Eu digo não à violência

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Eu digo não à violência contra meninas e meninos! Cartilha de orientação para educadores e famílias na proteção de crianças e adolescentes



A

infância e a adolescência são fases muito especiais da vida de qualquer ser humano. É nessa fase que formamos aspectos essenciais de nossa personalidade, de nossos valores socioculturais e de nossa sexualidade, por exemplo. Não por acaso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece explicitamente a importância de que as leis e as políticas públicas considerem sempre “a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.

Da mesma forma, meninos e meninas são sujeitos de direitos, como qualquer cidadão e cidadã brasileiros, e é responsabilidade de todos – famílias, governos e sociedade em geral – assegurar que estejam protegidos de todas as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Mais do que um simples texto da lei, a garantia dos direitos de crianças e adolescentes exige de todos nós uma atenção e uma dedicação constantes – seja em casa, na comunidade, na rua, na escola ou em outros espaços em que meninos e meninas circulam e convivem. Foi pensando neste enorme desafio, que é assegurar uma infância e adolescência protegidas e saudáveis às novas gerações, que a Oficina de Imagens elaborou a presente cartilha. Além de trazer informações básicas sobre as diretrizes do ECA, a publicação


busca orientar pais, familiares, responsáveis e adultos em geral na tarefa de proteger meninos e meninas das diferentes formas de violência. Nas próximas páginas, será possível entender melhor o que caracteriza cada tipo de violência, em especial as violências sexuais, e como podemos identificar, enfrentar e, o que é mais importante, prevenir essas graves violações de direitos a que ainda são submetidas muitas crianças e adolescentes em nosso país. Por fim, a cartilha traz, ainda, informações sobre o papel e o funcionamento das diferentes instâncias da rede de atendimento, informações fundamentais para sabermos a quem procurar quando lidamos com os casos de violência. Os conteúdos desta publicação foram construídos com muito cuidado para apoiar

as ações desenvolvidas pela Oficina de Imagens no âmbito do projeto Violência Sexual, Não!, iniciativa realizada em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais (CEDCA-MG), com recursos do Fundo da Infância e Adolescência. Esperamos que o acesso às informações trazidas por esta publicação contribua para apoiar a ação de cada leitor e leitora no cumprimento de suas responsabilidades na promoção e proteção dos direitos de meninos e meninas. Boa leitura! Equipe Oficina de Imagens


SUMÁRIO Toda criança tem direitos! ........................................................................................ 07 As violências contra crianças e adolescentes .................................................... 17 Violência sexual: como interromper e prevenir .............................................. 29 Quem é quem na rede de proteção de crianças e adolescentes ............... 39 Para saber mais ............................................................................................................. 48 Bibliografia ...................................................................................................................... 50



CAPÍTULO 1

TODA CRIANÇA TEM DIREITOS! Como quaisquer outras pessoas, crianças e adolescentes são titulares de direitos humanos! Conhecê-los é fundamental para garantir que meninos e meninas tenham uma infância segura, saudável e protegida.


Quando você escuta a palavra

“infância”,

o que vem à sua cabeça? Pode ser que imagine um bebê engatinhando pela sala, descobrindo todos os cantos da casa. Você também pode visualizar uma criança na escola, brincando com os coleguinhas no recreio. Provavelmente, todas as imagens estarão relacionadas à principal característica dessa fase: é quando começamos a experimentar o mundo! Na infância, aprendemos a comer, a dar os primeiros passos, a falar. Aprendemos a ler e a escrever. Aprendemos a conviver em sociedade. A infância é um período muito especial de nossas vidas, uma fase peculiar de desenvolvimento. No entanto, é preciso lembrar que nem sempre foi assim! Não só no Brasil, como em várias partes do mundo, 8

a “categoria” infância não existia. A criança era considerada um adulto em miniatura. Isso acabava justificando uma série de violações cometidas contra a criança: jornadas de trabalho exaustivas, descaso com a educação formal, obrigação de se casar cedo e contra sua vontade, entre outras formas de violência. Em nosso país, a partir da década de 1980, várias pessoas e movimentos em prol da infância começaram a se organizar e dizer não às diferentes formas de violência contra crianças e adolescentes. O país saía de um severo regime militar e, aos poucos, os cidadãos e as cidadãs recuperavam seus direitos civis e políticos. Não por coincidência, a luta pelos direitos da infância ganhou força nesse período! Começava a surgir a noção de direitos infanto-juvenis.


É nesse momento histórico tão rico que nasce o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado pela Lei 8.069, em 13 de julho de 1990. Apesar de sua importância, muita gente ainda não conhece sua história ou não sabe do que se trata. Em linhas gerais, o ECA estabelece os direitos que devem ser garantidos à população de 0 a 18 anos no país. Isso faz do ECA a principal referência legal quando o assunto é infância e adolescência. O Estatuto também determina que meninas e meninos sejam prioridade absoluta para o desenvolvimento das políticas e para o atendimento nos serviços públicos. Que tal conhecer melhor o Estatuto da Criança e do Adolescente? Conheça a seguir respostas a algumas dúvidas muito comuns:

