

“Se fizermos como está previsto no Sinase, derrubamos qualquer teoria da redução da maioridade penal.” Marilene Cruz

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unidades A promotora Andrea Carelli, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e da Juventude (CAO-Infância), afirma que, desde a administração anterior (2006-2010), o orçamento do Estado deixou de prever a construção de centros de internação. Em levantamento feito em 2010, faltavam 600 vagas no Estado. Desde então só foram construídos dois centros – em Unaí e Ipatinga, com cerca de 80 vagas em cada–, diz. “Além disso, tem a questão da qualidade das vagas. Os adolescentes estão sendo vigiados, mas não estão sendo socioeducados”, aponta.

meio aberto A criação de equipes multidisciplinares para determinar e acompanhar o adolescente nas medidas socioeducativas em meio aberto, como a prestação de serviços à comunidade, é de responsabilidade dos municípios. Contudo, o Sinase estabelece que a assistência tem de ser cofinanciada pela União e pelo governo do Estado. “O Estado tem papel técnico e também financeiro. O próximo governo deve fazer uma radiografia séria desta realidade para ver que aporte financeiro e técnico ele vai dar aos municípios”, afirma Marilene Cruz, coordenadora Nacional da Pastoral do Menor.


3 conselhos Quase a totalidade dos municípios do Estado possuem conselhos tutelares ou dos direitos da criança e do adolescente. “Mas isso não quer dizer que funcionem bem”, ressalva a coordenadora geral da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescentes de Minas Gerais, Cássia Vieira. Na avaliação dela, os conselhos sofrem dois tipos de carência em Minas. O primeiro é material: há casos em que não há computador e formulários e atas precisam ser preenchidos à mão; noutros, sem contar com um veículo para deslocamento, os conselheiros chegam a solicitar viaturas à PM para realizar visitas. O segundo tipo de carência é a capacitação, em que o governo do Estado pode desempenhar um papel importante com a ESCOLA de Conselhos. (leia mais sobre conselhos tutelares na p. 50)

formação A estrutura dos conselhos tutelares e o salário dos profissionais são de responsabilidade dos municípios. Entretanto, o Estado deveria se aproximar mais das prefeituras para investir na formação dos conselheiros, profissionais que representam a ponta da atuação governamental junto a crianças e adolescentes. Segundo Cássia Vieira, o desafio do governo de Minas é atuar na formação desse profissional, que precisa conhecer, além da ampla legislação específica do setor, a evolução dos direitos da infância e da adolescência no Brasil.

escola “A forma centralizada de execução de convênios precisa ser rompida. Esse é o problema dos conselhos, uma dificuldade de desenvolver políticas de Estado e não de governo.” Cláudia Ocelli

“O Estado deve conhecer a realidade nos municípios e oferecer assessoria técnica e financeira, com recursos no orçamento.”

A Escola de Conselhos foi uma iniciativa criada em Minas em 2010 para atuar na formação continuada dos conselhos tutelares e dos direitos da infância. A iniciativa tem gestão do Estado, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese), em parceria com a Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) e organizações da sociedade. Contudo, desde o começo deste ano, o conselho gestor não se reúne, e a escola não tem atividades desde então. A professora Cláudia Ocelli é a representante da Uemg no grupo gestor e aponta que entraves políticos e institucionais, como a falta de autonomia orçamentária, comprometem o projeto.

Cássia Vieira

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4 convivência familiar O ECA estabelece que a convivência com a família deve ser preservada mesmo nos casos de vulnerabilidade social. Pobreza não é motivo para que uma criança seja retirada de casa. Alternativas, como a institucionalização ou a adoção, são recursos extremos para situações incontornáveis de desestruturação familiar. Para garantir o direito à convivência, há uma rede de proteção, formada pelos Centros de Referência em Assistência Social (Cras), os abrigos, casas de passagem e a estrutura do Judiciário. A Política Nacional de Assistência Social, de 2006, alterou a estrutura dessa rede de atuação, e reservou aos governos estaduais papéis fundamentais.

divulgação “A rede não está mapeada em Minas. Não se sabe o número de abrigos. Muita coisa mudou em pouco tempo.” Denise Avelino

capacitação A reintegração da criança ao convívio familiar é um certificado da qualidade dos elos que compõem a rede de proteção. Contudo, esse sistema só funciona com bons profissionais nos conselhos tutelares, nos Cras e nas instituições de acolhimento. Para Denise, a prevenção à ruptura familiar depende da formação e da valorização do servidor, papel que o Estado deve desempenhar. (Leia mais sobre convivência familiar e comunitária na p. 27)

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Denise Avelino é advogada e assistente social especialista no tema e afirma que a sociedade e a Justiça ainda têm preconceito sobre o papel da família para a garantia do melhor futuro para uma criança. Ainda que o financiamento das casas de acolhimento seja, legalmente, uma atribuição municipal, ela avalia que o Estado deveria investir em campanhas que favoreçam o vínculo familiar.


5 atenção materna e neonatal parceiro

O terceiro estado mais desenvolvido do país ainda adota práticas arcaicas quando o assunto é saúde materna e neonatal. Para mudar esta realidade, segundo a pediatra Sônia Lansky, consultora do Ministério da Saúde para o programa Rede Cegonha, cabe ao Estado ser PARCEIRO dos municípios na promoção do parto humanizado – o avesso da cultura da cesariana. Isso envolve a mudança de foco do personagem principal do parto: ele deixa de ser o profissional médico e passa a ser a mãe, o bebê e a família. O programa Mães de Minas, motivo de intensa propaganda do governo estadual, precisa passar por uma REFORMULAÇÃO, de acordo com a presidente da ONG Bem Nascer, Cleise Soares. “Hoje, ele funciona como uma espécie de call center”, aponta. (Leia mais sobre parto humanizado na edição 1 de Rolimã)

Um dos grandes desafios é corrigir a subinformação sobre morte materna, principalmente no interior, de acordo com a pediatra Sônia Lansky. Além disso, o próximo governador precisa investir em planejamento regional da atenção à saúde materna e neonatal, e fazer parcerias com as escolas de formação de médicos, que também estão ultrapassadas, segundo a pediatra.

“Gestantes de Santa Luzia, Ibirité, Vespasiano, Sabará, Contagem, todas procuram as maternidades de Belo Horizonte porque não encontram serviço de qualidade em suas cidades. O Estado deve ser um apoiador, ele tem recurso, tem o papel de apoio à gestão municipal de saúde e pode fazer investimento. Ele não assume o custeio, mas pode fazer o plano regional de saúde.” Sônia Lansky

reformulação Pensar na mulher, no bebê e no pai como protagonistas do parto, e não no médico. Para Cleise Soares, da ONG Bem Nascer, o programa Mães de Minas precisa avançar e fazer não só o acompanhamento por telefone com as mães. É preciso capacitar os profissionais do interior e “compactuar mais com esse movimento de resgate da saúde materna e neonatal”.

“A lei do acompanhante, que é lei federal, não é cumprida no interior. É preciso mudança de paradigma. A questão da cesariana ficou popularizada, e a mulher corre sete vezes mais risco de morte na cesariana, quando não é necessária, do que no parto normal.” Cleise Soares

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6 violência contra as juventudes Segundo o Mapa da Violência 2013, publicado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, entre 2001 e 2011, o índice de jovens entre 15 e 24 anos assassinados (por 100 mil habitantes) em Minas subiu de 24,2 para 44,5 – um aumento de 83,9%. Em 2002, de todos os jovens vítimas de assassinato no Estado, 36,7% eram brancos e 63%, negros. Nove anos depois, em 2011, a proporção de jovens brancos caiu para 22,8% do total, e a de jovens negros aumentou para 76,9%. Para reverter essa situação, é necessário o enfrentamento ao PRECONCEITO institucionalizado, à falta de preparo policial, à política pública centrada na repressão e à privação de DIREITOS básicos dos jovens.

“O Estado precisa levantar dados sobre estas mortes de jovens: quem os está matando? É a polícia, são os bandidos? Como se faz política pública sem este diagnóstico?” Carolina Abreu

“Com o auto de resistência, o policial diz que reagiu à resistência da vítima, e esse registro encerra as investigações. Esse procedimento tem que ser revisto do ponto de vista legal.” Geraldo Leão

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preconceito

O próximo governante de Minas precisa criar um novo paradigma de segurança pública, aponta Geraldo Leão, professor da UFMG e integrante do Observatório da Juventude. O grande desafio é romper com a cultura da discriminação, por meio da criação de novos processos de formação dos policiais e da valorização dos profissionais de segurança. Do ponto de vista jurídico, é preciso acabar com os autos de resistência, que dão ao policial o direito de afirmar que efetuou um disparo como reação à resistência do suspeito.

direitos

A violência contra a juventude é uma violação de direitos e precisa ser entendida como tal. Só assim, o próximo governador de Minas conseguirá minimizar as perdas de jovens, seja para o crime, seja para a ação policial. O diagnóstico é de Carolina Abreu, integrante do Fórum das Juventudes da Grande BH, que aponta: é preciso desmilitarizar a polícia, investir em políticas sociais para diminuir a vulnerabilidade e a desigualdade e inverter a alocação dos recursos – da repressão para a prevenção.


7 enfrentamento à violência sexual atendimento

O Estado precisa criar uma política de enfrentamento à violência sexual. O que existe hoje são programas isolados e que não chegam a todas as regiões. Segundo Cassandra França, da UFMG, é necessário que haja mais investimentos, principalmente na contratação e na formação específica de psicólogos, assistentes sociais, advogados, pediatras e professores para o atendimento às vítimas de abuso sexual.

O governo de Minas tem investido em campanhas de incentivo à denúncia de abuso sexual contra crianças e adolescentes, mas a rede de ATENDIMENTO e proteção às vítimas e o processo de RESPONSABILIZAÇÃO do agressor ainda constituem desafio crucial para o próximo governante. A professora de psicologia da UFMG Cassandra França, do Projeto Crianças e Adolescentes Vítimas de Abuso Sexual (Cavas), alerta que grande parte dos profissionais que lidam com as vítimas no Estado não tem formação adequada. Além disso, a ausência de varas específicas na Justiça pode aumentar a impunidade, avalia Rodrigo Corrêa, integrante do Fórum Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual.

responsabilização

Um dos principais desafios diz respeito à responsabilização criminal do agressor. Rodrigo Corrêa, do Fórum de Enfrentamento à Violência Sexual, destaca que os casos de abusos de crianças e adolescentes são tratados na mesma fila de outros delitos nas delegacias e varas. “O processo jurídico de uma pessoa que roubou um celular é o mesmo para quem abusou de uma criança”, diz. A morosidade acaba levando à impunidade.

“Os Creas (Centro de Referência Especializado em Assistência Social) atendem todo tipo de violência, não há uma equipe específica que vai cuidar da violência sexual. Então o profissional fica sobrecarregado com questões de convivência familiar, de atos infracionais, etc.”

“O que nós temos é uma política fragmentada e um despreparo generalizado para lidar com a realidade. Como o volume de casos denunciados aumentou demais em Minas, não temos profissionais qualificados para atender.”

Rodrigo Corrêa

Cassandra França

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VÁRIAS INFÂNCIAS

resistência “Você é quilombola?”, pergunto a cada um deles, meninos e meninas. Alguns dizem que sim com convicção e outros apenas assentem com o movimento da cabeça, mas todos respondem afirmativamente. Nenhum, porém, sabe falar o que isso significa. O desconhecimento de garotos e garotas moradores do quilombo de Mangueiras deixa claro que a definição da identidade não é fácil, nem mesmo para os próprios quilombolas.

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Fotos: Bruno Vilela

renovada Consultar o dicionário tampouco é de muita ajuda. Os verbetes ainda definem quilombo como “esconderijo no mato onde se refugiavam os escravos”, sem darem conta das mudanças sócio-históricas e dos novos significados do termo. A definição que aprendemos na escola é, segundo o adolescente quilombola Igor Maurício de Oliveira, 17 anos, “ultrapassada”. Nos dias de hoje, o que é um quilombo, então? E como vivem as crianças e os adolescentes que nele habitam?

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A legislação deixou de tratá-los como fora da lei e reconheceu aos descendentes de quilombo o direito à posse do território ocupado. Sem deixar de se adaptar ao progresso, crianças e adolescentes preservam memória e traços do modo de vida comunitário quilombola POR BÁRBARA PANSARDI “Ai, meu nariz tá coçando!”, exclama o pequenino Yuri, de apenas 4 anos. Suas mãos estão ocupadas enrolando a linha com a qual pretende empinar um papagaio que ainda não possui, impossibilitando-o de levar os dedinhos curtos à face. Seu irmão Kaique, de 6, aproxima-se e, com o indicador em riste, põe fim à sensação incômoda. A singela cena de amor fraterno, no quilombo de Mangueiras, é representativa. A vida no quilombo é comunhão – não apenas pelos laços consanguíneos que ligam os moradores ou pela proximidade geográfica que os cerca, mas principalmente pelo afeto que os conecta. São como irmãos que brigam, mas se amam, que ora discutem e ora se reconciliam, que se hostilizam e no minuto seguinte se afagam. Partilham história, herança, anseios e responsabilidades. Partilham também um território. “Para mim, quilombo é um povo que tem seu próprio lugar, pessoas juntas”, define Mareny Gonçalves Pinto, 15 anos, do quilombo Mato do Tição, em Jaboticatubas, região da Serra do Cipó. “Gente unida”, “vida em sociedade”, “trabalho em conjunto” e “todos lutando pelo mesmo objetivo” são algumas outras definições que apresentam os adolescentes da comunidade. A palavra “quilombo” e seus derivados são recentes no vocabulário local, bem como a consciência da luta social deste povo. O autorreconhecimento e a afirmação identitária de grande parte das comunidades quilombolas de Minas Gerais datam dos anos 2000. Antes de se saberem quilombolas, muitos desses homens e mulheres eram apenas mais alguns agricultores, prestadores de serviços ou meeiros, como vários outros da região, que ocupavam terras herdadas de seus antepassados. Gente humilde e de pouco poder, viviam numa relação de submissão e dependência para com os fazendeiros de áreas circunvizinhas, e não raro tiveram suas posses tomadas. Cada vez mais acuados e espremidos, não se sabiam sujeitos de direitos aptos a reivindicar o território, desconhecendo por completo a Constituição de 1988, que reconhece aos remanescentes de quilombos a propriedade definitiva das terras ocupadas (saiba mais na p. 26). 22 | Revista Rolimã • Outubro de 2014


entre a tradição e a contemporaneidade

adoção e invenção de uma nova identidade A referência do termo “quilombola” associada aos herdeiros de escravos libertos é algo muito recente e a palavra não foi adotada sem controvérsias, como ilustra Mareny, 15 anos, adolescente do Mato do Tição: “Quando eu era pequena, alguns falavam [que nós éramos quilombolas] e ficavam nos incentivando. Mas tinha gente que ficava falando que não era quilombola, não. Antigamente o povo sabia que morava aqui e tudo, mas não tinha essa noção, esse interesse”. Atualmente, é a geração de Mareny que ajuda a tecer novos significados para a ideia de quilombo. São esses meninos e meninas que se reapropriam desses sentidos e, nos seus modos de viver, conciliam tradição e contemporaneidade, fazendo do termo quilombola um símbolo renovado de resistência e valorização da cultura negra. A garota, filha da atual presidente da Associação Quilombola do Mato do Tição, acredita que não se pode deixar para trás os costumes tradicionais e a memória dos antepassados, mas isso não impede o consumo da cultura da moda, por exemplo. “Nós somos adolescentes como outros quaisquer, a mesma coisa, só que nossa cultura é diferente – e interessante também. Nem por isso a gente fica excluído. A gente faz as mesmas coisas: joga bola, brinca, se diverte, tem telefone e esses meios [de comunicação] tipo Facebook. Só que a gente também tem folia, candombe…”, cita Mareny, referindo-se às manifestações típicas do Matição (veja na p. 26). Participante de várias das oficinas de resgate da cultura local que acontecem na comunidade, ela espera um dia, assim como sua mãe, poder contribuir para trazer benefícios à coletividade: “Quero ajudar no que eu puder para que a tradição nunca morra”.

