Caderno#24 as cidades 30 out 2017

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Cadernos do Olhar #24 As cidades

A CIDADE TEVE EM TEMPOS UM PASSADO. NO SEU ESFORÇO PARA ALCANÇAR NOTORIEDADE, GRANDES SETORES DELA DE CERTO MODO DESAPARECERAM, A PRINCÍPIO SEM QUE NINGUÉM O LAMENTASSE —SEGUNDO PARECE, O PASSADO ERA SURPEENDENTEMENTE INSALUBRE, MESMO PERIGOSO— E DEPOIS SEM AVISAR, O ALÍVIO TRANSFORMOU-SE EM PESAR. ALGUNS PROFETAS —DE LONGOS CABELOS BRANCOS, MEIAS CINZENTAS E SANDÁLIAS— TINHAM SEMPRE AVISADO QUE O PASSADO ERA NECESSÁRIO, UM RECURSO. LENTAMENTE, A MÁQUINA DE DESTRUIÇÃO COMEÇA A IMOBILIZAR-SE; ALGUMAS CASINHOLAS ALEATÓRIAS DO BRANQUEADO PLANO EUCLIDIANO SALVAM-SE, RESTITUÍDAS A UM ESPLENDOR QUE NUNCA TIVERAM.


GENÉRICA

Textos

A CIDADE GENÉRICA & JUNKSPACE

Rem Koolhaas Tradução, Luis Santiago Baptista Design, desenhos e textos Claudio Ferlauto Tipografia Baskerville, Bodoni, Brasilero, Chalkduster, Comic Sans, DINEngschrift, Futura, Gill Sans, Gotham, Helvetiva Neue, HouseSampler-Spaceage, JF Ringmaster, Lithos Pro, Minion Pro, Stone Sans, Times New Roman Zapf Dingbats.

Cadernos do

Outono 2017

OLHAR#24

E S PA Ç O S U R B A N O S

Será a cidade contemporânea como o aeroporto contemporâneo «igual a todos os outros»? Será possível teorizar esta convergência? E em caso afirmativo, a que configuração definitiva aspira? A convergência é possível apenas à custa do despojamento da identidade. Isto é geralmente visto como uma perda. Mas à escala em que isso acontece, tem de significar algo. Quais são as desvantagens da identidade e, inversamente, quais as vantagens da vacuidade? E se esta homogeneização aparentememnte acidental —e geralmente deplorada— fosse um processo intencional, um movimento consciente de distanciamento da diferença e aproximação da semelhança? E se estivermos a assistir a um movimento de libertação gloriosa «abaixo o caráter!» O que resta se removermos a identidade. O Genérico.


POR VEZES, UMA CIDADE ANTIGA E SINGULAR, COMO É O CASO DE BARCELONA, AO SIMPLIFICAR EXCESSIVAMENTE A SUA IDENTIDADE PASSA A SER GENÉRICA. TORNA-SE TRANSPARENTE COMO UM LOGOTIPO. O CONTRÁRIO NUNCA SUCEDE. Acima, La Pedrera, Casa Milà, Barcelona Página anterior, Aeroporto Capa, Assisi, Itália


Há edifícios interessantes e aborrecidos na Cidade Genérica, como em todas as cidades. Em ambos os casos a sua ascendência remonta a Mies van der Rohe: a primeira categoria à sua torre irregular da Friedrichstrasse, 1921; a segunda, às caixas que ele concebeu não muito tempo depois. Esta sequência é importante: obviamente depois de uma experiência inicial, Mies tomou uma decisão de uma vez por todas contra o interessante, a favor do aborrecimento. Quando muito, os seus edifícios posteriores captam o espírito de seu trabalho anterior —sublimado, reprimido?— como uma ausência mais ou menos perceptível, mas nunca mais voltou a propor projeto “interessantes” para possíveis edifícios. A Cidade Genérica demonstra que estava equivocado: os seus arquitetos mais ousados aceitaram o desafio que Mies recusou, até um ponto que que hoje é difícil encontrar uma caixa. Ironicamente esta homenagem exuberante ao Mies interessante mostra que «o» Mies estava enganado. A direita, Gaudi, a catedral e as cabras


Barcino de Joan Brossa, Ciutat Vella, Barcelona

A rua morreu. Essa descoberta coincidiu com as frenéticas tentativas de sua ressureição. A arte pública está em toda a parte —como se duas mortes fizessem uma vida. A pedonização— pensada para preservar —canaliza simplesmente o fluxo dos condenados a destruir com os seus pés o objeto de sua presumida veneração.