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Antes do ECA, havia alguma lei no país sobre crianças e adolescentes? Até 1990, vigorava no Brasil uma lei bem diferente do ECA. Era o chamado Código Menores, que partia do princípio da “situação irregular”: a lei se voltava apenas para crianças e adolescentes abandonados, “carentes” ou autores de atos infracionais. Foi nessa época que o termo “menor” passou a ser usado de forma pejorativa para fazer menção às meninas e meninos aos quais se referia o código de menores. Cabia ao juiz de menores determinar ações de assistência, proteção e vigilância para aquelas crianças e adolescente, que eram recolhidas do convívio em sociedade e enviadas para as FEBEMs (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor). Em resumo, crianças e adolescentes eram vistos como objetos de tutela da Lei e da Justiça. O Estatuto da Criança e do Adolescente se opõe totalmente a essas ideias! Para o ECA, todas as meninas e meninos são sujeitos de direitos! Ou seja, as pessoas de 0 a 18 anos, independentemente de raça, cor, crença ou origem social, gozam dos mesmos direitos e passam a ser consideradas cidadãs em fase peculiar de desenvolvimento. A Lei divide os menores de 18 anos em crianças (quando têm entre 0 e 12 anos incompletos) e adolescentes (quando têm entre 12 e 18 anos incompletos). “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (Artigo 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente). 10


Como o ECA foi construído? Uma das grandes vitórias do ECA reside no fato de ele ser fruto de muita mobilização coletiva. O Estatuto é um dos poucos marcos legais (conjunto de normas jurídicas) de nosso país que não nasceu em gabinetes: várias pessoas e movimentos sociais ligados ao tema saíram às ruas para colher assinaturas em favor da criação desta lei. Vale mencionar ainda a influência recebida de outras normas. Uma delas é a própria Constituição Federal de nosso país. Promulgada em 1988, a Carta Magna avança em relação às constituições anteriores ao criar uma série de garantias sociais e políticas. Por isso mesmo, ficou conhecida como a “Constituição cidadã”. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à saúde, à alimentação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Artigo 227 da Constituição Federal).

Outro documento de grande influência para o ECA é a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1989. Esse documento foi ratificado pela maioria dos países-membros da ONU, inclusive o Brasil, e consagra princípios fundamentais para a infância, como o direito à vida, à liberdade e à participação.

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Quais são os direitos garantidos pelo ECA? O ECA enuncia cinco grandes blocos de direitos fundamentais de meninas e meninos que devem ser assegurados pela família, pela sociedade e pelo Estado. São eles: • Direito à vida e à saúde • Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade • Direito à convivência familiar e comunitária • Direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer • Direito à profissionalização e à proteção no trabalho.

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Ouço falar que o ECA desautoriza pais e responsáveis a corrigirem crianças e adolescentes. Isso é verdade? Não! Esse é um dos mitos mais comuns em relação ao Estatuto. Na verdade, o que o ECA faz é determinar o compartilhamento da responsabilidade no cuidado com as crianças e os adolescentes entre a família, a sociedade e o Estado. O Estatuto deixa claro que é dever da família orientar e proteger meninas e meninos. Porém, ao contrário do que muitos pensam, isso não pode ser feito com o uso da violência. Quando a família recorre à violência, a pretexto de orientar e proteger, deverá ser acionado o Conselho Tutelar (CT), órgão que zela pelo cumprimento dos direitos da infância e adolescência (leia mais sobre o CT no capítulo 4). Diferentemente do que acredita o senso comum, crianças e adolescentes são responsabilizados quando cometem atos infracionais. Até 12 anos, quem responde por essas infrações são os pais ou responsáveis. Depois dessa idade e até os 18, são aplicadas ao adolescente as chamadas medidas socioeducativas. Existem seis tipos de medidas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional. O objetivo da medida socioeducativa é responsabilizar o adolescente pelo ato cometido, ao mesmo tempo em que se lhe oferece formação socioeducativa, que inclui desde o atendimento psicológico até a oportunidade de profissionalização. 13


Existem outros instrumentos relacionados aos direitos da criança além do eca? Para além do ECA, o país vem produzindo outras referências legais para orientar as políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes. Veja abaixo alguns dos instrumentos mais importantes: • Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes; • Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária; • Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes; • Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador; • Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). No entanto, sabemos que esses instrumentos legais, por si só, são insuficientes para garantir os direitos de meninas e meninos. É preciso que também nossas práticas cotidianas criem um ambiente saudável para a promoção e a defesa desses direitos, que foram conquistados ao longo do tempo.

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Direitos sexuais e reprodutivos de crianças e adolescentes Já aprendemos várias coisas até aqui! Vimos que meninos e meninas são sujeitos de direitos, e que esses direitos estão garantidos em diversos instrumentos normativos nacionais e internacionais, como a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Também já sabemos que a população de 0 a 18 anos deve ter prioridade absoluta para a formulação de políticas e para o atendimento nos serviços públicos. Esse conjunto de garantias legais, formais e administrativas é fundamental para assegurar o desenvolvimento integral de meninas e meninos.

Quando o assunto é infância e adolescência protegidas, falar de direitos sexuais e reprodutivos é tão importante quanto discutir educação, saúde ou lazer. Mas do quê exatamente estamos falando? Bom, a primeira coisa importante a saber é que os direitos sexuais são compostos por um conjunto de direitos relacionados à sexualidade, com origem nos direitos à liberdade, igualdade, privacidade, autonomia, integridade e dignidade de todas as pessoas. Sendo assim, isso vale para crianças e adolescentes também! Os direitos sexuais dizem respeito à expressão e ao livre exercício da sexualidade, indepen-

“A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis” (Artigo 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente). 15


dentemente da orientação sexual. Ou seja: homossexuais, heterossexuais, bissexuais ou transexuais, cada qual tem direito de viver sua sexualidade e isso deve ser respeitado. Já os direitos reprodutivos estão relacionados à opção da pessoa de ter ou não filhos e de poder recorrer a métodos contraceptivos para evitar uma gravidez. No caso de adolescentes, é preciso entender que os direitos sexuais e reprodutivos servem, sobretudo, para assegurar-lhes um desenvolvimento saudável, seguro e protegido de sua sexualidade, de maneira que possam fazer escolhas conscientes e responsáveis. É fundamental garantir que eles tenham informações sobre os processos de mudança do corpo e do

comportamento. Emoções, desejos e sentimentos também têm a ver com a sexualidade! É preciso entender que falar de direitos sexuais é falar de direitos humanos. Por isso, eles também devem basear-se na liberdade, na igualdade e na dignidade. Devem ser garantidos para homens e mulheres, para jovens, crianças e idosos. E a educação de meninos e meninas deve prepará-los para cobrar esses direitos. Educar para a sexualidade também é educar para a vida! É fundamental que pais, educadores e outros profissionais que lidam com crianças e adolescentes estabeleçam um diálogo sincero e transparente sobre esse assunto, livre de preconceitos e de estigmas.