Nos fundos do terreno que pertence aos avós, Luan, de 13 anos, e Igor, de 14, estão montando uma pequena horta onde vão plantar verduras para o consumo da família. A relação com a terra vem sendo transmitida há gerações por aqueles homens esculpidos em terra, de mãos calejadas e moldadas pelo formato de suas ferramentas de lavrador. Os jovens aprendizes, contudo, têm mais habilidade com a manete do videogame que com o arado. Ainda assim, até o fim das férias de julho queriam terminar de cercar a área da horta com bambu para enfim tratar o solo e começar o plantio. Difícil, porém, é determinar-se a cumprir a tarefa quando a televisão e os jogos virtuais parecem tão chamativos. Luan é um exemplo que ilustra como a juventude quilombola concilia a conservação das tradições com o avanço tecnológico. Nas férias, o menino intercala o lazer com as pequenas tarefas domésticas para ajudar a família, como acender o fogão a lenha, cuidar das galinhas do tio e colher laranja crema (limão capeta) para o suco do almoço. Ao mesmo tempo, tem o sonho de todo menino brasileiro – ser jogador de futebol – e divide seus dias de férias entre as partidas virtuais, que exigem mais destreza dos polegares manuais que os dos pés, e a transmissão dos jogos da Copa do Mundo, que acompanhou assiduamente. Quando se sente mal, com a saúde física indisposta, Luan procura tia Divina, matriarca do quilombo, que faz a benzeção – era ela quem cuidava de todos nos tempos em que ali “não tinha médico; era Deus e santo”. Como a maioria dos moradores da comunidade, Luan acredita que a fé e o cuidado espiritual são capazes de ajudar nos males do corpo, porém não abre mão da consulta médica para se certificar de seu diagnóstico. A colega Mareny faz coro a essa opinião: “Eu acredito [na reza e na benzeção] e sempre recorro à vó Divina. Já melhora bastante, ajuda muito. Aí eu vou no médico só pra tomar alguns medicamentos. Mas com a benzeção, a fé, ajuda demais”. O quilombo do Mato do Tição, localizado a aproximadamente quatro quilômetros da sede de Jaboticatubas, região metropolitana de Belo Horizonte, parece situar-se entre dois mundos, entre o urbano e o rural, a alopatia e a religiosidade, o conhecimento agrícola tradicional e a tecnologia globalizada. Se por um lado se preserva o candombe, cujo ritmo dos tambores já é entoado pelas mãos de garotos e garotas, por outro não se está distante dos hits do funk reproduzidos em smartphones da juventude local. Da mesma forma, a navegação na internet e o acesso às redes sociais figuram entre as atividades de ócio preferidas das crianças e dos adolescentes, juntamente com os passeios a cavalo, mergulhos na cachoeira e os piqueniques nos gramados.

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Não se trata de uma paisagem urbana usual. O chão é de terra batida, com topografia bastante irregular; há mulas, cavalos, galinhas, galos e até patos, um pé de chuchu, bananeiras, cebolinha no balde, plantas de uso medicinal e ritual e um jatobá que, segundo se diz, é tão antigo quanto o próprio quilombo. Há ainda uma mina, nascente de água onde as crianças frequentemente se banham e, no interior das casas, o fogão à lenha resiste. Igor Maurício de Oliveira, 17 anos, caracteriza a comunidade como uma espécie de “refúgio” dentro da capital mineira. “Morar dentro de um quilombo é diferente porque tem mais natureza ao redor, além de ter mais espaço pra poder brincar, jogar bola”, explica o adolescente.

A folia de reis é tradicional no Quilombo do Mato do Tição

no meio do caminho tinha um quilombo Antes da especulação imobiliária, eles já estavam lá. Antes mesmo da Linha Verde, obra rodoviária que cruzou seus caminhos, ou da fundação da capital mineira, que se expandiu ao seu encontro, eles também estavam lá. Ali sempre estiveram, até onde a memória da Dona Wanda – matriarca e mais velha do quilombo – consegue alcançar. A cidade chegou até eles, e não o contrário. O quilombo de Mangueiras fica às margens da rodovia que liga Belo Horizonte a Santa Luzia. Logo na entrada, vêem-se árvores frondosas, muitas das quais se enchem de mangas entre setembro e janeiro, fator que chama a atenção dos vizinhos – seja porque os convida a colher e deliciar-se com os frutos, seja pelo verde que se contrasta com o acinzentado do asfalto e da região circundante já desmatada.

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estrangeira na terra brasilis “Que língua você fala?” – a pergunta me interpela de súbito e surpreende. “Português, ué!”, afirmo – mas a resposta não satisfaz. “Não é. Você fala diferente da gente. Em que país você mora?”. Penso no abismo (étnico, histórico, social) entre nossos mundos e sei que ele tem razão, mas tento convencê-lo do contrário: “Eu moro no Brasil, assim como você. A gente não está se comunicando?”. “Você fala porrrtuguês”, repete ele, forçando um “r” que não lhe soa natural. Entendo, então, que ele se refere ao meu sotaque e explico que nasci em São Paulo. Regionalismos e toadas diferentes à parte, acho que ele tem mesmo razão em acreditar que falamos idiomas distintos. Custo a entender o significado de uma das brincadeiras favoritas dos meninos do quilombo: dibrinha. Um pouco perplexo com minha falta de conhecimento, Thiago, 8, esclarece: “Sabe quando um jogador [de futebol] tá com a bola e passa pelo outro? Isso aí é dibrinha”. E nossas diferenças não param por aí. Quando avistam um papagaio, seus olhos são habilmente capazes de identificar a cor dele. Eu, que não vejo mais que um pontinho sobrevoando o céu, digo estar impressionada com a visão de raio-X que eles têm, e Thiago me responde: “É que a gente é criança e vê mais coisas, enxerga melhor”. A mim, resta apenas lamentar ter deixado de observar o mundo com tamanha clareza. Enxergam, até mesmo, além do que se vê. Entre eles, por exemplo, a garrafa pet vazia faz as vezes de bola de futebol ou de qualquer coisa que a

No quilombo de Mangueiras, Vivian e Kaique apostam corrida nos seus cavalos de pau

imaginação infantil seja capaz de fabular. Quando um dos garotos propõe que brinquemos de peteca e eu lhe questiono se ele tem uma em casa, ele prontamente responde: “Não, mas a gente usa a garrafa”. Montados em seus cavalos de pau fabricados com um pedaço de bambu, também os irmãos Yuri e Kaique demostram aos céticos como a imaginação os resguarda das adversidades da vida. Alguns poderiam enxergar ali dois meninos magrelos sobre varapaus, mas eles vislumbram grandes cavaleiros sobre o lombo gordo de equinos comilões. “O meu é vermelho, porque comeu muita maçã”, explica Kaique. Já Yuri, que aos 4 anos tem a ambição de um gigante, não se contenta com um só tom e elege uma aquarela para o seu. “E o meu é verde e azul e vermelho!”, diz. Uma espécie de cavalo-camaleão. O pequeno me pede uma carona e emenda o seu bambu no meu, colocando os dois entre as pernas — no seu mundo, é capaz de cavalgar dois cavalos ao mesmo tempo. Quando ameaço passadas mais rápidas, pede-me para não correr. Depois, entediado com o ritmo vagaroso, reconsidera: “Não é melhor eu dirigir?”. Desvencilhado, acelera e emite sons que forjam algumas relinchadas. “Vamos, mulinha, vamos!”, grita, e lança beijinhos para estimular o animal. Embala uma carreira e, ao final, levanta a parte de trás do bambu. “Olha, o meu dá coice!”, exclama, mostrando que seu cavalo é muito mais sagaz que o meu.

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glossário

cabeça nas nuvens Eles são fascinados por pipas, raias e papagaios, seja qual for o formato do passatempo volante. Basta avistar um no horizonte que todos apontam seus olhos arregalados em direção ao céu, acompanhando o baile do brinquedo ao sabor do vento. Passam horas a fio com o pescoço voltado para cima, os olhos vidrados no firmamento como quem assiste tevê. Contemplam as disputas de pipas torcendo por sua queda nas imediações do quilombo e, quando isso acontece, correm até onde a mata permite adentrar e esticam o máximo que podem seus braços e pernas miúdos, a fim de alcançar o item cobiçado. Como o quilombo tem muitas árvores, é comum que as rabiolas dos papagaios caídos pela região fiquem presas às copas e fora do alcance da baixa estatura das crianças. Dá dó ver tantos papagaios inacessíveis, objetos altamente desejados. Embora seja barato, o item supérfluo nem sempre cabe no orçamento. Por isso, perseguem-no como um tesouro. Para concretizar o sonho de ter seu próprio papagaio, confabulam e inventam estratégias diversas. Vale tudo para caçá-lo, desde emendar galhos de bambu e erguê-los até os troncos mais altos até emaranhar-se entre folhas e arbustos, a ponto de sair com o rosto arranhado. O sortudo que consegue concluir a busca e ostentar o prêmio em mãos é invejado pelos colegas. “É agora, é a hora!”, exclamam Wellington Júnior e Kaique sobre o novo volante que desponta no céu. Seguem cada passo até que o objeto inicie a queda e rapidamente somem, enfiando-se nos rincões. Retornam

designação antiga novos sentidos

O candombe é uma manifestação afro-brasileira marcada pelo compasso dos tambus — tambores moldados em madeira, de tamanhos e tonalidades sonoras distintas. De nomes “santana”, “requinta” e “chama” (em ordem decrescente de tamanho), os instrumentos se associam à caixa de percussão e às vozes na composição musical. Cânticos e versos improvisados abordam temas variados: amores, ocorrências do dia-a-dia ou louvores religiosos. Nesse ritual de expressão artística espiritual, a religiosidade caminha junto com o ritmo. vitoriosos. “Hoje é um dia de sorte pra gente!”, alegra-se Kaique, ostentando uma modesta pipa de sacola plástica transparente. O sorriso brilha de orelha a orelha.“Falei que uma hora ia cair um papagaio aqui!”, emenda Júnior, que propõe: “Essa noite, ele fica na sua casa, amanhã na minha, tá Kaique?”. O pequeno Yuri arregala os olhos que lhe sobressaem na face, numa mescla de surpresa e admiração, e com empolgação me diz: “Vou até emprestar minha linha pra ele”. Instaura-se um momento de partilha, que dura até a próxima contenda infantil pela posse do brinquedo. Em pouco tempo, estarão discutindo e disputando pelo prazer de ser o primeiro a “aprumar” o papagaio e lançá-lo ao céu. Compartir não é tarefa fácil. Como em uma grande família, nem sempre as opiniões são consensuais e o convívio harmonioso. Mas, em alguma medida, eles sabem que podem contar uns com os outros – seja na caça das pipas, na luta pelos seus direitos ou na oferta da mão amiga quando bate aquela coceirinha no nariz. Isso é ser quilombola.

A crítica ao regime escravista brasileiro e à herança dele decorrente, aliada aos processos de valorização da identidade negra, promoveram um ajuste de sentido ao termo quilombola, distanciando-o de seu significado histórico original de organização autônoma de escravos negros fugidos. Com uma perspectiva mais positiva, atualmente a ativação da identidade quilombola sinaliza o desejo de um determinado grupo de recuperar seu senso comunitário e de preservar sua relação com a terra. Foi a Constituição Federal de 1988 que abriu a oportunidade de se promover uma política fundiária de inclusão de grupos étnicos que não tinham seus territórios regularizados. Desde então, identificar-se como quilombo se tornou o caminho de acesso a uma política social de reparação histórica, por meio da qual

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se garante às populações remanescentes o direito à propriedade definitiva das terras tradicionalmente ocupadas. A palavra quilombola abarca uma gama diversa de modos de vida das populações tradicionais e a autoatribuição desta qualificação raramente vem sem controvérsias dentro de uma comunidade. Cada qual tem suas especificidades culturais segundo a região que habitam, a genealogia e a história local, mas o que todos os quilombos têm em comum são a ancestralidade negra, presumidamente escrava, os laços consanguíneos e a longeva ligação com uma terra de onde é retirada parte da subsistência material e por meio da qual se preservam a coletividade e a memória comunitária.


POLÍTICAS PÚBLICAS

Famílias ou políticas desestruturadas? Fotos: Bruno Vilela

Críticas à atuação das famílias na criação de crianças e adolescentes podem camuflar a ausência de políticas públicas de convivência familiar e comunitária no município POR ANDREA SOUZA

Falta de articulação entre os atores do Sistema de Garantia dos Direitos, entidades de acolhimento em condições precárias, ausência de políticas públicas adequadas, crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por longos anos. Em 2009, este era o retrato da política de convivência familiar e comunitária de Coronel Fabriciano, cidade de 108 mil habitantes, localizada na região leste de Minas Gerais. A lista de desafios identificados a partir de um levantamento de dados daquele município refletia questões a serem enfrentadas não só por aquela localidade, mas por redes da infância e da adolescência de todo o país. Por meio de um trabalho articulado, de esforços coletivos e do fortalecimento da rede de proteção social, Coronel Fabriciano tem conseguido transformar essa realidade. No entanto, muitos municípios permanecem sem efetivar as diretrizes da política de convivência familiar e comunitária. Para a diretora do Centro Internacional de Estudos e Pesquisa sobre a Infância (Ciespi), Irene Rizzini, um dos grandes desafios ainda é de natureza ideológica. “Nossos referenciais normativos têm cumprido um papel importante de mudança, mas precisamos dar um passo mais decisivo na mudança de postura e de mentalidade. Permanece a ideia de que as famílias continuam desestruturadas, incapazes, e essa percepção ainda está associada à pobreza”, diz.

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Profissionais da área da infância precisam estar preparados para lidar com diferentes arranjos familiares

Uma questão de políticas públicas Durante décadas, as famílias em situação de pobreza foram consideradas inadequadas para criar seus filhos. Enquanto crianças e adolescentes eram direcionados para os “internatos de menores”, como a antiga Febem, onde ficavam sob a guarda do Estado, as famílias permaneciam sem acesso a iniciativas ou políticas que contribuíssem para a superação de suas fragilidades. A situação começou a mudar a partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, quando a privação de liberdade passa a ser proibida para crianças e a falta ou carência de recursos deixa de ser considerada motivo para perda ou suspensão do poder familiar. Para a consultora social e doutoranda em psicologia pela PUC-Minas Fernanda Flaviana Martins, é preciso ter cautela antes de se classificar as famílias como desestruturadas, na medida em que o termo pode apenas camuflar a ausência de políticas públicas e de serviços de qualidade. “Há uma tendência a confundir negligência com pobreza, e dizer que a família está ‘desestruturada’. Muitas vezes, ela está de fato em um contexto vulnerável. Atendi várias famílias que diziam o seguinte: ‘meu filho estava com fome e eu batia nele para que ele dormisse e não sentisse fome’. Era uma estratégia de sobrevivência. Temos aí a ausência de políticas públicas para esse público, o que pode impulsionar alguma violência.” (Leia mais sobre o assunto nas páginas 32 e 38). Segundo Irene Rizzini, do Ciespi, a ideia da desestruturação das famílias é fruto da desigualdade econômica e afeta diretamente grupos já estigmatizados e discriminados historicamente por causa da cor da pele, do lugar onde nascem e crescem, entre outros fatores. “Muitas famílias precisam ficar em filas durante a noite em hospital públi-

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co, não são atendidas a tempo, não recebem a medicação devida, e permanecem sem acompanhamento médico adequado para as crianças e seus pais. Muitas têm dificuldade em manter uma alimentação adequada. Outras precisam trabalhar e não têm com quem deixar a criança durante o dia por não ter acesso à creche. Essas crianças ficam expostas a condições muito adversas”. Segundo as Orientações Técnicas dos Serviços de Acolhimento do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), antes de se definir pelo afastamento familiar, a rede de atendimento a crianças e adolescentes deve se articular para garantir a elaboração de um estudo diagnóstico capaz de avaliar os riscos aos quais a criança está submetida e as condições da família para superar aquela violação de direito. “Pensar em acolhimento familiar é pensar que várias outras políticas não estão funcionando. Onde está a geração de emprego e renda? A educação? O apoio sociofamiliar? É preciso pensar no funcionamento das políticas e porque elas não estão atendendo a essas famílias”, avalia Helen Sanches, promotora de Justiça da Infância e da Juventude em Santa Catarina. É função do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, em articulação com o conselho tutelar, o poder público municipal, o Ministério Público, o Juizado da Infância, a Defensoria Pública, e os demais atores que compõem a rede da infância e da adolescência discutir, a política municipal de convivência familiar e comunitária e identificar as principais lacunas. “Qual o problema principal da cidade? É preciso identificar essas causas, o que está motivando os abrigamentos, para que se possa desenhar essa política, definir os passos”, comenta Helen.


