Boletim Novas Alianças #4: Acolhimento

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boletim informativo do projeto Novas aliaNças dezembro de 2009

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ersiste em nossa sociedade a ideia de que crianças e adolescentes expostos à violência ou à pobreza estarão em melhores condições se afastados de suas famílias. em muitos casos, o afastamento é, de fato, necessário. o problema é que, além dessa medida não ser utilizada de forma excepcional, pouco se faz para apoiar a família de origem, dando-lhe condições de receber seus filhos de volta. esses meninos e meninas acabam sendo mais uma vez vitimizados, privados do direito a ter vínculos familiares e comunitários, como previsto em lei. não faltam normativas legais que afirmem o direito à convivência familiar e comunitária. mas faltam investimentos, e não apenas financeiros. os documentos legais apontam que, antes da construção de qualquer abrigo ou outro serviço de acolhimento, é fundamental um estudo diagnóstico. Qual a demanda real? Quais as possibilidades de enfrentamento desses desafios, além do abrigamento? a construção de abrigos sem a retaguarda de uma verdadeira política de convivência familiar e comunitária acaba por resultar em acolhimentos prolongados e desnecessários. além de violar direitos dessas crianças, os orçamentos públicos também são onerados com serviços custosos que não levam a soluções efetivas. o que tem de ser colocado no primeiro plano do debate é o problema a ser enfrentado. a partir dele, e com base em diagnósticos, estudos e debates, é que devem ser desenhadas as soluções. em muitos casos, o caminho será, por exemplo, cadastrar as famílias em programas de assistência do governo federal, ou oferecer a mães e pais atendimento para o enfrentamento do vício em álcool e drogas. evidentemente, haverá casos em que o afastamento definitivo será necessário. e para essas situações também há regras claras. os abrigos devem atender a um conjunto de orientações para que todos os direitos dessas crianças e adolescentes sejam garantidos. meninos e meninas em situação de acolhimento não podem ser privados do convívio comunitário. enquanto permanece o acolhimento, devem ir à escola, ao médico, a passeios, como todas as outras crianças. e devem, sobretudo, ter respeitada sua individualidade. o Conselho municipal dos direitos da Criança e do adolescente tem papel central nesse debate. da mesma forma, Conselhos tutelares, ministério público, Conselho municipal de assistência social, saúde e educação, órgãos ligados à cultura e ao esporte devem estar juntos no desafio de garantir a essas crianças todos os seus direitos. e é fundamental que todas as condições necessárias para a garantia da convivência familiar e comunitária sejam traduzidas em previsões orçamentárias.


gArgAlo vAi Além do recurso falta de prioridade aos vínculos familiares resulta em acolhimentos prolongados e mesmo desnecessários

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odos os dias, crianças e adolescentes de diferentes regiões do brasil são retirados do convívio de suas famílias. em parte das vezes, por terem sido vítimas de agressões, abusos e abandono. em outra parte dos casos, ainda que proibido por lei, por carência de recursos materiais das famílias. os serviços de acolhimento a essas meninas e meninos devem ser ofertados pelo município. mas nem todos conseguem organizar essa oferta. alegam falta de recursos próprios e o baixo investimento dos estados e da união, que também são corresponsáveis pelo financiamento da política. dos 5.562 municípios brasileiros, cerca de 900, ou 16,18%, recebem repasse de recursos do governo federal para o cofinanciamento dos diversos serviços de acolhimento. em minas gerais, o cofinanciamento da secretaria estadual de desenvolvimento social (sedese) – seja via município ou unidades de acolhimento – alcança 38 dos 853 municípios, ou 4,46%. para além da questão financeira, entretanto, o que se vê é que um planejamento mais atento às reais demandas do município e às diferentes possibilidades de acolhimento previstas em lei poderia oferecer soluções menos onerosas e mais atentas à garantia da convivência familiar e comunitária, como os programas de família acolhedora. desde 18 de junho deste ano, estão em vigor as novas orientações técnicas para o serviço de acolhimento institucional de Crianças e adolescentes, uma resolução conjunta aprovada pelo Conselho nacional dos direitos da Criança e do adolescente (Conanda) e pelo Conselho nacional da assistência social (Cnas). o documento detalha as condições que devem ser observadas para a oferta dos serviços e reforça, sobretudo, a importância do investimento na manutenção dos vínculos familiares. FinAnciAmenTo dos serviços É papel do município a execução e o monitoramento dos serviços de acolhimento, seja ele institucionalizado, no caso dos abrigos, casas de passagem, casas-lar e outros, ou não, como no caso do família acolhedora.