“O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais” (Artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente). 16


CAPÍTULO 2

As violências contra crianças e adolescentes Todas as formas de violência, especialmente a sexual, afetam o crescimento saudável de crianças e adolescentes. Por isso, é fundamental que saibamos reconhecer as diferentes violações contra meninos e meninas.


Identificar as diferentes formas de violência contra meninas e meninos não é tarefa fácil. Isso porque vivemos em um tempo/espaço em que a cultura do diálogo é pouco desenvolvida e parte dos conflitos sociais são resolvidos com base em atos violentos. Em grande parte dessas situações, sempre há alguém em posição de desvantagem: um homem mais fraco que apanha de outro mais forte; uma pessoa idosa vítima de maus-tratos; uma mulher que é agredida pelo companheiro violento. Entre adultos e crianças, também é comum que a relação se estabeleça sobre bases autoritárias: os primeiros falam, os segundos obedecem. A esse tipo de relação baseada na autoridade entre adultos e jovens, damos o nome de

adultocentrismo: 18

O adultocentrismo é uma relação de poder com bases socioculturais. Por ser antiga e inquestionável, aparece como natural. Baseia-se em uma relação de autoridade - na verdade, de autoritarismo - em que o principal valor é a obediência, justificada pelo respeito. O bom filho ou filha seria aquela pessoa obediente, que acata ordens sem questionamento. Quando essa relação de autoridade é questionada, a desobediência é tratada como “rebeldia juvenil”. Um dos argumentos autoritários mais utilizados por adultos é aquele de cunho financeiro: a criança ou o adolescente, ainda não inserido no mundo do trabalho, depende economicamente dos pais para sobreviver, portanto deve se sujeitar às suas ordens.


No capítulo anterior, aprendemos que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e que esses direitos estão assegurados por vários instrumentos legais: a Convenção da ONU Sobre os Direitos da Criança, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Entretanto, da lei à prática, ainda existem muitos desafios a serem superados. O principal deles talvez seja o desenvolvimento da capacidade, por parte da sociedade, de visualizar e enfrentar as diferentes formas de violência contra a população de 0 a 18 anos. É preciso destacar que a violência vai além das agressões físicas, abrangendo qualquer negação dos direitos dessas meninas e meninos.

Nas próximas páginas, vamos falar sobre formas muito comuns de violações dos direitos de meninas e meninos: a negligência, a violência física, a violência psicológica, a violência institucional e a violência sexual. Vamos entender como cada uma delas se manifesta?

“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da Lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais” (Artigo 5 do Estatuto da Criança e do Adolescente). 19


Negligência: Essa forma de

violência pode se apresentar de diferentes maneiras. Gosso modo, podemos dizer que a negligência é a falta de cuidado e de zelo, a omissão por parte dos pais ou responsáveis pela criança ou adolescente. Pais, mães ou responsáveis negligentes são os primeiros a violarem os direitos desses sujeitos em situação peculiar de desenvolvimento. Um exemplo de postura negligente acontece quando pais deixam de levar seus filhos para serem vacinados, colocando-os sob o risco de contrair alguma doença.

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Violência física: É quando se

utiliza força física para agredir a criança ou adolescente, de forma intencional. Na maioria dos casos, essa violência deixa marcas no corpo, como hematomas, cortes, queimaduras, fraturas, entre outros. Um exemplo disso é quando crianças apanham dos seus responsáveis porque não querem alimentar-se corretamente. Ou quando adolescentes se comportam mal e os pais, com receio de que aquilo se repita, agridem-no para que ele não se esqueça daquela “lição”.


Violência psicológica:

Esse tipo de violência manifesta-se de forma muito silenciosa e, por isso, costuma passar despercebido pelas pessoas. A violência psicológica pode ser definida como um conjunto de atitudes, gestos, palavras ou ações que censuram, envergonham e humilham crianças e adolescentes, de modo pontual ou permanente. Assim como a violência física, gera sequelas que podem prejudicar meninas e meninos em seu desenvolvimento emocional, psíquico, físico, sexual e social.

Violência institucional: É a violência praticada por instituições - seja uma organização não-governamental ou órgãos públicos diversos - ou diretamente por agentes públicos. Em vez de garantir e zelar pela integridade física e psicológica das crianças e adolescentes, essas instituições ou agentes públicos são justamente os responsáveis pela violação de direitos. Um exemplo de violência institucional acontece quando meninas e meninos em situação de vulnerabilidade permanecem em abrigos por tempo indefinido. Por lei, o abrigamento só deve acontecer em casos excepcionais e por período determinado.