A D AT A/ID DE UM ADE DA CI DAD AL — E M E I T U R A AT E G E N É R I C E A POD CASO ES S S I N N TA D A G E PLAN O G M ULAR TA E C ETRIA ER RECONS E S O RT E TRUÍD UM CO O R T O G , P E N TA G O D O S E U A E AAP RT E C N R A RT I R O A O NAIS: L OU P O RTO URVO DE UM H D E P TA G . PLA ÚNICO ÉCAD A PLA N TA H A DE INTER N TA L COMO EXAG 1970. ONAL— D M I I N N ONAL É E AV E L M UM CA CIDAD CADA A E R VA L H R , D É C A D A D ENTE E C O 1 LLAGE 9 E O: AL : DÉC 60. EMAN DE 1990 — XTRUDIDO A DA DE HA. A SUA 1980. ESTRU Fechemos os olhos e imaginemos uma TURA RAMI explosão de bege. No seu epicentro espalha-se FICAD A

a cor das pregas vaginais —não excitadas— em beringela metálico opaco, tabaco-caqui, abóbora acizentada, todos os carros a caminho da brancura nupcial…


UNK

O junk space é como esar condenado a um ‘jacuzzi’ perpétuo com milhões dos teus melhores amigos… um império emaranhado de confusão que funde o elevado com o mesquinho, o público com o privado, o direito com o torto, o saciado com o esfomeado para fornecer um mosaico ininterrupto do permanentemente desconexo.


Vista da Praça Roosevelt, São Paulo

PAC

A iconografia do junk space é 13% romana, 8% Bauhaus e 7% Disney (empate técnico) e 3% Art Nouveau, seguido de perto pelo estilo Maia, Como substância que se poderia condensar em qualquer outra forma, o junk space é um domínio de ordem fingida e simulada, um reino de transformação morfológica.


A direita, Istambul, Turquia, por Farrukh Dehlvi Abaixo, Bento Gonรงalves, RS

Junk


SPACE

O NEON SIGNIFICA TANTO O VELHO COMO O NOVO: OS INTERIORES REMETEM AO MESMO TEMPO PARA A IDADE DA PEDRA E PARA A ERA ESPACIAL. TAL COMO UM VIRUS, A ARQUITETURA MODERNA CONTINUA ESSENCIAL MAS SÓ NA SUA MANIFESTAÇÃO MAIS ESTÉRIL, O HIGH TECH —QUE PARECIA MORTO AINDA HÁ UMA DÉCADA! ESTA EXPÕE O QUE AS GERAÇÕES ANTERIORES MANTINHAM EM SEGREDO: AS ESTRUTURAS EMERGEM COMO MOLAS DE UM COLCHÃO; AS ESCADAS DE EMERGÊNCIA PENDEM DE UM TRAPÉZIO DIDÁTICO; SONDAS ATRAVESSAM O ESPAÇO PARA PROPORCIONAR LABORIOSAMENTE O QUE AFINAL É OMNIPRESENTE, O AR LIVRE, HECTARES DE VIDRO PENDEM DE UM EMARANHADO DE CABOS, PELES BEM RETESADAS ENCERAM DÉBEIS NÃO-EVENTOS.


e

spac

space

sp

ac

e

JUNK Acima, Walking city, Architecture e Peter Cook Pågina anterior, La Carte del’Enfer de Dante Alighieri, Sandro Botticelli


Como se consome intensamente o junk space tem uma manutenção zelosa, o turno da noite desfaz os danos do turno de dia numa interminável repetição à maneira de Sísifo. Tal como nós sobrevivemos ao junk space, ele sobrevive a nós: entre as duas e as cinco da madrugada, outra população distinta, esta desapiedadamente informal e apreciavelmente mais obscura, dedica-se a limpar, fazer a ronda, varrer, secar, repor… O junk space não inspira fidelidade àqueles que o limpam.

K


A ideia de que antes uma profissão impunha,

por rampas, tornam-se horizontais sem aviso

ou pelo menos julgava prever, os movimen-

prévio, intersetam-se, dobram-se para baixo

tos das pessoas agora parece risível; ou pior,

e emergem de repente numa varanda verti-

impensável. Em vez de desenhos há cálculos:

ginosa sobre um grande vazio. Um fascismo

quanto mais errático for o caminho, quanto

sem ditador. Desde o beco sem saída onde

mais excêntricos forem os circuitos, quanto

fomos lançados por uma escada monumental

mais oculto estiver o projeto e quanto mais

de granito, uma escada rolantes conduz-nos

eficaz for a exibição, mais inevitável é a tran-

a um destino invisível, de frente para uma

sação. Nesta guerra, os designers gráficos

paisagem provisória de gesso, inspirada em

são os grandes vira-casacas: enquanto que

fontes pouco memoráveis —não há nível de

antes a sinalização prometia levar-nos onde

referência; habitamos sempre um sanduíche.