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mas isso não isenta as outras esferas de responsabilidades. Como explicitado no plano nacional de promoção, proteção e defesa do direito de Crianças e adolescentes à Convivência familiar e Comunitária, as três esferas governamentais – municipal, estadual e federal – devem cofinanciar as políticas de acolhimento. de acordo com o sistema Único da assistência social (suas), os serviços de acolhimento integram a proteção social especial de alta Complexidade. esses serviços são cofinanciados pelo governo federal por meio de dois pisos fixos. o piso de alta Complexidade i alcança aproximadamente 900 municípios e deve financiar serviços prestados pelas unidades de acolhimento a crianças, adolescentes, idosos e demais cidadãos em situação de risco. o piso de alta Complexidade ii, que financia serviços direcionados a cidadãos em situação de rua altamente expostos à violência, alcança 94 municípios. segundo a assessora da secretaria nacional de assistência social do ministério do desenvolvimento social e Combate à fome (mds), valéria gonelli, os investimentos poderão ser ampliados a partir dos novos dados apurados pelo levantamento nacional de abrigos, iniciado no primeiro semestre deste ano pelo ministério em parceria com a fundação oswaldo Cruz (fiocruz). além do financiamento da união, valéria gonelli pontua que a esfera estadual deve participar cada vez mais da estruturação desses serviços, a fim de evitar um acúmulo excessivo de responsabilidades para os municípios. em minas gerais, o cofinanciamento da sedese alcança 38 dos 853 municípios. outros tipos de apoio também são oferecidos, como capacitações para as equipes técnicas que atuam nas unidades de acolhimento e o trabalho de suporte e orientação aos municípios que decidem estruturar serviços. a maior parte dos recursos, entretanto, é assumida pelas administrações municipais. segundo a técnica de referência da proteção social especial de montes Claros, greice aparecida rodrigues, aproximadamente 90% dos recursos direcionados à política de acolhimento, no município, vem dos cofres da prefeitura.


Construção da polítiCa demanda amplo ConheCimento da realidade “tem de haver um diagnóstico, uma avaliação da situação do município. em muitos deles, a demanda é pequena e não exige a construção de abrigos, que envolve equipamentos caros. será que o município não teria nenhuma outra política para atender a essa criança?”, questiona a coordenadora especial de políticas prócriança e adolescente da sedese, fernanda flaviana martins. em lagoa da prata, no centro-oeste mineiro, em vez de construir abrigos, o município optou pela implementação do família acolhedora e pela criação de um programa de retaguarda, o lafa – laços de família –, direcionado para os casos em que as violações de direitos não são graves a ponto de separar a criança do núcleo familiar. a assistente social do família acolhedora, Caroline de Carvalho Castro, relata que é feita uma discussão caso a caso para buscar o melhor caminho. “esse rompimento, por mais que seja breve, vai ficar pra vida inteira”, destaca. a diretora executiva da organização não-governamental terra dos homens, Claudia Cabral, aponta o papel fundamental do Conselho municipal dos direitos da Criança e do adolescente na construção dessa política. “É importante estimular os conselhos municipais a elaborarem políticas em cima de programas específicos que eles queiram para os seus municípios, com detalhamento processual, capaz de descrever a operacionalização do atendimento”, avalia. a terra dos homens compõe o gt nacional de pró-Convivência familiar e Comunitária. para Claudia, os conselhos devem aproveitar normativas de âmbito nacional, como as orientações técnicas, a fim de elaborar planos de ação que contribuam para o reforço e para a estruturação dos serviços locais.