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Abuso sexuAl: É quando um adulto se

violênCiA sexuAl:

É uma das piores formas de violência contra crianças e adolescentes. É uma violação dos direitos sexuais - e, portanto, dos direitos humanos - de meninas e meninos, através da qual um adulto ou adolescente mais velho utiliza uma criança ou adolescente para sua estimulação e/ou satisfação sexual. Abrange qualquer situação de jogo, ato ou relação sexual, heterossexual ou homossexual, que envolva uma pessoa mais velha e uma criança ou adolescente. A violência sexual pode acontecer de duas formas: pelo abuso sexual e pela exploração sexual. Vejamos as diferenças: 22

utiliza de relações de poder para obter satisfação sexual com crianças e adolescentes. Na maioria dos casos, a menina ou o menino conhece e confia no abusador, que é alguém que participa de seu convívio. Vale destacar que essa violência pode acontecer no interior do ambiente doméstico (intrafamiliar) ou fora dele (extrafamiliar). O abuso sexual acontece em qualquer classe social, sem distinção de sexo, raça, cor ou crença religiosa.

explorAção sexuAl: A exploração

sexual acontece quando se utilizam crianças e adolescentes para fins sexuais, mediados por uma transação financeira e pela comercialização do corpo. A violação acontece em troca de dinheiro, de presentes ou, até mesmo, de favores. Em alguns casos, essa recompensa é negociada diretamente com a criança ou o adolescente, mas é possível que outras pessoas também lucrem com essa violência.


O abuso pode acontecer mesmo que o ato sexual não seja consumado, manifestando-se por meio de gestos, conversas ou atitudes. Pornografia infantil, carícias maliciosas e sem consentimento em crianças (incluindo toques nos órgãos genitais) e exibicionismo (ato de exibir partes do corpo, especialmente genitálias, para crianças e adolescentes, a fim de estimular-se e obter prazer sexual) também são formas de abuso sexual. O adolescente que realiza práticas sexuais com uma criança ou força outro adolescente a realizá-las é igualmente um abusador.

A exploração sexual pode ocorrer de quatro formas: no contexto da prostituição; na produção de materiais pornográficos envolvendo crianças e adolescentes; nas redes de tráfico humano; no turismo com motivação sexual. fique atento: CriAnçAs E ADoLEsCEnTEs não sE prosTiTuEm! A palavra “prostituição” remete à ideia de consentimento, desviando o enfoque da exploração sexual.

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Pornografia infantil:

É a produção, divulgação, distribuição, venda, compra ou posse de material com cenas de conteúdo sexual envolvendo crianças ou adolescentes. A veiculação desses conteúdos nos celulares e na internet, através das redes sociais, telefones, Youtube e Facebook, também é considerada pornografia infantil.

Turismo sexual:

Ocorre quando crianças e adolescentes são ofertados para a satisfação sexual de turistas nacionais ou estrangeiros.

Imagina a seguinte situação: uma pessoa mantém em seu computador fotos e material de pornografia infantil, mas não os divulga. Ela está cometendo um crime? O que a lei diz sobre isso? A Lei nº 11.829/2008 tornou mais rígida a punição para o crime de pornografia infantil. A mudança se deu, especialmente, no sentido de criminalizar também pessoas que portarem esse tipo de material em seu computador. De acordo com a Lei, situações como o armazenamento de fotos, o financiamento da produção e o aliciamento de crianças e adolescentes pela internet são consideradas crime. 24


Violência sexual é crime! Violência sexual contra crianças e adolescentes é crime e o Código Penal prevê diferentes penalidades para práticas dessa natureza. Vejamos:

de vontade da vítima. A pena de reclusão pode variar de 2 a 6 anos. Se o crime é praticado com o fim de se obter vantagem econômica, também será aplicada uma multa.

Em seu artigo 213, o Código Penal tipifica o estupro como o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. A pena é a reclusão, que varia de 6 a 10 anos. Se dessa conduta derivar lesão corporal de natureza grave ou se a vítima tiver entre 14 e 18 anos, a pena de reclusão aumenta para 8 a 12 anos.

Quem submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, pode ficar recluso de 4 a 10 anos. O proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que essas práticas aconteçam também poderá ser penalizado.

Já em seu artigo 215, o Código prevê a pena para conjunções carnais ou atos libidinosos que ocorram mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação

O Código Penal também prevê penas para os casos de exploração sexual. O artigo 227 diz que quem induzir alguém a satisfazer a lascívia (desejo sexual extremado) de outras 25


Plano Nacional pessoas ficará recluso pelo período de 1 a 3 anos. Mas, se a vítima tiver entre 14 e 18 anos, ou se o agente for alguém próximo a ela, a pena de reclusão varia de 2 a 5 anos. E, se o crime é cometido com o emprego de violência, grave ameaça ou fraude, somase uma reclusão de dois a oito anos à pena correspondente à violência. Tirar proveito da prostituição alheia também é crime! Se a pessoa participa diretamente de seus lucros ou se faz sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça, a pena é a reclusão, de 1 a 4 anos, além de multa. Por fim, no artigo 229, é mencionada a pena para quem mantém uma casa onde ocorra exploração sexual: reclusão de 2 a 5 anos e multa. 26

Criado no ano de 2000 e reformulado em 2013, o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes é um orientador de ações e serviços para prevenir e enfrentar a violência sexual no país. O novo plano está estruturado em seis grandes eixos interligados. Cabe lembrar que cada estado brasileiro, bem como alguns municípios, também construíram seus planos de enfrentamento, de acordo com suas realidades. Conheça a seguir os seis eixos do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.


• Eixo Prevenção: ações que visam à prevenção da ocorrência da violência sexual. • Eixo Atenção: contituido de ações que visam à garantia do atendimento integral a crianças e adolescentes que sofreram violência sexual. Pressupõe o desenvolvimento de ações articuladas, com base no respeito aos direitos humanos. • Eixo Defesa e Responsabilização: são ações orientadas à fiscalização do que vem sendo feito na defesa dos direitos e na responsabilização dos agressores.

• Eixo Participação e Protagonismo: ações que objetivam estimular a participação de crianças e adolescentes em espaços de garantia e promoção de seus direitos. • Eixo Estudos e Pesquisas: são ações de estudos e pesquisas que objetivam organizar sistemas articulados de informações sobre a situação da violência sexual. O objetivo é empreender avaliações quantitativas e qualitativas acerca das transformações do problema da violência e análise de cenários futuros.