Diagnosticar é o primeiro passo Foi a partir da necessidade de se ampliar os serviços de acolhimento para crianças e adolescentes que a Proteção Social Especial do município de Coronel Fabriciano se lançou, em 2009, na elaboração de um levantamento de dados sobre as entidades responsáveis pelo acolhimento institucional e sobre as crianças e os adolescentes afastados do convívio familiar. “Foi elaborado um questionário bem estruturado a partir do Plano Nacional e das Orientações Técnicas. Procuramos conhecer o perfil do público em relação a faixa etária, sexo, escolaridade. Queríamos conhecer os motivos da institucionalização, o tempo que os jovens permaneciam nos serviços e as cidades de origem”, explica Patrícia Nunes, à época gerente da Proteção Social Especial da cidade, e atualmente secretária da Assistência Social do município de Timóteo, onde também é presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). De acordo com Patrícia, o município de Coronel Fabriciano vivenciava na época um momento de superlotação das instituições de acolhimento, questão que foi logo esclarecida a partir dos dados levantados. “Não estávamos dando conta da demanda e, a partir do levantamento, identificamos que mais de 50% das crianças que estavam institucionalizadas eram de outros municípios, alguns de muito longe. Percebi, diante dos vários problemas detectados, um abandono dessas crianças e adolescentes e uma falta de compromisso desses municípios”, avalia.

2 DE FAMÍLIA

A identificação desses desafios estimulou o diálogo entre os atores da rede de proteção de crianças e adolescentes e culminou na formação do Fórum de Fortalecimento da Convivência Familiar e Comunitária. “No Fórum, eram discutidas questões práticas, de atendimento, construíamos fluxos de trabalho, criávamos formulários. Era também um momento de capacitação”. Além das entidades de acolhimento, participavam do Fórum representantes do Ministério Público, do conselho tutelar, do CMDCA, de entidades de acolhimento, saúde, educação e assistência social. A partir do Fórum, a rede construiu de maneira conjunta o Termo de Compromisso Operacional da Convivência Familiar e Comunitária perante o Ministério Público. Mais do que um documento sobre os papéis e procedimentos a serem executados pelos atores envolvidos na garantia do direito de convivência famíliar e comunitário, o Termo tem como objetivo pactuar e ratificar a responsabilidade coletiva em relação às crianças e aos adolescentes do município. “Muitos casos eram encaminhados para as unidades de acolhimento, porém o Ministério Público não tinha conhecimento, não tinha termo de guarda, não tinha destituição do poder familiar. Agora estamos organizando esse fluxo, a guia de acolhimento, a avaliação da Promotoria e o parecer da equipe técnica”, avalia Júlia Restori, secretária de Assistência Social de Coronel Fabriciano.

ENTENDIMENTOS

Código de Menores (1927 - 1989) Criança e adolescente são vistos como objeto da lei

Família pobre é considerada incapaz e desqualificada para cuidar e orientar seus filhos Estado tem o papel de proteger a criança e o adolescente da família incapaz Políticas paternalistas, responsáveis pelo controle, pela contenção social e pela manutenção da desigualdade Cultura da institucionalização: “Internato de menores” em detrimento do ambiente familiar

Estatuto da Criança e do Adolescente e normativas (1990 - hoje) Criança e adolescente são reconhecidos enquanto sujeitos de direito Família é reconhecida como o lugar vital à humanização e socialização da criança e do adolescente Estado tem o papel de garantir políticas e serviços que assegurem a autonomia e o empoderamento familiar Políticas de proteção e garantia dos direitos, focadas na prevenção do rompimento familiar e no fortalecimento de vínculos Serviços de acolhimento são compreendidos como excepcionais e provisórios

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Fluxos bem amarrados As orientações sobre os fluxos e procedimentos da política de convivência familiar e comunitária estão descritas no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei federal nº 12.010, de 2009, no Plano Nacional e Estadual de Convivência Familiar e Comunitária e nas Orientações Técnicas do MDS. Mas é importante que a rede do município se reúna para discutir e pactuar o seu próprio fluxo, tendo em vista os serviços e programas disponíveis. Conforme o artigo 13 do ECA, quando há risco de violação de direito, o primeiro ator a ser acionado deve ser o conselho tutelar. É importante que os demais integrantes da rede de proteção, como o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), o Centro de Referência Especializada em Assistência Social (Creas), a escola e os equipamentos de saúde estejam atentos para identificar possíveis situações de risco e encaminhar a demanda ao conselho tutelar. “O agente comunitário de saúde é um ator muito interessante. Ele vai dentro das casas, e nesse espaço é possível identificar situações em que a criança está em risco eminente de violência. O educador também pode verificar indicadores: se a criança está mais triste, se está suja, com a mesma roupa, ou desnutrida”, orienta Fernanda Flaviana. Segundo ela, é importante não deixar a situação chegar ao limite para acionar o conselho tutelar, que pode aplicar uma medida de proteção, como inclusão em programas sociais do município, dar orientações à família ou aplicar uma advertência. É essencial que a rede também se empenhe em olhar cada caso de forma cuidadosa, respeitando sua singularidade. Em Timóteo, município mineiro com 80 mil habitantes, o conselho tutelar tem adotado uma metodologia chamada matriciamento para compreender melhor a situação das famílias atendidas pelo Cras e pelo Creas. A proposta é identificar as diversas políticas e os serviços acessados por uma família no intuito de verificar todos os fatores de proteção e os fatores de risco associados à sua realidade. “Todos os casos encaminhados pelo con-

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selho tutelar para o Cras e o Creas são avaliados e um retorno é dado numa reunião da rede de atendimento. A discussão na reunião é importante pois, às vezes, o conselho tutelar tem um dado novo sobre a família que é importante para o Cras, e vice-versa. Ali serão discutidas as possibilidades que a família tem, as estratégias a serem adotadas, e o que será construído junto com ela [para a resolução do problema]”, comenta Patrícia Nunes, secretária de Assistência Social do município. Como já dissemos, outro ator de extrema importância nesse contexto é o CMDCA, responsável por deliberar e articular a política da infância e da adolescência. Para Cláudia Cabral, diretora executiva da organização Terra dos Homens, a rede precisa compreender melhor o papel do conselho, a fim de garantir uma atuação mais eficaz e consistente desse órgão. “Muitos prefeitos ainda não entenderam que a política nasce dali e as ONGs que precisariam estar de alguma forma fortalecendo esse processo, muitas vezes confundem-se por estarem vinculadas a uma cultura assistencialista. Há uma incompreensão acerca do papel do CMDCA. Outro problema é a sua utilização como um espaço de poder pessoal”, adverte. Entre outras atribuições, é função do conselho controlar e monitorar as políticas públicas da infância e da adolescência. Para Fernanda Flaviana, ao implementar mecanismos de monitoramento, o CMDCA contribui para movimentar a rede de atendimento e convocar os atores a cumprirem seu papel. “O papel da entidade é deliberar a política, mas também monitorar, senão fica tudo muito solto. [O que foi planejado] está acontecendo de fato ou não? O prazo, por exemplo, para que a criança fique no abrigo é de, no máximo, dois anos. Ele está sendo cumprido? Dessa forma, a rede vai sendo acionada também, fazendo valer o direito que está no papel.” O município pode definir uma comissão técnica responsável pelo monitoramento ou pode definir o assunto como uma pauta fixa do CMDCA.


Soluções e estratégias É papel do município elaborar o Plano Municipal de Convivência Familiar e Comunitária, documento que tem como objetivo traçar diretrizes e estratégias capazes de fortalecer os vínculos familiares, garantir a qualidade da política e assegurar a implementação de serviços de acolhimento adequados para a realidade de cada local. O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente deve avaliar quais as melhores alternativas de serviços de prevenção ao rompimento familiar e de acolhimento a serem adotados, tendo em vista as demandas locais. Alguns municípios têm se empenhado na busca por estratégias que superem as antigas práticas de institucionalização, marcadas pelo uso excessivo do abrigamento. São Gonçalo do Sapucaí, por exemplo, município de 25 mil habitantes situado na região sudoeste de Minas Gerais, já chegou a ter uma entidade de acolhimento funcionando fora dos parâmetros das normativas da convivência familiar e comunitária, mantendo meninos e meninas por longos anos fora do convívio familiar. Hoje, o abrigo está sendo substituído por uma casa-lar regionalizada e pelo programa Família Acolhedora. Operando como um consórcio, a casa-lar será compartilhada com mais dois municípios da região, que deverão repassar um salário mínimo como forma de subsidiar o acesso das crianças ao serviço. A compra do mobiliário também será dividida entre as três prefeituras. “Durante a reunião que tivemos com o promotor e o juiz, ficou bem claro que as crianças só serão direcionados para a casa-lar quando se esgotarem em todas as possibilidades da família extensa”, comenta Ellerson Magalhães, secretário de Assistência Social de São Gonçalo do Sapucaí e presidente do CMDCA. Em Juiz de Fora, acaba de ser aprovada a Lei Municipal da Família Extensa, que busca priorizar a colocação de crianças e adolescentes na casa de parentes, como tios e avós. O programa é uma das ações previstas no Plano Lugar de Criança é na Família, elaborado pelo município

com o objetivo de implementar estratégias de manutenção dos laços familiares e romper com a cultura de institucionalização. O programa implementado em parceria com a Vara da Infância e da Adolescência será responsável por garantir às famílias extensas um subsídio financeiro de modo a contribuir com os custeios ocasionados pela chegada de uma ou mais crianças ou adolescentes. Para o secretário de Desenvolvimento Social de Juiz de Fora, Flávio Checker, o programa constitui-se como um aperfeiçoamento da Família Acolhedora na medida em que busca aproximar meninos e meninas de pessoas com as quais já possuem afinidade consanguínea e familiar. “A família extensa está mais próxima do seio familiar de origem do que as casas de acolhimento. O programa quer então incentivar as pessoas e os familiares a participarem disso. A vivência da criança e do adolescente em um contexto de maior afeto, de maior segurança familiar, marca uma vida inteira”, comenta. É importante que as ações de prevenção também estejam previstas no Plano Municipal de Convivência Familiar e Comunitária, na medida em que a prevenção é uma estratégia mais barata e eficaz na busca pela garantia desse direito. “Se o poder público começar a perceber que é preciso trabalhar, sobretudo, com a faixa etária de 0 a 6 anos, e fortalecer essa criança, com certeza o município terá um futuro melhor. A prevenção pode ser trabalhada desde a maternidade, da barriga da mãe mesmo. Se você tem um ambiente facilitador e fortalece esse vínculo certamente será muito mais tranquilo”, comenta Fernanda Flaviana. Para isso, é importante que as famílias sejam assistidas pelas políticas públicas de forma integral e qualificada. “A prevenção é ter numa comunidade um bom posto de saúde da família, integrado com escola suficiente para todo mundo, integrado com um Cras eficiente. Tudo isso para um número determinado de habitantes. Todos esses aspectos já estão desenhados na política [Nacional de Convivência Familiar e Comunitária]”, comenta Cláudia Cabral, da Terra dos Homens.

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Intervenções de Ronei Sampaio sobre fotografias de Bruno Vilela

Vinte e quatro anos após a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente, a violência ainda habita os lares brasileiros e deixa marcas profundas na pele e na dignidade de meninos e meninas POR JESSICA SOARES

Depois de quase quatro anos em discussão, entrou em vigor no dia 27 de junho de 2014 a Lei Federal nº 13.010, chamada Lei Menino Bernardo. Conhecida anteriormente, de forma pejorativa, como “Lei da Palmada”, ela proíbe o emprego de castigo físico e de tratamento cruel ou degradante contra meninos e meninas. O documento altera o texto do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), coibindo qualquer ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física que resulte em sofrimento físico ou lesão. Proíbe, também, condutas que humilhem, ameacem gravemente ou ridicularizem meninos e meninas. A violação dos direitos não se limita aos abusos que deixam marcas na pele. Pelo estabelecimento do medo e da submissão, toda violência física está carregada de violência psicológica e seus efeitos no desenvolvimento podem ser muitos – dificuldades no aprendizado, incapacidade de construção de relações interpessoais, comportamentos negativos, baixa autoestima e humor depressivo são exemplos citados em “A (in)visibilidade da violência psicológica na infância e adolescência no contexto familiar,” artigo escrito por Cecy Dunshee de Abranches e Simone Gonçalves de Assis, da Fundação Oswaldo Cruz. Bernardo Boldrini, garoto de 11 anos cujo nome rebatizou a lei que altera o ECA, foi encontrado morto no último mês de abril e seu pai e sua madrasta são os principais suspeitos do assassinato. Pouco tempo antes, Bernardo havia procurado ajuda no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Três Passos (RS), onde relatou os xingamentos e o abandono afetivo que vivenciava.

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Em 2013, o serviço Disque 100 – Disque Denúncia da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – registrou 124 mil relatos de violência física, psicológica e sexual contra crianças e adolescentes. O número elevado, no entanto, ainda está em descompasso com a dimensão do problema: dados de 2009 da Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância indicam que, anualmente, 12% dos 55,6 milhões de crianças menores de 14 anos sofrem alguma forma de violência doméstica no Brasil. Diariamente, estima-se que 18 mil meninos e meninas sejam vítimas de abusos no lar. A diferença entre os números lança luz sobre as violações caladas entre quatro paredes. “É uma questão histórica. Vivemos um processo de colonização marcado pela escravidão e pela submissão dos povos originários. Na nossa história, a disciplina e o poder foram impostos a partir da força física”, afirma Márcia Oliveira, coordenadora da campanha Não Bata, Eduque!, iniciativa da Rede de mesmo nome que tem como objetivo desenvolver ações que promovam reflexão sobre o uso dos castigos físicos e humilhantes. Em sua avaliação, o maior desafio da Rede hoje é construir o entendimento de que esses abusos são uma violação de direitos. “Como a violência faz parte do processo de criação, passado de geração em geração, as pessoas tendem a achar natural. Você reproduz o que conhece e viveu. Falta esclarecer que disciplina e limites não são sinônimos de castigo físico”, completa. Pelo menos um em cada cinco brasileiros sofreu punições físicas regulares na infância, segundo pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP). Ao todo, 70% dos 4.025 entrevistados declararam ter apanhado quando crianças. Os resultados, divulgados em 2012 como parte da Pesquisa Nacional, por Amostragem Domiciliar, sobre Atitudes, Normas Culturais e Valores em Relação à Violação de Direitos Humanos e Violência, apontaram que, para 20% dos entrevistados, o castigo era recorrente e ocorria ao menos uma vez por semana. Para o integrante do NEV, Renato Alves, atitudes abusivas não estão presentes apenas na maneira como tratamos as crianças – são também uma expressão da maneira como lidamos com a violência do nosso cotidiano. “Nós temos, por exemplo, a polícia no Brasil, que usa a agressão como elemento cotidiano para regular a ordem. Como falar com um pai para não bater no filho, se o Estado faz isso com os cidadãos e é considerado ‘legítimo’?”, argumenta. Apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente ter sido instituído em 1990, meninos e meninas nem sempre são vistos como sujeitos com direitos civis, humanos e sociais que devem ser tratados como prioridade absoluta. “Desde que começou a discussão sobre a proibição

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de castigos físicos contra crianças [suscitada pelo PL nº 7672/2010] foi uma comoção nacional. O que mais se escutava era ‘puxa, nós vamos ter fiscais aqui em casa agora’. Na realidade, o que se discute não é o Estado interferir na vida privada ou na educação dos filhos. A questão é que os filhos não são propriedades dos pais”, afirma a psicóloga judicial e coordenadora técnica da Vara Cível da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, Rosilene Barroso da Cruz. Além de ocorrerem em ambientes que deveriam ser de acolhimento e proteção, na maior parte dos casos de violência doméstica denunciados, os violadores são justamente aqueles que têm o dever de proteger e cuidar de meninos e meninas. Um levantamento baseado em informações de 83% dos conselhos tutelares de todo o país revelou que pais e mães são responsáveis por metade dos casos de violações aos direitos de crianças e adolescentes. Os números do Sistema de Informação para Infância e Adolescência (Sipia) do governo federal indicam que, dos 229.508 casos registrados desde 2004, em 119.002 os autores foram os próprios pais (45.610) e mães (73.392). Por ser um espaço de interlocução com a família, a escola pode ter papel importante, não só para a promoção de mudanças nos hábitos familiares, mas também para o rompimento do silêncio. Pelo contato próximo e diário com as crianças, os educadores podem ficar atentos aos sinais de que há problemas no lar – mudanças de comportamento, presença de marcas no corpo ou faltas sem justificativa, por exemplo.

