Boletim Novas Alianças #6: Protagonismo

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Foto: Arquivo Oficina de Imagens

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Inauguração da Rádio Jovem Sintonizado na Escola Municipal Professora Alcida Torres, em Belo Horizonte, em junho de 2010. O trabalho é desenvolvido por estudantes que participam do projeto Comunic@a Escola, da Oficina de Imagens. A iniciativa consiste em trabalhar com crianças e adolescentes as várias linguagens da comunicação para promover o debate sobre a participação política e fomentar uma leitura crítica da mídia.

Por que participar?

São inúmeros os ganhos da participação de crianças e adolescentes na vida política de suas comunidades. Anna Penido destaca que ouvir esse público traz à tona fragilidades nos serviços públicos, e também as políticas que precisam ser preservadas. “Uma coisa é analisar dados frios e estatísticos, outra coisa é escutar um adolescente dizendo que tem dificuldade de pegar um transporte para ir à escola, ou que está há dias para ser atendido em uma unidade de saúde”, pondera. Jonathan Freire, que representa a região Sudeste na Coordenação Nacional de Adolescentes do Fórum DCA, considera fundamental esse olhar para a realidade. Ele destaca que as políticas públicas não podem ser desenhadas em gabinetes; antes, devem ser elaboradas de dentro

da comunidade, estimulando a participação. Mislaine de Assis, educanda do Instituto Padre Cunha e integrante do grupo de jovens JOMOF, em Barbacena, Minas Gerais, participa dos espaços políticos formais do município pelo Instituto e também chama atenção para isso. “Melhor do que discutir um assunto para os jovens, é discutir com eles o que é bom e o que é ruim”, opina. Ao participar da vida política do município, os jovens também tendem a multiplicar esses processos para outros jovens. A atuação do grupo de jovens JOMOF é exemplo disso, como aponta Mislaine: “nós interagimos mais com todo mundo. Vamos repassando para os outros, para eles também interagirem junto”. Ana Carolina Dias, que também participa do JOMOF, ressalta que o importante de estar nessas reuniões é a troca de experiências que podem ser relevantes na comunidade. As adolescentes moram em um distrito de Barbacena, chamado Pinheiro Grosso. E essa participação pode se dar em vários âmbitos. É o que destaca Jenair Alves, que integra o coletivo gestor da Rede Sou de Atitude, uma articulação nacional dedicada a incentivar jovens a monitor e incidir nas políticas públicas que afetam suas comunidades. Jenair integra o núcleo do Rio Grande do Norte. “Você pode fazer participação política a partir de grupos, redes, fóruns, na área que interessar, como juventude, desenvolvimento sustentável, comunicação, por meio do hip hop, do grafite. A participação efetiva não se dá de uma hora pra outra, é uma trajetória, cada um tem uma em particular, iniciada no movimento estudantil, ou no grupo de jovens do bairro. O importante é buscar essa participação.”

Por meio da comunicação

O uso de ferramentas de comunicação também é uma estratégia interessante para incentivar a participação de jovens na dinâmica política do município. O projeto Jovens Jornalistas, desenvolvido pelo Serpaf desde 2000, envolve adolescentes na produção de um jornal bimestral para a comunidade, o “Fique de Olho”. As pautas abrangem meio ambiente, políticas públicas municipais e outros temas resultantes da participação dos jovens jornalistas em reuniões do CMDCA, audiências públicas da câmara municipal e fóruns de defesa dos direitos da criança. “O jornal é uma maneira de articular o que a comunidade precisa dentro do poder público, fazendo parcerias”, explica Mariana Teixeira, de 21 anos, facilitadora do Projeto Jovens Jornalistas. A jovem, que começou como aluna há 8 anos e hoje desenvolve oficinas de jornalismo com outros adolescentes, sinaliza que o projeto ganhou reconhecimento: “sempre que tem algum evento, para criança e adolescente principalmente, a própria prefeitura nos convida a participar e fazer a cobertura”.

EXPEDIENTE Programa Novas Alianças | Coordenação executiva: Oficina de Imagens – Comunicação e Educação | Coordenadora do Programa: Karla Nunes | Aliados estratégicos: ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância, Instituto Ágora em Defesa do Eleitor e da Democracia, Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais, Fundação Avina, Fundação Vale e Instituto C&A | Parceiros: Assembleia Legislativa de Minas Gerais – Comissão de Participação Popular e Frente Parlamentar dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ministério Público de Minas Gerais | BOLETIM Redação e edição: Oficina de Imagens – Comunicação e Educação | Jornalistas responsáveis: Carolina Silveira (11162/MG) e Eliziane Lara (12322/MG) | Estagiária: Gabriela Garcia | Revisão: Camila Andrade Reis | Projeto gráfico: Henrique Milen | Diagramação e adaptação de projeto: André Nóbrega | Apoio: Gráfica e Editora O Lutador – Projeto de Editoria Social | Tiragem: 2.000 exemplares | Informações (31) 3465-6806 | novasaliancas@oficinadeimagens.org.br