• Eixo Comunicação e Mobilização Social: conjunto de ações que devem possibilitar a avaliação da qualidade e o potencial da mobilização para o enfrentamento à violência sexual no país, envolvendo os diversos atores da sociedade. 27



CAPÍTULO 3

Violência Sexual: Como Interromper e Prevenir A violência sexual deixa marcas físicas e psicológicas em meninas e meninos. É fundamental saber identificar esses sinais e denunciar as violações a membros do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes.


Pronto, já conhecemos as principais formas de violência contra meninas e meninos. Vimos também que todas elas, especialmente a violação dos direitos sexuais, comprometem o desenvolvimento integral dessas crianças e adolescentes. No entanto, também é importante saber identificar os vestígios deixados por essas violações. Assim, podemos identificá-las, interrompê-las e assegurar um atendimento especializado à vítima da violência sexual e sua família. Portanto, lembre-se: após a identificação (ou suspeita) da violência sexual, é fundamental denunciar essas ocorrências aos órgãos competentes. 30


Como identifico sinais físicos de abuso sexual? Manchas roxas, marcas de mordida e feridas nos órgãos genitais da criança (fissuras e sangramentos, por exemplo) são sinais típicos de abuso sexual! No entanto, é preciso lembrar que nem sempre esse tipo de violência deixa vestígios no corpo: práticas de pornografia, exibicionismo e voyeurismo (quando alguém se excita observando a relação sexual de outras pessoas) envolvendo crianças e adolescentes também podem se configurar como abuso sexual. Além disso, a violação não acontece somente quando o ato sexual é consumado. Carícias nos órgãos genitais, nas mamas ou no ânus de menores de 14 anos, ou realizadas sem consentimento em pessoas com idade entre 14 e 18 anos, são consideradas violência sexual! Mesmo que não deixem marcas visíveis a olho nu, todas essas violações podem comprometer seriamente o desenvolvimento físico, psicológico e social de nossas meninas e meninos.

Quais são as mudanças de comportamento mais comuns da criança ou do adolescente vítima de violência sexual? Ainda que sutis, algumas mudanças de comportamento podem evidenciar que a criança foi ou está sendo vítima de algum tipo de violência sexual. Preste atenção em alterações emocionais súbitas e em comportamentos distintos daqueles que ela costumava apresentar. Tristeza constante, desmotivação, sonolência ou agressividade repentina podem ser sinais de que algo 31


não vai bem! Em alguns casos, também ocorrem problemas de aprendizagem e uso de drogas. Esses sintomas tendem a ser mais graves quando a situação de violência torna-se frequente! Veja, abaixo, outras alterações comportamentais típicas de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual: • A menina ou o menino tem medo de ficar sozinho com determinada pessoa, ou mesmo evita conviver com ela. • Ocorre uma perda repentina da vontade ou do interesse em brincar. • A criança ou o adolescente manifesta uma curiosidade exacerbada sobre sexo e masturbase com muita frequência. Outra evidência é a utilização de palavras e gestos obscenos. • Perda de controle sobre as fezes (encoprese) ou sobre a urina (enurese).

Atenção! Se a criança ou adolescente manifesta vários dos comportamentos

apresentados, pode ser um indicativo de que foi ou está sendo vítima de violência sexual! Quando alguma das condutas acima se manifesta de forma isolada, é preciso cautela: mesmo que não aponte para a ocorrência de abuso ou exploração sexual, pode evidenciar que meninos e meninas estão sofrendo outras formas de violência.

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Um cuidado importante consiste em não fazer com que a criança ou o adolescente violentado reviva o trauma pelo qual passou. Ainda que ele tenha tomado a iniciativa de relatar o episódio a alguém, não podemos obrigá-lo a repetir o caso para outras pessoas, incluindo os vários profissionais que integram o Sistema de Garantia de Direitos (leia mais sobre esse sistema no capítulo 4). Caso seja instaurado um processo investigativo, é preciso garantir que a menina ou o menino não será ouvido repetidas vezes.

Tudo indica que a criança foi vítima de violência sexual. Como devo proceder? Quanto mais cedo crianças e adolescentes tiverem acesso ao atendimento especializado, maiores serão as chances de reduzir os danos ocasionados por essas violações. Uma das alternativas é buscar os serviços ofertados pelo CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) ou pelo CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) em sua cidade (Leia mais sobre esses equipamentos no capítulo 4). A partir das atividades oferecidas alí, meninos e meninas vítimas de violência sexual podem construir novos sentidos para suas trajetórias e ressignificar a violência vivida. 33


Em caso de suspeitas deve-se, em primeiro lugar, acionar profissionais da rede de proteção a crianças e adolescentes e registrar a denúncia! Você deverá procurar algum dos seguintes equipamentos: • Conselho Tutelar; • Escolas públicas, com professores, orientadores ou diretores; • Delegacias comuns ou especializadas; • Polícia Militar, Polícia Federal ou Polícia Rodoviária Federal. Também é possível denunciar pelo telefone e pela internet: • Disque 190 (Polícia Militar); • Disque 100 (Disque Direitos Humanos) – Este é um canal gratuito mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, responsável por acolher denúncias relacionadas a qualquer violação de direitos humanos no país. Pelo telefone, você diz onde ocorreu a situação e o nome dos envolvidos. A atendente abrirá uma espécie de queixa e pedirá aos órgãos do seu município que investiguem o caso. A denúncia é sigilosa e anônima. • www.safernet.org.br – A denúncia de casos de pornografia na Internet deverá ser feita no site da organização não-governamental Safernet, no endereço www.safernet.org.br 34


Basta clicar na caixa “Denunciar crimes na Web”, que aparece na página inicial, escolher a opção “Pornografia infantil” e preencher o formulário. É simples, rápido e sigiloso. A Safernet Brasil é responsável por operar a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, em cooperação com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Polícia Federal e Ministério Público.