CUIDADOS E AFETOS NEGLIGENCIADOS Desde 2011, denúncias de negligência recebidas anualmente pelo Disque 100 ultrapassam o número de delações de violência física e psicológica. Em 2013, o serviço recebeu mais de 90 mil ligações sobre o tema, a maioria delas relacionadas à falta de amparo [veja mais no infográfico das p. 36 e 37]. Embora raramente denunciado, o descuido pode também se manifestar no enfraquecimento dos laços afetivos. “Costuma-se dizer que uma criança, quando está fazendo muita bagunça, está querendo chamar atenção. Mas do que é que a criança precisa? De atenção”, afirma o pesquisador do NEV, Renato Alves. Para o cientista social, a violência física contra a criança é só a ponta do iceberg de uma série de violações às quais a criança está submetida. “Fazer o exercício cotidiano de encarar a criança como sujeito de direitos implica também ter tempo para a criança – tempo que, em nosso contexto social, é cada vez menor. E aí eu pergunto: isso também não é violento?”, questiona. Para Márcia Oliveira, esse contexto pode estar ligado ao não reconhecimento, por parte do adulto, da responsabilidade que tem com relação ao desenvolvimento da criança e do adolescente. Destaca ainda que a responsabilidade nem sempre é vista de forma equitativa entre os gêneros. Para a coordenadora da Rede Não Bata, Eduque!, a cultura de

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Onde mora a violência As violações que acontecem no cotidiano das relações familiares podem ser chamadas de violência doméstica ou intrafamiliar. Enquanto o primeiro termo se refere ao espaço em que ocorre a violação – podendo incluir outros membros do convívio do lar – a violência intrafamiliar se refere aos abusos ocorridos entre membros da família, tanto no ambiente doméstico quanto público. No Brasil, a maior parte da violência doméstica é também intrafamiliar – pais, mães, membros da família ou responsáveis são os principais agressores.


para dar voz DE OLHO NO MUNDO | A animação De olho no mundo, realizada pela rede Não Bata, Eduque! em parceria com o Instituto Noos, foi criada a partir de um roteiro pensado por meninas e meninos. No vídeo, os pequenos apresentam alternativas ao uso de castigos físicos, reconhecem a importância de regras e limites e contribuem para a solução pacífica de conflitos. Acesse para assistir: youtu.be/8t3_KozNr20 RODAS DE CONVERSA | O livro Rodas de Diálogo sobre Educação Positiva, elaborado pela rede Não Bata, Eduque!, reúne experiências de promoção de diálogo entre crianças, adolescentes e adultos para o enfrentamento aos castigos corporais e ao tratamento degradante. A publicação apresenta a metodologia usada e incentiva organizações a replicarem o método. Para ler, acesse: bit.ly/1Aza3hO COM A PALAVRA, OS PEQUENOS | A história de Lucas, protagonista do livro Vento no Rosto, foi criada por 12 meninas e meninos da comunidade da Maré (RJ). Por meio do personagem, eles imaginam uma educação sem violência e refletem sobre questões como obediência, punição e deveres. O projeto foi desenvolvido pelo Instituto Promundo com financiamento da organização internacional Save the Children.

responsabilizar prioritariamente a mãe pela negligência precisa ser problematizada no trabalho realizado junto às famílias e à sociedade. Em pesquisa realizada pelo Instituto Promundo – organização brasileira que busca promover masculinidades não violentas e relações de gênero equitativas –, apenas 39% dos homens entrevistados afirmaram participar do cuidado diário dos filhos. Na percepção das mulheres ouvidas, esse número é ainda menor: mães reportaram participação dos pais em apenas 10% dos casos. Com o objetivo de incentivar a presença masculina na criação, o Promundo lançou em 2012 a campanha Você é meu pai (voceemeupai.com). A iniciativa parte do entendimento de que a participação masculina em tarefas de cuidado e na paternidade são decisivas para a redução da violência contra mulheres e o empoderamento delas no mercado de trabalho e também para a formação de crianças com atitudes equitativas no futuro.

Para Ariel de Castro Alves, fundador da Comissão Especial da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ex-Conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), faltam mecanismos legais para a punição efetiva de casos de descuido. “Não há uma tipificação penal da negligência, nem no ECA, nem no Código Penal. Dessa forma, ninguém pode ser punido [por atos de negligência], exceto se a situação se configurar como maus-tratos ou abandono de incapazes, crimes elencados na legislação penal”, explica. As denúncias de descuidos são encaminhadas aos conselhos tutelares, que devem investigar a veracidade da delação e garantir o cumprimento dos direitos da criança e do adolescente por meio de atendimento e aconselhamento de pais ou responsáveis e da aplicação das medidas previstas no artigo 129 do ECA.

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descaminhos da responsabilização A obrigação de garantir que crianças e adolescentes cresçam em ambiente livre de violência não é apenas dos pais. Está no artigo 4‘ do ECA: é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar a efetivação dos direitos de meninos e meninas. O artigo 13 do Estatuto institui ainda a obrigatoriedade de denunciar suspeitas de casos de violência doméstica. No entanto, a subnotificação de casos no Brasil é um dos grandes obstáculos para a responsabilização do agressor. É o que a psicóloga judicial Rosilene Barroso da Cruz aponta na tese Violência doméstica contra crianças e adolescentes: os (des)caminhos entre a denúncia e a proteção. “A situação de subnotificação dos casos de violência contra crianças e adolescentes costuma estar associada não apenas a fatores internos da dinâmica familiar, mas a fatores externos, como pouca divulgação das formas e dos órgãos responsáveis por receber as denúncias e falta de informações sobre o desfecho dos casos denunciados”, avalia. Se o silêncio não é rompido, permanece a invisibilidade, o que faz com que crianças e adolescentes sejam vitimizados diversas vezes. Por meio de denúncias, a rede de atenção à infância e os atores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente são acionados, contribuindo para tornar visíveis as violações de direitos. A partir da verificação e da comprovação de suspeitas delatadas, o conselho tutelar pode adotar medidas para acompanhamento e orientação de familiares e requisitar serviços públicos para a proteção de meninos e meninas. O conselho é também responsável por encaminhar ao Ministério Público e às autoridades judiciárias os casos em que haja infrações penais ou administrativas. Por se tratar de violências que nem sempre deixam marcas na pele e que acontecem dentro do lar, a comprovação das denúncias também é um desafio. “Geralmente fica a palavra da vítima contra a do acusado. Dificilmente [casos de violência doméstica] têm testemunhas, já que são crimes ocorridos em ambiente privado, intrafamiliar. Além disso, os órgãos que deveriam verificar têm pouca estrutura, como as delegacias especializadas da criança e do adolescente [apenas 6,3% do total das 1.347 varas da infância e da juventude existentes no país têm competência exclusiva para julgar matérias sobre a infância e a adolescência] e os conselhos tutelares, que também não contam com as mínimas condições de trabalho e falta capacitação”, afirma Ariel de Castro Alves.

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a violência doméstica em números 124 mil denúncias de violação contra crianças e adolescentes foram registradas pelo Disque Direitos Humanos (Disque 100) em 2013. O número corresponde a 67,85% do total de ligações recebidas.

339,94 é o número diário de denúncias de violência contra meninos e meninas*.

70%

dos brasileiros apanharam quando crianças**. Passada de geração em geração, a violência ainda é parte de nossa cultura.

1 em cada 5 brasileiros sofreu punições físicas regulares na infância***.

0800 031 11 19 é o número do Disque Direitos Humanos estadual. O serviço é gratuito e sigiloso e as denúncias podem ser feitas de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h.

* Dados estatísticos do Disque Direitos Humanos – Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. ** Dados da Pesquisa Nacional, por Amostragem Domiciliar, sobre Atitudes, Normas Culturais e Valores em Relação à Violação de Direitos Humanos e Violência, realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP *** Dados do Disque Direitos Humanos vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Social e Esportes de Minas Gerais


Denúncias de violações contra crianças e adolescentes 2011

2012

perfil das vítimas em 2013 (em %) sexo

2013

8.2139

130.033

124.079

85,14% do total de denúncias

77,08% do total de denúncias

67,85% do total de denúncias

Masculino

2011

2012

2013

5.694

9.548

9.566

38,49

Feminino

47,63

Não informado

13,87

tipo de violência mais denunciada NEGLIGÊNCIA PSICOLÓGICA FÍSICA SEXUAL

faixa etária 73,4% 50,4% 42,6% 25,7%

0,2 Recém-nascido 0,83 Nascituro

14,33

0 a 3 anos

18,41 20,08 19,68

4 a 7 anos 8 a 11 anos 12 a 14 anos

14,8 11,67

15 a 17 anos Não informado 0

PERFIL DA NEGLIGÊNCIA DENUNCIADA Falta de amparo Negligência em fornecer alimentação Falta de limpeza e higiene Falha em fornecer medicamentos ou assistência à saúde Abandono

15

20

25

35,67

Mãe Pai

37,25%

mais de 90 mil

31,75%

ligações com relatos de descuidos foram registradas em 2013

10,4%

10

relação entre suspeito e vítima

89,7%

16,5%

5

Não informado Desconhecido(a) Padrasto Tio(a) Avó Vizinho(a) Diretor(a) de escola Irmão(ã) Madrasta Outros

17,77 11,34 9,63 4,83 3,49 3,30 2,43 1,63 1,60 1,13 7,19

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OPINIÃO

Violência de gênero na infância e na adolescência Lei Maria da Penha e a violência doméstica contra meninas e jovens mulheres POR FABIANA LEITE Advogada, é especialista em violência intrafamiliar pela USP. Coordena o programa Proteger é Preciso, da Oficina de Imagens, e é facilitadora de grupos reflexivos para homens autores de violência contra mulheres no Instituto Albam

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Sancionada em 2006, a Lei Maria da Penha representa um marco na luta contra a violência de gênero, impondo desafios às instituições públicas e privadas para que se institua uma ampla e eficiente rede de enfrentamento à violência contra a mulher. A Lei Maria da Penha representa um inquestionável avanço para a garantia de direitos humanos das mulheres e para a luta contra a violência doméstica no Brasil – com impacto direto na vida de crianças e adolescentes. Essa conquista reporta a um longo processo histórico de luta mundial dos movimentos feministas para estabelecer o enfrentamento a este tipo de violência nos campos do sistema de Justiça e das políticas públicas. A Lei Maria da Penha constitui um dispositivo legal sistêmico com desdobramento em várias áreas do direito e, principalmente, estabelece o compartilhamento de responsabilidades entre diferentes atores públicos para o enfrentamento da violência. Ao se firmar como uma legislação específica destinada ao fenômeno da “violência doméstica contra a mulher”, a Lei federal nº 11.340, de 2006, não apenas se constrói a partir de uma perspectiva que observa esse crime de modo mais integral e complexo, mas também propõe um conjunto de ações que sai do âmbito estritamente penal e constitui uma política afirmativa e sistêmica de enfrentamento a esta modalidade de violência. Destaco aqui o trabalho com homens autores de violência doméstica e familiar contra a mulher, uma inovação proposta na Lei Maria da Penha como um dos mecanismos de enfrentamento à violência contra a mulher. Com caráter educativo, esse trabalho, destinado aos homens envolvidos em processos judiciais, já tem sido implementado em muitas comarcas espalhadas pelo Brasil como ferramenta para promoção da proteção à mulher. Com a previsão legal, tal possibilidade de intervenção se fortalece, podendo ser desenvolvida a partir de metodologias que consistem na formação de grupos reflexivos com os homens, na perspectiva de políticas públicas estruturadas com base em experiências desenvolvidas em outros países, mostrando-se como prática promissora para o enfrentamento da violência contra a mulher.


Ilustração: Ronei Sampaio

Crianças e adolescentes como vítimas Se queremos entender o fenômeno da violência de maneira mais ampla, não podemos nos basear somente no prisma da mortalidade – que atinge majoritariamente os homens. Quando se analisa a violência não letal, os dados da saúde comprovam que há predomínio das mulheres no grupo com maior risco à violência de gênero. Outra questão fundamental é que a violência contra a mulher, na maioria dos casos, por se configurar também como violência doméstica, não atinge somente as mulheres, mas se estende a toda a família, principalmente aos filhos. Portanto, quando falamos de violência doméstica, na maioria das vezes, estamos nos reportando, além da violação aos direitos humanos de mulheres, aos direitos de crianças e adolescentes de não serem expostos a qual-

quer forma de violência, segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, em seu artigo 19. Vários estudos comprovam que a exposição à violência doméstica gera, nas crianças e nos adolescentes, impactos significativos que prejudicam o desenvolvimento saudável, abalando o sentimento de segurança, a capacidade de aprendizado, o seu sentimento de pertencimento familiar e os referenciais comunitários, podendo deixar cicatrizes que marcarão toda a sua trajetória de vida. Aqui, estamos ainda nos referindo a situações em que crianças e adolescentes testemunham a violência, não são as vítimas diretas do ato. Porém, é preciso considerar que a violência doméstica e de gênero não é sofrida pelas mulheres somente na fase adulta.

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Mulheres adolescentes e jovens A violência contra a mulher é um fenômeno com raízes profundas, que atinge todos os grupos sociais, instituições e faixas etárias, de forma multifacetada. As mulheres adolescentes e jovens são igualmente ou mais expostas às violências de gênero do que as mulheres mais velhas, porque estão num contexto de maior vulnerabilidade, considerando a baixa idade, a dependência econômica, a restrição dos mecanismos de proteção e o poder instituído na representação simbólica masculina. Esta violência sofrida pelas mulheres na juventude, adolescência e mesmo na infância permanece invisível por dois motivos: por ser uma violência de gênero e por ocorrer, na maioria dos casos, em ambiente familiar pela ação de pais, padrastos, tios, parceiros. Trata-se de uma violência ainda naturalizada e mascarada pelas relações intrafamiliares. Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo destacou que 45% das mulheres brasileiras declararam ter sofrido alguma forma de violência, sendo que o abuso sexual está mais presente entre meninas e jovens com menos de 18 anos. O Ministério da Justiça registra cerca de 50 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes por ano. Já o relatório nacional da Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil retrata as mulheres afrodescendentes com idades entre 15 e 25 anos como principais vítimas. Apesar dos avanços legais na proteção dos direitos, há muito a se avançar para que rompamos com as opressões machista e geracional que se perpetuam até o presente em violências de gênero sofridas pelas mulheres desde muito jovens. Esta opressão continua sujeitando muitas crianças e jovens mulheres a violações de diversos tipos. Em trabalho direto com jovens em oficinas educativas sobre sexualidade, é comum aparecerem relatos das meninas de violações tidas como “naturais”. Em muitos casos, a menina se sente responsável ou é responsabilizada pela violência que sofre, tornando-se alvo de piadas, preconceitos e discriminação na escola, no bairro ou na família. Adolescentes apanham dos seus namorados por motivo de ciúme, são obrigadas a ter relações sexuais ou são pressionadas a transar sem preservativo como prova de amor – não por acaso a Aids se alastrou atingindo hoje um número maior de mulheres do que de homens e está muito presente na população jovem. Meninas de 12 anos

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são sequestradas e obrigadas a viver com homens do tráfico, que ameaçam toda a família caso façam denúncia. Casos de abuso sexual por parte de pais, tios, padrastos, irmãos, primos, são relatados entre sussurros temerosos e de forma resignada pelas adolescentes. No ambiente familiar, configura-se como violência, negligência ou abandono: a adolescente ser obrigada, pela família, a fazer aborto; ser submetida a maus-tratos e espancamentos; ser impedida de ter qualquer tipo de convivência comunitária, mantida presa dentro de casa; ser expulsa de casa por ter perdido a virgindade; ser proibida de estudar para trabalhar ou tomar conta da casa e dos irmãos. A violência institucional também é bastante comum e pode aparecer como maus-tratos ou abuso sexual por parte de médicos, professores, técnicos e outros profissionais. No trabalho direto com meninas e meninos a partir do programa Proteger é Preciso, é possível constatar o quanto o “machismo” ainda está presente e se traduz não somente na violência física, mas ainda como elemento simbólico instaurado na subjetividade e disseminado de geração a geração. Esse contato direto com jovens nem sempre nos indica que os direitos conquistados a partir de lutas históricas das mulheres estão sendo garantidos e protagonizados pelas crianças e pelos adolescentes.