o Que dizem as orientações tÉCniCas o tempo de permanência de crianças e adolescentes em instituições de acolhimento deverá ser de, no máximo, dois anos. durante esse período, todos os esforços devem ser feitos para possibilitar o retorno do abrigado, que deve ter sua situação avaliada a cada seis meses. a escolha do serviço de acolhimento deve se dar com base em um estudo diagnóstico. logo que a criança chegue ao serviço de acolhimento, deve ser elaborado o plano de atendimento individual e familiar, no qual constem objetivos, estratégias e ações a serem desenvolvidos, tendo em vista a superação dos motivos que levaram ao afastamento do convívio. a regulamentação também orienta que o acompanhamento da situação familiar seja iniciado imediatamente após o acolhimento. o caso de todas aquelas crianças e adolescentes já acolhidos deve também ser revisto, de modo a garantir que todos estejam em acompanhamento. também ressalta que as crianças e adolescentes em medidas de proteção devem ter garantidos seu direito a acessar os equipamentos públicos de educação, saúde, lazer, entre outros. a resolução apresenta ainda os parâmetros de funcionamento por modalidades de acolhimento. em relação aos abrigos, aponta, por exemplo, que não devem atender a mais de 20 crianças e adolescentes, precisam ter aspecto semelhante ao de uma residência e estar inserido em áreas residenciais. devem evitar também atendimentos exclusivos por faixas etárias e sexo. a resolução estabelece ainda as equipes mínimas em cada modalidade (veja box ao lado). no caso de municípios de pequeno porte (até 50.000 habitantes), abre a possibilidade de compartilhamento de equipes, mas destaca que o ambiente de acolhimento deve estar sediado em cada um dos municípios.

desAFios em minAs gerAis Cerca de 4.730 crianças e adolescentes vivem em 352 abrigos em nosso estado. desse total, 48% têm composição familiar nuclear, ou seja, pai, mãe e irmãos. os dados divulgados em junho deste ano, fruto de um estudo desenvolvido pela fundação joão pinheiro (fjp) a pedido da sedese, apontam que muitos desses meninos e meninas podem retornar a seus lares, se algum esforço for feito para apoiar a família de origem. dos 349 abrigos que responderam a pesquisa, 67,3% disseram ter informações sobre as famílias dos abrigados. entretanto, 67,3% das instituições pesquisadas afirmaram não terem diretrizes e metodologia por escrito para o trabalho com as famílias. outras questões referentes ao reordenamento também precisam ser debatidas. embora 68,9% das instituições abrigassem, no momento da pesquisa, até 15 crianças, outras 20,5% abrigavam entre 16 e 30 crianças e o restante acima disso, quando o limite fixado pela nova normativa é de 20 usuários no caso dos abrigos. ainda em relação à estrutura, 80,8% das instituições pesquisadas afirmaram ter critério de sexo e idade para o recebimento de crianças e adolescentes, o que também não é recomendado. outro ponto crucial é o cuidado quanto à formalização do acolhimento e o repasse de documentos. a pesquisa da sedese revela que 38,1% dos abrigos afirmam que nem sempre há um repasse de documentos das crianças que chegam ao local. greice aparecida, de montes Claros, destaca que a atuação do ministério público tem contribuído de forma significativa para a reestruturação dos serviços no município. “a promotoria regional tem acompanhado as unidades de acolhimento. eles já fizeram um levantamento das demandas e requisitaram providências ao município. o empenho deles já trouxe respostas positivas e concretas para o serviço”, destaca a técnica do serviço de proteção social especial de montes Claros.

serviços de acolhimento

equipe mínima

abrigo institucional

• 1 coordenador com nível superior • 2 profissionais com nível superior para até 20 crianças • 1 educador/cuidador para cada 10 crianças, por turno • 1 auxiliar de educador/cuidador para cada 10 crianças, por turno

Casa-lar

• 1 coordenador com nível superior para atendimento a até 20 crianças e adolescentes em até 3 casas-lares • 2 profissionais com nível superior para atendimento a até 20 crianças e adolescentes acolhidos em até 3 casas- lares • 1 educador/cuidador para cada 10 crianças • 1 auxiliar de educador/cuidador para cada 10 crianças, por turno

família acolhedora

• 1 coordenador com nível superior para supervisionar o funcionamento do serviço • 2 profissionais para o acompanhamento de até 15 famílias de origem e 15 famílias acolhedoras dezembro | 2009