Para além de denunciar o crime e os envolvidos, é de extrema importância mostrar às crianças e aos adolescentes vítimas de violência sexual que eles não estão desamparados. Também não se deve responsabilizá-los pela violação sofrida. Meninas e meninos são sempre vítimas, em qualquer circunstância! É preciso transmitirlhes confiança e demonstrar abertura para o diálogo: eles se sentirão à vontade para expressar seus sentimentos e, assim, poderão elaborar e ressignifcar o trauma vivido.

Atenção! Muitas vezes, crianças e adolescentes que sofreram violência sexual sentem-se culpados com a punição do agressor, principalmente quando existem laços afetivos com ele. É importante explicar a essas meninas e meninos que eles não têm culpa pelo ocorrido, e que o agressor deverá ser responsabilizado penalmente, de acordo com as leis de nosso país.

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Mitos Existem várias generalizações sobre vítimas e agressores envolvidos em casos de violência sexual, e muitas delas são mitos! Destacamos algumas das afirmações mais comuns sobre o assunto e comentamos cada uma delas. Em alguns dos casos, explicamos porque não devem ser levados em conta. Leve adiante essas informações junto à família, aos amigos e aos colegas de trabalho! Mito: Toda pessoa que abusa de uma criança ou de um adolescente é pedófilo. Nem todos os abusadores são pedófilos! A pedofilia é um transtorno de personalidade, caracterizado pelo desejo sexual por crianças pré-púberes, geralmente abaixo dos 13 anos. Para que alguém seja considerado pedófilo, 36

é necessário um diagnóstico psiquiátrico. Muitos casos de abuso e exploração sexual, inclusive, são cometidos por pessoas que não apresentam nenhum transtorno diagnosticado. Vale lembrar que o que caracteriza o crime não é a pedofilia, mas o ato de abusar ou explorar sexualmente uma criança ou um adolescente. Mito: Quem comete abuso sexual normalmente é homossexual. Uma coisa não tem nada a ver com a outra! Autores de violência sexual têm perfis muito distintos. Mito: Adolescentes que praticam ato sexual com consentimento não são vítimas de exploração sexual.


De acordo com a legislação brasileira, crianças e adolescentes são indivíduos em “condição peculiar de desenvolvimento”, sendo, portanto, vítimas em qualquer situação de abuso ou exploração. O autor da agressão tem inteira responsabilidade pela violência cometida e deve ser responsabilizado conforme as leis do país. Mito: As vítimas de violência sexual são oriundas, geralmente, de famílias de baixa renda. Estatisticamente, a maioria das crianças e adolescentes que sofrem violência sexual são, de fato, pobres. Isso porque é mais comum que famílias de baixa renda acionem os serviços públicos de proteção a meninos e meninas, se comparadas com os núcleos familiares que possuem renda mais elevada. Como esses atendimentos implicam em registro e

notificação dos casos, o perfil socioeconômico das crianças violadas torna-se relativamente homogêneo. Mito: Somente homens comentem abuso sexual. De fato, a maioria dos casos de abuso sexual registrados é cometida por pessoas do sexo masculino. No entanto, ainda que em menor número, também existem mulheres que abusam sexualmente de crianças e adolescentes.

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CAPÍTULO 4

QUEM É QUEM NA REDE DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES A promoção e defesa dos direitos da infância e adolescência deve ser feita por um conjunto articulado de instituições e serviços públicos, o Sistema de Garantia de Direitos. Você faz parte desta rede!


No primeiro capítulo, conhecemos um pouco sobre a legislação brasileira de referência na área da infância, cuja principal lei é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Estatuto chama a atenção para a condição peculiar de desenvolvimento de meninas e meninos e compartilha entre a família, a sociedade e o Estado a responsabilidade pelo cuidado com esses sujeitos. Vimos que é preciso assegurar à população de 0 a 18 anos um desenvolvimento integral, a salvo de quaisquer formas de opressão, discriminação e violência. Para que isso se concretize, o ECA criou o “Sistema de Garantia de Direitos” (SGD), uma rede que integra e articula várias instâncias do poder público (algumas anteriores a essa lei) na promoção e na defesa dos direitos humanos de meninas e meninos. O SGD pode operar em nível municipal, estadual, distrital e nacional. O Conselho Tutelar, o Centro de 40

Referência de Assistência Social (CRAS) e o Ministério Público são alguns dos atores que integram o Sistema. Vejamos o que diz o artigo 86 do ECA, que dispõe sobre a política de atendimento a meninos e meninas: “A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios” (Artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente).

O Sistema de Garantia de Direitos reúne instituições e serviços públicos voltados ao atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco. Com esse perfil, estão meninas e meninos ameaçados de abandono; de violência física, psicológica ou sexual; de exploração sexual comercial; de situação de


rua; de trabalho infantil e de outras violações. Embora cada um dos atores que compõem o SGD tenha papéis específicos, todos devem agir de forma complementar e articulada. Conheça algumas das instituições que compõem o Sistema de Garantia de Direitos da Infância:

Conselho dos Direitosda Criança e do Adolescente:

O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) é um órgão deliberativo, ou seja, suas decisões têm efeito de lei. Metade de seus membros vem de organizações da sociedade civil e a outra parte é composta por representantes do poder executivo local. A principal função do Conselho é definir diretrizes para a formulação das políticas públicas de atenção à criança e ao

adolescente, que devem orientar a criação de projetos e programas pelos governos municipal, estadual e federal. Existem os conselhos municipais (CMDCAs), estaduais (CEDCAs) e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA).