Proteger é preciso O Proteger é Preciso (PEP) é um programa coordenado pela Oficina de Imagens que busca o fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente para o enfrentamento ao abuso e à exploração sexual e que desenvolve oficinas educativas com adolescentes, com a temática da prevenção às violências sexuais. Realizado em parceria e com o financiamento da Vale, o PEP tem ações nos municípios de Ouro Preto, Mariana, Barão de Cocais, Itabirito e Nova Lima.


Ciclo perverso Contratada como formadora pela Escola de Conselhos do governo do Estado de Minas Gerais durante o ano de 2013, tive a oportunidade de viajar para várias regiões do estado, capacitando conselheiros tutelares e conselheiros municipais dos direitos da criança e do adolescente. Foi possível constatar que, em grande parte dos municípios, os temas abuso e exploração sexual são tratados a partir de entendimentos de senso comum. Em muitos casos a denúncia não chega a qualquer tipo de responsabilização dos agressores, devido ao sentimento de impotência e à falta de recursos e de qualificação dos profissionais. Aí escutamos os mais diversos argumentos: a transferência da responsabilidade para as meninas – por terem “provocado”, por usarem roupas curtas, por “não se darem o respeito”; a responsabilização das mães – é comum o relato sobre a conivência de mães, porém, esse argumento não pode servir de barreira à denuncia e à responsabilização dos responsáveis e mesmo da mãe, se for constatada a negligência e a conivência... Porém, por várias vezes, a investigação revela que a mãe também foi ou é vítima do mesmo tipo de violência, pelo mesmo homem que abusou sexualmente da criança ou da adolescente – o que deve exigir dos profissionais o encaminhamento adequado do caso, para que, a partir da denúncia, haja responsabilização do agressor e atendimento às vítimas. É comum também encontrarmos nos municípios a inexistência de fluxos adequados de atendimento pela rede de proteção da infância, além da inexistência ou do desconhecimento de canais de denúncia. É cruel constatar que apesar de todos os avanços no sentido da garantia dos direitos da infância, ainda encontramos milhares de crianças e adolescentes subjugados a relações familiares em que predomina um poder geracional e de gênero que só serve para mascarar e reforçar comportamentos de violência de homens que

submetem a seus desígnios mulheres da sua convivência, protegidos por um “pacto de silêncio” que ainda predomina, servindo à perpetuação das violações.

Propondo soluções Para mudar essa realidade, é preciso fortalecer as políticas públicas intersetoriais que atuam no campo dos direitos das crianças e dos adolescentes e no campo dos direitos das mulheres. Além disso, é necessário promover processos educativos e formativos para os profissionais dessas áreas, preparando-os para suas responsabilidades e estabelecendo fluxos adequados de atendimento e denúncia. Outra ação importante é educar crianças e adolescentes quanto aos seus direitos e canais de denúncia. É preciso criar redes municipais e estaduais de enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes – como já prevê o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, de 2013 –, capacitando os profissionais que atuam no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente para que entendam o fenômeno e saibam exatamente o que fazer e quais instituições acionar ao atenderem uma pessoa que sofreu tais violações. É preciso garantir que as mulheres, desde a infância, tenham o seu percurso respeitado. É preciso romper com o silêncio que oprime, mascara e perpetua gerações de mulheres subjugadas. É preciso garantir a integridade física e a autonomia da mulher no exercício da sexualidade e da liberdade. Avançamos muito até aqui na luta, na afirmação e na garantia dos direitos das mulheres. Avançaremos mais, até que vençamos, definitivamente, a opressão de gênero que infelizmente ainda violenta e mata mulheres em todos os continentes do mundo. Um salve às mulheres e crianças palestinas!

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DIREITOS FUNDAMENTAIS

Resolução do Conanda declara comerciais com elementos infantis como abusivos e reacende polêmica sobre os limites da publicidade POR LARISSA VELOSO

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Ilustração: Ronei Sampaio

No intervalo entre um desenho e outro na TV, os vídeos começam de forma divertida. Meninos e meninas manipulam brinquedos que parecem ser a sensação do momento. Enquanto as garotas, encantadas, penteiam os cabelos da mais nova boneca, que também tem um carro e uma casa cor-de-rosa, os brinquedos dos garotos se transformam de carros em super-heróis e vice-versa. Ao fundo, uma música empolgante torna a brincadeira ainda mais mágica. Tudo dura poucos minutos, mas, ao fim do comercial, as crianças já estão fisgadas. Quem nunca viu, na TV, uma propaganda como a descrita acima? E qual pai ou mãe já não teve que explicar a uma criança chorosa que ele não podia comprar determinado brinquedo, enquanto no dia seguinte o comercial voltava a mostrar o quão interessante aquele carrinho ou boneca é? Foi pensando nessa situação que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) publicou, em março deste ano, a

Resolução nº 163, que considera abusivos determinados tipos de propaganda voltados para esse público. O objetivo da resolução não é apenas estabelecer uma crítica à publicidade dirigida à criança. Ao usar o termo “abusivo”, o órgão pretende que os comerciais em questão sejam tirados de circulação, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor estabelece, no artigo 37, que “é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva”. Dessa forma, pais ou organizações poderiam, de acordo com o Conanda, entrar na Justiça pedindo a retirada desses materiais de circulação. A medida vale para praticamente todos os meios de veiculação, seja televisão, rádio, anúncios impressos, banners, internet ou embalagens de produtos, além de ações por meio de shows e apresentações. Desde a publicação da resolução, um intenso debate se estabeleceu envolvendo publicitários, pais, defensores dos direitos da infância, produtores de materiais infantis e veículos de comunicação.

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O Ã Ç ATEN IAL C E P ES Apesar do rigor em relação aos comerciais, o Conanda frisa que a resolução não proíbe nenhum tipo de propaganda. “Não há a palavra ‘proibido’ na resolução. A ideia é regular o que é abusivo no que diz respeito ao marketing”, explica a presidente do órgão, Miriam Maria José dos Santos. A ideia, explica ela, é estabelecer um novo paradigma sobre a relação entre crianças e adolescentes e a indústria da publicidade. De acordo com o Instituto Alana – um dos parceiros do Conanda na articulação da nova resolução –, as crianças, em especial, não podem ser tratadas da mesma maneira que os adultos no que diz respeito à relação com o consumo. “Esses meninos e meninas são pessoas em fase de desenvolvimento, e merecem especial atenção, do ponto de vista da formação psicológica. E a publicidade direcionada a eles viola alguns direitos, como o de liberdade de escolha. As crianças são consideradas por nós como seres hipervulneráveis na relação de consumo, porque não conseguem se defender sozinhas desse conteúdo”, afirma a advogada do Instituto Alana, Ekaterine Karageorgiadis.

O Instituto Alana realiza campanhas de consumo consciente com crianças e adolescentes

E o que poderia acontecer com quem, apesar de não ter ainda muita malícia para entender o caráter comercial da propaganda, é exposto a essas mensagens durante várias horas por dia? Algumas das consequências apontadas por representantes do Conanda e do Alana e por especialistas em comportamento infantil são o consumismo e a erotização precoces. “Acho que existe sim a questão da sexualidade, uma tendência de deixar a criança mais precoce do que ela é”, afirma a neuropsicóloga e doutora em psicologia escolar pela USP, Edyleine Benczik. A alimentação de quem está em fase de desenvolvimento é outra preocupação. Propagandas ou o uso de personagens infantis na embalagem de alimentos gordurosos ou com excesso de açúcares têm sido apontados como um dos fatores que podem contribuir para a obesidade infantil. Tanto que, em Florianópolis, a Câmara dos Vereadores aprovou uma lei que proíbe a venda casada de brinquedos e lanches gordurosos, como o McLanche Feliz, do McDonald’s. Em Belo Horizonte, um projeto semelhante chegou a ser aprovado, mas foi vetado pelo prefeito Márcio Lacerda (PSB). No Senado, há pelo menos três projetos de lei que tratam sobre o tema, proibindo a distribuição de brindes na comercialização de alimentos, inclusive para adultos.

Agência Brasil

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Controle dos pais ou pais no controle? Mas e em relação à comercialização de brinquedos? É indiscutível o fato de que o filão infantil constitui uma grande fonte de renda para muitas empresas. De acordo com dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), em 2012 o setor faturou R$ 3,87 bilhões. Qual é o personagem de quadrinhos ou de desenhos animados que não possui sua própria linha de produtos? Muitos pais, inclusive, contratam empresas para elaborar festas temáticas de aniversário, com a decoração do super-herói favorito do filho. Isso além de comprar cadernos, mochilas, fantasias e até alimentos com os personagens. Afinal, tendo dinheiro, que pai não quer agradar o seu filho, principalmente se a criança resolver fazer uma cena no meio do supermercado? Essa é uma das questões centrais da Resolução nº 163. Quem decide o que deve ser consumido pela família, os pais ou as crianças? Se quem detém o poder de compra são os adultos, porque não fazer a publicidade voltada para eles? “É o adulto que tem discernimento para dizer o que precisa, o que tem que comprar. A criança não tem esse discernimento, tudo o que ela vê, ela quer”, afirma Miriam, do Conanda. Na visão do Conselho, a publicidade de produtos destinados às crianças deveria ser direcionada exclusivamente aos pais. Mas a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) argumenta que não é possível simplesmente desconsiderar o público infantil. “Imaginar que crianças abaixo dos 12 anos não sabem ou não têm condições de se manifestar a respeito de seus desejos pessoais é um contrassenso. A criança está em fase de desenvolvimento e sabe, pode e deve se

OS

9 PONTOS

expressar. Além disso, a orientação das crianças começa em casa e é de fundamental importância que os pais e responsáveis as orientem quanto ao que pode ou que não pode”, afirma o consultor jurídico da Abap, Paulo Gomes de Oliveira Filho. Se alguns acreditam que cabe aos adultos estabelecer os limites do consumo, outros argumentam que é difícil para os pais ficarem do lado oposto à enxurrada de propagandas às quais as crianças estão expostas. “A criança assiste desenho na televisão por pelo menos quatro horas durante o dia. E isso é desigual em relação ao tempo em que as famílias ficam com elas e ao tempo de educação. Além disso, essa formação educativa ainda é algo muito restrito em termos de classes sociais. Muitas pessoas estão sujeitas à formação educacional a partir de um único veículo, a TV. Não é como em classes mais ricas, nas quais a criança tem acesso ao livro, ao cinema, à escola de qualidade”, argumenta o doutor e especialista em psicologia educacional Herculano Campos, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O raciocínio de Herculano suscita uma outra questão: é possível “blindar” as crianças dos apelos do consumo? Edyleine Benczik acredita que não. “Os estímulos vão chegar. Mesmo que os meninos não vejam televisão. Se a família vai ao supermercado, os filhos veem o brinquedo mais caro, o amigo vai ter um brinquedo mais legal e vai querer mostrar. Ao longo do tempo as crianças vão ter que lidar com a frustração, é uma questão real. Eu entendo que isso é uma questão dos valores da família”, afirma a professora da USP.

De acordo com o artigo segundo da Resolução nº 163 do Conanda, são abusivos os materiais publicitários voltados para as crianças que utilizarem:

1

Linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

6

Desenho animado ou de animação;

2

Trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;

7

Bonecos ou similares;

3

Representação de criança;

8

4

Pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;

Promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil;

5

Personagens ou apresentadores infantis;

9

Promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil;

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CAMINHO DO MEIO

Se a publicidade e os personagens de desenho têm tanta influência no mundo infantil, seria possível torná-los aliados dos pais? E se esses elementos publicitários fossem usados para que as crianças consumissem alimentos mais saudáveis, pensassem sobre a conservação do meio ambiente ou desafiassem preconceitos arraigados? Uma das críticas à Resolução nº 163 é a de que, ao ser tão abrangente, a norma minaria também as boas iniciativas. Um desses pontos foi colocado pela filha de Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica e um dos maiores críticos da restrição à propaganda infantil, em entrevista ao jornal O Globo.

Afinal, a Resolução nº 163 vale como lei? Uma das grandes polêmicas em torno da norma editada pelo Conanda é a dúvida sobre se a Resolução nº 163 tem força de lei, o que obrigaria que determinadas propagandas fossem retiradas de circulação. Para a advogada do Instituto Alana, Ekaterine Karageorgiadis, não há dúvidas do poder normativo do Conanda. “O Conselho tem caráter deliberativo e formulador de políticas públicas. Não se pode questionar a validade dessa resolução. Outras normas emanadas, por exemplo, pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), são respeitadas. Por que as do Conanda não seriam?”, argumenta. Já o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), tem outra postura sobre o tema. Os representantes não se pronunciam sobre o assunto, mas documentos elaborados pela instituição dão a entender que o Conar discorda da Resolução nº 163. De acordo com levantamentos feitos pela entidade, de 298 casos abertos no órgão para avaliar comerciais voltados para crianças entre 2006 e 2012, 186 terminaram com penalização do anunciante e da agência, o que seria indicativo de que o órgão já é suficientemente atuante nesse setor. A posição do consultor jurídico da Abap, Paulo Gomes de Oliveira Filho, é a de reforçar o papel do Conar. “As agências de publicidade, assim como os anunciantes, têm se esmerado em atender as disposições do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que é mais rigoroso do que o próprio Código de Defesa do Consumidor”, afirma.

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Segundo Mônica de Sousa, que também é diretora comercial da Maurício de Sousa Produções (MSP), a resolução, além de “alienar” as crianças, estaria inviabilizando a vinculação de personagens infantis a produtos saudáveis, como as maçãs e cenouras da Turma da Mônica, que são vendidas nos supermercados. Ela afirmou também que, com a retirada de circulação de anúncios e produtos com os personagens, tanto a MSP como outras empresas que comercializam produtos infantis iriam sofrer impactos financeiros. Hoje a Turma da Mônica estampa milhares de produtos, que vão de fraldas a cadernos, passando também por produtos não tão saudáveis, como macarrão instantâneo e alfajor. A reportagem solicitou uma entrevista com um representante da MSP, mas a assessoria afirmou que a empresa não falará mais sobre o tema com a mídia.

Mas, juridicamente, o que vale? Na verdade, nenhum dos dois. De acordo com a professora de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Ana Paula de Barcellos, conselhos como o Conanda só podem legislar sobre aquilo que for estabelecido em lei. “Tudo dependerá da lei que os criou e das competências que receberam da lei. Às vezes a própria lei prevê que, além de regulamentar a sua execução, determinados assuntos serão disciplinados de forma específica por algum órgão. Esse é o caso do Código Nacional de Trânsito (art. 12) que atribui várias competências normativas ao Contran”, explica. Ou seja: para o Conanda poder legislar sobre a abusividade da publicidade infantil, era preciso que essa função estivesse estabelecida na Lei federal nº 8242, de 1991, que criou o Conselho, ou no Código de Defesa do Consumidor. No caso do Conar, a professora da UERJ explica que “o órgão não é uma entidade estatal. Ele é um organismo privado e de autorregulação, de filiação voluntária e cujas decisões são cumpridas ou não pelos seus membros também voluntariamente”. O que significa que não há obrigação jurídica de um anunciante retirar seu conteúdo de circulação, caso não seja filiado ao Conar. Apesar disso, tanto as normas elaboradas pelo Conar, como aquelas feitas pelo Conanda marcam posições importantes no que diz respeito aos valores aceitos pela sociedade em relação à publicidade infantil. No caso de um processo judicial, é aceitável que um advogado ou promotor faça referência ao que foi editado pelas instituições, como forma de reforçar um ponto de vista.