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BOLETIM INFORMATIVO DO PROGRAMA NOVAS ALIANÇAS SETEMBRO DE 2010

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Foto: Nello Aun

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DIREITO A PARTICIPAR EFETIVAMENTE DA VIDA POLÍTICA

sexta edição do Boletim Novas Alianças se dedica a discutir os desafios da participação de nossos meninos, meninas e jovens nos espaços de construção política no país, principalmente no âmbito do município. Sabemos que o direito à participação é fundamental ao exercício da cidadania infantojuvenil, reconhecido e assegurado por marcos normativos como a Convenção Internacional sobre os Direitos da Infância e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mas, vemos que ainda há muito a avançar, seja em conselhos de direitos ou em audiências públicas, fóruns, frentes e até mesmo na gestão administrativa de instituições que trabalham diretamente em prol da consolidação do ECA. Importantes discussões em âmbito nacional têm buscado regulamentar aquilo que o ECA e a Convenção já destacam como essencial. As deliberações finais da VIII Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente definem um eixo específico para o assunto e apontam para a necessidade de que crianças e adolescentes ocupem progressivamente esses espaços. A Associação Brasileira dos Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Ju-

ventude (ABMP) e o Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum Nacional DCA) criaram, no ano passado, espaços consultivos reservados a adolescentes e jovens. Hoje, esses jovens reivindicam assento formal junto ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Nesse cenário, dois grandes desafios parecem estar colocados. Primeiro, a abertura desses espaços à participação de crianças e adolescentes. Ainda vigora uma postura de tutela, em que não se reconhece que os meninos, meninas e jovens têm muito a dizer sobre seus anseios, necessidades e demandas. Em segundo lugar, é fundamental garantir uma participação efetiva. Mais do que estar presentes, crianças, adolescentes e jovens devem estar preparados para dialogar com o chamado “mundo adulto”. Da mesma forma, Conselhos e tantos outros espaços devem repensar suas rotinas caso almejem de fato essa participação. Essas instituições precisam planejar uma acolhida verdadeira, capaz de estimular a participação de garotos e garotas de acordo com suas formas de expressão. Caso contrário, corre-se o risco de uma participação meramente ilustrativa.

A CONVENÇÃO E O DIREITO À PARTICIPAÇÃO A Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança, de 1989, delega aos Estados a responsabilidade em garantir a liberdade de expressão e opinião às crianças. Isso compreende, inclusive, a liberdade de buscar, receber e transmitir informações e ideias de todo o tipo, de forma oral, escrita ou impressa. Além disso, o documento prevê o livre exercício de religiões ou crenças, bem como o direito à liberdade de associação e reunião pacíficas. As orientações estão nos artigos 12 a 15 do documento.


O DESAFIO DE SUPERAR A TUTELA

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uas décadas depois de promulgado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é reconhecido como um marco importantíssimo na garantia de uma rede de proteção e atendimento à população de 0 a 18 anos de nosso país. Mas o direito à participação, também expresso no Estatuto, muitas vezes não é percebido com a mesma importância. O artigo 16 do ECA garante o direito à opinião, expressão e à participação na vida familiar, comunitária e política, mas, na prática, sobram dúvidas sobre como efetivar esse direito. Ao longo destes 20 anos, tem-se caminhado rumo ao consenso de que a mera presença de crianças e adolescentes em espaços estratégicos não é sinônimo de efetiva participação. O professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador do Observatório da Juventude da mesma instituição, Juarez Dayrell, destaca que é fundamental o jovem ser considerado um interlocutor legítimo. É importante, segundo ele, “reconhecer o jovem como um sujeito que tem o que dizer sobre sua situação, sua realidade e suas demandas”. Na mesma linha, Antônio Pedro Soares, membro da coordenação colegiada da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), acredita que o grande desafio é superar o “adultocentrismo”. O eixo 4 das deliberações da VIII Conferência

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizada entre 7 e 10 de dezembro de 2009, trata da participação de crianças e adolescentes em espaços de construção da cidadania e sugere: a participação desse público nos Conselhos dos Direitos, em conferências de direitos e setoriais, em Câmaras Mirins ou Parlamentos Jovens, em audiências públicas do Poder Legislativo com direito a voz e na elaboração do orçamento público. O documento também recomenda a sensibilização da sociedade e do poder público para a importância de ouvir a população infanto-juvenil. “O nosso papel agora é clarear como vai ser o processo de participação dos adolescentes, inclusive na construção de políticas”, destaca o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) Fábio Feitosa.

Onde participar?