Conselho Tutelar: Criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o Conselho Tutelar é encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos de meninas e meninos em âmbito municipal. Cada município deve contar com, no mínimo, um Conselho Tutelar, que é parte integrante da administração pública local. Qualquer violação de direito pode e deve ser denunciada diretamente a esse órgão, cujas atribuições são: atender crianças e adolescentes; atender e aconselhar pais ou responsáveis; requisitar serviços públicos, 41


incluindo certidões de nascimento; assessorar o poder público na elaboração do orçamento; e encaminhar casos ao juiz, se necessário. O Conselho Tutelar é composto por 5 membros, escolhidos pela população local para um mandato de 4 anos. O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) é a instância responsável por coordenar e convocar as eleições no município. É recomendável que o edital estabeleça alguns pré-requisitos para a candidatura, como ensino médio completo e conhecimento aprofundado do Estatuto da Criança e do Adolescente. Qualquer pessoa pode votar nas eleições para o Conselho Tutelar. Portanto, fique atento às datas e contribua para a eleição de bons conselheiros em sua cidade! E em caso de violação de direitos de crianças e adolescentes,

denuncie! 42

Centro de Referência de Assistência Social (CRAS):

O CRAS é a principal via de acesso ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nos municípios, dada sua capilaridade nos territórios. É responsável pela organização e oferta de serviços da Proteção Social Básica, em áreas de vulnerabilidade e risco social. O principal serviço ofertado pelo CRAS é o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif), que visa a fortalecer a função protetiva das famílias. A ideia é prevenir a ruptura de vínculos, promover o acesso e usufruto de direitos e contribuir para a melhoria da qualidade de vida de cada um dos membros do núcleo familiar.


Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS):

O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) é um equipamento público que oferece proteção social a qualquer pessoa que necessite desses serviços, com ênfase no atendimento de famílias. A equipe se compõe, principalmente, de psicólogos e assistentes sociais. Os serviços ofertados pelo CREAS devem contribuir para a superação das situações em que ocorrem violações de direitos, tais como violência intrafamiliar, abuso e exploração sexual, situação de rua e trabalho infantil. O CREAS atende, também, a demandas específicas relacionadas a outros grupos sociais em situação de vulnerabilidade, tais como idosos e pessoas com deficiência, além de situações de drogadição, afastamento do convívio familiar e comunitário,

discriminação em decorrência de raça/etnia, orientação sexual, entre outros. Além disso, acompanha o cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto.

Delegacia especializada de proteção a crianças e adolescentes: Órgão da Polícia Civil,

essa delegacia é encarregada de investigar e apurar situações em que crianças ou adolescentes são vítimas de crimes. Denúncias de negligências e maus tratos ocorridos no próprio âmbito familiar da vítima constituem a maioria dos casos atendidos nessas delegacias. Segundo o artigo 172 do ECA, adolescentes em conflito com a lei também deverão ser encaminhados, pela Polícia Militar, à Delegacia de Polícia Civil. A infração cometida 43


deverá ser apurada nessa delegacia e o caso encaminhado ao promotor de justiça. O promotor tomará as providências para instaurar ou não um processo, garantindo a ampla defesa do adolescente e visando apurar se ele é, de fato, autor de um ato infracional. Se instaurado, o processo deve culminar em uma sentença, que vai declarar o adolescente inocente ou culpado. Caso seja culpado, o juiz poderá aplicar-lhe as chamadas medidas socioeducativas, previstas no artigo 112 do ECA e descritas no primeiro capítulo desta cartilha.

escolas: As escolas são espaços

privilegiados de convivência e aprendizado diário entre crianças, adolescentes, jovens e adultos. No que diz respeito à proteção de meninas e meninos, cabe à escola notificar os 44

órgãos que compõem o Sistema de Garantia de Direitos, como o Conselho Tutelar, o CRAS e o Ministério Público, quanto a violações de direitos. Além disso, a escola deve trabalhar, em seus conteúdos curriculares, a identificação e a prevenção às diversas formas de violência contra meninos e meninas.

Centros de Saúde: Os centros

de saúde são a porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS) e fazem parte da chamada Atenção Básica, um conjunto de ações voltadas à promoção e à proteção da saúde, à prevenção de agravos, ao diagnóstico, ao tratamento, à reabilitação e à manutenção da saúde. Nessas unidades, o usuário poderá se consultar e, com encaminhamento médico, agendar consultas especializadas, fazer pré-natal e acompanhamento de doenças


crônicas, vacinar-se, retirar medicamentos, fazer consultas odontológicas, além de outros serviços. De acordo com a Portaria n° 1.968/GM do Ministério da Saúde, de 2001, os profissionais da saúde e da educação são obrigados a notificar quaisquer maus-tratos cometidos contra crianças e adolescentes. Assim, os técnicos responsáveis pelas unidades participantes do SUS deverão, sempre, comunicar situações desse tipo ao Conselho Tutelar. Embora esses cuidados sejam essenciais para garantir uma infância segura e protegida, os profissionais da área da saúde não devem atuar de forma isolada. Trabalhos intersetoriais e interdisciplinares são fundamentais para garantir que o enfrentamento à violência sexual infantojuvenil seja efetivo.

Ministério Público: É um órgão

autônomo e independente dos demais poderes da República (o Executivo, o Legislativo e o Judiciário). Vários são os papéis do Ministério Público: ele deve fiscalizar o cumprimento das leis que defendem o patrimônio nacional e os interesses sociais e individuais; ajuizar ações penais públicas; expedir recomendações sugerindo a melhoria de serviços públicos e realizar controle externo da atividade policial. O órgão também recebe denúncias, instaura processos investigatórios e ajuíza ações quando comprovada alguma irregularidade. Ele atua em nível estadual e federal e é um agente fundamental na proteção e defesa dos direitos de meninas e meninos.