ARTICULAÇÃO

Fan Fest em BH: consumo de álcool por adolescentes era uma cena comum

Um legado para a rede de proteção? Fotos: Bruno Vilela

Estrutura montada para atender violações de direitos na Copa melhora fluxos de atendimento, mas atuação aponta necessidade de grande amadurecimento da rede estadual de proteção da infância POR GABRIELA GARCIA Os levantamentos dos governos municipal e federal mostram que os números de ocorrências ligadas à violação dos direitos de crianças e adolescentes durante a Copa do Mundo foram baixos, mas o que as organizações da sociedade civil denunciam é que a garantia dos direitos aos meninos e às meninas no Brasil ainda está longe do ideal. A primeira Copa do Mundo realizada no Brasil depois da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deixa como legado uma estrutura de rede e fluxos bem definidos para a proteção da infância e da juventude em grandes eventos, mas também uma necessidade clara de amadurecimento desse sistema como um todo, principalmente em relação à capacitação de diferentes atores públicos e mesmo da sociedade civil. A Agenda de Convergência Proteja Brasil, criada pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH)

em 2012, determinou as diretrizes de criação e funcionamento de Comitês de Proteção Integral a Crianças e Adolescentes implementados nas doze cidades-sede da Copa do Mundo e que orientaram o fluxo de atendimento nesses locais. Além de desenvolver uma metodologia a ser replicada em eventos futuros, o grande desafio da Agenda, segundo a assessora da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Juliana Petroceli, foi o de fortalecer a intersetorialidade entre diversas frentes de proteção aos direitos da infância e da juventude. “Na gestão tradicional, cada um trabalha na sua área e a tendência é continuar fragmentando as intervenções. Trabalhar em conjunto é um desafio que temos no horizonte para garantir ações eficazes. Os fluxos melhoram se conhecemos melhor a realidade de trabalho dos diferentes grupos. Esse é o legado que fica”.

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Despreparo institucional A reestruturação do fluxo de atendimento a adolescentes autores de atos infracionais, definido pela Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), é uma das necessidades apontadas pelos conselhos estadual e municipal dos direitos da criança e do adolescente. Durante a Copa, os adolescentes apreendidos em manifestações na região metropolitana de Belo Horizonte foram encaminhados para triagem inicial na 6ª Delegacia da Polícia Civil, na região Noroeste da capital, embora o ECA determine que os adolescentes devam ser encaminhados à repartição policial especializada, quando essa existir – no caso de Belo Horizonte, o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA). Apesar do posicionamento contrário do Comitê Mineiro de Proteção Integral a Crianças e Adolescentes em Grandes Eventos, foi este o fluxo cumprido durante o Mundial, como conta a educadora e membro do Observartório da Infância e da Juventude na Copa, Jozeli Rosa, que acompanhou, no segundo dia de manifestação, um adolescente apreendido com um estilingue. “Foi um desgaste psicológico e físico muito grande. Eram muitos policiais do interior do Estado, que não conheciam como o fluxo estava estabelecido. Conseguimos garantir que o adolescente fosse levado dentro da viatura, com a nossa companhia. Fomos ao CIA e de lá nos mandaram para a delegacia no bairro Alípio de Melo para fazermos triagem. A delegacia estava muito cheia e os adolescentes não tinham prioridade de atendimento, como é previsto”. Para Paula Kimo, também membro do Observatório da Infância, o despreparo no tratamento dos policiais a adolescentes envolvidos em manifestações também foi uma falha da rede de proteção. “Quando estive em contato com o Comitê da Copa de BH, perguntei sobre os adolescentes nas manifestações e a resposta era que a Prefeitura não tinha como resolver isso. O Plantão Integrado e o Espaço de Convivência do Expominas estavam preparados para violações como trabalho infantil e violência sexual, mas a violência policial que o Estado pratica contra os cidadãos não era um problema para a Prefeitura de BH”. O despreparo institucional não deixou de ser apontado pela coordenadora especial da Política Pró-Criança e Adolescente da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e representante do Comitê Mineiro de Proteção a Crianças e Adolescentes em Grandes Eventos, Eliane Quaresma. “O fluxo estabelecido foi muito bom, construído a várias mãos, mas sentimos que alguns atores ainda precisam ser capacitados. Ele não chegou ainda na ponta. Trabalhamos com um número do efetivo da Polícia Militar esperando que esses policiais fossem multiplicadores, mas essa capacitação não chegou a todos os profissionais que estavam na rua. Para integrar as equipes volantes, contamos não só com a equipe de assistência,

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mas também com a Guarda Municipal, a Polícia Civil, o Comissariado, e vimos que um ou outro desconhecia o fluxo”, pondera. A crítica ao desconhecimento da rede de apoio sobre os encaminhamentos previstos para a infância e a juventude também pode ser ampliada ao outro lado do jogo, onde se encontram os movimentos sociais. Para Jozeli Rosa, que acompanhou adolescentes que participaram de manifestações, o desconhecimento dos advogados voluntários sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente também dificultou a garantia dos direitos dos jovens apreendidos. “O trânsito confuso de ter que levar o adolescente para duas delegacias inibia a atuação dos advogados voluntários, mas muitos deles também não estavam preparados para entender o fluxo e como são as questões de garantias de direitos de crianças e adolescentes. Estão mais preparados para presos políticos adultos e ainda têm dificuldades para compreender, de acordo com o ECA, quem devem acionar, onde e como”, explica.


Realidades distintas As campanhas de prevenção que mobilizaram governos nas esferas municipal, estadual e federal, além de organismos internacionais são apontadas pela assessora da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Juliana Petroceli, como um dos motivos para que, felizmente, as ocorrências que envolvessem a violação de direitos de crianças e adolescentes fossem muito menores do que o esperado. “A gente se preparou para um cenário que podia ser mais grave. O trabalho da prevenção, a rede organizada, as instituições a postos… tudo isso minimizou a situação de risco e vulnerabilidade que poderia ter sido bem maior”, avalia. Entretanto, a percepção de muitos militantes dos direitos das crianças e dos adolescentes,é que muitas das violações ocorreram distantes dos ambientes conhecidos como “Território da Fifa”, blindados para receberem os

eventos da Copa. É o que afirma a servidora da Prefeitura de Belo Horizonte e membro das Brigadas Populares Danielle Vassalo: “as ocorrências foram poucas porque os adolescentes foram apreendidos antes do período da Copa. É possível perceber que o fechamento do Miguilim [único Centro de Referência da Criança e do Adolescente em Belo Horizonte, fechado em março deste ano] antes da Copa fez com que os adolescentes migrassem para áreas mais periféricas da cidade, deixando, dessa forma, o centro da cidade mais ‘limpo’”. Para Paula Kimo, do Observatório da Infância e da Juventude, embora a Prefeitura de Belo Horizonte e o governo do Estado tenham estruturado um atendimento especializado, ele se concentrou nas áreas próximas à Fan Fest enquanto, no cotidiano da cidade, a realidade era outra.

Rotina de trabalho infantil se manteve no entorno dos bares da Savassi em dias de jogo

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Arquivo Conanda/ Rede Andi Brasil

ARTICULAÇÃO

O chamado para participar Neste 10º ciclo de conferências dos direitos da criança e do adolescente, conselhos têm como desafios garantir a participação efetiva de diferentes grupos sociais e planejar, desde já, como monitorar a execução das propostas POR VICENTE CARDOSO JÚNIOR “Numa imagem ideal, a conferência seria aquele grande brainstorm da política pública, juntando toda a população e criando um conjunto de demandas.” Para descrever o lugar das conferências no sistema político brasileiro, a professora do Departamento de Ciência Política da UFMG Cláudia Feres Faria toma emprestado um termo muito usado nos meios da publicidade. Brainstorm (em tradução livre, “tempestade de ideias”) é o tipo de reunião em que os participantes dão todas as ideias que lhes vêm à mente, sem constrangimentos, para que depois sejam avaliadas e, as melhores, desenvolvidas – triagem que, voltando ao meio político, estaria entre as funções dos conselhos. “Ainda nessa imagem ideal, o conselho processaria essas ideias e as encaminharia ao governo, que responderia o que é e o que não é cabível”, completa Cláudia, que acrescenta ainda o monitoramento das ações do governo como outra função primordial dos conselhos. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) é a conquista mais expressiva das conferências no país. Reflexo do histórico dessa área, que foi a primeira do país a ter uma conferência para a definição de políticas, em 1941 (veja o quadro Participação crescente). No campo dos direitos da criança e do adolescente, que teve sua primeira conferência nacional em 1994 e já entra em seu décimo ciclo (veja o quadro Anote aí na p. 52), políticas importan-

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tes implementadas pelos Poderes Executivo e Legislativo resultaram das discussões feitas nos encontros, como o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. No entanto, há também temas que, apesar de serem objeto de resoluções positivas nas conferências, têm pouco avanço ou até mesmo retrocedem. “Enquanto existe um apontamento da conferência pela não redução da maioridade penal, há sempre legisladores levantando a bandeira contrária”, relata a presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Miriam Santos. “Existe dificuldade em fazer uma ampla divulgação do Estatuto e dos resultados das conferências. Só com a população toda mobilizada conseguimos barrar esse tipo de retrocesso”, completa Miriam. Um dos principais entraves para que as resoluções de conferências se desdobrem em políticas públicas é a fragilidade dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs), bem como dos estaduais e do distrital e do próprio Conanda. Com poucos recursos humanos e materiais, a função de cobrar do governo a efetivação das propostas fica limitada. “A dificuldade é tanta que os anais da 9ª Conferência só vão sair agora, às vésperas da próxima”, relata Miriam Santos. Não por acaso, a temática proposta para a 10ª Conferência é: “Fortalecendo a rede de conselhos dos direitos”.


Entre o local e o nacional Comparadas a conselhos, audiências populares, ouvidorias e outras instâncias de participação social, as conferências se diferenciam e se destacam por sua realização em diferentes etapas e escalas. Elas começam no nível local e passam para o municipal, estadual, até que chegam ao nacional. Dessa forma, elas se configuram como o mecanismo que, dentro desse grupo de instituições participativas, congrega o maior número de pessoas. O que, em tese, indica maior legitimidade das decisões tomadas. Porém, a qualidade da participação e do debate público naturalmente varia a cada experiência. Próximo de realizar sua 9ª Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, neste ano, o município de Ouro Preto vivenciou eventos bem distintos nas últimas edições. Essa é a interpretação da ativista Cássia Vitorino. Presidente do CMDCA num período em que houve a realização de três conferências (2007, 2009 e 2011), Cássia vê nos temas nacionais propostos pelo Conanda fatores determinantes para a qualidade da deliberação. “Na de 2007, que teve o Plano de Convivência Familiar e Comunitária e o Sinase como eixos, as questões eram mais bem definidas. Na de 2011, eram muitas questões, acho que acabaram sendo aprovadas muitas coisas de forma direta, sem análise”, avalia.

Acesse na internet •

Orientações para a realização das conferências municipais, distrital e estaduais dos direitos da criança e do adolescente (Conanda): is.gd/6fMmJT

Fatores críticos de sucesso na organização de conferências (Ipea): bit.ly/VzjjBT

Experiências de monitoramento dos Resultados de Conferências Nacionais (Ipea): bit.ly/YoOdig

Participação crescente Recebido com manifesto de apoio assinado por acadêmicos e juristas e, por outro lado, com acusações de “golpe bolivariano”, o Decreto presidencial nº 8.243, de 2014 (que institui o Sistema Nacional e a Política Nacional de Participação Social), é o capítulo mais recente da história das instâncias participativas no Brasil. Com existência garantida na Constituição de 1988, conselhos, conferências, ouvidorias, audiências públicas e outros espaços e mecanismos têm o papel de garantir a participação direta da população na gestão pública. A conferência, instrumento utilizado no Brasil pela primeira vez em 1941, na área da saúde (à época como via de interação entre governo federal e administrações municipais e estaduais), assumiu caráter de participação social e, na última década, expandiu significativamente sua ocorrência. “De três a quatro conferências realizadas por ano nos anos 1990, passou-se a uma média de nove por ano”, aponta o doutor em políticas públicas Roberto Pires, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que ainda destaca a relevância desse mecanismo principalmente nas políticas sociais. “Em áreas como desenvolvimento econômico e infraestrutura, a conferência ainda é muito pouco utilizada”, afirma.

Roberto Pires reconhece a dificuldade de se monitorar todas as resoluções produzidas em conferências, mas ressalta que a questão vai além dos próprios eventos em si. “Aí é que a ideia de sistema passa a fazer sentido, pois na medida em que os diferentes espaços de participação são conectados e articulados em um fluxo contínuo, ampliamse as oportunidades para o monitoramento dessas decisões advindas das conferências”, declara. O próprio formato e os objetivos das conferências também indicam maior ou menor estímulo à participação democrática. Para a presidente do Conanda, Miriam Santos, as conferências da infância e da adolescência ganharam mais força a partir do sexto ciclo, quando passaram a ser deliberativas, e não mais apenas consultivas. Outro aumento do caráter participativo, para Miriam, foi a inclusão de crianças e adolescentes no processo. Em 2015, a novidade será a criação de uma nova etapa. “Com as conferências regionais, esperamos filtrar mais o que deve ir para o âmbito nacional e o que pode ser resolvido na esfera dos estados e na articulação entre eles”, explica Miriam.

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Anote aí! CONFERÊNCIAS LIVRES: Julho a novembro de 2014

CONFERÊNCIAS REGIONAIS*: Agosto a setembro de 2015

CONFERÊNCIAS MUNICIPAIS: Novembro de 2014 a maio de 2015

CONFERÊNCIAS NACIONAIS: 14 a 18 de dezembro de 2015

CONFERÊNCIAS ESTADUAIS: Junho a agosto de 2015

*Novidade no 10º ciclo, serão seis as conferências regionais: Centro-Oeste, Norte, Sul, Sudeste, Nordeste 1 e Nordeste 2

A impressão de Cássia sobre a última Conferência Municipal é similar à do atual presidente do CMDCA de Ouro Preto, Eduardo Santos, que acredita que “o processo [das conferências] já está um pouco desgastado”. “Até porque o conselho não consegue cumprir seu papel, o Poder Executivo nem olha para o plano de ação que a gente elabora”, declara. “Se o objetivo é juntar adolescentes com membros de entidades e representantes do poder público, é preciso encontrar outro formato que os atraia e que funcione com esses diferentes públicos.” Em Itabirito, a avaliação da última conferência pelo atual presidente do CMDCA, Rodrigo Felix, é mais positiva, pois foi possível, para ele, alcançar propostas realistas, que levaram ao aumento e à melhoria no atendimento em serviços destinados à criança e ao adolescente no município. Já em Itabira, a conferência de 2011 foi sucedida pelo fórum Trabalhando em Rede pela Infância e pela Adolescência, em 2013. Segundo a conselheira Daniela Torres, que era presidente do CMDCA nas duas ocasiões, diferentes públicos marcaram a diferença da deliberação e das propostas. “A conferência foi mais popular, o fórum, mais técnico”, relata. “Hoje, a maioria das ações que o município está desenvolvendo nessa área é resultado do fórum”, admite Daniela. Em meio ao contexto de desgaste dos conselhos, o décimo ciclo de conferências da infância e da adolescência é lançado perante o questionamento se, de fato, têm surgido deste “brainstorm político” propostas consistentes e adequadas aos municípios. Há também a necessidade de se refletir sobre a inclusão efetiva dos adolescentes no processo de deliberação. Porém, se o formato pede mudanças, isso não é necessariamente ruim. Para Cláudia Feres Faria, é do funcionamento das conferências que elas se rearranjem conforme as novas demandas sentidas pelos conferencistas. “O próprio espaço participativo proporciona aos agentes que ali participam a percepção do que está falho, o que não só justifica esses espaços, como também traz mudanças qualitativas na política”, afirma.

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Andrea Souza

Conferências possibilitam o aprimoramento de fluxos entre os atores da rede de proteção


Construindo a conferência: trabalho em etapas Conselho Conferência É natural que os CMDCAs assumam a organização das conferências municipais, mas também é preciso atentar para que as comissões organizadoras não apenas repitam a composição dos Conselhos. “O protagonismo do conselho deve ser temperado ou complementado pela presença de outros atores”, aconselha Roberto Pires. O pesquisador ainda chama a atenção para o problema da definição prévia dos conselheiros como delegados natos. “O que por um lado valoriza o papel dos conselheiros, por outro, retira ou reduz o poder de escolha e atuação dos demais participantes. Essa questão pode ser aprimorada, por exemplo, definindo-se um percentual dos conselheiros que serão delegados natos”, completa.

