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Cadernos do Olhar #29 Claudio Ferlauto


Cristina Burger, aquarela


Agora em diante escreveremos sem palavras, essa é que é a verdade. O filósofo filosofa e mira o espaco futuro: «o ideal que a escrita colocou para si mesma é inalcançavel.» Faz tempo que partindo das imagens do mundo conseguimos organizar o mundo em linhas de texto e, seguindo sempre em frente, estamos prestes a voltar a uma escrita baseda em imagens, onde as palavras não terão mais protagonismo. Nada mais tolo que pensar que o verbal é o único modo de entender o mundo. Mas isso é prosa acadêmica ou futurista e o artista anuncia que sua prosa é mais epidêmica que acadêmica.Vou escrever ao avesso, como compunham os velhos tipógrafos do mundo mecânico em suas oficinas fragmentadas. Não menos prática ou lógica as imagens sonoras dominam, nesse momento, o ambiente em torno da mesa de trabalho e então ligo a televisão. Enquanto espero o início do futebol, desenho e rabisco uma ideia para um cartaz enquanto consulto um livro de artes visuais. Escrever, não ler, o pau comer, velho ditado idiota dos tempos do colégio jesuita. Lembras? Não? Eu. tampouco. Claudio Ferlauto

Cadernos do olhar #29 Inverno 2018 Editor Claudio Ferlauto Tipografia/ Gill Sans, Graviola, Bodoni, Fresh Bold, Calibri, Novarese, DIN 1451, Gotham, Garamond Capa/ Autoretrato e Étant donnés: 1° la chute d’eau – 2° le gaz d’éclairage, Marcel Duchamp. Duchamp, Great Modern Masters, José María Faerna, Cameo/Abrams, NY, 1996


Giuseppe Tomasi di Lampedusa

É PRECISO RECUAR A 1887, TEMPO QUE TE PARECERÁ PRÉ-HISTÓRICO MAS QUE PARA MIM NÃO O É.


«Sabes, eu, no fundo te quero bem: a tua ingenuidade me comove, a franqueza das tuas maquinações vitais me diverte; e depois me parece ter compreendido que tu, como ocorre com alguns sicilianos da melhor espécie, conseguiste realizar a síntese dos sentidos e da razão. Mereces então que eu não te deixes de mãos abanando, sem ter explicado as razões de algumas minhas estranheza, de algumas frases que eu disse diante de ti e que decerto te pareceram dignas de um maluco. Protestei sem convicção: «Não compreendi muitas coisas ditas pelo senhor, mas sempre atribuí essa incompreensão à falta de condições da minha mente, nunca a uma aberração da sua.» Deixa estar, […], dá no mesmo. Todos nós velhos parecemos malucos a vocês jovens e, em vez disso, seguidamente ocorre o contrário. Para explicar-me, porém, deverei contar-te a minha aventura, que é incomum. Ela aconteceu quando eu era aquele rapaz ali, e me indicava a sua fotografia. É preciso recuar a 1887, tempo que te parecerá pré-histórico mas que para mim não o é». ‘La sirena’ è un racconto lungo di Giuseppe Tomasi di Lampedusa, noto anche come ‘Lighea’. No Brasil publicado pela L&PM como ‘O senador e a Sereia’


Leonardo Sciascia

sicilia Nel suo saggio sul Mastro-don Gesualdo [di Giovanni Verga] Lawrence dice dei siciliani: «E presi uno per uno, gli uomini hanno qualcosa della noncuranza ardita dei greci. È quando stanno insieme come cittadini che diventano gretti». Giudizio acutissimo – e a «gretti» si può anche sostituire «micidiale» –, che di fatto Pirandello condivide e discioglie in gran parte dell’opera sua. Ma come ogni siciliani chi vede gli strumenti di giudizio, che egli stesso ha offerto, adoperati sensa respetto e cautela, in accusa irreversibile, Pirandello è portato a difendere la Sicilia, i siciliani, ogni volta che li sente offesi – anche se allusivamente o vagamente – dal pregiudizio. […] Pirandello: Tutt’altro! Non era, né poteva essere nelle mie intenzioni, di rappresentar barbara o di civiltà inferiore la Sicilia. Altra vita, altro sangue, altra natura, altri costumi, altri bisogni, altra sensibilità, altri sentimenti. È tutto qui. Già , è tutto qui: ancora. Leonardo Sciascia



Italo Calvino

«Il libro é nato un pezzetto per volta, a intervalli anche lunghi, come poesie che mettevo sulla carta, seguendo le più varie ispirazioni. Io nello scrivero vado a serie: tengo tante cartelle dove metto le pagine che mi capita di scrivere, secondo le idee che mi girano per la testa, oppure soltanto appunti di cose che vorrei scrivere. Ho una cartella per gli oggetti, una cartella per le persone, una cartella per i personaggi storici e un’altra per gli eroi della mitologia; ho una cartella sulle quattro stagioni e una sui cinque sensi, in una raccolgo pagine sulle città e i paesaggi della mia vita e in un’altra città immaginaire, fuora dallo spazio e dal tempo. Quando una cartella comincia a riempirsi di fogli, comincio a pensare al libro che ne posso tirar fuori. ¶ Cosi mi sono portato dietro questo libro delle città negli ultimi anni, scrivendo saltuariamenti, un pezzetto per volta, passando attraverso fasi diversi. Per qualche tempo mi veniva da immaginare solo città tristi e per qualche tempo solo città contente; c’è stato un periodo in cui paragonavo le città al cielo stellato, e in un altro periodo invece mi veniva sempre da parlare della spazatura che dilaga fuori dalle città ogni giorni. Era diventato un pó come un diario che seguiva i miei umori e le mie riflessioni; tutto finiva per transformarsi in immagini di città: i libri che leggevo, le esposizione d’arte che visitavo, le discussioni con gli amici». Città invisibili. Presentazione di Italo Calvino