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Promotoria de Justiça da Infância e Juventude: As

promotorias de justiça, incluindo aquela especializada em infância e juventude, são ligadas ao Ministério Público, em nível estadual ou federal. Uma das principais funções dos Promotores de Justiça é atuar na defesa judicial e extrajudicial dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, previstos na Constituição Federal de 1988 e no ECA. Assim, a Promotoria intervém em casos relativos, por exemplo, à quantidade de vagas em creches ou escolas; à obtenção de atendimento médico especializado; à oferta de medicamentos e próteses; e à convivência familiar (proteção à família natural e inserção em famílias substitutas). Cabe à Promotoria, também, acompanhar a atuação dos profissionais ligados à proteção de meninas e meninos, zelando pela garantia e qualidade dos serviços públicos.

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Organizações da sociedade civil : As organizações

não governamentais (ONGs) são parte da chamada “sociedade civil organizada” e, de modo geral, atuam pela garantia e defesa dos direitos humanos, especialmente de minorias e de populações em situação de vulnerabilidade. Há uma grande diversidade temática nos trabalhos das ONGs: existem desde entidades ligadas à proteção do meio ambiente até aquelas que se dedicam à proteção dos direitos de crianças e adolescentes. Também temos, por exemplo, instituições voltadas à valorização da cultura afrodescendente e ao enfrentamento do trabalho em condições análogas à escravidão. Normalmente, essas entidades são espaços de participação social qualificada, contribuindo para o alargamento da cidadania. No entanto, não podem – e nem devem –


substituir o Estado em seus papéis. Cabe às ONGs exercer o controle social sobre as políticas públicas, ou seja, monitorar e fiscalizar a execução dos serviços públicos, acompanhar o trabalho dos legisladores em nível municipal, estadual ou nacional. Além disso, por meio de campanhas, ações massivas

e outras atividades, essas organizações inserem na agenda pública temas e questões importantes no campo dos direitos humanos. Muitas vezes, experiências bem-sucedidas das ONGs inspiram e estimulam novas iniciativas do poder público, sendo essa também uma forma de incidir politicamente.

Todas essas instituições que compõem o Sistema de Garantia de Direitos são extremamente importantes no enfrentamento às violências cometidas contra crianças e adolescentes. Conhecer os papéis de cada uma delas nos faz ainda mais comprometidos com a proteção integral da população de 0 a 18 anos! Assim, zelamos para que meninos e meninas possam se desenvolver de forma saudável, segura e protegida.

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Para saber mais Agência Nacional dos Direitos da Infância (ANDI) A ANDI é uma organização da sociedade civil que articula ações voltadas às interfaces entre mídia e desenvolvimento. Vá à seção “Infância e Juventude”, clique em “Guias Online” e acesse dois guias sobre violência sexual. Um deles é voltado a jornalistas e, o outro, a gestores.

>> http://www.andi.org.br/infancia-ejuventude/page/guias-online

Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes O Comitê reúne representantes da sociedade civil, dos poderes públicos e de cooperações internacionais para monitorar a implementação 48

do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil. Na seção “Biblioteca”, você encontrará publicações sobre essa realidade no Brasil e em outros países.

>> http://comitenacional.org.br/

Rede de Informações sobre Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (RECRIA) A RECRIA é um projeto realizado pelo Centro de Referência, Estudos e Ações sobre a Criança e o Adolescente (CECRIA), em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O objetivo é democratizar o conhecimento sobre o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes, de maneira a informar a população e subsidiar políticas públicas. O site é abastecido com vários conteúdos sobre o assunto, especialmente nas seções “Estudos e pesquisas” e “Glossário”.

>> http://www.recrianacional.org.br/


Bibliografia Ações de Educação Sexual e Promoção da Saúde. Belo Horizonte, Oficina de Imagens, 2011. BRASIL. Código de Menores. Lei Federal nº 6.697, de 10 de outubro de 1979. BRASIL. Constituição (1988). Texto Constitucional de 5 de outubro de 1988. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº 8069, de 13 de julho de 1990. BRASIL. Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009. Caderno do Agente - Enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e região metropolitana de Belo Horizonte. PROEX/ UFMG, 2009.

Direitos Sexuais são Direitos Humanos Caderno Temático. Brasília, Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual, 2011. Estatuto da Criança e do Adolescente: um guia para jornalistas. Belo Horizonte, Rede Andi Brasil/Oficina de Imagens, 2011. Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil. Brasília, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Sites consultados www.planalto.gov.br www.sdh.gov.br www.safernet.org www.unicef.org.br www.mds.gov.br 49


Expediente: OFICINA DE IMAGENS - COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO DIRETORIA EXECUTIVA: Alcione Rezende, Andre Hallak COORDENAÇÃO INSTITUCIONAL: Adriano Guerra, Bernardo Brant EQUIPE DO PROJETO VIOLÊNCIA SEXUAL NÃO: Bruno Vieira, Jozeli Rosa e Rodrigo Corrêa Ficha técnica: Produção de Conteúdo: Bruno Vieira, Elizabeth Gomes, Jozeli Rosa e Rodrigo Corrêa Supervisão de Conteúdo: Elizabeth Gomes Edição: Sâmia Bechelane Revisão TEXTUAL: Max Melquiades Projeto gráfico: Mariana Fonseca IMPRESSÃO: Gráfica Formato Tiragem: 2500 unidades www.oficinadeimagens.org.br Rua Salinas, 1101 - Bairro Santa Tereza Belo Horizonte - MG - CEP: 31015-365 +55 31 3465.6800 Belo Horizonte, maio de 2014




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