Mobilização Cássia Vieira, membro da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais, lembra que profissionais não ligados diretamente à rede de proteção da infância e da adolescência podem ser grandes conhecedores dos problemas da área. “Como os agentes comunitários de saúde, que visitam comunidades, famílias e conhecem as crianças e os adolescentes de sua área de atuação”, afirma. As escolas também são um ambiente importante para mobilizar participantes: tanto adolescentes quanto educadores. Conselheiros tutelares são também outro público indispensável. O pesquisador do Projeto Democracia Participativa (Prodep), da UFMG, Eduardo Moreira, lembra a importância de garantir a presença de gestores públicos na deliberação – e não apenas nas solenidades. “Ajuda a elaborar um plano mais adequado à realidade e às possibilidades do município”, ressalta.

Data “Uma conferência realizada imediatamente antes do Plano Plurianual [PPA ou PPAG] aumenta o seu potencial de influenciar a política, na medida em que vai oferecer resultados recém-aprovados”, afirma Roberto Pires. “Por outro lado, se a conferência termina depois de o município ter aprovado sua lei orçamentária anual, não tem como esperar que vá ser traduzida em resultados naquele ano”, complementa.

Divulgação É importante desenvolver um plano de comunicação e definir as estratégias de divulgação, que podem ir das mais tradicionais (como cartazes e panfletos) às possibilidades das novas mídias (Facebook e até Whatsapp – aplicativo de envio de mensagens por celular). Para Cássia Vieira, a divulgação é crucial, mas nem sempre é preciso inventar algo totalmente novo – até os tradicionais carros de som podem funcionar, especialmente em municípios menores. “Cada conselho tem que olhar para seu contexto e pensar: quais são os instrumentos usados para outras finalidades e que podemos adaptar para divulgar a conferência?”, aconselha Cássia, que ainda lembra a importância de “traduzir” as temáticas relativas às políticas da infância e da adolescência para o público leigo. Eduardo Moreira, do Prodep, acredita que se deve trazer, já na divulgação, o significado de participar. “É preciso mostrar que sentido isso tem na vida das pessoas, mostrar que a conferência não é só um evento de um, dois ou três dias, e sim que seus resultados continuam – ou deveriam continuar – depois disso”, pontua. Revista Rolimã • Outubro de 2014 | 53


Preparação Para antecipar as discussões e preparar os participantes da etapa municipal, o Conanda estimula a realização de conferências livres, que devem ter “caráter sensibilizador e mobilizador da sociedade em favor do Estatuto da Criança e do Adolescente”, como afirma a presidente Miriam Santos. A comissão organizadora também pode promover ou estimular, antes da conferência municipal, palestras, oficinas e outras atividades com aspecto formativo, que possam explicar tanto os temas da conferência quanto o modo de participar dela, e ainda seu papel político.

Dinâmica das conferências Para otimizar o uso do tempo durante o evento, Roberto Pires sugere a distribuição de guias bem claros sobre o funcionamento das atividades dentro da conferência. “Assim, não se perde tanto tempo discutindo e rediscutindo o funcionamento”, afirma. “Também se vê uma carência muito grande de técnicas de diálogo, de moderação, de dinâmicas que permitam que várias pessoas exponham suas opiniões de forma produtiva”, complementa Roberto. O pesquisador ainda aponta que relatorias mais eficientes, com mecanismos de síntese para realizar bons registros, ajudam na divulgação dos resultados da conferência.

Elaboração das propostas Momentos para formar e preparar os participantes também podem ser parte da própria conferência. “Pode funcionar muito bem uma oficina de planejamento, com uma breve explicação sobre como se faz objetivo geral e objetivos específicos, explicando a diferença entre plano, projeto e programa. Depois, divididos em grupos, os participantes são estimulados a desenvolver suas propostas”, sugere Eduardo Moreira. Segundo ele, pesquisadores de universidades e servidores técnicos do próprio município, especialmente os envolvidos com elaboração e avaliação de políticas, podem assumir esse papel formador e orientador. Outra recomendação é que o texto das propostas feitas no evento preveja mecanismos ou estratégias de monitoramento para garantir a efetividade do que for decidido.

Para Cássia Vieira, tão importante quanto a mobilização prévia é garantir o envolvimento dos participantes durante todo o evento. Por isso, o resgate de conferências anteriores deve ser aliado à deliberação. “Se a conferência for também um espaço que avalia o que já foi feito, avalia a caminhada do município, as pessoas entendem porque vale a pena participar.”

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Fotos: Bruno Vilela

MUITO ALÉM DE QUADRAS E CAMPOS Para que práticas esportivas contribuam de fato para a formação integral de crianças e adolescentes, diferentes aspectos educacionais e de planejamento devem ser considerados POR GABRIELLA HAUBER

Ao se pensar em esporte, é comum virem à cabeça as grandes competições, como Copa do Mundo e Olimpíadas, e os atletas que se destacam pelo bom desempenho nesses eventos. Também muito comum é a elaboração de projetos sociais para crianças e adolescentes e a prática da educação física escolar tendo como lógica a formação de jogadores de vôlei e futebol. Porém, o esporte de alto rendimento, que obedece a regras rígidas nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e eficiência técnica, é apenas uma das vertentes da prática esportiva. Profissionais da educação física e até mesmo a legislação brasileira (Lei federal nº 9615, de 1998, a “Lei Pelé”) apontam a necessidade de pensarmos em outros dois modelos de esporte: o de participação, que tem como finalidade integrar os praticantes na vida social, promover a saúde, a educação e a preservação do meio ambiente; e o educacional, praticado no sistema de ensino, que deve ter como objetivos promover o desenvolvimento integral de meninos e meninas e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer. Se pararmos para pensar, o esporte de rendimento é para poucos e, por essa razão, não deve ser confundido com as outras modalidades. Existe a possibilidade de identificação de talentos no esporte de participação e educacional, mas o alto rendimento não deve ser o foco porque essa proposta pode levar à exclusão – uma prática comum nas aulas de educação física é fazer o aluno que perde ficar de fora da próxima rodada do jogo. “A seleção acontece é no esporte de rendimento. No esporte educacional todos têm que ter oportunidade de participar de maneira igual porque ali não há outro objetivo que não seja a formação humana. O esporte de alto rendimento tem por objetivo o recorde. São poucos os que vão ser de fato os talentos descobertos e dar conta do treinamento que é exigido para o esporte de rendimento”, explica a professora Ana Cláudia Couto, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG. Revista Rolimã • Outubro de 2014 | 55


PARA ALÉM DAS TÉCNICAS DO ESPORTE Quando a prática esportiva envolve crianças e adolescentes, tanto em projetos sociais quanto em escolas, deve existir a preocupação na formação integral e cidadã desses sujeitos por meio da educação física – algo que vai muito além da prática esportiva em si. É necessário que a criança tenha contato com os mais diferentes tipos de atividades e práticas corporais para que, aos poucos, perceba aquelas nas quais possui maior aptidão e que goste de se exercitar. Só o bate bola para os meninos e o pulacorda para as meninas não basta. “É fundamental ampliar o leque de opções para que todos se sintam contemplados. Numa idade menor, passar por vários esportes e atividades é fundamental para encontrar a vocação e poder continuar praticando aquilo por lazer, pela qualidade de vida”, afirma o secretário adjunto de Turismo e Esportes de Minas Gerais, Rogério Romero – que foi nadador e medalhista olímpico. Dança, capoeira e diferentes tipos de lutas também devem ser pensadas como atividades físicas, tanto para meninos quanto para meninas – sem distinção de práticas por gênero. Muitas vezes o profissional precisa de habilidade e persistência para dialogar e vencer a resistência dos alunos e até mesmo dos pais quanto à prática dessas diferentes formas de expressão e conhecimento corporal – há quem confunda o aprendizado de lutas com a incitação à violência, ou quem ache que meninos não podem dançar, por exemplo. O apoio do gestor escolar é fundamental. No caso de projetos sociais, que também têm como um dos objetivos a formação integral de crianças e adolescentes, diversificar as atividades pode ser mais difícil. Porém, é possível tornar a prática esportiva um processo educativo. O que faz diferença é a forma como as atividades são desenvolvidas e trabalhadas pelo educador. O

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professor Murilo Nazário, do curso de educação física da Universidade de Vila Velha (UVV), no Espírito Santo, diz que um passo importante ao se planejar as aulas é pensar como o aluno terá acesso ao conteúdo. Durante as atividades, é necessário aproveitar todas as possibilidades educacionais que os esportes e outras atividades corporais podem proporcionar e não se restringir apenas ao ensino da reprodução da técnica, explica Murilo. Focar somente na melhor forma de se fazer um passe ou de arremessar a bola no cesto de basquete não é o melhor caminho. Se somente a técnica dos jogos for priorizada, aspectos importantes são deixados de lado, como a resolução de problemas, o respeito ao próximo e às diferenças. A educação física ainda pode trabalhar a interação para a tomada de decisão, o aprender a ganhar e a perder, a respeitar regras, a cooperar e a importância do trabalho em equipe. “Eu tenho que fazer com que o aluno compreenda que no jogo ele precisa do outro para alcançar o objetivo. Tenho que ensinar o aluno a competir eticamente. Fazer o aluno raciocinar, pensar situações que vão acontecer dentro do jogo e também nos espaços do dia-a-dia”, pontua Murilo. Para Ana Cláudia Couto, da UFMG, esses valores que as aulas de educação física na escola e em projetos sociais promovem são peças fundamentais para a formação de crianças e adolescentes e, por isso, precisam ser explicitados para eles durante as atividades. “Os valores não estão subentendidos, têm que ser ditos, clareados, para que, de fato, contribuam para a formação humana. Se o valor é o respeito, tem que se explicar como se respeita, por exemplo, dividindo o espaço com o colega. Esses valores precisam ser promovidos para que crianças e adolescentes tenham condições de fazer boas escolhas”, conta.


QUADRA NOVA NÃO RESOLVE Como toda política pública, as de incentivo às práticas esportivas e corporais também possuem aquela estrutura ideal muitas vezes difícil de ser alcançada. Ana Cláudia aponta três indicadores básicos para o bom funcionamento de um serviço público de incentivo ao esporte: além do espaço físico de qualidade – para que as crianças se sintam valorizadas e possam se exercitar em um ambiente agradável e apropriado –, a atividade envolve a presença permanente de profissionais de educação física e o financiamento para a compra de materiais. No final das contas, tanto espaço quanto equipamentos e profissionais demandam recursos financeiros. De maneira geral, existem fontes de financiamento estaduais e federais, por meio de programas, projetos e editais. Cabe ao gestor ficar atento aos prazos e pré-requisitos para solicitar os recursos para o seu município. Outro caminho para o financiamento de projetos de esporte é a Lei Federal de Incentivo ao Esporte (Lei federal nº 11.438, de 2006) que, assim como a Lei Rouanet, de Incentivo à Cultura, permite que empresas e pessoas físicas invistam parte do que pagariam de Imposto de Renda em projetos esportivos propostos

por entidades e aprovados pelo Ministério do Esporte. As empresas podem investir até 1% desse valor e as pessoas físicas, até 6%. Mas é preciso planejamento para que o recurso seja bem investido. Uma prática comum de se ver é a construção de quadras como a base da política municipal de atividade física. Mais comum ainda é ver essas quadras sendo subutilizadas ou até mesmo abandonadas por falta do planejamento para seu uso. As quadras sozinhas não incentivam a prática esportiva. “Não adianta eu ter a quadra, se eu não tenho o profissional capacitado para trabalhar lá e nem a política pública voltada para isso. Só a quadra acrescenta muito pouco”, afirma Murilo Nazário, da UVV. Se a quadra já foi construída, ele sugere que os gestores municipais a transformem em um centro de promoção de atividades, organizando eventos e ações para ocupar o espaço de forma saudável, como aulas de ginástica, relaxamento, brincadeiras e a própria prática esportiva. Murilo acrescenta ainda que, ao focarem nas quadras, gestores se esquecem de aproveitar outros espaços já disponíveis nas cidades, como praças e áreas arborizadas. A organização de campanhas e atividades para popularizar o acesso a esses outros espaços do município também é fundamental.

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TRABALHO EM EQUIPE Outro aspecto importante para otimizar as políticas públicas relacionadas às práticas corporais e esportivas é a articulação entre as diferentes secretarias. De alguma forma, o cuidado com o corpo pode perpassar por todas elas e, se não houver um diálogo, pode-se desperdiçar recurso, tempo e esforço. “A gente se depara algumas vezes com seis, sete projetos na escola – da Polícia Militar, da Secretaria de Esporte, da Secretaria de Saúde – e são projetos que têm o mesmo objetivo, que é a formação humana da criança e do adolescente. O ideal seria que as secretarias se articulassem em prol de uma única política ou das políticas prioritárias. Com certeza, essa relação teria um desembolso financeiro muito menor”, defende Ana Cláudia, da UFMG. A articulação pode se dar tanto para a formulação de políticas públicas, quanto para melhorar os fluxos da rede da infância. Um exemplo simples pode ser visto na execução do programa Geração Esporte, em Bom Despacho, leste de Minas. Os inscritos no programa estadual são meninos e meninas em situação de vulnerabilidade. Luciara Cristina de Moura, coordenadora das atividades no município, conta que quando as crianças participantes – com prática esportiva, jogos e brincadeiras – precisam de outro serviço público, os profissionais do programa

fazem o encaminhamento e elas têm prioridade no atendimento. Equipamentos como o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e o posto de saúde participam desse fluxo. A articulação entre as Secretarias de Educação, Esporte e Saúde também é importante para o estímulo de hábitos de vida saudáveis. Um caminho é a presença de um educador físico na equipe multidisciplinar do Programa Saúde da Família (PSF), já que a prática de atividades físicas é um fator de prevenção a doenças bastante comuns no Sistema Único de Saúde, como pressão alta, diabetes e obesidade. Em Rio Claro, município do interior de São Paulo, existe, desde 2001, uma parceria entre a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Secretaria Municipal de Saúde para a oferta de atividades físicas em Unidades Básicas de Saúde. O educador físico Inaian Pignatti, doutorando em ciências da motrocidade da Unesp e um dos coordenadores do programa, conta que as atividades começaram em apenas uma unidade de saúde e, devido aos bons resultados, se expandiram para 13. O projeto ainda é vinculado à Universidade, mas em 2012 a Prefeitura realizou um concurso público para a contratação de educadores físicos para o trabalho nas unidades de saúde.

A EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA A Secretaria de Educação de Minas Gerais possui uma matriz curricular com orientações para as aulas de educação física, que está disponível no Centro de Referência Virtual do Professor (crv.educacao. mg.gov.br). O documento diferencia o esporte educacional do de rendimento e deixa claro que este último não tem espaço dentro das escolas. Porém, esse entendimento não é geral entre os professores. Um problema que o documento aponta como recorrente nas aulas de educação física é o “quem ganha o jogo fica, quem perde sai”, o que faz com que quem tem mais dificuldades participe menos das aulas, continue com as mesmas dificuldades e acabe sendo excluído. Um aspecto importante para tornar a aula mais democrática é diversificar as atividades que são ofertadas aos alunos. Tanto na proposta curricular nacional, quanto na estadual, essa diversificação está prevista. O currículo estadual determina quatro eixos para se trabalhar a prática corporal: esporte; dança e movimentos expressivos; jogos e brincadeiras; e ginástica. Todas elas devem ser ofertadas de forma prática e teórica, com pesquisas históricas e sobre as regras dos jogos, por exemplo. Cada prática também deve ser pensada de acordo com a faixa etária dos alunos. “Se eu falo na educação de corpo inteiro, é corpo e mente. E a criança é alfabetizada do ponto de vista motor, também. Quando chegar aos 17 anos, desde a educação infantil ela tem que ter vivenciado as habilidades motoras, que vão dar base para as atividades do dia-a-dia e também para a saúde”, esclarece Murilo, da UVV.