queríamos ir, agora confunde-nos e enreda-

O «espaço» escava-se no junk space como se

-nos num emaranhado de preciosismos que

esse fosso um bloco de sorvete escorregadio

nos obriga seguir por desvios não deseja-

que passou demasiado tempo no congelador:

dos, e voltar atrás quando nos perdemos.

cilíndrico, em forma de cone, mais ou me-

O pós-modernismo acrescenta uma zona enr-

nos esférico, seja o que fôr… Os núcleos dos

rugada de poché viral que fratura e multiplica

lavabos transformam-se em lojas da Disney

a interminável frente de exibição: um envó-

e depois metamorfoseiam-se e passam a ser

lucro peristáltico, crucial para qualquer in-

centros de meditação: as transformações su-

tercâmbio comercial. Os percursos lançam-se

cessivas tornam ridícula a palavra «projeto».

JUN


SPACE

UNK

Acima, Tรณquio, por Suiรก Burger Ferlauto Esquerda, Sรฃo Paulo


mpo perdido. te o s s o n o , s ha s, as bombac a r o o uma tribo p v s o e n s e A d é « o d n alismo: o mu n io g e r nsplantes. o a a tr o e ã m a tn Dizer n ie de V —todos falam melhor ,­ s te s e o m o c ás outros dias , r e v o ã n , a ç n r os sistemas e Cria b e c r e p , is a temas univers is s s os Pampas. o n n r e e s r r ro m o d engaja antes s também. ó n a r a p : te is O futuro já ex liberdade: m e o d tu s o Por isso façam lo livre, o s o , e r v li o ç o espa riativo livre. c o lh a b a tr o , a cultura livre edievais». m s ia n a m s a ições e d Livre das trad Porto Alegre Aberta, Julho 1968 Urbanismo, Faculdade de Arquitetura UFRGS Claudio Cunha, Claudio Ferlauto, Getúlio Picada, Paolo Giora, Pedro Mohr, Ronildo Goldmeyer Arquitecultura, A arquitetura da terra na era do espaço, Claudio Ferlauto, Caderno de Cultura, Zero Hora, junho 1969.



Cadernos do Olhar #22 As cidades Em cada fuso horário Só o redundante conta. representações do há mais ou menos três está rodeado por musical Cats. O mundo mi-mi-mi. A cidade um anel de Saturno de erva natural de caça costumava ser uma res rica é como uma sexual. A Cidade Gené l: concilia eficazmente agência de matrimonia gasmos em vez de a oferta e a procura. Or ogresso. sofrimentos: aí está o pr scenas são anunciadas As possibilidades mais ob mais limpa: com a família tipográfica

GENÉRICA -se pornográfica. a Helvetica tornou

na-se oceânica. A multidão agitada tor m Agora cortamos o so As ondas rebentam. ençoado— e fazemos —silêncio, um alívio ab te ando-se, mas felizmen s. Os homens provavelmente queix rodar o filme para trá pela ad ente o silêncio é reforç o mudos mas visivelmnã o os ouvimos. Agora e as mulheres, agora s a tendas vazias, algun aos tropeções: vazio: a imagem mostr agitados, retrocedem tória his a é Esta istra apenas seresrestos de lixo pisado. Que alívio… o observador já não reg s iste. ça a notar os espaçoda cidade. A cidade já não ex humanos, mas come vazia-se: as últimasAgora podemos sair do cinema. n entre eles. O centro es em, quadramento da imag sombras saem do en

Cities of Future, Paolo Soleri


Cadernos do Olhar #24 As cidades

A CIDADE TEVE EM TEMPOS UM PASSADO. NO SEU ESFORÇO PARA ALCANÇAR NOTORIEDADE, GRANDES SETORES DELA DE CERTO MODO DESAPARECERAM, A PRINCÍPIO SEM QUE NINGUÉM O LAMENTASSE —SEGUNDO PARECE, O PASSADO ERA SURPEENDENTEMENTE INSALUBRE, MESMO PERIGOSO— E DEPOIS SEM AVISAR, O ALÍVIO TRANSFORMOU-SE EM PESAR. ALGUNS PROFETAS —DE LONGOS CABELOS BRANCOS, MEIAS CINZENTAS E SANDÁLIAS— TINHAM SEMPRE AVISADO QUE O PASSADO ERA NECESSÁRIO, UM RECURSO. LENTAMENTE, A MÁQUINA DE DESTRUIÇÃO COMEÇA A IMOBILIZAR-SE; ALGUMAS CASINHOLAS ALEATÓRIAS DO BRANQUEADO PLANO EUCLIDIANO SALVAM-SE, RESTITUÍDAS A UM ESPLENDOR QUE NUNCA TIVERAM.


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