Em âmbito nacional, importantes articulações da sociedade civil têm procurado efetivar a participação de crianças e adolescentes. Em 2009, o Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum Nacional DCA) estruturou sua Coordenação Nacional de Adolescentes. Além de apoiar a gestão do secretariado executivo do Fórum, a Coordenação de Adolescentes participa de articulações com outros atores da área e integra os esforços para

Foto: Encontro de fundação da Rede de Jovens Comunicadores do Semi-árido Mineiro em 2008: adolescentes debatem desafios nas políticas públicas. Grupo se mantém mobilizado e a Rede agrega hoje virtualmente cerca de XX jovens.


a formulação do Plano Decenal para uma Política Nacional para Crianças e Adolescentes. As deliberações para a elaboração do Plano se iniciaram na VIII Conferência dos Direitos da Criança e do Adolescente, que contou com a expressiva participação de 598 delegados adolescentes de todo o país. A Associação dos Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP) criou, também em 2009, seu Conselho Consultivo de Adolescentes e Jovens, formado por oito jovens de quatro regiões do país já envolvidos em experiências de organização política em seus municípios. Para o secretário geral do Conselho Consultivo da ABMP, Anderson Quirino, a abertura desse espaço representa uma aproximação do Sistema de Justiça com a realidade. Anderson também é membro da Comissão Municipal de Articulação da Juventude, de Parnamirim, no Rio Grande do Norte. Se Fóruns, Redes e Associações já se abrem à participação de adolescentes, a garantia desse direito permanece um desafio ainda maior quando o assunto são os espaços formais. Uma vez que deliberam, monitoram e avaliam políticas públicas para a população de 0 a 18 anos, os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente podem representar um importante caminho à abertura dessa participação. É importante lembrar que esses órgãos articulam diferentes secretarias de governo, com potencial, portanto, para ser um elo entre a voz dos adolescentes e o poder público. A Coordenação de Adolescentes do Fórum Nacional DCA divulgou em maio deste ano carta reivindicando, dentre outros pontos, a participação de adolescentes nos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente nas três esferas de governo. Em direção semelhante, o Conselho de Jovens da ABMP recomendou ao Conanda, em junho deste ano, a alteração de sua lei de criação para assegurar assento a uma representação adolescente, por meio de um comitê nacional de participação infanto-juvenil. Antônio Carlos Gomes da Costa, educador, consultor e escritor na área de infância e juventude, destaca que, por enquanto, a participação fica sendo uma concessão do mundo adulto. “Mas, para que isso seja consolidado como um aspecto característico da democracia brasileira, deveria fazer parte da letra e do espírito da nossa legislação”, ressalta.

Como participar?

O Instituto de Educação Padre Cunha, de Pinheiro Grosso, distrito de Barbacena, tem assento no Conselho Municipal dos Direitos da Criança pela sociedade civil e, desde o ano passado, estimula a ida de adolescentes da instituição aos encontros do Conselho. No entanto, a coordenadora administrativa e gerente de projetos do Instituto, Luiza Mara Afonso, ainda vê desafios a essa participação, pois, para ela, ainda “há uma certa falta de credibilidade naquilo que o jovem tem para oferecer”. Juarez Dayrell destaca que o conselho deve se questionar: “se quer mesmo participação juvenil, tem que repensar suas dinâmicas”. Para ele, o formato e a linguagem desses espaços muitas vezes dificultam a participação. Outro caminho para fomentar uma participação efetiva é buscar conhecer a percepção dos jovens, ainda que eles não integrem diretamente esses espaços. Para apurar as necessidades de adolescentes das 14 cidades que o compõem, o Fórum Regional dos Direitos da Criança e do Adolescente das comarcas de Conselheiro Lafaiete, Congonhas e Caran-

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Foto: Conselho Consultivo de Jovens da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude durante o encontro de coordenadores da Associação.

daí, em Minas Gerais, desenvolveu, em 2008 e 2009, uma pesquisa nas escolas. O questionário perguntava ao adolescente o que ele gostaria de ter em seu município. Os resultados obtidos foram analisados por cada CMDCA dos municípios representados no Fórum e converteram-se em propostas aos gestores públicos. De maneira semelhante, a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced) realizou a escuta de 404 crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, oriundos de sete estados do país, para questioná-los acerca de seus direitos básicos. Feito isso, divulgou, em dezembro de 2009, o II Relatório Participativo da Sociedade Civil sobre os Direitos da Criança no Brasil. Também é fundamental que a participação de crianças e adolescentes venha acompanhada de uma reflexão sobre o próprio processo. A coordenadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em Minas Gerais e São Paulo, Anna Penido, destaca a importância das formações para que adolescentes e jovens tenham uma participação mais qualificada, com mais subsídios para entender o que é discutido e ter mais desenvoltura e tranqüilidade para dialogar com o mundo dos adultos. Promover a participação cidadã de crianças é um desafio ainda maior e requer métodos diferenciados. “É preciso ter uma linguagem específica para as crianças”, aponta Mariana Teixeira, facilitadora do Projeto Jovens Jornalistas, da organização não-governamental Serviço de Proteção ao Menor e à Família (Serpaf), de Sete Lagoas, região central de Minas Gerais. A coordenadora do Programa de Apoio e Orientação Sócio-Familiar da mesma instituição, Claudionice Pereira, relata que as crianças são estimuladas a replicar o que aprendem no Serpaf sobre seus direitos e deveres para os colegas e até mesmo para os professores. “Assim, elas sentem que já fazem parte do processo de articulação enquanto criança”, afirma.


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