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Fotos: Elza Fiuza/ ABr

POLÍTICAS PÚBLICAS

Falta de infraestrutura é um desafio em quase todos os municípios

UM BOM CONSELHO? Apesar de essenciais para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes, conselhos tutelares sofrem com a negligência de gestores POR ANNA CLÁUDIA GOMES Salas de atendimento equipadas, recepção, copa, salas de recreação e até jardim. Essa é a imagem do conselho tutelar ideal, proposta da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) [leia o quadro Meu lugar na cidade]. A realidade atual dos conselhos, porém, passa longe disso. “A infraestrutura é péssima, aqui [em Estiva, no sul de Minas Gerais] são apenas dois cômodos apertadíssimos. Entra chuva, móveis que deveriam ter sido jogados fora vieram pra cá, o banheiro é do lado de fora”, conta o conselheiro tutelar e coordenador regional do Sul de Minas do Fórum Mineiro de Conselheiros e Exconselheiros Tutelares (FMCT), Jésus Moreira. Estiva ilustra a situação dos conselhos tutelares na maioria dos municípios mineiros. “Há lugares em que um conselheiro não trabalha as oito horas por dia porque tem que sair quando outro chega, já que não há espaço para os cinco. As pessoas que precisam de atendimento têm que esperar do lado de fora – não cabe todo mundo”, explica a coordenadora geral do FMCT, Elizabeth Rodrigues. “Nós atendemos crianças carentes, que não

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têm nada em casa, e o conselho tutelar, que poderia oferecer algum conforto, é o pior lugar para atendê-las. É um abandono completo”, afirma Jésus. Segundo o coordenador-geral da Política de Fortalecimento de Conselhos da SDH, Marcelo Nascimento, para tentar auxiliar na estruturação, a Secretaria entregou 1.855 kits para conselhos de todo o Brasil, compostos por veículo, computadores, impressora, refrigerador e bebedouro. No entanto, de acordo com Jésus, muitos desses equipamentos não são repassados pelas prefeituras aos conselhos tutelares. Uma das intenções dos kits é viabilizar a implantação do Sistema de Informação para Infância e Adolescência (Sipia), plataforma online federal para armazenamento de informações de conselhos de todo o país e geração de relatórios que podem auxiliar na avaliação e na melhoria das políticas públicas de direitos de crianças e adolescentes – uma vez que permitem traçar um mapa preciso das violações de direitos no país. Entretanto, mesmo quando há infraestrutura adequada para implantação do Sistema, os conselheiros esbarram em outro problema: capacitação.


Teoria e prática A falta de informações não se reduz à utilização do Sipia. Ao começar a trabalhar, muitos conselheiros não sabem ao certo quais são suas atribuições. “Quando entrei, não sabia o que o conselho fazia. Agora, já peguei prática, mas quando eram só três anos de mandato [hoje são quatro], quando você estava aprendendo a dinâmica do conselho, tinha que sair. Por isso capacitações são importantes, para tirar todas as dúvidas”, destaca a conselheira do I Conselho Tutelar de Uberlândia, na região do triângulo mineiro, Elza de Oliveira. “Os conselhos no Brasil foram sendo estruturados na base do aprender a fazer fazendo, pois não havia experiências anteriores que pudessem orientar seus processos de organização ou referenciais teóricos e metodológicos que norteassem a atuação de seus membros. O arcabouço teórico para a capacitação foi organizado com base na produção teórica que sustentou a formulação e aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), mas era tudo muito idealizado”, explica José Angelo Motti, coordenador do Programa Escola de Conselhos do Mato Grosso do Sul – considerada referência nacional. As escolas de conselhos são parcerias entre a SDH e instituições de referência para desenvolver projetos nas áreas de educação em direitos humanos e de promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes. O objetivo é que as escolas desenvolvam com os conselheiros um trabalho de formação continuada, com suporte e orientação técnica permanentes. Para Motti, a formação continuada é de importância vital para o pleno funcionamento dos conselhos, pois oferece todo referencial teórico e metodológico para a atuação de seus membros e disponibiliza ferramentas para a organização de informações que podem auxiliar a criação de políticas e serviços de proteção de meninas e meninos. No entanto, ainda há desafios para a consolidação desse trabalho. “O maior desafio é cultural. É muito forte o costume de se pensar e oferecer cursos de capacitação de curta duração, apelidados de ‘cursinhos walita’. Nossas instituições fizeram desse modelo uma regra. Como não estamos treinando pessoas para lidar com produtos, é pouco provável que se possa formar alguém para desempenhar funções de natureza tão complexa usando apenas esse modelo”, explica. “De outro lado, no serviço público, poucos são os agentes que tenham por hábito buscar um processo de formação teórica e de orientação prática com a carga horária e os requisitos necessários para a performance adequada do conselheiro”, complementa Motti. Jésus, do FMTC, afirma que há interesse por parte dos conselheiros, mas que muitos gestores alegam que o município não possui dinheiro para custear a participação em capacitações. De acordo com a Lei federal nº 12.696, de 2012, que alterou o artigo 134 do Estatuto da Criança e do Adoles-

Sem capacitações adequadas, conselheiros muitas vezes não possuem referencial metodológico

cente (ECA), deverá constar na Lei Orçamentária Anual (LOA) municipal previsão de recursos para a formação continuada dos conselheiros. Na prática, porém, não é o que acontece. “Poucos são os estados e raríssimos os municípios que consignam no seu Plano Plurianual [PPA] e nos orçamentos anuais os recursos necessários para promover um processo de formação continuada. Quando o fazem, poucos são os que garantem os recursos financeiros para execução das ações planejadas e destes, em sua maioria absoluta, o que se possibilita são apenas módulos de formação teórica”, finaliza Motti.

Meu lugar na cidade Em 2013, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) lançou o projeto Conselho Tutelar — Meu lugar na cidade, um modelo arquitetônico para os conselhos tutelares. Segundo o coordenador-geral da Política de Fortalecimento de Conselhos da SDH, Marcelo Nascimento, a Secretaria disponibiliza o modelo para os municípios, que podem implementá-lo com recursos municipais, estaduais, federais ou privados. Atualmente, a SDH está construindo o primeiro Conselho Referencial em Macapá, no Amapá. Para saber mais, acesse goo.gl/oN08ri

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Quase desconhecidos Mesmo 24 anos após sua criação, a falta de conhecimento acerca do trabalho dos conselheiros resulta em descaso. “Os prefeitos às vezes não conhecem a realidade. Falam que viemos para atrapalhar, que queremos mandar na escola e em todo mundo. Dizem que tem adolescente matando, roubando, e o conselho não faz nada. O conselho tutelar é um órgão de proteção, ninguém entende isso”, afirma Elizabeth, do FMCT. Angelo Motti concorda que há uma ideia equivocada das reais atribuições dos conselhos em diversas esferas e isso afeta a efetividade do trabalho. “A maioria da população não compreende as funções dos conselhos, acionando-os pouco ou inadequadamente, quando de uma situação de violação de direitos. Isso reflete na frágil e, por vezes, insignificante participação da sociedade na votação que escolhe os membros dos conselhos tutelares”, aponta. “Os serviços da rede de atendimento e defesa dos direitos também demonstram uma compreensão equivocada. Muitos agentes públicos resistem aos encaminhamentos dados pelos conselheiros. Essas posturas embaraçam o processo e por vezes tornam ineficaz a ação do conselheiro, que se vê obrigado a recorrer às instâncias de Justiça, fato que provoca indisposição ainda maior entre as partes”, pontua Motti.

Mas o que é um Conselho? O conselho tutelar é um órgão municipal ou distrital de defesa dos direitos de crianças e adolescentes, instituído em 1990 pelo artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A direção dos conselhos é colegiada, composta por cinco membros escolhidos pela sociedade, e possui autonomia em suas ações e deliberações. Todos os municípios e o Distrito Federal devem manter em funcionamento pelo menos um conselho tutelar. A função dos conselhos é receber crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados ou ameaçados e fazer os encaminhamentos necessários para os serviços de atendimento e para os órgãos competentes. O conselho não pode executar medidas protetivas e não substitui funções dos programas de atendimento à criança e ao adolescente.

EM DÉFICIT A Resolução nº 139, de 2010, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), determina que cada município deve ter no mínimo um conselho tutelar como órgão da administração pública local. Para assegurar atendimento a toda população, recomenda também que cada cidade atenda a proporção mínima de um conselho para cada 100 mil habitantes. Apesar da norma, faltam conselhos tutelares* no Brasil.

95%

é o percentual de municípios brasileiros que cumprem a recomendação do Conanda. Isso equivale a 5.288 municípios.

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6.508 5.906 602 5%

é o número de conselhos tutelares que deveria existir no Brasil é número total de conselhos tutelares estruturados no país em 2013 conselhos ainda precisam ser criados para atender a população brasileira

possuem menos conselhos que o recomendado, o que equivale a 277 municípios.


Enquanto alguns membros do Sistema de Justiça apoiam os conselhos, como é o caso do município de Alvorada de Minas, cujo conselho tutelar apenas foi equipado e estruturado por exigência do Ministério Público, outros vivem quase em pé de guerra. “Um expressivo número de operadores do Sistema de Justiça da Infância e da Adolescência vê os conselhos tutelares como seus subalternos e os coloca na condição de operacionais das decisões judiciais, reeditando o comissariado de menores, uma figura extinta com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente”, afirma o coordenador da Escola de Conselhos de Mato Grosso do Sul. Jésus destaca que vários conselheiros do Sul de Minas têm tido problemas no relacionamento com promotores. Segundo Elizabeth, a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP) já entrou em contato com o FMCT e pretende se reunir com conselheiros para debater a questão. Para Angelo Motti, mudar a imagem dos conselhos depende de um choque cultural. “É preciso uma estratégia mais eficaz para compreensão adequada das atribuições e competências dos conselhos, processo que deve ser capitaneado pelos conselhos de direitos e, se possível, garantir na legislação municipal a real autonomia orçamentária e financeira dos conselhos tutelares, desvinculando-os definitivamente da Secretaria de Assistência Social”, defende. A esperança é que essa mudança possa ser iniciada com a unificação do processo de escolha dos conselheiros tutelares, também determinada pela Lei federal nº

é o número de municípios que não possuem nenhum conselho tutelar. São eles: Delfim Moreira (7.971 hab.); Marmelópolis (2.968 hab.); Vieiras (3.731 hab); Wenceslau Braz (2.553 hab.).

4 50%

do déficit em conselhos encontram-se em cidades com população superior a 500 mil habitantes (13% do total de municípios).

29%

do total do déficit estão reunidos nas seis capitais mais populosas – São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza, Belo Horizonte e Manaus. Ao todo, são 181 conselhos faltantes.

12.696, de 2012. “A unificação ratifica que os conselhos devem ser efetivados em todo o território brasileiro; que o processo de escolha deve-se à sociedade; e que o mandato é tão importante quanto os mandatos políticos”, explica Motti. Além disso, a unificação pode alterar os processos de formação continuada, pois será possível nivelar o conhecimento de todos os conselheiros tutelares do país. “Poderemos programar um processo de formação melhor escalonado, de forma a acompanhar os cursistas durante todo o mandato. O fato de termos uma mesma turma exercendo um mandato durante quatro anos também possibilita um processo de troca de experiências muito mais rico e a consequente melhoria do atendimento prestado pelos conselhos e pela rede de proteção”, finaliza Motti. De acordo com Marcelo Nascimento, a SDH está encarando essa mudança como um divisor de águas e um grupo de trabalho tem se reunido mensalmente para pensar diretrizes. “Temos um estudo interno para realizar uma grande campanha de conscientização da sociedade brasileira. A primeira etapa será dialogar sobre qual é o papel do conselho tutelar e suas atribuições. A segunda é convidar a sociedade a escolher os conselheiros tutelares do seu município ou região administrativa”, explica. “É extremamente importante, pois os conselhos tutelares são a rede de direitos humanos que recebe 80% das denúncias do Disque 100 [Disque Direitos Humanos]. Por isso, é essencial que ela esteja formada, fortalecida e ativa 24 horas por dia, atenta a todas as violências cometidas contra crianças e adolescentes”, destaca Marcelo.

* Dados do Cadastro Nacional de Conselhos Tutelares da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2013). Colaboração: Jessica Soares

Em Belo Horizonte, a conta não fecha: para atender a população de 2.479.175 habitantes o município precisaria de 24 conselhos tutelares. Hoje, conta com apenas 9.

http://bit.ly/1jIQgRy O Cadastro Nacional de Conselhos Tutelares, primeira base de dados nacional sobre os órgãos, reúne informações de contato de todos os 5.906 conselhos em atividade no Brasil. Revista Rolimã • Outubro de 2014 | 63


Uma plataforma para apoiar o diagnóstico das condições de vida de crianças e adolescentes e orientar a elaboração de políticas públicas

www.mapadca.org REALIZAÇÃO

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EM PAUTA Prefeitura de Bertioga

Queda no trabalho infantil O IBGE divulgou no último dia 18 de setembro a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) relativa a 2013. Merece destaque a queda do trabalho infantil. Eram 3,1 milhões de trabalhadores de 5 a 17 anos no país no ano passado, 438 mil (12,3%) a menos que em 2012. No grupo de 5 a 9 anos a queda foi mais expressiva, com 24 mil crianças a menos trabalhando (29,2%). Entre as de 5 e 13 anos que trabalhavam em 2013, 63,8% estavam na atividade agrícola. Numa comparação com 2001, o número de crianças de 5 a 17 anos trabalhando caiu de 12,7% para 7,2% – os dados da comparação histórica, no entanto, excluem amostragens da zona rural de estados do Norte.

Prefeitura de Ibertioga

Combate à fome Nos últimos dez anos, caiu pela metade o número de brasileiros que passam fome. É o que afirma um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), divulgado no último mês de setembro. A partir de 2003, a taxa de desnutrição caiu de 10,7% para menos de 5% da população. Além disso, a pobreza foi reduzida de 24,3% para 8,4%, entre 2001 e 2012, e a pobreza extrema caiu de 14% para 3,5%. Políticas como o Bolsa Família e a Política de Alimentação Escolar têm relação direta com as melhorias, afirma a FAO.

Sexta maior taxa de homicídios de 0 a 19 anos Segundo um relatório do Unicef divulgado em setembro, o Brasil tem a sexta maior taxa de homicídios na faixa de 0 a 19 anos – 17 a cada 100 mil pessoas. Em números absolutos, 12 mil mortes em 2012, o Brasil fica atrás apenas da Nigéria, que teve cerca de 13 mil. Entre as cinco nações com as maiores taxas de homicídios estão países atingidos por conflitos de gangues e guerras civis. Lideram a lista El Salvador (27 mortes a cada 100 mil pessoas), Guatemala (22), Venezuela (20), Haiti (19) e Lesoto (18). De acordo com o Unicef, cerca de 95 mil crianças e adolescentes foram vítimas de assassinatos no mundo em 2012. Leia o relatório no site do Unicef: bit.ly/relat_Unicef

AUMENTO NA ESCOLARIZAÇÃO A PNAD também apontou que a taxa de escolarização das pessoas entre 4 e 5 anos de idade alcançou 81,4%, um aumento de 3,3 pontos percentuais em relação a 2012 (78,1%). A maior taxa de escolarização ocorre entre crianças de 6 a 14 anos (chega a 98,4%), faixa de idade que corresponde ao ensino fundamental. A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais apresentou queda de 0,4% – o que representa 297,7 mil analfabetos a menos. Em 2013, ela estava estimada em 8,3%, o que corresponde a 13,0 milhões de pessoas. Em 2012, a taxa estava estimada em 8,7%.

Falta saneamento Por outro lado, ainda é motivo de grande preocupação o elevado índice de domicílios brasileiros sem acesso à rede de esgoto. De acordo com a PNAD, em 2013, 35,7% das casas do país não tinham ligação com a rede – eram 45,3% das moradias em 2011. A falta de esgotamento sanitário adequado tem relação direta com a contaminação por parasitas e também está atrelada à mortalidade infantil.

ERRAMOS Diferente do afirmado na matéria Violência Revelada (edição 2, julho de 2014, p. 60), em casos de violência sexual, o conselho tutelar não tem o poder de fazer o afastamento do agressor do ambiente doméstico, mas sim o de solicitá-lo ao Ministério Público, que deverá acionar o Poder Judiciário. Para afastar o agressor da vítima, o juiz poderá expedir uma medida cautelar.

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O fotógrafo Bruno Vilela registra um raro momento de pausa no terreiro do quilombo de Mangueiras, em Belo Horizonte: resgates de pipas caídas na copa das árvores, brincadeiras de pique e corridas de cavalo de pau marcam as tardes das crianças da comunidade.

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