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ConvivênCia familiar no foCo das ações o programa família acolhedora é um dos serviços de acolhimento previstos pelo plano nacional de promoção, proteção e defesa do direito de Crianças e adolescentes à Convivência familiar e Comunitária. o serviço consiste em encaminhar crianças e adolescentes a outras famílias até que seja possível sua reintegração familiar ou, na total impossibilidade, o encaminhamento para adoção. a proposta é garantir atenção individualizada e convivência comunitária, amenizando os impactos do rompimento, além de facilitar a reintegração familiar. essa modalidade de atendimento já se encontra bastante difundida em outros países, principalmente europeus. no brasil, as primeiras iniciativas são de meados da década de 1990. o serviço alternativo de proteção especial à Criança e ao adolescente (sapeca), de Campinas, no interior de são paulo, foi implantado em 1997 e é considerado uma das referências nacionais. em minas gerais, a secretaria de estado de desenvolvimento social (sedese) tem trabalhado o programa em dez municípios por meio de apoio financeiro e capacitação de equipes. apesar da expansão de iniciativas nesse sentido, a diretora executiva da ong terra dos homens, Claudia Cabral, destaca que a cultura de abrigamento de crianças e adolescentes ainda é muito forte. “tem muitas políticas e normativas que tratam do empoderamento da família. já é um grande avanço. mas ainda há profissionais que consideram melhor para a criança ser afastada da convivência familiar, porque a família é vista como culpada e incapaz”, comenta. um dos aspectos que ajudam a reforçar a resistência ao programa é o receio de que o apego entre a família acolhedora e a criança dificulte o retorno ao lar de origem. por isso, embora aparentemente mais simples do que a construção de um abrigo, esse serviço precisa ser muito bem planejado. Claudia ressalta que o processo de escolha das famílias deve ser criterioso e o ideal é que o período de acolhimento não ultrapasse um ano. segunda ela, a equipe do programa deve se reunir com a família acolhedora e a família de origem pelo menos uma vez por semana. o casal zenilde e marcus, de belo horizonte, recebeu em sua casa um garoto durante um ano e quatro meses. hoje eles se consideram amigos da família do menino. falar do momento da despedida emociona zenilde, mas ela garante que não foi difícil: “ele dava pulos de alegria”. outro temor comum é de que a criança sinta falta do conforto da casa onde viveu por um tempo. também sobre isso, zenilde tranquiliza: “falavam ‘ele não vai querer voltar’, vou lá e ele nunca pediu para voltar para minha casa”.

novAs incidênciAs durante as formações do programa novas alianças, junto a conselheiros tutelares e a conselheiros dos direitos da criança e do adolescente, é recorrente ouvir a demanda pela criação de abrigos. Como vimos, o plano nacional de Convivência familiar e Comunitária chama atenção para a cautela necessária a essa institucionalização. É possível buscar no orçamento municipal recursos para a implementação de um programa de família acolhedora. mas é preciso ter amparo legal – o programa precisa estar inscrito no Conselho municipal dos direitos da Criança e do adolescente (CmdCa) e uma portaria regulamentando o atendimento deve ser publicada pela Comarca da região.

saiba mais www.direitosdacrianca.org.br – no portal é possível acessar o documento “orientações técnicas para o serviço de acolhimento institucional de Crianças e adolescentes” e o plano nacional de Convivência familiar e Comunitária. no menu à esquerda, clique em acolhimento. www.terradoshomens.org.br – a ong terra dos homens é uma instituição de referência nacional que realiza trabalhos de capacitação a equipes técnicas do programa família acolhedora. no site, é possível encontrar informações a respeito do tema.

expediente programa novas alianças | Coordenação executiva oficina de imagens - Comunicação e educação | Coordenadora do programa Karla nunes aliados estratégicos andi - agência de notícias dos direitos da infância, instituto Ágora em defesa do eleitor e da democracia, instituto Caliandra, frente de defesa dos direitos da Criança e do adolescente de minas gerais, fundação avina, fundação vale e instituto C&a | parceiros assembleia legislativa de minas gerais - Comissão de participação popular e frente parlamentar dos direitos da Criança e do adolescente, ministério público de minas gerais boletim redação e edição oficina de imagens - Comunicação e educação | jornalistas responsáveis Carolina silveira (0011162/mg) e eliziane lara (12.322/mg) | estagiária andrea souza | revisão Camila andrade reis | projeto Gráfico henrique milen | apoio gráfica e editora o lutador - projeto de editoria social | tiragem 2000 exemplares | informações (31) 3465-6806 | novasaliancas@oficinadeimagens.org.br

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