Katherine McKoy et altri

¶ O design gráfico passou por muitas mudanças no decorrer do século XX: foi agente das transformações sociais por meio da imprensa;


a ideia de grade foi ferramenta para a reconstrução da sociedade europeia no pósguerra; e a partir da escritura do Post Script, nos anos 1980, a profissão foi reinventada em outra base. ¶ Para quem tem pouco mais de 500 anos de vida —de Gutenberg aos tablets— sua história é repleta de acontecimentos admiráveis. ¶ Essa produção provoca amplas discussões sobre as transformações do passado e as que estão por vir: um universo visual que, cada vez mais, não contempla o cheiro das tintas, nem o manuseio do papel; e, principalmente, quase não há mais tempo para reflexão sobre o processo de trabalho e sobre os resultados. ¶ Neste novo

status, transitamos pelo tempo, enfatizando a visualidade por meio dos sons e de imagens em movimento: — que tipo de design é esse que nos aponta o futuro?

Claudio Ferlauto


Seth Siegelaub

«I AM NOT AN ARTIST. I HAVE BEEN INVOLVED IN THE BUSINESS OF ART FOR THE PAST 4 YEARS. WITHIN THAT PERIOD MANY THINGS HAVE CHANGED; THE ARTISTS WHO MAKE ART, THE MANNER AND SITUATION IN WHICH ART ARE EXHIBITED IN… THE BROADENING OF THE (GEOGRAPHICAL) AREA WHERE ARTISTS CHOSE TO WORK… BUT 2 BASIC THINGS HAVE NOT CHANGED: – 1) THE PEOPLE WHO CONTROL ART AND – 2) THE RIGHTS AND CONTROLS AN ARTIST HAS IN THE SALE AND EXHIBITION OF HIS ART». SETH SIEGELAUB, JANUARY, 1970


Orhan Pamuk

[…] No fim nossa arte se extinguirá, nossas cores esmaecerão. Ninguém mais se interessará por nossos livros e por nossas pinturas. E os que se interessarem, não compreenderão mais nada, e perguntarão com uma careta porque esta ausência de perspectiva — se é que poderão encontrar as próprias obras. A indiferença dos homens, o tempo e as catástrofes destruirão nossa arte. A cola das nossas encadernações, conforme a fórmula árabe, contêm escamas de peixe, osso, mel, e nossas páginas são lustradas com clara de ovo e amido. Os camundongos vorazes as comerão com despudorada gula. Os cupins, os carunchos e mil espécies de bichos roerão nossos preciosos manuscritos até desaparecerem. As encadernações racharão, as páginas se soltarão. Criados indiferentes, ladrões e crianças rasgarão, sem pensar, as páginas e as pinturas, donas de casa irão usá-las para acender o fogo. […] De tempo em tempo, algum censor religioso, furiosamente inspirado, declarará que tudo aquilo é pecado, cobrirá tudo com extrato de nogueira. Ou uma criança recortará as páginas para fazer caricaturas e se divertir, os pais ou os irmãos se masturbarão sobre as figuras femininas, e assim as páginas ficarão grudadas, não só por causa disso, mas também por obra da lama, da cola que transborda, da saliva adensada com todos os restos possíveis de comida. Onde as páginas se grudaram, pontos de mofo desbrocharão como flores. Orhan Pamuk Meu nome é vermelho

O f i m d o l i v ro


Joanot Martorell

PARE REVERENT, SUPLIC A LA MERCÈ VOSTRA QUE EM DIGAU SI SOU CAVALLER. Como? Ignoras o que sejam a regra e a ordem da cavalaria? Como podes pedir a cavalaria enquanto não conheces a ordem? Pois nenhum cavaleiro pode manter o ordem se não a conhece e ignora o que é inerente a ela; ninguém pode ser cavaleiro se desconhece a ordem da cavalaria; cavaleiro irresponsável aquele que sagra a outrem cavaleiro e não lhe sabe ensinar os costumes próprios de um cavaleiro. ¶ Sentindo Tirant que o eremita mui justamente o repreendia, alegrou-se de alegria inestimável. Tirant Lo Blanc, Joanot Martorell, cap XXX.


Histórias Sicilianas, Giuseppe Tomasi di Lampedusa, LPM, Porto Alegre, 1980 Alfabeto pirandelliano, Leonardo Sciascia, Adelphi, Milano, 1989 Le città invisibile, Italo Calvino, Mondadori, Milano, 1993 Cranbrook Design: the new discourse, Katherine McKoy… [et al.], Risoli, N, 1990 Beyond Conceptual Arta, Seth Siegelaub, Stedelijk Museum, Amsterdam, 2016 Meu nome é vermelho, Orhan Pamuk, Companhia das Letras, SP 2004 Tirant lo Blanc, Joanot Martorell, Giordano, SP 1998 — Joanot Martorell, ed. 62, Barcelona, 1991 A arte como experiência, John Dewey, Martins Fontes, SP, 2012 ­


Cadernos do Olhar #29 Inverno 2018

«Na língua inglesa não há uma palavra que inclua de forma inequívoca o que é espresso pelas palavras «artístico» e «estético». Visto que «artístico» se refere primordialmente ao ato de produção, e «estético», ao de percepção e prazer, a inexistência de um termo que designe o conjunto dos dois processos é lamentável. Às vezes, o efeito disso é separá-los um do outro, é ver a arte como algo que se superpõe ao material estético ou, por outro lado, leva à suposição que, como a arte é um processo de criação, a percepção dela e o prazer que dela se extrai nada tem em comum com o ato criativo». John Dewey, Arte como experiência.


Cadernos do Olhar #29 Claudio Ferlauto


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